EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
uma análise crítica das políticas públicas na cidade de Taubaté
RESUMO
Essa pesquisa teve como objetivo analisar políticas públicas em educação inclusiva na cidade de
Taubaté (SP), por meio do exame de documentos municipais e federais segundo o referencial
teórico da teoria crítica da sociedade e estudos sobre o preconceito. A pesquisa teve delineamento
documental. A primeira conclusão é que Taubaté não segue o modelo educacional de inclusão
escolar, mas o de integração, modelo que precedeu aquele. O município oferece apoio
pedagógico especializado segregado a alunos com dificuldades e ou distúrbios de aprendizagem,
como complemento ou substituto do ensino regular, de acordo com a limitação do aluno. A
proposta de educação especial do município demonstra cumplicidade ideológica com o sistema
coercitivo através da individualização do fracasso e reproduz a ideologia da racionalidade
tecnológica. Por meio do estudo das raízes sociais e psicodinâmicas do preconceito foi possível
compreender que a educação inclusiva tem muito a contribuir na formação de uma sociedade não
preconceituosa, desde que respeitadas as condições necessárias para a hipótese do contato. As
inúmeras identificações propiciadas pela educação inclusiva colaborariam na formação de
indivíduos diferenciados, capazes de desenvolver um pensamento auto-reflexivo. A proposta
pedagógica de Adorno coincide com a finalidade da psicologia escolar crítica e cabe ao psicólogo
escolar crítico colaborar por meio de sua atuação e pesquisa para que práticas pedagógicas
efetivem a inclusão, colaborando na formação de cidadãos esclarecidos e emancipados.
Palavras chave: educação inclusiva, teoria crítica da sociedade, preconceito.
Título: Educação Inclusiva: uma análise crítica das políticas públicas na cidade de Taubaté
Autor: Diana Villac Oliva
Orientador: Profa. Dra. Cecília Pescatore Alves
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Antonio Carlos Barbosa da Silva
Prof. Dr. Régis de Toledo Souza
1 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
A inclusão escolar surgiu no contexto educacional mundial com o intuito de melhorar a
educação e a socialização dos grupos políticos e étnicos minoritários, como negros, pessoas de
baixa renda, meninos de rua, mulheres, imigrantes, entre outros. No entanto, a leitura de
pesquisas sobre a implantação desse modelo educacional no Brasil mostra que o fenômeno não
tem tido os resultados esperados. A inclusão tem sido compreendida pela comunidade escolar
como a simples matrícula desse alunado em classes comuns, ficando famílias e escolas satisfeitas
com a questão da socialização e não sendo questionado como essa socialização vem ocorrendo e
a qualidade do ensino oferecido.
É incontestável o fato de que iniciativas políticas ocorrem no Brasil e no mundo desde
meados da década de 90, porém, estudiosos têm analisado o discurso político e as reais intenções
das políticas públicas em educação inclusiva (VEIGA NETO, 2005; ANGELUCCI, 2006;
PRIETO, 2006). A análise dos especialistas no assunto indica que por detrás do discurso da
inclusão há a ideologia de incluir para manter excluído, o que resulta no recrudescimento da
exclusão e do preconceito contra essa população. Segundo esses autores, a função ideológica do
discurso político seria a de legitimar a escola quanto ao fracasso escolar e à necessidade de um
ensino segregado. O sistema, que não comporta todos, se apoiaria nesse fracasso, convalidando a
culpabilização individual pela exclusão que ele mesmo criou.
Dessa forma, para que a educação inclusiva seja concretizada é preciso haver uma
mudança de paradigmas no sistema educacional (PRIETO, 2006). Contudo, os números do
Ministério da Educação do Brasil mostram um acelerado crescimento nas matrículas de pessoas
com necessidades educacionais especiais em escolas regulares, sem que esteja havendo,
necessariamente, uma mudança estrutural para a efetivação da inclusão. Dados divulgados pelo
MEC em janeiro de 2006 mostram que, entre 1999 e 2005, houve um crescimento de 70,8% no
número de matrículas na educação especial, sendo que, em 2005, 91% das novas matrículas
foram inclusivas, ou seja, em escolas regulares/classes comuns e não em escolas exclusivamente
especializadas/classes especiais (BRASIL, 2006). O governo divulgou dados quanto ao número
de matrículas, mas não há divulgação quanto à qualidade da educação que é oferecida a essas
pessoas.
Vemos a gravidade da situação dos alunos com necessidades educativas especiais. As
atuais políticas propõem a inclusão, porém, a simples matrícula em escolas regulares e o contato
desse alunado com os demais alunos da escola e staff técnico não significam que ele receba uma
educação de qualidade e seja socializado segundo os direitos de sua condição de humano. Uma
inclusão inadequada pode resultar no aumento do preconceito e na legitimação da incapacidade
desse público.
Assim, nos propusemos nesse trabalho a realizar uma análise crítica das políticas públicas
em educação inclusiva na cidade de Taubaté (SP), por meio do exame de documentos municipais
e federais sobre educação inclusiva à luz da teoria crítica da sociedade e de estudos psicanalíticos
sobre o preconceito. Em função de seu objetivo, a pesquisa teve delineamento documental. Nossa
proposta foi a partir do referencial teórico elaborar a análise do material documental. Tendo em
vista que os documentos analisados são de domínio público, optamos por não impedir o
reconhecimento da cidade. É de grande importância que as políticas públicas oferecidas à
população sejam divulgadas para todos.
O trabalho na íntegra é iniciado com a metodologia, para explicitar a articulação do
referencial teórico com os documentos analisados e deixar mais claro ao leitor a lógica do
trabalho. A seguir, no Capítulo 3, é descrita um pouco da histórica da psicologia escolar crítica,
para que seu papel e atuação na atualidade possam ser melhor compreendidos. No Capítulo 4,
discutimos os principais conceitos implicados na educação inclusiva e ao Capítulo 5 foi conferido
o estudo da teoria crítica da sociedade e do preconceito. Os resultados e a discussão foram
apresentados no mesmo capítulo com o objetivo de facilitar o entendimento e aproximar os
objetos que foram isolados no resultado de sua reintegração na discussão. Finalizamos com a
Conclusão que consistiu nas principais análises da documentação. Os documentos analisados
encontram-se em Anexo ao final do trabalho1.
Por meio dessa pesquisa, acreditamos que foi possível um aprofundado entendimento das
políticas públicas em educação inclusiva na cidade de Taubaté, para que, com base nisso, sejam
criadas propostas de trabalho que colaborem na efetivação da inclusão escolar.
1 O trabalho original encontra-se na Biblioteca de Biociências da Universidade de Taubaté.
2 PROBLEMA E OBJETIVO
O objetivo desse trabalho foi realizar uma análise crítica das políticas públicas em
educação inclusiva na cidade de Taubaté (SP), por meio do exame de documentos municipais e
federais sobre educação inclusiva à luz da teoria crítica da sociedade e de estudos psicanalíticos
sobre o preconceito. Tivemos como objetivos específicos:
• Compreender as condições necessárias para a que a educação inclusiva se viabilize;
• Compreender as políticas públicas em educação inclusiva federais;
• Compreender as políticas públicas em educação inclusiva do município de Taubaté;
• Relacionar as políticas públicas em educação inclusiva do município de Taubaté com as
federais e com as condições necessárias para a implantação do modelo inclusivo.
Problema: Quais são as políticas públicas em educação inclusiva na cidade de Taubaté, como elas
funcionam, como se relacionam com as políticas públicas federais e com o preconceito? Elas
propõem uma educação e socialização de qualidade aos alunos de inclusão do município?
3 PROCEDIMENTOS
O objetivo dessa pesquisa foi realizar um estudo documental da legislação vigente sobre
educação inclusiva na cidade de Taubaté segundo o referencial teórico da teoria crítica da
sociedade. Nossa proposta foi, a partir do referencial teórico, obtido através de uma pesquisa
bibliográfica, elaborar a análise de documentos legais, de forma que a pesquisa teve delineamento
documental.
Pesquisas bibliográficas e documentais são bastante semelhantes. Conforme Marconi &
Lakatos (1982) explicam, o que diferencia os dois tipos de pesquisa é que enquanto aquelas se
utilizam exclusivamente de fontes secundárias, essas buscam fontes primárias para o
levantamento de dados, ou seja, materiais sem tratamento analítico anterior. Conforme os autores:
“documentos são todos os materiais escritos que podem servir como fonte de informação para a
pesquisa científica e que ainda não foram elaborados” (MARCONI; LAKATOS, 1982, p. 56). As
fontes documentais podem ser provenientes de diversos locais.
A coleta de dados do referencial teórico foi realizada através da obtenção e leitura de
material bibliográfico, seguidas pela redação do texto. A coleta do material empírico, ou seja, os
documentos que foram analisados, foi realizada de formas distintas: a legislação federal, utilizada
como referencial legislativo, foi obtida no site do Ministério da Educação e Cultura (MEC); e os
documentos do município de Taubaté através do Departamento de Educação e Cultura (DEC) da
cidade e na sede do Projeto Integra/Ativa.
Uma vez que essa pesquisa é de natureza crítica, convém apresentarmos a dificuldade
com que os documentos municipais foram obtidos. Foram necessários inúmeros telefonemas,
aprovação pelo Diretor do DEC de uma carta da Universidade de Taubaté apresentando a
pesquisadora e a pesquisa, envios de fax, idas ao DEC e à sede do Projeto Integra/Ativa e
intervenção da orientadora da pesquisa que, através de um contato pessoal, pediu a uma
funcionária do DEC que auxiliasse na obtenção do material 2. Por meio da assistência dessa
2 O material empírico só pôde ser coletado após a aprovação da carta de apresentação da Universidade de Taubaté pelo Diretor do DEC e com o intermédio da funcionária contatada. É visível a contradição do sistema político, que garante ao cidadão pela Constituição Federal o direito a informações de órgãos públicos e, na prática, o impede de tal. Conforme o Art. 5º, Inciso XXXIII, da Constituição:
funcionária foi cedida à pesquisadora uma cópia de três documentos oficiais do município e a um
quarto documento foi cedido o acesso na sede do Projeto Integra/Ativa.
