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ENTREVISTAS COM ESCRITORES E ILUSTRADORES DE LITERATURA INFANTIL

Adélia, a esquecida.

Tudo começou quando a escritora Lia Zatz conheceu um pai em uma livraria que procurava livros

para sua filha deficiente visual. Lia começou a pesquisar o assunto no Brasil até que uma amiga em

comum apresentou-a a designer gráfica Wanda Gomes, que também estudava o mesmo assunto. A

coincidência aproximou as duas e em 2006 elas começaram os testes com o apoio técnico da Efeito

Visual Serigrafia, uma gráfica de renome em São Paulo. ―Esses testes eram sempre levados à

apreciação das várias instituições, profissionais e educadores na área da deficiência visual. Em

paralelo, fiz um curso de pós-graduação em design gráfico e os fundamentos teóricos me deram a

segurança necessária para seguir em frente com o projeto de design e do sistema que batizamos de

Braille.BR‖, diz Wanda Gomes.

Adélia é o primeiro livro de uma coleção. Na história, a pequena Adélia vive momentos de

autonomia em casa tentando preparar um café da manhã de surpresa para os pais. Além do texto em

braille, a ilustração também permite à criança descobrir do que o texto está falando, com desenhos

em alto relevo, texturas e aromas (dá para sentir o cheiro de xampu em uma das páginas!). O livro

recebeu incentivo da IBM Brasil através da Lei Rouanet, Ministério da Cultura, e, por enquanto,

será distribuído em escolas e bibliotecas que atendam deficientes visuais. Wanda conversou com

CRESCER.

CRESCER: Como é o mercado de livros em braille pelo mundo?

Wanda Gomes: O sistema braille é um sistema de escrita e leitura tátil que muito pouco se alterou

desde a sua aprovação oficial, em 1854, no que diz respeito aos processos de impressão. Os livros

impressos aqui no Brasil e no mundo, seja através de processo manual, computadorizado ou

estereotipia gravam os sinais através de perfuração ou melhor, de um repuxo que produz alto relevo

de um lado e baixo relevo do outro lado da folha de papel.

CRESCER: E como é o mercado no Brasil?

WG: O mercado ainda é extremamente carente, há muito o que fazer. E pessoalmente, acredito que

este livro não esgota de maneira alguma as possibilidades gráficas para a pessoa com deficiência

visual, mas é a prova concreta da existência de uma área com grande potencial de trabalho para o

design gráfico. Não tenho dúvida alguma de que através das ferramentas que o design nos oferece,

podemos projetar materiais com a finalidade de alterar e democratizar significativamente os meios

de acesso da pessoa com deficiência visual à cultura e à educação.

CRESCER: Qual o impacto desta tecnologia a partir de agora? O que vocês pretendem? Vão

compartilhar essa tecnologia com outras editoras e ir atrás de bons títulos de literatura

infantil no Brasil ou a ideia é criar somente novas histórias?

WG: Desejamos compartilhar, sim, e desejamos com esse projeto sensibilizar o mercado editorial,

chamando a atenção para um nicho que é carente de produtos de qualidade. Esse sistema de

impressão pode inclusive, ser aplicado sobre outros materiais além do papel.

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CRESCER: Qual a principal diferença entre o modo que é feito livro em braille hoje e o que

você idealizou?

WG: As três maiores diferenças entre o braille impresso de maneira convencional e o Braille.BR é,

primeiramente, que este último não perfura o papel. Assim, o papel fica totalmente preservado e a

impressão offset (impressão em tinta) também. A impressão do Braille.BR pode ser feita em ambos

os lados da folha de papel. É impresso com um tipo de verniz totalmente transparente e isso dá um

resultado final na impressão de altíssima qualidade, e os pontos da cela braille não atrapalham a

leitura da pessoa que enxerga.

Outro fator é que os pontos da cela no Braille.BR não cedem com a pressão dos dedos como

acontece no braille convencional. Assim, o Braille.BR confere ao livro uma vida útil muito mais

longa do que o braille comum.

E ainda: o Braille.BR possibilita a combinação e utilização de texturas também com verniz e relevo.

Com certeza, esse processo permite ao designer utilizar mais a sua criatividade no projeto de um

livro ou outros materiais similares e oferecer ao deficiente visual informações muito mais ricas.

CRESCER: O livro será comercializado? Haverá algum tipo de ação social/educacional com

ele?

WG: Essa primeira edição está sendo distribuída gratuitamente para entidades e bibliotecas públicas

com acervo em braille. Algumas instituições educacionais do setor já nos procuraram com

propostas de inclusão do livro em atividades de sala de aula. Estamos já trabalhando na produção

uma edição comercial para meados de 2011.

CRESCER: Quando teremos o próximo?

WG: Simultaneamente à segunda edição do Adélia Cozinheira, estamos trabalhando também na

produção do segundo volume da coleção Adélia.

O nome já diz a diferença que o livro quer causar: Monstruário

(Ed.Girafinha). Aqui, o catálogo contém 12 novos monstros terríveis, que até

agora não tinham nem nome, nem rosto. Mas de que todo mundo já tinha

ouvido falar. Na história, um cientista revela a identidade de seres como

Língua de Trapus, Abaixa-Nota e Espelhus Culposus. As ilustrações são do

gaúcho Guazzelli.

CRESCER: Mas que livro é esse?

Katia Canton: Ele resgata uma atitude mais antiga, vai na contramão do

grande espetáculo, que eu também gosto. Eu adoro brincar com palavras, e

esta brincadeira eu fazia com meu filho.

CRESCER: Como é?

KC:A gente pega um pedaço de papel e faz uma dobra qualquer. Aí, a pessoa

ao lado pega e faz outra dobra. E vai passando, até virar quase um

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Frankenstein (risos)! E começamos a dar nomes esdrúxulos. É uma

brincadeira inglesa. O bacana é que fica uma coisa lúdica, educativa e

engraçada, falando de questões importantes do universo infantil.

CRESCER: Mas eles não são monstros de todo mal...

KC: E é isso mesmo: todos nós temos um pouquinho de monstro. Ai, senão

ia ser todo mundo certinho o tempo todo...que chato. Não somos máquinas,

ora!

x.x.x.

No mês em que completa 75 anos, Ziraldo é homenageado com o lançamento

doAlmanaque do Ziraldo (Ed. Melhoramentos) e lança Menina das Estrelas,

seu primeiro livro sobre o universo feminino. A idéia nasceu da pergunta de

uma garota que leu O Menino da Lua: ―Por que é que você não pôs meninas

nos seus planetas?‖. A resposta veio em forma de livro.

CRESCER: Por que demorou para escrever sobre meninas? É mais difícil?

Ziraldo: É que não sabia nada sobre meninas. Hoje, com 75 anos, acho que já

posso dizer que sei tudo (risos).

CRESCER: Gosta mais de escrever ou desenhar?

Ziraldo: Sou muito mais encantado em escrever. É mais difícil. E que não

tenho segurança. Leio umas 500 vezes. Já de desenho eu sei tudo. De

escrever, acho que ninguém sabe tudo.

CRESCER: Por que as ilustrações são em preto-e-branco?

Ziraldo: Acho mais chique (risos). E as crianças podem colorir depois. Com

O Menino Maluquinho funcionou muito bem. Futuramente quero lançar

Menina das Estrelas colorido também.

CRESCER: Seu primeiro livro infantil, Flicts , foi publicado em 1969. As

crianças eram diferentes?

Ziraldo: Criança não muda, o que mudam são os brinquedos que os novos

que tempos oferecem. Escrevo sobre os sentimentos das pessoas. Todos

continuam sofrendo e sendo felizes pelos mesmos motivos.

Toda ficção é um artifício para falar de nós mesmos. E isso é muito bom

quando a constatação é da filósofa mineira Adélia Prado, que presenteia as

crianças pela primeira vez descrevendo o cotidiano cheio de poesia de uma

menina do interior.

CRESCER: Por que só agora lançou seu primeiro livro infantil? Há

alguma diferença em escrever para adultos?

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Adélia Prado: Porque só agora veio com espontaneidade. Não sei

responder a segunda parte da pergunta. Espero que as crianças o façam.

Estou doida para ver a opinião delas.

CRESCER: O que há de bom para escrever para elas?

AP: Assuntos? A vida é riquíssima, da maravilha absurda do grão de areia

às estrelas no céu, temos com que nos ocupar pela eternidade afora.

CRESCER: Como abordar assuntos ―pesados‖como a morte?

AP: A morte interessa à criança profundamente, tanto quanto outro

qualquer tema e até mais, dada a sua magnitude e importância e seu

impacto em nossa vida.

CRESCER: O que gostava de ler quando era criança? Foi importante o

contato com a poesia?

AP: Minha escola primária foi muito boa. Monteiro Lobato, Castro

Alves,Cecília Meireles, Martins Fontes,Vicente de Carvalho, Olegário

Mariano,Olavo Bilac e tantos outros faziam parte do nosso livro de leitura.

Líamos, decorávamos, recitávamos. Uma festa! Meu pai sabia poemas de

cor tendo só o terceiro ano primário, e minha mãe amava leitura.Aescola foi

muito importante na minha descoberta da poesia. Iniciou-me

prazerosamente no texto. Líamos como quem come e bebe coisa boa e não

para fazer prova ou passar no vestibular.

Tudo o que pudesse sonhar estava ali, costurado no vestido. A menina que

tinha um peixe dourado que voava sem asas, um coelho branco com

orelhas pequenas e que corria atrás da própria cauda, e mais uma porção

de desejos, pensamentos e ideias em seu vestido cheio de sonhos”.

Assim começa o novo livro do escritor e ilustrador Alexandre Rampazo.

Chama-se A Menina e o Vestido de Sonhos (Ed. Larousse Júnior) e é uma

maravilha que mistura nonsense com poesia. Na história, uma menina

colecionadora de sonhos abandonados – me lembrou muito nossa amiga

Raquel, de A Bolsa Amarela – junta tudo num belo e mágico vestido. Até

que ela precisa de um ―ingrediente‖ a mais, mas que exigiria dela

ultrapassar certas fronteiras. O sonho pode tudo?

CRESCER: Primeiro vamos falar sobre essa Menina tão especial. De

onde veio a ideia?

