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Com prefácio de Dr. Rafael Vitola Brodbeck, RP.

LUIZ POSTAL

Uma dissertação

sobre o Escotismo

e sua realização

confessional

católica.

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“Fecundado pelo Evangelho, o escotismo é não apenas um lugar de verdadeiro crescimento humano, mas também o lugar de uma vigorosa proposta cristã e de um genuíno amadurecimento espiritual e moral,

assim como de um autêntico caminho de santidade...”.

Papa Bento XVI

Trecho da Carta Apostólica ao Presidente da Conferência Episcopal da França com Bênção

Apostólica ao Escotismo Católico (Pág. 51 e seguintes).

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Uma dissertação sobre o Escotismo motivada pelo

prefácio do Padre Marco Luís à primeira edição do livro Le Scoutisme, de Jaques Sevin, em língua portuguesa.

Por Luiz Postal, RP.

Porto Alegre, 27 de setembro de 2012.

MCMXX-MMXII

Distribuição gratuita – Reprodução autorizada

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Sumário Prefácio................................................................................................4 Sobre o Autor.......................................................................................8 Agradecimentos...................................................................................9 INTRODUÇÃO....................................................................................10 PRIMEIRA PARTE: O PROBLEMA......................................................13

Livro perigoso para quem? ....................................................... 13 Onde está o perigo para a Fé? .................................................. 14

Primeiro perigo: A deturpação acarretada pela apresentação despreocupada, informal e ambígua do Método. ................ 14 Segundo perigo: A comparação do ocidente cristão com as nações pagãs colonizadas ..................................................... 17 Terceiro perigo: O Naturalismo ............................................ 20 Quarto perigo: O Positivismo ............................................... 22 Quinto perigo: O Espiritualismo ........................................... 24 Sexto perigo: O Relativismo ................................................. 26

SEGUNDA PARTE: A SOLUÇÃO....................................................31 A melhor realização das ideias de Baden-Powell - segundo ele próprio. .................................................................................... 31 A recristianização do Escotismo ............................................... 33 Como contornar as deturpações?............................................. 34 Como o Escotismo é submetido à Igreja. .................................. 36 O que faz a diferença? .............................................................. 38

Primeira diferença: Um movimento católico de adultos ...... 39 Segunda diferença: Os Cinco Fins do Escotismo ................... 40 Terceira diferença: Os Quatro Marcos da Rota ..................... 44 Quarta diferença: O Rechaço à Coeducação ......................... 48

CONCLUSÃO......................................................................................50 CARTA APOSTÓLICA DO PAPA BENTO XVI.......................................53 Referências bibliográficas e citações................................................57

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Prefácio Recebi com gosto o texto do Luiz Postal, RP, com belíssimas reflexões sobre o que é o movimento escoteiro católico. Trata-se de uma análise séria e profunda, ainda que em breves linhas. Tal se deve à profunda acuidade do autor, que não se furta em comentar temas sensíveis da história do escotismo, tendo o secularismo como pano de fundo. Com efeito, se a melhor realização das ideias de BP foi feita por um homem de batina, nas palavras do próprio fundador do movimento escoteiro, implementar um escotismo sem se atentar a isso, mormente entre católicos, é construir uma cadeira em que falta uma das pernas. Por mais que se tente equilibrar-se, uma hora o sujeito cai e o tombo pode ser feio. Jacques Sevin, jesuíta em processo de beatificação, foi um instrumento da Providência para não só colocar o catolicismo no seio do escotismo, como para trazer o escotismo para dentro da Igreja. Fez com BP o que Santo Tomás fez com Aristóteles. Suas ideias, para todos os que se dizem católicos e são escoteiros, devem ser alvo de cuidada meditação. Neste momento delicado e histórico em que pretendemos erguer uma associação católica de

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escoteiros e guias no Brasil, alicerçada no pensamento de Sevin, e unida à UIGSE, o livro do Postal é como uma bússola, esse objeto tão caro ao escotismo. De fato, Sevin não fundou a UIGSE, mas sim os Scouts de France, que são filiados à WOSM. O escotismo católico original estava no grêmio da organização mundial original, da qual fazem parte outras associações católicas (como o português Corpo Nacional de Escutas) e também laicas (como a UEB em nossa pátria). Para agrupar tantas associações católicas dentro da WOSM, fundou-se a CICE - Conferência Internacional Católica de Escotismo, órgão consultivo da entidade e aprovada pela Santa Sé. Presta-lhe apoio a Congregação da Santa Cruz de Jerusalém, as freirinhas escoteiras, idealizadas por Sevin. Com o tempo, porém, o laicismo fortemente presente na WOSM e a predominância de uma visão naturalista das coisas, tão bem explicada pelo Postal no presente opúsculo, fez nascer em alguns escoteiros católicos um descontentamento. Não lhes parecia que as ideias de Sevin encontravam o suficiente espaço dentro da WOSM. Fundam, então, a UIGSE, uma federação de associações católicas de escoteiros, independente da organização original. A UIGSE não é uma vertente católica dentro da WOSM, mas uma organização totalmente católica, um movimento católico que usa o método escoteiro e, assim,

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implementa com mais eficácia e plenitude o legado de Sevin. Deixemos claro: há excelentes escoteiros católicos na WOSM (quer nas associações católicas como SdF e CNE, quer em associações laicas, como a UEB e BSA), como na WFIS. Nossa proposta não é de competição para ver quem é mais escoteiro ou quem é mais católico. Trata-se de uma convicção, que é pessoal, de que a UIGSE mantém um ambiente mais sólido para um escotismo absolutamente católico, impregnado da fé, de um catolicismo vivido à moda escoteira. E isso por conta da UIGSE ser também aprovada pela Santa Sé, tanto quando a CICE da WOSM. O projeto brasileiro com vistas à UIGSE, que denominamos AG&E - Associação de Guias e Escoteiros Católicos do Brasil - vem ao encontro desse pensamento. No tempo em que tantas associações de escoteiros, mesmo laicas, abandonam o método tradicional de BP, adotando posturas politicamente corretas (que são fruto daquele secularismo que já existia no início do movimento, como explica o autor), transformando o escotismo em mera escola de bem viver, deixando de lado fortes sinais como o uso do uniforme, o garbo, a disciplina, as provas de classe, a hierarquia, e os acampamentos, a AG&E quer ser uma proposta não só de claro compromisso com a fé católica, mas também de

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resgate do escotismo tradicional. Somos tradicionais, portanto, em dois aspectos, complementares, aliás: tradicionais porque vivamente católicos, claramente apostólicos, visceralmente romanos; e tradicionais porque herdeiros e praticantes do método original de Baden-Powell. Um escotismo em que a oração se combina com o acampamento, o terço com a barraca, a Missa com as pioneirias, amarras e nós, e a disciplina original encontrando mais fundamento ainda em questões espirituais. Tomara que o leitor tire fruto da presente obra. E tenho não só a esperança, como a certeza imbatível, que tirará. Forte aperto de canhota! Dr. Rafael Vitola Brodbeck, RP. Delegado de Polícia Rio Grande do Sul

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Sobre o Autor Luiz Postal fez sua promessa escoteira em 1972. Após sua formação juvenil foi chefe de tropa e Assistente Distrital do 4º Distrito Escoteiro da UEB-RS, em Santa Maria, por dois mandatos. No ano de 2004 iniciou seu trabalho com jovens na Igreja ao ingressar no Ministério da Crisma da Arquidiocese de Porto Alegre. Aderiu ao Escotismo Independente com a fundação da AEBP - Associação Escoteira Baden-Powell em 2006, da qual foi Diretor Correspondente no Rio Grande do Sul por três anos. A partir de 2007 passou a integrar uma pequena equipe independente que se propunha a elaborar um projeto para a implantação do Escotismo Católico no Brasil. A efetiva implantação do Projeto ocorreu somente em 2011 com o reconhecimento da AECAD - Associação de Escoteiros Católicos Agnus Dei pela Arquidiocese de Porto Alegre.

