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ESTRANHAMENTOS E DESESTABILIZAÇÕES NO DEBATE JURÍDICO SOBRE
DEFICIÊNCIA: POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA CRIP À
(DES)CONSTRUÇÃO DA CAPACIDADE LEGAL
Jacqueline Lopes Pereira1
Francielle Elisabet Nogueira Lima2
Resumo: A pessoa com deficiência é assim denominada em oposição a um ideal normativo de
“normalidade” ou de “eficiência”, o qual tende a excluir realidades concretas divergentes de um
imperativo padronizado de corporalidade. Nessa esteira, sabe-se que o direito ocidental oitocentista
produziu códigos com o objetivo de regular exaustiva e previamente a existência e atos da vida dos
sujeitos, racionalidade esta também vigente nos dias atuais. Dentre os mecanismos de regulação
está o regime da capacidade civil que, no caso brasileiro, classificava pessoas com deficiência como
absolutamente ou relativamente incapazes até o início de 2016, quando mudanças trazidas pela
edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência e diretrizes da Convenção de Nova Iorque atingiram
essa estrutura tradicional e binária, alinhando-se com pautas há décadas defendidas por movimentos
sociais. Nesse sentido, observa-se o campo profícuo de diálogo interdisciplinar entre a teoria Crip e
o direito civil. Aquela, ao questionar a corponormatividade, aponta para possíveis críticas ao
sistema jurídico e direciona para potenciais reformulações de paradigmas que construíram e ainda
mantêm a noção estável do que se entende por sujeito de direito, as quais são exploradas pelo
presente trabalho.
Palavras-chave: Pessoa com deficiência. Capacidade legal. Teoria Crip.
Introdução
Em 2015, instituiu-se a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº
13.146/2015, Brasil, 2015), a qual, baseada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e em seu Protocolo Facultativo (ratificados pelo Congresso nacional em 2008), prevê
uma série de disposições para assegurar e promover em condições de igualdade o exercício de
direitos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência, visando à sua inclusão social3.
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná na área de concentração em
Relações Sociais. Bolsista CAPES/PROEX. Telefone: (41) 99941-6713. E-mail: [email protected].
Curitiba- Brasil. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná na área de concentração em
Direitos humanos e democracia. Assessora no Tribunal de Justiça do Paraná. Telefone: (41) 99102-2733. E-mail:
[email protected]. Curitiba- Brasil. 3 Art. 1o. É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência),
destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais
por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
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Referido diploma legal ocasionou mudanças no Código Civil (Lei nº 10.406/2002, Brasil,
2002), sendo a transformação do regime das capacidades a mais notória delas, excluindo a previsão
de incapacidade absoluta para pessoas com deficiência, e impactando nas searas existencial e
patrimonial da regulamentação da vida privada deste segmento populacional.
A título exemplificativo4, nota-se como a LBI, ao impor tais modificações no ordenamento
jurídico, possibilitou às pessoas com deficiência exercerem com maior autonomia atos civis como a
formação de família através de união estável e casamento – garantindo, ainda, direitos sexuais e
reprodutivos, portanto -, bem como o amplo exercício do poder familiar (guarda, custódia, tutela e
adoção de crianças e adolescentes), derrotando, ainda, a sistemática do antigo procedimento
conhecido como curatela e instituindo a tomada de decisão apoiada5, a fim de fornecer à pessoa
com deficiência elementos e informações necessários para gozar plenamente de sua capacidade.
Não obstante, tal ampliação das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência trouxe
perplexidade a alguns juristas6 que, a partir de uma visão tendencialmente conservadora, perguntam
se o estabelecimento da capacidade legal das pessoas com deficiência em pé de igualdade com
as(os) demais é de fato vantajoso para a proteção daquele primeiro grupo, tendo em vista sua
condição de vulnerável.
