Download - Dottaviano m c l Tese (1)
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Maria Camila Loffredo DOttaviano
Condomnios fechados na
Regio Metropolitana de So Paulo:
fim do modelo centro rico versus periferia pobre?
Tese apresentada Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de So Paulo, para a obteno do ttulo
de Doutor em Arquitetura e Urbanismo
rea de Concentrao: Habitat.
Orientadora: Prof. Dra. Suzana Pasternak
So Paulo
2008
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
E-mail: [email protected]
DOttaviano, Maria Camila Loffredo D725c Condomnios fechados na Regio Metropolitana de So Paulo: fim do modelo rico versus periferia pobre? / Maria Camila Loffredo DOttaviano. --So Paulo, 2008. 290 p : il. Tese (Doutorado rea de Concentrao: Habitat) FAUUSP. Orientadora: Suzana Paternak
1.Condomnios fechados So Paulo (SP) 2.reas metropolitanas 3.Loteamento 3.Segregao urbana I.Ttulo
CDU 711.63:711.582(816.11)
Capas: Fotomontagem com imagens do livro Astrix L Domaine des Dieux (Asterix e a Morada dos Deuses) de . Goscinny e A. Uderzo (Paris: Hachette, 2000). Arte: Fernando Atique
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III
para
Joo Beatriz
Anna Clara e Kiko
que fazem a busca por uma cidade
melhor e mais justa valer a pena
e
Rubens
que sem saber, plantou a semente do amor pela cidade
id1154796 pdfMachine by Broadgun Software - a great PDF writer! - a great PDF creator! - http://www.pdfmachine.com http://www.broadgun.com
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IV
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V
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer minha companheira
principal nestes anos de pesquisa, a professora Suzana Pasternak, que
alm de orientadora foi quem me abriu as portas da pesquisa urbana
contempornea, da demografia, da sociologia urbana e de tantas
outras realizaes pessoais e profissionais ao longo dos ltimos anos.
Ao lado de Suzana, gostaria de agradecer professora Lcia Bgus,
que me acolheu entusiasticamente na equipe do Observatrio das
Metrpoles de So Paulo e foi essencial para o entendimento de muitas
questes relacionadas cidade contempornea e para a realizao
desta Tese.
Embraesp e ao engenheiro Luiz Paulo Pompia, seu diretor, mais que
um agradecimento, uma dvida acadmica, pois sem o uso dos dados
fornecidos pela Embraesp, esta Tese no existiria.
Ao professor Emilio Haddad, que alm de ter sido o caminho de
chegada at a Embraesp, foi um interlocutor importante para o
desenvolvimento das questes discutidas na Tese.
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VI
Aos professores do Nepo-Unicamp, Jos Marcos Cunha, Coleta Oliveira
e Roberto do Carmo, que me receberam com carinho num ambiente de
trabalho e pesquisa que no era o meu, e, em especial, Rosana
Baeninger que foi o caminho de chegada ao Nepo e Abep e tem sido
uma companheira querida de tantas outras atividades tambm.
A Construtora Beraldi, em especial ao engenheiro Guilherme Aranha
Beraldi, pela ateno, pelos dados e materiais cedidos.
Aos meus amigos queridssimos, que de uma forma ou de outra
contriburam para a realizao deste projeto, seja com idias,
conversas, dicas, apoio nas horas do aperto, enfim, essas coisas que
os amigos fazem: Nelson, Marcelo, R, Raquel, Debi, Pedro, Mrcia,
Dani, Mrcio, Edu, Luciana, Leandro e tantos outros. E, em especial,
ngela e ao Fernando, sem os quais com certeza esta Tese no teria a
mesma cara, e ao Renato, que tem sido o meu anjo da guarda ...
A todos os meus colegas do Observatrio das Metrpoles, mas,
sobretudo Eliane, pelos mapas, dados e pacincia, ao Rafael e Carol,
pela ajuda com a burocracia e com a correria do dia a dia.
