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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
COLEGIADO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS - LICENCIATURA
SOELHA DE FÁTIMA CEDRAZ ALELUIA
ENTRE UMA MISSA DE GALO, A CARTOMANTE E OUTRAS LEITURAS: DIÁLOGOS ENTRE TRADIÇÃO E
CONTEMPORANEIDADE
Conceição do Coité 2012
SOELHA DE FÁTIMA CEDRAZ ALELUIA
ENTRE UMA MISSA DE GALO, A CARTOMANTE E OUTRAS LEITURAS: DIÁLOGOS ENTRE TRADIÇÃO E
CONTEMPORANEIDADE
Conceição do Coité 2010
Conceição do Coité 2012
Monografia apresentada ao Componente Curricular Seminário Interdisciplinar de Pesquisa VIII (SIP VIII), ministrado pelo Prof. Deijair Ferreira, como requisito obtenção de grau de Licenciatura em Letras com habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas e conclusão das atividades do semestre 2011.2, do Departamento de Educação, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).. Orientadora: Profa. Ms. Eugênia Mateus de Souza
Pensamentos valem e vivem pela observação exata ou nova, pela reflexão aguda ou profunda; não menos querem a originalidade, a simplicidade e a graça do dizer. (Machado de Assis)
A grande literatura é apenas uma linguagem carregada de sentido até ao mais elevado grau possível. (Ezra Pound)
A literatura antecipa sempre a vida. Não a copia, amolda-a aos seus desígnios. (Oscar Wilde)
A literatura nasce da literatura. Cada obra nova é continuação, por consentimento ou contestação, das obras anteriores. Escrever é, pois, dialogar com a literatura anterior e com a contemporânea. (Leyla Perrone-Moisés)
Dedico com muito carinho esse trabalho a minha mestra
Eugênia Mateus, que se dedicou com muito amor, não
somente como uma simples orientadora, mas como uma
mãe que ajuda seu filho a dá os primeiros passos. Sem
você minha eterna mestra, eu não teria alcançado o meu
objetivo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a meu grande companheiro, o
meu Deus da vida, Ele que foi minha força, minha luz que
guiou todos os meus passos durante essa grande jornada.
Obrigada meu Senhor por depositar em mim a cada
amanhecer a certeza que estará sempre ao meu lado.
Agradeço a minha mãezinha querida, Maria Eliza, que
acreditou que eu seria capaz de concluir esse trabalho, as
minhas filhas, ao meu amor e a todos que contribuíram e
que estiveram ao meu lado recarregando as minhas
energias com seus carinhos, afagos, aconchego.
A todos, muito obrigada por terem contribuído para a
concretização do meu sonho!
RESUMO
O desafio lançado aos contistas brasileiros Amador Ribeiro Neto, Lygia Fagundes Teles, Moacyr Scliar, Nelson de Oliveira, Deonísio da Silva, Glauco Mattoso e Ivana Arruda Leite de recriarem os contos machadianos, Missa do galo e A cartomante, tornou-se elemento de pesquisa deste trabalho que, articulado com os estudos de Cortázar (1993), Moisés (1997), Hutcheon (1991; 1985), Schneider (1990), Jameson (2006; 1985), Kristeva (1974), Aristóteles; Horácio; Longino (2005), Barthes (2004), Bloom (2001; 2003), Brait (2005), Calvino (1993), Carvalhal (1992), Eagleton (2001), Eliot (1989), Gotlib (1990), Nejar (2011), Perrone-moisés (2005), Reis (1992), Rogel (2002), rendeu questões que se pretendem respondidas, ao menos, inicialmente, neste trabalho inconcluso de pesquisa, mas que desafia a novos estudos. O passeio pela revisão crítica e pela fundamentação teórica permitiu compreender o quanto o talento individual se faz presente seja na tradição seja na contemporaneidade e ainda que o inenarrável das cenas fografadas para os contos podem ser revitalizadas sem que a essência venha à camada superficial da escrita. O cruzamento entre “galos” e “cartomantes” rendeu ao imaginário contístico do pós-modernismo a fruição do prazer intertextual que mantiveram diálogos parodiados, pastichados em alusões favoráveis à criação literária, De leitura e reinvenções literárias, enfim, a revisitação contemporânea estabeleceu os diálogos esperados na pesquisa descrita e relatada nos capítulos deste trabalho resultados de muita pesquisas bibliográficas.
palavras-chave: Intertextualidade. Paródia. Pastiche.
RESUMEN
El reto lanzado a los cuentistas brasileños Amador Ribeiro Neto, Lygia Fagundes Teles, Moacyr Scliar, Nelson de Oliveira, Deonísio da Silva, Glauco Mattoso y Ivana Arruda Leite de recrearen los cuentos machadianos, Missa do galo y A cartomante, se volvió elemento de pesquisa de este trabajo que, articulado a los estudios de Cortázar (1993), Moisés (1997), Hutcheon (1991; 1985), Schneider (1990), Jameson (2006; 1985), Kristeva (1974), Aristóteles; Horácio; Longino (2005), Barthes (2004), Bloom (2001; 2003), Brait (2005), Calvino (1993), Carvalhal (1992), Eagleton (2001), Eliot (1989), Gotlib (1990), Nejar (2011), Perrone-moisés (2005), Reis, (1992), Rogel (2002) surgieron cuestiones que se creen contestadas, al menos, inicialmente, en esta sencilla obra, todavía inconclusa, pero que provoca nuevos estudios. El viaje por la revisión crítica y por la fundamentación teórica permitió la comprensión de como la capacidad de uno se hace presente, sea en la tradición sea en la contemporaneidad y,además, lo inefable de las escenas fotograbadas para los cuentos pueden ser revitalizadas sin que lo esencial se lo transborde a lo dicho. El cruce entre “gallos” y “pitonisas” dio a la imaginación cuentística del postmodernismo el goce del placer intertextual que mantuvieron diálogos con parodias y pastiches que aluden favorablemente a la creación literaria, de lectura y reinvenciones literarias, o sea, la revisitación contemporánea estableció los diálogos esperados en la pesquisa descripta y referida en los capítulos de este trabajo resultado de muchas pesquisas bibliográficas.
palabras clave: Intertextualidad. Parodia. Pastiche.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 08
1 ARTE LITERÁRIA: tradição e ruptura ............................................................... 11
1.1 “Não se sabe da missa a metade”: as polêmicas questões entre tradição, contemporaneidade/ruptura .......................................................................................
12
1.2 “... muitos outros galos se cruzem” e teçam novos contos: a literatura comparada e suas contribuições ...................................................................................................
15
1.3 “Quem conta um conto, aumenta um ponto”: a imagem comparada na contística .... 18
2 A CARTOMANCIA ÀS AVESSAS: Releituras machadianas pelos fios intertextuais..............................................................................................................
23
2.1 Recriação versus imitação: o difícil diálogo entre os textos .................................... 24
2.2 Simulações intertextuais como atualização de leituras canônicas ........................... 27
2.3 Pastiche, paródias e todos intertextos: a reinvenção literária ................................... 31
3 AUMENTAM OS PONTOS, OS CONTOS, OS GALOS E AS CARTOMANTES: leituras comparadas da reinvenção literária .......................
37
3.1
3.2
3.3
Missa do Galo e outras missas .................................................................................
A cartomante e outras fotografias ............................................................................
Machado e sua tradição revisitada na contemporaneidade ......................................
38
46
53
CONCLUSÃO ................................................................................................................... 59
REFERÊNCIAS
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INTRODUÇÃO
[...] o gênio não é uma longa paciência, é uma perseverante explosão (NEJAR, 2011, p. 155).
A genialidade de cada artista desemboca em especificidades calculadas
milimetricamente em um estilo apurado desafiante e que desfila em páginas sedutoras à
leitura. Esse critério poderia entrar para o julgamento de valor dos escritos literários. Ora
reconhece-se a genialidade do bruxo do Cosme Velho, como, pois, encontrar a originalidade
dos escritores que o revisitam sem ao menos copiá-lo?
Esta questão secular sobre plágio e cópia não descansa ao longo da existência da
crítica literária. Busca-se a diferença entre originalidade e cópia, não seria bem diferença, mas
elementos concernentes a um e outro (enquanto recriação) e aos dois ao mesmo tempo.
Nos cem anos da morte de Machado, Rinaldo de Fernandes lançou a proposta a uma
série de escritores brasileiros. Do resultado, a motivação para esta pesquisa que, a partir da
literatura comparada, entrega-se aos diálogos entre os contos de Machado de Assis (Missa do
Galo e A Cartomante) e os contemporâneos (Missa do Galo, Juca, Missa do Galo: um outro
enfoque, Sonos leves, Os sinais do sobrenatural, O Podomante e O Goiabão) reescritos a
partir da tradição. Impossível um estudo insipiente dissecar a temática, portanto, na
delimitação, restringe-se o estudo ao mapeamento dos elementos narrativos, sob a ótica
intertextual e suas interfaces, como processo de ressignificação dos contos machadianos
Missa do galo e A Cartomante, reescritos na contemporaneidade numa construção literário-
dialogal.
Dá-se o pontapé inicial ao projeto que lança o primeiro desafio – encontrar um título
a incorporar o objeto de estudo, a proposta de trabalho e o método a guiar os trabalhos: “Entre
uma Missa de Galo, A cartomante e outras leituras: diálogos entre tradição e
contemporaneidade”. A problemática fora um despertar para a própria pesquisa. A pesquisa
centrou interesse na procura de respostas: quais possibilidades encontraram esses escritores
pós-modernistas para lançarem um outro olhar sobre os contos machadianos e os criarem
ainda assim outros contos também originais? Quais fatores levaram esses escritores à tessitura
de narrativas com outros viéses de interpretação? Quais recursos intertextuais utilizaram? A
paródia? O pastiche? A alusão? Como os estilos realista e pós-modernista dialogam entre si
nos contos em análise? Se o conto, como apresenta Cortázar, compara-se à fotografia, como
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se faz possível esse redimensionamento se alguns dos elementos narrativos podem ser outros?
E mais: A reescritura dialógico-literária desses contos torna-se cópia ou mais uma criação
original?
Quando da organização da problemática, já se predefinira os objetivos da pesquisa:
Mapear os elementos narrativos, sob a ótica intertextual e suas interfaces, como processo de
ressignificação dos contos machadianos Missa do Galo e A Cartomante, reescritos na
contemporaneidade por contistas brasileiros numa construção literário-dialogal. Pari passu,
construir-se-ia o texto: para tanto a leitura e o fichamento a fim de organizar ideias e opiniões
e, por fim, conceituar o conto sob ótica literária contemporânea em contraposição à literatura
tradicional; comparar os contos mediante conceitos realista e pós-modernista; identificar
elementos dialogais da narrativa contemporânea, sob a ótica intertextual do pastiche e da
paródia nos contos estudados; analisar o processo de intertextualidade na construção dos
contos selecionados com base em Machado de Assis; explicar o conceito de conto a partir da
fotografia nesse processo intertextual de escrita com elementos narrativos diferentes e de
épocas distintas; Revisar a literatura tradicional (Missa do Galo e A Cartomante, de Machado
de Assis) a partir da reescrita contemporânea (Juca, Amador Ribeiro Neto; Missa do Galo, de
Lygia Fagundes Teles; Missa do galo: um outro enfoque, de Moacyr Scliar; Sonos leves, de
Nelson de Oliveira; Os sinais do sobrenatural, de Deonísio da Silva; O Pondomante, de
Glauco Mattoso e o Goiabão de Ivana Arruda Leite) como processo de intertextualidade
programada, mas centrada na originalidade poética.
Com fundamentação em Cortázar (1993), Moisés (1997), Hutcheon (1991; 1985),
Schneider (1990), Jameson (2006; 1985), Kristeva (1974), Aristóteles; Horácio; Longino
(2005), Barthes (2004), Bloom (2001; 2003), Brait (2005), Calvino (1993), Carvalhal (1992),
Eagleton (2001), Eliot (1989), Gotlib (1990), Nejar (2011), Perrone-moisés (2005), Reis,
(1992), Rogel (2002) e outros, a pesquisa se estrutura em três capítulos em busca de
confirmação ou refutação das possíveis respostas pensadas no início do projeto.
No primeiro capítulo Arte literária: tradição e ruptura, discute-se a polêmica
entre a tradição e a contemporaneidade, como a literatura comparada intervém nesses estudos
além de ainda entender os (des)caminhos da criação como processo de atualização dos
clássicos inclusive da revitalização do cânone. Essas discussões se apresentam organizadas
em três seções: “Não se sabe da missa a metade”: as polêmicas questões entre tradição,
contemporaneidade/ruptura; “... muitos outros galos se cruzem” e teçam novos contos: a
literatura comparada e suas contribuições; e, “Quem conta um conto, aumenta um ponto”: a
imagem comparada na contística.
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A cartomancia às avessas: releituras machadianas pelos fios intertextuais intitula o
segundo capítulo. Nesse bloco de estudos, aponta-se para conceitos sobre imitação, recriação,
simulações, intertextualidade, pastiche, parodia e reinvenção literária como sistematização
para o encaminhamento das análises comparadas entre os contos tradicionais machadianos e a
recriação na contistica contemporânea. Assim, as seções seguem a ordem: Recriação versus
imitação: o difícil diálogo entre os textos; Simulações intertextuais como atualização de
leituras canônicas; e Pastiche, paródias e todos intertextos: a reinvenção literária.
No terceiro capítulo Aumentam os pontos, os contos, os galos e as cartomantes:
leituras comparadas da reinvenção literária, busca-se compreender, com base na
fundamentação teórica selecionada, a recriação contemporânea dos contos machadianos;
primeiro, Missa do galo, depois, A cartomante. Numa última abordagem, a apresentação do
escritor tradicional comparado pela revisitação, espaço onde aparecem a biografia do contistas
contemporâneos, em nota de rodapé, e o cruzamento de estilo. Todas estas abordagens se
apresentam nas seções intituladas: Missa do Galo e outras missas; A cartomante e outras
fotografias; e, Machado e sua tradição revisitada na contemporaneidade.
Quando da conclusão da pesquisa, entende-se melhor a citação de Nejar, posta como
epígrafe desta introdução. De fato, a genialidade se constrói ao longo de uma exercício
incansável que se destina ao estranhamento, elemento singular da literariedade.
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1 ARTE LITERÁRIA: tradição e ruptura
A palavra tradição remonta uma história incompatível, ao menos, semanticamente, à
modernidade. Essa adversidade semântica apresenta fissuras cujos espaços ínfimos trazem a
possibilidade de interrelação. A tradição narra um povo e um lugar na história; a modernidade
lê e relê esta narrativa – a representação do novo. A ruptura de uma tradição – a tradição
mediante ruptura.
A singularidade da prática da literatura contemporânea renova o centro discursivo
das críticas; ora a arte literária sempre se valeu do passado para sua (re)criação. O imaginário
realiza-se concernentemente à atualidade de quem escreve e de quem lê. A leitura do presente
ou do passado referencia a escrita da nova obra.
Os autores de literatura brasileira contemporânea vivem as exigências de uma
tradição e as tensões de personagens que, reflexos de um processo de migração, isolam-se ou
assimilam sua nova condição. A reescrita choca-se com o enfrentamento de si mesma e do
outro – assimilação e ruptura. A travessia do passado para o presente lembra fissuras,
mediante a interpretação secular sob um olhar crítico. As interseções fortalecem a necessidade
de convivência entre tradição e ruptura. O tecido da ficção espelha-se no dicotômico par.
Capitu mandou flores: contos para Machado de Assis nos 100 anos de sua morte
reúne contos de Machado, reescritos por um conjunto de escritores brasileiros. Há caso de
mudanças textuais. Trata-se, pois, de arte e, mesmo através dos jogos intertextuais, continuam
únicas, singulares a sua própria existência, contudo.Machado de Assis desperta interesse pelo
seu olhar perscrutador sobre o existir humano, e a ironia – recurso recorrente em seus textos –
destaca o retrato social e humano, material de investigação do escritor.
Os autores1cujos contos são recriações de escritos machadianos fizeram narrativas
instigantes, mantiveram uma interdiscursividade2com o autor realista. As leituras
1Por opção, os comentários acerca desses escritores, sua biografia e algumas insinuações sobre seus estilos encontram-se no último capítulo, com o objetivo de deixar os leitores mais atentos a sua escrita narrativa (a fábula) para, em seguida, compreender melhor suas interfaces literário-dialógicas com Machado de Assis que tem nesses novos contos, sua obra revisitada em Capitu mandou flores: contos para Machado de Assis nos 100 anos de sua morte, livro organizado por Rinaldo de Fernandes (doutor em Teoria e História Literária pela UNICAMP e professor de literatura brasileira (UFPE), dentre seus trabalhos, outras coletâneas: Contos cruéis: as narrativas mais violentas da literatura brasileira contemporânea (2006), Quartas histórias: contos baseados em narrativas de Guimarães Rosa (2006) e Capitu mandou flores: contos para Machado de Assis nos cem anos de sua morte (2008). Atualmente assina a coluna “Rodapé/Ponto de vista crítico” nos suplementos literários Rascunho, de Curitiba, e Correio das Artes, de João Pessoa. 2Um diálogo vivo entre discursos combinados ou o modo de determinado discurso de constituir em relação ao outro. Em literatura, o termo é mais utilizado como intertextualidade. São os fios de base estrutural para a construção de qualquer discurso. A interdiscursividade interna depende de subsídios de redundância textual
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contemporâneas dos contos machadianos incentivam a reatualização de discussões que
atravessam o tempo e se renovam juntamente com o movimento dos novos dias e
circunstâncias das necessidades humanas.