Alexandre Rampazo: O conceito das coisas que escrevo sempre chegam

antes da personagem. Imaginei como seria um lugar onde não se desse a

importância devida aos sonhos, mas queria que isso fosse algo concreto,

tátil. Quando se realiza um sonho, uma vontade, um desejo, ele fica ali, bem

na sua frente, quase dá pra pegar de tanta felicidade. Queria transformar

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este momento em numa experiência realmente tangível. A partir dai criar

um personagem principal, um conflito e uma solução para este conflito foi

uma consequência.

C: Você brinca com as palavras – metáforas até – do mesmo jeito que

brinca com o material usado na ilustração?

AR: Sim. Adoro o nonsense, realismo fantástico. Gosto de imaginar que a

criança viva este mundo de fantasia dela, e encare com naturalidade que

exista uma cidade onde sonhos flutuam pelo ar e que possam ser pegos com

as mãos. Acho legal alimentar esta fantasia, este universo de possibilidades

que fervilha criativamente na cabeça das crianças, e ao mesmo tempo,

mesmo que ela absorva de forma inconsciente, mostrar a relação com seu

mundo real, seu dia a dia.

C: Você acha que a criança capta essas ‘brincadeiras’ de que forma?

Tem a ver com o que você pensa na hora de criar? Isso tem alguma

importância?

AR: Quis criar um mundo onírico. Cheio de absurdos da mesma forma

como os sonhos são feitos. Uma nuvem de chuva regando flores dentro da

casa da menina, um barco que flutua com remos de colher… Acredito que

crie alguns níveis de leitura. Virar a página e se ater aos detalhes além do

que está escrito faz com que a criança leia (ou os pais) duas, três vezes, e

que encontre novidades a cada nova experiência. Acho que a importância é

criar um olhar mais atento ao detalhe além do texto. Imagino que crie

histórias dentro da história, e mexa criativamente com o olhar do leitor.

Ele já passeou pela publicidade, se envolveu em projetos com

várias editoras ilustrando e fazendo capas de livro. De 2007 para

cá, resolveu se dedicar mais às ilustrações e à literatura infantil. Seu

traço está em O Boneco de Massa (Ed. Do Brasil), Eu Adoro, Mas

Meus Pais... (Ed. Larousse Jr.), mas somente agora estréia como

escritor em A Menina Que Procurava (também da Larousse). Na

história, a menina começa sua busca com um berro bem alto.

Depois, olha para o infinito e tenta correr atrás. Ela nunca desiste.

Só depois de procurar muito ela descobre que ele não tem nem cor,

nem tamanho: é o eco.

Veja a conversa que tivemos com ele:

CRESCER: Você conhece alguma menina como esta, sempre à

procura?

Alexandre Rampazo: Várias... e não só meninas... e não só

crianças... acho que estar à procura é uma constante e um

motivador de nós como humanos, é o que sempre nos impulsiona.

CRESCER: Como ela nasceu em suas idéias?

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AR: Costumo anotar situações curiosas observadas no dia-a -dia. E

criança é uma fonte inesgotável destas pérolas. Tenho uma

idéia/conceito principal e vou inserindo coisas e elementos

gradativamente, até ter uma boa história pra contar. Já tinha a

imagem da menina e o jeito que queria ilustrá-la. Imaginei-a

correndo, de vestido vermelho num grande "nada"... imaginei

sons... amigos para interagir... pronto, elementos todos juntos... e

ela acaba procurando uma coisa que toda criança quando encontra

gosta de se divertir com ela (ou ele).

CRESCER: Por que há uma colcha de retalhos no final?

AP: Na verdade, acaba servindo mais pra entreter as crianças um

pouco mais curiosas e com vontade de ter algo mais do livro. Se

reparar bem existe pares de desenhos da menina espalhados pela

colcha. O leitor agora pode também brincar de procurar a menina

do livro.

CRESCER: De onde vem sua técnica de ilustração? Como você a

definiria?

AP: Eu defino como técnica mista. Depois de imaginar a

composição da cena, trabalho inicialmente com lápis e papel "de

verdade". Dependendo de como quero resolver plasticamente a

ilustração, trabalho com tinta acrílica, colagem, ecoline, fotografo

coisas. Depois escaneio as imagens e começo a trabalhar

digitalmente pintando também pelo computador. De onde vem

minha técnica é uma miscelânea de muito do que observei e

observo até hoje. Quem desenha, tem um olhar diferenciado das

coisas, cores, volumes e toda esta informação visual acaba

moldando você como artista. Claro que também carrego um monte

de influências de ilustradores e artistas plásticos que acabam

somando a tudo isso.

CRESCER: Para você, qual a importância da ilustração no livro

infantil? Acredita que pode ensinar à criança sobre artes?

AP: Nossa TÃO grande! A ilustração acaba fazendo uma ponte

entre leitor e texto. Abre possibilidades de um mundo fantástico.

Mexe com o imaginário. No ano passado, fiz uma ilustração para

uma grande editora, e era uma seqüência de cenas dos Três

Porquinhos. Enquanto eu estava desenhando, ficava imaginando:

"Nossa! Alguma criança, em algum lugar irá conhecer a história

dos Três Porquinhos por meio desta ilustração!". É muito legal

porque torna-se um referencial de imagem pra criança: onde ela

começa ter um repertório visual, e a cada evolução de sua vida

literária, irá lhe trazer uma bagagem de referência visual/cultural

muito enriquecedora. E acho sim que é um início pelo gosto pelas

artes.

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AP: Muitos dos elementos de minhas ilustrações são colagens. No

livro A Menina Que Procurava, por exemplo, o elefante é um

monte de folhas de papel de coador de café. Gostaria muito que a

criança olhasse aquilo e notasse que ela também pode fazer um

elefante do jeito dela. Então acho que se um livro ilustrado pode

dar um pouquinho só desta contribuição, já é um grande começo.

CRESCER: Você desenha desde quando?

AP: Sempre fui louco por desenhos da TV, como a grande maioria

das crianças, mas não me contentava em simplesmente assistir:

queria todos aqueles personagens mais próximos de mim. Então,

uma folha em branco era sempre uma forma de eu transportar o que

via na TV para mais perto e, disso, para formar minhas próprias

histórias e personagem foi um pulo. Ao mesmo tempo adorava

quando tinha aula na biblioteca da escola. Pegava um monte de

livros e ficava encantado com os desenhos. Acabei sendo

autodidata. Mais velho, cheguei a começar alguns cursos de

desenho mas nunca conclui. Bem mais tarde, quando fiz Belas

Artes, muita coisa que aprendi sozinho acabou sendo

fundamentada.

CRESCER: O que temos para o futuro?

AP: E neste momento estou entregando os originais de um livro

que é uma adaptação de um clássico da literatura infantil, que

infelizmente por enquanto não posso dizer o nome, e estou com

mais dois textos para ler... acho que não terei férias!

www.alexandrerampazo.com.brhttp://alerampazo.blogspot.com

Será um pato ou um coelho? A escritora Amy Krouse Rosenthal estava em uma apresentação com

o amigo ilustrador Tom Lichtenheld, quando o viu desenhar uma imagem fascinante. Dependendo

do olhar do observador, ali estava um pato ou um coelho. ―Isso dá um livro!‖, pensou Amy, que

imediatamente foi conversar com Tom. O amigo ilustrador foi absolutamente receptivo e, em 2009,

nasceu nos Estados Unidos o livro Duck! Rabbit!, lançado no Brasil sob o nome de Pato! Coelho!

em 2010, pela Editora Cosac Naify.

CRESCER conversou com os autores, para conhecer mais detalhes dessa história...

CRESCER: Amy, como foi o processo de criação de Pato! Coelho!? Ao ver Tom desenhando a

figura ambígua, você imediatamente pensou em fazer um livro que se baseasse nela?

Amy Krouse Rosenthal: Sim, foi exatamente o que aconteceu. Estávamos fazendo uma

apresentação juntos numa escola. Num determinado momento, ele desenhou a figura de ilusão de

ótica do pato-coelho no quadro-negro. As crianças logo exclamaram ―Legal!‖. E eu disse o mesmo!

Depois da apresentação, fui conversar com o Tom sobre a imagem – e sugeri na hora: ―Acho que

temos um livro aí‖.

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CRESCER: Tom, o que ocorreu a você quando Amy convidou-o para escrever um livro

baseado nessa imagem?

Tom Lichtenheld: Antes de tudo, foi uma surpresa maravilhosa. Durante 30 anos eu havia

enxergado o pato-coelho apenas como uma imagem, mas quando Amy a viu, imediatamente se deu

conta de que a ideia era suficientemente boa para sustentar um livro todo. Quando ela propôs que

fizéssemos um livro a partir dela, minha reação foi ―Mas, Amy, é apenas UMA imagem. Como

vamos transformá-la em um livro de 32 páginas?‖. Esse é um ótimo exemplo da beleza do trabalho

conjunto: suas ideias são vistas pelo olhar de outra pessoa, capaz de enxergar nelas um potencial

muito maior do que você mesmo percebe.

CRESCER: Você disse que conhece essa imagem há mais de 30 anos. Você saberia dizer

quando a viu pela primeira vez?

TL: Eu estava na faculdade e estava numa aula denominada ―O Zen e Freud‖. O professor

desenhou essa imagem na lousa para demonstrar a visão Zen da percepção, explicando que uma

coisa é aquilo que você denomina e que as pessoas percebem a mesma realidade de maneira

distinta. Aquilo me tocou muito, provavelmente porque sou uma pessoa visual e ali estava um

grande conceito intelectual captado num desenho feito com uma simples linha.

CRESCER: Quais são os principais conceitos, significados e reflexões que você enxerga hoje

nessa imagem?

TL: Para mim, o desenho pato-coelho prova duas coisas. Primeiramente, que variar de uma

percepção para outra pode ser uma brincadeira tão divertida e estimulante quanto uma brincadeira

num playground. Além disso, hoje posso dizer que todos amam patos e coelhos!

CRESCER: Amy, em sua opinião, qual é a principal mensagem do livro?

AR: Acima de tudo, considero o livro simplesmente divertido. No que se refere a uma mensagem

sobre a qual podemos nos debruçar, digo o óbvio: o livro fala sobre perspectiva, de uma maneira

divertida e de fácil compreensão. Quando autografo o livro, costumo redigir a seguinte mensagem:

―Lembre-se de que há sempre duas maneiras de olhar as coisas‖. Isso é algo para se ter em mente

durante toda a vida, independentemente de quem você é e da idade que tem.