Aos meus colegas da Universidade So Francisco, especialmente
Glacir, que durante os ltimos quatro anos tem sido uma companheira
imprescindvel, tanto na vida de professora quanto na vida de
pesquisadora.
minha ex-aluna e colega Renata Matsumoto, pela ajuda tecnolgica
especializada.
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VII
tia Linda, pelo exemplo de fora e perseverana.
Gabriela e ao Fabrcio, pelo apoio mtuo, conversas interminveis e
sonhos em comum.
Aos meus pais, Roberto e tala, sem os quais jamais chegaria at aqui,
seja pela formao humanista, pelo apoio incondicional ou pelos dias e
noites com os netos.
E por ltimo, no sem querer, ao Marcelo, que tem sido o meu
companheiro de sonhos, realizaes, angustias, alegrias e conquistas.
Aproveite, pois esta Tese sua tambm!
Campinas, janeiro de 2008.
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VIII
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IX
RESUMO
DOTTAVIANO, Maria Camila Loffredo. Condomnios Fechados na Regio
Metropolitana de So Paulo: fim do modelo centro rico versus periferia
pobre?. Tese de Doutorado. So Paulo: Programa de Ps-Graduao em
Arquitetura e Urbanismo. rea de Concentrao em Habitat. Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo, 2008.
Os condomnios e loteamentos fechados constituem um fenmeno urbano que
vem se espalhando por todas as metrpoles brasileiras. Desde o final dos
anos 1980, podemos observar um grande aumento no nmero de
condomnios fechados dentro da Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP).
Os condomnios e loteamentos fechados, antes destinados moradia da
classe alta e localizados em grandes reas das zonas perifricas da RMSP,
atualmente atendem outras classes sociais e possuem caractersticas bastante
distintas (tamanho da gleba, unidade habitacional, servios coletivos). A
preocupao com conforto foi suplantada pela necessidade de segurana e
pelo status.
A proliferao desses loteamentos e condomnios fechados nos ltimos quinze
anos vem modificando a configurao espacial de algumas reas da Regio
Metropolitana. Segundo alguns autores, o padro centro rico versus periferia
pobre, que caracterizou os estudos sobre a RMSP, entre os anos 1940 e 1980,
alterou-se na ltima dcada para um modelo fractal de segregao.
Esta Tese pretende verificar a pertinncia do novo modelo fractal de
segregao espacial, tomando como referncia os condomnios horizontais
residenciais fechados, e mostrar, a partir de levantamento realizado na
Regio Metropolitana de So Paulo, que parte das premissas relativas aos
condomnios fechados no so absolutas.
Palavras-chave: regio metropolitana, segregao espacial, condomnios
fechados, expanso urbana, fractal.
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X
ABSTRACT
DOTTAVIANO, Maria Camila Loffredo. So Paulo Metropolitan Area Gated
Communities: the end of the rich center versus poor suburbia pattern?.
Tese de Doutorado. So Paulo: Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e
Urbanismo. rea de Concentrao em Habitat. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de So Paulo, 2008.
Gated communities constitute an urban phenomenon that is nowadays
spreading all over the Brazilian metropolis. Since the 1980s, we can observe
an increasing number of gated communities within the So Paulo Metropolitan
Area (SPMA).
The gated communities, initially located at suburban areas and used by upper
classes, at the present time serve other social classes and have new and
distinct characteristics (size and location, houses sizes, services at the
collective areas, etc). The initial concerning to comfort was substituted by the
need of security and possibly the search for status.
This Thesis analyses if the new fractal pattern of spatial segregation has
overlapped the rich center X poor suburbia pattern that characterized the
SPMA between 1940 and 1980, using the gated communities as case studies.
And also pretends to demonstrate that part of the premises about gated
communities is not absolute.
Key words: metropolitan region, spatial segregation, gated communities,
urban sprawl, fractal.
