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    CEDINS: Hoje em dia, qual seria

    o conceito de cidade? Hoje em

    dia temos no apenas o ncleo

    urbano, mas toda uma extenso

    desse ncleo a partir de fenmenos

    de conurbao, de ruralidades

    urbanas. O que seria, portanto,

    hoje, o conceito de cidade?

    Emilio Pradilla: A cidade , em primei-ro lugar, concentrao. concentrao

    territorial de povoao, concentraoterritorial de atividade econmica, derelaes sociais, de cultura. O elementodefinidor de cidade a concentrao,mas especialmente a concentrao derelaes sociais. Isso, evidentemente, algo que se modifica no tempo. Desdeo incio do sculo XIX, as cidades socompactas, delimitadas, tm um fim.Com os processos posteriores aos anos1960, quando se d todo o processode metropolizao em muitas grandescidades da Amrica Latina, esta ideiado finito, do delimitado, daquilo quediferencia a cidade do campo, come-

    Emilio Pradilla

    A cidade latino-americanaem seu labirinto

    Entrevista realizada por

    CEDINS - Corporacinpara la Educacin y laInvestigacin Popular

    uma corporao que promove o

    desenvolvimento de propostas de

    pesquisa, educao, capacitao,

    comunicao e organizao dos

    trabalhadores e trabalhadoras,

    e demais setores populares,

    parceiros na construo de

    alternativas integrais que propiciem

    a acumulao de foras rumo a uma

    sociedade com democracia plena

    e bem-estar.

    Fonte: https://youtu.be/NknVkrDwn_w

    Emlio Pradilla arquiteto,

    professor e pesquisador

    da Universidade Autnoma

    Metropolitana, Unidade

    Xochimilco, Mxico DF,

    Mxico.

    ____________

    Traduo: Pedro Paulo Machado Bastos,administrador pblico, mestrandoem Planejamento Urbano e Regionalno IPPUR/UFRJ e pesquisador doObservatrio das Metrpoles.

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    a a se diluir. As cidades crescem muito significati-vamente, em termos populacionais, e de atividadestambm. O surgimento da indstria gera processosde disperso. Alm da ideia de metrpole, tambmh outra de megalpole, ainda que, para mim, esseconceito no me satisfaa por completo. Poderamosfalar de cidade-regio, onde j no s a discusso deuma grande metrpole ocupando o territrio, massim a existncia de uma constelao de grandes cida-des que se organizam a uma relativa distncia, entreas quais se intensifica, notoriamente, o fluxo de pes-soas, informao, mercadorias, sobre a base de redesdensas de infraestrutura e servios que do essa ima-gem de uma regio urbanizada. Ento, hoje em dia,poderamos dizer que a cidade no tem um limitepreciso, que suas periferias so difusas, arquiplagosde assentamentos humanos, e um custo social.

    CEDINS: Antes de tudo, faamos

    uma excurso terico-metodolgica:

    na Colmbia, ultimamente tem-se

    trabalhado nos meios acadmicos os

    trabalhos do David Harvey. Como se

    sabe, ele retoma a ideia de que o

    espao no um simples recipiente,

    e sim que o capital constri seu

    prprio espao. Qual seria a

    especicidade da acumulao de

    capital em relao s cidades de

    hoje em dia, mas, particularmente,na Amrica Latina?

    EP: Esse tema relativamente muito amplo. Pri-meiramente, eu diria que existem continuidadesde acumulao em relao aos tipos de cidades an-teriores, comeando por cidades que se formaramprecisamente a partir dos processos de industrializa-o no marco do que poderamos chamar de Estadointervencionista isto , o padro de acumulaocom interveno estatal. No podemos falar que oneoliberalismo cria uma cidade totalmente nova e

    quem pensa assim, na minha opinio, est exageran-do. No. Existem continuidades; h processos quecomearam desde muito antes na cidade capitalistalatino-americana. E h processos tambm que so,evidentemente, parte constitutiva do padro neoli-beral de acumulao de capital. Assim, eu diria que,primeiro, a grande especificidade se trata do proces-so de privatizao do pblico, de tudo aquilo que,construdo pela sociedade, aparece sob o controledos Estados latino-americanos um controle nonecessariamente democrtico tampouco progressista.Nisso, o que mais atinge a ns a privatizao dosaparatos pblicos urbanos, a privatizao daquiloque consideramos como parte constitutiva estrutu-rante da cidade: as infraestruturas e os servios so-