A mineira Angela-Lago adora brincar. Autora de dezenas de livros infantis, Angela não perde a

oportunidade de brincar com números, letras, palavras e quaisquer formas que a mistura deles possa

criar. O que vale é imaginar e provocar diversão no leitor. Ou melhor, paixão.

Nesta conversa que tive com ela para o site CRESCER, falamos de um de seus recentes

lançamentos, o A Visita dos 10 Monstrinhos (Ed. Cia das Letrinhas), em que Angela dedica um jogo

de palavras e números para os que estão aprendendo a contar. Mas, como ela mesmo diz: "serve

também para quem precisa lidar com algum monstro".

CRESCER: Primeiro eu queria que você tentasse contar aqui um pouco do seu trabalho com

linguagem, seus livros que atingem os leitores mais novos, que estão aprendendo a amar as

letras, os números... Essa é uma temática forte em seu trabalho, não?

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Angela-Lago: É sim. Acabo de entregar para a Letrinhas Os 10 Monstrinhos, que apresenta o

senhor Zero às crianças que estão aprendendo a contar. Tenho o ABC Doido na Editora

Melhoramentos, que está esgotado, mas sairá em nova edição ainda este ano.

Nos dois, uso rimas e outras brincadeiras com a sonoridade da língua. E tento transformar o

desenho da letra ou do número em algo que ajude a criança a dar um sentido ao signo.

Para os leitores iniciantes, tenho também alguns livros que unem imagens e texto como em uma

carta enigmática. Sua Alteza a Divinha, na RHJ. A Novela da Panela, na Editora Moderna.

Adoro adivinhas, enigmas e cartas enigmáticas. São sempre uma surpresa, nos fazem sorrir. E nas

Cartas enigmáticas as imagens constroem um mapa para a leitura. É difícil entender e guardar o

que foi lido quando ainda soletramos as palavras. Fica mais fácil quando as imagens servem de

marcos dos momentos-chaves do texto.

C: Falando em "amar e aprender", qual a importância do livro para isso acontecer?

A.L: Alguns escritores e educadores diziam que ler era só prazer. Acho que não se fala mais isso.

Todos sabemos que ler exige alguma concentração e às vezes esforço. O que sempre acreditamos é

o quanto a leitura vale a pena. Lemos e ampliamos nosso mundo, compreendemos o que se passa ao

nosso redor ou o que se passou algum dia em algum lugar remoto. Lemos e crescemos. Lemos e

deciframos um pouco o ser humano e a sua capacidade de amar. Quer saber de uma coisa? Acho o

livro em si amorável.

C: Por que devemos apresentar livros às crianças também que valorizem a ilustração?

A.L: Porque a ilustração também lê o mundo. Como o texto, ela narra uma cultura.

C: O quanto a ilustração pode brincar com a criança, com a leitura, com a história?

A.L: Texto e ilustração fazem um único objeto, o livro, que será apreendido em seu conjunto. Esse

objeto tem que ser coerente. É verdade que alguns ilustradores são capazes de desenhar imagens

que fazem sorrir para um texto que faz chorar e ainda assim manter a inteireza do livro. Mas não

são todos os ilustradores que conseguem isso. Acompanhar o texto em suas tonalidades pode ser um

caminho mais viável. E não há nenhum perigo em repetir nada. Nada se repete quando duas

linguagens são diferentes.

C: A Visita dos 10 Monstrinhos, por exemplo, você pensou nele todo junto? Quero dizer: ideia,

texto, ilustração e projeto gráfico?

A.L: Eu comecei o texto primeiro, depois desenhei alguns monstrinhos, depois paginei. Mas é fácil

fazer um livro todo sozinha. Em todos os momentos a gente se permite ir e voltar, corrigir,

modificar, tanto o texto quanto os desenhos ou a paginação. Acaba ficando uma coisa só.

C: Como é que você juntou números com monstros? De onde surgiu essa ideia?

A. L: Queria que o número três representasse três, mas não sou lá tão grande desenhista. Somar três

coisas dentro da forma exata de um número é difícil. Só consegui fazer monstros.

C: Você precisa de ajuda para enfrentar seus monstros?

A.L: Preciso sim. Preciso muito de amigos, livros e internet. Muitas vezes recorro a livros de

filosofia ou mesmo de ciência na tentativa de dominar meus monstros pelo saber. Não dá muito

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certo. Nos momentos de maior perigo corro logo para os contos de encantamento. Como Sherazade,

acredito que os contos curam. Ou pelo menos amenizam a existência e a dor. De qualquer forma,

nessas histórias, bruxas, gigantes e outros monstros perdem sempre para as camponesas, navegantes

e princesas. Não é uma garantia de vida?

C: Você se lembra de quando aprendeu a contar até 10?

A.L: Não me lembro mais, mas com certeza primeiro aprendi a contar até "muito".

C: Você convive com crianças? Sabe diretamente delas o que seus livros causam nelas? E

como isso te influencia como artista, como escritora?

A.L: Tenho alguns netos postiços, pois não tive filhos. Adoro quando eles gostam de algum livro

meu. Fico feliz. Mas não deixo de publicar os que eles desdenham. Sei que, como nós, adultos, cada

criança é única, diferente. O que uma detestou, outra pode gostar. E depois, eu não preciso agradar

sempre.

C: O que precisa ter um livro para crianças para ser bom?

A.L: Ser verdadeiro. Verdadeiro com toda a fantasia que se quiser. Ser inteiro.

C: Quais são seus próximos projetos? Dá para contar? É verdade que teremos A Vizinha com

a Vassoura e a Varinha?

A.L: É. Mas "se ela morasse mais longe daria mais certo. O problema é que a vizinha mora muito

perto".

Fernando Vilela é um apaixonado pelas imagens e pelas palavras.

Adora brincar com elas. Em 2006, o livro Lampião & Lancelote

(Cosac Naify) levou o autor às alturas com premiações

internacionais e o Jabuti por melhor livro infantil.

Pela Companhia das Letras agora ele lança uma aventura em azul e

laranja chamada Olemac e Melô, um encontro entre um camelo e

um camelô . E oferece às crianças poesia em algo que todos vemos

nas ruas, todos os dias. Veja nossa conversa exclusiva com ele.

CRESCER: O livro é uma homenagem a São Paulo?

Fernando Vilela: De certa forma acaba sendo uma homenagem ao

Rio e a São Paulo pelas "locações" escolhidas para os

acontecimentos. São Paulo é uma cidade com muita poesia no seu

concreto. As relações humanas numa capital de mais de 20 milhões

de habitantes é o que mais me impressiona nesta cidade.

CRESCER: Qual foi a inspiração?

FV: Juntar dois personagens de locais completamente diferentes e

descobrir pontos em comum foi a inspiração, assim como o

trocadilho camelo-camelô. A brincadeira de trazer um camelô

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estrangeiro ao Brasil, e de repente descobrir que há muito da

cultura árabe por aqui também nos mostra um país miscigenado e

que a questão cultural hoje tem aspectos muito interessantes. Mas

pensar neste encontro fantástico foi o que me inspirou.

CRESCER: Já foi para a Arábia Saudita? Já andou muito pela Rua

25 de março? Já "camelou" muito atrás de algo?

FV: Para a Arábia Saudita nunca fui, mas tenhos amigos no Iraque,

Irã e Síria. Eles me inspiraram bastante na troca de idéias sobre os

camelos. A 25 de março é nosso oriente médio paulistano. Lá todos

nós camelamos atrás de muita coisa.

CRESCER: Para você, qual é a maior riqueza desta relação entre

um camelo e um camelô?

FV: A amizade.

CRESCER: E sobre a brincadeira com palavras? É gostoso brincar

com elas?

FV: Adoro brincar com palavras, fazer rimas, trocadilhos, me

divirto bastante com isso. No meu livro Lampião & Lancelote

escrevi a história em cordel - em sextilha - e este desafio poético

me instiga bastante.

Neste livro Olemac e Melô além da brincadeira do título, num

momento da narrativa o camelô conta sua vida ao camelo em

versos rimados.

CRESCER: Você brinca mais com palavras ou mais com

imagens? Tem preferência?

FV: Navego nesses dois universos com bastante prazer e liberdade.

O livro permite isso. Já fiz dois livros só com imagem, sem texto -

A toalha vermelha pela ed. Brinque-Book e Le Chemin (o

caminho) pela editora Autrement (na França), que será publicado

no Brasil em 2008 pela Escala Editorial.

Quando crio, as idéias dos livros chegam a mim em imagens, e

logo depois são encadeadas numa narrativa. O texto surge junto

com as imagens. Mas antes sempre é a idéia que aterrissa na nossa

cabeça. No Camelo e Camelô eu brinco também com as cores e os

carimbos de borracha. Todas as bugigangas que os dois

personagens carregam: rádio, bolsa, guarda-chuva, cds, malas,

vasos, cestos, tapetes, etc, são carimbos, que vou estampando nas

ilustrações no decorrer do livro.

Outra brincadeira boa foi usar duas cores (azul e laranja). Juntando

as duas, nasce uma terceira cor, como o encontro dos dois

personagens onde a terceira cor e todas as suas nuances é a amizade

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que nasce no encontro.

CRESCER: Teremos novidades suas para 2008? Pode adiantar

algo?

FV: Teremos algumas! Um livro imagem chamado Tapajós: uma

aventura nas águas da Amazônia, pela Ed. Ática, ficará pronto

agora. Nasceu de uma viagem de lua-de-mel com Stela (Barbieiri,

escritora e contadora de histórias), minha mulher, pelo Rio Tapajós,

no Pará. Um outro que sai no início do ano é A comilança, bastante

divertido, pela editora DCL.

Estou preparando algumas boas surpresas com meus parceiros Stela

Barbieri e Ilan Brenman. Aguardem!

Para conhecer meus outros livros vocês podem entrar no meu site:

www.fernandovilela.com.br.

Ela já fez várias biografias de crianças que ficaram famosas (Anita

Malfatti, Cecília Meireles...) e agora o personagem está mais,

digamos, assustador. Em Poemas para Assombrar (Ed. Larousse

Junior), a escritora e ilustradora coloca em poemas histórias sobre

bicho-papão, lobisomem, dragão, fantasma, bruxa... Aqui ela conta

um pouco o porquê.

Por que poemas sobre seres assustadores?

Escrevi este livro porque acho um tema instigante. Pude explorar

vários aspectos das personagens sombrias, fantásticas e

assustadoras que povoam nosso imaginário desde a infância. O

homem sempre procurou lidar com o desconhecido e com o medo

por meio de rituais, da criação de mitos, lendas etc. As histórias

infantis estão repletas de seres mágicos, malignos e ameaçadores

que precisam ser enfrentados de alguma forma. Acho importante a

criação de novas histórias que envolvam os seres imaginários tão

temidos.