De outro norte, pode-se apontar como estas pretensas preocupações e o que se entendeu
tradicionalmente por “regime das incapacidades”, previamente à instituição da LBI, no âmbito do
direito civil, contribuem (contribuíram) para a segregação da pessoa com deficiência, por terem
classificado juridicamente alguns indivíduos como dotados de capacidade para exercer alguns atos e
outros como inaptos para tanto, pautando-se em um ideal de “normalidade” corpórea ou psíquica –
4 Joyceane Bezerra de Menezes retrata que “além do destaque especial que a CDPC dedicou à capacidade legal, outros
pontos que importam diretamente ao direito civil também foram ressaltados. Dentre eles, o direito das pessoas com
deficiência à integridade fisiopsíquica (art.17); à liberdade de locomoção e à nacionalidade (art.18); à vida independente
e à inclusão na comunidade, facultando-lhes a escolha do local de sua residência e daqueles com quem deseja morar, de
sorte que não seja obrigado a viver em determinado tipo de moradia (art.19); à ampla mobilidade (art.20); à liberdade de
expressão e opinião (art.21); à privacidade (art.22). Merece relevo o direito à constituição e proteção da família (art.23).
Nesse ponto, a CDPD estabelece para os Estados, o dever de assegurar à pessoa com deficiência a possibilidade de
exercer o poder familiar, a guarda, a custódia, a curatela e pleitear a adoção de crianças, respeitado sempre o superior
interesse dessas” (Menezes, 2015, p. 6). 5 Previamente às alterações da LBI, para que uma pessoa com deficiência fosse considerada absolutamente incapaz,
deveria enfrentar processo de “interdição”, através do qual seria nomeado(a) curador(a), que a representaria nos atos da
vida civil. A denominação “interdição” é rechaçada pela lógica da Convenção, sendo mais apropriado falar de
“processo de curatela”, o qual atualmente encontra limitações na LBI, em razão de qualificá-lo como medida
excepcional e atinente apenas a atos civis de natureza patrimonial, de forma que se resguardam as decisões existenciais
à vontade da pessoa com deficiência, nos termos do artigo 85 da LBI (Rosenvald, 2015). Ainda, inovação que não passa
despercebida é a tomada de decisão apoiada, documento que deve ser homologado pelo Poder Judiciário e que afasta o
paradigma da substituição de vontade para seguir o modelo de “apoio” de decisões através da eleição, pela própria
pessoa com deficiência, de ao menos duas pessoas de sua confiança com a função de esclarecer elementos e possíveis
efeitos que envolvem uma escolha (Menezes, 2016, p. 608). 6 Nesse sentido, ver: Simão, 2015.
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dados apontam que, do percentual de 14,5% da população brasileira que possui algum tipo de
deficiência, 70% vivem abaixo da linha da pobreza, 33% são analfabetas ou têm até 3 anos de
escolaridade e 90% estão fora do mercado de trabalho (De Oliveira; Matos, 2016, p. 19).
Além disso, de maneira geral, percebe-se por parte de operadoras(es) do direito escassas
tentativas de diálogo com outros ramos do saber que há muito já vem tratando, no campo
acadêmico, da existência (e, por conseguinte, da corporalidade) da pessoa com deficiência partindo
de analíticas críticas, como é o caso dos disability studies (ou estudos sobre deficiência7).
Nota-se, nesta área, crescente contribuição da epistemologia feminista e da teoria queer
desde os anos 1990 (Block; Mello; Nuernberg, 2014, p. 96), mormente no que diz respeito ao
desenvolvimento da “teoria Crip”, a qual almeja, dentre outros objetivos, uma posição crítica com
relação à materialidade fixa do corpo deficiente, questionando a naturalidade de corpos
capazes\hábeis\eficientes (Gavério; Oliveira, 2015, p. 1), desestabilizando a oposição binária
eficiência versus deficiência.
Partindo desses pressupostos, observa-se profícuo potencial, na seara jurídica, de se
estabelecer interfaces com as teorizações crip, a fim de questionar a corponormatividade intrínseca
aos enunciados normativos jurídicos acerca da capacidade legal, os quais sistematicamente
reproduziram exclusões das pessoas com deficiência para a prática dos atos da vida civil,
apontando para possíveis reavaliações do sistema jurídico e para reformulações de paradigmas que
construíram e que ainda mantêm, em vasta medida, uma noção abstrata e estável do que se entende
por sujeito de direito.