Uma poética do pós-modernismo sustentada pelas faces intertextuais que
consubstanciam a essência dessa análise sem perder o foco artístico, a tradição, a
contemporaneidade ruptora, a literatura comparada e as leituras e releituras.
1.1 “Não se sabe da missa a metade”3: as polêmicas questões entre tradição, contemporaneidade/ruptura
A literatura contemporânea surgiu com mudanças que romperam a distância que
sempre existiu entre discurso erudito e popular. Com isso, temas antes considerados
inadequados à literatura são tirados de trás da cortina e inseridos na ficção. São tendências
que dão caráter inovador, novas linguagens, novas formas de ver e entender o mundo, além de
uma revisitação à literatura mais clássica.
Existem diversas maneiras de narrar acontecimentos do cotidiano. A arte de contar
histórias, prática muito antiga, vem desde tempos primitivos (antes mesmo do surgimento da
escrita) e perduram até nossos dias. O conto é uma forma breve de se narrar as histórias,
apesar de ser uma narrativa curta, é capaz de levar o leitor a abrir um conjunto de
possibilidades de interpretações. É nessa intensidade de se narrar os instantes, que Machado
de Assis, segundo a crítica literária, um dos melhores contistas que já existiu, desperta, nos
leitores, expectativas e surpresas com a riqueza de seus contos.
Todo texto, seja ele oral ou escrito, segue uma ideologia, uma linha de pensamento
transmitida ao leitor, direta ou indiretamente, através da linguagem. A literatura é uma das
formas de linguagem usada para expressar uma ideologia.
Durante muito tempo e até os dias atuais são muitas as tentativas de se chegar a uma
definição unânime do que seja realmente Literatura. Eagleton (2001, p. 1) traz esse
questionamento: “O que é Literatura?”. Literatura não é somente a arte de escrever com
criatividade e imaginação, mas, principalmente, por ser uma arte que faz uso de uma
numa repetição de temas ou ideias de um outro preexistente e daí nasce a exigência da capacidade hermenêutica do leitor (BRAIT, 2005). 3Adágio popular.Título de conto machadiano (Publicado originalmente em Jornal das Famílias, fevereiro, 1873), cujo enredo desenrola-se por uma perspectiva de ilustrar tal adágio. Um senhor faz percurso reverso para subtrair os pontos aumentados na história da sua sobrinha e prova o quanto aumentaram o fato.
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linguagem peculiar, encanta o leitor com sua beleza e com um colorido especial que
transforma a linguagem comum, utilizada no cotidiano. Ainda acrescenta que as obras
literárias são capazes de conservar seu valor por séculos, ou seja, elas são atemporais,
constroem um passado histórico, uma tradição.
Todas as obras literárias, em outras palavras, são “reescritas”, mesmo que inconscientemente, pelas sociedades que as lêem; na verdade, não há releitura de uma obra que não seja também uma reescritura (EAGLETON, 2001, p. 17).
Se existe na arte literária obras capazes de perpassar o tempo, sendo revisitadas por
diversas gerações, como se explica o fato de haver tantas polêmicas a cerca de romper a
tradição? Segundo Eliot (1989, p. 38), critico literário modernista: “se a única forma de
tradição, de legado à geração seguinte, consiste em seguir os caminhos da geração
imediatamente anterior à nossa graças a uma tímida e cega aderência a seus êxitos, a
‘tradição’ deve ser positivamente desestimulada”. A história é parte indispensável da tradição,
porque a atemporalidade segue caminhos propensos à sustentação da narração dos sujeitos
que se completam na existência do outro. Mortos estão apenas os corpos dos autores, sua
imortalidade persiste nas obras que acariciam a contemporaneidade como sustentáculo do
novo. Além da história, há o princípio estético: harmonia, coesão. O valor literário reajustado
no poder harmônico entre o velho e o novo a ser respeitado pela crítica e aceito pela ordem;
portanto, não se trata de abandono do passado.
A história das manifestações literárias foi sempre romper com uma tradição já
existente, como exemplo, o Arcadismo com sua arte conservadora rompe com os exageros do
Barroco; o Romantismo que expressava o sentimentalismo, a emoção, o subjetivismo vai
contra a ideologia do Arcadismo; o Realismo opõe-se totalmente ao Romantismo, pois
prevalecerá o objetivismo, a valorização da ciência, o pensamento racionalista, a verdade
impessoal e universal, quando traz à tona os desvios e as mazelas de uma sociedade burguesa
dominante e sustentadora do Romantismo.
Nesse contexto de transformação da sociedade, da arte compromissada, engajada nos
problemas sociais, não mais “a arte pela arte”, mas uma“arte viva!”, surge Machado de Assis,
escritor sensível ao mesmo tempo inquieto e angustiado com o comportamento humano.
Embora iniciada sua carreira literária no final do Romantismo, foi no Realismo que Machado
conquistou seu apogeu literário. Nem romântico nem realista completamente; ele se distinguia
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dos outros escritores, em sua escrita havia um estilo ímpar que o tornou marco na literatura
brasileira, como um divisor de águas. A ironia presente em suas obras, incomum ao
Romantismo, revolve o plano artístico da época. Observador e satírico, desencantado com a
forma que a sociedade burguesa vivia, Machado escreveu romances e contos, dando vida a
personagens nas quais buscava sondar seu interior. Um olhar perscrutador a desvendar os
enigmas humanos encobertos pela hipocrisia. Esta investigação do íntimo do homem na
escrita machadiana induz o leitor a diversas interpretações, pois suas narrativas são revestidas
de uma linguagem plurissignificativa na forma como descrevia o comportamento humano.
O uso do histórico e do estético renovado, comentado por Eliot (1989), foi um
procedimento intercalado por Machado, ato que contribuiu para a conquista da tradição além
da atualização de suas obras. Em Machado de Assis tem-se a tradição de uma ruptura.
Rompeu a tradição de sua contemporaneidade, persistindo no novo que se tradicionalizaria
também. Seu estilo revestiu-se o tradicionalmente com o novo e aos poucos foi se perdendo
um estilo, para que um outro fosse surgindo, entretanto, sem perder a essência de tradição, de
originalidade.
A arte literária vive, é um baú recheado de diversas artes. Ela vai desde um passado
histórico, no qual se construiu uma tradição, até os tempos modernos, a contemporaneidade, a
ruptura. Portanto, mesmo que alguns poetas rompam com o passado, é preciso conhecê-lo,
previamente, pois, para inovar a arte, não se nega uma tradição que já existente, isto é, o seu
passado. Acontece a ruptura em parte, novas tendências ganham força, mas sempre resistirá
um vestígio da história.
Eliot salienta o perigo de se abraçar o novo, jogando fora um passado histórico,
porque nenhum escritor se consagra sozinho, nem se cria uma obra literária apenas com os
conhecimentos do presente; é preciso que se mergulhe nas experiências dos poetas
tradicionais para enriquecer suas criações. Um presente que se orienta com o passado e um
passado que é modificado pelo presente, uma relação harmônica entre o velho e o novo.
De acordo com Eliot, essa revisitação ao passado não torna o escritor repetitivo,
copista, pois a tradição não é para ser como uma aderência cega, ela deve ser vista como um
caminho para fazer nascer um novo artista, criador de seu próprio talento individual. Esse
talento único, próprio de cada um, difere um artista do outro; o poder de criar como um fio
condutor para a conquista do seu lugar no tempo, tornando as obras atemporais.
A tradição implica um significado muito mais amplo. Ela não pode ser herdada, e se alguém a deseja deve conquistá-la através de um grande
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esforço. Ela envolve, em primeiro lugar, o sentido histórico, que podemos considerar quase indispensável a alguém que pretenda continuar poeta depois dos vinte e cinco anos [...] (ELIOT, 1989, p. 38-39).
A literatura tradicional, rica em suas narrativas, traz escritores brilhantes que
utilizaram arte da escrita para a criação de textos tão originais que o processo de releitura
permanece ativo através dos tempos. Dentre esses escritores, Machado de Assis abrilhanta
esse elenco e tem suas obras revigoradas com a estética contemporânea que as recria.
1.2 “... muitos outros galos se cruzem”4 e teçam novos contos: a literatura comparada e suas contribuições
A literatura comparada nasce e ganha espaço mundo afora a partir de estudos
realizados na Europa, berço onde iniciou esse método de se confrontar duas ou mais obras
literárias. Muitas discussões foram e são traçadas acerca da literatura comparada. Segundo
Carvalhal (1992), há muitas dificuldades de se chegar a um consenso no que se refere a sua
definição, técnicas utilizadas e seus objetivos.
A literatura comparada não tem como objetivo eleger ou comprovar que uma
nação/escritor/obra é superior a outra, mas se sabe que, inicialmente a literatura comparada,
por vezes, era utilizada para encontrar traços, influências de uma nação em outra, a fim de
exaltar a obra que serviu como suporte para a criação de uma nova, colocando-a no apogeu,
ou seja, em posição de superioridade, como uma obra lida, ou melhor, relida, como aponta
Calvino.
O objetivo essencial da literatura comparada, seu objeto de analise, é estudar diversas
obras literárias. Através desses estudos, análises e pesquisas, ela contribui para que o texto
literário seja revisitado, estabelece inclusive um diálogo, uma interação com as diversas
manifestações artísticas e culturais. Eis a grande importância: passado e presente se fundem,
diversas vozes se cruzam e novas criações com outros viéses de interpretação vão surgindo.
“[...] a literatura comparada é uma forma específica de interrogar os textos literários na sua
interação com outros textos, literários ou não, e outras formas de expressão cultural e
artística” (CARVALHAL, 1992, p. 74).
4Título de conto machadiano (Publicado originalmente em Jornal das Famílias, fevereiro, 1873), cujo enredo desenrola-se por uma perspectiva de ilustrar tal adágio. Um senhor faz percurso reverso para subtrair os pontos aumentados na história da sua sobrinha e prova o quanto aumentaram o fato.
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O diálogo entre as obras se entrelaçam atribuindo-lhes novo vigor, novos olhares,
novas perspectivas. Uma propriedade singular da textualidade. Criação/recriação formam
bloco do novo ininterruptamente. O imaginário literário, nesses parâmetros, retém um jogo
secreto realimenta os jogos frasais e articula estruturas estéticas integralmente movediças no
processo leitor.
Carvalhal (1992) afirma que “comparar é um procedimento que faz parte da estrutura
do pensamento do homem e da organização da cultura”. Qualquer que seja a situação vivida
por qualquer sujeito, haverá sempre a necessidade de se comparar, de se fazer relações com
outro fato semelhante, ou seja, a comparação sempre existiu e vai existir em qualquer
contexto. Comparar é um processo que já está arraigado no pensamento do ser humano, já é
uma prática cultural fazer comparações, pois a imagem do homem só pode ser vista através de
um espelho.
Quando se compara as obras de autores importa destacar dois aspectos: semelhanças
e diferenças. No caso de semelhanças procura-se identificar se uma obra produzida teve a
outra como fonte, influência, cópia ou distanciamento: “[...] os limites entre imitação,
adaptação, assimilação e originalidade” (MEYER, 1958, p.22-23 apud CARVALHAL, 1992,
p. 26). A literatura comparada deve levar em conta que não se cria a partir do nada, sempre
haverá alguma obra ou texto, literário ou não a ser referenciado. Contudo, as peculiaridades
das obras e do autor também determinam a originalidade como fronteira estética que renova o
belo da expressão artística.
A arte de escrever, produzir textos literários, é resultado da arte leitora. O processo
de leitura é como um agricultor que sai para a colheita, vários frutos são colhidos, cada um
com sua especificidade, seu gosto característico. Assim o literato com esse fio condutor se
leva por caminhos ainda desconhecidos e na troca de experiências, na dialética entre tradição
e contemporaneidade esses sabores se misturam e nasce um novo fruto, com um sabor
diferenciado no pomar literário.
Essa mistura de sabores remete ao dialogismo bakhtiniano; o escritor ao criar seu
texto se apropria de outros, várias vozes se cruzam independentemente do período. Julia
Kristeva faz uso desse dialogismo e denomina intertextualidade, os diálogos existentes entre
os textos. “Todo texto é absorção e transformação de outro texto. Em lugar da noção de
intersubjetividade, se instala a de intertextualidade, e a linguagem poética se lê, pelo menos,
como dupla” (KRISTEVA apud CARVALHAL 1992, p. 50).
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O escritor, embriagado das diversas vozes que cruzam no jogo dialógico e polifônico
de suas leituras prepara-se para gerar um novo texto; fazer nascer sua criação, transformar o
velho no novo; moldar, revestir com criatividade, espontaneidade e originalidade o passado.
Na verdade, os conceitos de originalidade e individualidade estão intimamente vinculados à ideia de subversão da ordem anterior, pois o texto inovador é aquele que possibilita uma leitura diferente dos que o precederam e, desse modo, é capaz de revitalizar a tradição instaurada (CARVALHAL, 1992, p. 63).
O confronto entre obra não é processo recente nem vantagem contemporânea. O
comparativismo como método realça o vigor singular a cada obra/estilo, criando
possibilidades que alicerçam uma reflexão convergente sobre o ato literário em si mesmo ou
ainda sobre o tema de abordagem.
Ao criar “Tecendo a manhã”, João Cabral de Melo Neto traz em seu verso “muitos
outros galos se cruzem”. E quem são estes galos? A metáfora do galo tanto pode direcionar ao
criador quanto à criatura. Os autores ora apresentam estilos ora temáticas que permitem o
estudo comparativo. O mesmo processo se dá com a criação. As obras se apresentam num
viés dialógico que cruzam estudos e análises. Assim os galos se cruzam atemporalmente.
No caso do estudo em questão, a gênese dos contos selecionados é fruto de uma
provocação. Lançou-se um desafio de recreação de alguns dos contos machadianos. Houve
um propósito criador irreverente, condicionado, entretanto, distante de um plágio ou do
copismo. A inovação desse processo da literatura de fins de século XX e inicio do século XXI
projeta o desafio de copiar não copiando. Tal qual argumentara-se em Pierre Menard, autor
de Quixote, de Jorge Luís Borges. Por mais que se escrevesse linha a linha não seria o mesmo
texto:
Ele não queria compor outro Quixote – o que seria fácil – mas o Quixote. Inútil acrescentar que nunca levou em conta uma transcrição mecânica do original, não se propunha copiá-lo. Sua admirável ambição era produzir páginas que coincidissem – palavra por palavra e linha por linha – com as de Miguel de Cervantes (BORGES, 2007, p. 38).
18
Um labirinto de enredos se desdobra num jogo de espelhos para os quais os leitores
se deparam e se revezam na perspectiva de adicionados os pontos, descobrem a essência do
conto.
1.3 “Quem conta um conto, aumenta um ponto”3: a imagem comparada na contística
A Literatura Comparada é utilizada como instrumento para sustentação dos diálogos
entre os contos de Machado de Assis (Missa do Galo e A Cartomante) e a contística
contemporânea em Missa do Galo, Juca, Missa do Galo: um outro enfoque, Sonos leves, de
Lygia Fagundes Teles, Amador Ribeiro Neto, Moacyr Scliar e Nelson Oliveira, e Os sinais do
sobrenatural, O Podomante e O Goiabão, de Deonísio da Silva, Glauco Mattoso e Ivana
Arruda Leite, respectivamente. Com o recurso da recriação, um novo enfoque fora dirigido
aos textos. Abrem-se novos caminhos, outros viéses de interpretação.
Os elementos narrativos mapeados sob a perspectiva intertextual e suas interfaces
sustentam uma análise do processo de ressignificação dos contos machadianos Missa do galo
e A Cartomante, reescritos na contemporaneidade por contistas brasileiros numa construção
dialógico-literária.
A literatura comparada movimenta as releituras e dá subsídio aos jogos de influência
de autores e obras. A literatura contemporânea percorre esse caminho de revisar textos
clássicos com o propósito de personificá-lo na perspectiva de não retroceder, mas ratificar o
princípio da atualização literária. As representações literárias estruturadas em contos trazem
em seu bojo o “inenarrável” (SEIXAS, 1986), isto é, a sua essência capta-se durante uma
leitura de único fôlego (CORTÁZAR, 1974). “... o conto é uma antinarrativa, porque seu
verdadeiro sentido, sua essência, é inenarrável. Ou ainda, é uma metanarrativa. O que está
além da narrativa” (SEIXAS, 1986) e, ainda, a proposta de Cortázar (1974, p. 154) completa:
O excepcional reside numa qualidade parecida à do ímã; um bom tema atrai todo um sistema de relações conexas, coagula no autor, e mais tarde no leitor, uma imensa quantidade de noções, entrevisões, sentimentos e até ideias que lhe flutuavam virtualmente na memória e na sensibilidade; um bom tema é como o sol, um astro em torno do qual gira um sistema planetário de que muitas vezes não se tinha consciência até que o contista, astrônomo de palavras nos revela sua existência.
19
Segundo o professor Cid Seixas, o conto não se esgota na fábula; ao contrário, é um
mundo com suas próprias leis, sua própria estrutura. O cotidiano serve como matéria-prima à
obra-de-arte, que o recria em dimensões outras possíveis. E se o conto “não vale pelo que
conta”, seria este “inenarrável” que se entranha no leitor par lhe aflorar a sensibilidade: a
essência do conto. Tal essência só se torna possível quando o leitor possui uma “alquimia
secreta”, dita por Cortázar, que o habilita a captar o “excepcional”, e a atração dos opostos
garantirá a sensibilidade primordial ao entendimento daquilo que não se conta.
Assim, escritores pós-modernistas, embriagados pelos contos machadianos, utilizam-
se da intertextualidade para a criação de novos contos. Foucault (apud HUTCHEON, 1991, p.