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Agradecimentos A Baden-Powell, pela sua intuição original que resultou em um fantástico instrumento de formação do caráter com objetivo ao serviço. Ao Venerável Padre Jacques Sevin, SJ cuja obra, iluminada pelo Espírito Santo, resgatou o Escotismo original dos males do século e o reintroduziu no cristianismo. Aos papas beato João Paulo II e Bento XVI pelo apoio, carinho e às renovadas bênçãos dirigidas ao Escotismo Católico e ao reconhecimento, por este último, das Virtudes Heroicas do fundador Padre Jacques Sevin, que o colocou no caminho da canonização. A todos que acreditam, e colaboram, com a introdução do Escotismo Católico de Jaques Sevin na Igreja no Brasil.

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ESCOTISMO: UMA ESPADA DE DOIS GUMES INTRODUÇÃO Chegou ao Brasil uma notícia esperada há anos: O livro O Escotismo (Le Scoutisme) do jesuíta francês Jaques Sevin (1882-1951) foi finalmente traduzido para a língua portuguesa e está sendo comercializado em Portugal, graças a uma iniciativa do Corpo Nacional de Escutas-Escutismo Católico Português, em parceria com a Editora Paulinas. Porém, no prefácio, assinado pelo Padre Marco Luís, nos deparamos com esta assustadora advertência: «Este livro é “altamente perigoso”, uma espécie de espada de dois gumes: uma fonte de bênção para quem quer viver o Escutismo à maneira de Jesus Cristo – para quem deseja um escutismo autenticamente católico – e, por outro lado, “uma pedra de tropeço” para quem não tiver altos ideais na procura da realização da vontade de Deus, para quem procura viver o Escutismo católico à sua medida, segundo os seus critérios, assente no relativismo do nosso tempo...».

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Não se iluda o leitor. Apesar das palavras usadas pelo autor do prefácio fazerem referência ao livro de Sevin, simultaneamente como bênção e “pedra de tropeço”, lembramos que o objeto da obra é o Escotismo Católico. Portanto, as ideias perigosas registradas no Le Scoutisme somente podem ser aquelas que compõem, circulam e perpassam o Escotismo, como movimento e como método de educação e formação do caráter. Para muito além da reação de curiosidade e de impulso à leitura - para descobrir o porquê de tão alarmante advertência – o destaque do prefácio do padre Marco trouxe alguma aflição, pois é inevitável ligarmos imediatamente o livro do fundador com sua obra final: o Escotismo Católico. Aliás, o livro do Padre Sevin é obra de referência, de leitura obrigatória para todos escotistas católicos. Seria, pois, o Escotismo algo perigoso? Seria ele uma espada de dois gumes? Ocorrem situações em que ele é uma bênção e outras em que é uma maldição? O prefácio afirma exatamente isto. O próprio prefácio coloca a condição de perigo nas realizações do Escotismo centradas no relativismo de nosso tempo, ou seja, o distanciamento e o abandono

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de Cristo e de sua Igreja. Nossa preocupação recai sobre as ideias originais [1] de Lord Baden-Powell, que se constituem na base sobre a qual o Padre Jaques Sevin edificou sua proporia obra. O quê o Padre Marco alerta é para aquilo que já sabíamos por experiência: o Escotismo é ambíguo, se presta para interpretações radicalmente opostas, o que quase lhe custou a condenação eclesiástica no início de sua história – condenação esta, que foi evitada graças ao Padre Jaques Sevin. É sobre as ambiguidades do Escotismo e de como o Padre Sevin as contornou, que escrevemos esta rápida dissertação. Sabemos que o prefácio da obra não aprofunda suficientemente o assunto – nem poderia- apesar de trazer à tona o lado perigoso do Escotismo – e quase estragar a festa.

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PRIMEIRA PARTE: O PROBLEMA Livro perigoso para quem? Obviamente que o Padre Marco está preocupado - como nós - com o perigo para a fé, que algumas ideias e posturas atribuídas à obra de Baden-Powell, podem acarretar. As recorrentes e veementes defesas do modernismo relativista no interior do néo-escotismo – neologismo que identifica as interpretações e práticas demasiadamente afastadas da intuição original [1] de Baden-Powell - levadas a cabo por muitos apaixonados do Movimento Escoteiro no Brasil, e seu vicioso ataque ao Escotismo Católico – na verdade à Igreja Católica - somente ratificam este receio. Outro perigo, e o maior deles, é deixarmos passar esta oportunidade de esclarecer as grandes linhas de diferenciação - melhor diríamos especialização - do Escotismo Católico em relação ao sua matriz, o Escotismo original, que denominamos “laico” neste opúsculo. Há também a tentação de nos deixarmos guiar pela leniência ou pelo respeito mundano e agirmos negligentemente, especialmente neste momento, reproduzindo inconscientemente todas as deturpações e falsificações de que são vitimas o

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Escotismo laico e aqueles indivíduos que o adotam despreocupadamente. Onde está o perigo para a Fé? Preliminarmente é necessário deixar bem claro que a fé, é um dom de Deus. Ela é a certeza das coisas espirituais invisíveis [2] é nos dada por Deus, a partir do depósito da fé, que é a Igreja [3]. É pela Igreja que recebemos a fé, na forma de uma revelação de Deus, nas Escrituras e na Sagrada Tradição [4]. Assim sendo, a fé pode ser perdida, enfraquecida na sua certeza, abandonada, ou substituída por crenças heréticas ou supersticiosas, ou ainda por filosofias ou sofismas mais ou menos organizados, com falsos aspectos de verdade. No âmbito do Escotismo laico circulam muitas destas mentalidades desordenadas. Podemos citar, entre outros: Primeiro perigo: A deturpação acarretada pela apresentação despreocupada, informal e ambígua do Método.

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Em primeiro lugar é necessário situar o autor do Escotismo – Sir Robert S. S. Baden-Powell, o Lord Baden-Powell of Gilwell, B-P para os escoteiros, no contexto da intelectualidade, no que diz respeito à sistematização científica e apresentação de suas ideias. Baden-Powell não foi um intelectual, propriamente dito, nem mesmo um acadêmico. Ele propôs um método educativo sem jamais ter cursado uma faculdade de educação, filosofia, pedagogia ou de matérias congêneres a estas. Ele foi um militar, com excelente nível cultural. Nem mesmo profissionalmente o General Baden-Powell teve atribuições acadêmicas. Podemos até mesmo considera-lo escritor, desenhista, amante do teatro, mas jamais um intelectual de elite ou homem com sólida formação acadêmica. A localização de B-P fora do mundo dos intelectuais e dos educadores graduados é necessária para entendermos a forma com que ele expôs suas ideias em suas obras a respeito do Escotismo. Ele foi um homem prático e direto e isto se refletiu em seu estilo literário. O fundador jamais se preocupou em apresentar análises filosóficas, sociológicas ou

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antropológicas, a respeito de seus escritos. Essas análises foram sempre tentadas posteriormente, por livres pensadores apaixonados, afetados e descomprometidos com a originalidade das ideias do general. O fundador do Escotismo não utilizou o método científico para expor seu projeto. Ele simplesmente punha no papel aquilo que via, pensava e experimentava. Sendo um homem de resultados, Baden-Powell queria que qualquer um soubesse como praticar o seu Escotismo, que para ele era coisa simples, natural e cotidiana. Com esta finalidade ele escreveu seus livros e opúsculos - que são muitos - em um estilo coloquial, direto sem escolher muito as palavras e expressões. Então, propostas, histórias e estórias jogadas no papel de forma coloquial e abandonadas à interpretação livre e pessoal de qualquer um, produziram uma dúzia de realizações que atravessaram o conturbado século XX com todas as dificuldades e deturpações que poderiam assolá-las, graças à informalidade do estilo literário e da metodologia amadora utilizada para apresenta-las.