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XI
LISTA DE FIGURAS TESE
Mapas
MAPA 01 Municpios RMSP 69
MAPA 02 Expanso da Mancha Urbana da RMSP - 1881/1995 74
MAPA 03 Sistema Rodovirio RMSP 79
MAPA 04 RMSP - Distribuio Famlias 1991 108
MAPA 05 RMSP - Distribuio Famlias 2000 109
MAPA 06 Lanamentos na RMSP por Ano 122
MAPA 07 Lanamentos Horizontais na RMSP 1992-2005 129
MAPA 08 Lanamentos na RMSP por nmero de banheiros 138
MAPA 09 Lanamentos na RMSP por nmero de dormitrios 143
MAPA 10 Lanamentos com Unidades de 2 Dormitrios e 1 Banheiro 146
MAPA 11 Lanamentos com Unidades de 3 Dormitrios e 2 Banheiros 147
MAPA 12 - Lanamentos com Unidades de 4 Dormitrios e 4 Banheiros 148
MAPA 13 Lanamentos na RMSP por rea til 155
Fotos
FOTOS 1 e 2 Condomnio Grupo 1 no Butant 175
FOTOS 3 e 4 Condomnios Grupo 1 em Ermelino Matarazzo 175
FOTOS 5 e 6 Condomnio Grupo 2 no Butant 176
FOTOS 7 e 8 Condomnio Grupo 3 em Vila Formosa 177
FOTOS 9 e 10 Condomnio Grupo 4 na Vila Madalena 178
FOTOS 11 a 16 - Condomnio Grupo 4 na Vila Carro 179-180
FOTOS 17 a 20 Condomnio Solar de Munich Fotos do entorno 182
FOTO 21 Condomnio Solar de Munich Vista do interior 197
FOTOS 22 e 23 Condomnio Ermelino Matarazzo - Acesso e rea livre para
estacionamento 204
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XII
Figuras
FIGURA 01 Montagem imagens dos folhetos de vendas 183
FIGURAS 02 e 03 Propaganda Condomnios Granja Viana publicada no jornal
Folha de So Paulo 185
FIGURA 04 Cond. na Granja Viana com dias mais verdes e seguros 186
FIGURA 05 Condomnio que promete clima de casa de campo 187
FIGURA 06 Destaque para as reas de lazer, com a promessa de diverso
como em um clube 187
FIGURA 07 Propaganda com condomnio de arquitetura exclusiva 188
FIGURA 08 Vista area de lanamento prximo ao Parque do Carmo com
financiamento pela Caixa Econmica Federal 189
FIGURA 09 Folheto de propaganda com condomnio de casas amarelas
geminadas na Granja Viana e que promete uma vida plena 191
FIGURA 10 Solar da Paulicia - Planta do Conjunto 193
FIGURA 11 Solar da Paulicia - Vista Geral do Conjunto 193
FIGURA 12 Solar da Paulicia - Vista da rea de Lazer 194
FIGURA 13 Solar da Paulicia - Planta da Unidade Residencial 194
FIGURA 14 Solar de Munich - Planta do Conjunto 195
FIGURA 15 Solar de Munich Planta da Unidade Residencial 196
FIGURA 16 Solar de Munich - Vista Geral do Conjunto 196
FIGURA 17 Solar de Munich - Vistas das reas de Lazer e Portaria 197
FIGURA 18 Solar do Ablio Vista da Portaria 198
FIGURA 19 Solar do Ablio - Planta do Conjunto 199
FIGURA 20 Solar do Ablio - Planta da Unidade Residencial 199
FIGURA 21 Solar do Ablio - Vista Geral do Conjunto 200
FIGURA 22 Croqui planta sobrado com 4 dormitrios na Granja Viana 201 FIGURA 23 Croqui planta sobrado com 3 dormitrios na Granja Viana 201
-
XIII
LISTA DE TABELAS
Quadros
QUADRO I Categorias Scio-Ocupacionais 102