167) postula:
[...] as fronteiras de um livro nunca são bem definidas: por trás do título, das primeiras linhas e do último ponto final, por trás de sua configuração interna e de sua forma autônoma, ele fica preso num sistema de referências a outros livros, outros textos, outras frases: é um nó dentro de uma rede.
A produção literária contemporânea também se sustenta no processo intertextual
para, a partir de narrativas já existentes, criar com arte e beleza outras narrativas consideradas
tão originais quanto às primeiras. Os contos Missa do Galo e A Cartomante, de Machado de
Assis, foram reescritos, possivelmente, não como cópia ou plágio, mas de uma forma artística,
dinâmica e criativa. A leitura aberta de obras literárias permite inúmeras interpretações.
Assim, seriam esses escritores contemporâneos, embebidos pela arte machadiana, recriadores
de contos tão originais como os primeiros, embora estejam focalizados sob outros ângulos e
novos olhares.
Ao se ler Missa do Galo e A Cartomante como qualquer outra narrativa tem-se a
possibilidade de buscar respostas, ou seja, dar sentido ao texto lido. Esses contemporâneos,
assumindo a condição de leitores/escritores, partindo dos contos tradicionais de Machado de
Assis se apropriaram do pastiche e da paródia (recursos muito utilizados na literatura
contemporânea) para a reescritura de seus contos e, com seus jogos irônicos e persuasivos,
fizeram renascer a tradição e tornaram estas narrativas novas e originais.
Embora toda obra seja aberta a interpretações, seria sua reescritura o nascimento de
uma nova obra com novos elementos que, talvez, obriguem a retomada da primeira para a
busca de novas pistas ou, ainda, com sua singularidade, a recriação abra-se a novas leituras,
20
haja vista sua independência e toda escrita ser resultante de leituras. O estilo perscrutador do
olhar machadiano e a ironia do ponto de vista sobre os comportamentos humanos na
sociedade, provavelmente, tenham subsidiado os diálogos contemporâneos que alimentaram
estas recriações com recursos intertextuais discutidos por Júlia Kristeva e Linda Hutcheon. A
poética pós-modernista se cerca dos clássicos, revisita-os e lhes dá uma repaginada, sem
intenção de desmerecimentos, mas uma reverência ao passado clássico para releitura e maior
circularidade.
O Realismo, enquanto estilo de uma época, buscava uma representação mais próxima
do real, o diálogo com a literatura pós-modernista aproxima-os devido ao posicionamento
também acentuadamente crítico da arte contemporânea, haja vista a procura do
reestabelecimento social em meio ao caos.
Cada fotografia é única e a sua singularidade, provavelmente, faça surgir imagens
outras à lembrança, como no processo de leitura. A cada narrativa lida novas histórias se
(des)montam, porquanto em algum outro espaço, tempo possam outras pessoas ter
testemunhado histórias aproximadas de outros sujeitos ou de si mesmos. Podem estes novos
contos retratarem outras histórias que trazem à lembrança narrativas já vividas, ouvidas ou
lidas.
O processo literário conta com a originalidade e se causa estranheza à leitura dessas
recriações, o movimento artístico respalda-se na linguagem figurada, na catarse, na mimesis, e
abstrai o novo, a arte na sua essência inenarrável, mas se valendo pelo que representa no
espaço verossímil que lhe é concedido para espelhar a beleza do artístico.
Sabe-se da grande importância da leitura na vida humana. É por meio dela que se
tem a oportunidade de viajar (sem deslocamento físico) por lugares fantásticos onde jamais se
imaginava estar. Além disso, o ato de ler torna o homem um eterno aprendiz, amplia seus
saberes e constrói o senso crítico. Através da leitura literária pode-se transportar para dentro
da narrativa, dialogar com os personagens e sentir-se participante da história. A literatura tem
o poder de levar a um mergulho profundo pelas águas da imaginação, faz acreditar que tudo é
possível e pela arte, a verdade se constrói, pelo jogo semântico, ou mesmo, pela apresentação
verossímil da realidade.
Dada a linguagem de final de semana, tirada a “linguagem de em dia-de-semana”,
como disse Guimarães Rosa, em Famigerado, os contos contemporâneos (Juca, de Amador
Ribeiro Neto, Missa do Galo, de Lygia Fagundes Telles, Missa do Galo: Um outro Enfoque,
de Moacyr Scliar, Sonos leves, de Nelson de Oliveira, Os Sinais do Sobrenatural, de Deonísio
da Silva, O Podomante, de Glauco Mattoso e O Goiabão,de Ivana Arruda Leite) baseados em
21
Missa do Galo e A Cartomante, de Machado de Assis, revitalizam-se, rejuvenescem. Contudo
não se afirma aqui que os textos machadianos estejam em linguagem arcaica ou muito
comum, mas recebe uma nova roupagem, com uma discussão mais atualizada da temática.
Demonstra o poder da literatura em fazer com que uma escrita de outro século se atualize,
sem perder sua originalidade.
A intertextualidade abre a perspectiva sobre a leitura do clássico que, revisitado, faz
decolar uma triagem de outras leituras as quais definem o perfil deste trabalho. A narrativa
breve surge da tradição oral para encantar a audição nas rodas de espaços abertos. O tempo
deu-lhe o mérito de garantir-se imortal para as gerações futuras. A brevidade com que
algumas narrativas seguram o fôlego de ouvintes/leitores não cabe em explicações palpáveis,
sabe-se, contudo, que a impossibilidade de contar a sua essência seduz o público que adota o
conto como leitura diária, haja vista o pequeno espaço temporal dedicado a esta atividade.
Para a acepção literária, o conto é um modo específico de relatar brevemente
determinados acontecimentos, e, por conta de suas características estruturais, possivelmente,
foi a matriz das demais formas literárias, principalmente, da prosa e da ficção. De origem
desconhecida, tomou conotação literária mais contundente a partir do século XVI e ganha
maior status e nobreza no século XIX, deixando de ser produto folclórico para se tornar um
resultado tipicamente literário.
Na concepção de Cortázar (1993, p.150-151), metaforicamente, o conto assemelha-
se à vida, no que tange ao seu caráter intenso e efêmero, como é possível constatar no trecho
abaixo:
[...] porque um conto, em última análise, se move nesse plano do homem onde a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma batalha fraternal, se me for permitido o termo; e o resultado dessa batalha é o próprio conto, uma síntese viva ao mesmo tempo que uma vida sintetizada, algo assim como um tremor de água dentro de um cristal, uma fugacidade numa permanência.
O autor ainda afirma que o conto costuma ser comparado à fotografia e o romance ao
cinema, pois, no filme bem como no romance, “a captação da realidade é alcançada mediante
o desenvolvimento de elementos parciais, acumulativos, que não excluem, por certo, uma
síntese que dê o ‘clímax’ da obra” (CORTÁZAR, 1993, p. 151). Já para a fotografia é preciso
estabelecer os limites para que cause impacto ao ser vista, assim como deve ser o conto bem
elaborado ao ser lido, ou seja, restrito, mas profundo.
22
Os contos machadianos são excepcionais. Neles, a leitura oscila entre expectativa,
emoção e reflexão, além de permitir imaginarmos um determinado final, quando somos
bruscamente surpreendidos por outro.
Conforme Umberto Eco (apud HUTCHEON, 2000, p. 167), a intertextualidade
sempre foi utilizada pelos escritores, e sobre ela afirma: “Descobri o que os escritores sempre
souberam (e nos disseram muitas e muitas vezes): os livros sempre falam sobre outros livros,
e toda estória conta uma estória que já foi contada”. Desta afirmativa, depreende-se, portanto,
que sempre haverá intertextualidade na escrita literária, em maior ou menor grau.
23
2 A CARTOMANCIA ÀS AVESSAS: Releituras machadianas pelos fios intertextuais
O fluxo de ideias no imaginário criador do artista conjectura das mais excelentes
narrativas. A cerimônia fica por conta do leitor cujas expectativas serão, ou não, satisfeitas.
Uma chuva mágica de segredos alegóricos é derramada sobre o imaginário de cada sujeito
exposto ao mundo da verossimilhança para numa perspectiva catártica.
As leituras realizadas num único fôlego em busca do inenarrável determinam os
passos para encontros com as interfaces dos caminhos entre o criador e a criatura. Nesses
percursos a interdiscursividade impulsiona às hipóteses que desejam a confirmação ou a
refutação e esse processo só se concretiza com uma leitura ininterrupta, no caso dos contos –
narrativas curtas.
A vidência é inviável inclusive para as cartomantes e seguidores dos mesmos
desenhistas de futuro alheio. Ora conhecedores dos textos de Machado em questão no
presente estudo não deram pistas para o desfecho da narrativa recriada, posto que ali se postou
um outro clímax, outros acontecimentos, e só uma leitura circular e completa dá possibilidade
de interpretações.
A prova se confirma quando para cada um dos dois contos, outros (plural) foram
recriados e, para cada um deles um enredo, um clímax, um desfecho... O sentido
interdiscursivo concretizado no processo fruidor entre o texto e a leitura.
O intervalo entre uma e outra criação, ou recriação, cruza entre os jogos imitativos,
próximos àquilo que se chama intertextualidade, um diálogo bem difícil entre os textos para
não cair na ridicularização do plágio ou mesmo da cópia.
Os termos simulação e simulacro foram definidos Jean Baudrillard (1991) quando
argumenta que as sociedade do Ocidente submeteram-se uma “precessão de simulacros”, em
três etapas: imitação, cópia mecânica e simulação (espaço de representações, símbolos,
imagens, ícones). Ao passar pelos procedimentos, acredita que é o original.
Ainda nesses recursos intertextuais, a criação se apropria de jogos que incentivam a
busca pelo elemento que se tornara o foco, isto é, o texto-base para a recriação. Seja pelo
pastiche seja pela paródia a criação intertextual como reinvenção literária encontra-se muito
presente, aliás, cada dia mais usado como recursos para revistar a literatura canônica. Uma
metodologia frequente na contemporaneidade.
24
A literatura atual está presenteada com a vasta fortuna clássica e canônica para ser
revisitada sem se tornar na mesmice, mas sempre na tentativa antropofágica de trazer o novo
para surpreender, estranhar.
2.1 Recriaçãoversus imitação: o difícil diálogo entre os textos
O homem é um ser de relações, não consegue viver sozinho, guarda dentro de si um
grande tesouro, a linguagem. Por meio dela, forma palavras, seleciona-as, organiza-as para
acontecer a comunicação, a qual abre caminhos para o conhecimento, a arte do saber.
A sabedoria, fruto do conhecimento, constrói-se através das diversas linguagens e
ideologias produzidas pelo homem. A literatura utiliza-se dessas linguagens, permite ao
sujeito organizar seus pensamentos, criar novas perspectivas, novas possibilidades de ver,
sentir e entender os outros e a si mesmo. Toda esta linguagem produzida, nesse caso,
artisticamente.
A literatura potencializa uma causa de experiências do leitor. Inúmeras possibilidades de leituras a obra oferece a obra literária oferece, e em cada uma delas o leitor tem uma experiência nova, em cada leitura o leitor toca o coração da matéria estética (ROGEL, 2002, p.14).
A literatura, assim como a música, a pintura, a arquitetura, proporciona prazer,
retrata o belo, é a representação da realidade. A arte literária tem sua própria linguagem,
recheada de sentidos, é a expressão do homem que se utiliza da criatividade, joga com as
palavras para seduzir o leitor; algo mágico capaz de provocar sensações nunca antes sentidas.
Em cada obra nova que se lê, entra-se em um mundo ficcional criado pelo escritor, autor
criador em potencial. Ele se desprende de si e incita a sensibilidade, verve perspicaz de
captura dos sentidos invisíveis ao sentimento de olho comum.
O literato, para fazer nascer sua obra, dá vida e voz a sua escrita, mergulha no íntimo
das ações humanas, participa do mundo real, representa o fazer humano e, através da
representação, recria essas realidades.
Segundo o filósofo Aristóteles, na sua poética, toda arte expressa pelo homem, seja,
pelo ritmo, pela melodia, por gestos, ações e emoções, mesmo diferenciada são imitações da
ação humana, pois a arte de imitar encontra-se intrínseca à natureza humana. Seja por meio da
dança, da voz, da arte de tocar instrumentos, ou na arte da escrita, tudo é expresso a partir de
25
imitações do fazer humano, pessoas em ação, sejam essas ações boas ou ruins, tudo é
apreendido pela literatura para recriar o mundo original em um mundo ficcional que só é
possível através da arte. “Imitar é natural ao homem desde a infância – e nisso difere dos
outros animais, em ser o mais capaz de imitar e de adquirir os primeiros conhecimentos por
meio da imitação – e todos têm prazer em imitar” (ARISTÓTELES, 2005, p. 21-22).
Tudo que se faz desde a infância, buscando saber quem é, o que fazer e como
encontrar as respostas que surgem durante toda a existência humana é fruto da imitação.
Imita-se a vida... Enquanto felicidade, infelicidade, harmonia, desarmonia, paz, guerra,
angústias, sofrimentos, prazeres; sejam momentos positivos ou negativos, vive-se a
reprodução do já vivido, do já dito.
A arte literária apropria-se da linguagem e reproduz o homem e suas ações na
sociedade, através da mímese, a arte de imitar, leva-se obras literárias a conquistar seu espaço,
proporcionando prazer e despertando paixões nos leitores.
Os poetas imitam, sim, o que outros poetas já disseram. Mas, cada um tem seu estilo,
sua forma de dizer o que já foi dito tantas outras vezes; cria-se, inventa-se a partir da ideia do
outro, mas não como cópia, como se xerocopia algum material, é uma escrita nova, original,
um jeito novo de dizer algo comentado outrora, mas com a simplicidade melódica e artística
de fazer-se novo. Essa forma fantástica, contagiante que embebeciam tantos leitores é a arte
literária!
A comunicação entre os textos não é algo novo; essa interrelação sempre existiu, são
vários discursos traçados em épocas e áreas diferentes, presentes em novo um texto. Os textos
literários desde o início dialogam entre si (dialogismo bakhtiniano), ou seja, a literatura recebe
influência da própria literatura, são vários pedacinhos de uma obra em outra, como afirma
Kristeva (apud PERRONE, 2005, p. 68): “todo texto é absorção e transformação de uma
multiplicidade de outros textos”, esse diálogo na literatura é denominado de intertextualidade.
Perrone (2005, p. 68) enfatiza: “Entende-se por intertextualidade este trabalho constante de
cada texto com relação aos outros, esse imenso e incessante diálogo entre obras que
constituem a literatura”.
Naturalmente, o interdiscurso é comum, como fora postulado por Bakhtin, a
influência recebida pelas leituras realizadas e na relação entre prazer – do escritor – e a
fruição – intervalo entre a escrita e o interdiscurso do leitor (BARTHES, 2004). Os cem anos
da morte do mestre da literatura representou para escritores e leitores machadianos um marco
em suas vidas, um momento apropriado para se deleitar nessa relação entre o prazer e a
fruição. Capitu mandou flores presenteia todos os apaixonados pela escrita de Machado de
26
Assis. Seu estilo provoca impacto, estranhamento, expectativas, pois não só traça diálogos
com outros autores de épocas distantes, mas, dialoga, principalmente com o leitor; suas
palavras são sempre banhadas de sedução, mistério, um jogo fascinante a quem lê com
palavras visíveis ou não que ora se revelam, ora se escondem, os diálogos traçados entre os
personagens são construídos também através do silêncio, é no calar que muitos caminhos são
abertos para que o leitor adentre na narrativa. Rogel (2002, p. 21) enfatiza que “A riqueza da
escrita tanto se faz mais criadora quanto mais profunda for o nível de onde ela fala e silencia”.
Possuídos por este estilo enigmático de Machado de Assis, escritores5 contemporâneos
dialogam com seus contos.
A literatura, enquanto elemento veiculador das discussões sobre o comportamento
humano, relata sob signos e símbolos a mágica secreta de se poder olhar o comum, o
cotidiano e vê-los descortinar-se num impacto leitor de único fôlego. Ao se deparar com o
trecho: “Quando fica calada, quando os olhos se reduzem, parece dormir mas está em
movimento, as máquinas não param, o navio navega embora transmita ao passageiro aquela
quietude de âncora” (TELLES, 2008, p. 43) vê-se retratar a escrita de Machado.
Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressadamente ou vagarosamente (MACHADO, 2008, p. 25).
Tanto em Missa do Galo, de Machado, quanto no homônimo de Lygia Fagundes
Telles, a presença, a lembrança dos textos se cruzam. Na verdade, entender o texto da autora
citada não requer a leitura prévia do texto de Machado, a independência artística consiste na
sua originalidade, aspecto mantido na essência de cada conto.
Comparando-se os trechos de Juca, de Ribeiro Neto (2008, p. 34) e Missa do Galo,
de Machado de Assis (2008, p. 27), respectivamente, observa-se uma referência ao realismo:
Chegam a ser ridículos. Já estão há um tempão parado aí com os olhos estalados em cima de mim. Agora são as mãos pegando nas minhas. Chegamos a ficar algum tempo, – não posso dizer quanto, – inteiramente calados. [...] Conceição parecia estar devaneando.
5Descritos com mais detalhe no último capitulo deste trabalho.
27
Os comportamentos humanos revisados e comprovados como aspecto intrínseco à
sua natureza. A literatura, nesta recriação de “Missa do Galo”, um cânone brasileiro, revela-se
autêntica, original, com interligações semânticas próprias da arte.
2.2 Simulações intertextuais como atualização de leituras canônicas
A arte de escrever bem é dom precioso; o homem quando desperta e alimenta esse
dom, torna-se um eterno viajante em busca de criar e recriar um mundo fascinante, um mundo
possível só na ficção.