Serviram, portanto, de materiais empíricos para essa pesquisa: o Projeto Integra/Ativa da
Prefeitura Municipal de Taubaté (TAUBATÉ, 2007a; 2007b; 2005; 2001), a Constituição Federal
de 1988 (BRASIL, 1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) e as Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001). Embora esse material não encerre o
assunto, consideramos esses documentos como os principais em vigência no país para a análise
do tema educação inclusiva.
Para a análise dos documentos foram utilizadas algumas ferramentas da técnica de análise
de conteúdo. Segundo Triviños (1987), essa técnica contém três etapas básicas: pré-análise,
descrição analítica e interpretação inferencial.
Após a coleta dos documentos foi realizada a pré-análise e a descrição analítica. A
interpretação inferencial foi realizada ao final do processo, com base no material completo, ou
seja, na descrição analítica de toda a documentação coletada.
A pré-análise consiste na organização do material e leitura geral do mesmo. Nesta etapa
foi realizada a leitura da documentação cedida pelo DEC e pela sede do Projeto Integra/Ativa e a
releitura da legislação federal, utilizada no Capítulo 4.
Na segunda etapa, foi desenvolvida a descrição analítica do material. Foram criadas
categorias apriorísticas a partir daquelas formuladas na fundamentação teórica. Após a releitura
de todo o material, foram identificados trechos pertencentes a cada uma das categorias. Foram
criadas tabelas nas quais os trechos de cada documento foram colocados na categoria a que se
referiam. Posteriormente, para a apresentação dos resultados, o conteúdo dessas tabelas foi
transformado em texto, que privilegiou trechos significativos de cada documento e omitiu os
repetitivos. Dada a enorme quantidade de material coletado e para atingirmos objetivo proposto,
Art. 5º. XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (BRASIL, 1988).
Decerto, não havia perigo à segurança da sociedade e do Estado para justificar a negação do acesso à documentação a um cidadão qualquer. Vemos aqui um importante assunto a ser debatido, não nos cabendo a discussão nesse trabalho para não nos desviarmos de nosso foco.
optamos por nos aprofundar nas categorias que consideramos mais significativas na análise do
material.
Na terceira etapa da análise foi realizada a interpretação inferencial, ou seja, o
aprofundamento da conexão das idéias, com base nos materiais colhidos e no embasamento
teórico. Buscou-se, neste momento, despreendimento do conteúdo manifesto do material para
permitir a avaliação do conteúdo latente do mesmo (TRIVIÑOS, 1987). Ou seja, a partir da
discussão das categorias formuladas com a fundamentação teórica da pesquisa buscamos
compreender qualitativamente as políticas públicas em educação inclusiva na cidade de Taubaté à
luz da teoria crítica da sociedade.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conforme explicamos no item 5.1 do Capítulo V, a teoria crítica da sociedade depende de
elementos da teoria tradicional e do método de investigação social empírico para realizar suas
análises. No presente estudo, utilizamos como materiais empíricos documentos oficiais do
município de Taubaté sobre educação especial. Para que a análise que seguirá pudesse ser
realizada, foi necessário isolar elementos desses documentos e de outros da legislação federal que
utilizamos como referencial de lei, extraindo-os de seu contexto, para compará-los entre si e com
a teoria de base. Embora essa seja uma aparente contradição da teoria crítica, esse isolamento é
temporário e necessário e, após o tratamento dos dados, os objetos são reintegrados por meio da
análise crítica. Optamos por apresentar os resultados e a discussão no mesmo capítulo com o
objetivo de facilitar a compreensão e aproximar espacial e temporalmente os elementos que
foram extraídos de seu contexto e isolados na apresentação dos resultados da reintegração
realizada pela discussão.
O primeiro dado coletado foi o de que o município de Taubaté realiza trabalhos de apoio
pedagógico especializado com alunos do Ensino Fundamental e avaliação pedagógica de alunos
do Ensino Básico. O Ensino Médio não faz parte do trabalho desenvolvido, pois é de
competência do Estado e do Distrito Federal a atuação junto a esse público. Conforme a
Constituição Federal: “Art. 211. § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e na educação infantil. § 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente
no ensino fundamental e médio” (BRASIL, 1988). O trabalho desenvolvido por Taubaté é
oferecido até a 4ª série/5º ano do Ensino Fundamental, de forma os alunos com necessidades
educacionais especiais das escolas municipais da 5ª à 8ª série/6º ao 9º ano não recebem
atendimento especializado público. Não foram analisadas as políticas públicas do Estado de São
Paulo.
A cidade de Taubaté desenvolve quatro projetos voltados às pessoas com necessidades
especiais: CEDIC, “Madre Cecília”, “Casa da Mãe Taubateana” e Integra/Ativa (TAUBATÉ,
2007b). O primeiro, é o Centro de Distúrbios da Comunicação e é composto pelas unidades
CEDIC Clínico e CEDIC Educacional/Ocupacional. Enquanto a unidade clínica visa o
diagnóstico, o tratamento e a reabilitação de pessoas com alterações na comunicação, a unidade
Educacional/Ocupacional possui uma equipe multidisciplinar que desenvolve trabalhos voltados
à inclusão social. Não há no CEDIC aulas na Rede de Ensino Básico (TAUBATÉ, 2007a). O
CIMEEEEF “Madre Cecília” também é dividido em dois núcleos: Núcleo de Reabilitação
Pedagógica e Núcleo de Reabilitação e Apoio Ambulatorial. Os atendimentos são
multidisciplinares e há aulas na Rede de Ensino Básico, oferecida aos alunos com capacidade
para freqüentar o curso. A “Casa da Mãe Taubatena” desenvolve trabalhos multidisciplinares
com gestantes e crianças de alto risco de 0 a 3 anos e, em alguns casos, estende o
acompanhamento da criança até os 7 anos de idade. Os atendimentos têm finalidade terapêutica.
As três instituições são segregadas e há nelas os chamados “casos de inclusão” em que, além do
atendimento especializado na instituição, a criança freqüenta a rede regular de ensino no horário
contrário ao do atendimento especializado.
O Projeto Integra/Ativa é um serviço de apoio pedagógico especializado, voltado aos
alunos com necessidades educacionais especiais do Ensino Infantil e Fundamental. Consideramos
esse projeto o material empírico necessário para a análise das políticas públicas em educação
inclusiva na cidade de Taubaté. Realizaremos, inicialmente, uma apresentação do trabalho
desenvolvido para seguirmos, então, com a discussão.
O Integra/Ativa teve início em 2001 e tinha como proposta inicial atender os alunos de 1ª
à 4ª série do Ensino Fundamental por meio de Salas de Recurso I e II (TAUBATÉ, 2007a). A
partir de 2007, o Projeto passou a contar com Salas Especializadas (antiga Sala de Recurso II) e
Salas de Aceleração. De acordo com a necessidade, os alunos também recebem Atendimentos
Terapêuticos, realizados na sede do Projeto ou nos Pólos dos bairros Areão e CECAP, ambos
inaugurados em 2005. Nesse mesmo ano, o trabalho foi estendido à Educação Infantil, com o
objetivo de orientar professoras e famílias para a prevenção de dificuldades ou amenização
daquelas já apresentadas visando facilitar a entrada do aluno no Ensino Fundamental
(TAUBATÉ, 2007a).
Para que os alunos sejam atendidos pelo programa, o professor da sala regular deve
discutir o caso com a diretora da escola. Após o consentimento da diretora, a professora deve
preencher uma Ficha de Encaminhamento solicitando a análise de um professor especialista, que
indica se o aluno deve ou não seguir para avaliação com a Equipe Itinerante Interdisciplinar
(TAUBATÉ, 2005). Nessa Ficha, a professora da sala regular deve relatar, além de dados
pessoais da criança, os seguintes itens: o motivo do encaminhamento, o relacionamento do aluno
no contexto escolar, o desenvolvimento pedagógico do aluno em relação à sala, a habilidade de
comunicação, interpretação e expressão da linguagem da criança, aspectos físicos e psicomotores,
aspectos familiares conhecidos pela escola e as propostas que foram oferecidas pela escola para
melhora da criança (TAUBATÉ, 2001). Caso confirmada a queixa do professor da classe regular
pelo professor especialista, esse convoca a Equipe Itinerante que, após análise do caso, elabora
um plano de ação para atingir a dificuldade do aluno. Se necessário, e de acordo com a
dificuldade, a equipe encaminha o aluno para sala de Recurso I, Sala Especializada ou Sala de
Aceleração e para Atendimentos Terapêuticos na sede do Projeto ou nos Pólos do Areão e
CECAP. Os alunos do Ensino Infantil são encaminhados para uma avaliação e trabalhos
interventivos são planejados para o início do ano de entrada do aluno no Ensino Fundamental. As
assistentes sociais do Integra/Ativa orientam e assistem as famílias dos alunos participantes do
Projeto (TAUBATÉ, 2007a).
Os atendimentos nas salas de Recurso I acontecem com professora especialista, em
horário contrário ao do ensino regular, duas vezes por semana ou quatro para os casos mais
graves, com grupos de até 10 alunos, na unidade escolar de funcionamento mais próxima da casa
do aluno, que pode, ou não, coincidir com a escola regular que ele freqüenta. Conforme o Projeto
define, as Salas de Recurso I “tem como objetivo primordial oferecer pré-requisitos para que os
mesmos [alunos] entendam o processo de aprendizagem vigente” (TAUBATÉ, 2007a, p. 3). O
documento mostra a freqüência de 1.178 alunos em salas de Recurso I em julho de 2007.