A pessoa com deficiência e o “padrão” de normalidade no direito civil ocidental: a
capacidade civil nas codificações
O direito é prática social que envolve um conjunto de normas criadas pelo Estado, as quais
têm caráter universalizante e buscam genericamente abranger toda a contingência e pluralidade
humana em padrões de conduta pré-ordenados. Tanto a noção do próprio Estado de Direito, quanto
7 De acordo com Block, Mello e Nuenrberg (2014, p. 94), disability ou discapacidad traduz-se no neologismo
“discapacidade”, que combina o prefixo “dis”, significando “dificuldade”, com a palavra capacidade, “não possuindo
nenhuma relação conceitual com as palavras deficiência e incapacidade”. Afirmam estes autores, para ilustrar a questão,
que certo tipo de deficiência gera discapacidades diferentes, da seguinte forma: “Palacios (2008, p. 123) argumenta que
Morris (1991) sintetiza claramente esta diferença entre deficiência e discapacidade ao afirmar que ‘una incapacidad para
caminar es una deficiencia, mientras que una incapacidad para entrar a un edifício debido a que la entrada consiste en
una serie de escalones es una incapacidad” (Idem). Feitas essas considerações, no entanto, opta-se, nesta oportunidade,
pela adoção do termo “deficiência” como referência a “disability”, por aquele já ter se consolidado como tradução
oficial deste, na esteira do que preconizam referidos autores.
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a produção de normas que visam regular a vida da pessoa desde seu nascer até após sua morte,
desenvolveram-se com afinco na modernidade jurídica (Pereira, 2011, p. 167-168).
Nessa esteira, observa-se como o direito civil8, na qualidade de ramo que regula as relações
interpessoais tanto em âmbito existencial como em âmbito patrimonial (consubstanciadas nos eixos
dos contratos, do regime das apropriações e das relações familiares), teve suas bases construídas no
contexto das codificações oitocentistas9. Através de enunciados abstratos, estas contribuíram, por
um lado, para o desenho de uma igualdade formal entre os membros da sociedade, e, por outro,
ocultaram a diversidade inerente à humanidade, por se alicerçar na figura abstrata e simplificada de
um “sujeito de direito” estável, com vistas a absolutizar uma visão parcial de mundo, à luz de um
ordenamento sexista masculino (De Oliveira, 2016).
Houve, portanto, a construção de um ideal de subjetividade que não necessariamente
correspondia à pessoa que vive, sente e transita pelos nossos dias (Meirelles, 1998, p. 91), e que,
para ter seus atos reconhecidos como válidos no mundo jurídico, deveria ser dotado de algumas
características: o “regime das capacidades” contribuiu para essa qualificação.
Tal regime classificatório trata da capacidade jurídica em duas dimensões: a capacidade de
ter direitos, isto é, “capacidade de direito” e a capacidade de gozar e exercer esses direitos por conta
própria, referida como “capacidade de exercício” ou “de fato” (Amaral, 2006, p. 227). Não há
divergências a respeito de todo ser humano deter a capacidade jurídica de direito, porém, o próprio
sistema jurídico estabeleceu gradações ao definir quem é e quem não é plenamente capaz de exercer
atos da vida civil (tratando-se, aqui, da capacidade de fato).
Em breve retrospecto legislativo, o Código Civil de 1916, vigente até 2003, classificava em
seu artigo 5º como absolutamente incapazes os “loucos de todo o gênero” e os “surdos-mudos, que
não puderem exprimir a sua vontade”, os quais seriam representados por curador(a) após processo
judicial de “interdição”. Essa norma foi reproduzida no Código Civil de 2002, que além de prever
como absolutamente incapazes os “que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o
necessário discernimento” para os atos da vida civil no artigo 3º, também incluiu como
relativamente incapazes os “excepcionais, sem desenvolvimento mental completo” em seu artigo 4º
(Brasil, 2002).