São muitos escritores, novos talentos, que ganham espaço na literatura; textos
diversos, autores com escrita e estilos diferenciados, cada um com seu valor, seu talento
individual. Nesse surgimento de novos talentos, nasce o desejo de conquistar um lugar no
campo literário, tornam-se competitivos, como se fossem adversários dos escritores canônicos
ou reconhecidos, e, consequentemente, detêm de alguma forma, certo poder na área literária.
Segundo Reis (1992), nos primórdios, os escribas e os sacerdotes eram os únicos
que tinham a capacidade de escrever; desde essa época, a escrita de alguma forma tornou-se
uma arma de dominação, ou seja, o poder era exercido por aqueles que sabiam fazer uso da
escrita. Nesse contexto, surge o termo (do grego kanon, espécie de vara de medir). Com a
cristandade, sacerdotes utilizaram-se desse termo para escolher autores e obras que deviam
fazer parte da bíblia, iniciando um processo de exclusão, pois, para que essa seleção
acontecesse, seguiu-se uma ideologia, eliminando os que iam contra essa linha de
pensamento.
O cânone são obras literárias selecionadas com a finalidade de preservar por
séculos e séculos textos clássicos que se tornaram atemporais, ou seja, nunca deixam de serem
revisitados. O processo de escolha de obras primas para o cânone é uma exclusão, uma área
fechada; poucos escritores alcançam esse mérito:
[...] cânon significa um perene exemplar conjunto de obras – os clássicos, as obras-primas dos grandes mestres – um patrimônio da humanidade (e, hoje percebemos com mais clareza, esta “humanidade” é muito fechada e restrita) a ser preservado para as futuras gerações, cujo valor é indisputável (REIS, 1992, p. 70).
Bloom (2001) se opõe a Reis (1992) quando defende a maneira de selecionar o
cânone, uma obra para entrar na lista de escolha, dentre tantas outras precisa ser lida, relida,
28
despertar expectativas, ter excelência estética e originalidade, Bloom (2001, p. 33) ressalta
que “TODA ORIGINALIDADE literária forte se torna canônica”, é por meio de leitura e
releituras que se prolonga a vida de um autor canônico, tornando-o imortal.
O cânone sempre foi e continuará sendo “escolha dos melhores livros” – e escolher é
deixar de fora algumas obras literárias. “Quem lê tem de escolher, pois não há, literalmente, tempo
suficiente para ler tudo, mesmo que não se faça mais nada além disso” (BLOOM, 2001, p. 23). O
processo canônico está a serviço da arte para imortalizá-la. É como se cânone fosse a arte da
memória, não deixa esquecido, não deixa morrer o belo, o estético, o que causa expectativa no
leitor. O cânone não está para servir grupos elitistas sociais, políticos:
O movimento de dentro da tradição não pode ser ideológico nem colocar-se a serviço de qualquer objetivos sociais, por mais moralmente admiráveis que sejam. A gente só entra no cânone pela força poética, que se constitui basicamente de um amálgama [...] (BLOOM, 2001, p. 36).
Os textos literários não estão acabados, sempre haverá um espaço a ser preenchido
pelo leitor, é um processo contínuo de interação. Os textos machadianos deixam sempre esse
espaço vazio; sua ficção apresenta sempre um narrador que finge e engana o leitor; um
narrador sob suspeita. Quando se pensa estar indo na direção certa, depara-se com um enigma,
“decifra-me ou devoro-te” – enigma da esfinge, mitologia grega. A narrativa de Machado, um
eterno vai e volta, é um suspense que causa apreensão, diz o que não está escrito. Seus
personagens agem subjetivamente, são mãos, olhares, e pernas que se cruzam. O silêncio diz
muito mais que palavras. As lacunas deixadas pelas descrições e/ou narrações estampam
sutilmente pistas a serem desvendadas pelo leitor perspicaz.
Agora a ação da pessoa, os olhos teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes de o fazer ao marido, as mãos frias, as atitudes insólitas. [...] Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante (MACHADO, 2008, p. 71-72).
Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem o tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os
29
cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos (MACHADO, 2008, p. 23).
Tanto nos trechos destacados de “A Cartomante”, como em “Missa do Galo”,
acentua-se um silêncio comunicativo e sublinear e compete à concentração leitora de um
único fôlego extrair a inenarrável dos contos que asseguram no não dito uma diretriz
interpretativa acercada da hermenêutica de uma época de grandes rigores, mas apontados para
além de uma possibilidade assertiva de poder sobre a capacidade humana de agir e reagir
mediante situações. Os suspeitosos narradores não permitem uma alienação leitora, porém
embriaga o leitor de palavras silentes impactantes de realidades a serem discutidas.
Machado é um artista na arte da escrita, suas obras encantam, causam impacto,
inquietam, têm o poder de iludir quem as lê. Sua escrita fez conquistar o topo literário, o ápice
do cânone brasileiro. São muitos os críticos literários que consideram Machado de Assis o
maior escritor brasileiro, a exemplo de Harold Bloom que, em uma entrevista a Revista
Época, demonstra todo respeito quando o qualifica como gênio da literatura e elenca os pré-
requisitos machadianos: exuberância, concisão e uma visão irônica, impar do mundo, e
acrescenta ainda que procura um grande poeta brasileiro que esteja vivo, mas que ainda não o
encontrou.
Assim também como Kothe (2000) que reconhece em Machado, o valor que suas
obras representam para a literatura, salienta que o lugar ocupado por Machado no cânone
brasileiro é fruto de seu talento e de sua luta para divulgar e proporcionar a literatura
brasileira um lugar de prestigio.
Machado de Assis merece maior atenção não por ter sido um grande escritor, mas porque foi decisivo para a consolidação do sistema: ao lado de sua atividade de ficcionista e cronista, atua também como teórico e critico, organizou e presidiu a “Academia Brasileira de Letras” (ABL). Ele é considerado o topo do cânone porque está também no seu fundamento (KOTHE, 2000, p. 509).
O cânone abre às obras literárias caminho para os “clássicos” – livros capazes de
perpassar o tempo, não importa quem somos e a que tempo pertencemos, eles serão sempre
novos, em qualquer época que forem lidos. Segundo Bloom (2001, p. 37), para que uma obra
literária se torne um cânone é preciso que a releitura aconteça, “se não exige releitura, as
obras não se qualificam”, não se tornam clássicas; escapa-lhe o magnetismo próprio de
30
estranhamento. A cada releitura que se faz é como se fosse a primeira leitura, tudo é novidade,
são cenas inéditas a se processarem.
Calvino (1993, p.11) afirma de forma brilhante que os grandes mestres canônicos, na
riqueza de seus escritos, deixam sempre uma lacuna a ser preenchida pelo leitor, pois “Um
clássico é um livro que nunca termina de dizer aquilo que tinha para dizer”, é o que acontece
nas narrativas machadianas, a cada leitura que se faz é uma nova descoberta, é uma busca
constante para desvendar os mistérios e penetrar no mundo ficcional dos clássicos
machadianos.
Uma obra clássica exercer sobre o leitor uma magia, capaz de fazer esquecer quem é,
e a que época pertence. Por meio de reflexões individuais a partir dos temas, que fazem parte
do cotidiano de qualquer pessoa o leitor busca respostas para suas crises existências e traçam
mudanças. Calvino (1993, p. 16) grifa que “[...] deixando bem claro que os clássicos servem
para entender quem somos [...]”.
É notório que as novas tecnologias da atualidade nos distanciam cada vez mais dos
livros. No entanto, a mágica exercida pelos clássicos é tão contagiante que conseguem
acompanhar esses avanços e não perde o seu espaço, é uma voz silenciosa, um barulhinho que
vai permanecer em qualquer tempo. Calvino (1993, p.15) postula: “É clássico aquilo que
persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível”.
Cabe perguntar, por que os clássicos continuam despertando essa magia, mesmo
diante dos entretenimentos oferecidos pela atualidade? Sabe-se que a literatura se apossa de
fatos reais para dar vida às obras literárias, vive-se a realidade por meio da ficção, são cenas,
imagens, atos humanos criados e recriados. Essas simulações não são cópias, pois os fatos são
apresentados de forma diferenciada do original, é uma semelhança simulada, que a literatura
denomina como “Simulacro” – a arte de simular – são essas simulações da vida real, que
prende o publico e desperta o interesse pelas leituras. “O simulacro nega o original e a cópia,
o modelo prévio e sua reprodução, subvertendo todas as hierarquias e inaugurando a vertigem
do descentramento” (PERRONE-MOISÉS, 2005, p. 7).
O simulacro utiliza-se da essência do fato que quer reapresentar, mas não se apega a
esse fato original, não os toma como centro de suas criações, por meio do simulacro o artista
deixa fluir sua imaginação, se descentraliza dessa realidade que utilizou. “O consenso geral é
que o simulacro não é apenas uma cópia da cópia ele de alguma forma evita o contato com a
forma original” (EDGAR & SEDGWICK, 2003, p. 307).
Os contos machadianos Missa do Galo e A Cartomante são exemplos de simulacro.
O mestre da arte de representar utiliza-se de uma realidade que é comum em qualquer
31
sociedade, “o envolvimento amoroso entre duas pessoas” (tema universal), mas não se apega
a essa realidade, apenas reconstrói, simulando-a, mas de forma independente, desassociando-
se do original. Assim também são os escritores contemporâneos que reconstroem os contos
machadianos, fazem uma releitura desses contos, utilizando da intertextualidade, percebendo
nessas obras uma brecha para continuar em frente, como afirma Perrone (2005, p. 81): “A
primeira condição para a intertextualidade é que as obras se dêem como inacabadas, isto é,
que elas permitam e solicitem um prosseguimento”.
O simulacro é a brecha que esses escritores encontram para continuar em frente, para
saciarem sua sede, mas conseguem também se desvincular do original, pois cada conto
recriado tem seu brilho próprio, seu valor estilístico, que mesmo sendo semelhante terá
sempre um significado diferenciado.
2.3 Pastiche, paródias e todos intertextos: a reinvenção literária
O pós-modernismo é um movimento que surgiu trazendo mudanças, inovações, nas
ciências, na arquitetura, na música, em tudo que envolve a arte. Ele conseguiu acabar com a
distância que existia entre a cultura de elite e a cultura popular. “[...] pós-modernismo é a
abolição de algumas fronteiras ou separações essenciais, notadamente a erosão da distinção
anterior entre a alta cultura e a chamada cultura de massa popular” (JAMESON, 2006, p. 18).
A literatura assim como qualquer outra expressão artística era privilégio somente da
elite letrada que direcionava tudo que dizia respeito a arte da escrita, ficando as classes menos
favorecidas de fora desse privilégio de provar, mergulhar, beber, vivenciar o espetáculo da
representação da vida através da arte. Com o advento do pós-modernismo muda-se essa
realidade, como afirma Hutcheon (1991, p. 69): “O pós-modernismo é, ao mesmo tempo
acadêmico e popular, elitista e acessível”.
A autora enfatiza que no pós-modernismo há uma abertura para todas as classes
sociais, todo e qualquer sujeito, independente de sua etnia, classe social, ou que faça parte de
qualquer cultura é introduzido na literatura, cuja arte se empenha em representar a vida, o
cotidiano, o fazer humano. O pós-modernismo explora uma cultura que oportunize a todos
sem distinção, deixando um espaço, a arte literária ganha uma nova cara, se relacionando com
muitas outras artes, outras culturas.
O pós-modernismo, processo paradoxal, não rompe com o passado, mas também não
segue por completo a mesma linha de pensamento. Faz um tratamento desse passado, retira os
32
resíduos que representam a essência que faz parte do presente e não pode ser apagado. Muitas
vezes, maqueia, reveste de novo o que já foi dito antes de uma outra forma.
A poética pós-modernista também questiona e critica os discursos dominantes (tanto
do passado como do presente) de forma irônica, mas ao mesmo tempo necessita desses
discursos para se reafirmar. Revisita-se o passado e o traz de volta metamorfizado, como
continuidade desse passado, como Hutcheon (1991, p. 31) enfatiza: “A arte pós-moderna
afirma de maneira idêntica, e depois ataca de maneira deliberada, princípios como valor,
ordem, sentido, controle e identidade [...]”.
É uma contradição, pois o pós-moderno espelha-se no passado, mas o subverte,
apropria-se do que considera positivo para o presente e faz com que o negativo, através da
paródia, seja o canal para levar os leitores a reflexão. De forma ilariante o velho contagia e
surpreende. Jameson (2006, p. 25) assegura: “[...] a arte pós-moderna ou contemporânea se
pautará pela própria arte”.
Vive-se no mundo globalizado, efêmero, são muitos os movimentos sociais que
buscam seus próprios interesses: o individualismo toma conta de tudo e de todos; valores
distorcidos; uma desordem em todas as áreas; um mundo acelerado, sufocado pelo
capitalismo. As pessoas correm não se sabe para onde, buscam corresponder às exigências
desse capitalismo. O sujeito se perde, perde sua identidade, não sabe quem é; busca vários
eus, um para cada situação, é o sujeito fragmentado de uma sociedade caótica. Nesse caos, o
pós-modernismo subsidia a arte, desenha toda essa confusão numa linguagem literária
reconfigurada e, por vezes, chocante para o leitor habitual da literatura de tradição.
Nessa confusão, a intertextualidade (diálogo entre textos) ganha espaço, através da
paródia, do pastiche, dos intertextos. O entrelaçamentos intertextual, o discurso pós-moderno
alimenta a força artística de criar um texto a partir de outro texto, que faz parte de um outro
texto, que veio de outro texto e assim por diante... Os escritores/leitores tornam-se ao mesmo
tempo produtores e consumidores de textos; é como uma teia, um fio que vai ter sempre uma
continuidade. É como postula Foucault (apud HUTCHEON, 1991, p. 167), na citação no
primeiro capítulo (seção 1.3) sobre as fronteiras indefinidas de um livro que, desde o título ao
período final, está amarrado a ideias de outrosescritos, uma relação hipertextual.
Na obra Capitu mandou flores, os contos organizados por Rinaldo Fernandes
ganham cara nova, pois seus escritores utilizam-se da intertextualidade e através desse recurso
recriam contos de Machado de Assis, de forma magnífica, tão originais, que confundem: qual
texto veio primeiro? Quem veio de quem? Schneider faz considerações:
33
O escritor é aquele que plagia, parodia, pasticha, monta e desmonta modelos, e com isso faz livros que não somente não parecem com os de ninguém, como dão a impressão de que os modelos os copiaram e que os livros futuramente serão forçados a se parecerem com eles (1990, p. 89).
O pastiche, um dos recursos utilizados pelos escritores, segundo Moisés, (2004, p.
342):
PASTICHE – It. Pasticcio, de paste, pasta, massa, pelo fr. Pastiche. Em vernáculo também se emprega a forma pasticho. Designa uma obra que imita servilmente a outra, ou mistura canhestramente trechos de várias procedências. [...]. De sentido pejorativo, corresponde, até certo ponto, à paródia.
Assim também como define o e-dicionário eletrônico de termos literários: “[...]
etimologicamente derivado da palavra italiana pasticcio (massa ou amálgama de elementos
compostos)”; antigamente era utilizado de forma pejorativa nas artes das pinturas, imitando
obras de artes de pintores famosos vendidos como originais. Depois o conceito se expandiu e
converteu-se para o galicismo tornando-se pastiche.
A literatura pós-moderna faz uso do pastiche para reafirmar/contradizer o que outrora
foi dito. Jameson (2006, p. 21) salienta que “Um dos aspectos ou prática mais significativos
do pós-modernismo hoje é o pastiche”. Esta técnica apropria-se de obras do passado e faz
adaptações, modificações, manipulando as linguagens. Monta e desmonta para fazer renascer
o já esquecido no passado, com a finalidade de revigorar/homenagear obras clássicas de
forma lúdica e prazerosa, como também incitar o processo formador de criação de novos
escritores.
Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor. (MACHADO, 2008, p. 71).
Aproximaram-se os três; convivência trouxe intimidade. Liam os mesmos livros, saíam juntos para jantar ou para o cinema. [...]. Rute não estranhou a amizade dos dois. Ao invés de alimentar ciúmes, comovia-se com a deficiência visual de Danilo. Era sua enfermeira moral, e, quando o rapaz voltou do consultório, mais desanimado que de hábito, fez-lhe cafuné até que desabafasse tudo e esmiuçasse o resultado da consulta: a cirurgia tinha perdido o efeito e a pressão voltava a subir perigosamente. Vladimir também
34
teve vontade de fazer-lhe cafuné, mas limitou-se ao abraço apertado, testa contra testa (MATTOSO. 2008, p. 87).
No primeiro trecho, no conto A Cartomante, de Machado de Assis, o narrador
apresenta três personagens, Camilo, Rita e Vilela, que se tornam íntimos após a morte da mãe
do primeiro, depois acabam por formar um triângulo amoroso. No segundo trecho, temos um
exemplo de pastiche, que, segundo Ceia: “[...] o pastiche literário em termos genéricos, refere-
se a obras artísticas criadas pela reunião e colagem de trabalhos pré-existentes”. Glauco
Mattoso, possuído pelo estilo de Machado, recria A Cartomante, dando vida a um novo conto:
O Podomante. Com sua capacidade de criar faz modificações no comportamento dos
personagens, que recebem nomes semelhantes a do primeiro conto – Danilo, Rute e Vladimir.
Esse jogo de nomes reforça a ludicidade com que a escrita do pastiche permite, ao passo que
se encaminha à paródia, uma vez que a substituição da leitura de mãos, própria das
cartomantes, passa a mais uma versão: leitura dos pés, feita pelo podomante; além da sugestão
do homossexualismo, senão a bissexualidade, um confronto aos casos amorosos do século
XIX, mas não raros.