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A fundação da Organização Mundial do Movimento Escoteiro, mas de dez anos depois do início do Escotismo, não foi suficiente para unificar uma interpretação do Método Escoteiro de Educação, pois suas livres interpretações já haviam caído no gosto mundano e fora adotado pelo liberalismo revolucionário em quase todos os países em que havia entrado. O liberalismo intelectual - berçário da ditadura do relativismo - não se coaduna com centralismo de interpretações. Postura radicalmente oposta à da Igreja Católica e responsável pelo purgatório na Terra, vivida pelo Escotismo laico até os dias de hoje. Segundo perigo: A comparação do ocidente cristão com as nações pagãs colonizadas B-P faz comparações muito superficiais e temerárias entre a nossa civilização ocidental e povos não civilizados, não cristãos, colonizados pelos britânicos, que ele conhecera em suas missões militares. Ele deu munição aos esquerdistas defensores dos gentis-homens e bons selvagens em sua crítica à civilização ocidental e seus valores católicos ao tentar ilustrar a crise moral do ocidente, que espreitava a sociedade britânica do final do século XIX, já como

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consequência do abandono dos valores cristãos promovido pelo braço religioso do liberalismo revolucionário: o protestantismo. Baden-Powell não hesitou em comparar as parcelas empobrecidas, marginalizadas e moralmente comprometidas da sociedade britânica do final do século XIX com a fortaleza e a virilidade dos zulus, massais, matebeles e outros povos pagãos que faziam resistência armada ao Império [5]. Sabemos que foi a Igreja Católica que animou nossa civilização ocidental [6] e que um dos ataques preferidos pelos seus inimigos situa-se justamente na crítica à civilização cristã e na busca de sua substituição por uma sociedade pagã. Desta forma, ao assumir uma visão romântica, equivocada e afetada ideologicamente a respeito dos malefícios que a civilização cristã traria ao planeta e às supostas liberdades naturais dos povos pagãos, o incauto amante deste tipo de escotismo coloca-se imediatamente em conflito com o que ensina a Igreja Católica. A fé católica é solapada sem que o empolgado escoteiro politicamente correto o perceba.

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Mas o criador do Escotismo jamais defendeu algo parecido com isto. A exposição do assunto é que foi apressada e superficial. Ele não sugeriu racionalmente coisa alguma que lembrasse esta atitude conflituosa tão comum atualmente no movimento surgido como consequência de suas ideias. Por outro lado ele jamais registrou nada claramente ao contrário. Parece que nunca teria se apercebido do caráter dúbio de seus escritos. O mau uso que foi feito de suas ideias somente pode ser explicado pela instrumentalização do Escotismo laico conforme a mentalidade mundana e anticristã vigente no momento histórico de seu crescimento no durante o século XX. Outra explicação possível, porém absurda, para o descuido formal de B-P ao expor suas ideias levantaria a dúvida a respeito da retidão do caráter do criador de um método e de um movimento educacionais, que se propõem justamente trabalhar pela formação do caráter de bons cidadãos. Quem conhece a obra se ofenderia com esta suposição! Não a citaremos aqui.

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Terceiro perigo: O Naturalismo Como está nos textos, um leitor mais instruído, porém distraído, ou alguém mal intencionado, ou ainda, interessado no estilo libertário-ideologizado, defenderia que o Escotismo está assentado no naturalismo. A forma de ver a vida segundo o naturalismo consiste em submeter o homem – e a sociedade humana - à natureza. Seríamos filhos da natureza, obra do acaso. Macacos bem-sucedidos. O naturalismo rechaça o homem com criatura de Deus e amado por Ele, colocando-o em conflito com a fé que não somente afirma o exato oposto, mas que tem suas raízes na revelação que aponta nossa origem fora da natureza. Seria a porta de entrada do evolucionismo materialista nas fileiras escoteiras. Mas será mesmo que Lorde Baden-Powell era um naturalista convicto? Seria ele um revolucionário interessado na destruição da ordem? Ou ele não se preocupou em formular seu pensamento de maneira a fugir destas impressões? A nós parece – repetimos - que ele nem mesmo se preocupava com estes assuntos. Há textos de B-P nos quais julgamos ter encontrado a confissão de um naturalista. Em seguida

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lemos, em outro lugar ideias opostas. Mais ambiguidades. In dubio pro reo. A proximidade de B-P com o escritor Rudyard Kipling (este sim um naturalista inveterado), somente colocou lenha na fogueira desta suspeita. A adoção do Livro da Jângal [7] - a história de Mowgli um menino “educado” por lobos, que se tornou um exemplo de homem - como pano de fundo dos Lobinhos, foi a gasolina jogada na fogueira. Diga-me com quem andas e eu te direi quem és! De fato o Ramo Lobinho é o de mais difícil “conversão” ao Escotismo Católico, devido ao seu exagerado naturalismo. Justiça seja feita: B-P não criou os Lobinhos, ele encomendou o trabalho e apaixonou-se pela sua estética a ponto de, mais uma vez, desconsiderar os pressupostos envolvidos, a sua real necessidade e aderência ao Método Escoteiro de Educação. Um bom homem educado por lobos somente é possível no romantismo pagão. Possível somente em fábulas, como esta de Kipling, que tem um inestimável valor artístico-literário, mas que cria toda uma atmosfera contrária à fé e à moral católicas, quando deixa a esfera da arte e é adotado para

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fornecer o pano de fundo prático para a vivência concreta na educação de crianças no Escotismo. O choque a que meninos e meninas, na fase da infância, podem ser expostos, ao contraporem as estórias contraditórias contadas na Alcateia com a Doutrina que ensina a catequista de Primeira Eucaristia, não pode gerar efeitos positivos nem para a educação cultural, nem para a educação na fé. Não se trata de limitar ilegitimamente a liberdade cristã de ninguém no que concerne às artes e à cultura, mas, como disse o apóstolo Paulo, patrono dos Caminheiros: ”Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém” [8]. Quarto perigo: O Positivismo O orgulho do positivismo [9] tenta colocar as leis feitas pelos homens acima da Lei de Deus. O Estado Civil é elevado acima de tudo, acima da Igreja. A crítica ao positivismo no Escotismo está fundada na centralidade da lei e da Promessa do Escoteiro, que seriam colocadas acima dos Dez Mandamentos e das Bem - Aventuranças. Estas últimas nem mesmo são citadas. O Rei/A Rainha -na versão original - e a Pátria - na versão republicana - são objetos da