    ciais. Ou, em suma, os espaos pblicos. Creio queesse um dos pontos mais substanciais introduzidopelo padro neoliberal, que desmantela o sistema p-blico urbano. A transferncia do pblico ao capitalprivado provoca uma mercantilizao plena de todosesses elementos, como a mercantilizao da rua, porexemplo. Na Cidade do Mxico, muito notria apresena da publicidade. Em todas as partes da cida-de aparecem esses anncios publicitrios de grandesempresas etc. Ou seja, h uma mercantilizao dapaisagem visual da cidade, das vias, das ruas, sobre-tudo em zonas centrais. Porm, h o outro lado dessamoeda tambm, que seria a privatizao afetando ossetores populares a partir de atividades de subsistn-cia. Assim, deparamo-nos a com um fato de mer-cantilizao plena das cidades.

    CEDINS: O que dizer, ento,

    dessa proliferao que parece ser

    uma caracterstica mundial do

    que conhecemos como centros

    comerciais, isto , os shoppingcenters, que criam cidades fechadasdentro das cidades, mas de feies

    apenas comerciais?

    EP: Sim, so comerciais e, portanto, privados. Ouseja, a mercantilizao se manifesta de uma formamuito significativa com o desenvolvimento da tercei-

    rizao das cidades latino-americanas, cujo elemen-to determinante, eu diria, se traduzem nos processosde desindustrializao das cidades, correspondentes,em parte, s dos pases latino-americanos. o queo Pierre Salama chama de desindustrializao pre-coce, relativa, dos pases latino-americanos. Nascidades, o reflexo desses processos mais notriopor coincidirem, por um lado, com os processos deabertura comercial que incitam a instalao de ummaior nmero de empresas dentro dos nossos terri-trios, mas enfrentando, ao mesmo tempo, a estru-

    tura produtiva dos pases hegemnicos do capitalis-mo em condies de desigualdade, particularmenteas pequenas e mdias empresas. Esse enfrentamentotambm pode se dar quanto reestruturao dosprocessos produtivos do grande capital transnacio-nal. Por outro lado, v-se uma valorizao bastan-te intensa dos territrios ocupados pela indstriadentro das cidades. A indstria se instalou quandoas cidades estavam se expandindo, fazendo com queessa expanso, ao cabo, tornasse a localizao delasem lugares, muitas das vezes, estratgicos. Portanto,como o preo do solo nesses locais encareceu hoje muito alto , as indstrias conseguem recuperaruma grande quantidade de capital com a venda dosterrenos instalando-se em lugares diferentes ou des-

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    mantelando-as para entreg-las ao capital imobiliriofinanceiro. Nesse sentido, essa desindustrializaodetermina uma correlao simples, um problemabsico de matemtica. Determina o crescimento dosetor tercirio, j que o setor agrrio tende a decres-cer continuamente. Porm, em segundo lugar, a sadadas indstrias e a intensificao da composio org-nica do capital nas empresas industriais gera cada vezmais uma incapacidade dessa estrutura produtiva deabsorver populao trabalhadora. Eleva-se, portanto,o que chamamos de massa de superpovoao relativanas cidades. Cresce o exrcito industrial de reservaque sobrevive basicamente com atividades terciriasatravs da informalidade, ou seja, com atividades desubsistncia que, por natureza, so essencialmentetercirias.

    CEDINS: Na Europa e nos Estados

    Unidos tem-se falado muito sobre

    a hipertroa do setor tercirio ao

    relacion-lo com a mudana nas

    caractersticas tecnolgicas do

    capitalismo contemporneo. Ou

    seja, fala-se de um capitalismo

    cognitivo, que incita formas

    precarizadas de contratao do

    trabalho. Ento, nesse sentido, tem

    muita gente que no trabalha mais

    na fbrica, mas sim dentro de um

    tecido laboral muito mais amplo,submetido ao capital, embora no

    se trate mais da clssica indstria.

    Assim, pode-se armar que esse

    processo de desindustrializao

    no um fenmeno prprio da

    periferia latino-americana, mas que

    no prprio centro do capitalismo

    estaria ocorrendo, igualmente,

    uma tendncia de crescimento das

    cidades, mesmo que elas j no

    tenham mais para onde crescer

    comparadas s nossas...