Criança adora se assustar? Na sua experiência, já deve ter

ouvido muito pais angustiados sobre o que dizer, o que contar

às crianças, querendo "editar" as histórias. Mas, claro, você

pensa diferente... No que acha que estes temas são bacanas

para as crianças?

A criança tem a necessidade em lidar com o medo, com o

inesperado, com aquilo que ela não conhece. Muitos aspectos da

vida são ameaçadores. A própria escuridão da noite, o dormir sem

os pais, a luz que se apaga. Ouvi uma criança dizer que para ela o

escuro era uma assombração. Muitos acontecimentos cotidianos

como ir à escola pela primeira vez e se separar da mãe provocam o

medo do abandono, da perda. Afinal, é uma nova etapa que ela

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deve enfrentar sem a proteção da família. O medo vivido através da

ficção é muito positivo, porque a criança tem a possibilidade de

vivenciar algumas questões internas ou externas que a amedrontam,

mas que ela ainda não tem meios de elaborar. A literatura infantil,

desde os clássicos contos de fadas, é um canal direto de

comunicação com imaginário dos pequenos, porque trabalha com

um rico universo simbólico.

Fazer estes temas em poemas pode provocar ainda mais a

identificação das crianças?

O fato de a poesia trabalhar com a sonoridade, ritmos dos versos,

rimas, cria uma linguagem lúdica, na qual a informação não é só

construída pelo enredo e personagens mas também pela própria

materialidade das palavras. Procurei, neste livro, apresentar o

momento do encontro entre a criança e a assombração com os

recursos da poesia.

Você usa no livro mais de um tipo de ilustração. Fale um pouco

sobre eles, o que você mais gosta.

Neste livro utilizei a técnica da colagem que venho gostando muito

de trabalhar. Fiz fundos bem coloridos com aquarela e depois

desenhei as figuras e as recortei. Não quis criar cenários que

representassem os acontecimentos do texto e sim, focalizar as

personagens como se elas estivessem entrando e saindo das

páginas. O projeto gráfico, feito pelo designer Alessandro

Meiguins, foi importante para a realização dessa proposta.

Primeiro vem o texto ou a ilustração? De onde vêm as suas

idéias? Neste livro, primeiro pensei no tema e depois trabalhei as

ilustrações. Em seguida, as imagens me inspiraram poemas que

tivessem humor. Apesar de as situações iniciais serem assustadoras,

já que os seres fantásticos saem com a intenção de fazer ―maldade‖

com as crianças, o final é sempre inesperado para as assombrações.

Pensei que seria interessante a criança leitora ou ouvinte poder

perceber que apesar de os seres malignos terem uma força e um

poder, também possuem suas fragilidades, e melhor, podem ser

vencidos.

A mais nova animação da Discovery Kids, que estreou no último sábado, transporta as crianças para

o mundo de uma princesinha de 4 anos. Baseada nos livros do escritor e ilustrador britânico Tony

Ross, 70 anos, a série Princesinha (Little Princess) mostra a menina enfrentando, sempre de

maneira bem-humorada, os dilemas comuns a quem está crescendo: a perda dos dentes, a

necessidade de aprender a se vestir sozinha e de pedir ―por favor‖, o medo de dormir sozinha no

escuro, o novo irmãozinho (que ela ganha em I Want a Sister/Eu Quero Uma Irmã/, da Random

House editora), entre muitos outros desafios diários.

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Os livros foram lançados no Brasil pela Martins Fontes. Fazem parte do catálogo Quero Meu Jantar

e Eu Quero Ser, mas para o ano que vem, a editora planeja lançar outros livros da série. Ao todo,

serão mais de 10 títulos diferentes.

Os capítulos, de meia hora de duração, são exibidos aos sábados e domingos, às 18h30. A direção é

de Edward Foster e a produção ficou por conta de Iain Harvey, os dois da Illuminated Film

Company. Ross também participou pessoalmente do processo de adaptar os livros para as telas.

Abaixo, em entrevista, ele conta um pouco mais sobre os livros.

CRESCER: Você esteve envolvido pessoalmente no projeto de adaptação da série para a

Discovery Kids?

TONY ROSS: Foi maravilhoso trabalhar com a Iluminated Films. Os produtores me mostraram os

scripts para aprovar, e também me pediram para assistir ao programa piloto. Nessa fase, eu fiz

algumas alterações, que foram muito bem-vindas. A maioria das minhas intervenções foi em

relação ao visual. Estou feliz com o resultado, tem sido uma experiência agradável. E também

fiquei satisfeito com a produção e o conceito. Agora, posso me afastar um pouco e deixar a

animação por conta dos profissionais do estúdio, que estão produzindo os filmes por conta própria.

CR: Quando saiu o primeiro livro sobre a princesinha?

TR: Foi há 22 anos. Ela poderia estar casada agora, e com a sua própria princesinha.

CR: Por que você escolheu a figura de uma princesa? Você se inspirou em alguém que conhece?

TR: Sim, a idéia para o primeiro livro, sobre aprender a ir ao banheiro, surgiu quando minha filha,

Alex, teve alguns problemas com o penico. E eu costumava chamá-la de ―princesa‖.

CR: Você tem outros filhos? Eles também te influenciaram em outros livros?

TR: Tenho três filhas, de 40, 35 e 28 anos, e 5 netos (cujas idades eu nunca acerto!). Minha filha

mais nova, Kate, estudou Artes e, quando perguntaram a ela se gostaria de ser uma ilustradora,

assim como o pai, ela respondeu: ―qualquer coisa, menos isso!‖. Então, ela se tornou ourives.

CR: O rei e a rainha, apesar de usarem coroas, estão vestidos com roupas comuns, do dia-a-dia. Até

mesmo a princesinha usa pijamas. Essa seria uma maneira de aproximar os personagens dos

leitores?

TR: Sim, eles formam uma família de monarcas, mas na verdade, representam todo mundo. E,

sendo reis, eu ainda posso incluir cozinheiros, criados, o Primeiro-Ministro etc.

CR: Seus livros sempre trazem uma mensagem, mas de uma maneira divertida. Esse seria o seu

segredo para atrair as crianças?

TR: Eu gosto da idéia de que todos os meus livros tentam passar uma mensagem importante - para

as crianças pequenas, não para o mundo todo. Eu acredito que os livros infantis podem ajudar a

tornar mais fácil o processo de crescimento, que é bastante difícil, em qualquer caso. E os adultos,

às vezes, se esquecem disso. Mas eu prefiro divertir, em vez de ―pregar‖.

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No mês em que completou 75 anos, Ziraldo lançou seu primeiro livro sobre menina, onde o escritor

mineiro fala sobre anseios, medos e fantasias do universo feminino. Menina das Estrelas nasceu do

questionamento de uma leitora depois de ler O Menino da Lua (o primeiro de dez livros da

coleção): "Por que é que você não pôs meninas nos seus planetas?". A resposta veio em forma de

livro.

CRESCER: Por que as ilustrações são em preto e branco?

Ziraldo: Acho mais chique (risos). E as crianças podem colorir depois. Com O Menino

Maluquinho funcionou muito bem. Mas futuramente penso também em publicar um edição com

ilustrações coloridas de Menina das Estrelas .

CRESCER: Seu primeiro livro infantil, Flicts foi publicado em 1969. As crianças da década de 60

eram diferentes das de hoje?

Ziraldo: Não. Criança não muda, o que mudam são os brinquedos que os novos tempos fornecem.

Escrevo sobre os sentimentos. Todos continuam sofrendo e sendo felizes pelos mesmos motivos.

CRESCER: O Menino Maluquinho é de 1980. Por que demorou para escrever sobre meninas?

Ziraldo: Digo no final do livro que demorei muito para entender as meninas. Hoje, com 75 anos,

acho que já posso dizer que sei tudo (risos).

CRESCER: Se a aluna daquela escola não o tivesse instigado a escrever sobre menina, você o faria

algum dia?

Ziraldo: Não conto história, aventuras. Faço considerações sobre os ritos de passagens. Tenho um

projeto que é entrevistar uma garota de uns 10 anos, inteligente, falante e fazer uma conversa de avô

com a neta. Mas quando decidi escrever esse nem imaginava o que ia sair. E você, gostou do texto?

CRESCER: Sim, claro! Adorei o livro. E como foi ganhar uma biografia toda ilustrada sobre a sua

carreira? (A Melhoramentos acaba de lançar Almanaque do Ziraldo , uma biográfica ilustrada)

Ziraldo: O Almanaque é deslumbrante. Dois artistas plásticos que se ofereceram para fazer. Eles

foram até a minha terra, pesquisaram muito todo o meu trabalho. É emocionante. São mais de 1.000

imagens. Tem coisa ali que não lembrava mais. Levei cada susto danado!

CRESCER: Como você gosta de ser identificado: cartazista, jornalista, teatrólogo, chargista,

caricaturista ou escritor? Ou tudo junto?

Ziraldo: Ah, pode colocar autor. Não, não... Coloca escritor que ilustra seus próprios livros. Gosto

disso. É chique!

CRESCER: Você vai fazer 75 anos dia 24/10...

Ziraldo: Dei um golpe no destino (risos). Vou ter de viver pelo menos mais dez anos para

completar a coleção de dez livros (O primeiro livro da série foi O Menino da Lua, lançado em

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2006). Em 2008 vou lançar O Menino de Urano . Parei a coleção no meio para escrever Menina das

Estrelas.

CRESCER: Gosta mais de escrever ou desenhar?

Ziraldo: Sou mais encantado em escrever. É mais difícil. Viu que eu logo perguntei se você tinha

gostado do texto? Não tenho segurança. Leio umas 500 vezes. Nas ilustrações, não. De desenho eu

sei tudo. De escrever acho que ninguém sabe tudo.

CRESCER: Você usa computador?

Ziraldo: Não gosto e tenho preguiça de aprender. Tenho seis máquinas de escrever, mas só duas

funcionam. O pior é que só tem uma pessoa no Rio de Janeiro que conserta e ele não ensinou o filho

esse ofício. Daqui um tempo nem terei onde comprar as fitas. Vou ter de ir a Milão para procurar

uma fábrica da Olivetti (risos).