As Salas Especializadas são freqüentadas por alunos que, segundo a Equipe Itinerante,
não têm condição para freqüentar o ensino regular. Assim, os alunos dessas salas não freqüentam
a classe regular e são assistidos por professora especialista orientada pela Equipe Itinerante e
Terapêutica do Integra/Ativa, de 2ª à 6ª feira, na unidade escolar de funcionamento do Projeto
mais próxima da casa do aluno. Em julho de 2007, 350 alunos vinham sendo atendidos nas Salas
Especializadas, que têm como objetivo “manter-los na Rede Municipal Regular incentivando-os
em suas habilidades dentre as inteligências múltiplas com intuito de incluí-los socialmente, visto
que a maioria não conseguiria se desenvolver pedagogicamente para funções acadêmicas
regulares” (TAUBATÉ, 2007a, p. 4).
Assim como essas salas, também foram criadas, em 2007, as Salas de Aceleração “com o
intuito de atender os alunos reintegrados com idades cronológicas acima do esperado para séries
comuns” (TAUBATÉ, 2007a, p. 5). Essas salas são freqüentadas por alunos com idade avançada
para a série em que estavam matriculados, devido a múltiplas reprovações ou entrada tardia no
ensino regular. O objetivo das Salas de Aceleração é ajustar o desnível entre idade e série, por
meio do resgate daquilo que a criança ainda não adquiriu para, depois de nivelada, incluí-la na
classe regular. Os alunos dessas salas não freqüentam as classes regulares. As professoras são
orientadas pela equipe do Integra/Ativa e pelas supervisoras do DEC. O Projeto mostra um total
de 450 alunos freqüentando as Salas de Aceleração (TAUBATÉ, 2007a).
Os Atendimentos Terapêuticos ocorrem na sede do Projeto ou nos Pólos do Areão e
CECAP e os alunos encaminhados do Ensino Infantil e Fundamental são atendidos por quatro
profissionais de uma equipe multidisciplinar uma vez por semana. A sede do Projeto conta com
uma coordenadora geral, duas psicólogas, três fonoaudiólogas e cinco psicopedagogas. A equipe
atende um total de 350 alunos. A Equipe Terapêutica no Pólo do Areão conta com uma
psicóloga, uma fonoaudióloga, uma monitora de arte terapia e atende 180 alunos. O Pólo da
CECAP tem em sua equipe uma psicóloga, uma fonoaudióloga e uma psicopedagoga e atendem
75 alunos. Há duas assistentes sociais que atendem a sede e os dois Pólos. No total, são 605
alunos terapeuticamente assistidos por quatro psicólogas, cinco fonoaudiólogas, sete
psicopedagogas e duas assistentes sociais. A Equipe Itinerante, que avalia e acompanha os 1.978
alunos das Salas de Recurso I, Especializada e de Aceleração, nas unidades escolares, é composta
por uma psicóloga, uma fonoaudióloga e seis supervisoras, que também atuam na avaliação e
orientação. O mesmo documento mostra 45 professoras e três estagiárias atendendo os alunos de
1ª à 4ª série/2º ao 5º ano do Ensino Fundamental.
Segundo documento de julho de 2007 (TAUBATÉ, 2007a), a equipe de Educação Infantil
é composta por uma coordenadora, duas psicólogas, duas fonoaudiólogas, quatro pedagogas-
supervisoras e uma coordenadora e tiveram 465 alunos atendidos nas creches até 2006. Tanto na
Educação Infantil quanto no Ensino Fundamental os casos antigos têm continuidade do
atendimento no ano letivo seguinte.
Por meio desses documentos obtidos no DEC e na sede do Projeto Integra/Ativa, e
considerando que as funcionárias públicas consultadas tenham fornecido acesso a toda a
documentação sobre as políticas públicas em educação inclusiva na cidade de Taubaté, vemos,
com nitidez, que o município não promove trabalhos inclusivos, mas sim voltados à integração da
criança com necessidade educacional especial. Uma das características do modelo de integração,
e possivelmente a principal delas, é o acesso condicionado à classe comum, de acordo com a
limitação do aluno, enquanto que no modelo inclusivo, somente em casos extremos o aluno
deverá ser assistido em classe ou instituição segregada (ABENHAIM, 2005; PRIETO, 2006). No
Projeto Integra/Ativa, o aluno pode ter acesso à Sala de Recurso, Sala Especializada, Sala de
Aceleração e Atendimento Terapêutico e em nenhum momento do programa são descritas
propostas de trabalhos desenvolvidos exclusivamente dentro das classes comuns, ficando a
critério das escolas a formulação e implantação desses trabalhos. Os serviços em educação
especial propostos pela política pública do município são desenvolvidos em ambiente segregado,
como complemento ou substituto do ensino regular, o que não difere das antigas classes
especiais.
A própria legislação brasileira tem brechas que possibilitam a dicotomia do ensino,
separando as classes comuns dos atendimentos especializados, apesar da política de inclusão que
privilegia o desenvolvimento de trabalhos dentro das classes regulares (CROCHÍK, 2003).
Vemos essa brecha, por exemplo, na Constituição Federal, no ECA, na LDBN e no Decreto no.
3.298/99. Segundo a Constituição Federal: “Art. 208. O dever do Estado com a Educação será
efetivado mediante a garantia de: III – atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988). O ECA, no Art. 54,
dispõe do mesmo texto da Constituição (BRASIL, 1990). Já a LDBN diz: “Art. 58. § 2º O
atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que,
em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes
comuns do ensino regular” (BRASIL, 1996). O Decreto no. 3.298/99 define os serviços de
educação especial:
Art. 25. Os serviços de educação especial serão ofertados nas instituições
de ensino público ou privado do sistema de educação geral, de forma
transitória ou permanente, mediante programas de apoio para o aluno que
está integrado no sistema regular de ensino, ou em escolas especializadas
exclusivamente quando a educação das escolas comuns não puder
satisfazer as necessidades educativas ou sociais do aluno ou quando
necessário ao bem-estar no educando (BRASIL, 1999).
Vemos em todos esses trechos, extraídos de diferentes instrumentos da legislação federal,
a possibilidade da criação de um sistema segregado, de forma que não podemos alegar que
Taubaté não esteja seguindo a lei. A Constituição Federal e o ECA dizem que o atendimento
especializado deve ser “preferencialmente” na rede regular de ensino, possibilitando que não o
seja. Da mesma forma, a LDBN diz que o atendimento especializado pode ser segregado sempre
que não for possível a integração do aluno em classes comuns. De forma similar, o Decreto
3.298/99 fala da criação de escolas especializadas “quando necessário ao bem-estar do
educando”. No que consistem a não possibilidade de integração e o bem-estar do educando?
Enquanto a primeira está diretamente ligada ao tipo de trabalho ofertado pela escola, ou seja, à
capacitação dos professores que viabilizem a inclusão, o segundo refere-se, primordialmente, à
forma como os alunos com necessidades educacionais especiais são tratados dentro do espaço
escolar, sendo vítimas ou não do preconceito. Em ambos os casos, o que levaria à criação de um
ensino segregado é a falta de preparo das escolas para receber os alunos inclusivos. A legislação,
em vez de ser objetiva quanto à obrigatoriedade da inclusão, utiliza termos e expressões que
podem receber diferentes interpretações, possibilitando e convalidando o ensino segregado.
Vemos uma terminologia mais objetiva na Resolução nº2/01, quando essa diz:
Art. 10º. Os alunos que apresentem necessidades educacionais especiais e
requeiram atenção individualizada nas atividades da vida autônoma e
social, recursos, ajudas e apoios intensos e contínuos, bem como
adaptações curriculares tão significativas que a escola comum não
consiga prover, podem ser atendidos, em caráter extraordinário, em
escolas especiais, públicas ou privadas, atendimento esse
complementado, sempre que necessário e de maneira articulada, por
serviços das áreas de Saúde, Trabalho e Assistência Social (BRASIL,
2001).
Esse artigo da Resolução nº2/01, ao contrário dos demais instrumentos legais, utiliza uma
terminologia que restringe o ensino segregado a alunos que necessitam de apoios intensos e
contínuos e auxílio nas atividades da vida autônoma e social. Isso elimina das classes segregadas,
de imediato, alunos com dificuldades de aprendizagem, distúrbios de aprendizagem e deficiência
mental leve, por exemplo. A política pública de Taubaté sobre educação especial está em
desacordo com essa Resolução, pois o objetivo geral do Projeto Integra/Ativa visa “atender os
alunos de 1ª as 4ª Séries do Ensino Fundamental da Rede Municipal, com dificuldades e ou
distúrbios de aprendizagem junto a Escola onde o Projeto será instalado” (TAUBATÉ, 2005, p.
1). Contudo, se comparado aos demais documentos relatados está em concordância com os
Artigos que legitimam a existência das Salas de Recurso, Especializadas e de Aceleração. No
Projeto Integra/Ativa, assim como na integração escolar, a sala comum é uma entre tantas
possibilidades de ensino.
Por meio dessa mesma citação do Projeto, vemos também que ele exclui necessidades
educacionais especiais auditivas, visuais, superdotação, transtornos do desenvolvimento, como
esquizofrenia e autismo, entre outros. Toda a população com alguma dessas necessidades
especiais é encaminhada ao CEDIC, “Madre Cecília”, “Casa da Mãe Taubateana”, APAE
(Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) ou alguma outra instituição segregada. Mesmo
atendendo somente alunos com dificuldades e ou distúrbios de aprendizagem, o Projeto
Integra/Ativa criou salas segregadas para atendimento especializado desses educandos. Até que
ponto eles realmente não teriam condições de serem atendidos nas salas regulares? Seria
necessária uma análise crítica das avaliações da Equipe Itinerante para averiguar a necessidade da
presença desses alunos em salas segregadas.