    EP: Evidentemente, essa temtica, que de grandeimportncia, nos levaria a refletir sobre muitos temasdiferentes. Por exemplo, a temtica de como a com-posio orgnica do capital tem se elevado nos setoresprodutivos a partir da mudana tecnolgica incessan-te e outra de como se precisa cada vez menos de po-pulao, isto , de cada vez menos fora de trabalho,para produzir o mesmo que se demandava anterior-mente. Isso nos leva a uma discusso relacionada economia do conhecimento, sobre a qual tenho mui-tas observaes crticas. Mas, para no nos estender-mos tanto nesse terreno e voltarmos aos nossos temaslatinos, gostaria de apontar que nossa terceirizaopoderia ser definida como uma terceirizao espria,

    por tratar-se da terceirizao que se alimenta, fun-damentalmente, dessa sobrepopulao relativa quesobrevive em atividades de rebusque [atividades bis-cateiras, em traduo livre], como vocs dizem aquina Colmbia. Uma massa enorme de populao, quechega a 60% na Amrica Latina (130 a 150 milhesde pessoas), segundo dados estatsticos oficiais, estenvolvida nesse tipo de atividade de subsistncia. Arenda dessas pessoas muito baixa; no chega a equi-valer a um salrio industrial. Alm dos biscates, a in-formalidade tambm engloba atividades relacionadasa servios pessoais, em que muitas delas podem terum carter ilegal. Ou seja, temos a o setor popular dapopulao, em geral, sobrevivendo com essas ativida-des, muitas das vezes, sob formas quase de escravido,enquanto, por outro lado, v-se esse loopingburgus,o de uma burguesia mafiosa que acumula capital

    custa dos setores populares. Assim sendo, na AmricaLatina, esse o tipo de terceirizao que temos e porisso que eu digo tratar-se de uma terceirizao esp-ria, dominantemente informal, de baixa produtivida-de e que, contudo, vive e existe fundamentalmenteem prol do setor produtivo. Minha crtica quanto aessa suposta economia do conhecimento, que apare-ce desvinculada totalmente produo, quando issono real. Essa atividade do conhecimento se sus-tenta em instrumentos tecnolgicos, computadores,sistemas de satlite, telefones celulares enfim, em

    toda uma parafernlia que sai da indstria. Portanto,o que temos que ver como esse movimento de tec-nologizao faz com que o setor tercirio continuesendo absolutamente dependente da dinmica daproduo industrial, e no de sua prpria dinmica.Para mim, isto importante de refletir sobre esse tipode terceirizao espria conferida Amrica Latina.

    CEDINS: A forma-cidade incita

    problemas que, na trajetria da

    ordem do modo de produo, quase

    sempre impactam o tema ambiental.

    O que poderamos dizer do futuro

    quanto relao cidade-campo?

    EP: Eu comearia dizendo que a cidade no , emsi mesma, a nica e a fundamental causa do desas-tre ambiental. So muitos os fatores somados a isso.Ns mesmos, enquanto populao, independente-mente da nossa posio social, somos devoradores edestruidores da natureza. E no temos a preocupaode cuidar daquilo que temos. A forma-cidade , porconcentrao, altamente contaminante e destrutiva.Se pensarmos nesse esquema, a contaminao po-deria atingir pelo menos 20 milhes de habitantesda zona metropolitana do Vale do Mxico. umaregio gigantesca! So 20 mil toneladas dirias de

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    lixo, alm da contaminao da gua e etc. E, diantedisso, parecemos estar de acordo... Por outro lado,se acabssemos com a cidade por essas questes, es-taramos acabando com esses gigantes 20 milhes dehabitantes ou de 30, como o caso de Tquio e

    Yokohama , implicando tambm numa destruiodas condies materiais de acumulao de capital ede reproduo social: moradias, hospitais, escolas,sistemas de gua potvel, sistemas de energia eltri-ca, etc. Mudaramos radicalmente todas as estruturasculturais... A cidade j existe h muitos sculos, e somuitos sculos de acumulao. Quantos sculos nslevaramos para desmont-la? No me atreveria, nes-te momento, a pensar se isso seria algo bom ou vi-vel. No sei. Hoje em dia, a sociedade 80% urbana.Chegaremos quase urbanizao total da sociedadeem pelo menos 30, 40 anos... A agricultura ser, em