CRESCER: Mas essa é uma ótima desculpa para fazer uma viagem dessas...

Ziraldo: Ah se é! (risos)

Na lista dos 30 Melhores Livros do Ano de 2007/2008, o premiado escritor e ilustrador Fernando

Vilela aparece em três publicações: A toalha vermelha (Ed. Brinque-Book), Olemac e Melô (Ed.

Companhia das Letrinhas) e Bumba-meu-boi (Ed. Girafinha).

Paulistano nascido em 1973, Fernando Vilela é escritor, ilustrador, designer, artista plástico e

educador. Já ilustrou quase vinte livros e coleciona prêmios nacionais e internacionais. Neste ano,

Fernando assina três livros eleitos por nossos jurados: dois de autoria completa e um como

ilustrador.

CRESCER: Vamos começar falando de A Toalha Vermelha, um livro feito exclusivamente de

imagens. De onde nasceu a idéia de escrever esse livro?

Fernando Vilela: Essa história nasceu a partir de um fato ocorrido comigo. Eu estava em um

passeio de barco e de repente uma toalha caiu no mar. Fui vendo ela afundar e comecei a imaginar a

história. Quando invento uma história, acabo puxando muito da imaginação de criança, aquela idéia

de cavar um buraco e sair na China, algo que faz parte do universo infantil. O livro, de certa forma,

realiza isso.

CRESCER: Com a idéia pronta, você já partiu para os desenhos? Você já tinha um conhecimento

do universo subaquático?

FL: Antes de começar o livro, fiz uma boa pesquisa no Instituto Oceanográfico da USP, onde

encontrei coisas interessantes sobre a fauna e a flora do Pacífico e do Atlântico. Havia lá uma

enciclopédia de Jacques Cousteau, que retratava todas as culturas do mar: fauna, flora e a cultura

humana, os pescadores. Nela, inclusive, pesquisei a aparência das embarcações do Oriente. Tudo

isso serviu de referência para as ilustrações.

CRESCER: Por que você optou por fazer um livro exclusivamente de imagens? Que impactos

você acredita que esse tipo de livro causa nos leitores?

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FL: Tenho uma filha de 12 anos, Nina, que tem um comentário célebre sobre os livros de imagem.

Ela diz que, em um livro de texto, você lê as palavras e imagina as imagens. No livro de imagens,

por sua vez, você olha as imagens e imagina a história, imagina o texto que há por trás. Concordo

com minha filha e acho que isso diz tudo. O livro de imagens de fato tem um texto por trás. Quando

você vê um barco que tem uma amarração diferente, tem duas barras laterais, tudo isso é texto. E

acredito que o livro de imagens enfatiza um fato já existente no livro ilustrado, que é a educação do

olhar. A criança fica instigada a entender a imagem, a criar em cima da imagem. Estes livros, com

isso, ajudam a criança a aprender a ler imagens. Em uma cultura onde a imagem tem extrema

importância, educar o olhar da criança para a imagem é tão fundamental quanto ensiná-la a

compreender o texto.

CRESCER: Você acha que uma criança não alfabetizada que está acostumada a ter um adulto

como mediador de leitura, consegue ler um livro de imagens por conta própria?

FL: Acho que o livro de imagens facilita, principalmente no caso de crianças em processo de

alfabetização, porque é incrível como elas têm um olhar desenvolvido em relação às imagens

(talvez por verem televisão desde pequenas, por terem intimidade com o videogame, etc.). O livro

sem texto é um audiovisual sem áudio e a sucessão temporal é dada pelo folhear das páginas. Com

esse tipo de livro, a criança que já tem certo domínio das narrativas consegue ter uma

independência. Se for muito novinha, no entanto, mesmo que o livro seja só de imagens, ela

precisará de uma mediação para compreendê-lo.

CRESCER: Falando agora de Olemac e Melô... Este livro também nasceu a partir de algum fato

ocorrido?

FL: A idéia desse livro nasceu na rua, no trânsito. Eu considero o motoboy da nossa cidade – e

também o camelô – um pouco como o camelo das arábias, alguém que leva tudo para lá e para cá. O

motoboy, o camelô, os vendedores ambulantes, pessoas que levam as coisas para lá e para cá, são

personagens que me fascinam. São profissões por vezes marginalizadas, mas cuja história

acompanha toda a história da humanidade. Eles são os vendedores que se deslocam levando seus

produtos. Certa vez, imaginei um camelo andando no meio da cidade de São Paulo. Fiquei com essa

imagem na cabeça, desvinculada de histórias, e até fiz um desenho. Um dia, então, tive a idéia do

trocadilho camelo-camelô. E aí fui inventar a história. Acho interessante como o processo de

criação muitas vezes não é nada linear.

CRESCER: Nesse livro você optou por fazer traços bastante estilizados...

FL: Sim. Há livros nos quais eu insiro um aspecto mais experimental na ilustração e isso tem muito

a ver com o meu trabalho de artes plásticas. Neste livro, muitas das ilustrações surgiram a partir de

carimbos. Todos os penduricalhos de produtos do camelo e do camelô são carimbos de borracha.

Criar esses produtos foi um lado divertido do trabalho; aliás, o processo de ilustrar é em si um

processo lúdico. Neste livro, brinquei de montar os personagens. Tenho agora uma galeria de

produtos de camelô, produtos de camelo, coisas que mais tarde podem até virar um jogo.

CRESCER: Bumba-meu-boi foi scrito por sua mulher, Stela Barbieri (veja entrevista dela), e

ilustrado por você. Como é viver uma parceria literária dentro de casa?

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FL: É muito bom ter uma parceria com a companheira. Desde que nos casamos, sempre fizemos

esta interlocução, pois nós dois somos artistas plásticos e nos conhecemos no universo das artes

plásticas. Eu acabo participando de tudo o que a Stela produz, do que ela faz, do que escreve... E

vice-versa. Quando crio os livros ou ilustro, ela também acaba sendo um olhar de fora que está

sempre a meu lado. Trabalharmos juntos foi uma conseqüência natural. Até o momento, temos dois

livros em parceria: A Menina do Fio e agora o Bumba-meu-boi. Posso dizer que nossos projetos

conjuntos são sempre muito ricos, especialmente pelo fato de termos um fascínio pelas

características culturais dos diversos povos.

Site do autor: www.fernandovilela.com.br

Autora também de A Rainha das Cores e O Anjo da Guarda do

Vovô, a escritora alemã lançou recentemente Selma (Editora

CosacNaify, R$ 25), um livro para crianças de todas as idades que

aborda questionamentos como o uso de nosso tempo, mas pelo

cotidiano de uma ovelha que sabe bem o que quer.

Crescer: Há faixa etária específica para cada livro?

Jutta Bauer: Não! Eu acho que há muitos livros - inclusive O Anjo

da Guarda do Vovô e A Rainha das Cores - que são para qualquer

idade e para qualquer um. Mas, claro, há livros que têm temas

especiais para determinadas idades. Mas, dos clássicos, como

Ursinho Pooh, por exemplo, basta ser humano para gostar.

Crescer: O que uma história precisa para ser boa?

Jutta Bauer: Deve ser autêntica e simples.

Crescer: Que tipo de coisa a inspira a ilustrar e escrever histórias?

Jutta Bauer: Olhar as pessoas nas ruas, dando voltas por aí,

ouvindo rádio, conversando com os amigos e a família, lendo

jornais, no trem e assistindo ao mundo passar... a vida toda!

Na lista dos 30 Melhores do ano passado, este casal aqui apareceu

com o O Bicho Folharada, da série de livros Um Passeio Pelo

Folclore. Este ano, eles voltam com o lançamento de 2007, O

Macaco Faz das Suas. Mary e Eliardo França, escritora e ilustrador,

criam em parceria há 40 anos. Desde o início, livro escrito por

Mary é ilustrado por Eliardo.

Nós conversamos com este casal, para saber um pouco como se dá

esta parceria dentro de casa.

Bem, vocês são um casal. Como é escrever assim, dentro de

casa? Eliardo: Bom, eu acho que todo ilustrador tem que se casar com a

escritora! (risos) Pois aí conversa em casa, briga em casa... Falando

sério, aqui a gente faz junto mesmo. A idéia - não importa se é

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minha ou dela – nasce, ela esboça o texto, eu a ilustração e vamos

tocando a idéia e, ao longo do percurso vamos afinando. Porque o

bom livro é aquele que a ilustração completa o texto e o texto a

ilustração: uma coisa faz parte da outra.

Mary: Há coisas que não precisam ser contadas pelo texto e o

desenho faz isso. Então eu, por exemplo, começo a fazer o texto, o

Eliardo faz a pesquisa do que pode usar, a tinta, aquarela, aí quando

a gente senta e diz ‗o projeto está pronto‘, nós terminamos,

finalizamos. Este verdadeiro laboratório anterior a tudo é o

importante.

Vocês produzem junto há 40 anos.

Eliardo: É isso mesmo! Tenho uma história muito legal. Eu queria

fazer ilustrações em quadrinhos desde menino. Um dia, a

professora mandou fazer uma atividade que se chama

―composição‖. Ela leu o texto O Rato do Campo e da Cidade e eu

fiz tudo em quadrinhos! Virei o desenhista da sala, claro!

Mary: eu, em compensação, foi o contrário. Nunca pensei em ser

escritora. Com 18 anos, meu sonho era ser professora de

matemática. Aí me pediam sempre para fazer adaptações para

teatro na escola, fui fazendo até que alguém me disse ‗por que você

não escreve uma história?‘. E aí fui pesquisar o folclore e comecei

a escrever.

Sabe, tivemos sorte de começarmos em uma época que começou a

literatura infantil aqui mais forte. Antes, achavam que escrever para

criança era colocar tudo no diminutivo!

Vocês passaram um tempo na Dinamarca pesquisando Hans

Christian Andersen. Como foi?

Mary: Tínhamos feito a Coleção Gato e Rato, e o sucesso fez a

gente fazer mais, até que pensamos no Andersen e o quanto

queríamos saber mais dele. Ficamos na Dinamarca por uns sete

meses, no ano de 1989. Foi uma descoberta enorme! Porque

percebemos o quanto não sabíamos nada! (risos) Fizemos diversas

rodas de estudo com pessoas de lá que tinham alguma familiaridade

com o português e eles liam para gente os originais. Vimos mais

sobre o estilo de Andersen, que ele tinha uma peculiaridade de

repetir palavras, de um jeito até exagerado, opcional, para exagerar

a emoção que ele queria passar.

