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quanto jornalsticos. Do mesmo modo, documentos que se inscrevem tradicionalmente no
campo do texto jornalstico, como as acta diurna romanas, podem igualmente ser
abordados enquanto documentos literrios. A aproximao fica ainda mais evidente
quando, no sculo XVII, alcanada a popularizao do jornalismo, com os avvisi4 e os
canards sanglants5, dentre outros, deparamo-nos com um jornalista e escritor como Daniel
Defoe e toda a sua gerao6, simultaneamente fundadora do jornalismo de idias ou
publicstica e do romance moderno, no dizer de Ian Watt7. Quando, no sculo XIX, com as
grandes conquistas da II Revoluo Industrial e o conseqente surgimento do que depois
se denominaria de comunicao de massa, a imprensa se transforma em uma empresa
capitalista, as relaes entre o jornalismo e a literatura se estreitam ainda mais 8. O
jornalismo passa a servir de base de sustentao e lanamento profissional do escritor: o
escritor, ao escrever para um jornal, no apenas garante sua subsistncia quanto projetaseu nome no universo literrio ao qual aspira. Por outro lado, o jornal busca, no literato, o
estabelecimento de um status e o reconhecimento social que, de modo geral, no possuiria,
ao mesmo tempo em que utiliza o produto do escritor como um atrativo para a sua prpria
promoo e venda, especialmente atravs da iniciativa pioneira de Emile Girardin que, a
partir de 1833, ao lanar o jornal La Presse, ocupava o tradicional espao do rodap para a
divulgao de textos de fico, mais tarde popularizados enquanto romances-folhetins9. O
jornal legitima a produo literria e a literatura promove o jornalismo junto ao pblico
leitor, como tambm registra Medel10. Assim, a narratividade ficcional traz atratividade ao
relato jornalstico, promovendo a democratizao do acesso ao conhecimento e
4 RIZZINI, Carlos O jornalismo antes da tipografia, So Paulo, Cia. Editora Nacional. 1977.5 Os canards sanglants, especialmente, podem ser apreciados enquanto predecessores dos boatos e, maisrecentemente, dosfait divers, na acepo de Roland Barthes, dentre outros autores (BARTHES, Roland Crtica e realidade, So Paulo, Perspectiva. 1970. Ver, em especial, ps.57 e ss. Consulte-se, alm do mais,LEVER, Maurice - Canards sanglants - naissance du fait divers, Paris, Fayard. 1993.
6 WEIL, Pierre - El periodico, Mxico, UTEHA.1962. Ver especialmente captulo IV.7 WATT, Ian -A ascenso do romance, So Paulo, Companhia das Letras. 1990.8 Pode-se consultar, dentre um sem-nmero de autores, a respeito do tema, ARNT, Hris A inf luncia daliteratura no jornalismo O folhetim e a crnica, Rio de Janeiro, E-papers. 2001.9 Ver, a respeito, dentre outros: MEYER, Marlise O folhetim, So Paulo, Companhia das Letras. 1996 eHOHLFELDT, Antonio Deus escreve direito por linhas tortas O romance-folhetim dos jornais de Porto
Alegre entre 1850 e 1900, Porto Alegre, EDIPUCRS. 2002.10 MEDEL, Manuel Angel Vzquez Discurso literrio e discurso jornals tico: convergncias edivergncias in CASTRO, Gustavo de et GALENO, Alex (Org) Jornalismo e literatura A seduo da
palavra , So Paulo, Escrituras. 2002, p. 16 e ss .
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informao, na medida em que o jornal, como a literatura, promove a denncia social e
divulga as novas conquistas cientficas.
O surgimento das revistas ilustradas, a partir da conquista da ilustrao e,
mais tarde, da linotipia, amplia essa relao, atingindo novos segmentos de leitores: a
revista atinge toda a famlia, fragmentando seu contedo e adaptando-o aos diferentes
interesses da criana, da mulher e do chefe de famlia.
Constantes e densas, no obstante, essas relaes logo vo se tensionar,
como se depreende de manifestaes de escritores que, tendo dependido muito fortemente
da imprensa, como Honor de Balzac e Charles Baudelaire, no obstante visualizam a
imprensa sob uma perspectiva extremamente negativista11. No Brasil, um exemplo
clssico o de Machado de Assis que, durante toda a sua vida, contribuiu com a imprensa,
atravs de centenas de crnicas, ainda que, ao mesmo tempo, sempre mantivesse certadesconfiana em relao mesma12.
Considerado literatura sob presso13, o jornalismo tem aprendido com a
literatura e, ao mesmo tempo, tem-na influenciado histricamente. Moacyr Scliar14, em
artigo recente, afirma que recolheu, do jornalismo, a disciplina do escrever, mesmo sem
ter assunto imediato e aparente; a objetividade da abordagem de um determinado tema; a
sntese ditada pelo curto espao disponvel num peridico. Em contrapartida, reconhece
que a literatura ensinou, ao jornalismo, o cuidado esttico com a forma do texto e, de outro
lado, a explorao do tema com imaginao e criatividade, o que nos lembra, de imediato,
posio semelhante adotada por Tom Wolfe, quando tentou explicar, historicamente, o
surgimento do chamado new journalism norte-americano15.
Costuma-se dizer que a literatura lida com o importante, enquanto que o
jornalismo trabalha com o urgente. Chegou-se mesmo, na mencionada tradio da
11 Ver, no caso de Honor de Balzac:Iluses perdidas, Porto Alegre, Globo. 1955 e Os jornalistas, Rio de
Janeiro, Tecnoprint.1999. No que tange a Charles Baudelaire, consultar: Obras estticas Filosofia daimaginao criadora,Petrpolis, Vozes. 1993 e a anlise que dele faz Walter Benjamin, especialmente emCharles Baudelaire, um lrico no auge do capitalismo , So Paulo, Brasiliense. 1989.12 Ver, a respeito: HOHLFELDT, Antonio Machado de Assis: A crnica um pedao de eternidade inContato Revista Brasileira de Comunicao, Arte e Educao, Braslia, Senado Federal. Ano 2, n. 6,Janeiro-Maro de 2000.13 OLINTO, Antonio Jornalismo e li teratura , Rio de Janeiro, Tecnoprint. 1968.14 SCLIAR, Moacyr Jornalismo e jornalismo: A frtil convivncia in CASTRO, Gustavo de etGALENO, Alex Op. cit., p. 13 e ss.15 WOLFE, Tom El nuevo periodismo , Barcelona, Anagrama. 1973.
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experincia norte-americana do new journalism, bem como a partir do contexto poltico
brasileiro da dcada de 70, posteriormente ao golpe de 1964, a buscar-se na literatura a
alternativa de publicaes proibidas pela censura nas pginas dos jornais, originando-se
uma literatura marcada por um forte neo-realismo, conforme a acurada anlise de Flora
Sussekind16, desdobrando-se depois na prtica do chamado romance-reportagem e, mais
tarde, no livro reportagem, conforme estudos variados, a partir da pesquisa pioneira de
Edvaldo Pereira Lima17.
Por certo, as experincias literrias de Erico Verssimo esto fortemente
impregnadas pelo jornalismo, assim como o jornalismo foi sempre uma das grandes
preocupaes do escritor que, a par de suas experincias profissionais, recorreu a
diferentes personagens, na condio de jornalistas, para a composio de algumas de suas
mais importantes obras literrias.