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Promessa do Escoteiro. A Igreja não o é. Os deveres para com Deus, citados na mesma Promessa permanecem obscuros e abandonados ao arbítrio de cada um. Os deveres para com a Pátria são claramente expostos no contexto da obra e nas “provas de classe” [10]- não sobram dúvidas quais são eles. Positivamente situando o Escotismo como laico, os deveres para com a Igreja são ignorados no bojo da Promessa e da prática do Escotismo. Seus praticantes católicos são levados a esquecer a suas obrigações com a Igreja de Cristo, ou assumi-las como algo privado e pessoal, como uma crença como qualquer outra, com claro prejuízo à fé, pois esta atitude tende a afastar o escoteiro da Igreja, uma vez que ela é colocada à distância como algo secundário e o escotismo próximo, como coisa cotidiana e primeira. O positivismo adotado na sua forma radical desmerece a necessidade da Liturgia, do Culto a Deus, conforme a fé da Igreja, ou seja, como recebidos e ensinados por ela e conforme as Escrituras reveladas por Deus. A Liturgia é substituída por ritualismos e solenidades positivas, sem correspondência com a Verdade. A necessidade natural de ritos que tem o homem é canalizada para

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um ritualismo casual, vazio, que tem como única eficácia afasta-lo do verdadeiro Culto Divino. Ficam desta maneira, abertas as portas para as insinuações de diversas entidades que maquinam contra a Igreja [11] - associações místicas, new-eges e maçônicas – e que arrogam para si mesmas a guarda do Movimento Escoteiro e o expõe a verdadeiros escândalos, pois é corrente no Escotismo laico a máxima “o escotismo não proíbe o que a lei (civil) permite”. Quinto perigo: O Espiritualismo O Escotismo se vale de diversas cerimônias e ritos de passagem e faz uso de simbologias de caráter ancestral. Este ambiente, com tendência ao misticismo, somado à simples exigência de uma vaga religiosidade de seus membros – cada um concebe Deus como lhe convém - são o solo fértil para um espiritualismo disforme. Esta espiritualidade mal orientada e desordenada não produz nenhum efeito desejável, antes leva os incautos a assumirem uma das seguintes atitudes: a total indiferença com a Religião, adoção de doutrinas pagãs ou a simpatias por seitas.

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A vasta gama de publicações de Robert Baden-Powell nos deixa a pista que ele desejou situar sua obra dentro do laicismo do tipo proposto pela Revolução Americana [12], ou seja: uma garantia de liberdade de prática religiosa a todos seus membros e de proteção contra as perseguições religiosas. O Escotismo original é laico no sentido de garantir espaço para todas as crenças, o que não é intrinsecamente mau. Porém, o discurso original de liberdade religiosa – garantindo liberdade de culto a todos e não ligando o Escotismo a uma religião específica - foi logo substituído por uma interdição ao cristianismo, bem ao espírito do liberalismo do século XX. O catolicismo não circula com facilidade no meio dos escoteiros, salvo abençoadas exceções. A preferência é dada para as religiões e espiritualidades consideradas alternativas, substitutivas. O laicismo é interpretado como uma postura moderna, científica e obrigatoriamente contrária à religião cristã. De qualquer forma, a maior parte das realizações de Escotismo laico está orientada em oposição à fé de Cristo conscientemente ou não. E faz isto ao assumir um discurso progressista cheio de sofismas e aparentemente científico, que critica os males que nos cercam no Ocidente e aponta como solução o modo

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de vida pagão do extremo oriente e dos povos indígenas – todos “vítimas” da Igreja e dos “preconceitos cristãos”. Critica-se a Igreja Católica ao mesmo tempo em que se criam constrangimentos ao conhecimento de sua história bimilenar e da Santa Doutrina guardada por ela. Os Escoteiros são levados a refutar algo que desconhecem. Sexto perigo: O Relativismo Outra doutrina desorientada do século que permeia as interpretações modernistas do Escotismo é o Relativismo. Esta é uma postura que assevera ser impossível ao homem conhecer a Verdade, ou que a Verdade simplesmente não pode ser conhecida por ser ela relativa, ou seja: o que é certo para uns é errado para outros e não há como se chegar a um consenso. Então, cada um vive como quer... ou pode! Esta doutrina intelectualmente desonesta – porque é aplicada somente à vida moral, com claro objetivo de justificar os descaminhos daqueles que desejam uma

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vida mundana e desordenada - é reputada como própria do Escotismo laico. Seus defensores corrompem descaradamente os princípios basilares do método educacional criado por Baden-Powell para ajustá-lo às suas “verdades”. É uma reação à moralidade cristã, à ideia do pecado, de sua remissão, de penitência, de Justiça Divina, dos Sacramentos, etc... Talvez seja este o ponto mais deturpado do Escotismo hoje em dia. O que torna este ataque fatal ao Método Escoteiro é que ele danificou a sua alma. Na alma do Escotismo como Método de Educação encontramos algumas ideias-chave como: “O escoteiro deve assumir sua própria formação”; “... aprender fazendo”; “... reme sua própria canoa”; etc... [13]. Em que pese estas afirmações terem suas corretas interpretações claramente percebidas no contexto mais amplo das ideias, os modernistas-relativistas, as utilizando como slogans e palavras de ordem, afirmam que o escoteiro está isento de toda a hierarquia e que esta seria sempre contrária à liberdade, e que deve refutar qualquer doutrina uma vez que ele assume “sua própria formação”. Ninguém - segundo eles - “faz a cabeça” de um escoteiro!

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Também ninguém pode se arvorar ao direito - ou à obrigação - de ensinar alguma coisa a um escoteiro, pois ele “aprende fazendo”, aprende tudo – milagrosamente - sozinho. Segundo esta visão distorcida, quaisquer orientações, direções, conselhos e ensinamentos jamais se poderiam dirigir a um jovem escoteiro, pois ele deve “remar a própria canoa”, ou seja, assumir o timão da própria vida, sem ligar para os outros e para o Bem Comum. Eis aqui uma enorme deturpação vulgar e grosseira da proposta de B-P, não obstante ser muito comum! As consequências destas posturas relativistas sobre o bom censo, sobre a razão e à fé são devastadoras. Concernente à fé, como um escoteiro submeter-se-ia ao Magistério Eclesiástico? Como receberia a fé da Igreja? Como poderia ser catequisado? Como se sujeitaria à hierarquia (jamais poderia ser ordenado), como obedeceria a seu confessor? Esta auto interpretação espúria - e absolutamente absurda- do Método Escoteiro impede tudo isto e afastam definitivamente da Igreja as realizações de escotismo que a adotam.

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Assim Cristo torna-se uma lenda, um pano de fundo como Mowgli, e não o Caminho, a Verdade e a Vida [14], visto que a verdade é relativa... Ou fruto da “ignorante arrogância dos cristãos”... Ou nem mesmo existe! Este é o embasamento usado para refutar os argumentos de quem tenta defender a base cristã e moralizante do Escotismo no ambiente laico. Seria desnecessário registrar aqui a falsidade desta interpretação. Baden-Powell jamais propôs absurdos como estes. Basta somente lembrar a lei e a Promessa do Escoteiro, onde não faltam elementos moralizantes que ensinam a obediência, a disciplina, o dever, a fraternidade, a atenção aos mais velhos [15], entre outros valores “antiquados”. O relativismo dentro do Escotismo é contrário aos ensinamentos de seu próprio fundador, o que se constitui em um veneno mortal e uma armadilha medonha. Não é por acaso que o néo-escotismo, verdadeiro produto de vitrine do Escotismo laico, parece ter esquecido a lei, a Promessa e a Boa-Ação dos Escoteiros!