Outra questão referente ao modelo integrativo, segundo Prieto (2006), refere-se à divisão
entre três dimensões: física, funcional e social, e é possível identificar todas no Integra/Ativa. A
dimensão física é aquela que permite o contato entre alunos com e sem necessidades
educacionais especiais. Em Taubaté, os alunos que freqüentam a Sala de Recursos I participam
da classe comum, de forma que há aproximação física entre eles e os demais alunos da sala. Essa
proximidade só é possível porque estudam na mesma classe, ou seja, usufruem o mesmo recurso
educacional que os demais alunos, sendo essa a dimensão funcional. Esse contato e participação
na sala possibilitam o convívio social, caracterizando a dimensão social.
Essas três dimensões também existem no modelo de inclusão escolar, porém, a grande
diferença entre os modelos é que nesse o foco não está na limitação do aluno. Na integração,
assim como no Projeto Integra/Ativa, é o aluno que se adapta à escola, uma vez que ele só terá
acesso à classe comum de acordo com sua limitação. Ao contrário disso, a inclusão escolar
propõe que escola se prepare para receber o aluno. Trabalhos devem ser desenvolvidos
previamente à entrada do aluno na escola e o professor formula suas aulas de acordo com a classe
que tem, com flexibilização e adaptações curriculares, como nos mostra a LDBN: “Art. 59. Os
sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I – currículos,
métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas
necessidades” (BRASIL, 1996).
Assim, enquanto na inclusão a escola se adapta para receber todos os mundos, na
integração o aluno deve se adaptar ao modelo pré-existente da escola, e, caso haja dificuldades
nessa adaptação, o aluno é encaminhado a um ensino segregado, como complemento à classe
comum (Salas de Recurso) ou substituto dela (Salas Especializadas) (CROCHÍK, 2003;
ABENHAIN, 2005; PRIETO, 2006). Vemos isso com clareza no Projeto Integra/Ativa:
Após avaliação fazem [a Equipe Itinerante] discussão de caso, onde é
elaborado um programa de ação que atinja as dificuldades apresentadas
[pelo aluno] e quando necessário são encaminhados para Atendimentos
Terapêuticos, Salas de Recurso I e/ou Salas Especializadas (TAUBATÉ,
2007a, p. 1).
Uma vez que o aluno é encaminhado a uma das modalidades de atendimento do Projeto
Integra/Ativa, ele passa a receber acompanhamento de professores capacitados, conforme nos
mostra o Projeto: “nossos profissionais são capacitados no início de cada semestre, de acordo
com o calendário escolar e nas datas de reuniões pedagógicas e oficinas pelas Equipes Itinerante
e Terapêutica e Profissionais convidados dentro de nossa área de atuação” (TAUBATÉ, 2007a, p.
1). Porém, no modelo inclusivo, o professor do ensino regular também deve ser capacitado para
que possa integrar os alunos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns,
conforme delibera a LDBN:
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com
necessidades especiais: III – professores com especialização adequada em
nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como
professores do ensino regular capacitados para a integração desses
educandos nas classes comuns (BRASIL, 1996).
Também vemos isso na Resolução nº2/01:
Art. 8º As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na
organização de suas classes comuns:
I - professores das classes comuns e da educação especial capacitados e
especializados, respectivamente, para o atendimento às necessidades
educacionais dos alunos (BRASIL, 2001).
Ou seja, segundo esses documentos federais, os alunos inclusivos devem ser assistidos por
professores das classes comuns capacitados e por professores especializados. Ambos os
profissionais devem trabalhar em conjunto para melhor atender as necessidades do educando.
Ainda segundo a Resolução nº 2/01:
Art. 18 § 1º São considerados professores capacitados para atuar em
classes comuns com alunos que apresentam necessidades educacionais
especiais aqueles que comprovem que, em sua formação, de nível médio
ou superior, foram incluídos conteúdos sobre educação especial
adequados ao desenvolvimento de competências e valores (...)
§ 2º São considerados professores especializados em educação especial
aqueles que desenvolveram competências para identificar as necessidades
educacionais especiais para definir, implementar, liderar e apoiar a
implementação de estratégias de flexibilização, adaptação curricular,
procedimentos didáticos pedagógicos e práticas alternativas, adequados
aos atendimentos das mesmas, bem como trabalhar em equipe, assistindo
o professor de classe comum nas práticas que são necessárias para
promover a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais
(BRASIL, 2001).
Para analisar a capacitação dos professores da classe comum no município de Taubaté
seria necessário um trabalho de campo ou documental que investigasse a formação desses
profissionais. Já a equipe do Integra/Ativa, conforme visto acima, é capacitada semestralmente.
Segundo a Resolução nº2/01, é de competência desses profissionais assistirem a escola e o
professor da classe comum quanto às práticas necessárias à implantação da inclusão. Contudo, o
contato entre especialista e professor da classe comum, em Taubaté, ocorre com o objetivo de que
aquele forneça devolutivas terapêuticas e pedagógicas sobre o trabalho segregado a esse e não de
auxiliá-lo na formulação de suas práticas pedagógicas. O mesmo documento federal também diz,
no Art. 18 que “§ 4º Aos professores que já estão exercendo o magistério devem ser oferecidas
oportunidades de formação continuada, inclusive em nível de especialização, pelas instâncias
educacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (BRASIL, 2001).
Os documentos disponibilizados pelo DEC e pela sede do Projeto Integra/Ativa não
discorrem sobre cursos de formação continuada aos professores da rede municipal, o que não
significa que trabalhos dessa natureza não sejam desenvolvidos na cidade. Conforme vimos
acima, é de responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a
formação continuada dos educadores. Com base nisso, durante os meses de abril a outubro de
2007, a Secretaria de Educação Especial (SEESP/MEC) desenvolveu um curso de especialização
em educação inclusiva, como parte do programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, com
“o objetivo de preparar educadores para o atendimento especializado dentro dos sistemas
públicos de ensino e criar novas oportunidades de inclusão” (LORENZONI, 2007). Esse curso,
com módulos presenciais e à distância, capacitou, no módulo inicial, em Brasília, 144 tutores de
municípios-pólo distintos e inscritos no programa, para que cada um orientasse 10 educadores de
seu próprio município. No total, participaram do curso 1.440 professores e gestores da Rede
Básica. Embora essa seja uma saída oportuna para a formação continuada de educadores, convém
mencionar que o país tem um total de 5.564 municípios, segundo dados do próprio Governo
Federal (BRASIL, 2006), de forma que 144 deles equivalem a 2,58% do total no país. Até que
ponto o objetivo do programa é realmente viabilizar a educação inclusiva, ou é criar mecanismos
que comprovem pública e internacionalmente a tentativa de implantação da inclusão, mas com o
objetivo latente de manter a exclusão?
Não há dúvida de que há profissionais bem intencionados e propostas criativas à
viabilização da inclusão. Contudo, se não houver uma reforma estrutural no sistema educacional,
o que depende de uma proposta política com a ideologia da mudança, a educação inclusiva
resultará na legitimação do fracasso e da incompetência individual das pessoas com necessidades
educacionais especiais e será reforçada a distinção entre os normais e os anormais. Conforme
Veiga Neto (2005), Angelucci (2006) e Prieto (2006), se o discurso político não intencionar a
mudança de fato, a inclusão permanecerá como uma forma de manter excluído.
Souza (2006) aponta para a função do professor na implantação do modelo educacional de
inclusão escolar. Todas as propostas políticas recaem sobre a prática cotidiana dele, de forma que
é fundamental a sua participação na tomada de decisões políticas para que eles se sintam
valorizados, co-responsáveis e compromissados com a causa. Além disso, provém de professores
idéias criativas para problemas da prática cotidiana. No Projeto Integra/Ativa todos os
documentos foram assinados pela Coordenadora Técnica Especialista e alguns deles também pela
Psicóloga Coordenadora. Seria interessante analisar em que condições as propostas foram
formuladas e se tiveram participação de professores e gestores em sua criação. Esse trabalho
requer entrevistas, não sendo de competência desse estudo a sua realização.
Para que o modelo de inclusão seja implantado, são necessárias, portanto, mudanças de
paradigmas e uma reestruturação do sistema educacional, como discutem Abenhaim (2005),
Crochík (2002; 2003) e Prieto (2006). Segundo esses autores, uma das mudanças imperativas é a
valorização do ritmo de cada um, o que vai contra a busca constante pela eficiência e perfeição,
inerentes ao sistema capitalista de produção. A valorização de ritmos individuais traria benefícios
à classe como um todo. No Projeto Integra/Ativa, um dos itens presentes na Ficha de
Encaminhando (TAUBATÉ, 2001) que o professor do ensino regular deve preencher com
informações sobre o aluno é com relação ao nível em que ele se encontra comparando-o com os
demais alunos da sala de aula. Não há como confrontar níveis e valorizar o ritmo de cada um ao
mesmo tempo. Assim, a própria proposta política impossibilita a valorização dos ritmos
individuais, imprescindível para a implantação da inclusão.
Para que a educação inclusiva se viabilize, também é necessário que o professor promova
atividades tendo a classe como foco e o trabalho cooperativo como instrumento de aprendizagem
(ABENHAIM, 2005; CROCHÍK, 2002; 2003; PRIETO, 2006). Conforme a Resolução nº2/01
estabelece:
Art. 8º As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na
organização de suas classes comuns:
VII - sustentabilidade do processo inclusivo, mediante aprendizagem
cooperativa em sala de aula, trabalho de equipe na escola e constituição
de redes de apoio, com a participação da família no processo educativo,
bem como de outros agentes e recursos da comunidade (BRASIL, 2001).