QUADRO II Perfil Famlias 1991-2000 105
QUADRO III Base de Dados Embraesp 120
QUADRO IV RMSP Legislao Condomnios Horizontais por Municpio 132
Grficos
GRFICO 01 Lanamentos por Ano 123
GRFICO 02 Unidades por Ano 123
GRFICO 03 Lanamentos - % Total Lanamentos por N de Banheiros 135
GRFICO 04 Total de Lanamentos por N de Banheiros 136
GRFICO 05 % Lanamentos por N de Dormitrios 140
GRFICO 06 Total de Lanamentos por N de Dormitrios 141
GRFICO 07 - % Lanamentos rea til por Ano 151
GRFICO 08 - Lanamentos - rea til 152
Tabelas
TABELA 01 Municpios da Regio Metropolitana de So Paulo 69
TABELA 02 - Populao e Taxas Anuais de Crescimento Geomtrico RMSP,
Municpio de So e demais municpios 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991 e
2000 70
TABELA 03 Populao Municpios da RMSP 1970, 1980, 1991 e 2000 71
TABELA 04.A - Taxas Anuais de Crescimento Geomtrico Municpios da
RMSP 1970, 1980, 1991 e 2000 72
-
XIV
TABELA 04.B - Taxas Anuais de Crescimento Geomtrico Municpios da
RMSP 1970, 1980, 1991 e 2000 73
TABELA 05 - Municpio de So Paulo. Taxas de crescimento populacional por
anel, 1960-2000 75
TABELA 06 - Populao ocupada em 1996 e 2001, por setor de atividade (o
setor servios inclui servios financeiros) 77
TABELA 07 Populao maior de 10 anos por Famlia 1991-2000 104
TABELA 08 Diferenas por Famlia (pop > de 10 anos) 1991-2000 104
TABELA 09 Lanamentos Condomnios Horizontais por Ano 121
TABELA 10 Lanamentos Residenciais na RMSP por Tipo e por Ano 124
TABELA 11 Mdia de Unidades por Empreendimento Horiz. e Vert. 125
TABELA 12 Lanamentos Horizontais por Municpio 127
TABELA 13 Lanamentos Verticais por Municpio 128
TABELA 14 Lanamentos - N de Banheiros por Ano 134
TABELA 15 Total de Unidades por N de Banheiros 137
TABELA 16 Lanamentos - N de Dormitrios por Ano 139
TABELA 17 Total de Unidades por N de Dormitrios 142
TABELA 18 Lanamentos N de Dormitrios e N de Banheiros 144
TABELA 19 Unidades N de Dormitrios e N de Banheiros 145
TABELA 20 Lanamentos por rea til 149
TABELA 21 - Lanamentos - rea til por Ano 151
TABELA 22 Total de Unidades por rea til 154
TABELA 23 - Lanamentos - rea til por Municpio 155
TABELA 24 Lanamentos Total de Unidades 157
TABELA 25 Lanamentos Tamanho da Gleba 158
TABELA 26 RMSP Valores Mdios do M rea til em US$ 161
TABELA 27 Municpio de SP Valores Mdios do M rea til em US$ 161
TABELA 28 RMSP Valores Mdios (US$) por Nmero de Dormitrios 165
TABELA 29 RMSP Valores Mdios (US$) por Nmero de Banheiros 165
TABELA 30 RMSP Valores Mdios (US$) por Tipologia 166
-
XV
LISTA DE FIGURAS ANEXO
Mapas
MAPA 1 Lanamentos Condomnios RMSP 1992 255
MAPA 2 Lanamentos Condomnios RMSP 1993 256
MAPA 3 Lanamentos Condomnios RMSP 1994 257
MAPA 4 Lanamentos Condomnios RMSP 1995 258
MAPA 5 Lanamentos Condomnios RMSP 1996 259
MAPA 6 Lanamentos Condomnios RMSP 1997 260
MAPA 7 Lanamentos Condomnios RMSP 1998 261
MAPA 8 Lanamentos Condomnios RMSP 1999 262