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Fiquemos por aqui, para que uma exposição muito longa das deturpações do Escotismo original e histórico não se sobreponha ao seu valor e às suas enormes possibilidades e também para que não sejamos considerados pessimistas demais. Infelizmente todos os males apontados acima, em que pese serem deturpações, surgidas de glosas, falsificações e vulgarizações – e que, portanto não correspondem à “intuição original de Robert Baden-Powell” - são hoje observadas na maioria das realizações de escotismo – inclusive no Escotismo Independente - podendo ser consideradas, lamentavelmente, como componentes da realidade do Escotismo laico contemporâneo.

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SEGUNDA PARTE: A SOLUÇÃO A melhor realização das ideias de Baden-Powell - segundo ele próprio. Mas, graças a Deus pelo Virtuoso Padre Jacques Sevin! [16] Quando ainda era seminarista na Bélgica, chegou às mãos do jovem Sevin uma obra de um jesuíta – confrade seu - que expunha os mesmos pontos a acima de forma tão contumaz, enriquecidos por números e fatos, que levou o Escotismo de B-P à beira da condenação pela Santa Sé. O seminarista pediu licença ao reitor do seminário para, nas férias de verão, ir a Londres, conhecer in loco o Escotismo de Baden-Powell. Por obra e graça da Divina Providência, seus superiores aprovaram esta improvável viagem de um seminarista jesuíta francês à Inglaterra, para avistar-se com um general, suspeito de ser maçom e que estava em vias de ter a obra de sua vida condenada pela Igreja Católica – isto tudo em 1912. Desta curiosa viagem resultaram anos de luta pelo reconhecimento do valor evangélico do Escotismo de Baden-Powell e da validade de sua adoção pela Igreja

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Católica, como movimento próprio, educador na fé, evangelizador, catequético e formador de filhos e filhas da Igreja. Durante os anos que correu o processo de reconhecimento, Jaques Sevin foi humilhado, preterido, ofendido - inclusive em sua honra de sacerdote - acusado, caluniado, difamado. Finalmente ele obteve a autorização para iniciar seu projeto, porém somente com moças, pois seus detratores levaram seus superiores jesuítas a suspeitar que ele planejasse, secretamente, criar uma congregação religiosa de escoteiros a partir da Companhia de Jesus. Depois de três tentativas finalmente os Escoteiros Católicos vieram à luz. E em 1920 foi fundada a Scouts de France. Em maio de 2012, o Papa Bento XVI assinou o decreto da Congregação da Causa dos Santos que reconhece as virtudes heroicas do Padre Jacques Sevin, SJ demonstradas no seu esforço que culminou em sua dupla obra: O Escotismo Católico e a Congregação das Irmãs da Santa Cruz de Jerusalém, uma congregação de religiosas fundada por suas primeiras guias - as moças escoteiras - com base no Escotismo de B-P, e com as quais o Padre Sevin

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iniciou sua obra sob a suspeita de estar tentando criar uma congregação religiosa de Escoteiros! Um de muitos fatos curiosos que envolveram este sacerdote! O esforço de Jaques Sevin consistiu em promover a desambiguação do Escotismo, aparando arestas, removendo tumores, superando contradições e devolvendo-o ao cristianismo de onde havia sido sequestrado já nos seus primeiros dez anos de vida. A recristianização do Escotismo Convencido do valor cristão inerente à obra do anglicano Baden-Powell, mesmo desmentido pelos fatos da época, o Padre Sevin produziu sua melhor realização, segundo o próprio B-P. Sevin captou como ninguém o havia feito ainda, a base evangélica interna ao Método Escoteiro, ao que ele denominou de “pequenas perfeições do Escotismo” [17]. Esta base, esquecida e soterrada por inúmeras interpretações, ataques e deturpações, demonstrou-se perfeitamente coerente e adaptável à Santa Doutrina obviamente por ser cristã. Não era o Escotismo original anticatólico per si, mas suas realizações deturpadas, realimentadas pelas

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forças revolucionárias do século XX é que fizeram o movimento, surgido espontaneamente a partir do livro Escotismo para Rapazes, de Baden-Powell, assumir seu aspecto antagônico à Igreja em vários países e em diversos momentos. Como contornar as deturpações? Teoricamente as deturpações do Escotismo laico poderiam ser todas contornadas por meio do simples retorno às ideias originais de Baden-Powell. Porém o decorrer do século levantou as barreiras da mentalidade pós-moderna, a ponto de inviabilizar esta tarefa. De alguma forma, a mentalidade dominante no mundo não é capaz de apreciar as “pequenas perfeições do Escotismo”, da mesma forma como não é capaz de perceber tudo aquilo que é espiritual. A única possibilidade de realização seguramente cristã do Escotismo de Baden-Powell encontra-se hoje no interior da Igreja Católica Apostólica Romana, na forma do Escotismo Católico - virtuosa colaboração do Padre Jaques Sevin aprovada por Baden-Powell.

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A contextualização do Escotismo conforme Jaques Sevin na Igreja, em comunhão com os Bispos e com o Papa, é fundamental para combater as tentações das interpretações privadas e desvios tão comuns em um sistema organizado em níveis de formação, que pode facilmente fomentar o pecado da vaidade e do orgulho em seus membros. Todas as mazelas do Movimento Escoteiro encontram explicação na vaidade e em casos mais graves no orgulho, que se instaurou em suas direções. O Escotismo não é sagrado, não é uma religião, por esta razão as únicas vias possíveis de protegê-lo, para uso seguro pela Igreja, são: sua adoção e sua submissão à Igreja como um movimento católico. Mas para isto é necessário que a Igreja queira adotá-lo. E isto ela já fez no nível universal. O reconhecimento das virtudes heroicas do Padre Sevin e os vários reconhecimentos por parte do Pontificum Concilum Pro Laicis (Concílio Pontifício para Leigos) [18] tornam desnecessária qualquer defesa atualizada de sua catolicidade. O Escotismo Católico é de fato católico, universalmente falando. Agora é necessário que ele seja assumido pelas Igrejas particulares no Brasil [19].