Uma vez que não há descrição de treinamento ao professor do ensino regular quanto à
aprendizagem cooperativa, assim como com relação ao princípio da igualdade e da diferença, fica
a critério da unidade escolar colocá-los em prática.
Outra transformação necessária para a inclusão diz respeito à valorização da diversidade,
conforme previsto na Resolução nº2/01:
Art. 8º As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na
organização de suas classes comuns:
II - distribuição dos alunos com necessidades educacionais especiais pelas
várias classes do ano escolar em que forem classificados, de modo que
essas classes comuns se beneficiem das diferenças e ampliem
positivamente as experiências de todos os alunos, dentro do princípio de
educar para a diversidade (BRASIL, 2001).
Conforme descrito anteriormente, o Projeto Integra/Ativa mantém parte dos alunos com
necessidades educacionais especiais em classes comuns. Porém, em nenhum documento é
especificada a valorização da diversidade para o enriquecimento de toda a classe. A educação
inclusiva, ao valorizar a diversidade, ao contrário da tolerância a ela, e ao ter todos na mesma sala
de aula, privilegia a condição de igualdade da natureza humana e de igualdade de oportunidade,
como discutem Abenhaim (2005), Veiga Neto (2005), Mantoan (2006) e Prieto (2006). Já as
escolas que procuram a homogeneização do ensino por desconsiderarem a diversidade realizam a
separação das salas, entre regulares e especiais, ou seja, a separação entre os perfeitos e os
imperfeitos. Como dito acima, o Projeto Integra/Ativa não cita a valorização da diversidade e
propõe o trabalho especializado em classes segregadas, que, segundo Mantoan (2006) são
embrutecedoras da inteligência. Com isso, é possível inferir que a atual proposta política da
cidade de Taubaté não valoriza o princípio da igualdade e da diferença, sem os quais não há
proposta inclusiva, ficando a cargo dos gestores das escolas o trabalho nesse sentido. Conforme a
Resolução nº2/01:
Art. 4º Como modalidade da Educação Básica, a educação especial
considerará as situações singulares, os perfis dos estudantes, as
características biopsicossociais dos alunos e suas faixas etárias e se
pautará em princípios éticos, políticos e estéticos de modo a assegurar:
II - a busca da identidade própria de cada educando, o reconhecimento e a
valorização das suas diferenças e potencialidades, bem como de suas
necessidades educacionais especiais no processo de ensino e
aprendizagem, como base para a constituição e ampliação de valores,
atitudes, conhecimentos, habilidades e competências.
Ou seja, para que uma proposta política pública em educação inclusiva se efetive é
necessário conciliar o princípio da igualdade com o da diferença, para que o aluno seja respeitado
em sua identidade, valorizado em suas diferenças e receba, como direito civil, atendimento
educacional adequado às suas necessidades. Quando essas questões são desconsideradas, o
resultado é que a inclusão do aluno deixa de ter como meta a educação de qualidade e passa a
enfocar sua socialização. Vemos isso com clareza no Projeto Integra/Ativa, que tem como
objetivo das Salas Especializadas “manter-los [alunos com necessidades educacionais especiais]
na Rede Municipal Regular incentivando-os em suas habilidades dentre as inteligências múltiplas
com intuito de incluí-los socialmente, visto que a maioria não conseguiria se desenvolver
pedagogicamente para funções acadêmicas regulares” (TAUBATÉ, 2007a, p. 4). Conforme
Angelucci discute (2006), famílias e escolas no Brasil não compreenderam o significado da
inclusão, pois ambos têm estado satisfeitos com a matrícula de crianças e jovens com
necessidades educacionais especiais em escolas regulares com a finalidade de socializá-los. Disso
a autora deduz que, para famílias e escolas, a inclusão só traz benefícios aos alunos que foram
incluídos e não aos demais alunos da sala, corroborando mais uma vez a inexistência do princípio
da diversidade como enriquecedor das experiências humanas.
A psicanálise nos mostra que a diversidade é necessária para o desenvolvimento de
sujeitos diferenciados, capazes de refletir e perceber sua existência como parte do contexto
histórico (ADORNO, 1965; CROCHÍK, 1996; 1997; 2002; 2003; 2005, FREUD, 1976; 1986).
Tanto os alunos com deficiência, quanto os sem, professores, coordenação, direção, pais de
alunos, funcionários administrativos, equipe de limpeza e de cozinha, instrutores disciplinares,
etc., ou seja, toda a comunidade escolar se beneficiaria da diversidade proposta pela inclusão.
Devemos lembrar que educação inclusiva não se refere somente aos alunos com necessidades
educacionais especiais, mas sim a todas as minorias políticas e étnicas, como negros, migrantes,
menores infratores e alunos de baixa renda (CROCHÍK, 2002; 2003; PRIETO, 2005). A
diversidade permite a identificação com objetos variados, condição fundamental para o
desenvolvimento de um ego bem estruturado. A psicanálise no explica que quando um sujeito se
identifica com algo ou alguém, há uma interdição e a necessidade da renúncia do objeto de desejo
e, na tentativa de imaginariamente retê-lo, o sujeito incorpora características desse objeto que
permanece como parte constitutiva de seu ego (FREUD, 1986). O conflito entre aquilo que se
deseja e sua proibição gera uma constante ansiedade no sujeito, necessária para a repressão de
impulsos destrutivos e para o convívio em sociedade. Quanto maior o número de identificações,
ou seja, quanto maior a diversidade para a identificação com objetos distintos, mais diferenciado
se torna o sujeito (ADORNO, 1965; CROCHÍK, 1996; 1997; 2002; 2003; 2005, FREUD, 1976;
1986).
Pessoas com necessidades educacionais especiais possibilitam que aqueles de seu
convívio se identifiquem com características diversas. Uma delas é a identificação com nossa
condição de fragilidade humana perante a natureza. Segundo Freud (1986), o poder superior da
natureza e a fragilidade de nossos próprios corpos são geradores de sofrimento constante no
homem. A única forma de minimizar esse sofrimento é percebendo que não há o que questionar e
julgar quanto a essas questões. Ao admitir nossa fragilidade, nos livramos de parte do sofrimento
por sabermos que somos incapazes de nos libertar dele. Nesse sentido, alunos com necessidades
educacionais especiais possibilitam que todos da comunidade escolar se beneficiem da redução
desse sofrimento como resultado da identificação. Da mesma forma, quando um desses alunos
supera seus próprios limites, todos que presenciaram o feito, e até mesmo todos da humanidade
deveriam se sentir igualmente vitoriosos, pela superação dos limites humanos perante o poder da
natureza (CROCHÍK, 2002; 2003). Um professor se sentiria ultrapassando seus próprios limites
ao ensinar algo a um aluno que antes julgava incapaz de aprender e os colegas de sala se
sentiriam mais capazes de igualmente romper suas próprias barreiras.
Também podemos exemplificar os benefícios da diversidade com alunos de baixa renda
atuando como modelos de identificação em uma sala de aula regular. Um professor crítico
percebe sua co-participação nos produtos históricos e se vê como co-responsável pela condição
desfavorecida dos alunos de baixa renda. O professor que se identifica propõe práticas
pedagógicas com ênfase na história dos homens, aproximando-os e diferenciando-os entre si e da
natureza, de forma que os demais alunos da classe possam perceber as condições de vida dos
alunos de baixa renda como resultado da ação do homem e não como inerentes e naturais à classe
baixa. A presença dos alunos de baixa renda em classes regulares, desde que preservadas as
condições da hipótese do contato, como cooperação, amizade e um clima cultural e institucional
apropriados, favorece o desenvolvimento do pensamento crítico dos demais alunos da sala, pela
identificação com a condição de humano co-produtor da história e pela percepção da inadequação
das regras que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no
Estado e na sociedade.
Embora a identificação e a projeção sejam necessárias para que o sujeito se conheça, elas
precisam ser bem controladas e refletidas, para que se diferencie sujeito e objeto (CROCHÍK,
1997; 2005). Freud (1986) explica que quando a ansiedade resultante do conflito entre o desejo
negado, que se mantém no ego, e a auto censura é muito grande, a culpa surge como produto.
Para sua redução, nos explica Crochík (1997; 2005), o sujeito nega que se identifica e projeta sua
fragilidade e/ou seu fracasso em um objeto que apresente inadequação a uma exigência social.
Aquilo que se deseja ser/ter é recriminado e é projetado no outro em uma tentativa de negar que
lhe pertence. Ele julga como do outro aquilo que é seu e lhe causa sofrimento. Com isso,
conforme o autor, a racionalização da hostilidade e a negação da identificação com o alvo do
preconceito possibilitam a redução da angústia. Uma educação com poucos modelos, uma
identificação rígida com os pais ou a não identificação com eles resultam em um eu frágil,
indiferenciado, que não se conhece e não distingue aquilo que é de responsabilidade individual
daquilo que é de responsabilidade social; ou seja, o sujeito é incapaz de refletir e de se perceber
como co-autor dos produtos históricos.
A teoria crítica da sociedade considera como indivíduo crítico aquele que percebe sua
existência como parte do contexto histórico e para isso ele precisa ser diferenciado
(HORKHEIMER; ADORNO, 1973a). Ele se conhece no contato de sua autoconsciência com a
de outra pessoa, de forma que uns dependem dos outros para adquirem consciência crítica de si
mesmos. Na sociedade, tal como entendida por essa teoria, todo mundo tem uma função e o todo
só existe pela integração das funções de cada um dos co-participantes. O sistema educacional
predominante no país, assim como o Projeto Integra/Ativa, identifica limitações e as trabalha
como foco, de forma que as pessoas com necessidades educacionais especiais têm sua função
menosprezada na sociedade, dificultando, para não dizer impossibilitando, o desenvolvimento
crítico da civilização. A função dessas pessoas passa a ser a de servir de modelo de identificação
com aquilo que é censurado pelo superego dos outros, sendo alvos dos impulsos destrutivos da
identificação negada, que aparece socialmente na forma de preconceito.