Eliardo: Para a minha parte, digamos, a viagem também foi muito

rica. Eu queria sentir o clima, o país, as cores da Dinamarca que

são tons muito diferentes dos nossos. Queria sentir o frio do

Patinho Feio...

Queria sentir o tom do frio da neve do Patinho Feio?

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Vovó Dorinha anda um tanto diferente. Está um pouco esquecida,

troca o nome das pessoas e fala sempre de um tempo que já passou

como se fosse hoje. Sofia, sua neta de 7 anos, observa e estranha

muito e tenta entender tudo por meio do tratamento que a mãe dela

dá a esta nova fase da avó. O que ela irá descobrir é que Vovó

Dorinha está com uma doença chamada Alzheimer.

Este é o enredo de A Vovó Virou Bebê (Ed. Panda Books, R$

27,90), primeira ficção da historiadora e jornalista Renata Paiva e

que tem as delicadas e bem-humoradas ilustrações de Ionit

Zilberman. É muito difícil acertar na medida quando um livro para

crianças pretende ensinar algo a respeito de um tema específico.

Mas Renata acerta na dose e pode emocionar tanto crianças como

adultos, passando pelo problema ou não. Aqui ela conta como se

inspirou na própria história para escrevê-lo, as pesquisas que fez

para montar as questões e as dicas que Sofia dá ao leitor no final do

livro. E, claro, tudo sobre as emoções que envolvem esta doença e

o ato de escrever.

CRESCER: Primeiro, claro, quero saber por que você escolheu um

tema como este para o seu primeiro livro de ficção para crianças?

Renata Paiva: Temas que envolvem a velhice fazem cada vez

mais parte do universo da criança. Avós e bisavós, hoje, vivem

mais do que no passado. As famílias têm tido seus filhos mais tarde

e, portanto, nesses casos específicos, os avôs e as avós também são

mais velhos. Tudo isso tem um lado muito bom, que é o

prolongamento da convivência entre avós e netos, e um lado mais

Eliardo: Isso! E tem uma coisa muito bacana que é marca dos

dinamarqueses: as silhuetas. Há nos móbiles, nas cortinas. O

Andersen fazia isso: ele contava histórias para os amigos - ele nem

tinha uma casa, estava sempre hospedado na casa de alguém - e ia

recortando os personagens, fazia colagens. No ano passado, vocês

estavam na lista com O Bicho Folharada e agora entram com o

outro, da mesma coleção, O Macaco Faz das Suas. Que apelo tem

os animais às crianças?

Mary: Tudo em que o animal aparece é o imaginário infantil lá

também. São histórias aprovadas por gerações e gerações, porque

mexem com a imaginação. A gente vê o mundo tão tecnológico e aí

estas histórias instigam a criatividade, são fantásticos, engraçados.

O que é um bom texto para crianças?

O texto tem que respeitar a criança como ser inteligente,

independente e capaz. E temos que trabalhar com as referências.

Para a minha neta de 1 ano, quando leio um livro, cito no meio algo

que ela acabou de fazer. Ela pára e fica me olhando. Invento algo,

para ela ir em busca de uma referência. E funciona.

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complicado para a criança, que é o fato de às vezes, muito cedo, ela

ter de assimilar questões nada fáceis, como a morte ou a doença

grave de alguém muito próximo.

Havia já alguns anos, eu tinha um projeto de escrever algo que

envolvesse a velhice, o tempo e a memória. Eram apenas ideias

engavetadas, que eu nunca encontrava tempo de concretizar ou

amadurecer. Até que recebi uma notícia impactante que mudou a

vida e a rotina da minha família: o diagnóstico de que minha mãe

sofria da doença de Alzheimer. Minha filha, hoje com nove anos,

acompanhou muito de perto a evolução da doença da avó, sempre

fazendo perguntas e comentários a respeito.

De tanto tentar entender o que acontecia com minha mãe e procurar

esclarecer as dúvidas da minha filha, acabei desenvolvendo

maneiras simples e diretas de tratar a questão. Tive vontade de

compartilhar minha experiência com mais pessoas e esse desejo

acabou se casando com aquele projeto inicial de abordar os temas

da velhice. Não sou especialista, mas senti que meu livro poderia

ajudar e interessar pessoas, fossem crianças ou adultos.

CRESCER: A sua ideia era atingir vários leitores (quero dizer,

mesmo os que não estão passando pelo problema)?

RP: O mote para a criação da história foi o Alzheimer, uma doença

que infelizmente afeta cada vez mais pessoas no mundo. Mas me

interessava também abordar a relação entre avós e netos. Pensei em

criar uma história que pudesse despertar nas crianças aquilo que

elas já têm: os bons sentimentos, a boa vontade em aceitar o

desconhecido, a sua capacidade de olhar para um problema e logo

procurar uma solução, ainda que de modo ingênuo. E que também

pudesse sinalizar para os adultos a possibilidade de se lidar com a

dor de uma maneira mais leve, mas não menos intensa.

Nesse sentido, a história de Sofia e da avó Dorinha foi um pretexto

para falar de sentimentos humanos, sejam infantis ou adultos.

Afinal, o amor, a esperança e a desesperança, o medo, a delicadeza,

a vontade de ter respeito e ser respeitado, de cuidar e ser cuidado

são experiências emocionais, entre tantas outras, que se

concretizam independentemente de quanto tempo já se viveu.

Costumo dizer que A Vovó Virou Bebê é uma história para ser lida

por "crianças" de todas as idades.

CRESCER: Quando alguém te pergunta sobre o que é o livro,

você diria que é uma história para falar de amor?

RP: Eu digo que o livro fala da relação de uma neta com a avó,

cujo tempo de vida está se acabando. Claro que nessa pequena

história cabem não só o amor, mas uma gama enorme de

sentimentos bons e ruins, como a raiva e a dor. Mas prefiro deixar

que o leitor descubra sozinho.

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CRESCER: Você acha importante a literatura infantil abordar

assuntos específicos? Em que ponto você pode, digamos,

argumentar, que você escreveu literatura, ou seja, você não quis

simplesmente passar um recado politicamente correto às crianças?

Que sutilezas são estas que fazem a diferença?

RP: Sobre a sua primeira pergunta, sim, acho que se podem

abordar temas específicos, difíceis e até mesmo áridos, na

literatura, no cinema, na música, ou em qualquer outra forma de

arte. Não há regras, mas há que se ter a aptidão e a competência

para isto.

Se tomarmos literatura por definição, uma obra literária de valor

estético reconhecido, eu não saberia responder à sua segunda

pergunta. Na verdade, esta foi minha primeira experiência com a

ficção. É muito cedo - eu acho - para dizer se o que fiz pode ou não

ser considerado literatura. Tenho muita familiaridade com a escrita

e anos de trabalho com textos de referência, não ficcionais. E isto

também se revela neste meu primeiro livro infantil. A história, em

si, posso dizer que seja mesmo ficção (Apesar de minha

experiência pessoal ter inspirado esse projeto, há muito pouca coisa

da história da minha família). Mas para construir o enredo, eu

também me apoiei em pesquisa e observação. Desse trabalho

resultou ainda uma parte importante do livro: as dicas da

personagem e as respostas para as suas perguntas, que muitas

vezes, são também as dúvidas que temos. Mas o livro não foi feito

somente de objetividade, ele contou com toda a minha emoção e

meu jeito de expressar aquilo que sinto. Acho que deu uma receita

interessante. Espero que as crianças, que são leitores bem

exigentes, também concordem comigo.

Bem, para concluir, estou certa de que, de fato, às vezes, a

diferença que existe entre um texto que se pretende informativo e

que tem algo a comunicar - com estilo, é lógico -, e uma obra que

se pretende literária, pode ser bem sutil. Depende muito de quem

lê, de como se lê, do que esse texto despertou no leitor. E se

pensarmos na literatura como arte, diria que um texto é bom

quando tira você do lugar comum, desestabiliza, causa

estranhamentos, sentimentos ambivalentes, alegrias, enfim, faz

você pensar e sentir coisas. Se o meu livro será ou não capaz de

despertar tudo isso nas pessoas - tomara que sim - eu não sei. De

qualquer modo, caberá aos leitores dizerem se gostaram ou não do

que leram.

CRESCER: Como foi a pesquisa para fazer este livro? Como você

chegou nos detalhes, na observação para entender que as dicas de

Sofia seriam úteis e assimiláveis para os leitores?

RP: Pesquisei o assunto exaustivamente, freqüentei um grupo de

ajuda e fiz um diário com as anotações mais diversas: as

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observações sobre a evolução da doença da minha mãe, as

perguntas e comentários da minha filha, coisas que eu ouvia nas

reuniões da Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer),

informações técnicas, conversas com amigos, ideias, pensamentos,

desabafos, etc. Demorei alguns meses até encontrar o tom. Só

depois de conseguir aceitar o que estava acontecendo na minha

vida e na vida da minha família é que tive o distanciamento

necessário para escrever a respeito.

CRESCER: E queria que você contasse um pouco sobre sua vida

como escritora. Como começou esta paixão (aposto que é uma

paixão, não?

RP: Como disse anteriormente, é cedo ainda para eu me definir

como escritora. O ato de escrever faz parte da minha vida, da

minha profissão (sou historiadora, trabalhei como jornalista muitos

anos e hoje sou editora e autora de livros didáticos na área de

História). Gosto muito de escrever e de ler, acho que desde sempre.

Embora seja também importante frisar que o prazer em ler ou em se

expressar por meio da escrita não é algo que nos venha de pronto,

mas que nos apropriamos aos poucos. Quanto mais contato com a

leitura, mais nos beneficiamos dela e mais nos apaixonamos por

ela. Acho que o meu interesse em escrever para criança passa por

essa questão. É muito bom poder contribuir e acompanhar o

crescimento de uma pessoa. É uma delícia ver alguém se tornando

cada vez mais "gente grande". Qualquer um de nós pode e deve

abraçar a "missão" de formar pessoas legais, não é preciso ser pai

ou mãe para isto.

Conversar com o escritor e ilustrador Ricardo Azevedo vale sempre

com uma aula. E das boas: no lugar de ter arrogância de intelectual,

o papo está sempre cheio de arte, pesquisas, informações e muita

poesia. Por estas e por outras, formar leitores é seu principal

resultado. Foi assim que nasceu a Série do Zé Valente, composta

por quatro livros com dois citados em nossa lista dos 30 Melhores

Livros Infantis de 2007/2008. Ele se inspira na pesquisa da cultura

popular e extrai uma das principais vantagens dela: a alegria.