MAPA 9 Lanamentos Condomnios RMSP 2000 263
MAPA 10 Lanamentos Condomnios RMSP 2001 264
MAPA 11 Lanamentos Condomnios RMSP 2002 265
MAPA 12 Lanamentos Condomnios RMSP 2003 266
MAPA 13 Lanamentos Condomnios RMSP 2004 267
MAPA 14 Lanamentos Condomnios RMSP 2005 268
MAPA BASE - Sistema Virio Principal 269
MAPA 15 Lanamentos RMSP com 1 Banheiro 270
MAPA 16 Lanamentos RMSP com 2 Banheiros 271
MAPA 17 Lanamentos RMSP com 3 Banheiros 272
MAPA 18 Lanamentos RMSP com 4 Banheiros 273
MAPA 19 Lanamentos RMSP com 5 Banheiros 274
MAPA BASE - Sistema Virio Principal 275
MAPA 20 Lanamentos RMSP com 1 Dormitrio 276
MAPA 21 Lanamentos RMSP com 2 Dormitrios 277
MAPA 22 Lanamentos RMSP com 3 Dormitrios 278
MAPA 23 Lanamentos RMSP com 4 Dormitrios 279
MAPA 24 Lanamentos RMSP com 5 Dormitrios 280
MAPA BASE - Sistema Virio Principal 281
MAPA 25 Lanamentos RMSP com at 75,00m de rea til 282
-
XVI
MAPA 26 Lanamentos RMSP entre 75- 150,00 m de rea til 283
MAPA 27 Lanamentos entre RMSP 150- 300,00 m de rea til 284
MAPA 28 Lanamentos RMSP com mais de 300,00 m de rea til 285
MAPA BASE - Sistema Virio Principal 286
MAPA 29 Lanamentos RMSP com 2 Dormitrios e 1 Banheiro 287
MAPA 30 Lanamentos RMSP com 3 Dormitrios e 2 Banheiros 288
MAPA 31 Lanamentos RMSP com 4 Dormitrios e 4 Banheiros 289
MAPA BASE - Sistema Virio Principal 290
-
XVII
SUMRIO
INTRODUO: OBJETIVOS E QUESTES 3
MATERIAL E MTODOS 11
CAPTULO 1
SEGREGAO URBANA E OS CONDOMNIOS FECHADOS 17
1.1. Os Conceitos de Segregao e a Cidade Global 22
1.2. Cidades Divididas 28
1.3. Os Subrbios Residenciais Norte-Americanos, a Bourgeois
Utopia e as Gated Communities 35
1.4. Os Condomnios Fechados como Paradigma de Segregao
no Cone Sul Latino-Americano 52
-
XVIII
CAPTULO 2
A REGIO METROPOLITANA DE SO PAULO E OS CONDOMNIOS
FECHADOS 65
2.1. Condomnios X Loteamentos: Normatizao e Histrico 80
2.2. Segregao Urbana na RMSP 87
2.2.1. Segregao Fractal 87
2.2.2. A Segregao Regionalizada 93
2.2.3. A Anlise da Segregao Espacial a partir das
Categorias Scio-Ocupacionais 99
CAPTULO 3
OS CONDOMNIOS NA RMSP: COMO, ONDE E DE QUE FORMA 117
3.1. Localizao na RMSP 126
3.2. Tipo de Unidade Dormitrios, banheiros e rea til 134
3.3. Tipo de Empreendimento Total de unidades e tamanho
da gleba 156
3.4. Aspectos Financeiros Valor das Unidades 159
3.5. Concluses Preliminares 168
-
XIX
CAPTULO 4
MORADORES E EMPREENDEDORES 171
4.1. A Propaganda 183
4.2. Os Projetos 192
4.3. Os Moradores 202
4.4. Os Empreendedores 206
4.5. Novas (ou Velhas?) Tendncias 208
CONSIDERAES FINAIS 211
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 229
BIBLIOGRAFIA 233
-
Poderia falar de quantos degraus so feitas as ruas em
forma de escada, da circunferncia dos arcos dos
prticos, de quais lminas de zinco so recobertos os
tetos: mas sei que seria o mesmo que no dizer nada.
A cidade no feita disso, mas das relaes entre as
medidas de seu espao e os acontecimentos do
passado (...).