O fracasso do atual sistema educacional é resultado da influência das ciências naturais,
que possuem a dedução como máxima, buscam dados exatos e seguros para suas análises e
seguem orientação positivista. A teoria tradicional, na qual se baseiam as ciências naturais, busca
relações matemáticas, lógicas, para os objetos estudados, sem reconhecer a dialética sujeito-
objeto existente em qualquer relação (HORKEIMER, 1989). A Ficha de Encaminhamento para o
Projeto Integra/Ativa e o trabalho realizado pela Equipe Itinerante seguem claramente esse
modelo, pois não há espaço para que o professor relate questões extra-aluno e não compete à
Equipe Itinerante a análise da escola, do material didático, da qualidade da aula do professor, das
normas institucionais impostas pela escola e de inúmeras outras múltiplas determinações das
dificuldades de aprendizagem.
O pensamento teórico tradicional e a cumplicidade ideológica entre a psicologia e a
educação preservam os educadores das contradições sociais e os ensinam a lidar com a limitação
do outro como decorrência de questões concretas como: dificuldades familiares, emocionais, de
aprendizagem, de higiene, de linguagem e econômicas (PATTO, 1990; SOUZA, 1997). Essa
postura tradicional e a crença na teoria da carência cultural resultam em crianças que não
conseguem ser alfabetizadas e em rótulos e estigmas de dificuldades ou distúrbios de
aprendizagem e, até mesmo, deficiência mental. A essas crianças é imposto o estereótipo de
alunos-problema e elas crescem como vítimas do preconceito. Diversas pesquisas demonstraram
que elas incorporam o diagnóstico que lhes foi dado, reconhecendo-se como “burras” e incapazes
de aprender e crescem com sentimentos de inferioridade, inadequação social, insegurança e com
dificuldades no convívio social (KALMUS; PAPAREILLI, 1997).
O Projeto Integra/Ativa atende alunos que receberam diagnóstico de dificuldade e ou
distúrbio de aprendizagem e que carregam consigo estereótipos depreciativos por apresentarem
dificuldades em sala de aula. Estereótipos são criações da cultura que atribui predicados fixos a
determinado grupo e juízos de valor a cada predicado, de acordo com a valorização ou
desvalorização de determinado papel social e sua relação com a divisão do trabalho (CROCHÍK,
1996; 1997; HORKHEIMER; ADORNO, 1973b). O estereótipo tem a função de naturalizar uma
realidade que foi construída pela cultura. Ele racionaliza o preconceito por meio de explicações
de que há papéis e funções sociais com diferentes graus de valor. Nesse sentido, pessoas com
deficiência mental, auditiva, visual e física recebem costumeiramente o estereótipo de incapazes
por não corresponderem à exigência de eficácia e utilidade para vencer a competição no mercado
de trabalho. Contudo, o foco no trabalho também é engenho da civilização, de forma que ela cria
um valor e desvaloriza aqueles que não correspondem às suas exigências. Assim, quando uma
pessoa nega que se identifica com um deficiente e projeta nele impulsos destrutivos advindos da
culpa do desejo negado, a violência da projeção não ocorre em função do objeto, mas do que ele
representa para a pessoa. O preconceito independe da ação da vítima, pois ele surge da projeção
de características do próprio algoz (ADORNO, 1965; CROCHÍK, 1996; 1997; 2001; 2005;
HORKHEIMER; ADORNO, 1973b).
O indivíduo crítico se percebe como co-participante da sociedade e se vê no produto
social (HORKHEIMER; ADORNO, 1973b). Como o estereótipo é criação cultural, ele se vê
como co-responsável pela sua criação e procura transformar a realidade concreta por meio de sua
práxis. Esse sujeito entende o produto do trabalho do homem como criação dele e, como tal,
deveria estar sob seu controle. Uma vez que a sociedade contemporânea vive a barbárie, o
indivíduo crítico contraria o modo de pensar atual, pois percebe a necessidade de uma nova
organização do trabalho e a ruptura do favorecimento dos interesses da ordem (HORKHEIMER,
1989). Ao mesmo tempo em que esse sujeito se percebe no produto social, ele também o
considera como desvinculado de sua ação, pois enxerga algo de desumano com o qual não se
identifica. Em resultado, a identificação do sujeito com o esse produto é contraditória
(HORKHEIMER, 1989).
Seguindo esse pensamento, professores críticos se percebem como co-responsáveis pelo
fracasso, evasão e exclusão escolar, pelos diagnósticos psicopedagógicos errôneos e ou
precipitados e pelo preconceito dirigido a alunos provenientes das minorias políticas e étnicas; e
ele sabe que se o preconceito é cultural, é possível eliminá-lo. Ao mesmo tempo, a identificação
deles também é contraditória, porque percebem a desumanidade desses fatos concretos, que,
como produtos do trabalho humano, deveriam estar sob seu controle, mas percebe que não estão.
De toda forma, a práxis do professor crítico é orientada para o esclarecimento e para a
emancipação de seus alunos.
O atual sistema educacional brasileiro, tendo como exemplo aspectos do Projeto
Integra/Ativa, dificulta a formação de alunos e professores críticos. A busca constante pela
eficiência e perfeição, a ruptura do todo em partes, a visão reducionista da realidade, a ênfase na
competência, na utilidade e na técnica (CROCHÍK, 2001) dificultam que alunos e professores se
identifiquem com os produtos do contexto social mais amplo e da instituição escolar. A síntese já
vem pronta e não há a necessidade de discriminação e formação de juízo, resultando na não
identificação com o produto. A Ficha de Encaminhamento e a avaliação da Equipe Itinerante, ao
desconsiderarem as múltiplas determinações das dificuldades de aprendizagem e a existência da
separação entre salas regulares, Salas de Recurso I, Especializadas e de Aceleração são exemplos
da perpetuação da ideologia da racionalidade tecnológica, que favorece a formação de indivíduos
predispostos ao preconceito. Nessa ideologia, não há tempo para a reflexão das causas e dos
valores implicados nos problemas que surgem, reduzindo a dimensão histórica e perpetuando os
interesses da ordem.
No Projeto Integra/Ativa, 605 alunos são terapeuticamente assistidos por quatro
psicólogas, cinco fonoaudiólogas, sete psicopedagogas e duas assistentes sociais. Segundo o
Projeto, cada aluno recebe atendimento individual semanal com cada profissional, de forma que
cada psicóloga, por exemplo, fica responsável pelo atendimento de uma média de 150 alunos por
semana. Mais do que isso, a Equipe Itinerante acompanha o desenvolvimento de 1.978 alunos do
município e é composta por uma psicóloga, uma fonoaudióloga e seis supervisoras. É certamente
uma grande carga de trabalho para poucos profissionais, de forma que a ideologia da
racionalidade tecnológica, com nitidez, perpassa as políticas públicas em educação inclusiva na
cidade de Taubaté. Considerando a razão profissional/aluno, os problemas que surgem no
cotidiano do trabalho dos profissionais do Projeto devem ser solucionados em instância imediata,
de forma que a visão reducionista da realidade e a valorização da técnica possivelmente precisam
ser empregadas. O pensamento superficial não contempla a apreensão da relação sujeito-objeto,
impossibilitando a auto-reflexão. É necessário sair da superfície imediata para o desenvolvimento
da leitura reflexiva e para a percepção da natureza social, material e histórica responsáveis pela
objetividade dos objetos (PUCCI; OLIVEIRA; ZUIN, 2001).
O Projeto Integra/Ativa carrega em si uma grande contradição, pois ele trabalha pela
integração de alunos com dificuldades e ou distúrbios de aprendizagem e apresenta a eles como
modelo de identificação o homem que corresponde à produtividade exigida pelo sistema. O
professor, conforme Adorno (2003e), têm um papel central na formação de egos bem
estruturados. Todas as figuras de autoridades servem como modelos de identificação aos jovens
em formação e o modelo passado pelos profissionais do Projeto Integra/Ativa é do homem que
valoriza a técnica, o sistema dicotômico e o reducionismo dos objetos. Não há tempo para os
profissionais envolvidos no Integra/Ativa para a análise crítica e a consideração histórica das
necessidades educacionais especiais, de forma que os alunos assistidos pelo Projeto ficam
sujeitos à distinção entre normais e anormais, perfeitos e imperfeitos, favorecendo a formação de
personalidades preconceituosas, tanto entre os alunos com necessidades especiais, quanto entre os
sem. A ideologia nas entrelinhas do Projeto é que eles se mantenham como alvos do preconceito,
pois não há aspectos do programa que visem a eliminação de suas causas geradoras. O programa
legitima as incompetências, que foram criadas e são cotidianamente reforçadas pela própria
cultura.
Para Freud (1986) e Adorno (2003a; 2003b; 2003c), a civilização humana gera e reforça
aquilo que é anticivilizatório. Para eles, a barbárie está implícita no princípio da civilização e o
preconceito extremado, tal como visto na história da humanidade, contra judeus, homossexuais,
deficientes e outros grupos minoritários é uma das possíveis manifestações da barbárie. Nesse
sentido, uma educação que favorece a formação de personalidades preconceituosas precisa ser
combatida com urgência. É importante observar que o Projeto Integra/Ativa não é exceção, mas
sim o modelo predominante de educação contemporânea. Certamente, há profissionais bem
intencionados que não percebem a amplitude e a ideologia que permeia o Projeto.