Comum: como surgiu a idéia destes livros?

A idéia geral da coleção do Zé Valente é trazer ao leitor diferentes

formas narrativas: contos criados por mim, versões de contos

populares, poemas, quadras, anedotas, adivinhas, jogos de palavras,

ditados e também receitas culinárias. Minha esperança é que o

leitor iniciante perceba quantas formas a literatura de ficção e a

poesia podem adotar e como elas podem ser ricas, emocionar,

divertir e fazer pensar.

Você se considera um mediador cultural?

Os livros não são feitos exclusivamente com material da cultura

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popular. O personagem central, o Zé Valente, é criação minha.

Vários contos, jogos de palavras e poemas também. Quando faço

versões de contos populares me sinto mais como um contador de

histórias que faz seu trabalho não pela transmissão oral mas sim por

meio do texto e de imagens. Pode ser que isso signifique ser

eventualmente um mediador.

É importante nas histórias terem pessoas comuns? Sem reis,

rainhas, princesas...

Histórias de ficção são sempre formas simbólicas. Tanto faz se é

rei, príncipe ou uma pessoa qualquer, o personagem de ficção,

mesmo que seja um bandido ou meio maluco, só funciona se for

capaz de criar alguma identificação com o leitor. Essa

identificação, essa familiaridade, estabelece o contato, gera o

interesse e a emoção e faz a gente pensar.

Por que há o personagem "louco". O que ele quer dizer em

nossa literatura, cultura ou literatura no geral, nos contos? Saber separar o que é a realidade e o que é fantasia nunca foi fácil

para ninguém, tenha a pessoa 8, 18, 38, 58 ou 88 anos. A

―realidade‖ é sempre algo muito rico, complexo, contraditório e

multifacetado. Por essa razão ela é passível dos mais diferentes e

variados pontos de vista. As histórias de loucos, assim como as de

bobos, costumam ser fascinantes porque trazem essa questão

humana à baila.

Qual a importância desta brincadeira de palavras que você

propõe? Numa sociedade de tantos certos e errados, brincar

com as palavras é poesia?

Creio que o invento mais importante dos homens é sua própria

Língua. Nenhum foguete ou aparelho, por mais complicado e

sofisticado que seja, chega aos pés dessa obra colossal que é a

Língua, obra que aliás é viva e está sendo feita e refeita o tempo

todo. Brincar com ela é sim uma forma de recriá-la ou de, pelo

menos, mostrar sua extraordinária e imensurável riqueza. Toda a

poesia, sem dúvida, é feita a partir de brincadeiras com as palavras.

Ah, e queria que você falasse um pouco sobre a Eva e a

Mariana, que estão nos dois livros da nossa lista... A coleção do Zé Valente é composta de quatro livros e tem

desenhos da Mariana Massarani (livro Você diz que sabe muito,

borboleta sabe mais!), da Eva Furnari (Você me chamou de feio,

sou feio mas sou dengoso!), e do Alcy Linares (Papagaio come

milho, periquito leva a fama!) além dos meus (Vou-me embora

desta terra, é mentira eu não vou não!). Escolhi esses ilustradores a

dedo pois admiro muito seus trabalhos. São bambas na arte da

ilustração, cada um tem sua voz própria, sua maneira única de

enxergar o texto, sua técnica, seu traço, suas cores, enfim, são baita

ilustradores e meus textos ganharam muito com o trabalho deles.

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Mal o filho nasce e os pais já começam a se preocupar com seu

futuro. Querem o melhor para ele em tudo: brinquedos, escola,

professores, amizades. A melhor educação possível para que a

criança se torne um adulto bem preparado para a vida. E onde está

essa boa educação? ―Na própria criança, na sua imensa curiosidade,

no grande laboratório que é sua vida dentro de casa‖, diz o mineiro

de Boa Esperança, Rubem Alves, 69 anos, pai de três filhos,

pedagogo, doutor em filosofia, psicanalista, autor de livros infantis

e de educação.

Nesta entrevista a CRESCER, Rubem comenta idéias que estão em

seu último livro, Conversas sobre Educação (Verus Editora, 2003).

Mostra como os pais podem ser grandes mestres para seus filhos,

sem se preocupar com teorias ou métodos pedagógicos. ―Eles só

precisam participar do mundo da criança, se interessar e responder

às suas perguntas. Nessa convivência, sem hora para aprender, sem

respostas certas, notas ou provas, está o melhor currículo da

educação‖, resume Rubem.

Crescer:Você critica a escola porque diz que ela se dedica ao

ensino das respostas certas e isso é fatal para a curiosidade das

crianças, justamente o que as motiva a aprender. Como os pais

podem aproveitar melhor essa curiosidade dos filhos?

Rubem AlvesEducar é provocar perguntas. São elas que desafiam

a inteligência. Por 70 mil anos, antes de haver escolas, os pais

ensinaram de forma competente seus filhos. E qual era o

―programa‖? A vida. Não havia prova nem notas. As situações

vividas provocavam o aprendizado de formanatural. Agora, com a

correria da vida moderna, os pais ―terceirizaram‖ a educação.

Contrataram as escolas para educar. Uma das minhas pacientes me

dizia outro dia: ―Eu não tenho tempo para educar a minha filha‖. E

eu respondi: ―Eu nunca eduquei os meus filhos‖. ―Mas como?‖, ela

perguntou admirada. ―Eu só vivi com eles‖, respondi. Porque é

nessa convivência que a criança faz perguntas e aprende o que

interessa. Só a casa já é um imenso laboratório para ela.

Crescer:De que forma?

Rubem Alves:Eu escrevi um artigo com o título Casas Que

Emburrecem. A casa que emburrece é aquela toda certinha, em que

tudo está no lugar, não tem fechadura para consertar e a criança não

tem permissão para fazer suas explorações. Mas a casa que provoca

a inteligência é cheia de tranqueiras, livros, revistas, ferramentas,

jogos, quebra-cabeças, livros de arte, objetos inúteis que provocam

a curiosidade da criança. Casa que é laboratório, em que a criança

vai aprender sobre química na cozinha, por exemplo. Elas adoram

cozinhar porque gostam de brincar com o fogo, e assim conhecem

os alimentos e suas propriedades, podem viajar pelo mundo da

culinária chinesa, italiana, francesa, pernambucana. Numa casa se

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estuda história, pois cada objeto tem uma história. Estuda-se

biologia, porque a vida se encontra em todos os lugares, até nos

fungos.

Crescer:Mas tudo isso não exige mais tempo com os filhos?

Rubem Alves:Não é uma questão de tempo, mas de interesse. Os

pais abandonaram o mundo das crianças. Perderam a capacidade de

fazer perguntas, deixaram de se fascinar pelo que vêem. Chegam

do trabalho cansados, vão assistir à TV e os filhos vão dormir e

acabou. E com isso eles perdem os filhos. Num domingo, eu fui a

um parque e vi uma cena que me deixou triste. Era um pai com

uma filha. Ela estava no balanço e o pai a empurrava

automaticamente com a mão esquerda e com a mão direita

segurava o jornal que lia. Pensei: esse pobre diabo ainda vai se

arrepender amargamente por ter considerado o jornal mais

importante do que a filha. Um dia esse balanço vai estar vazio...

São oportunidades como essa que os pais não devem deixar

escapar. Nesses momentos é que podem surgir aquelas perguntas

de criança: Por que a borboleta voa? Por que o céu é azul e não

vermelho? Por que a água fervente amolece a cenoura e endurece o

ovo? São coisas interessantes não só para a criança, para os adultos

também.

Crescer: Os pais têm que entrar na brincadeira?

Rubem Alves: A questão toda é que os pais deixaram de ser

crianças. O que faz a criança não é tanto a brincadeira, é a

curiosidade. Nietzsche, meu filósofo preferido, dizia que o mais

alto grau de maturidade que um adulto pode atingir é quando ele

recupera a seriedade que tinha ao brincar na infância. A brincadeira

da criança é muito séria, assim como suas perguntas. E, se os pais

não sabem resolvê-las, é uma maravilha dizerem: ―Meu filho, não

sabemos, mas vamos investigar‖. Assim a criança vai aprender que

os pais não sabem tudo, mas que vão tratar de saber: ―Nossa, mas

como é que você faz essa pergunta? Que fantástico! Vamos tentar

descobrir‖. Aí os pais vão ensinar para o filho a delícia que é

pesquisar. Procurar nos livros, navegar na Internet para satisfazer

uma curiosidade. Hoje os saberes se modificam rapidamente e o

principal é saber pesquisar. Mas, para que tudo isso seja divertido,

é absolutamente essencial que os pais se interessem pelas perguntas

de seus filhos e que as crianças percebam que eles não são

detentores da verdade. Assim podem ser amigos, compartilhar as

descobertas.

Crescer:Esse aprendizado não pode gerar conflitos com o que a

criança aprende na escola?

Rubem Alves:O conflito faz parte do aprendizado. Vou dar um

exemplo filha estava no primário — eu ainda falo primário, mas

agora é ensino fundamental. Ela tinha dificuldades com um

problema de matemática. Fui tentar ajudá-la e comecei a fazer um

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raciocínio diferente. Ela disse: ―Não, papai, tem que ser do jeito da

professora‖. Eu argumentei que há muitos caminhos para se chegar

a um determinado lugar, mas ela insistia no caminho da professora.

Estabeleceu-se um conflito. Não consegui ensinar a matemática. A

professora triunfou, mas até hoje minha filha é ruim de matemática.

Crescer: que você aprendeu com essa experiência?

Rubem Alves - É o que estou sempre tentando transmitir aos pais e

professores: que o aprendizado se revela na capacidade que tenho

de fazer alguma coisa e não repetir respostas. Aprendi a fazer uma

moqueca quando faço uma moqueca, aprendi a ler quando consigo

ler. É uma competência ligada a uma necessidade da vida. Agora,

esse saber que é pedido no vestibular não dá competência alguma.

Crescer:Mas é o que ensina a escola...