II
Entre a literatura e a imprensa
Nascido a 17 de dezembro de 1905, na cidade gacha de Cruz Alta, que fica
na regio do planalto sul-rio-grandense, com uma histria muito especfica, porque foi
primeiro palco de uma ocupao portuguesa e aoriana, preocupada com a criao de gado
e, mais tarde, lcus de movimentos de colonizao internos da provncia, com o
deslocamento de grupos de imigrantes alemes e italianos que se expandiram do sul para o
noroeste, fato que o escritor registrou no ciclo romanesco de O tempo e o vento e
acarretou, simultaneamente, o progresso da regio e a queda e substituio de tradicionais
famlias ligadas criao do gado por outras, mais voltadas para o comrcio e,
posteriormente, para a indstria, Erico Verssimo muito cedo estaria envolvido com
publicaes peridicas, atravs das quais buscou e alcanou sua projeo literria.
de 1914, aos nove anos de idade, portanto, sua primeira participao em
uma publicao jornalstica. Trata-se de A caricatura, que ele mesmo edita, enfocando
16 SSSEKIND, Flora Tal Brasil, qual romance?, Rio de Janeiro, Achiam. 1994.17 LIMA, Edvaldo Pereira Pginas ampliadas O livro-reportagem como extenso do jornalismo e daliteratura , Campinas, UNICAMP. 1995; BIANCHIN, Neila Romance reportagem Onde a semelhanano mera coincidncia, Florianpolis, UFSC.1997 e COSSON, Rildo Romance-reportagem: O gnero ,So Paulo/Braslia, Imprensa Oficial/ UNB. 2001.
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experincias imediatas que vive, conforme j registrei em livro anterior18. Duas
observaes iniciais: durante seus primeiros vinte anos viver intensamente a experincia
jornalstica, embora muito mais enquanto colaborador do que jornalista, propriamente dito.
A experincia, no obstante, marcar toda a sua vida e a sua literatura, fato que
redimensiono na ltima parte desse estudo, o que contribuiu decisivamente para a feio
de sua obra literria e, por conseqncia, de seu sucesso junto ao pblico leitor: a
simplicidade da escritura, facilitando sua compreenso, ainda que, por isso mesmo, alguns
crticos tenham pretendido diminu-lo, denominando-o apenas como um contador de
histrias, apodo que ele assumiu e dele se valeu ao longo de toda a sua carreira.
Alguns anos depois, em 1929, apresenta uma traduo do que denomina de
Poemas de Rabindranath Tagore, que antecipa outra caracterstica de seu mtierque ,
ao mesmo tempo, literrio e jornalstico, o de tradutor. literrio porque marca seu fazerde escritor ao longo de toda a sua vida, j que, muito mais tarde, ocupar-se-ia de dezenas
de tradues de obras de renome internacional, dentre as quais Ponto e contraponto, de
Aldous Huxley19. E jornalstico porque, enquanto secretrio e editor da Revista do
Globo, no deixou de traduzir textos variados que inseria na revista, quer por necessidade
de tapar buracos, quer pela preocupao em revelar novos escritores internacionais ao
Brasil, sobretudo a partir de sua primeira visita aos Estados Unidos, em 1940, conforme
conta:
Um dia Henrique me chamou e disse: Descobri um livro de
grande atualidade Mostrou-me o volume: Alemanha Fascista ou
sovitica, de autoria duma jornalista americano, Knickerbocker.
__ O senhor capaz de traduzir este livro em vinte dias? Estes
assuntos ficam logo desatualizados. A Histria no caminha, corre.
(...) __ Vinte dias? __ murmurei, olhando as duzentas e tantas
pginas da obra. __ Sou.
Combinamos o quanto me pagariam por pgina traduzida e eu me
atirei ao trabalho, batendo mquina das oito da noite at a madrugada20.
18 HOHLFELDT, Antonio Erico Verssimo , Porto Alegre, Tch. 1984, p. 80.19 HUXLEY, Aldous Ponto e contraponto, trad. de Erico Verssimo, Porto Alegre, Globo. 1934.20 VERISSIMO, Erico Um certo Henrique Bertaso , Porto Alegre, Globo. 1972, p. 28.
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rico Verssimo traduziria ao longo de toda a sua vida e, quando no o fez,
escolheu com cuidado os tradutores que trabalharam para a Globo, sobretudo quando
passou a constituir as grandes colees que notabilizaram a editora, em especial a
Biblioteca dos Sculos e a Coleo Nobel, a primeira destinada a editar, em
portugus, os clssicos da literatura universal e a segunda a divulgar, em nosso pas,
aqueles escritores premiados pelo maior prmio literrio do mundo, o Nobel.
Ao vir para Porto Alegre, em 6 de dezembro de 1930, dispe-se a enfrentar
os desafios. De 1 de janeiro, ou a partir de 26 de abril do ano de 1931, conforme diferentes
bigrafos, Erico Verssimo se torna secretrio da Revista do Globo, depois de acertar-se
financeiramente com o escritor Mansueto Bernardi, que ento respondia pela mesma. O
prprio rico relembraria o episdio, dizendo que, depois de pedir um conto de ris como
ordenado, logo aceitou a contraoferta de seiscentos mil ris21
. Ali, publica contos e algunsoutros textos, ora antecipando suas prprias obras, ora refletindo teoricamente a seu
respeito, como o caso de artigos como Notas a lpis, em que aborda a criao de uma
literatura dirigida s crianas22; discute a condio do escritor brasileiro frente ao seu
confrade internacional, europeu ou norte-americano23; ou, enfim, disserta a respeito do
romance-rio24. Em todos esses artigos, com clara inteno jornalstica, mescla-se, contudo,
a perspectiva do escritor25.
Ao mesmo tempo, buscando sobreviver, porque regressara cidade natal
para buscar a namorada Mafalda, com quem se casaria em julho de 1931, rico Verssimo
tornar-se-ia colaborador constante dos suplementos literrios dos jornais Correio do Povo
e Dirio de Notcias, ambos de Porto Alegre.
Essa possibilidade lhe fora aberta por um amigo, tambm escritor,
Manoelito dOrnellas que, tendo-lhe descoberto um conto, Ladro de gado, no fundo de
21 VERISSIMO, Erico Um certo Henrique Bertaso , op.cit., p. 21.22 VERISSIMO, rico Notas a lpis, Porto Alegre, Revista do Globo, 16.1.1937, n. 44.23 VERISSIMO, rico Pobre Joo da Silva, Porto Alegre, Revista do Globo, 24.4.1937, n. 60.24 VERISSIMO, rico Reflexes sobre o romance-rio, Porto Alegre, Revista do Globo, 11.9.1937, n. 213.25 Todas as indicaes foram retiradas de CHAVES, Flvio Loureiro Erico Verssimo O escritor e seutempo, Porto Alegre, Escola Tcnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1996 e LIMA ESILVA, Mrcia Ivana de (Org.) Bibliografia in Revista Nova Renascena, Porto, Primavera-Vero de1995, confirmadas pelos recortes respectivos em minha autoria.
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uma gaveta, num armrio na cidade de Cruz Alta, enviara-o a Mansueto Bernardi, editor
da Revista do Globo, que decidira public-lo26. Como conta Erico Verssimo,
isso me encorajou tanto que remeti a minha prxima estria (A lmpada
mgica, de sabor anatoleano) diretamente ao Suplemento Literrio do
Correio do Povo. Seu diretor, De Souza Junior, olhou os originais (contou-
me ele prprio, cinco anos mais tarde), viu minha assinatura e murmurou:
O conto pode no prestar, mas o nome do autor bonito e merece ser
divulgado. E mandou a estria para a oficina do jornal, sem a ler27.