    grande medida, feita em instalaes assimilveis aoespao urbano. Desmontar as cidades seria refazertoda a histria da humanidade outra vez. Alm disso,o mundo sempre funcionou com utopias que nuncase cumpriram. E as formulaes do Harvey so boas;tm um valor substancial por, na poca do neolibe-ralismo, ele ter continuado citando textos e autoresque iam de encontro com suas ideias. Bem ou mal,eu concordo que o mundo sem mercadorias seria umgrande fenmeno. E isso algo que estou de acordo

    j h muitos anos, desde que era jovem, na universi-

    dade. Existe uma frase que diz que mais fcil fazeruma revoluo, e que seja slida, do que desmercan-tilizar o planeta. [...] De todo modo, admiro e res-peito muito a ideia de que as utopias possam servirpara construir formulaes e teorias, muito embora aparte prtica seja outra histria, porque se trataria deum processo social.

    CEDINS: Voltando metodologia

    do Harvey, e considerando os

    movimentos sociais de base

    socioterritorial, que tambm

    disputam o espao e a construo

    deste, poderamos dizer que

    o capital no s constri o

    espao, como tambm constri

    a contradio entre ele e os

    movimentos. O que poderamos

    dizer, ento, dessa contradio se

    que existe contradio, a respeito

    da construo do espao?

    EP: Eu enumeraria trs caractersticas que so pr-prias da transformao neoliberal, mas acrescen-tando outras duas que tambm so to substanciaisquanto s trs primeiras. Em primeiro lugar, aponta-ria a apario do capital imobilirio financeiro, emsua ntima relao. Um capital financeiro, em grande

    medida transnacionalizado, penetrado pelo capitalespeculativo mundial que comeou a ocupar lugaronde antes ocupavam o que chamamos de processosde ocupao irregulares do solo e da autoconstruohabitacional. Estamos de acordo que isso fez parte doperodo da expanso industrial, da urbanizao ace-lerada do intervencionismo estatal. Essa contradio to viva que, o setor popular, atravs desses meca-nismos de ocupao irregular do solo e de autocons-truo, chegou a produzir at 60% do tecido urbanodas cidades. Priscilla Connolly, uma pesquisadoramexicana, chama a questo da produo popular dohabitat na cidade de paradigma latino-americano.

    Assim, o capital imobilirio financeiro, mediante atransformao do Estado de interventor a facilitador,ou seja, em subsidirio do capital privado e do capi-tal imobilirio financeiro, tem ocupado espaos que

    antecedem a prpria ocupao estatal. Esta , por-tanto, a grande expresso dessa contradio social,o problema que eu queria assinalar. A produo dehabitao de interesse social pelo capital imobilirio algo especfico dos anos 90 para c. um mar-co introdutrio das polticas neoliberais, quando oEstado deixa de ser o promotor dessa poltica paratornar-se, simplesmente, em banco hipotecrio quefinancia e irriga o capital imobilirio financeiro. uma mudana substancial. V-se uma acentuao doconflito entre o Estado e os setores populares. Tem

    sido cada vez mais rara a permisso do Estado ocu-pao irregular de terrenos, criando, por outro lado,mecanismos atravs dos quais ele consegue facilitar oacesso do capital imobilirio financeiro a certas reasda cidade ocupadas pelos setores populares. Isso dincio ao processo de expulso da populao dessasreas, muitas delas estratgicas tendo em vista os pro-

    jetos de reconstruo e reproduo da cidade, comoa verticalizao etc.

    CEDINS: Isso tudo implicaria, por

    sua vez, numa redenio do queconsideramos o espao pblico?

    EP: Tambm, implica. Mas, em primeira estn-cia, trata-se da resposta do Estado como facilitador ao do capital imobilirio financeiro, que estsubstituindo-o como criador de emprego pormtransitrio, de baixa remunerao e baixa qualifica-o. Em suma, os governos, incluindo os ditos deesquerda, esto se transformando em facilitadores daao do capital imobilirio financeiro. Tal fenmenoproduz um movimento de contradies entre o Esta-do e os moradores da cidade, os habitantes urbanos.E so velhas contradies de sempre, entre o habi-tat popular, a produo popular da moradia etc. No

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    entanto, agora, o capital privado aparece como umator diferente nessa contradio. Existem setores m-dios da populao, ou seja, de classe mdia, e s ve-zes, alta, que tambm se veem afetados pela ao docapital imobilirio. o caso muito claro, na Cidadedo Mxico, dos bairros tradicionalmente populares,que comeam a sofrer a ao do capital financeiro naconstruo e reconstruo verticalizada em conjuntoao Estado, que comea a introduzir obras de infraes-trutura para os veculos particulares.