8 De maneira mais específica, eis o conceito exposto por Francisco Amaral: o direito civil “regula as relações entre
indivíduos nos seus conflitos de interesses e nos problemas de organização de sua vida diária, disciplinando os direitos
referentes ao indivíduo e à sua família, e os direitos patrimoniais, pertinentes à atividade econômica, à propriedade dos
bens e à responsabilidade civil” (Amaral, 2006, p. 26-27). 9 O Código Civil francês de 1804 pretendia ser a única fonte do direito privado por abarcar as relações particulares com
coerência, completude, estabilidade e certeza. Não foi diferente a intenção do Código Civil Alemão, o BGB de 1896,
que intencionou ordenar formalmente conceitos abstratos referentes à relação jurídica (Fonseca, 2014, p. 29-30).
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Verifica-se, assim, que o regime das capacidades contribuiu para invisibilizar a vontade de
pessoas com deficiência – principalmente mental e intelectual– e, em sentido contrário, colaborou
para celebrar a figura de sujeito de direito “normal” e plenamente capaz de decidir os rumos de sua
vida sem ingerência de terceiros.
Diante desse quadro, observa-se que a limitação da capacidade de fato, ou de exercício,
dialoga diretamente com o um ideal normativo de “eficiência”, que exclui realidades concretas
divergentes de um padrão idealizado disposto pelo dito direito civil e constrói uma lógica binária de
contraposição da “capacidade” à “incapacidade” (ou “discapacidade”).
Tal modelo binário de classificação de pessoas como incapazes para atos da vida civil é
altamente influenciado pelo saber médico e patologizante (Barbosa; Diniz; Santos, 2009, p. 66), que
torna ainda mais evidente a segregação da relação com as pessoas com deficiência, reputando-as a
existências negadas e sem vontade qualificada para definir os rumos de suas próprias escolhas de
vida e patrimônio.
Modelo social, Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência e a desestabilização
do regime das capacidades
Percebe-se, assim, como a lógica patologizante e estigmatizante do regime das capacidades
confronta o que se define como “modelo social da deficiência”, horizonte que indica a compreensão
da pessoa com deficiência como resultado de uma dinâmica entre sociedade e a sua subjetividade.
Tal modelo inaugurou o paradigma defendido por movimentos de bandeira “Nothing about
us without us” (Charlton, 2000), isto é, que defendiam a participação ativa e direta das pessoas com
deficiência no desenvolvimento de políticas públicas e garantia de direitos fundamentais,
reivindicação esta que foi reconhecida, praticada e expandida pela Convenção Internacional de
Direitos das Pessoas com Deficiência.
Em 2009, o Brasil internalizou a Convenção Internacional de Direitos da Pessoa com
Deficiência10 e, em 2015, com a instituição da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
ou Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015, Brasil, 2015), eliminou-se a hipótese
10 Esse tratado internacional foi assinado pelo Brasil em Nova Iorque, Estados Unidos da América, em 30.03.2007 e sua
ratificação pelo Congresso Nacional ocorreu em 2008 através do Decreto Legislativo n. 186, em consonância com o
procedimento previsto no artigo 5º, parágrafo 3º da Constituição Federal (votação com maioria qualificada de três
quintos dos votos dos membros das respectivas Casas do Congresso Nacional em dois turnos). Isto é, o referido tratado
internacional é o primeiro – e, até então, único – que possui status material e também formal de Emenda à Constituição,
com vigor no plano interno desde a vigência do Decreto Presidencial n. 6.949 de 2009.
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de essas pessoas serem consideradas absolutamente incapazes pelo sistema jurídico. O tratado
internacional (primeiro instrumento ao qual se referiu neste parágrafo) visou à emancipação da
pessoa com deficiência e sua garantia como sujeito de direito em sua plenitude, de modo a tentar
romper com o capacitismo que as excluía do fruir da liberdade.