So dezenas de textos, entre antecipaes de textos de suas primeiras obras,
comentrios variados e at contos, que esto hoje devidamente registrados, espera de
estudos mais cuidadosos28. Alguns deles, revisados, foram includos no livro de estria,
Fantoches.Mas Erico Verssimo no se envolvia por pouco em seus projetos.
Experimenta a reportagem ou melhor o retrato de personalidade publicando 24
horas na vida do poeta, dedicado a Athos Damasceno Ferreira29 e chega mesmo a se
tornar editor de uma pgina feminina semanal no Correio do Povo, conforme recorda:
Dedicava pequena parte de meu tempo a uma pgina, A mulher e
o lar, que eu organizava semanalmente para o Correio do Povo
crnicas e versos mundanos, receitas culinrias, modas, tudo sempre com a
prestimosa colaborao da tesoura e do pote de grude30.
O levantamento mencionado indica um total de treze textos de fico
publicados em jornais e revistas, entre 1929 e 1939, portanto, uma dezena de anos, a que
se somam dois outros textos esparsos. Quanto a artigos e crnicas, somam-se 35 textos,
exceo de dois outros, includos em edies de obras excertos de partes de romance,
como Um certo Capito Rodrigo e Ana Terra, que a Globo editou entre 1970 e 1971,
como reflexo do sucesso de mdia (cinema e televiso) alcanados pelo escritor. Esses
textos, que se espalham ao longo de toda a sua carreira, cobrindo portanto mais de 40
26 VERISSIMO, rico Ladro de gado, Porto Alegre, Revista do Globo, 16.3.1929, n. 6.27 VERISSIMO, rico Um certo Henrique Bertaso , op. cit., p. 14.28 Ver nota 11, onde registramos tais levantamentos.29 VERISSIMO, Erico 24 horas na vida do poeta, Porto Alegre, Revista do Globo, 22.8.1936, n. 43.
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anos, incluem por vezes depoimentos ou partes de sua futura autobiografia (Solo de
clarineta), mas servem, justamente, para ilustrar a constncia com que o escritor manteve
relao com a imprensa, muito especialmente com os jornais de sua terra, Correio do Povo
e Zero Hora31. Alm disso, registramos ainda artigos esparsos, como O Pato Donald e a
psicanlise32 ou From a novelists notebook33, que no se encontram nas bibliografias
mencionadas, mas cujas cpias localizamos, alm de Machismo, divulgado em 198234.
Ou seja, h muito material ainda disperso, produzido por Erico Verssimo, a ser rastreado,
integrado a seu acervo e depois estudado. Mas o que fica claro, de qualquer modo, um
duplo movimento:
n nos primeiros dez anos de sua existncia enquanto escritor, Erico
Verssimo publica em jornais para ganhar algum dinheiro e, ao mesmo tempo, divulgar
sua prpria obra. ele, pois, quem precisa e busca os peridicos;n no restante de sua carreira, que cobre, portanto, pelo menos mais 35
anos, ele procurado pela imprensa, devido a seu sucesso e a seu reconhecimento,
escrevendo artigos de colaborao variados que servem para aproxim-lo do leitor e ainda
divulgar sua obra, mas sem terem maior significao para ele. Na verdade, a imprensa
que se vale dele, ao contrrio da fase anterior, em que ele se valia da imprensa.
III
Experincia radiofnica
O movimento duplo ou seja, seu interesse em buscar o apoio da mdia e o
interesse da mdia em buscar sua presena, por sua fama e reconhecimento est bem
exemplificado em sua rpida passagem pelo rdio.
30 VERISSIMO, Erico Solo de clarineta, Porto Alegre, Globo. 1973, vol. 1, p. 254.
31 O levantamento completo dessa bibliografia, como se indicou, acha-se na nota 11. bom que se registre,contudo, que ela no completa, pois no registra, dentre outros, o conto Chir, por mim mencionado, eum poema a Mrio Quintana, intitulado Improviso para o filho do rei e registrado por Carlos Reverbel(REVERBEL, Carlos Erico e o jornalismo in BORDINI, Maria da Glria (Org.) Erico Verissimo Oescritor no tempo, Porto Alegre, SMC/Sulina.1990, p. 24)32 VERISSIMO, Erico O Pato Donald e a psicanlise, Porto Alegre, Revista do Globo, 26.2.1938.33 VERISSIMO, Erico From a novelists notebook, Washington, Amricas, entre 1953 e 1956 (dataprovvel, quando de sua participao na OEA enquanto Diretor do Departamento de Assuntos Culturais).34 VERISSIMO, Erico Machsimo , editado primeiramente na revista Paralelo, em 1976, e republicado pelosuplemento Letras & Livros, do Correio do Povo, Porto Alegre, 29.5.1982, p. 11.
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Aceitei o convite que me fez Arnaldo Balv para que eu criasse e
mantivesse na rua Rdio Farroupilha um programa dedicado s crianas.
Foi assim que nasceu o Amigo Velho, o contador de histrias, e o Clube
dos 3 Porquinhos. Cerca das seis da tarde, duas vezes por semana, eu saa
apressado da redao da revista, subia s carreiras as escadarias do
viaduto, entrava nos estdios da PRH-2 e, ainda ofegante, improvisava
diante do microfone, um conto, pois no tinha tempo para escreve-lo e nem
mesmo para prepara-lo mentalmente com antecedncia35
Segundo um recente depoimento de Flvio Alcaraz Gomes36 uma outra
emissora, a Rdio Difusora, a PRC2, mantinha um programa intitulado Hora infantilque
era apresentado por alunos do Colgio Militar, sob o comando de Otvio Mariot Focques.
Quando este se mudou para So Paulo, o programa desapareceu e Balv,oportunisticamente, tratou de convidar Erico Verssimo para criar um substituto. Erico
publicara, com enorme sucesso, A vida de Joana dArc, seu primeiro livro juvenil
(1935), a que se seguiriam As aventuras do balo vermelho, Os trs porquinhos
pobres, Rosa Maria no castelo encantado e Meu ABC. O sucesso de suas histrias
levou-o ao convite para a emissora de rdio: O programa cresceu em popularidade, o
estdio vivia cheio de crianas que queriam conhecer e conversar com o Amigo Velho ,
registra um pesquisador37.
A Rdio Farroupilha, na poca, ficava na rua Duque de Caxias, nos altos do
Viaduto Otvio Rocha. Erico Verssimo trabalhava na Livraria do Globo, na rua dos
Andradas, quase esquina com a Avenida Borges de Medeiros, algumas quadras abaixo do
mesmo viaduto. Assim, ele saa correndo, como relembra, e chegava a tempo de fazer seu
programa, que certamente marcou muitas crianas, a valer este depoimento:
Nessa poca eu tinha oito anos e era participante assdua do seu
programa. Nele as crianas cantavam, declamavam e ouviam as histrias
do Erico; os seus livros infantis j eram famosos na poca. Depois de
contar as histrias, ele fazia perguntas sobre elas. Quem acertava,
ganhava um livro de brinde. Certa vez, contou-nos a histria do livro A
35 VERISSIMO, Erico Solo de clarineta, op. cit., p. 262.36 GOMES, Flvio Alcaraz Erico, o Amigo Velho, Porto Alegre, Correio do Povo, 28.9.2002, p. 4.37 GOULART, Antonio Do jornalismo para o mundo, Porto Alegre, Press, vol. II, 2003, p. 56.