Rubem Alves:Nesse assunto, já disse e vou repetir: Os pais,

hipnotizados pelo vestibular, tornaram-se os maiores inimigos da

educação. Só querem que os filhos passem no vestibular. Não

querem saber o que aprendem. Pode imaginar um adolescente que

vive em uma zona de violência tendo que aprender quais são as

enzimas que entram na digestão? O que ele faz com isso? Perde o

interesse em aprender e quer simplesmente o diploma. Outro dia eu

via umas tirinhas do Calvin. O pai o repreendia por causa de suas

notas baixas. ―Você precisa estudar!‖, diz o pai. E Calvin:―Eu não

quero estudar‖. ―Mas você gosta tanto de ler sobre dinossauros‖,

observa o pai. ―É, eu gosto‖, diz Calvin. ―E por que você não gosta

de ler na escola?‖, pergunta o pai. ―Porque lá não tem livro sobre

dinossauro‖. É tão óbvio. Na escola não tem as coisas que

interessam as crianças.

Crescer:Por que a educação ficou assim?

Rubem Alves:Porque os adultos abandonaram o mundo das

crianças. Aí tudo fica chato e elas começam a perder a curiosidade

que motiva a aprender, o encantamento natural que têm com todas

as coisas. Com a concha vazia do caramujo, a teia de aranha, o

arco-íris. Dessas experiências da vida vem a curiosidade e o

aprendizado. E ser curioso não tem fim. É uma coceira que dá na

cabeça e faz a gente viajar em todas as direções.

Crescer: Como saber se o filho está numa boa escola?

Rubem Alves:Para mim, só existe um critério: se a criança sente

alegria em ir à escola, se sente saudade de lá. Porque aprender é

muito divertido e é só com prazer que se aprende. Aprendizagem

sofrida é logo esquecida.

Escola adora festa. A idéia era fazer uma homenagem às avós.

Todo mundo estava lá: pais, mães, colegas, professores, outras

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crianças, e aí chegou a vez de Miguel falar. Cada neto tinha de

dizer coisas bonitas sobre a avó, como "ah, ela faz doces

maravilhosos", "ah, ela me deu uma boneca linda". Só que Miguel,

na hora H, disse:

— Ah, não quero falar, não.

— Como não? – perguntou a professora.

— Não, não quero.

Ouve-se, então, uma voz, vindo da platéia:

— Não quer falar, não precisa falar. Dispensa o menino disso,

coitado!

Assim é a vovó Ruth Rocha, que, no fundo, no fundo, também

achava toda aquela história de homenagem meio chata. Não com

cabeça de avó, claro, que acha lindo qualquer coisa que o neto faz.

Mas com cabeça de criança, de criança que adora fazer só o que

gosta. E ela adora pensar como criança, igualzinho um amigão dela,

o Ziraldo, que gosta mais ainda é de desenhar, desenhar muito, e

publicar tudo em livros para serem lidos por muita gente.

História contada assim parece até que é sobre a vida da gente. Pois

é com essa sensibilidade que Ruth Rocha e Ziraldo hoje são

lembrados por milhões de leitores em todo o Brasil. Eles acabam de

lançar um livro juntos pela primeira vez (Um Cantinho só pra Mim,

Editora Melhoramentos), de uma série lançada para comemorar os

25 anos do Menino Maluquinho. Em entrevistas separadas,

CRESCER conversou com os dois para tentar descobrir se eles

escrevem para crianças porque não deixaram morrer a criança que

existe neles... "Que nada!", reagiram eles.

Dia 25 de julho é o Dia do Escritor. Quem nos lembrou isso foi a

própria Ruth Rocha, em seu Almanaque Ruth Rocha (Editora

Ática): "Este dia é muito importante para mim. Não só porque eu

sou uma escritora, mas porque me tornei uma escritora por causa

dos livros que eu li". Mas fomos nós que lembramos a data a

Ziraldo. "Dia 25 é Dia do Escritor? Que maravilha! Vamos fazer a

maior festa!" Ambos na casa dos 70 — a paulista Ruth nasceu em

1931 e o mineiro Ziraldo em 1932 —, eles riem como crianças

quando o assunto é fazer literatura infantil. Divirta-se com eles.

CRESCER: Ruth, que livros foram esses que você leu?

Ruth: Minha mãe era louca por livro. Meu pai era médico, tinha

cultura e tudo, mas minha mãe amava qualquer livro. Ela lia

quando éramos pequenas, depois comprava para nós lermos. O

primeiro livro que ela me deu foi O Garimpeiro do Rio das Garças,

que é um livro do Monteiro Lobato inteiramente esquecido, uma

graça. Com uns 12 anos, comecei a ler romances. Um professor,

uma vez, pediu um trabalho sobre o livro A Cidade e as Serras, de

Eça de Queirós. Eu, espertinha, fiz o trabalho sem ler o livro, só

com as coisas que ele tinha contado na aula. Tirei a nota mais alta

da classe, fiquei muito envergonhada, e fui ler o livro depois.

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Desde então, descobri a literatura. Depois conheci os modernistas e

até hoje adoro Mário de Andrade e Manuel Bandeira. O

modernismo me deu muito de como escrevo. Uma vez disseram

que eu escrevia frases curtas por influência da TV...coisa nenhuma!

CRESCER:Você fez sociologia por causa da leitura?

Ruth: Fui para essa área por ter lido Casa Grande Senzala, de

Gilberto Freyre. Na escola de Sociologia fui aluna de Sérgio

Buarque de Holanda, que era sensacional. Mas a profissão era

muito difícil, em um tempo em que sociólogo era comunista,

baderneiro. Casei, queria trabalhar e arrumei um emprego no

Colégio Rio Branco, de ajudante de biblioteca. Quando o diretor

viu minha amizade com as crianças, me convidou para ser

orientadora educacional. Por essa experiência, fui convidada por

uma amiga, a Sônia Robatto, para ser orientadora pedagógica na

revista Recreio, da Editora Abril. Desde 1967, eu já escrevia uns

artigos sobre educação para a revista Claudia. Nessa época eu tinha

feito também a pós-graduação em orientação educacional.

CRESCER: Foi aí que você começou a escrever literatura infantil?

Ruth: A Sônia pedia um texto que fosse sobre o dia-a-dia da

criança. E fiz um conto. Todo mundo gostou e não parei mais. As

pessoas que escreviam para criança viviam em uma sombra imensa

que impedia que se fizesse algo original, que era o Lobato. Mas

tinha muita gente boa. Nós fomos nos conhecendo e publicando,

como Ana Maria Machado, Sílvia Ortoff e ilustradores fantásticos,

como o Ziraldo. Mas o Ziraldo já era "o" Ziraldo...

CRESCER: E, como você, ele já estava perto dos 40 anos quando

começou a escrever para criança...

Ruth: O Ziraldo sempre fez muita coisa, ele sempre foi muito

disponível, fazia tudo o que pediam. E até hoje faz! Só que eu paro

para pensar: o Ziraldo está louco? Puxa vida, se eu tenho 74 anos,

ele tem 73! Não dá mais para fazer tanta coisa! Ele primeiro faz,

depois pensa e aí reclama Ai, tô cansado" (risos). Eu já tinha 38

anos quando escrevi meu primeiro conto. Fico pensando que passei

minha vida toda me preparando para isso, com as minhas leituras, e

que a orientação educacional me deu a régua e o compasso. Só

percebi que eu era escritora em 1976, quando publiquei 13 livros,

todos de uma vez. Vieram as resenhas, as críticas, aí pensei:

"Gente, sou escritora!"

Ziraldo: Nos anos 60, fiz a Turma do Pererê, minha paixão, história

em quadrinhos. Aí veio o golpe e tivemos que parar. Aí veio o

Flicts, mas, em tempo de AI-5, tivemos de deixar Flicts de lado e

fazer política: o trabalho no Pasquim, as charges ... Aí, a ditadura

foi acabando e, em 1980, criei o Menino Maluquinho e não parei!

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CRESCER:Você acha que o Menino veio na hora certa?

Ziraldo: Acho sim! E não faria um livro desses antes. É um livro

que você escreve depois de ter vivido tudo, causas e conseqüências.

CRESCER: O que o adulto precisa ter para escrever para criança?

Ziraldo: Temé que gostar do que faz. Fazer livro para criança é

muito divertido. Com a criança a gente pode brincar quanto quiser.

Escrever para criança é muito importante. Quem não lê quando

criança não lê quando adulto! E o escritor infantil dura mais tempo.

Muda o público e ele continua lá. Como, por exemplo, Monteiro

Lobato, porque pai e mãe querem que os filhos leiam os livros que

eles leram!

Ruth: Escrevo como adulto e não como criança. Sou uma pessoa

que tenho uma ligação, uma sensibilidade com as pessoas, para o

que elas pensam. Sou cúmplice da criança. Ela é um ser indefeso,

me solidarizo, sinto o que ela está sentindo.

CRESCER:Você inventava histórias para sua filha, Mariana, ou

inventa para os seus netos?

Ruth: Mais com a Mariana. Ela não queria história que existe. Eu

lia a Gata Borralheira, mas ela dizia assim: "Eu quero a história

dessa mesa".

CRESCER: O que seus netos pensam de ter a Ruth como avó?

Ruth: Ah, eles nem pensam nisso. Na escola, as pessoas às vezes

comentam, mas eles não me levam muito a sério. Eu também não

me levo muito a sério!

CRESCER: Do que você brincava?

Ruth: Eu gostava de boneca, de fazer boneca de papel, fazia

vestidos, recortava homem e mulher de revista, montava as

famílias. Adorava ficar na rua, brincava de roda, de pegador, de

bola, amarelinha, andar de bicicleta e até papagaio empinei.

Ziraldo: Naquela época, não tinha muito brinquedo, brincava na

rua, de bandido e mocinho, de procurar tesouro. Adorava passar

susto nos outros. A gente pegava gravatas do meu pai, enchia de

areia e colocava no fim da linha de trem para parecer que era uma

cobra. E aí todo mundo dava aquele pulo! E a gente morria de rir!

Também soltava pipa, jogava bolinha de gude.

CRESCER: Era melhor ser criança naquela época?

Ruth: A criança de hoje tem uma oportunidade que antes não se

tinha. Eu tive, mas os outros não: conversar com os pais. Hoje ela

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pode falar, ser ouvida, colocar suas opiniões. E isso é uma

maravilha.

Ziraldo: Olha, não tem essa coisa de "ah, naquele tempo que era

bom"... Que nada! Eu queria era ser menino agora! Ter televisão,

computador, videogame! Ah, imagine se eu fosse menino hoje,

quanto eu iria aproveitar!

As entrevistas encontram-se aqui:

http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI4895-

10534-3,00-

OS+MELHORES+LIVROS+PARA+SEU+FILHO.html#


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