Também considerada como modelo da literatura pós-moderna, a paródia, outro
recurso utilizado pela literatura para fazer renascer obras clássicas, imita textos com a
finalidade de provocar risos, divertir, mas ao mesmo tempo tem como objetivo maior levar a
sociedade a refletir sobre determinados comportamentos humanos. “A paródia é a deformação
de um texto preexistente [...]. A paródia deforma, censura, imita (criativamente), desenvolve,
referencia e não transcreve um texto preexistente” (CEIA).
A pós-modernidade configura um sujeito que constantemente levanta
questionamentos, busca respostas para suas inquietações, não consegue seguir os avanços e
as mudanças sofridas pela sociedade capitalista, individualista e desumana. O homem torna-se
dividido, não sabendo que caminho seguir, de faces variadas, um ser fragmentado.
O artista pós-moderno busca na paródia uma forma de protestar, ir contra tudo que
considera imoral na sociedade, por meio da ironia, ridiculariza o texto que toma como base.
Diante da diversidade de recursos que a literatura pós-moderna utiliza por meio da
intertextualidade para criar, recriar, transpor textos de outras épocas para a atualidade; será
que se perdeu o valor que o autor conquista com suas obras, como também sua autoria?
Segundo Bakhtin (apud BRAIT,2008), o autor-pessoa (o artista-escritor) é diferente
do autor-criador, esse tem como função trabalhar o estilo da obra, ele não é quem transcreve
35
para o texto ações da vida humana, como faz o escritor, com seu dom de criar transpõe para a
arte, o espetáculo de representar a vida, fatos do cotidiano.
O autor-criador é, assim, quem dá forma ao conteúdo: ele não apenas registra passivamente os eventos da vida (ele não é um estenógrafo desses eventos), mas, a partir de uma certa posição axiológica, recorta-os e reorganiza-os esteticamente (BRAIT, 2008, p. 39).
O autor-criador desmonta, monta, reelabora esteticamente esses eventos da sociedade
para dar vida a obra literária, fazer acreditar em uma verdade, que só na arte literária é
possível, é o extraordinária da ficção, a verossimilhança.
O autor-pessoa (o escritor) é quem busca o conhecimento para fazer fluir, isto é,
aflorar a inspiração no autor-criador; o escritor estuda e o criador esteticamente transporta os
acontecimentos da vida para a arte. É como se fosse uma parceria, é um só que se transforma
em dois ou mais, é um ser fragmentado, que está no entrelugar, não é autor-escritor, nem
tampouco autor-criador, é alguém com vários eus, vários estilos de escrever.
O autor na pós-modernidade não se prende a um só estilo, uma única forma de
escrever, ele bebe na fonte de outro autor, mas não perde e nem tão pouco faz com que o autor
parodiado, pastichado perca seu valor, seu estilo, seu talento individual, ao contrário, o autor
pós-moderno desperta no leitor, através de suas reinvenções, o desejo de conhecer o fantástico
mundo dos clássicos literários.
Na arte pós-moderna, o autor se apropria de textos alheios, considerados clássicos
com o intuito de recriar, reinventar intertextualmente. Novas obras que, apesar de se
reconhecer a sua literariedade, só o tempo e a continuidade leitora na sua permanência
garantirá um dia se tornarem ou não clássicas e ou canônicas. Tomemos como exemplo dois
trechos, o primeiro do conto Missa do Galo, de Machado de Assis e o segundo uma
reivenção/recriação, Missa do Galo: Um Outro Enfoque, de Moacyr Scliar.
A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas. [...]. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa [...] (MACHADO, 2008, p. 21).
O rapaz era nosso hóspede. Eu estava casada com o escrivão Meneses, que desposara, em primeiras núpcias, uma das primas do jovem. [...]. Eu não ia ao teatro, nem o nosso hóspede; uma vez, porém, quando o Meneses
36
anunciou que iria assistir a uma comédia, pediu-lhe que o levasse consigo. Minha mãe fez uma careta, as escravas riram à socapa [...] (SCLIAR, 2008, p. 48).
No primeiro trecho, observa-se um narrador personagem que lembra e narra os
acontecimentos do passado; no segundo, o autor-criador através do pastiche, recurso utilizado
pela intertextualidade, traz uma versão diferenciada sobre o mesmo acontecimento, mas, com
um olhar de uma narradora personagem que narra os mesmos fatos, porém sob outro enfoque.
O autor torna-se um copista, mas com originalidade; seu talento individual reveste-se
do estilo de Machado e pasticha brilhantemente seu conto. Nesse instante, Moacyr Scliar
deixa o seu eu e busca o seu outro eu, no outro, reinventando o novo conto, com tamanha
beleza e valor estético que não é igual, melhor ou pior do que Missa do Galo, de Machado de
Assis, autor que nunca morrerá, pois seu nome perpetuará para sempre.
37
3 AUMENTAM OS PONTOS, OS CONTOS, OS GALOS E AS CARTOMANTES:leituras comparadas da reinvenção literária
Com quantos pontos se faz um conto? Resposta indefinida. A essência de um conto é
o que o completa. Mas a frase secular continua a inquietar as mentes humanas: “Quem conta
um conto aumenta um ponto”. A literatura se atém a esse aspecto na esperança de se manter a
originalidade literária cujos interesses recaem na arte.
O desafio de escrever outros contos a partir de contos machadianos resultou em
outras intrigantes narrativas cujos empreendimentos textuais encaminham o leitor aos
labirintos interpretativos. Haverá uma saída? Ora, muitos descaminhos conduziram a
pseudoanálises. Encontrar o veio narrativo dos contos canônicos que atraíram recriações tão
novas e originais que suas independências garantem vida própria a cada um mundo
imaginário da contemporaneidade deixou a leitura rápida mais atenta em busca de direção
interpretativa. Em sinal de respeito ao clássico, a leitura aponta cruzamentos literários ao
passo que descobre elementos novos para digerir a singularidade interpretativa.
Muitas missas são celebradas num mesmo natal em ponto distantes do mundo e uma
só finalidade, cada uma depende de seu celebrante, assim como as narrativas recriadas a partir
de Missa do Galo, de Machado de Assis. Este último, único no seu estilo, assim como cada
um dos outros – Lygia Fagundes Teles, Amador Ribeiro Neto, Moacyr Scliar e Nelson de
Oliveira. Todos estão no mercado literário, alguns mais conhecidos que outros, por questão de
crítica e/ou divulgação, mas com seu estilo impar de criar e permanente em suas obras.
Embora estivesse no ato recriador, não deixaram seus estilos de fora da sua arte.
Se imaginarmos situações fotográficas, a exemplo de uma festa de aniversário ou da
cerimônia de casamento, muitas fotos e posições esperadas, porém cada uma com seu recorte
seu personagens, sua própria cena aprisionada. De quantas cartomantes já se ouviu falar e
quantas são as mesmas? Deonísio da Silva, Glauco Mattoso e Ivana Arruda Leite exercitaram
a resposta intrigante dessa fotografia. A imagem aprisionada por Machado em seu conto se
recusa à imitação barata e através de um diálogo literário apareceram versões para a prática da
vidência das mais instigantes possíveis.
Machado, nos cem anos de sua morte, se pudesse, teria visto o quanto se tornara
imortal a sua obra. A revisitação de sua tradição na contemporaneidade rendeu-lhe mais e
mais dialéticas discursivas empreendidas em reler diretamente a sua criação ou recriar leituras
de sua obra. O exercício leitor se torna tão mais abrangente quanto a prática escritora no país,
haja vista a quantidade de autores e obras que se encontram desconhecidas pela falta de
38
oportunidade e de tempo para se ler tudo: previsão (ou vidência?) bem anterior a
contemporaneidade. Aparecem muitos galos e missas e outros contos a serem lidos e tecidos
diariamente.
3.1 Missa do Galo e outras missas
A revisitação aos textos literários enriquece a base leitora dos sujeitos e quando dos
processos intertextuais, a implantação interdiscursiva revela a dinâmica hermenêutica
enquanto ciência organizadora dos princípios, leis e métodos de interpretação, isto é, trata da
teoria da interpretação de sinais, símbolos de uma cultura e leis. As possibilidades
interpretativas fomentam os diálogos, alguns fissurados pelos desvios, outros cristalizados
pela essência dos conhecimentos.
A qualquer tempo, as escritas dialogam com pensamentos equidistantes ou mesmo
mais próximos dos instantes de criação consciente ou inconscientemente. A intertextualidade
de que estão revestidos os textos analisados concretiza o diálogo da pós-modernidade com a
tradição e põe em discussão a noção de autoria e originalidade.
O recurso da intertextualidade, que norteia esse estudo, apresenta-se como elemento
primordial a relação estabelecida entre o conto Missa do Galo, de Machado de Assis, e suas
releituras: Juca, de Amador Ribeiro Neto, Missa do Galo, de Lygia Fagundes Telles, Missa
do Galo: um outro enfoque, de Moacyr Scliar e Sonos Leves, de Nelson de Oliveira. Entre o
conto de Machado e os que a partir dele foram recriados existem fatores que os distanciam e
os aproximam.
A recriação é responsável por remeter à memória do leitor o conto machadiano e
revisitá-lo, sob um outro olhar, como salienta Carvalhal (1992) ao afirmar que a literatura
comparada tem como objetivo principal visitar diversas obras literárias a fim de fazer
acontecer as releituras dos clássicos tradicionais, muitas vezes, desconhecidos por muitos
leitores, o que não é o caso de Machado de Assis, um dos escritores mais conhecidos da
literatura brasileira. Sem esgotar as possibilidades de análise, podem-se notar algumas
diferenças na forma como cada escritor estruturou seu conto, haja vista o imaginário criador
que cria um mundo cheio de segredos próprios da arte literária, cujo interesse está,
inicialmente, segundo Bloom (2001), na função individual, numa relação de co-criação, ou
melhor, na abertura de um espaço intermediário entre o criador e a criatura, no processamento
interdiscursivo.
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Em Missa do Galo, de Machado, o narrador-personagem protagonista Nogueira
relembra um fato passado. O narrador inicia a história com a descrição dos hábitos cotidianos,
dos moradores e da casa onde vive como hóspede. O episódio narrado aconteceu na noite de
Natal, quando ele, ainda jovem de apenas dezessete anos, combinara de ir, com o vizinho, à
Missa do Galo. Enquanto esperava o horário da missa, resolvera ler Os três mosqueteiros6, de
Alexandre Dumas. D. Conceição (proprietária da casa, era uma mulher bondosa, assim como
descreve o narrador, embora, nesse caso, sob suspeita) sai de seu quarto e aparece na sala;
começa a traçar um diálogo com o jovem Nogueira (revelando-se como ingênuo, o narrador
diz não entender o que se passava) e desperta-lhe um interesse que lhe proporcionava uma
sensação agradável. Antes, ele que via nessa mulher, uma boa senhora, simpática e passiva, de
repente descobre-a sob um outro olhar: tornara-se bela e desperta-lhe paixões, desejos. Era
uma mulher capaz de seduzi-lo com seu olhar, suas palavras e seu andar de um lado para o
outro, uma visão de um narrador “inocente”, na flor da idade.
Tarde da noite, a casa toda dorme, com exceção do Sr. Meneses, esposo de D.
Conceição, que havia saído para um encontro amoroso (adultério aberto, já que era de
conhecimento de todos, mas tratado com o recurso do eufemismo); por estarem todos
dormindo, a boa senhora pediu que falasse baixinho, o que leva o leitor a concluir suas
intenções7 (como se a senhora precisasse esconder-se). O diálogo envolvera de tal forma o
jovem que o fez esquecer-se da missa, envolvimento esse que contagia também o leitor
induzido a acreditar que algo acontecerá entre os dois; mesmo sendo a esposa de Sr. Meneses
uma mulher discreta enquanto dialoga, ela encanta e seduz o jovem, mas, toda expectativa se
acaba quando batem à porta. Estava na hora da Missa do Galo. O narrador lembra enquanto
conta a sua história da irritação evidente no rosto da mulher.
Toma-se em análise para fazer relação com o conto Machadiano, a recriação de
Amador Ribeiro Neto, intitulado por Juca. Abre uma cena fotográfica que, num único fôlego,
dá lugar a duas personagens: Juca, jovem de apenas catorze anos e seu tio. Ocupando o lugar
do Sr. Nogueira, Juca, o narrador-personagem, é quem relembra e narra, vinte e nove anos
depois, a conversa incompreensiva que ocorreu com seu tio na noite de Natal. O tempo
histórico da narrativa é outro, portanto, novo contexto: época da Bossa Nova, do
6Ora, nesse momento, parece oportuno ao narrador mostrar-se um leitor romântico, sensível, portanto, influenciado pelo autor Alexandre Dumas, e suscetível a aventuras do coração. 7Obviamente, tais intenções se tornam mais claras quando do momento presente, anos posteriores ao fato ocorrido, e o narrador já perdera sua inocência.
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Tropicalismo, da cubra libre, dos hippies, do viver “sem lenço e sem documento8”, “[...] no
meio de um monte gente esquisita, [...], arrastando bolsas de pano a tiracolo, esvoaçando
vestidos indianos” (RIBEIRO NETO, 2008, p. 32). Outra diferença apresentada no conto é a
segunda personagem, que não se trata de uma mulher, mas de um homem que mora na cidade
grande e que recebe em sua casa o sobrinho que pretende fazer compras e ir ao Teatro. A peça
escolhida para assistir na noite de natal é nomeada Missa do Galo, a qual faz uma ponte
intertextual com o conto original de Machado; assim também como o personagem Juca que
espera o horário da peça, lendo também Os três Mosqueteiros, quando é surpreendido (como
o jovem Nogueira) pelo seu tio, que aparece na sala devagar, iniciando uma conversação
também, aparentemente, incompreendida, embora esse diálogo pleno de insinuações. A
conversa entre os personagens constitui o elemento que mais fortemente exprime a
intertextualidade entre os contos, de modo que, as descrições feitas, por Juca, do espaço e dos
gestos do seu tio durante o diálogo faz rememorar o olhar de Nogueira sobre as ações de
Conceição no conto de Machado de Assis, mas, a diferença está na ousadia das ações dos
personagens do conto recriado, pois, são mais sugestivas, tem um jogo muito grande de
sedução, são corpos, olhos e caras que se juntam, tudo é mais óbvio do que o conto original, é
o pós-moderno que nada tem a esconder.
Estamos cara a cara. Respiramos fundo. Os nossos olhos se encontram [...]. Seu nariz dilatando-se e contraindo deixa sair um aroma forte, másculo. Sua boca está ofegante. Ou será a minha? [...]. Nos abraçamos fortemente e sinto minhas coxas tremendo junto às suas. Um calor desce pelas minhas costas. Sinto vontade de apertá-lo mais contra meu corpo. Faço isso. Ele retribui (RIBEIRO NETO, 2008, p. 35).
Como dito, o conto de Ribeiro Neto se passa em outra época e marcas desse contexto
aparecem na narrativa, com linguagens, elementos culturais daquele período, concretizando a
tonicidade da escrita pós-moderna. Os gestos de carinho e atenção excessiva que o tio dedica
ao sobrinho provoca estranhamento em Juca e protestos em sua família, sugerindo o desejo de
uma relação homossexual.
Encontra-se, nesse aspecto da narrativa, a forte tendência moderna em desviar-se do
modelo temático da tradição e surpreender no instante em que, mesmo embebido do estilo de
um autor, consegue imprimir uma nova cena fotográfica. O conto fundamenta-se nas
8Verso da letra da música Alegria Alegria, de Caetano Veloso, marco do movimento Tropicalista (1967). Gravadora Phillips.
41
estruturas da paródia, pois, imita de forma criativa e irônica o conto machadiano. O autor
critica de forma sucinta como a sociedade moderna vê o Natal; deixa-se perder sua verdadeira
essência, porque a cultura de massa preocupa-se somente com o símbolo do Papai Noel que
está ligado ao consumismo, ou seja, à realidade atual. É o capitalismo que contamina e
domina a sociedade. Nesse aspecto, Ribeiro Neto, no conto, vai além da sugestão afetiva
quando do uso da ironia. A Missa do Galo, tradição secular, fora substituída pela peça de
teatro homônima e pela persuasão capitalista.
O conto Juca faz referência, mas não transcreve um texto preexistente, quando
dialoga com o texto de Machado de Assis. A postura do narrador apresentada entre os contos
Missa do Galo, de Machado, e Juca, de Ribeiro Neto, também é distinta. No primeiro,
Nogueira relata os fatos e descreve suas impressões, como a rememorar sozinho aquela noite,
enquanto Juca, narrador do conto de Ribeiro Neto, convoca o leitor a ouvi-lo em diversas
passagens do conto:“–[...] Mas pensa que eram só meus pais quem reclamavam? Engano seu.”
(RIBEIRO NETO, 2008, p. 31); [...] o nome da peça? Se ainda me lembro? Pois nunca
consegui esquecer, leitor” (p.32). Ao fazê-lo, atribui a seus relatos o caráter de diálogo e
cumplicidade com o leitor que o acompanha em suas confusas impressões acerca daquela
noite, fato que aproxima esse escritor ao estilo de Machado, já que é marca deste último
dialogar com o leitor.
Quanto ao desvio temático das relações estabelecidas entre os personagens, o conto
Sonos Leves,de Nelson de Oliveira, além de manter, com o conto machadiano, visível
intertextualidade, comunga com o conto Juca, no que se refere à relação homossexual entre os
personagens. Naquele, a casa, os hábitos, as personagens e a noite de natal são as mesmas do
conto machadiano, incluindo as circunstâncias que antecedem o diálogo. A diferença reside
no hóspede que não é mais o Nogueira, mas uma menina que contava os seus dezessete anos
naquela noite. Marcara com uma amiga para assistir à Missa do Galo que deveria ser distinta
na capital e a qual nunca havia presenciado. Na espera da hora certa para acordar a amiga,
também faz a leitura de Os três Mosqueteiros, quando aparece D. Conceição, que trava a
mesma conversa. Seria essa também incompreendida? Nesse trecho, o pastiche se encarrega
de passear pelo episódio como um demonstrativo de segurança que parte da personagem que
assume seus sentimentos conflituosos, ao contrário de Nogueira (conto machadiano) que
relata uma tênue inocência juvenil, distraída pela ousadia sutil de D. Conceição.