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chcara da rua Um (no me lembro o nome do autor!); fez uma pergunta,
eu acertei e ganhei o livro de prmio. Recordo ainda de dois nmeros que
eu apresentei no seu programa.
Erico era um moo muito bonito.Tinha lindos cabelos negros, muito
brilhantes. Uma vez eu passei a mozinha na sua cabea e ele, rindo - deu-
me um beijo! Ele sentava num banquinho para ficar mais prximo das
crianas. Cantava e fazia as crianas cantarem (...)38
Flvio Alcaraz Gomes, no depoimento mencionado, ecoa esse sucesso:
Eu e meus irmos tnhamos a coleo completa, deliciando-nos com
Os 3 porquinhos pobres. No seu programa, o Amigo Velho criou o
Clube dos 3 Porquinhos, conferindo diploma a milhares de scios,
inclusive a mim...39
.Maria da Glria Bordini explica que o programa surgira por seu sucesso
como narrador para crianas [mas] o Clube dos 3 Porquinhos, porm, acabaria no ano
seguinte, por deciso do prprio autor, ante a exigncia do Departamento de Imprensa e
Propaganda de censurar previamente os textos improvisados40. De fato, j naquela poca,
situao que se repetiria ao longo dos anos, Erico Verssimo colocava-se contrrio s
ditaduras. Assim foi ao negar-se a receber o ttulo de Doutor Honoris Causa, da UFRGS;
ao escrever e publicar O prisioneiro, sobre a Guerra do Vietn, O Senhor Embaixador,
sobre os acontecimentos ento recentes na Amrica Latina, aps a revoluo cubana de
1959 ou o golpe de 1964 no Brasil, com Incidente em Antares.
O programa infantil de Erico Verssimo durou apenas de 1936 a 1937, mas
foi o bastante para deixar memria e saudade. Muitos anos depois (dcada de 60), o
tambm escritor (romancista e dramaturgo) e jornalista Srgio Jockymann realizaria um
programa semelhante, ento na Rdio Guaba, apresentando clssicos como O Mgico de
Oz ou as aventuras de Jernimo, o heri do serto.
38 REVERBEL, Carlos Erico e o jornalismo , op. cit., depoimento de Dona Ceclia lvares Clss, p. 28.39 GOMES, Flvio Alcaraz Op. cit..40 BORDINI, Maria da Glria Juventude e desemprego: Um lugar ao sole a ideologia do trabalho , SoPaulo, Revista da Biblioteca Mrio de Andrade, Dezembro de 1999, vol. 57, os. 125 e ss.
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Presidindo a entidade dos jornalistas
Segundo Antonio Goulart,
o prestgio de Erico Verssimo, graas ao seu trabalho frente da RG
[Revista do Globo] era grande junto intelectualidade gacha, e aos 30
anos de idade estava sendo eleito o primeiro presidente da Associao
Riograndense de Imprensa (ARI)41.
Na verdade, houvera uma tentativa anterior de fundar uma Associao
Riograndense de Imprensa, com o apoio da ABI Associao Brasileira de Imprensa, em
17 de outubro de 1920, com uma posse solene ocorrido no Clube Caixeiral, sendo seu
primeiro presidente o jornalista Joo Maia. Mas divergncias internas acabaram com aentidade. Em 1935, esta nova tentativa deu resultado, tanto que a ARI existe ainda hoje.
No se trata de uma entidade classista, no sentido tradicional do termo, mas uma entidade
social, que congrega todos os profissionais da rea, da imprensa comunicao eletrnica,
dos jornalistas aos proprietrios de rgos de comunicao. E assim j ocorreu naquela
data. No dia 6 de junho de 1935, houve uma primeira reunio, a que se seguiria, no dia 19
de dezembro, a leitura dos estatutos e eleio da primeira diretoria, assim constituda:
Presidente: Erico Verssimo (redator chefe da Revista do Globo); Vice-Presidente: Ccero
Soares (Dirio de Notcias); 1. Secretrio: Rivadvia de Souza (Correio do Povo); 2.
Secretrio: Pinto de Godi (Correio do Povo); Tesoureiro: Nestor Ericksen (Correio do
Povo).
A diretoria cumpriu seu primeiro mandato de 23 de dezembro de 1935,
quando tomou posse, at 17 de maro de 1937, quando passou seus encargos segunda
diretoria, presidida por Dario Rodrigues (Agncia Brasileira).
A assemblia que criou a ARI teve a participao de 114 jornalistas, em
sesso dirigida por Edgar Lus Schneider, na Casa Rural, pertencente atual FARSUL
Federao das Associaes Rurais do Estado do Rio Grande do Sul, com a participao,
dentre outros, de Breno Caldas, que acabara de assumir a direo do Correio do Povo,
alm de escritores e jornalistas como Vianna Moog, Manoelito dOrnellas, Carlos
41 GOULART, Antonio Op. cit., p. 56.
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Reverbel, e jornalistas como Arquimedes Fortini, Arlindo Pasqualini, Adail Borges Fortes,
Ernesto Corra, Aldo Obino, Fortunato Pimentel e Dario Brossard.
A primeira sede da Associao foi nos altos do Cinema Imperial, na rua dos
Andradas. Em 1939, o Prefeito Loureiro da Silva fez doao de um grande terreno na
Avenida Borges de Medeiros, esquina com a rua Fernando Machado. O financiamento da
obra foi alcanado atravs do Instituto Nacional de Previdncia Social, com a pedra
fundamental assentada em 13 de dezembro de 1942.
A ARI nasceu com o objetivo de congregar todos os jornalistas. Pretendia a
entidade, desde logo, defender a liberdade de imprensa e de expresso, alm de fazer a
representao da categoria profissional, tanto de patres quanto de empregados, j que
inexistia, ainda, o Sindicato de Jornalistas.
Erico Verssimo, na posse enquanto presidente da ARI, afirmou, com afranqueza que lhe foi sempre peculiar:
Os trabalhadores da imprensa se congregam para conseguir para a
sua classe vantagens reais. Todos os homens tm direito a um bom lugar ao
sol. Todas as criaturas merecem igualmente uma existncia decente e
confortvel. As palavras bonitas, o vento as leva; as bandeiras, o tempo
desbota e destri; os partidos polticos passam ou porque morrem ou
porque se fundem ou porque se renovam. Mas ns ficamos. E alm de ns,
ficam os nossos filhos, as nossas mulheres, mes e irmos. preciso que a
nossa previdncia tenha um alcance incalculvel. necesssrio que depois
da nossa morte fique assegurado aos que dependem de ns uma existncia
livre de cuidados. E que ns prprios enquanto vivemos e trabalhamos,
encontremos uma boa dose de felicidade e bem-estar. (...) Era
indispensvel que nos organizssemos. No sou dos que acham que deve
haver luta de classes. No quero crer que no haja uma soluo pacfica,
justa e humana para as diferenas sociais. Sou visceralmente contra a
violncia e seria o ltimo a simpatizar com os recursos extremos. A
verdade, porm, que os grupos desunidos, desorganizados vo sendo
esquecidos e acabam na dissoluo. Da a necessidade de criar o esprito
de classe entre os trabalhadores do jornal (...) Aos que me honraram com
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seu voto osso dizer por ora que farei todo o possvel para no os
decepcionar42.