Para Adorno (2003a), a única forma de desbarbarizar a sociedade é por meio da criação de
um clima favorável à transformação e nisso a educação inclusiva teria muito a contribuir. Como
já visto, a valorização da diferença colabora na formação de indivíduos mais diferenciados e
críticos. Para o frankfurtiano, as escolas têm a responsabilidade de apresentar aos alunos a
barbárie que a humanidade já vivenciou, pois a discussão sobre os motivos que levaram ao horror
contribui no sentido do esclarecimento e do posicionamento aversivo à violência (ADORNO,
2003a; 2003b). O professor crítico trabalha em sala a valorização da diversidade e expõe o horror
pelo qual já passamos. A proximidade física entre alunos com necessidades educacionais
especiais e os sem, propiciada pela inclusão, colabora na identificação dessas com as vítimas do
preconceito, historicamente alvos de violência. Adorno (2003b), nesse sentido, traz o conceito de
hipótese da atração pessoal, na qual o algoz e se identifica com a condição de fragilidade humana
da vítima e, com isso, tanto um quanto o outro deixam de existir. O esclarecimento da barbárie,
fundamental à educação, ganha forças com a hipótese da atração pessoal, que tem sua
possibilidade de ocorrência aumentada com a diversidade proposta pela inclusão. Somente
através de um esclarecimento geral, será possível a criação de um clima de resistência ao
extremismo.
Adorno (2003a; 2003b; 2003d) propõe que o esclarecimento das crianças se inicie na
primeira infância. Para ele, a origem das configurações psíquicas propensas à barbárie remonta a
mais tenra infância, de forma que, o quanto antes esclarecermos as crianças, maiores as chances
de que elas desenvolvam personalidades avessas a qualquer tipo de violência e que atuem no
mundo pela desbarbarização da sociedade. Deve haver, então, um concentrado empenho na
educação das crianças da pré-escola, que devem ser tratadas sempre da melhor forma, com afeto
e esclarecimento e sem a ilusão de um mundo perfeito (ADORNO, 2003b).
É importante deixar claro que, para o frankfurtiano, a educação deve visar a autonomia,
mas também a adaptação das crianças, pois um processo educativo que não busque a adaptação é
impotente e ideológico (ADORNO, 2003d). As crianças com necessidades educacionais
especiais, assim como todas as outras, precisam aprender elementos culturais que possibilitem
sua adaptação ao convívio social. Essa é uma das funções primordiais das classes segregadas, que
desenvolvem trabalhos de acordo com a limitação do aluno, para que eles aprendam os conteúdos
culturais necessários a seu convívio social. Por exemplo, não há como deixar de admitir que é
fundamental ensinar pessoas com deficiência moderada a comerem na mesa com outras pessoas,
a terem higiene pessoal, a se vestirem sozinhas, etc. Da mesma forma, crianças sem necessidades
educacionais especiais, também precisam aprender conteúdos culturais para sua adaptação social.
Contudo, se a educação não visar também a autonomia, função primordial das classes regulares,
as crianças não irão desenvolver o poder auto-reflexivo, necessário para que vivam
autonomamente e se orientem no mundo. Para Adorno (2003d), o grande desafio da
desbarbarização é o desenvolvimento da autonomia dos homens.
O frankfurtiano (ADORNO, 2003a; 2003b) admite uma grande contradição de sua
proposta pedagógica. Para ele, todas as crianças devem ser tratadas com amor, contudo, os
adultos de hoje foram as crianças de ontem e não há como exigir que eles dêem algo que não
receberam. A imposição do amor é por si só contraditória e uma escola que exija de seus
professores que eles dêem carinho e calor humano às crianças está perpetuando a frieza. Para ele,
o primeiro passo é a compreensão do que gera a frieza, para que tomemos conhecimento de sua
gênese e possamos combatê-la.
O conceito de educação para Adorno (2003c) equivale ao de emancipação. Um indivíduo
emancipado tem o poder da auto-reflexão, um ego bem estruturado e é diferenciado. Para o autor,
a única forma de evitar uma nova Auschwitz é por meio de uma educação política que vise o
esclarecimento e a emancipação dos homens, para que eles se posicionem contra o horror.
Adorno (2003e) reconhece a existência do fator genético, mas defende que a capacidade de um
indivíduo ser esclarecido e emancipado depende das condições sociais em que ele foi formado.
Vemos assim, a importância das instituições escolares e em especial da educação
inclusiva para a formação dos homens. Conforme exposto na Resolução nº2/01 (BRASIL, 2001),
é de competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios a capacitação de professores
para a implantação da inclusão. O papel do professor é fundamental para o esclarecimento e para
educação emancipada. Nesse sentido, antes mesmo da implantação de propostas políticas
inclusivas é fundamental a formação dos profissionais os quais serão responsáveis pela prática
cotidiana inclusiva. A formação de professores é uma prioridade política anterior à implantação
da inclusão. Os cursos promovidos pela SEESP/MEC deveriam ter como uma de suas metas
fazer com que os professores tomem consciência do horror. Esses profissionais precisam ter
esclarecimento da importância do trabalho que irão desenvolver e precisam ser esclarecidos da
barbárie existente na sociedade para que tenham horror à violência e possam servir como
modelos de identificação aos jovens em formação.
Estudos sobre a hipótese do contato mostram que a simples aproximação física de alunos
com deficiência daqueles sem pode aumentar o preconceito desses contra aqueles. Segundo
Crochík (2001; 2002; 2003), a hipótese do contato é positiva e deve ser considerada como
argumento para a formulação de propostas inclusivas, desde que sejam preservadas algumas
condições necessárias, como a cooperação, a amizade, a valorização da diversidade e um clima
cultural e institucional apropriados. Com isso, vemos que, anteriormente à implantação de
propostas inclusivas, a escola deve ser preparada para receber alunos com necessidades
educacionais especiais. Em primeiro lugar, os professores devem ser preparados por órgãos do
Governo. Depois de preparada, a equipe técnica da escola deve desenvolver trabalhos com a
comunidade escolar – alunos, pais de alunos e demais funcionários – valorizando a cooperação, a
amizade e a diversidade, além de esclarecê-la quanto à barbárie no mundo. Esses pré-requisitos
para que a educação inclusiva seja possível, traz benefícios a todos da comunidade escolar, de
forma que esses trabalhos devem ser desenvolvidos em qualquer instituição, independente de ter
ou não pessoas incluídas. Somente após a formação de um clima cultural apropriado a escola está
apta a receber alunos inclusivos de uma forma crítica, com ênfase na potencialidade dos
indivíduos e na valorização da diversidade como enriquecedora da formação de todos. Caso
contrário, se as escolas não se prepararem para receber esse público, a matrícula deles poderá
contribuir para a legitimação da individualidade do fracasso, da dicotomia entre os homens
perfeitos e os imperfeitos e na formação de personalidades predispostas ao preconceito.
No ano de 1999, 16,9% dos alunos matriculados na Educação Especial no Brasil
freqüentavam escolas regulares/classes comuns e em 2005 esse número aumentou para 41%. Ou
seja, houve um significativo aumento no número de matrículas desse alunado em escolas
regulares/classes comuns, porém, não há dados quanto à qualidade do ensino oferecido. Com
isso, não é possível ficar nem feliz, nem triste com esses números. Tanto esse aumento pode ser
positivo, pois os alunos com necessidades educacionais especiais estão tendo respeitado o seu
direito civil de serem incluídos, quanto podem estar vivenciando o recrudescimento da exclusão,
mesmo que no interior das escolas.
Não competiu a essa pesquisa analisar a implantação das propostas políticas públicas em
educação inclusiva nas escolas do município estudado. Analisamos as políticas públicas por meio
de documentos oficiais do município. Verificamos que a ideologia que permeia a proposta
política em vigência é a ideologia da racionalidade tecnológica, que favorece a formação de
indivíduos predispostos ao preconceito e que o município segue o modelo educacional de
integração. Contudo, lidamos com documentos e não com pessoas. É de estrema importância o
desenvolvimento de uma pesquisa que investigue as atitudes em relação à educação inclusiva na
cidade de Taubaté e sua relação com o preconceito para que possamos verificar, de fato, a
existência ou não do preconceito contra pessoas com necessidades educacionais especiais no
município. Contudo, a própria pesquisa já seria contraditória, pois não há políticas públicas
inclusivas na cidade, mas sim, integrativas. De toda forma, é preciso estudar a demanda para não
correr o risco de investir dinheiro público em um trabalho que, desde sua gênese, está fadado ao
fracasso. Os educadores e psicólogos críticos que se propõem a trabalhar pelo esclarecimento e
emancipação dos homens precisam investigar as condições facilitadoras e dificultadoras da
inclusão, para que as barreiras sejam eliminadas, ou ao menos reduzidas, e a educação
emancipatória seja possível e o discurso crítico não se torne retórico.
5 CONCLUSÃO
Essa pesquisa teve como objetivo realizar uma análise crítica das políticas públicas em
educação inclusiva na cidade de Taubaté (SP), por meio do exame de documentos municipais e
federais segundo o referencial teórico da teoria crítica da sociedade. O Departamento de
Educação e Cultura do município forneceu acesso à documentação sobre o trabalho desenvolvido
na cidade, intitulado Projeto Integra/Ativa, que consiste na oferta de Salas de Recurso,
Especializadas e de Aceleração, além de um trabalho terapêutico especializado aos alunos com
dificuldades e ou distúrbios de aprendizagem do Ensino Fundamental e avaliação
psicopedagógica de alunos do Ensino Infantil.
A primeira conclusão a que chegamos pela avaliação dos documentos é que Taubaté não
segue o modelo educacional de inclusão escolar, mas o de integração, modelo que precedeu
aquele. Inclusão e integração são semelhantes, mas possuem diferenças significativas quanto à
concepção de necessidades especiais e aos trabalhos que antecedem e dão curso à implantação do
programa.