Como mulher santa e bondosa, D. Conceição ignorava os relacionamentos
extraconjugais do marido. Ela é descrita pela narradora com os mesmos olhos do Sr.Nogueira.
As descrições do ambiente, dos moradores da casa e dos hábitos da família são visivelmente
42
próximas àquelas realizadas pelo personagem/narrador de Missa do Galo, de Machado.
Porém, acrescenta-se a essa narrativa inserções de fatos e elementos da atualidade que
irrompem em algumas passagens do conto:
Não tínhamos tevê a cabo nem internet (OLIVEIRA, 2008, p. 58). [...] Levantei de supetão, como se meu celular tivesse vibrado. Mentira. Ele estava desligado (p. 62). [...] Conceição, e a mãe desta me acolheram bem quando meses antes vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, pra me preparar para o vestibular (p. 58).
As desconstruções do enredo que inicialmente parecem semelhantes às do conto de
Machado de Assis comprovam os tempos modernos e dialogam com a tradição. Na passagem
do conto machadiano, D. Conceição, ao sentar-se no canapé, deixa aparecer o bico de suas
chinelas, causando um discreto frenesi no jovem Nogueira: “[...] Voltei-me, e pude ver, a
furto, o bico das chinelas [...]” (MACHADO, 2008, p. 25). Enquanto no conto de Oliveira,
essa passagem nos é lembrada de outra forma, totalmente desprovida de pudores; tudo é
escancarado: “Voltei o corpo e pude ver a furto o bico do seio...” (OLIVEIRA, 2008, p. 62).
O narrador faz questão de suscitar malícia na narrativa, alimentando a imaginação do leitor
pós-moderno.
Outra marca pós-moderna é a confusão nos tempos, pois, à proporção que a
narradora diz estar em um natal de 1961, aparece em outros trechos, épocas variadas; é um
vai-e-vem, entre passado e presente, que se intercalam repentinamente durante a narrativa.
Os questionamentos repetitivos acerca do que é o amor e a sua busca para defini-lo
como parte do corpo, um objeto, um alimento, uma cor, um monstro criam interrogações no
leitor que, durante a leitura, passa por uma deglutição sinestésica à medida que a narradora
desencontra-se na busca pelas respostas e porquês de se sentir atraída, seduzida por uma
pessoa do mesmo sexo, é a inquietação do sujeito que não se aceita, não sabe o que quer nem
aonde vai. Um sujeito perdido em sua própria identidade, característica presente nas
passagens do pós-moderno.
O clímax da narrativa se dá após o aparente fim da conversa, pois antes de ir à missa,
a menina aproxima-se de D. Conceição e a beija. A irrupção desse desfecho, além das marcas
já apresentadas que distanciam esse conto do de Machado de Assis, demonstra que, apesar das
aparentes semelhanças entre os episódios, através da paródia, seu narrador transforma os
43
rumos da narrativa. Pastiche e paródia transitam o conto de Nelson de Oliveira não só como
“imitações textuais formais [...]. Ambos são empréstimos confessados” (HUTCHEON, 1985,
p. 56). Enquanto o pastiche é imitativo, uma continuidade estilística, a paródia é
transformadora. A paródia relaciona-se com o pastiche e, com ele, partilha uma restrição de
foco. A relação dialógica entre textos que retomam discursos anteriores de maneira crítica ou
não, ou seja, a intertextualidade confronta-se na recriação Sonos Leves que, além inscrever
uma continuidade à distância crítica aproxima-se estilisticamente.
O pastiche é como a paródia a imitação de um estilo singular ou exclusivo, a utilização de uma máscara estilística, uma fala em língua morta: mas a sua prática desse mimetismo é neutra, sem o impulso satírico, sem a graça, sem aquele sentimento ainda latente de que existe uma norma em comparação com a qual aquele que está sendo imitado é, sobretudo, cômico. O pastiche é a paródia lacunar, paródia que perdeu seu senso de humor (JAMESON, 1985, p. 18-19).
Há, pois, a criação como transformação, o pastiche acaba por trazer mais a
diferenciação entre o texto parodiado e o parodiador que as semelhanças, isto é, as alusões
apontadas acerca de Sonos Leves a Missa do galo, asseguram as duas pontes intertextuais.
O conto Missa do Galo: um outro enfoque, como já sugere o nome dado ao conto de
Moacyr Scliar reescreve o conto Machadiano sobre um outro foco narrativo: quem narra os
fatos é Dona Conceição. No entanto, as impressões que lhes acompanha daquela noite incerta,
são quase que por completo as mesmas do Sr. Nogueira no conto escrito por Machado.
Durante a narrativa, as atitudes, o modo como aceitava o adultério de Meneses, o jeito de agir
de Dona Conceição no conto de Scliar confirmam, em boa parte, as suposições que o narrador
machadiano constrói sobre a Senhora Menezes.
O processo de intertextualidade revela aspectos advindos do novo foco narrativo, que
preenche lacunas existentes no conto Machadiano: sob o olhar da Senhora Conceição o leitor
toma conhecimento das perturbações que afligiam seus pensamentos, dos seus desejos e dos
impulsos que fizeram-na ir à sala onde se encontrava seu hóspede. Os gestos ao acaso de
Dona Conceição descritos pelo narrador Machadiano ganham intencionalidade e
previsibilidade com a voz narrativa no conto de Scliar. Duas passagens do conto confirmam
esse fato: Deitada em meu quarto, eu não podia conciliar o sono. Não era só por causa da ausência de Meneses. Era outra coisa, uma estranha inquietude que não me deixava dormir. [...] E aí, num impulso, levantei-me. Vesti um roupão,
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calcei as chinelas de alcova e (“Mas o que está fazendo, mulher? Está louca?”) dirigi-me para a sala em que estava o rapaz, e depois de uma pequena hesitação (”Seja o que Deus quiser”) entrei (SCLIAR, 2008, p.49). [...} Pausas, às vezes. Por instantes, eu cerrava os olhos, o que, disso eu estava segura, dava-me uma aparência de mulher fatal. Mas, infelizmente, acho que ele pensava que eu estava com sono. Mas certamente estava fascinado por mim; eu já não era só a simpática dona de casa, eu era uma mulher linda, lindíssima, misteriosa (p.52).
As perturbações e incertezas geradas daquela noite foram as mesmas para ambos os
narradores de cada conto. No entanto, o conto de Scliar ganha outro brilho, é o talento
individual que cada escritor possui, a narradora-personagem deixa claro que aquele episódio
do passado mudara sua vida, pois no desfecho da narrativa quando interrogada pelo esposo,
ela demonstra toda a satisfação em se vinga da traição de Menezes, quando fantasia uma noite
de amor, com cenas explícitas de sexo com o jovem Nogueira, o que causa a dor e a morte de
Meneses.
A indagação teve sobre mim um efeito extraordinário. De repente, eu me dava conta de que o momento de vingança tinha chegado. E seria uma vingança insólita, original. Subitamente inspirada, contei-lhe uma história que nem Dumas nem Macedo teria inventado. Uma história de tórrida paixão entre uma mulher de trinta anos e um rapaz de dezessete, um episódio de sedução capaz de causar inveja a qualquer Cleópatra, a qualquer cortesã. Cenas de sexo mais que explícito, com os detalhes mais picantes que se pode imaginar. Meneses ouvia-me entre atônito e furioso. De repente levantou-se; ia dizer qualquer coisa, ou talvez ia bater-me. Não o conseguia. Com um grito espantoso caiu no chão: apoplexia. Em poucos dias estava morto (SCLIAR, 2008, p. 54).
Assim, o conto de Scliar utiliza do recurso intertextual do pastiche e recria o conto
Machadiano sob um novo foco narrativo que transforma o enredo mesmo mantendo-o
aparentemente próximo ao conto Missa do Galo.
Se no conto de Scliar o narrador personagem muda e nos possibilita ir de encontro a
pensamentos de Dona Conceição inexistentes no conto Machadiano, o conto Missa do Galo
de Lygia Fagundes Telles traz à tona um narrador onisciente e onipresente que conhece os
pensamentos de cada personagem e, ao mesmo tempo em que parece apenas observar os
fatos, assume o poder de interferir em suas ações. Guiado por esse narrador, o leitor é levado
de encontro à uma espécie de voz da consciência dos sujeitos envolvidos na trama. Assim, os
45
possíveis questionamentos que surgiriam na narrativa machadiana são expostos no conto de
Telles.
Por meio desse narrador, viajamos através dos pensamentos da Senhora Conceição,
de sua mãe, do Sr. Menezes, de sua amante, da madrinha de sua amante e das escravas, todos
acordados naquela noite de Natal. Esse mesmo narrador, que parece prever os rumos daquela
noite, indigna-se com o que nela não ocorreu, com o que nela não foi dito e, ao mesmo tempo,
assim como os personagens, confunde-se, contrapõe-se. Os detalhes daquela cada, dos gestos
e reflexões são intensamente revelados e surgem novos elementos que só aproximam ainda
mais o leitor da cena narrada e dos personagens.
Também como no conto Juca de Amador Ribeiro Neto, o narrador do conto de
Telles dialoga com o leitor que se torna cúmplice dos fatos descritos: “ela dirá que dormia,
acordou a pouco e então veio sem muita certeza de encontrá-lo. Mas sabemos que ainda nem
se deitou na larga cama [...]” (TELLES, 2008, p. 40). O espaço e o tempo são os mesmos do
conto Machadiano. Aqui, no entanto, a cena é acompanhada por alguém que deseja interferir
nos fatos e que, por presunção, conhece onde irão acabar. O fim da trama em que Dona
Conceição e o Sr. Nogueira não cedem ao desejo aparente que embriaga ambos naquela noite
indigna esse narrador.
[...] Sinto mais agudo o desejo de entrar na casa e abrir caixas, envelopes, portas! Queria ser exata e só encontro imprecisão, mas sei que tudo deve ser feito assim mesmo, dentro das regras embutidas no jogo. Há um certo perfume (jasmim-do-imperador?) que vem de algum quintal. Está no ar como estão outras coisas – quais? É noite. Objetos Não Identificáveis. Matérias Perecíveis – estava escrito na carroceria metálica do caminhão transporte que me ultrapassou na estrada, quando? Agora tem o céu apertado de estrelas com os escuros pelo meio – ocos que procuro preencher com minha verdade que já não sei se é verdadeira, há mais pessoas na casa. E fora dela. Cada qual com sua explicação para a noite inexplicável, Matéria Imperecível no Bojo do Tempo (TELLES, 2008, p.43).
Partindo do exposto, pode-se verificar que no conto de Machado de Assis, e em
todos os outros aqui expostos que o reescrevem e com ele mantém relações intertextuais
através do pastiche ou paródia, um elemento mantém-se inalterado: os conflitos existenciais
do ser humano. Típico da modernidade, intensificado pelas mudanças de novas épocas, o
questionamento acerca da vida e de fatos ultrapassam épocas e mesmo em estilos e narrativas
diferentes, permanecem como tema da arte literária.
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3.2 A cartomante e outras fotografias
A tradição sempre será revisitada, em qualquer época. Os escritores contemporâneos,
assim também como os apaixonados pela leitura, recorrem a textos antigos a fim de
enriquecer seus estudos e trazer-lhes, um pouco do que foi escrito outrora sob a ótica dos
jogos intertextuais.
A interdiscursividade promove releituras ativas quando dos processamentos leitores e
são as possibilidades dialógicas e intertextuais existentes, ininterruptamente, que estabelecem
a percepção d’A terceira margem do rio9” entreposta nas demais como recurso de ativação
criadora. O conto A Cartomante, de Machado de Assis, o narrador inicia a história com uma
alusão a obra de Shakespeare: “Hamlet observa Horácio que há mais coisas no céu e na terra
do que sonha a nossa filosofia” (MACHADO, 2008, p. 69).
O narrador no diálogo com a obra Hamlet insinua ao leitor uma perspicácia possível
de levantar suspeitas. A atenta leitura à circularidade do texto viabiliza a razão do uso alusivo:
o próprio enredo do conto retrata um triângulo amoroso entre Camilo, Vilela e sua esposa
Rita, que ao sentir-se insegura com o romance secreto que tem com Camilo, procura uma
cartomante para certificar-se de que o amante estava mesmo apaixonado por ela. Daí, Rita faz
uma leitura inconscientemente de Hamlet, pois acredita no que é sobrenatural, acredita
fielmente no que foi dito na consulta pela cartomante; empolgada conta o fato a Camilo.
Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: “A senhora gosta de uma pessoa [...]. [...] Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar disse-lhe que havia muita coisa misteriosa e verdadeira neste mundo (MACHADO, 2008, p. 69-70).
O conto revisitado de Machado serve de base para a recriação de Os sinais do
sobrenatural, de Deonísio da Silva; O Podomante, de Glauco Mattoso e O Goiabão,de Ivana
Arruda Leite. Nesses contos existem relações intertextuais que ultrapassam as distinções de
elementos como personagens e espaço existentes entre eles.
9 Esta alusão ao conto rosianoA terceira margem do rio permite a reflexão de que, durante a leitura, cada leitor mergulha numa terceira margem do texto e busca na interdiscursividade a relação entre suas leituras prévias e a nova, constrói-se, de alguma forma, o novo. A nova leitura pode gerar uma nova narrativa fruto do mecanismo criador que impulsiona o imaginário aos segredos e mistérios da arte de escrever.
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Os contos mantêm inalterados dois elementos presentes no enredo do conto
Machadiano: as relações amorosas extraconjugais (o adultério, tema muito discutido nas obras
machadianas) e o exercício da vidência. A presença intertextual no que se refere à morte, nas
recriações dos contistas Silva (Os sinais do sobrenatural) e Mattoso (O podomante).
O narrador onisciente do conto machadiano narra um triângulo amoroso que se
formou a partir de uma grande amizade entre Camilo (rapaz solteiro e inconsequente) e
Vilela, esposo de Rita (olhos cálidos, astuta e desinibida). Com a morte da mãe de Camilo, os
três se aproximaram ainda mais, e a maliciosa Rita aproveita o momento de sofrimento do
amigo e investe no romance: “Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria
melhor” (MACHADO, 2008, p. 71). Ela, corajosa, não apresenta receios quanto à avaliação
social que aponta e condena mulheres adúlteras. Como uma serpente10, ela consegue “dá o
bote” no coração de Camilo que tenta fugir de seu veneno, mas não consegue.
No conto Os sinais do sobrenatural, de Deonisio da Silva, o narrador-personagem se
colocando em primeira pessoa (é claro!), também faz uma leitura de Hamlet, ao contar o
aparecimento do sobrenatural em sua vida por diversas vezes.
Sou um pós-materialista e acredito em tudo o que não pode ser demonstrado. Em minha vida foram tantas as vezes que o sobrenatural se manifestou, que sou obrigado a aceitar sua indispensável presença, sabendo que ele vem, não apenas do outro mundo, mas de outros mundos (2008, p.80).
Em sua juventude, quando foi construído um cemitério perto de sua casa, seus irmãos
brincavam, dizendo quem iria inaugurá-lo, arriscando até palpites. Esse fato gerou muita dor,
pois resultou no óbito de seus dois irmãos; acreditara o narrador ter sido ironia do destino o
motivo de ter perdido seus consanguíneos. De tanto rirem da morte, foram os primeiros a
inaugurar o local: “Mas por que eu? Talvez porque a morte não goste de que dela se ria”
(SILVA, 2008, p.80). O escritor, utilizando o seu talento individual, usa a personalização da
morte como alegoria para representar o ocorrido, porque a morte não tem o poder de querer
ou não, que alguém ria dela, por se tratar de um ser inanimável. Ao contar sua história, o
narrador traz à tona o sobrenatural na vida de seu melhor amigo e narra esse episódio que se
assemelha em alguns elementos com A Cartomante.
Embora não narre um triângulo amoroso, a história inclui o adultério. O amigo do
narrador chama-se Euclides; sua namorada, Iracema, e muita confusão em torno desses
10 Cf. citação no capítulo 2 (p. 29) dessa monografia.
48
personagens. Euclides amava outra, sua namorada amava outro, mas os dois também se
amavam11; o narrador nesse momento se apossa do estilo de Machado e diz: “Até aqui são
quatro, o leitor que vá contando” (SILVA, 2008, p. 81).
Euclides era casado com Sofia que sabia da existência da sua namorada Iracema, que
sabia também da existência de Sofia. O romance entre Euclides e Iracema era uma confusão
só, pois utilizavam do faz-de-conta na hora do amor. Ele fingia que era Marcello Mastroiani e
ela, que seu namorado era Jean-Louis Trintgnant e ela que era Catherine Deneuve.
O escritor contemporâneo utiliza-se de uma linguagem obscena (marca da literatura
pós-moderna) não se prendendo a normas, regras ou leis de escrita, “Euclides achava fria a
atriz francesa e, quando comia a namorada, imaginava que ele, Marcello Mastroiani, fazia
amor com Brigitti Bardot” (SILVA, 2008, p. 81). Uma diferença do conto Machadiano de
linguagem culta, fina e rebuscada.
Em Os Sinais do Sobrenatural, percebe-se a presença da paródia, pois de forma
criativa e descontraída, a narrativa utiliza-se do humor, de sarcasmo e deforma o conto
machadiano.