Dentre os maiores impactos produzidos pela Convenção está a determinação contida em seu
artigo 12, que tornou a capacidade legal da pessoa com deficiência a regra a ser seguida dentre os
ordenamentos jurídicos dos países signatários. Essa alteração estrutural recai sobre as balizas do
regime das capacidades do direito civil clássico e concede maior liberdade de autodeterminação à
pessoa com deficiência.
Assim, permite-se uma aproximação dos enunciados normativos regulatórios à concretude
da vida, bem como o afastamento gradual do binarismo “eficiência”-“deficiência”, sem deixar
também de amparar a vulnerabilidade da pessoa individualmente considerada, uma vez que existe
expressa preocupação a respeito das salvaguardas às pessoas com deficiência cuja capacidade para
discernimento se encontre limitada.
Essas mudanças são condizentes com o modelo social de percepção da deficiência, pois ele a
compreende como resultado da relação entre pessoa e sociedade (Diniz, 2012, p. 19), sendo a
condição de vulnerabilidade a consequência da incapacidade da sociedade – e não da pessoa –
interagir com uma corporalidade (não apenas física, mas mental, intelectual e sensorial) em
desigualdade de condições (Schramm, 2005, p. 3).
Sob essa perspectiva, a teorização do modelo social da deficiência, perpetrada nos estudos
sobre a deficiência (disability studies), vislumbra que não é a pessoa em si quem se apresenta como
deficiente, mas que essa convencionada “incompletude” está na sociedade em virtude de não
fornecer recursos mínimos que ampliam as escolhas e proteção das preferências dessas pessoas.
Abandona-se, assim, a perspectiva médica que tanto pugnava pela reabilitação individual,
porquanto, através do modelo social, parte-se do pressuposto de que a deficiência é uma construção
que resulta das interações entre um indivíduo e o entorno que foi concebido para ele (Bueno;
García, 2007, p. 1.553).
Esses estudos teóricos se devem à atribuição do significado de “deficiência” como
corporalidade incompleta, elaborado no período após as Duas Grandes Guerras a partir da presença
de vítimas flageladas (física e psicologicamente) pela violência do conflito (Asís, 2013, p. 19) e
desenvolvimento nas décadas seguintes do século XX. Ana Paula Barbosa-Fohrmann e Sandra
Filomena Wagner Kiefer notam a transição de um modelo reabilitador e assistencialista da
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deficiência a modelo social, libertador e integrador, devido à participação ativa de movimentos da
sociedade civil representativos de pessoas com deficiência:
A partir da década de sessenta, teve início, especialmente na Inglaterra e nos Estados
Unidos, um movimento liderado pelas próprias pessoas com deficiência e suas entidades,
com forte atuação política, jurídica e acadêmica, que buscava uma participação social
igualitária e o reconhecimento de direitos. Destacam-se a britânica “Union of Physically
Impaired against Segragation (UPIAS)”, a “Disable People’s International (DPI)” e o
Movimento de Vida Independente (CVIs), os quais difundiram informações e ações sobre
acessibilidade, em todas as suas dimensões. Por meio dessas organizações, começou-se a
demonstrar o elo entre a limitação que vivencia cada pessoa com deficiência e design, a
estrutura do ambiente e a atitude da sociedade. (BARBOSA-FOHRMANN; KIEFER, 2016,
p. 72).
Esses movimentos influenciaram a citada Convenção Internacional e exigem a releitura da
deficiência sob o paradigma de que todo ser humano é passível de estar em relação comparativa de
desigualdade e, por isso, não há que se ocultar ou tratar a diferença como “anormalidade”.
Assim, no direito civil atual, emerge a noção de capacidade legal sem a bifurcação da
capacidade de direito e capacidade de fato que outrora vigia no ordenamento jurídico, na tentativa
de eliminação das subdivisões incapacidade relativa e incapacidade absoluta (Concil of Europe,
2012). O que se vê, portanto, é que o regime clássico das capacidades adotado pelo tradicional
direito civil se depara com diferentes perspectivas sobre a deficiência, que enfatizam a necessidade
de tomar corporalidades consideradas anormais ou incompletas pelo saber científico como
diversidades de expressão da existência humana.