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Como o Escotismo é submetido à Igreja. É importante ter em mente que o Escotismo será sempre uma espada de dois gumes e uma pedra de tropeço, perigoso se for operado negligentemente, especialmente em sociedades infestadas pelo marxismo cultural, como é o caso do Brasil. Por isto, sua realização católica deve ser solidamente inserida na hierarquia da Igreja, de modo a tornar seus responsáveis sujeitos, senão às leis canônicas, pelo menos à estrita obediência a superiores hierárquicos comprometidos com o movimento católico. Por esta razão não é admissível que o Escotismo Católico seja um movimento de leigos no sentido de ser dirigido exclusivamente por eles. Ele deve ser assumido pelo clero obediente à Roma, para que os temidos desvios possam ser corrigidos eficazmente sob a autoridade episcopal e para que seja colocada, em primeiríssimo lugar, a salvação das almas. Nosso papel, neste momento, é de firmar o caráter do Escotismo que desejamos propor à Igreja no Brasil. Trata-se de muito grande responsabilidade, pois somos sabedores - graças a quarenta anos de vivência no Escotismo - que esta espada tem realmente duas

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lâminas bem afiadas e jamais gostaríamos de produz embaraços à Igreja Católica, pois “é inevitável que venham os escândalos, mas ai daquele por meio de quem vêm os escândalos” [20]. Eis por que estamos propondo a replicação, em terras brasileiras, com as devidas adaptações socioculturais, do modelo de Escotismo adotado – com muito sucesso - pela UIGSE-União Internacional de Guias e Escoteiros da Europa e já reconhecido definitivamente pela Santa Sé [18]. Este movimento católico europeu é o detentor da dignidade do Escotismo Católico de Jaques Sevin e trás em seus procedimentos os antídotos contra os ataques virulentos das paixões revolucionárias anticristãs [21]. A UIGSE é reconhecida pelo Pontificium Concilium pro Laicis (Vaticano) e pode acolher Associações de Guias e Escoteiros sediadas fora da Europa - caso atual do Canadá. Seu Escotismo é claramente definido como conservador católico, fortemente seguro na Doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana, balizando a educação de seus jovens nas virtudes cardeais, teologais e humanas [22]. Funciona correlacionando intimamente a lei e a Promessa das

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Guias e dos Escoteiros com o Evangelho, particularmente com as Bem-Aventuranças [23]. É um movimento com forte caráter litúrgico que prima pela sacralidade da Missa [24]. É cioso de sua obediência ao Papa e aos bispos em comunhão com ele. O que foi exposto acima, a respeito da submissão do Escotismo à Igreja, já seria suficiente para aliviar a angústia produzida pelos relatos das gravíssimas deturpações por ele sofridas, em seu estado laico, e pelo resultado desastroso que tais deturpações produzem. Uma vez livre das suas primitivas ambiguidades que permitiram tais deformidades, o Escotismo, na sua forma confessional católica, é convertido a um poderosíssimo instrumento de educação na fé que a Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil não pode prescindir. O que faz a diferença? A necessária diferença entre o Escotismo Católico e o Escotismo laico não fica restrita à sua especial estruturação no tecido organizacional secular da

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Igreja, que apesar de necessária também não é suficiente. Há diferenças doutrinárias que determinam sua especificidade e seu foco no cuidado com as almas confiadas a uma sólida formação cristã fazendo um inovador uso do Método Escoteiro: Primeira diferença: Um movimento católico de adultos A primeira grande diferença do Escotismo Católico, em relação às realizações laicas é o seu caráter inequívoco de movimento católico de adultos [25] voltado para os jovens. A plenitude do Escotismo Católico ocorre na idade adulta. As ações educativas dos Escoteiros adultos junto aos jovens têm como objetivo fazer com que as crianças e adolescentes cheguem à etapa adulta de suas vidas ainda dentro do Escotismo e envolvidos por ele. A ação educativa nos ramos juvenis é orientada para que as guias e os escoteiros, ao tornarem-se adultos (quando atingirem a maturidade física, emocional, intelectual e especialmente, a maturidade espiritual), estejam preparados para a prática de um Escotismo Católico de alto desempenho, com a clara definição das vocações - matrimônio, ordem, vida consagrada -

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e para um comprometimento vitalício com Serviços à Igreja, ao movimento e aos outros. Segunda diferença: Os Cinco Fins do Escotismo O Escotismo Católico, como codificado pela UIGSE, tem suas finalidades claramente definidas e descritas nos seus Cinco Fins, que são os seguintes:

1. Desenvolver o sentido de Deus O sentido de Deus começa a tomar forma pela revelação de Deus na natureza, onde os jovens guias e escoteiros desenvolvem – via de regra - suas atividades. Mas os jovens não são detidos somente na revelação natural do Criador. Eles são também apresentados às revelações de Deus na Escritura e na Sagrada Tradição segundo o Magistério Autorizado. São assim levados, pela evangelização e catequese, a conhecer pessoalmente o Deus Trino e Uno, inclusive na sua forma mais prática e evangélica possível – no reconhecimento de Cristo no próximo. O cuidado e o amor ao próximo são praticados cotidianamente e em todo o lugar - também por regra - por meio da prática da Boa-Ação Escoteira renovada evangelicamente por

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Jaques Sevin - a Boa-Ação Escoteira foi praticamente abandonada pelo escotismo laico. Na etapa adulta esta prática continua por meio da escolha de Serviços.

2. Desenvolvimento de um Sentido de Serviço A Boa-Ação Escoteira praticada na infância e na adolescência em caráter assistencial imediato dentro das patrulhas - que são comunidades de fé no Escotismo Católico - por meio de pequenas ações que podem durar até algumas horas, desenvolve nas guias e nos escoteiros um sentido de serviço ao próximo, que chega ao auge na idade adulta. As guias e os escoteiros habituados à regra da Boa-Ação, quando crianças e adolescentes, são levados naturalmente, na idade adulta, a assumir Compromissos Pessoais com Serviços ao movimento, à Igreja e à comunidade. Inicialmente estes compromissos tem duração limitada - três anos - e culminam no Compromisso de Serviço para a vida inteira. Nesta fase a guia e o escoteiro adultos doam-se em Serviços no espírito do Evangelho, comprometendo suas vidas todas, sempre segundo uma regra. Assumem desta forma suas vidas de Igreja.

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3. Desenvolvimento do Caráter

O Caráter, de filhos da Igreja e de bons cidadãos, é produzido pela educação católica tendo o Método Escoteiro como ferramenta. O processo educativo do Escotismo acontece nas atividades próprias de escoteiros. O Escotismo Católico formata os temperamentos de modo a ajustá-los às virtudes humanas, cardeais e aos dons das virtudes teologais [22]. O modelo de homem buscado - O Homem Novo - é forjado no molde de Cristo. Os adultos que não tiveram a oportunidade de serem guias ou escoteiros na infância e adolescência encontram no Escotismo a oportunidade de conversão permanente e aprimoramento pessoal e são levados a assumir uma vida regrada espontaneamente que os introduz firmemente na Igreja.

4. Desenvolvimento da Saúde Física A boa saúde física é obtida pelos cuidados com o corpo, com a alimentação. A perfeita prática do

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Escotismo exige disposição física e emocional para realizar suas rotas, peregrinações, acampamentos, escaladas, viagens... A virilidade é uma virtude buscada pelos membros masculinos. A disposição e o vigor para a luta pelo bem e contra o mal são alcançados por intermédio da observância e prática da castidade. Os membros femininos são igualmente orientados à castidade com a finalidade de alcançar a virtude da modéstia, sem a qual não obterão sucesso na luta contra o pecado. A saúde física relaciona-se com a saúde mental e espiritual.

5. Desenvolvimento do Sentido do Concreto O Escotismo Católico educa na realidade - no concreto. Abomina o uso de lendas, fábulas, místicas e espiritualidades estranhas à piedade cristã. Seus jovens e adultos são empolgados a buscar a santidade nas pequenas coisas do dia-a-dia, conforme a espiritualidade de Santa Terezinha do Menino Jesus e nas contrariedades diárias da escola, do trabalho, da família e da comunidade segundo a espiritualidade de São Josemaria Escrivá.