A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que
reflui das recordaes e se dilata. Uma descrio de
Zara como atualmente deveria conter todo o passado
de Zara. Mas a cidade no conta seu passado, ela o
contm como as linhas da mo, escrito nos ngulos das
ruas, nas grades das janelas, nos corrimos das
escadas, nas antenas dos pra-raios, nos mastros das
bandeiras, cada segmento riscado por arranhes,
serradelas, entalhes, esfoladuras.
talo Calvino
As Cidades InvisveisI
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-
1
INTRODUO:
OBJETIVOS E QUESTES
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-
INTRODUO: OBJETIVOS E QUESTES
3
O estudo da segregao espacial nas grandes cidades tem sido tema
dos estudos urbanos desde o incio do sculo XX. Desde ento,
urbanistas, planejadores, socilogos e gegrafos vm tentando
entender o fenmeno e, tambm, identificar padres atravs dos quais
a segregao se manifesta.
Nas ltimas duas dcadas novos estudos1 apontam um novo padro de
segregao espacial, sobretudo nas metrpoles globais: o padro
fractal de segregao.
Como um dos elementos estruturadores desse novo padro de
segregao aparecem as reas residenciais auto-segregadas,
separadas do entorno atravs de muros e aparatos de segurana: os
condomnios fechados2.
A terminologia pode variar de lugar para lugar - gated communities
nos Estados Unidos, condominios no Chile, countries na Argentina ou
condomnios fechados no Brasil porm, representa uma realidade
que vem se espalhando nas grandes cidades ocidentais: so reas
residenciais com acesso restrito, onde os espaos pblicos so
normalmente privatizados (Blakely & Snyder 1995:04).
1 Caldeira 2000, Kempen 1994/2002, Marcuse 1989/2002 e Marcuse & Kempen
2000/2002, Mollenkopf & Castells 1991, Ribeiro 1997/2003, Sabatini 1998/2006,
Sassen 1991, Svampa 2004. 2 Referem-se aos condomnios horizontais fechados, como explicado no Captulo 2.
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-
INTRODUO: OBJETIVOS E QUESTES
4
No caso das metrpoles brasileiras, os condomnios fechados
representam um fenmeno urbano que vem se intensificando,
sobretudo nos ltimos quinze anos. As caractersticas e proliferao
desse modelo de moradia tm sido objeto de anlise cada vez mais
freqente de estudiosos brasileiros e latino-americanos3.
No contexto latino-americano, de pases em desenvolvimento, a
segurana apontada como o principal motivo para a escolha da
moradia em reas residenciais fechadas e providas de um vasto
aparato de segurana. Poderamos, ento, supor que esse seria um
padro residencial das classes altas em pases com grandes
desigualdades sociais. No entanto, analisando a literatura
contempornea sobre o assunto, podemos verificar que esta hiptese
no se sustenta. Em Blakely & Snyder (1997) e Low (2003) podemos
verificar que os condomnios fechados tm se tornado uma forma de
morar cada vez mais presente mesmo em pases desenvolvidos (e, a
princpio, com pouca desigualdade social).
Os estudos apresentados por Caldeira (2000) trazem novas discusses
para o entendimento dos enclaves fortificados que atualmente
caracterizam vrias cidades brasileiras, especialmente na Regio
Metropolitana de So Paulo. A partir de seu trabalho sobre a RMSP, a
3 Caldeira 2000, Hidalgo 2004/2006, Lago 1998/2000, Ribeiro 1997, Sabatini
1998/2000, Santos 2002, e Vidal-Koppman 2000/2001/2005/2006(1-2).
-
INTRODUO: OBJETIVOS E QUESTES
5
autora identifica trs diferentes momentos e expresses da segregao
espacial no espao urbano da metrpole paulistana durante o sculo
XX. O primeiro tipo de segregao compreendeu o perodo entre o final
do sculo XIX e os anos 1940, quando tnhamos a cidade concentrada
numa pequena mancha urbana, onde a segregao se resumia aos
tipos de moradia. Dos anos 1940 at o final dos anos 1980, o modelo
centro-periferia, ou centro rico versus periferia pobre, representou a
segunda forma de segregao espacial metropolitana, quando as
classes altas e mdias se concentravam nos bairros mais centrais,
providos de maior infra-estrutura urbana, e as classes baixas foram
expulsas para reas perifricas, precrias e distantes.4 O terceiro
modelo vem surgindo nos ltimos quinze anos e representaria a
superao do antigo modelo centro-periferia.