Nesse trilhar, é possível verticalizar a crítica à limitação da capacidade jurídica por vertente
de estudos engendrada nos disability studies, qual seja, a teoria Crip, que exsurge em contexto de
expansão daqueles estudos pós anos 1990, nas humanidades (Gavério, 2015, p. 105).
A teoria Crip como contributo à crítica ao regime das capacidades e à racionalidade
jurídica vigente
Como visto, o regime da capacidade civil presente no ordenamento jurídico brasileiro
corroborou uma estrutura binária em que, por um lado, havia sujeitos plenamente capazes de decidir
a respeito dos rumos de seu patrimônio e existência e, por outro, sujeitos desprovidos de
autodeterminação relativa ou absoluta, a partir de categorias fixas pré-ordenadas, sem se atentar
para a complexidade e a diversidade das deficiências.
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Tal classificação, através da técnica jurídica da gradação da capacidade de exercício, muito
contribui para o estado de abjeção (Butler, 2013, p. 156) das pessoas com deficiência quanto ao
reconhecimento jurídico de sua personalidade como dotada de autodeterminação e vontades; isto é,
o direito, por meio do regime das capacidades, ratificou expressamente o apagamento de existências
e corporalidades que não gozavam de um status de sujeito pleno para o ponto de vista normativo.
Nesse sentido, dialoga-se com a teoria Crip11, vertente filosófica com proximidade da teoria
Queer, a(s) qual(is) favorece(m) a crítica à subjetividade jurídica excludente da pluralidade de
vivências humanas.
Um dos propósitos da teoria Crip, em apertada síntese, é a ressignificação de conceitos que
desqualificam corporalidades por não se adequarem à normalidade e, por isso, são excluídos de uma
condição de maior igualdade. Nas palavras de McRuer (2006, p. 33), reportado como idealizador de
referida teoria, pauta-se na análise crítica de “como corpos e deficiências foram concebidos e
materializados em vários locais culturais, e como podem ser entendidos e imaginados como formas
de resistência à homogeneização cultural”.
Observa-se, de igual sorte, que a exclusão da pessoa com deficiência no campo normativo-
jurídico se operou, por longa data, pelo contraste entre seres humanos “eficientes” e “aptos” e
outros “deficientes” e “inaptos” para tomarem as rédeas da própria vida - como se viu, na
codificação de 1916, havia a previsão de incapacidade absoluta para pessoas com deficiência que
poderiam ser classificadas como “loucos de todo o gênero”, para não mencionar a generalização da
experiência da surdez também como causadora de incapacidade; já o diploma civil de 2002, apesar
de abrandar tais termos, manteve a ratio discriminatória ao tolher a capacidade de exercer atos da
vida civil de pessoas com enfermidade ou deficiência mental, sem observar a gradação que
deficiências podem ter na realidade vivida.
Percebe-se, destarte, que a manutenção da regra da pessoa com deficiência como
absolutamente incapaz para o exercício de atos da vida civil significou mantê-la em um lugar oculto
para o direito, o que restringe a sua fruição de direitos fundamentais (Menezes, 2016). E essa
restrição restou, em certa medida, atenuada pela ruptura do clássico regime das capacidades feita
pela mudança de paradigma exposta no item antecedente.
11 Como bem explica Gavério (2015, p. 111), “fazendo uma analogia ao uso ressignificado do termo pejorativo queer
(que, sinteticamente, poderia ser traduzida para o adjetivo “esquisito”, “estranho”), a palavra crip é diminutivo de
cripple, que pode ser traduzida como aleijado(a), defeituoso(a) e tem sido pensada de maneira geral e estratégica, por
partes da comunidade deficiente ativista, como uma tentativa de romper com definições estanques e objetivas que
categorizam e especificam, perante uma norma pré-estabelecida, corpos, deficiências e comportamentos”.