[...] Carlão determinou que se despisse e não resistiu à beleza da consulente. Médico de almas e paciente entraram em êxtase mútuo e transaram sobre o tapete da salinha, à sombra de figuras de candomblé, de umbanda e de imagem de Santa Bárbara e de Nossa Senhora Aparecida, que para quem não sabe não é brasileira, [...]. Ela ficou preta de tanta fumaça que recebeu per saeculasaeculorumem diversas igrejas medievais até chegar, roubada também, aquele cantão europeu. Não quero difamar mais, embora um assunto puxe outro (SILVA, 2008, p. 82).
Nesse conto quem vai à procura de ajuda do sobrenatural é Sofia, (diálogo com a
personagem Rita de A Cartomante) quem se consulta com Carlão, jogador de búzios que,
“num piscar de olhos” se torna amante da cliente. Sofia engravida de Carlão e passa também a
realizar consultas, torna-se uma cartomante (não lê mãos, mas os olhos dos clientes),
prevendo o futuro. O narrador deixa em suspeita a veracidade acerca das previsões realizadas
pelos personagens Sofia e Carlão de fato as faz ou finge fazê-las. Nesse jogo de
vulnerabilidade da voz que narra, emerge um estilo pós-moderno: o narrador não é confiável
ao ponto de indicarmos uma relação por completo de intertextualidade com o conto de
11 Não seria mera coincidência, o jogo intertextual com Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, embora seja com um casal que o texto circulariza os jogos de amor dos personagens com imagens sonhadas de seus possíveis amantes.
49
Machado. No exercício da profissão que assume após unir-se com Carlão, Sofia segue os
ditames do ofício: sempre prevê para seus clientes finais felizes, [...] “antecipando apenas os
melhores momentos [...], mas procedendo ao contrário do que fazem os jornalistas, que
sempre preferem o pior” (SILVA, 2008, p. 82). Dessa forma, Sofia que se tornara cartomante
edita o jornal da vida de seus clientes, fazendo-os acreditar no que vão buscar (um final feliz)
ao consultar um mediador, como define as palavras do narrador “pois a verdade é aquilo em
que acreditamos” (Idem, p. 83).
O narrador de Os Sinais do Sobrenatural confessa-se pós-materialista por
experiência de causa: carregou um homem já morto na garupa do seu cavalo. Por seu olhar,
cruzam-se fatos, ambos relacionados pela presença da morte: a morte de seus irmãos e a
morte de dois bandidos que se instalam na casa de Carlão e Sofia, fugindo da polícia,
aproveitam e fazem uma consulta para saber se vão conseguir ter um final feliz, mas são
mortos pelo casal (inaugurando um cemitério, recém-construído, de indigentes) que têm
poderes sobrenaturais. A coincidência de mortes e premonições aproxima a história da
experiência de vida com o sobrenatural do narrador e a história de seu melhor amigo, que
acaba sozinho sem a namorada Iracema e sem a sua esposa Sofia, assim como Vilela de A
Cartomante. O diálogo entre a obra de Silva e Machado se dá no que se refere à traição, a
morte e a presença do sobrenatural.
A intertextualidade no conto de Glauco Mattoso, O Podomante, ocorre por se tratar
de um triângulo amoroso entre os personagens Danilo, seu amigo Vladimir e sua esposa Rute
(os nomes dos personagens nos remete aos personagens de A Cartomante, método utilizado
na arte literária) que vivem momentos de muita aproximação e ternura durante a doença de
Danilo (diálogo com o fato de a morte da mãe de Camilo, de A Cartomante). O diálogo entre
os textos se faz presente em diversos trechos. Mattoso transcreve para seu texto citações quase
na integra do texto de Machado de Assis:
Camilo e Vilela olharam-se com ternura. [...]. Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. [...]. [...] era a sua enfermeira moral, [...]” (MACHADO, 2008, p. 71).
Vladimir e ele olhavam-se com ternura [...]. Aproximaram-se os três; convivência trouxe intimidade. Era a sua enfermeira moral, [...] (MATTOSO, 2008, p. 86-7).
Como precisava ser tratado da enfermidade crônica que lhe cegara a visão e já
desacreditado da ciência, é induzido por Rute a procurar um místico, que faz leitura dos pés –
50
astrorreflexólogo. Mattoso pasticha do conto Machadiano. Camilo, personagem de A
Cartomante, também é um descrente de tudo, mas no momento do desespero, busca solução;
procura uma cartomante que lhe devolve o sossego, o faz acreditar que tudo vai dá certo.
Há mais coisas no céu e na terra do que sonha a filosofia...”. Que perdia ele, se...? [...] Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro [...]. – Vá disse ela; [...]. (MACHADO, 2008, p. 74-5).
Da mesma forma, o narrador de o Podomante descreve Danilo que, precisado de
cura, recupera a esperança por meio do reflexologista.
[...] Uma visita avulsa ao tal astro-reflexólogo não iria fazer diferença, mas podia fazer alguma diferença. Na dúvida, foi. [...] “Vá sossegado. Não se desespere, porque tudo tem remédio (MATTOSO, 2008, p. 87-8).
Danilo realiza uma cirurgia que ao invés de restituir-lhe a visão, como previu o
reflexólogo, cega-o por completo. Assim como no conto machadiano, Rita revigora a
confiança de Camilo nos momentos de temor, incentivando-o a ativar a fé em crenças
adormecidas, assim também o fez Rute com Danilo, no conto de Mattoso, estimula-o a crer na
cura prevista pelo reflexólogo: “Rute falou com entusiasmo tão triunfal que Danilo chegou a
rir dos seus receios e deixou de lado as últimas hesitações, revigorado por aquela fé nova e
vivaz” (MATTOSO, 2008 , p. 89). Assim, a mulher, mostra-se, como elemento influenciador
tanto em A Cartomante quanto em O Podomante. A divergência entre os dois contos está no
envolvimento amoroso, que ora leva o leitor a acreditar que Danilo e Vladimir são
homossexuais, ora que é Rute a amante de Danilo, ora, ainda, que se trata realmente de um
triângulo amoroso, ou seja, Danilo tem um envolvimento amoroso ao mesmo tempo com Rute
e Vladimir.
[...] apertou a mão de Vladimir e puxou-o para perto. Testa contra testa, cochichou ao amigo que, acontecesse o que havia de acontecer, Rute continuaria sem saber de nada entre os dois (p. 88).
– Hem, Danilo, é bem mais fácil trabalhar no pé de Rutinha, né? [...] Isso está me indicando que você manda no coração do Vlado... – E no seu, Dani, qual de nós dois manda mais? ( p. 91).
51
Essa forma criativa e divertida com que Mattoso pastichou o conto de Machado faz
com que a literatura contemporânea ganhe força e ocupe espaço no campo literário. A paródia
também se faz presente, uma vez que, em A cartomante, o definido triângulo amoroso se dá
com tamanho humor sutil que se torna humilhante ao leitor chegar ás últimas linhas da
narrativa para levar um choque com o comportamento inesperado de Vilela quem não deixara
pista para seus atos, uma linhado narrativa psicológica; enquanto em O podomante, a
indefinição das peças do triângulo ou mesmo ele existe de fato é que desequilibra o leitor que
não só encontra uma cartomante quanto um podomante e que criará aspectos de humor
critico:
A paródia distingue-se do pastiche de um modelo preexistente por pressupor a ridicularização ou anedotização desse modelo, ao passo que o pastiche apenas se conforma com o decalque, sem qualquer intenção de interferir moral ou socialmente com o objecto decalcado (CEIA, 2012).
O Goiabão, conto de Ivana Arruda Leite também reescreve A Cartomante, conto
machadiano, porém com rupturas mais intensas de estilo. O narrador se coloca em primeira
pessoa e dá inicio ao conto. Revela que em sua história não haverá mortos nem feridos, assim
também como em O Podomante, de Mattoso, fato que difere do conto A Cartomante, de
Machado.
O conto em análise traz as marcas da literatura pós-moderna, pois logo de início
critica o capitalismo que invade a vida das pessoas de tal forma que consegue destruir o que
de mais belo existe entre duas pessoas, o amor. É o que acontece com o casamento de fachada
do narrador-personagem, Goiabão, como é chamado por sua mulher, Laila, pessoa fútil, que
leva a vida somente para sustentar seu luxo, suas vaidades e se esquece de ser feliz. Ele que
não sente mais nada por Laila, é um homem de baixa estima, não se preocupa em ser
tripudiado por sua mulher, que o considera desprezível, só pelo fato de não ser um grande
empresário e trabalhar em casa atendendo suas clientes:
Eu e Laila somos um casal entediado. Ela, a mulher de negócios, proativa, batalhadora; eu, o caça-dotes, um bunda mole, o goiabão. São muitas as máscaras que escondem nossa cara de pau. [...] A infeliz trabalha de sol a sol, para comprar esses balangandãs (LEITE, 2007, p. 94).
52
O Goiabão pratica a arte da cartomancia, ocupa seu tempo a aconselhar mulheres
desorientadas que necessitam tomar decisões em suas vidas.
Nos contos O Goiabão, de Leite e A Cartomante, de Machado, há uma relação nos
perfis dos personagens, a exemplo de Vilela – A Cartomante (advogado bem sucedido –
marido traído) e Laila – O Goiabão (empresária bem sucedida – mulher traída) -,ambos não
prestavam atenção em seus cônjuges; Camilo (não acreditava em nada até precisar de uma
cartomante) e Goiabão (marido de Laila, desapegado de bens materiais – descrente a qualquer
tipo de adivinhação, até se tornar um cartomante), pois pelo fato de ter se tornado um
cartomante, o adultério faz ponte intertextual com o conto machadiano e é o ponto que
desencadeia a narrativa.
Espaço e tempo não são os mesmos que no conto A Cartomante, mas os temas que
envolvem amores, e previsões do futuro fazem-se presentes.
[...] Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, [...] – Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto... (MACHADO, 2008, p. 72-5). As pobres hortênsias ainda molhadas pelo sereno da noite foram impiedosamente esmagadas por dois corpos irremediavelmente apaixonados. É fácil prever o futuro de gente assim (LEITE, 2008, p. 96-7).
Nos trechos acima, é possível observar semelhanças narrativas, marcadas pelo
pastiche, haja vista a intenção de trazer correspondências semânticas sem, entretanto,
atravessar os enredos. Cada conto fotografa uma cena sem, no entanto, quebrar a atmosfera
intertextual dialógica cuja função literária é a representatividade do real, não de cópia, nem
imitações superficializadas e camufladoras de originalidade. A fotografia do século XIX
encena uma imagem atemporal transportadora para reflexões dos leitores do novo milênio
cuja sociedade ainda viabiliza oportunas fotografias de imagens semelhantes, capazes de
anunciar o comportamento humano bem similar entre passado e presente, quiçá, futuro.
A revisitação aos contos machadianos anuncia a revitalização destas leituras à
proporção que trazem o novo possível sem, contudo, fazer cópias, mas através o espaço entre
o texto e o autor. Muitas outras cenas ainda repercutem senão entrecruzam as narrativam, contudo o
intuito da pesquisa se delimita em mapear os jogos dialógicos nessas escritas de arte literária.
53
3.3 Machado e sua tradição revisitada na contemporaneidade
Discussões sobre cânone literário levantam polêmicas e dialéticas das mais atritosas
possíveis. Uma das mais comentadas surge quando da publicação de O cânone Ocidental, de
Harold Bloom. Ler Shakespeare como O CÂNONE e nenhum posterior a ele abriu debates
dos mais acirrados.
A perspectiva do crítico sobre originalidade e a leitura como ato particular
desequilibrou senão fez outros críticos responderem de modo tão radical quanto o próprio
Bloom, a exemplo de Roberto Reis, mas ainda outros tentaram conciliar. Em meio a estas
discussões, nos EUA, o crítico americano, lança Genius e nele elenca cem mentes criativas,
dentre eles Joaquim Maria Machado de Assis, com Memórias Póstumas de Brás Cubas: “[...]
como um gênio que nega todo o phatos, enquanto gentilmente subverte todos os supostos
valores morais, princípios. [...] O exquisito niilismo do livro manifesta uma soberba
originalidade” (BLOOM, 2003, p. 680). Seria o narrador onisciente o ponto de partida para o
crítico: Assim ainda faltariam muitos outros inclusive brasileiros. A excelência do estilo de
Machado não é novidade. Sílvio Romero (1992 apud NEJAR, 2011, p. 137) já postulava:
[...] é alguma coisa que não vem de fonte copiosa e precipite, porém que escorre docemente como um veio pouco abundante, posto que límpido e suave. É tal que em essência é o espírito do romancista. Pouco vasto, possui em alto grau a facilidade da reflexão.
A literatura brasileira teve altos e baixos em relação aos trabalhos apresentados e as
preferências críticas. Machado tornou-se o marco literário. Revolucionou as artes literárias no
Brasil. Por mais hilário que pareça, o próprio Machado de Assis enquanto crítico dizia da
necessidade de um crítico ideal; a realidade crítica poderia ser estéril, abater por simples
capricho, mas a arte precisa de sinceridade, solicitude e justiça – aspectos possíveis apenas
nas boas condições e virtudes do exercício de julgamento de valor.
Ao se ler uma obra, busca-se pela originalidade captada na essência inenarrável de
seu íntimo quando da aplicação das leis poéticas e da convergência entre imaginário e
realidade. A consciência do material da obra pronta se dá pela sua independência, embora se
reconheçam os diálogos intertextuais nessa construção literária.
O reconhecimento pela obra machadiana impera no cânone brasileiro, senão
ocidental. No conto O empréstimo, de Papéis Avulsos (1882), Machado deixa uma frase:
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“Está morto. Podemos elogiá-lo à vontade”. A criticidade dessa citação lembra sua postura
enquanto crítico. Deve haver imparcialidade. Ele reforça em seu ensaio crítico sua discussão
com uma frase de Cícero: “É levantando as estátuas do teu inimigo que tu consolidas as
próprias estátuas”. A genialidade machadiana supera as colocações Bloomidianas.
Nessa proposta de estudo, a ousadia perpassou pelo contato com obras que reliam
Machado de Assis. Ler os contos contemporâneos que revisitam a contística machadiana tinha
a perspectiva de dois desafios: o primeiro, reconhecer os outros contistas pela excelência de
seus escritos sem fazer comparações; o segundo, buscar elementos narrativos, sob a ótica
intertextual e suas interfaces como processo de ressignificação na reescrita nas bases literário-
dialogais.
Os textos machadianos suscitam muitas e múltiplas leituras permitidas por este
escritor de olhar perscrutador, sobre os comportamentos humanos. A justeza das sentenças,
como encaminhadas ao juízo, eleva a sistematização narrativa, como um desmistificador dos
gêneros literários. Humor doido, pessimismo, sarcasmo, ironia adicionados ao pudor e à
timidez totalizou a “volúpia de dissecar as coisas e o jeito moderno” (NEJAR, 2011, p. 152)
de tratar as temáticas.