Fiel a um programa que o acompanhou durante toda a vida, Erico
Verssimo ainda diria:
Aproveito a oportunidade para fazer uma declarao de carter
pessoal - e eu bem sei porque a fao. Sou um homem que no tem nem
nunca teve partido poltico. Acho que todos os partidos so bons desde que
nos possam assegurar uma vida decente, razoavelmente confortvel e cheia
de ar puro e livre. H uma convico que ningum me varre da mente: a
de que o ar no propriedade de ningum; todos temos igual direito a
respir-lo de acordo com a capacidade de nossos pulmes
A declarao, que pode parecer intempestiva, tinha seu motivo: EricoVerssimo vinha sofrendo forte campanha da Igreja Catlica, que o acusava de comunista,
pela recente edio de Msica ao longe e, especialmente, Caminhos cruzados. Assim,
certamente visando desde logo dissociar qualquer situao por ele enfrentada de seu papel
frente da entidade, Erico Verssimo antecipava-se com uma declarao, qual no
faltava, contudo, a reiterao de sua crena bsica: a liberdade e a igualdade social.
A ata, manuscrita, registrava:
s 17 horas, com a sala de reunies literalmente cheia, o secretrio
declarou aberta a sesso, convidando o colega Edgar Schneider para
orientar os trabalhos da tarde, deliberao que a enorme assemblia
recebeu com demorada salva de palmas(...) Feito isso, o presidente
declarou que ia submeter a [sic] votao a redao final dos estatutos, nos
moldes que se processara os trabalhos anteriores, quer dizer, no seria
feita a leitura do trabalho a discutir, visto que a imprensa j o divulgara
amplamente (...) O presidente entra na matria da ordem do dia. Diz que
os trabalhos ficariam divididos em duas sesses: primeira, se aprovaria a
redao final e o regimento das eleies iniciais e, finalmente, na ltima,
se procederia eleio da diretoria efetiva (...) Passou-se logo para a
eleio. De acordo com o regimento recm-aprovado, o presidente nomeia
42 Correio do Povo,Associao Riograndense de Imprensa, 24 de dezembro de 1935, p. 3.
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a seguinte comisso escrutinadora: ngelo Guido, Manoel Peixoto,
Thomaz Thompson Flores, Augusto Tol Rodrigues e Franz Maetzller.
Comeou a eleio, que se desenvolveu dentro do maior entusiasmo. Como
o nmero de votantes era enorme, os trabalhos terminaram passado das 21
horas. Terminada a votao, comeou-se a apurao pela comisso
escrutinadora (...) Passando-se ao exame da apurao, verificou-se que a
comisso escrutinadora apurou os seguintes votos: para Presidente, Erico
Verssimo, 88 votos; Renato Costa, 23 votos; Franz Metzller, 1 voto. Para
Vice-Presidente, Ccero Soares, 46 votos; Celestino Prunes, 25 votos;
Srgio de Gouveia, 21 votos; Damaso Rocha, 18 votos; ngelo Guido, 1
voto; Manoelito dOrnellas, 1 voto; para 1. Secretrio, Rivadavia de
Souza, 94 votos; Ernesto Pelanda, 18 votos; Para 2. Secretrio, Pinto deGodi, 79 votos; Paulo de Gouveia, 30 votos; Samuel Lima, 1 voto; Joo
Soares, 1 voto; Para Tesoureiro, Nestor Ericksen, 99 votos; Arquimedes
Fortini, 18 votos.
A ata registra ainda que houve dois votos em branco. Depois, Franz
Maetzler, que era o jornalista mais antigo ali presente, diretor do Deutsche Volksblatt,
pediu um voto de louvor a Breno Caldas, recm admitido como diretor do Correio do
Povo. E a reunio se encerra, no sem antes tirar uma comisso que visitaria o jornalista
Clvis Ribeiro, doente, internado no Hospital So Francisco. A posse da diretoria ficaria
marcada para as 16 horas do dia 23 de dezembro, em sesso solene.
Erico Verssimo e sua diretoria cumpririam o compromisso. o que se
pode verificar, de outro recorte de jornal, de 17 de maro de 193743. Sob a manchete Uma
comisso especial avistou-se, ontem, com o Governador do estado, a matria relata que a
diretoria da ARI, que encerrava sua gesto, visitara o Governador Flores da Cunha, para
agradecer sua intercesso junto Inspetoria Federal das Estradas, para que os jornalistas
tivessem abatimento de cinqenta por cento nas passagens ferrovirias, atravs da Viao
Frrea, o que fora alcanado. Registra o peridico:
Falou, ento, o nosso colega Erico Verssimo, presidente da ARI
que, em rpidas palavras, disse ao governador que a classe dos que
43 Correio do Povo,Associao Riograndense de Imprensa , 17 de maro de 1937, sem indicao de pgina.
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mourejam na imprensa, neste Estado, vinha trazer-lhe o seu agradecimento
e a sua gratido pela solicitude com que s. excia. acedeu em pleitear junto
ao governo da Repblica a concesso do abatimento de cinqenta por
cento nas passagens da Viao Frrea do Rio Grande do Sul para os
jornalistas, seus associados.
Em resposta, o governador
declarou que estava satisfeito por ter tido a oportunidade de fazer alguma
coisa em benefcio dos trabalhadores da imprensa, e que seu governo
encarava com grande simpatia todas as iniciativas nobres que visavam
melhorar a situao do jornalista riograndense.
O jornal esclareceu que Flores da Cunha, antes de militar na poltica, fora
reprter em So Paulo e diretor de um jornal em Uruguaiana, alm de redator emimportante rgo da imprensa carioca.
A posse da nova diretoria ocorreria naquele mesmo dia, 17 de maro. Erico
Verssimo foi sucedido por Dario Rodrigues, havendo ainda, na mesma data, um novo
escrutnio para o cargo de 1. secretrio, por ter havido empate entre Nestor Ericksen e
Manoelito dOrnellas. Ericksen acabaria vencendo o pleito.
At hoje, contudo, Erico Verssimo considerado o patrono dos jornalistas
gachos e, com Alberto Andr que, muitos anos depois, permaneceria vrias diretorias
frente da instituio, respeitado como dos nomes de maior relevncia entre os jornalistas
profissionais gachos.
V
Editor de revistas e de livros
Pode-se dizer, sem medo de errar, que Erico Verssimo foi um pioneiro da
indstria cultural no estado do Rio Grande do Sul e, de certo modo, no prprio pas. Tendo
experimentado de tudo na rea da imprensa jornal, revista e livro tornou-se
verdadeiramente um expert nesse campo, onde atuou ao longo de toda a sua vida, explcita
ou implicitamente.
Sua experincia est traduzida especialmente no texto Um certo Henrique
Bertaso, j aqui tantas vezes mencionado. Poucos meses antes da edio do livro, ele
tambm publicara alguns excertos daquele texto sob a denominao de Breve crnica
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duma editora de provncia44. Nesses textos, o escritor relembra em detalhes toda a sua
experincia, que se pode resumir, como se faz, nas prximas linhas, em dois momentos: o
editor de revistas, entre 1931 e 1937, cobrindo as funes de secretrio e depois de diretor
da Revista do Globo, e de editor da revista A novela; num segundo momento, a partir de
1937, enquanto editor de livros, o que perduraria ao longo da vida.