Caldeira afirma que o padro centro rico versus periferia pobre
(paradigma entre os anos 40 e 80) est sendo suplantado por um
modelo fractal. Este padro vem gerando uma mudana nos padres
de segregao residencial, de uma escala metropolitana para uma
micro-escala (intra-urbana). Locais onde grupos sociais distintos esto
fisicamente prximos, porm separados por muros e sistemas de
segurana: Sobrepostas ao padro centro-periferia, as
transformaes recentes esto gerando espaos nos quais os
4 Ver Kowarick 1980/2000, Maricato 2001 e Rolnik 1990/1997.
-
INTRODUO: OBJETIVOS E QUESTES
6
diferentes grupos sociais esto muitas vezes prximos, mas esto
separados por muros e tecnologias de segurana, e tendem a no
circular ou interagir em reas comuns. O principal instrumento desse
novo padro de segregao espacial o que chamo de enclaves
fortificados, Trata-se de espaos privatizados, fechados e monitorados
para residncia, consumo, lazer e trabalho. A sua principal justificao
o medo do crime violento. Esses novos espaos atraem aqueles que
esto abandonando a esfera pblica tradicional das ruas para os
pobres, os marginalizados e os sem-teto. (Caldeira 2000:211).
Nas ltimas dcadas, as diferenas histricas entre as reas centrais e
perifricas da RMSP, em relao infra-estrutura instalada,
diminuram de forma acentuada, com a difuso de alguns servios por
todo o tecido metropolitano. Assim, se em 1980, 82% dos domiclios
da metrpole estavam ligados rede pblica de gua, em 1991 esta
percentual atingiu 95,42%, chegando a 96,32% em 2000. As ligaes
rede pblica de esgotamento sanitrio passaram de 54,44% dos
domiclios em 1980, para 82,18% em 1991 e para 86,73% em 2000. E
o acesso energia eltrica tornou-se universal5. Assim, ao menos em
princpio, a segregao centro-periferia perderia uma das suas
razes, ou seja, o acesso diferencial aos servios urbanos.
5 Fonte: IBGE - Censos Demogrficos de 1980, 1991 e 2000.
-
INTRODUO: OBJETIVOS E QUESTES
7
A proliferao dos loteamentos e condomnios fechados nos ltimos
quinze anos, de fato, vem modificando a configurao espacial de
algumas reas da Regio Metropolitana de So Paulo. Tericos
estrangeiros tm defendido polticas de restrio ao uso de muros e
grades (Marcuse 2004 e Sabatini 2004). Para a realidade brasileira
esse ainda um desafio futuro. Neste momento, antes de discutir os
malefcios ou formas de combater a segregao, devemos entender
porque a moradia em condomnios fechados considerada pelo
discurso da segurana a mais adequada.
Muitos autores afirmam que o processo de globalizao6 aumentou as
diferenas sociais nos pases em desenvolvimento e possivelmente tem
contribudo para a expanso desse tipo de moradia. Entender a
segregao espacial em determinada regio ou contexto scio-
econmico pode ser um instrumento para o entendimento dos
processos de estruturao urbana e social das cidades
contemporneas, inclusive no que diz respeito aos mecanismos
produtores de relaes de interao e sociabilidade entre grupos e
classes sociais distintos (Bgus 2007).
Apenas com o entendimento dos padres de segregao espacial
existentes e suas manifestaes no contexto urbano/metropolitano
podero ser desenvolvidas polticas pblicas que visem combater a 6 Friedmann 1996, Mollenkopf & Castells 1991, Ribeiro 1997/2003, Sassen 1991.
-
INTRODUO: OBJETIVOS E QUESTES
8
expanso desse fenmeno, tanto do ponto de vista espacial quanto
social.