Uma dessas diferenças refere-se ao fato de que na integração o acesso do aluno com
necessidade especial à classe regular é condicionado, de acordo com a limitação do aluno,
enquanto que no modelo inclusivo somente em casos extremos ele deverá ser assistido em classe
ou instituição segregada. O trabalho de apoio pedagógico especializado que o Projeto
Integra/Ativa desenvolve ocorre em classes segregadas, em unidades da Rede Regular de Ensino
Fundamental do município, como complemento ou substituto do ensino regular aos alunos com
dificuldades e ou distúrbios de aprendizagem. Aos alunos com outras necessidades educacionais
especiais, tais como deficiência mental, visual, auditiva e física, além dos transtornos do
desenvolvimento, como esquizofrenia e autismo, caso não consigam acompanhar as classes
regulares, é ofertado o ensino em instituições segregadas.
Os documentos oficiais federais incentivam a inclusão mas, em sua maioria, concedem às
escolas a opção de incluir ou não o aluno, de acordo com o julgamento da escola quanto às
possibilidades do aluno de participar das aulas e da instituição de ofertar o trabalho inclusivo. A
legislação brasileira, com suas Leis, Decretos, Resoluções, etc., contém documentos em vigor
que se contradizem e que criam brechas para a legitimação do ensino dicotômico, de forma que
não podemos alegar que Taubaté esteja em desacordo com a lei.
Outra característica do modelo de integração presente nas políticas públicas de Taubaté
refere-se à manutenção da escola no atual modelo de funcionamento, ficando a cargo do aluno
sua adaptação a ela. Não há no Projeto Integra/Ativa alusão quanto ao desenvolvimento de
trabalhos nas escolas para que elas se preparem para receber os alunos, sendo essa uma exigência
do modelo inclusivo. Nas unidades escolares da Rede Regular de Ensino Fundamental de
Taubaté, a iniciativa de mudança pode vir dos gestores, mas não há, contudo, exigência política
para a efetivação desse trabalho. Embora seja responsabilidade legal dos profissionais
especializados o auxílio à transformação das escolas, no Projeto Integra/Ativa a comunicação
entre especialistas e professores do ensino regular é restrita à queixa do professor para o
encaminhamento do aluno ao Projeto e à devolutiva que ele recebe sobre os trabalhos
pedagógicos e terapêuticos desenvolvidos com o aluno.
Esse encaminhamento ocorre por meio do preenchimento de uma Ficha de
Encaminhamento, na qual o professor deve relatar aspectos do aluno e de sua família e as
propostas oferecidas pela escola à sua melhora, o que denuncia a cumplicidade ideológica do
trabalho com o sistema coercitivo que identifica a vítima e individualiza o fracasso. As múltiplas
determinações do fracasso escolar, tais como imposição de normas institucionais, qualidade do
corpo docente, metodologias e livros didáticos inapropriados, política educacional do país,
concepção discriminatória sobre a natureza e linguagem das crianças de classes populares, entre
outros, não são consideradas como influências significativas no desempenho escolar e os alunos
erroneamente recebem o diagnóstico de deficiência mental, de dificuldade e/ou de distúrbios de
aprendizagem. O resultado é a incorporação dos diagnósticos pelas crianças, que não conseguem
ser alfabetizadas e adquirir os conhecimentos socialmente acumulados, o que leva a um número
cada vez maior de alunos a freqüentar classes segregadas e ser vítima de preconceitos e estigmas.
Esse reducionismo dos objetos é necessário às exigências do sistema de produção, que
busca a formação de sujeitos incapazes de exercer a auto-reflexão e de perceber as contradições e
as injustiças sociais. Os trabalhos desenvolvidos pelo Integra/Ativa, além de demonstrarem
cumplicidade ideológica com o sistema, reproduzem a ideologia da racionalidade tecnológica,
que classifica, ordena, quantifica e sistematiza os objetos, extraindo-os de sua dimensão histórica,
o que decorre em um pensamento superficial e na não apreensão da relação sujeito-objeto. Como
resultado, o sujeito que adere a essa ideologia é impossibilitado de exercer a auto-reflexão.
A análise do Projeto Integra/Ativa segundo a teoria crítica da sociedade possibilitou a
identificação de uma grande contradição. O Projeto visa promover a identidade pessoal dos
alunos e elevar sua auto-estima, mas apresenta como modelo de homem normal aquele que
corresponde às exigências de produtividade e utilidade do sistema, de forma que reproduz a
dicotomia entre homens perfeitos e imperfeitos e colabora para a apropriação desse modelo por
parte de seus alunos.
A enorme demanda de trabalho do Integra/Ativa e o pouco número de profissionais que
nele atuam, como, por exemplo, a demanda de 150 atendimentos psicológicos semanais por cada
psicólogo e 1.978 alunos a serem acompanhados pela Equipe Itinerante, composta por uma
psicóloga, uma fonoaudióloga e seis supervisoras, além da Ficha de Encaminhamento e da
segregação das salas, denunciam a reprodução da ideologia da racionalidade tecnológica nas
políticas públicas em educação especial na cidade de Taubaté.
A escola inclusiva, tal como proposta na Resolução nº2/01, tem como características
principais: a valorização do ritmo de cada um, a valorização da diversidade humana como
enriquecedora das experiências, a identificação de potencialidades e tem o foco na classe como
um todo e não nos alunos. Com isso, escolas inclusivas respeitam o princípio da igualdade de
oportunidades em consonância ao princípio da diferença.
A amplitude das mudanças necessárias à implantação do modelo inclusivo de educação
escolar exige uma mudança de paradigmas escolares e a reestruturação do sistema educacional. A
reforma deve ser iniciada pela formação e capacitação de professores, que precisam ser
esclarecidos quanto à barbárie da civilização para que eles se tornem avessos à violência e sirvam
de modelo de autoridade positivo para a identificação das crianças e jovens em formação. Adorno
(2003b; 2003c; 2003d; 2003e) admite que, embora a formação crítica dos educadores seja
fundamental, ela é por si mesma contraditória, pois exigimos que eles dêem a seus alunos algo
que não receberam em sua formação infantil. Mesmo assim, é necessário que a frieza que
predomina as relações humanas se torne consciente por meio do estudo de sua gênese e do
esclarecimento da barbárie, para que a educação infantil não a tenha como marca predominante.
Vimos ao longo desse trabalho, que personalidades propensas ou não ao preconceito são
formadas durante a infância, por meio da identificação com figuras de autoridade e do
desenvolvimento do ego e do superego. Indivíduos diferenciados são capazes de exercer a auto-
reflexão, enquanto os indiferenciados são propensos à projeção de impulsos destrutivos em
objetos alvos de preconceito, pela não identificação ou negação da identificação com
característica reais ou imaginárias que os objetos apresentem e que correspondam aos desejos
negados daquele que projeta. Quanto mais diversificada as identificações do sujeito, maiores as
chances de que desenvolva um ego diferenciado.
Após o entendimento das raízes sociais e psicodinâmicas do preconceito, foi possível
compreender que a educação inclusiva teria muito a contribuir na formação de uma sociedade
não preconceituosa, contanto que respeitadas as condições necessárias para a hipótese do contato,
resultando na hipótese da atração pessoal. Essas condições referem-se a um clima cultural e
institucional apropriados, por meio da amizade e trabalho cooperativo, de forma que toda a
comunidade escolar possa identificar sua condição de fragilidade humana nas vítimas do
preconceito, e com isso ele deixaria de existir. As inúmeras identificações propiciadas pela
educação inclusiva colaborariam na formação de uma sociedade menos preconceituosa, favorável
à emancipação e ao posicionamento contra o horror.
A proficuidade da proposta pedagógica de Adorno reside na busca incessante pelo
esclarecimento e pela emancipação. Essa proposta coincide com a finalidade da psicologia
escolar crítica que tem a função social de contribuir para a socialização do saber, de forma crítica,
para que homens e mulheres sejam capazes de analisar as contradições sociais e não reproduzir a
ideologia que individualiza o fracasso, que é de responsabilidade do sistema. A educação inclusa
tem muito a contribuir nesse processo e cabe ao psicólogo escolar crítico colaborar por meio de
sua atuação e pesquisa para que práticas pedagógicas efetivem a inclusão, colaborando na
formação de cidadãos esclarecidos e emancipados.
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PARECER DO ORIENTADOR
Aluna: Diana Villac Oliva
Orientadora: Cecília Pescatore Alves
O TCC intitulado “EDUCAÇÃO INCLUSIVA: uma análise crítica das políticas públicas
na cidade de Taubaté” corresponde ao trabalho realizado por Diana Villac Oliva ao longo de
2007 sob a minha supervisão, como exigência parcial para conclusão do curso de psicologia da
Universidade de Taubaté.
A pesquisa realizada pela aluna teve como objetivo analisar políticas públicas em
educação inclusiva, por meio do exame de documentos municipais e federais segundo o
referencial teórico da teoria crítica da sociedade e estudos sobre o preconceito.
O trabalho executado que originou a monografia apresentada ao final do curso seguiu um
processo adequado de ritmo e desenvolvimento de tarefas. Aprofundou adequadamente o
conteúdo teórico, procedeu a uma rica coleta de material documental com a metodologia aplicada
e elaborou uma boa análise dos dados.
Diante da pertinência do tema da pesquisa, do excelente desempenho da aluna e do
resultado final da monografia recomendo-o para participar do premio Silvia Lane, iniciativa da
Associação Brasileira de Ensino de Psicologia – ABEP, na categoria dos Trabalhos de Conclusão
de Cursos.
Taubaté, 28 de Abril de 2008.
Cecília Pescatore Alves