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Daí a relevância da teoria Crip às reflexões ora desenvolvidas, pois ao se pensar a exclusão
da capacidade civil plena da pessoa com deficiência, nota-se uma normatividade que condena uma
forma de vida humana a uma condição secundária ou abjeta. Também se constata nas proposições
crip sintonia com o modelo social de apreensão da deficiência e o propósito integrador da
Convenção de Nova Iorque, buscando-se, assim, arcabouço teórico-crítico para a construção de um
novo conceito de capacidade legal que não mais reproduza discriminação em relação às pessoas
com deficiência e, que, ao mesmo tempo, confira a tais pessoas maior autodeterminação, em
conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Além disso, em visão mais ampliada, os aportes teóricos crip também se prestam a
questionamentos que extrapolam a construção do novo paradigma da capacidade legal para pessoas
com deficiência. Essa possibilidade analítica se evidencia, por exemplo, na observação à
modificação trazida pela própria LBI ao Código Civil, no que se refere ao artigo 1.557 do Código
Civil, dispositivo que atualmente possui a seguinte redação:
Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:
I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu
conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;
II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a
vida conjugal;
III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não caracterize
deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por herança, capaz de pôr
em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência.
Muito embora se tenha retirado a referência à deficiência física e mental do rol de erros
essenciais capazes de ensejar a anulação de matrimônio, a menção a “defeito físico irremediável”
reproduz fortemente ideal de um corpo “naturalmente” normal, “são”, sem “anomalias”, o que, por
sua vez, propulsiona nova crítica à corponormatividade inserida no bojo da racionalidade jurídica,
que traz grandes estigmas àqueles que não possuem funcionalidade corporal considerada plena
dentro de um parâmetro fixo de normalidade.
Considerações finais
Reconhece-se nas alterações trazidas pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência relevantes avanços legislativos que impactam diretamente no desfrutar da
autodeterminação das pessoas com deficiência, o que reflete em ampla gama de direitos
fundamentais (planejamento familiar, direitos sexuais e reprodutivos, liberdades para contratar e
adquirir propriedade, etc).
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Não obstante, a crítica ao clássico regime das capacidades, na seara jurídica, ganha especial
olhar ao se associar às contribuições dos estudos sobre deficiência (disability studies), que
identificam mecanismos de produção e reprodução de abjeções a formas de vida destoantes de um
pretenso ideal de normalidade.
Observa-se, nesta mesma toada, que a teoria Crip, partilhando de tais perspectivas críticas,
auxilia na superação do modelo biomédico de compreensão da pessoa com deficiência e se alinha a
um modelo social, que a compreende em perspectiva relacional, configurando-se como importante
arcabouço teórico para o desenvolver prático da concretização da capacidade plena das pessoas com
deficiência.
Em outras palavras, ao se propugnar pelo incremento de contributos interdisciplinares que
excedem o comum viés celebratório em relação à LBI, prioriza-se o contínuo pensamento crítico
em relação à racionalidade jurídica, pois “é a partir deste movimento de negação criativa que se
deve, enfim, apostar para aportarmos na tão sonhada afirmação deste sem número de vivências
humanas contemporaneamente negadas” (De Oliveira; Matos, 2016, p. 30).
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Estrangements and destabilization on judicial debate about disability: possible contributions
from Crip theory to (de)construction of legal capacity
Abstract: Disabled people is a nomination opposed to “normal” or “abled” people, which reveals
an exclusion of different ways of life by imperative standarts of corporality. Western Law has
produced Codes trying to rule previously the subject’s whole existence and acts. Civil capacity is
one of the tools of regulation. Brazilian Law used to classify disabled people as absolutely or
relatively incapable until the beggining of 2016, when this traditional binary structure has been
changed by Disabled People’s Statute and UN Convention on the Rights of Persons with
Disabilities. These innovations show a paradigm desired for a long time by disabled people’s social
movements. Thereby, we can see a beneficial interdisciplinary dialogue between Crip theory and
Brazilian private Law. That theory questions corponormativity, heading to possible reviews to
Brazilian’s Legal system. These criticisms demonstrate potential reformulations of paradigms that
try to signify the "subject of Law", which this paper studies.
Keywords: Disabled people. Legal capacity. Crip Theory.