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Sendo antes católicos do que escoteiros, os jovens e os adultos, lançados assim à concretude da vida real encontram nos Sacramentos, em especial nos Sacramento da Reconciliação e da Eucaristia os mapas seguros de seu Caminho, de sua Rota, na vida. Os Cinco Fins do Escotismo Católico lançam mais luz sobre as ambiguidades do Escotismo original, sinalizando um caminho seguro para contorná-las. Há ainda outro instrumento, que sendo utilizado juntamente com os Cinco Fins, baliza visivelmente o Caminho com mais clareza ainda - a Rota segura a percorrer dentro do Escotismo: Os Marcos da Rota. Terceira diferença: Os Quatro Marcos da Rota A boa mística do Escotismo Católico, conformada à fé da Igreja, desenha o mapa de uma Rota, de um Caminho a seguir. Este Caminho que leva a Deus, à santidade, é o próprio Cristo, Caminho, Verdade e Vida. O Escotismo Católico é identificado como “A Rota”, ou seja, “O Caminho” – nome dado para a Igreja no primeiro século. Ele é Igreja.

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O Caminho adquire um aspecto material e concreto no Escotismo adulto, que tem por pano de fundo uma estrada. As atividades de campo dos adultos são marcadas pelas Rotas, que são um misto de peregrinação e aventura. A meta das guias e escoteiros adultos é realizar a Rota de Santiago de Compostela, na Espanha. No Brasil sugerimos a criação de uma Rota preliminar à Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Mas o caminhada pela Rota espiritual - pelo Caminho da vida, que é o Escotismo - apresenta muitos riscos de desvio que podem levar o caminheiro a perder-se no meio do caminho. Como em uma estrada concreta o Escotismo Católico colocou, no Caminho espiritual, Quatro Marcos que ajudam a orientar quem nele caminha:

1. O Serviço Para cada etapa do Caminho espiritual – ou seja, da Rota como projeto de vida - o adulto deve estar envolvido com um Serviço, originado em um Compromisso Pessoal. As guias e os escoteiros

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adultos fazem Compromissos Pessoais e formais em três ocasiões distintas. Sem Compromisso Pessoal não existe o Escotismo Católico [25]. Sem a entrega, sem a doação da própria vida, que começa com a oferta de somente alguns poucos anos e culmina na vida toda, a guia e o escoteiro correm o grave risco de caírem no orgulho e perderem a Rota para sempre.

2. Qualificação Técnica Durante a caminhada de vida, ao progredir pelo Caminho, o adulto deve prover sua qualificação técnica em Escotismo. Sendo as atividades próprias de escoteiros que proporcionam o processo educativo, os adultos, que são educadores das crianças e dos adolescentes, devem adquirir os conhecimentos da técnica escoteira – o scouting - para treiná-los. As técnicas de scouting são fundamentais para garantirem a eficácia educacional do Método e a segurança nas atividades de campo. A perfeita ação educacional sobre as crianças e os adolescentes - e o cuidado com suas almas - passa, necessariamente pelo treinamento em Escotismo - pelas técnicas de scouting -, sem o qual ninguém será um verdadeiro escoteiro católico.

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3. Um Padrinho

Nenhum peregrino anda sozinho pelo Caminho. Os perigos são inúmeros e o inimigo é muito hábil em fazer armadilhas. Por esta razão, todos os adultos, que se lançam neste Caminho de vida, são acompanhados por um padrinho e por um Diretor Espiritual, que já o percorreram e conhecem os becos sem saída, os precipícios, os rios e as armadilhas. É o padrinho que avalia o desempenho do caminheiro em suas tarefas técnicas. O padrinho é um Escoteiro adulto, normalmente o Chefe da Seção adulta.

4. Um Diretor Espiritual O Diretor Espiritual - obrigatoriamente um sacerdote - é o acompanhante que determina a velocidade da marcha no Caminho da vida, segundo as condições espirituais dos caminhantes. Ele avalia os efeitos dos fatos na alma de quem caminha, e a percepção dos fatos conforme o estado de espírito do peregrino, determinando mudanças de rumos, atalhos, paradas e identifica o fim da Rota para cada um, individualmente.

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Não é necessário que o Diretor Espiritual seja escoteiro, basta conhecer o Caminho. Esclarecendo aqui que os Escoteiros não inventaram o Caminho, são trazidos a ele. Neste ponto ficamos plenamente convencidos da necessidade do clero comprometido tomar para si o Escotismo Católico e que, sua operação somente por leigos expõe a todos a antigos e perigosos erros. Para encerrar, gostaríamos ainda de expor outra diferença apresentada pelo Escotismo Católico, que se encontra em oposição à mentalidade mundana: o rechaço à coeducação. Quarta diferença: O Rechaço à Coeducação O Escotismo Católico não adota a coeducação, ou seja, ele educa meninos e meninas, moços e moças, homens e mulheres separadamente. Os motivos para essa atitude são os seguintes: Homes e mulheres não são iguais

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Para obtermos resultados fortes e definitivos aplicamos Programas diferenciados não somente por idade, mas também por sexo. Se há diferenças emocionais, físicas, intelectuais e espirituais entre pessoas de idades diferentes, elas também ocorrem, e de forma mais definitiva, entre homens e mulheres. Há uma forma de educar homens e outra de educar mulheres. Segurança contra pernicioso igualitarismo Outro aspecto ideológico pernicioso que assola a sociedade hodierna é o igualitarismo, em especial entre homens e mulheres [26]. Esta ideologia provoca confusão nas funções de cada um na sociedade, fracionando a família e comprometendo o desenvolvimento espiritual da juventude e sugerindo, no extremo, alternativas antinaturais de relacionamento. Segurança moral O ambiente de liberalismo sexual dominante em nossa sociedade insinua-se por todos os seus organismos. O Escotismo não é imune a este mal.

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Cuidadosos com a castidade de nossos jovens e adultos e certos do imenso valor desta virtude, adotamos a educação separada por sexo, que com certeza, ajuda a afastar os riscos à castidade e ao matrimônio. CONCLUSÃO Jaques Sevin conseguiu muito mais do que evitar a condenação do Escotismo: Ele o resgatou e o introduziu na Igreja Católica e fez dele um poderosíssimo instrumento de Deus para a salvação das almas. Ao ter suas virtudes heroicas reconhecidas pela Igreja, o Padre Sevin - agora no caminho do reconhecimento de sua beatitude - conseguiu também, demonstrar as virtudes cristãs do Escotismo como consequência. A Igreja no Brasil praticamente desconhece este jesuíta e sua obra construída graças às virtudes e à assistência que lhe foram dadas por Deus. Estas virtudes são heroicas - segundo o reconhecimento eclesial - ou seja, foram evidenciadas pelas condições supercríticas que culminaram na realização de uma

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obra que estava muito além das possibilidades das forças e inteligência meramente humanas. Visto que Deus somente cumula seus santos de virtudes tendo como meta a cumprimento de Sua Santíssima Vontade, é nos lícito supor que o Escotismo Católico á querido por Deus como parte integrante de Sua Igreja, como mais um meio para cumprir Seus desígnios nestes tempos finais. Se a obra fosse vulgar, o autor não seria virtuoso. Da mesma forma, agrada-nos concluir que a bênção obtida pelo Escotismo - pois foi por ele que se revelou mais um homem virtuoso para a Igreja - alcança misericordiosamente a Baden-Powell, a quem se deve sua intuição primeira e sobre cuja criação se edifica o Escotismo Católico. Esta é para nós a principal razão pela qual devemos respeitar a originalidade do Escotismo de Baden-Powell, atendendo também a vontade póstuma do Virtuoso Padre Jaques Sevin. Para encerrar, fiquemos com as palavras do fundador que nos dão uma boa pista de seus objetivos ao criar o Método Escoteiro (os grifos são nossos):