Como se disse, a partir de 1 de janeiro do ano de 1931 que, levado por
Ruy Cirne Lima ao ento diretor da Revista do Globo, Mansueto Bernardi, Erico
Verssimo se torna secretrio daquela publicao. Segundo sua prpria narrativa,
Mansueto teria refletido:
__ Voc escreve, traduz, desenha... Seria o ideal para tomar conta
da Revista do Globo no futuro.
__ Por que no futuro repliquei se estou precisando dumemprego agora?
Meus olhos estavam fitos no pomo-de-ado de Mansueto, muito
saliente no longo pescoo descarnado. O autor de Terra convalescente
coou pensativamente o queixo, depois baixou o olhar para mim:
__ Que ordenado espera?
Pensando no meu casamento, ousei:
__ Um conto de ris.
Por um instante o poeta quedou-se imvel e silencioso. Depois disse
por entre dentes:
__ ... O cargo justifica esses honorrios, porm infelizmente no
temos verba para tanto. Mas... qual seria o ordenado mnimo que voc
aceitaria para comear?
__ Seiscentos respondi sem pestanejar.
__ Pois ento est contratado. Pode comear no dia primeiro de
janeiro. Entende de cozinha de revista?
44 VERISSIMO, Erico Breve crnica duma edi tora de provncia, So Paulo, O Estado de So Paulo,2.4.1972, p. 3. (Pessoalmente, discordo do registro quanto ao jornal, pelo tipo e a famlia das letras, bemcomo pela diagramao: tratar-se-ia do Correio do Povo, em uma edio dominical, um suplemento quetrazia grandes reportagens. Infelizmente, no tive acesso ao jornal original. Fica, de qualquer modo, oregistro).
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__ Claro menti. Na realidade, nunca havia entrado numa
tipografia. No conhecia nem de vista uma linotipo. No tinha idia de
como se fazia clich ou se armava uma pgina. Mas o importante mesmo
que tinha conseguido um emprego!
Foi assim que entrei para a Famlia Globo45.
A editoria da revista se fazia basicamente de tesoura e goma arbica, pois,
como era normal nessas revistas, antes do surgimento de O Cruzeiro, tudo era
improvisado, no se pagavam colaboradores e a revista, alm de tudo, deveria atender s
necessidades dos amigos da casa, assinantes que queriam ver seus nomes e fotografias
ou de seus familiares presentes na publicao. Logo depois, Mansueto Bernardi seguiu
para o Rio de Janeiro, onde foi imprimir dinheiro e cunhar moedas para a nao46 e de 10
de setembro de 1932 a 24 de outubro de 1936, Erico Verssimo seria o diretor dacrescentemente prestigiada Revista do Globo.
Ali, Erico Verssimo inventava textos, quer de fico, quer de poemas.
Mandava fazer clichs de quaisquer ilustraes que julgasse interessantes, para depois
utiliza-las na edio da revista. Antonio Goulart encontra, em Solo de Clarineta,
depoimento do prprio escritor a respeito daquele tempo, que ele resume assim:
Contou que quando Arlindo C orrea, o chefe da oficina, gritava:
Sobrou espao numa pgina. Com o que que vamos encher?,
respondia: Espera um pouco que meu amigo Fu Wang deve ter mais uma
de suas poesias.
E l ia a histria de um sapo num charco, que se apaixonava pela
lua... Erico confessou mais tarde que se um dia publicasse em livro esses
poemetos e haicais, o ttulo mais sincero seria Poemas para tapar
buracos47.
O caso mais ridculo ocorreu quando ele mesmo escreveu um conto longo,
que chamou de Lama nas trincheiras e o atribuiu a um suposto escritor norte-americano,
Gilbert Sorrow, para quem inventou at mesmo uma biografia. Ocorre que uma outra
45 VERISSIMO, Erico Um certo Henrique Bertaso , op. cit., p. 21.46 Idem, ibidem, p. 23.47 GOULART, Antonio Op. cit., p. 54.
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revista semelhante, publicada na Argentina, chupou o conto de rico, atribuindo-o ao
mesmo falso escritor...
Erico inventou um sem-nmero de pseudnimos, dentre os quais Gilberto
Miranda, com que assinava diferentes matrias, sempre tentando garantir a circulao da
revista que, bem ou mal, melhorara sensivelmente, sobretudo depois que se livrara
daquelas publicaes... familiares.
Com o passar do tempo, a amizade de Erico Verssimo e os irmos Bertaso,
Henrique e Jos, se firmava. Em fins de 1936, Erico Verssimo assume a publicao da
revista A Novela, dedicada literatura de fico de qualidade48. Ele permanece na direo
da publicao durante os quinze meses de sua durao, conforme conta:
A idia em princpio era boa. Publicaram-se vrios nmeros, com
capas em tricomia. O livro principal de cada nmero era em geral umromance de aventuras, mas eu procurava ir dando sempre ao pblico
literatura de melhor qualidade, na forma de contos e noveletas (...) Eu fazia
A novela. Henrique enfrentava o Chefo, que via com olhos cticos (e
como tinha razo) a nossa nova aventura.
A novela durou quinze nmeros, quinze meses. Morreu como um
passarinho- expresso tambm do uso de minha av materna49
A partir desse ano de 1937, Erico Verssimo torna-se conselheiro da Editora
Globo, chamado por Henrique. De um lado, Erico e Henrique, dominando ingls, tratavam
de verificar os lanamentos recentes internacionais, em especial dos Estados Unidos. De
outro, sendo a Globo ainda uma pequena editora quase clandestina, procuravam garantir
investimentos pequenos, que trouxessem rentabilidade, como ocorreu com os direitos
autorais de The good earth, comprado a Pearl Buck por apenas 50 dlares e lanado, sob
o ttulo de China, velha China, com enorme sucesso. Erico Verssimo, muitos anos
depois, chegaria a conversar pessoalmente com a escritora, contando-lhe a aventura e
conseguindo manter os direitos autorais daquele livro, base de 10% de direitos autorais
habituais.
48 A prpria revista anuncia a sada do escritor na edio de 12 de dezembro de 1936.49 VERISSIMO, Erico Um certo Henrique Bertaso , op. cit., ps. 78-79.
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Mas nem sempre as coisas davam assim certo. O contrato feito com um
certo Mr. Jacques Chambrun, representante de Sommerset Maugham, jamais chegou ao
conhecimento do escritor, que se mostrou surpreso ao saber que suas obras eram editadas
no Brasil. Felizmente, Henrique Bertaso guardava e pode enviar ao escritor cpias de
todos os recibos, num valor superior a 32 mil dlares, mostrando a lisura da editora
brasileira, e o escritor simplesmente despediu seu agente, que o roubava, ao mesmo tempo
em que lhe movia um processo... graas aos editores brasileiros...
Gradualmente, a editora fixava uma imagem. Henrique Bertaso gostava de
publicar autores nacionais e gachos. Erico Verssimo tambm, mas apostava igualmente
em nomes internacionais. Assim, nasceram a Biblioteca dos sculos, sendo que foi de
Henrique a exigncia de incluir Plato na coleo. Erico descobriria mais tarde que at
mesmo a deciso de traduzir o autor grego do original era uma tentativa de Henrique paraajudar a um professor de grego, com dificuldades pecunirias em seu dia a dia... E, enfim,
a Coleo Nobel, destinada a publicar todos os livros dos autores premiados
internacionalmente. Com isso, a Globo atacava dos dois lados: lanava os clssicos e, ao
mesmo tempo, garantia-se com os modernos. Equilibrava-se entre as duas colees com os
lanamentos internacionais, dentre os quais o famoso ainda que quase no rentvel
Ponto e contraponto (1934), de Aldous Huxley, que Erico Verssimo leu por sugesto de
Augusto Meyer e convenceu Henrique a editar, antecipando-lhe que no ganharia
dinheiro, mas garantiria qualidade a seu catlogo editorial. No imaginava o escritor que
seus crticos resolveriam que o romance que ele lanaria um ano depois, Msica ao longe,
e que repartiria com outros trs romances o prmio nacional Machado de Assis, concedido
pela Academia Brasileira de Letras, seria acusado de plgio do processo narrativo do
escritor ingls, coisa que o escritor sul-rio-grandense sempre negou, lembrando que havia
outros textos cuja influncia j o haviam marcado.