    CEDINS: Como poderamos entender

    a relao atual entre o poder real,

    que alguns o atribuem ao poder

    do capital nanceiro imobilirio,

    e o poder formal, ou seja, o

    poltico? Como associar essa relao

    com os governos que se dizemprogressistas? O que favoreceu a

    instalao desses novos governos,

    mas diante desse poder real, que

    impera?

    EP: Bom, as grandes cidades, em geral, so uma es-pcie de receptculo das camadas mdias. Camadasmdias com nveis de educao muito mais altos doque em outras classes, que, por sua vez, sofrem maio-res conflitos sociais. Se analisarmos a proporo entrepobres urbanos e pobres rurais, a variao a favor da

    pobreza urbana muito maior. E a maior parte dapobreza est nas cidades, sobretudo na Amrica Lati-na. uma massa de populao muito grande, abso-lutamente concentrada em um espao relativamentelimitado. Ento, as grandes cidades so locais de altosndices de conflito e, portanto, so inclinadas gestoe polticas pblicas do tipo progressista. Ao longoda ltima dcada h mais tempo no Brasil, e maisrecentemente no Mxico , temos tido maiores expe-rincias do gnero, de um vis de esquerda. Eu achoque so estes os dois fatores que explica a relao: aexistncia, nas cidades, de camadas com um nveleducativo muito alto, que dispem de um nvel deesclarecimento e financeiro muito maior, mas perme-adas por altos ndices de conflitos sociais que exigemgovernos progressistas.

    CEDINS: Ento, esses conitos

    acabam sendo uma vlvula de

    escape eleitoral, de alternncia de

    governos de esquerda e direita...

    EP: Isso, o que conduz a uma sada, ou a uma espe-

    rana, digamos assim, de termos opes de governodiferentes, progressistas. Por outro lado, o problema que estamos falando de opes muito diferentes.

    O governo chileno, com seu partido socialista, deum jeito, e que, por sua vez, diferente do governovenezuelano de Chvez e, agora, de Maduro, ou en-to, distinto ao governo de Evo Morales, na Bolvia,ou aos governos do PT, no Brasil. Estamos falando,ento, inclusive, de histrias distintas, de progressoshistricos de formao de foras polticas diferentes,e, em muitos casos, de alianas de partidos que sedenominam de esquerda, mas com grupos de centro--esquerda e, no raro, com grupos de centro-direita.

    Alianas formais, outras informais. H uma enormeheterogeneidade nesses governos, que se manifestamquando conseguem chegar ao poder. muito com-plicado tecer comentrios sobre os governos de es-querda nas cidades da Amrica Latina. Teramos dedizer que so governos de muitas esquerdas diferentesem reas de discusso.

    CEDINS: Pelo menos, ultimamente,

    podemos dizer que, mesmo nesse

    vis neoliberal, existe uma questo

    em comum nesses governos:

    a tentativa de recuperao de

    intervencionismo do Estado.

    EP: Isso generalizvel. Muitos tm tentado recupe-rar, um pouco, o papel do Estado na vida pblica e nagesto dos servios pblicos, mas algo geral, pouco

    especfico. A questo que eu diria se destacar comoa mais comum a de uma poltica social que ten-de a ser uma poltica assistencialista: voc, homemadulto, te dou meio salrio-mnimo para comprarteus remdios, voc, me solteira, te dou meio sa-lrio-mnimo para isso..., voc, deficiente fsico...,voc, aquilo... Enfim... uma poltica de assisten-cialismo. No so polticas de direitos universais ga-rantidos por governos locais; tem esse lado. Por outrolado, so governos que no tem muitas funes depoltica econmica; repousam sobre os governos cen-trais, evitando entrar em certas questes e causas quelhes caberiam perfeitamente como responsabilidade.