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“Vamos, portanto..., não nos deixamos absorver demasiado, pelos detalhes. Não deixemos a TÉCNICA sobrepor-se à MORAL.... tudo isso são MEIOS, não o OBJETIVO. O objetivo é o CARÁTER–caráter com um PROPÓSITO....,realizando o serviço ativo de AMOR e DEVER para com DEUS e o PRÓXIMO”. (Baden Powell – 1939)

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CARTA APOSTÓLICA DO PAPA BENTO XVI Por ocasião do centenário do escotismo, em 2007, o Papa Bento XVI enviou sua Bênção Apostólica às Guias e Escoteiros Católicos, congregados nos três movimentos reconhecidos pela Santa Sé: Scouts de France- SdF (filiado à WOSM), Scouts Unitaires de France- SUF e Union Internationale des Guides et Scouts d’Europe-UIGSE·. Ao Senhor Cardeal JEAN-PIERRE RICARD Arcebispo de Bordeaux Presidente da Conferência Episcopal da França

No dia 1 de Agosto de 2007 celebrar-se-á o centésimo aniversário da abertura, na ilha de Brownsea, na Inglaterra, do primeiro campo de escoteiros, organizado pelo Lord Baden-Powell. Em tal ocasião todas as pessoas, jovens e adultos que, no mundo, um dia pronunciaram a promessa escotista serão convidados, individualmente ou em grupo, a renová-la e a fazer um gesto em favor da paz, ressaltando assim como a vocação de "artífice da paz" está vinculada ao ideal escotista. Há um século, através do jogo, da ação, da aventura, do contacto com a natureza, da vida de grupo e do serviço ao próximo, a todos aqueles que se unem ao escotismo oferece-se uma formação integral da pessoa humana.

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Fecundado pelo Evangelho, o escotismo é não apenas um lugar de verdadeiro crescimento humano, mas também o lugar de uma vigorosa proposta cristã e de um genuíno amadurecimento espiritual e moral, assim como de um autêntico caminho de santidade; seria bom recordar, como ressaltava o Pe. Jacques Sevin, S.J., fundador do escotismo católico, que "a santidade não pertence a um período específico, nem possui um uniforme particular". O sentido das responsabilidades despertado pela pedagogia escotista conduz a uma vida na caridade e ao desejo de se colocar ao serviço do seu próximo, à imagem de Cristo servo, alicerçando-se na graça que Cristo oferece, em particular, através dos sacramentos da Eucaristia e do Perdão.

Juntamente com todas as pessoas que, no seu país, beneficiaram de uma estrutura escotista, tanto entre os Escoteiros e os Guias da França, como entre os Escoteiros e os Guias da Europa, ou ainda entre os Escotistas e os Guias unitários da França, rejubilo-me porque, a seguir ao apelo lançado em 1997 pelo meu predecessor a uma maior unidade no escotismo católico, se possam realizar colaborações no respeito pelas sensibilidades de cada um dos movimentos, em ordem a uma maior unidade no seio da Igreja. Com efeito, as diretorias do escotismo recordar-se-ão que devem, em primeiro lugar, despertar e formar a personalidade dos jovens que lhes são confiados

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pelas famílias, educando-os a encontrarem-se com Cristo e a viverem na Igreja. É também importante que se manifeste e que se desenvolva, entre os escoteiros e entre os diferentes movimentos, a "fraternidade escotista", que faz parte do seu ideal inicial e que constitui, nomeadamente para as jovens gerações, um testemunho daquele que é o Corpo de Cristo em que, segundo a imagem de São Paulo, todos são chamados a cumprir uma missão, no lugar que lhes compete, a alegrar-se pelos progressos dos outros e a ajudar os seus irmãos na provação (cf. 1 Cor 12, 12-26).

Dou graças ao Senhor por todos os frutos que, ao longo deste século, o escotismo produziu. Juntamente com toda a Igreja, tenho confiança nos diferentes movimentos, Escoteiros da França, Escoteiros e Guias da Europa e Guias unitários da França, a fim de que continuem ao longo do caminho, numa ajuda recíproca cada vez mais vigorosa entre os movimentos, e proponham aos jovens e às jovens de hoje uma pedagogia que forme neles uma personalidade forte, fundamentada nos elevados ideais da fé e da solidariedade humana. A partir deste ponto de vista, a promessa e a oração escotistas constituem uma base e um ideal a desenvolver ao longo de toda a existência. Era o que já o Lord Baden-Powell recordava: "Sede sempre fiéis à vossa Promessa escotista, mesmo quando deixardes de ser crianças e que Deus vos ajude a alcançar isto!".

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Quando o homem se esforça por ser fiel às suas promessas, o próprio Senhor consolida os seus passos.

Aos Escoteiros e Guias que compõem os três movimentos, aos jovens, aos adultos e aos capelães que os acompanham, às famílias, aos ex-Escoteiros e Guias, concedo do íntimo do coração, assim como a Vossa Excelência e a todos os Pastores da Igreja na França, a Bênção Apostólica.

Vaticano, 22 de Junho de 2007.

Obs:. As diferenças observadas em terminologias deve-se à tradução da Carta Apostólica ao português falado em Portugal, considerado padrão.

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Referências bibliográficas e citações [1] Papa Bento XVI, in Carta Apostólica à Conferência Episcopal da França, 2007. (ver pag.48) [2] Carta aos Hebreus 11,1 [3] Catecismo da Igreja Católica, 84-85, 173-175. [4] Catecismo da Igreja Católica, 142-143, 153,166-167. [5] Escotismo para rapazes, Caminhos para o Sucesso, Ajuda ao Chefe Escoteiro, e outros. [6] Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental, Thomas E. Woods Jr – Editora Quadrante. [7] The Jangal Book, trad.: O Livro da Selva, Rudyard Kipling, L&PM Pocket e outras. [8] Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios 6,12 a. [9] Auguste Comte Et La Philosophie Positive, É.Littré. [10] Coleção Para Ser Escoteiro, Chefe Francisco Floriano de Paula. [11] Código de Direito Canônico, cân. 173-1374. [12] A Revolução Americana, Herbert Aptheker [13] Caminhos para o Sucesso, Robert Bade-Powell. [14] Evangelho segundo São João 14, 6 [15] Escotismo para Rapazes, Robert Baden-Powell. [16] Jacques Sevin, fundateur et mysthique, Editions Salvator [17] Le Scoutisme, Jacques Sevin [18] Decreto nº 1465/08/AIC-15a de 26/08/2008 – Pontificium Concilium Pro Laicis (Santa Sé).

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[19] Decreto Episcopal Registro nº RG 151/2011 - Arquidiocese de Porto Alegre-RS [20] Evangelho segundo São Lucas 17,1. [21] Revolução e Contrarrevolução, Plínio Correia de Oliveira, Catolicismo. [22] Catecismo da Igreja Católica, 1697,1883-4, 1833, 2223. [23] Evangelho Segundo São Mateus 5,1-12 [24] Sacrosanctum Conciluim ; Summorum Pontificum. [25] Textos de La Ruta : Manual del Responsable Rover, Associación Española Guias y Scouts de Europa –FSE, Javier Delgado,RS [26] Catecismo da Igreja Católica, 369.


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