A partir de sua primeira visita aos Estados Unidos, em 1940, Erico
Verssimo intensifica sua ateno literatura internacional, valendo-se dos lanamentos
que ocorriam naquele pas, em tradues para o ingls. E tratava de enviar os volumes
para Henrique Bertaso, com acurados comentrios, sugerindo este ou aquele ttulo,
inclusive comentando sobre os riscos financeiros ou polticos dos lanamentos, em
especial tendo em vista a vigncia do Estado Novo de 1937.
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Mas Erico Verssimo fez tambm o caminho contrrio, divulgando a
literatura brasileira no exterior, em especial nos prprios Estados Unidos, de que resultaria
um livro concentrado sobre a histria da literatura nacional, publicado em 1945, e que s
meio sculo mais tarde encontraria uma verso para o portugus, sendo ento integrado
srie de obras de Erico Verssimo editada entre ns.
A longa, produtiva e fantstica relao de Erico Verssimo com a Editora
Globo no apenas permitira ao escritor criar sua obra. Ela dera ao Brasil a primeira editora
moderna, verdadeiramente internacional. Mas o escritor e a editora jamais haviam
assinado qualquer contrato escrito. E assim foi at 1974, quando ambos se viram
obrigados, por novas regras de direito autoral, a fixarem, em letra de forma, as condies
de seu relacionamento, um relacionamento que, infelizmente, logo depois seria rompido...
pela morte do escritor.
VI
Outra perspectiva do escritor jornalista
At aqui o levantamento de dados no chega a ser totalmente novo, ainda
que esteja fragmentado em dezenas de textos e mltiplos depoimentos, alguns do prprio
escritor. Cabe, no entanto, um fechamento a essa pesquisa, e ela necessariamente vai-se
voltar para um aspecto muito especfico da obra literria de Erico Verssimo, os livros de
viagem.
Erico escreveu quatro livros de viagem: Gato preto em campo de neve
(1941), a que se segue A volta do gato preto (1946), ambos sobre os Estados Unidos. No
primeiro, ele destaca, semelhana de Monteiro Lobato, antes dele, e tambm um escritor
e editor, o desenvolvimento daquele pas e sua industrializao. Seguiram-se Mxico
(1957), em que ele faz especial homenagem a Jos Vasconcelos, Ministro da Cultura
daquele pas; e Israel em abril (1969).
H vrios aspectos a serem destacados nessas obras, mas quero chamar a
ateno para o fato de que elas possuem uma perspectiva essencialmente jornalstica, ou
seja, so relatos mais ou menos no calor da hora, a respeito de pases que, pelas con-
junturas polticas e histricas de ento, achavam-se como centro das atenes mundiais: os
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do incio do sculo XX, a revoluo de 1930, os episdios da ANL e do Estado Novo, a
queda de Getlio Vargas, sua reeleio e, enfim, o suicdio do grande poltico, at o golpe
militar de 1964.
Em termos mundiais, vamos encontrar ecos da I e da II Grandes Guerras;
do golpe de Francisco Franco na Espanha; a revoluo de Cuba de 1959; a guerra do
Vietn, etc. Enfim, e sobretudo, vamos sempre trabalhar com um relato que, alm de
jornalstico, levando-o a ser chamado de contador de histrias, tambm uma profunda e
humana reflexo a respeito da histria da humanidade, o que nos lembra as palavras de
Eduardo Meditsch a respeito do jornalismo:
A contradio principal do Jornalismo, tal como praticado em
situaes como a brasileira, ser, por um lado, produo social de
conhecimento - portanto, atividade intrinsicamente criadora - e, por outro,mercadoria produzida industrialmente para gerar lucros aos monoplios
que controlam essa produo - portanto, atividade submetida51.
Ora, fugir dessa submisso, foi sempre a grande preocupao do escritor
Erico Verissimo. E por isso, quando ele recria, em Incidente em Antares, a figura de um
profissional da imprensa, no titubeia em denunciar tal submisso, no caso uma dupla
submisso, porque simultneamente dirigida aos donos do poder que dominam pela fora
e aos donos do poder que dominam pelo capital, unidos numa nica finalidade, a
subjugao do povo.
Idealizada enquanto forte crtica ao regime de exceo instaurado em 1964,
a narrativa tem, no editorialista do semanrio A Verdade (p.25), como o chamar o
escritor, uma das figuras de referncia para o texto. No se trata de uma personagem
redonda, como a identifica E.M. Forster e a retoma Antonio Candido, em seus clssicos
estudos. antes um tipo. Mas no deixa de ter seu encanto, sobretudo por sua alienao
em relao funo que desempenha. Maria da Glria Bordini, em estudo sobre aquele
livro52, demonstra que o romance se articula em torno de trs diferentes figuras, o
professor universitrio Martim Francisco Terra, o Padre Pedro-Paulo - fortemente
influenciado pela Teologia da Libertao - e o jornalista Lucas Faia. Significativamente,
51 MEDITSCH, Eduardo - O conhecimento do jornalismo , Florianpolis, UFSC. 1992, p. 80.52BORDINI, Maria da Glria - Criao literria em Erico Verissimo , Porto Alegre, L&PM/EDIPUCRS.1995, p. 246.
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cada qual faz um registro escrito dos acontecimentos que o prprio escritor, enquanto
narrador onisciente, tambm desdobra, mas se valendo de um sem-nmero de tcnicas
narrativas para constituir um conjunto orquestrado de vozes, como diria Mikhail
Bakhtin53. Assim, ao nvel da linguagem, como queria o terico russo, que Erico
Verissimo alcana transmitir a seu leitor as mltiplas perspectivas daquela realidade: o
professor constitui uma tentativa de ensaio interpretativo do que conhece, e sem dvida
alguma uma espcie de alter ego do escritor. O texto, pesquisa encomendada por uma
instituio estrangeira, descoberto por policiais, acaba por lev-lo priso. Portanto, no
chega circulao social. Padre Pedro-Paulo (observe-se o nome) escreve um dirio:
temos, pois, um relato privado, uma apropriao filtrada pelas prprias dvidas do
sacerdote, em relao religio e ao papel social que desempenha, j que, ao contrrio do
professor, que no tem dvidas sobre que lado deve defender, o sacerdote se sente porvezes falso em seus sermes.