A cartomante e Missa do Galo são os contos revisitados pelos contemporâneos:
Deonísio da Silva12, Glauco Mattoso13, Ivana Arruda Leite14, Amador Ribeiro Neto15, Lygia
12Deonísio da Silva nasceu em Siderópolis (SC), em 1948; é escritor e professor universitário brasileiro. Mora no Rio de Janeiro e trabalha na Universidade Estácio de Sá, onde é pró-reitor de Cultura e Extensão e Coordenador de aulas teletransmitidas e online de Língua Portuguesa. Sempre conciliou sua vida de escritor com a docência universitária e com uma ativa colaboração na imprensa. É doutor em Letras pela USP, com uma tese sobre os livros proibidos no Brasil no período pós-64 e membro da Academia Brasileira de Filologia, onde sucede a Leodegário Amarante de Azevedo Filho na cadeira número 33. Dentre os romances publicados: A mulher silenciosa (1981); A cidade dos padres (1986); Orelhas de aluguel (1988); Teresa (1997), premiado pela Biblioteca Nacional; "Goethe e Barrabás" (2008). Como contista, genero com o qual estrou como escritor, tem textos publicados em coletânias: Exposição de motivos (1976), transposto para a televisão por Antunes Filho; Livrai-me das tentações (1984); O assassinato do presidente (1994); A primeira coisa que eu botei na boca (pocket book - 2002). Também escreveu para o público infanto-juvenil: "Os Segredos do Baú", e diversos livros de ensaios literários, entre os quais sua dissertação de mestrado e tese de doutorado, ambas transformadas em livros. Por mais de vinte anos, foi professor de língua portuguesa e de suas literaturas (africanas, brasileira e portuguesa) na Universidade Federal de São Carlos, Por sua iniciativa, foi criada a disciplina de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, em 1981, com a publicação de coletânea de poesias e narrativas curtas do continente africano. 13Glauco Mattoso, pseudônimo de Pedro José Ferreira da Silva (paulistano de 1951), é poeta, ficcionista, cronista e colunista em diversas mídias. Foi portador de glaucoma nome que faz trocadilho com "glaucomatoso", cego desde 1995; abandonou a criação gráfica, dedicando-se à letra de música e à produção fonográfica, porém com a chegada da internet e computação sonora, voltou nos anos 2000 a produzir poesia escrita e textos virtuais. Continuou pelos temas polêmicos, transgressores ou politicamente incorretos – poeta maldito -, influenciado por Gregório de Mattos, de quem herda a critica de costumes e a sátira política. Cursou biblioteconomia e Letras Vernáculas. Nos anos 70, participou dos chamados poetas marginais. Dentre sua produção, destacam-se: "Maus modos do verbo" (poesia) 1976; "Jornal Dobrabil: 1977/1981" (poesia e prosa) 1981, reeditado em 2001; "O que é poesia marginal" (ensaio) 1981; "Memorias de um pueteiro" (poesia) 1982; "O que é tortura" (ensaio) 1984, reeditado em 1986; "O calvario dos carecas: historia do trote estudantil" (ensaio) 1985; "Manual do podolatra amador" (romance) 1986, reeditado em 2006; "A estrada do rockeiro" (ensaio) 1988; "As aventuras de
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Fagundes Telles16, Moacyr Scliar17 e Nelson de Oliveira18. Um a um mostram suas
características; todas convergem para a proposta da poética pós-modernista, isto é, anda pelos
Glaucomix, o podolatra" (quadrinhos) 1990; "Centopéa: sonetos nojentos & quejandos" (poesia) 1999; "Melopéa: sonetos musicados" (disco) 2001;"Poetica na politica: cem sonetos pamphletarios" (poesia) 2004; "Peleja virtual de Glauco Mattoso com Moreira de Acopiara" (poesia) 2007."Faca cega e outras pelejas sujas" (poesia) 2007; "A aranha punk" (poesia) 2007; "O poeta da crueldade" (poesia) 2011; "O poeta pornosiano" (poesia) 2011; "Tripé do tripudio e outros contos hediondos" (ficção) 2011. 14Ivana Arruda Leite (Araçatuba, 1951), mestre em sociologia (USP), é autora de diversas obras, dentre elas, contos e romances, enfocados no universo feminino e juvenil. Seu primeiro livro: "Histórias da Mulher do Fim do Século" (1997). Em 2003, a autora começa a explorar a juventude com o livro “Confidencial - anotações secretas de uma adolescente”. Escreve também para revistas: Ácaro, Coyote e PS.SP. Participou de diversas antologias como “Putas – o melhor do conto brasileiro e português”; “Geração 90: os transgressores”; “Ficções fraternas”, entre outros. Em 2006, seu livro Ao homem que não me quis foi indicado ao prêmio Jabuti. 15Amador Ribeiro Neto, paulista de Caconde (1953), é poeta, crítico e pesquisador. Escreveu uma dissertação (USP) e uma tese de doutorado (PUC/SP) sobre a criação literomusical de Caetano Veloso, e recebeu os títulos de mestre em Teoria Literária e doutor em Semiótica. Vive em João Pessoa e leciona na UFPB. É autor da chamada poesia de invenção, e neobarroca. Com estilo aproximado ao barroco mostra-se pela invenção, pelo experimentalismo, pelo hibridismo... “Certamente que a sua imersão no mundo nordestino, no eixo João Pessoa – Recife deve ter marcado profundamente sua formação estética e poética, em seu proveito. Seus poemas fazem tanto referência aos irmãos Campos quanto ao João Cabral de Melo Neto, vai do coloquial ao armorial, que tem muito a ver... Nosso querido Glauco Mattoso dá a clave: ‘Amador desconstrói nos sugere que a poeticidade ainda pode ser encontrada nas menores partículas (...)’”(MIRANDA, 2009). 16Lygia Fagundes Telles nasceu em São Paulo. Viveu pelas cidades do interior do estado, acompanhando seus pais. Formou-se em direito e Educação física, quando a família retornou à capital. Separada do jurista e ensaísta Goffredo Telles Júnior, casou-se com o crítico de cinema e fundador da Cinemateca Brasileira, Paulo Emílio Salles Gomes com quem tem o filho Goffredo Telles Neto, também cineasta. Contista e romancista, começou muito cedo, e por isso considerou seus primeiros livros "muito imaturos e precipitados". Ciranda de Pedra (1954) seria o marco da sua maturidade intelectual. Mulherativa socialmente e testemunha de seu tempo, vê sua obra engajada, comprometida com a condição humana nas suas desigualdades sociais. Recebeu prêmios literários, dentre os diversos: o do Instituto Nacional do Livro, 1958; o Guimarães Rosa, 1972; o Coelho Neto, da Academia Brasileira de Letras, 1973; o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, 1980; e o Pedro Nava, de melhor livro do ano, 1989. A coletânea de contos A Noite Escura e mais Eu recebeu três importantes prêmios literários: melhor livro de contos, da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro; Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, São Paulo; e Aplub de Literatura, Porto Alegre. Participa de feiras de livros e congressos realizados não só no Brasil, mas também em Portugal, Alemanha, Espanha, França, Itália, República Tcheca, Suécia, Canadá, Estados Unidos e México, países nos quais foram publicados seus contos e romances. Condecorações: Ordem do Rio Branco (Brasil), Infante Dom Henrique (Portugal), Ordre dês Artset dês Lettres-Chevalier (França) e Orden Al Mérito Docente y Cultural Gabriela Mistral – Gran Oficial (Chile). A escritora pertence à Academia Paulista de Letras e à Academia Brasileira de Letras. É membro do Pen Club do Brasil. Algumas obras: os romances - Ciranda de Pedra (1954); Verão no Aquário (1963); As Meninas (1973); As Horas Nuas (1989) -; os contos - Antes do Baile Verde (1972); Seminário dos Ratos (1977); Venha Ver o Pôr-do-sol (1987); Oito Contos de Amor (1997); Invenção e Memória (2000). 17Moacyr Jaime Scliar (23/03/1937), gaúcho de Porto Alegre (RS), nasceu no Bom Fim, bairro que até hoje reúne a comunidade judaica. Cursou, a partir de 1943, a Escola de Educação e Cultura, conhecida como Colégio Iídiche. Em 1948, transferiu-se para o Colégio Rosário, escola católica. Na década de 50, passou a cursar medicina (UFRS) e se formou em 1962. No ano seguinte, faz residência em clínica médica. Trabalhou junto ao Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU). Publica seu primeiro livro, “Histórias de um Médico em Formação”, em 1962, desde quando não mais parou. São mais de 67 livros abrangendo o romance, a crônica, o conto, a literatura infantil, o ensaio, pelos quais recebeu inúmeros prêmios literários. Sua obra é marcada pelo flerte com o imaginário fantástico e pela investigação da tradição judaico-cristã. Algumas delas foram publicadas na Inglaterra, Rússia, República Tcheca, Eslováquia, Suécia, Noruega, França, Alemanha, Israel, Estados Unidos, Holanda e Espanha e em Portugal, entre outros países. Em 1965, casa-se com Judith VivienOliven. Em 1968, publica o livro de contos "O Carnaval dos Animais", que o autor considera de fato sua primeira obra. Em 1970, frequenta curso de pós-graduação em medicina em Israel. Posteriormente, torna-se doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública. Seu filho, Roberto, nasce em 1979. A convite, torna-se professor visitante na Brown University (DepartamentofPortugueseandBrazilianStudies), em 1993, e na Universidade do Texas, em Austin. Colabora com a mídia impressa (Folha de São Paulo e Zero
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liames paradoxais de um universo representado por linha caótica, porém, reflexivas o
suficiente para montar o proposital desequilíbrio no leitor.
Deonísio da Silva não é um estreante, como professor universitário, escreveu ensaios
sobre a censura (anos 60) e, embora realize crítica política não recai no planfetarismo ou nos
romances ensaísticos. Sua escrita de humor negro mantem a autonomia de sua obra.
O domínio das técnicas narrativas, o trabalho equilibrado com a tradição e a invenção e a linguagem sólida são algumas de suas qualidades literárias", disse o Nobel José Saramago ao premiar, em 1992, o romance ‘Avante, Soldados: para trás’, uma visão cáustica das realidades sociais da guerra do Paraguai, como vencedor do Prêmio Internacional Casa de las Américas. Com uma obra que busca aliar a história nacional à ficção, refletindo as características do ser brasileiro19.
Em Os sinais do sobrenatural, Deonísio da Silva expõe todo seu extrato da palavra
ressignificada. Surpreendente com os jogos intertextuais e impõe vozes que habitam o
sobrenatural como a efetivar seu drama de modo hilário e irônico. Uma revelia à tradição
narrativa com um domínio singular de escrita do conto.
O podomante, de Glauco Mattoso. reverencia seu autor. Com uma narrativa híbrida
aproxima-se do erotismo. Seu extrovertido discurso leva à reflexão quando da resposta a uma
questão à revista Discutindo Literatura: “O que fazer para convencer os jovens a lerem
poesia? GM: Simples. Basta dizer que é melhor que a droga, que o álcool, que o fumo, que o
Hora). Alguns de seus textos foram adaptados para o cinema, teatro e tevê. Nos anos de 1993 e 1997, vai aos EUA como professor visitante no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown University. Em 31 de julho de 2003 foi eleito, por 35 dos 36 acadêmicos com direito a voto, para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira nº 31. O escritor falece a 27/02/2011, em Porto Alegre (RS), vítima de falência múltipla de órgãos. 18Nelson de Oliveira nesceu em Guaíra, em 1966 (SP). Doutor em Letras pela USP, publicou, dentre outros títulos, Naquela época tínhamos um gato (1998), Treze (1999), Subsolo infinito (2000), O filho do crucificado (2001) e A maldição do macho (2002). Organizou duas antologias de contos da geração 90: Manuscritos de computador (2001) e Os transgressores (2003). Seus contos e críticas encontram-se, muitos, publicados nas revistas Cult e Livro Aberto (SP), Medusa (PR) e Bravo, e nos jornais Correio Braziliense, O Globo e Suplemento Literário de Minas Gerais, Rascunho (jornal literário) e Folha de S.Paulo. Recebeu diversos prêmios: Casa de las Americas (1995 e 2011), Fundação Cultural do Estado da Bahia (1996), Melhor Livro de Contos: O filho do Crucificado, Associação Paulista dos Críticos de Arte (2001), Melhor Projeto Editorial: Geração 90, os transgressores, Associação Paulista dos Críticos de Arte (2003), Prêmio Clarice Lispector, Fundação Biblioteca Nacional(2007). Dentre seus ensaios: Verdades Provisórias [anseios crípticos] (2003); Oficina do escritor: sobre ler, escrever e publicar (2008); Axis Mundo: o jogo das forças na lírica portuguesa contemporânea (2009). Contos publicados: Os saltitantes seres da Lua (1997); Naquela época tínhamos um gato (1998); O filho do crucificado (2001); Pequeno dicionário de percevejos (2004); Sólidos Gozosos, Solidões Geométricas (2004); Algum Lugar em Parte Alguma (2005); Ódio sustenido (2007). Os romances:Subsolo Infinito (2000); A Maldição do Macho (2002); O oitavo dia da semana (2005); Babel Babilonia (2007); Poeira: emônios & maldições (2010). 19 Com o símbolo do Ministério da Cultura na página, o trecho está no Google, disponível em: <http://virtualbooks.terra.com.br/osmelhoresautores/biografias/Deonisio_da_Silva.htm>. Acesso em: dez.2010.
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jogo. Mas cuidado! O Ministério da Contracultura adverte: poesia vicia” (TAVARES, 2008).
Está clara a sua crítica à seleção que exclui. Violência, prostituição, cegueira, discriminação,
repugnância, sarcasmo, cárcere, sadomasoquismo, fetichismo, coprofagia (alimentação feita
de excrementos ou esterco), homossexualidade, podolastia (obsessão por pés), suicídio são
recorrentes em sua escrita. Tem preferência pela sátira a todos os aspectos da natureza
humana; impressiona pela forma e pelo conteúdo. Não obedece aos padrões, cria os seus
próprios.
Ivana Arruda leite escreve O Goiabão. A narrativa despeja elementos ácidos e
desconfortáveis, extraídos daquilo que parece frívolo e corriqueiro. A relação entre mulheres
e homens entra em foco para ser dilacerada nas páginas de seus textos; uma promoção à
surpresa na leitura que desencadeia rotinas amorosas. Os jogos irônicos contaminam os seus
personagens, presos a rotina familiar e pitorescas tragédias pessoais. Uma revelação do
incômodo. Do grotesco.
Amador Ribeiro Neto mantem, em Juca, praticamente a mesma estrutura inicial de
Missa do galo. As dissimulações do narrador desenham as incertezas propositais para o leitor,
mantendo, ainda assim, o comportamento ambíguo feminino. A sofisticação da escrita desse
contemporâneo inviabiliza imitação ou negação. O inverso narrativo traz novos toques à
narrativa que promete à literatura sua eficácia no que se refere a permanência leitora.
No conto homônimo ao machadiano, Lygia Fagundes Telles promete em sua escrita
a sua suavidade estilosa. Mantém sua linhagem humanista, mergulha pistas para o oculto,
submerso, dramático ou trágico dos seres humanos. Seu estilo coloquial, conciso, luminoso,
abre uma estrutura narrativa dialogante, interrompida por monólogos interiores. Além de uma
narradora intrusa. Ironia e sutileza reforçam na delicadeza de seu estilo, a verve de uma
discursividade aventureira.
O novo enfoque de Moacyr Scliar ao conto machadiano revela a firmeza de seu
estilo. Mantém sua abordagem temática: realidade social da classe média urbana no Brasil. O
suprarrealismo interfere nas descrições da classe média do autor. Sua narrativa ágil, precisa
tem segredo citado pelo próprio autor em depoimento:
Às vezes faço anotações. Mas essa é uma fraqueza. É melhor não anotar nada. A idéia [sic] verdadeira persegue o escritor. Este, aliás, é um bom teste: não escrever
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de imediato. Se a ideia [sic]for boa, legítima, ela reaparece sempre. Não há como esquecê-la, como livrar-se dela20.
Os sonos leves, de Nelson de Oliveira, parecem acordar com sua escrita leve,
objetiva, direta, simples e acessível a qualquer leitor. A sua leveza não cansa nem enjoa, é
uma escrita facilmente digerida.O realismo mágico aparece discretamente para efetivar a
compreensão leitora, e que possivelmente, facilita o sono.
O cânone literário realmente desfilou pelas página de Capitu mandou flores com
elegância e originalidade cujas presenças podem envaidecer inclusive o bruxo do Cosme
Velho, não se sabe o posicionamento de Bloom (?), mas nem só de crítica vive a arte.
20Este depoimento de Moacyr Scliar foi originalmente publicado no Correio Braziliense de 21 de setembro de 1997 em entrevista dada a José Rezende Jr. Google. Disponível em: <http://escritacriativa.net/escrita/component/content/article/1-traduzidos/49-comoescrevomoacyrscliar.html>. Acesso em: dez.. 2011.
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CONCLUSÃO
A intertextualidade, de certo modo, anuncia a literatura comparada. Se não existe o
texto puro e completamente novo, alguns caminhos processuais são percorridos e o leitor se
vê náufrago de uma série múltipla de sentenças que se embrenham por páginas incontáveis
(apesar de numeradas).
Dialogismo e Literatura andam de mãos dadas numa relação ininterrupta e amorosa,
porém repleta de segredos cujos enigmas transformam-se em desafios os leitores de todas as
épocas. A mágica escrita literária possui habilidade de pelos séculos dos séculos trazer mais e
mais elementos no verdadeiro desafio da esfinge: “decifra-me ou devoro-te”.
Não se encontra diferença entre os textos passados ou presentes, o desafio se mantém
vivo. Exemplo da assertiva é o corpo desse trabalho que vai do da literatura realista à pós-
modernista e busca pelas imbricações. Por meio de um estudo comparativo entre literaturas,
converge-se em alguns aspectos: são muitas as possibilidades dos autores pós-modernistas
para revisitarem os contos machadianos com sua própria originalidade, ora, os mecanismos
dispostos pela poética do pós-modernismo são diversos e dão sustentabilidade a literariedade
de cada criação. A particularidade linguística de cada autor e a singularidade de estilo
permaneceram intactos, embora nalguns momentos houvesse alusões mais diretas. Trata-se,
pois, de um processo muito antigo: o dialogismo resultado de leituras. A reatualização
temática de abordagens, inclusive porque a literatura debruça seus olhos sobre o
comportamento e a alma humanas. A intertextualidade impregna-se e transita pelos olhos
atentos da leitura de cada um. As artimanhas da escrita da cada contista, para essas recriações,
mantiveram-se, até porque o princípio da originalidade faz parte do cotidiano escritor de cada
um e apesar de ser uma recriação proposital para atender o convite desafio de Rinaldo de
Fernandes, as narrativas visitam os enredos machadianos, buscam pistas que possam se
manter residuais ou mais fortemente marcadas e nesse entrecruzamento de fábulas para novas
personagens as vidências ganham luz por pequeno insights para que o leitor consiga montar a
processo interdiscursivo e prove do elemento fruidor comum no ato leitor.
Os jogos alusivos, a paródia e o pastiche conjeturam mais movimento às cenas
fotografadas e, como resultado, narrativas que passavam da anedotização da fábula de cada
conto ao conformismo de decalcar o enredo sem interferências moral ou social. Realismo e
Pós-modernismo deram-se as mãos e desfilaram pelas páginas contemporâneas ora porque a
escrita pós-modernista caracteriza-se também pela possibilidade de revisitar o passado,
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atualiza as leitura mais clássicas e renova-as através de novas criações. Não se adota, no
entanto o novo apenas, mas busca-se o passado nesse processo inovador de divulgação
literária. Conclui-se, portanto, que as fotografias trazem novas cenas que remetam a
acontecimentos também passados. As imagens se cruzam e as narrativas desenham-se em
textos para serem absorvidos no momento leitor único e instigante por tirar o fôlego em busca
de uma essência que se sabe inenarrável.
A reescritura dialógico-literária desses contos desafia mais e mais olhos atentos a
decifrarem os enigmas da criação repleta de segredos como se presos pela caixa de Pandora,
mas determinantemente revitalizados pela arte plena de compromisso com o emotivo e o
racional sem algemar-se pelas verdades históricas, o verossímil lhe basta para o catártico
elemento da sensibilidade. E que venham cartomantes e mais missas do galo para se tecerem e
aumentar os pontos desse espaço lúdico.
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