    CEDINS: No entram nessas questes

    para evitar problemas

    EP: Sim, para evitar conflitos, ento acabam no atu-ando naqueles nichos da vida econmica em que po-deriam estar tomando frente. Por exemplo, o casotpico da desindustrializao. Os governos locais, aoinvs de enfrentar esse processo, criando condiesmelhores e mais sustentveis para a indstria, adotam

    a poltica desindustrializadora sem que percebam es-tar cavando a prpria tumba! Algo que os levar, ine-vitavelmente, a que tenham de optar pela poltica de

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    apoio e, muitas das vezes, de promoo da ao do ca-pital financeiro. Mas, a, varia de governo para gover-no. Existem governos como o da Cidade do Mxicoque, desde Lpez Obrador, decidiram por construirelevados rodovirios na cidade. Primeiramente, semcobrana de pedgio, mas os governantes seguintesforam introduzindo a modalidade paga at mesmosurgir a ideia de expanso desse modelo para, almde elevados, construir tneis pagos. E assim comeoutoda uma ao que, em ltima estncia, privatiza acidade, no? Assim sendo, existe, por um lado, certoreconhecimento da fragilidade social que vai muitomais alm da esfera econmica. Em segundo lugar,existe uma poltica social que nem sequer parecetratar-se de uma luta efetiva contra a pobreza, apesarde que a pobreza se concentra majoritariamente nasgrandes cidades, que, em certa medida, reproduz o

    assistencialismo focado em grupos sociais. Em tercei-ro lugar, so conflitos que se enredam nessa contradi-o de que o nico setor relativamente dinmico quese destaca na cidade o da produo imobiliria efe-tuada pelo capital imobilirio financeiro nacional etransnacional. Em quarto lugar, se enredam tambmno fato de que os transportes pblicos so custosos,requerem financiamento. Ento, os governos optampela sada fcil: a parceria pblico-privada. Dito deoutro modo, optam pela associao imediata com ocapital privado, que pe automaticamente o Estado

    numa posio de debilidade frente ao capital priva-do, que impe regras a favor de sua rentabilidade.Sua taxa mnima de rentabilidade vem dos fundospblicos. Se no alcanam essa rentabilidade, o Esta-do passa a dever-lhes um financiamento. Ento, re-almente esto enredados numa teia dominada sobre-tudo pelo pragmatismo na medida em que no existemais projeto de cidade. Os movimentos polticos,em geral, carecem de agendas urbanas. A cidade re-presenta atualmente 80% da vida econmica e socialda populao nos nossos pases da Amrica Latina eos partidos de esquerda no introduziram em suasagendas projetos de cidade. Chegam, simplesmen-te, para gerir aquilo que j existe; atuam pragmati-camente frente a foras que se converteram em do-

    minantes, como o capital imobilirio financeiro emprimeiro lugar; em segundo, toda a engrenagem daindstria automobilstica, as transnacionais automo-trizes etc., e o avano contnuo do automvel. Esteltimo caso, em particular, consome toda a capaci-dade de ao ao que deveria ser um desenvolvimentomassivo dos servios de transporte pblico.

    CEDINS: Como propor uma agenda

    que seja urbana? Como trabalhar

    em diversos planos, politicamente

    falando, a favor do movimento

    social?

    EP: O movimento social tem aparecido em conjun-turas e lugares especficos, em prol de um objetivoque, entendo, parecer ser difcil, s vezes. Ou seja,

    transformar as reivindicaes em propostas alternati-vas difcil. Mas temos toda uma grande amlgamade problemas que se manifestam em movimentos so-ciais e urbanos que um material de enorme rique-za, capaz de criar um debate poltico forte e apto aencontrar uma alternativa que consiga se conjugar saes dos governos neoliberais. Existe marginalidadeporque existem contradies sociais, porque so ascontradies entre o capital financeiro imobilirio eo Estado. So contradies entre esses dois e os seto-res populares. Nesse jogo de foras, existem pontos

    onde se pode atuar. Creio que o capital financeirotem a possibilidade de ser submetido a certas regu-laes, a certas exigncias... temos a experincia nospases europeus, por exemplo, que viveram sob regu-laes que permitiram melhorar as condies de vidada populao. A funo do capital acumular, e paraacumular, faz qualquer coisa, incluindo a provoca-o de desregulamentaes, sobretudo se estas con-tarem com o peso do governo local. Um peso-chave,importante, no? No estamos falando de ilusesaventureiras: existe, sim, uma base de legitimidadepoltica nisso tudo. Ento, vista disso, eu penso queexistem muitas possibilidades de atuao, mas quevo de encontro alternativa mais simples e menosconflitiva, que a de estar de acordo com o capital.


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