Por fim, Lucas Faia, o jornalista, acompanha todo o desdobrar da greve dos
coveiros e, por conseqncia, da permanncia dos cadveres ambulantes pela cidade,
atravs de seu jornal. Impregnado da objetividade jornalstica, imagina poder melhor
servir s autoridades locais fixando a verdade: chega mesmo a embalar-se ao som de seu
prprio texto, no fundo, barroco e falso, pleno de narizes-de-cera ao melhor estilo do
velho jornalismo anterior dcada de 50, eminentemente literrio. Com isso, termina por
desagradar s autoridades do lugar, mas um excelente instrumento para que o escritor
possa transcrever - sob uma perspectiva ridcula - os acontecimentos, sem que a prpria
narrativa se torne ridcula, como confessa Erico Verissimo: Na hora em que os defuntos se
levantaram faltou-me a coragem de segui-los rua abaixo. Usei duma artimanha: descrevi
a dramtica descida atravs da prosa barroca do jornalista Lucas Faia54.
Lucas Faia, assim, se v pressionado e frustrado em suas utpicas intenes
- glorificar o que denomina de classes produtoras, a comear pelo prefeito municipal -
porque impedido de contar a verdade, como seria sua funo e obrigao:
53 BAKHTIN, Mikhail Questes de literatura e de esttica, So Paulo, UNESP/HUCITEC. 1990.54BORDINI, Maria da Glria - Op. cit., p. 162.
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Faia se deixa embalar pela prpria retrica adornada de metforas
e comparaes, preciosismos e chaves, a tal ponto que muitas vezes no
consegue perceber que o contedo de suas reportagens pe em risco os
interesses dos pr-Homens de Antares. Dessa forma, sua reportagem mais
magistral, no seu prprio entendimento, a da histria dos mortos no coreto,
censurada pelos lderes do governo, primeira providncia da Operao
Borracha, destinada a apagar completamente da memria de Antares o
incidente que resultou na denncia de sua corrupo e hipocrisia moral,
bem como desmandos polticos55,
o que significa dizer que a funo jornalstica e a do jornalista
simplesmente castrada, censurada, interrompida: o jornalismo, assim, deixa de existir, no
mais uma verso da realidade, no a narrao dos acontecimentos, mas uma fantasia -barroca - que se esgota na prpria vaidosa auto-suficincia da falsa linguagem.
Erico Verissimo, neste romance, parodia algumas prticas do antigo
jornalismo, como, por exemplo, a instalao de uma sirene na redao do jornal, sirene
esta que tocava sempre que houvesse alguma novidade (p. 78). Assim, medida em que os
acontecimentos se desenvolvem, muitas vezes a sirene do dirio local soou durante aquele
dia e o seguinte (p. 88), afirma o narrador, mas, curiosamente, se as informaes so dadas
atravs da fala e das pequenas folhas de papel afixadas nos quadros, ao lado da porta de
entrada da redao, jamais aquelas informaes so efetivamente transformadas em notcia
para a edio do dia seguinte de A Verdade, graas censura que o prefeito impe ao
jornalista.
Por outro lado, a hiprbole praticada pelo jornalista apropriada pelo
narrador, num modus faciendi que traduz a crtica do escritor personagem:
No dia seguinte, no seu editorial assinado, em A Verdade, Lucas
Faia escreveu que a inesperada notcia da renncia de Jnio Quadros
causara em Antares um impacto quase to violento como o produzido pela
primeira bomba atmica, a que explodira sobre Hiroxima em agosto de
1945 (p. 116).
55BORDINI, Maria da Glria - Idem, ibidem, p. 254.
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Alis, Erico Verissimo, habilmente, coloca na boca - ou melhor - na pena
de Martim Francisco sua prpria imagem do jornalista:
O diretor do jornal um tipo curioso. D uma impresso de fluidez,
um homem que, como os lquidos, toma a forma do vaso que os contm,
isto , da pessoa com quem fala ou a quem serve (...) Sua alcunha na
cidade Lucas Lesma porque -explicam - a lesma e um animal capaz de
arrastar-se sobre o fio de uma navalha sem se cortar e sem cair para um
lado nem para outro (p. 158).
Lucas Faia, em sntese, no um mau sujeito. Tem mesmo a percepo do
que seja o bom jornalismo, como se depreende desta outra passagem: Na redao de A
Verdade, s quatro da tarde, Lucas Faia preparava o seu editorial para o nmero do dia
seguinte, em cuja pirmeira pgina negrejaria uma manchete em caixa alta e tipo grosso:"Greve geral em Antares"(p. 196). A notcia, contudo, e sobretudo a manchete,
censurada pela autoridade municipal.
Ao mesmo tempo, ele continua usando um vocabulrio absolutamente
ultrapassado e antiquado e que, por isso mesmo, incompetente para expressar a
realidade que pretende relatar. Eis uma passagem daquela narrativa a que aludia Erico
Verissimo em seu depoimento que citamos acima:
A brnzea voz do sino da nossa Matriz chamava os fiis para a
missa das sete quando os sete mortos, em sinistra formatura, desceram
sobre a cidade, ao longo da popular Rua Voluntrios da Ptria (...)
Pareciam - segundo o depoimento de vrias pessoas idneas ouvidas pelo
nosso reprter - figuras egressas dum grotesco museu de cera.
Testemunhas visuais (e olfativas!) do ato so unnimes em afirmar que os
defuntos se moviam de maneira rgida, como bonecos de mola a que
algum - Deus ou o diabo?- tivesse dado corda (ps. 258-259).
Ou ento, em outra passagem:
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De sbito o cristal do silncio foi brutalmente partido por uma
pancada sonora e pareceu ento que o cu, o ar, a cidade, as pessoas -
tudo se punha a vibrar de surpresa e susto. Tenho a impresso de que
houve entre os que se encontravam no gabinete do prefeito uma espcie de
pnico, que durou uma frao de segundo, o tempo suficiente para
compreendermos todos que se tratava do sino da matriz que comeava a
bater meio-dia, em badaladas lentas, longas e lgubres (p. 325).
Lucas Faia, na verdade, tenta, at o final, praticar sua funo. Chega mesmo
a prometer esposa: teu marido no vai arredar-se desta mesa antes do raiar de um novo
dia. Estou comeando a escrever o artigo mais importante de mi perra vida, sabes,
Marfisa? (ps. 405-406), mas, ainda uma vez, sua iniciativa frustrada. E a proibio
permanece, at depois que os mortos decidem aceitar seus enterros, com o final da grevedos coveiros:
Quando Lucas Faia procurou o Major Vivaldino para lhe dizer que
ia publicar em A Verdade - no primeiro nmero que aparecesse depois do
lamentvel incidente - um grande artigo descrevendo com sabor literrio a
visita dos mortos o prefeito saltou, furibundo: __ No publique coisa
nenhuma! Esse seu artigo no pode aparecer sem a aprovao dos
acionistas do jornal (p. 460).
Assim, termina-se nada publicando a respeito do incidente. Tudo o que se
lhe permite a leitura do texto, diante das autoridades que, imediatamente, o confiscam
(ps. 463-464):Lucas Lesma desatou a chorar, como uma criana a que se nega com maus
modos um brinquedo que ela muito deseja. O Mendes segurou-lhe o brao, compassivo, e
levou-o para fora da sala (p. 464).
Tambm os jornalistas que chegam da capital, representando os diferentes
rgos de comunicao, dos jornais s emissoras de rdio e de televiso, vem frustradas
suas tentativas de registrar o fenmeno dos mortos. No se trata, evidentemente, apenas de
uma soluo ex machina do escritor para solucionar o enredo absurdo que tramara, mas
sim, uma metfora para a impossibilidade de os meios de comunicao, poca, isto ,
nos anos 70, retratarem, de fato, objetivamente, a prpria realidade (ler p. 449 e ss.), de
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