O distrito de Vila Andrade, onde se encontra a favela Paraispolis, na
cidade de So Paulo, um exemplo recorrente do padro fractal de
segregao espacial. L, pode-se observar os barracos (que, alis,
deixaram de ser barracos h bastante tempo) praticamente colados
aos enormes muros dos grandes e luxuosos edifcios do Morumbi.
Porm, ser que esse o modelo predominante nos diversos
condomnios fechados construdos na regio nos ltimos quinze anos?
Surgem algumas perguntas a serem respondidas nesta Tese:
Os condomnios fechados da RMSP constituem, de fato, um
exemplo de que a globalizao estaria efetivamente rompendo
com o modelo de cidade que tnhamos at ento?
Se a resposta questo anterior for afirmativa, a evidncia
do modelo fractal (segmentao scioespacial em micro
escala) dominante? Onde e por qu?
Os condomnios fechados representam o fim do modelo
centro rico versus periferia pobre, reforando a tese do modelo
fractal?
-
INTRODUO: OBJETIVOS E QUESTES
9
O novo padro de desigualdade scio-espacial conduz a uma
concentrao espacial das camadas mais poderosas e a uma
diminuio dos espaos mais misturados?
Se a infra-estrutura na metrpole de So Paulo no mais
uma varivel determinante, quais seriam estas variveis e por
qu?
Os condomnios fechados, como resultado da dualidade social,
so moradia exclusiva das classes ricas da metrpole?
Este trabalho tem como hiptese que o modelo fractal de segregao
espacial no o que melhor explica a realidade da segregao espacial
na Regio Metropolitana de So Paulo.
Como estudo de caso especfico, ser analisada a expanso dos
condomnios horizontais fechados na Regio Metropolitana de So
Paulo nos ltimos 30 anos, com suas especificidades e caractersticas
principais, buscando entender de que forma a proliferao desse tipo
de moradia, caracterizado pela negao do outro e do diverso, tem
influenciado ou no o padro de segregao espacial metropolitano.
-
Marco Plo descreve uma ponte, pedra por pedra.
- Mas qual a pedra que sustenta a ponte? Pergunta
Kublai Khan.
- A ponte no sustentada por esta ou aquela pedra
responde Marco -, mas pela curva do arco que estas
formam.
Kublai Khan permanece em silncio, refletindo. Depois
acrescenta:
- Por que falar das pedras? S o arco me interessa.
Plo responde:
- Sem pedras o arco no existe.
talo Calvino
As Cidades InvisveisII
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11
MATERIAIS E MTODOS
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MATERIAIS E MTODOS
13
O estudo dos condomnios horizontais fechados, como um dos
elementos estruturadores do padro de segregao espacial na Regio
Metropolitana de So Paulo, foi dividido em duas etapas distintas de
trabalho: uma de pesquisa terica e outra de anlise dos dados
empricos.
A pesquisa terica foi subdividida a partir de trs objetos especficos de
anlise:
I. As noes e conceitos relacionados ao estudo da segregao
espacial e residencial;
II. O estudo da ocorrncia de condomnios fechados em outros
contextos urbanos que no o brasileiro;
III. A anlise da produo terica relativa segregao
espacial na Regio Metropolitana de So Paulo.
O estudo dos conceitos relacionados segregao essencial, como
base terica para a discusso do padro de segregao espacial
existente na RMSP. Noes como cidades divididas, cidades
fragmentadas ou cidade global so fundamentais para a discusso da
segregao na cidade contempornea.
Num segundo momento foi feita uma pesquisa bibliogrfica sobre os
condomnios fechados em outros locais do Brasil e no exterior. Foi
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MATERIAIS E MTODOS
14
encontrada uma vasta bibliografia, inclusive com trabalhos cientficos
apresentados em congressos especficos sobre condomnios1. Aps
uma pesquisa mais geral, a anlise foi focada em duas questes
principais:
. O estudo da consolidao do padro de segregao
residencial suburbano das cidades inglesas e norte-americanas,
como precursora dos condomnios fechados;
. A realidade da segregao espacial em outras metrpoles
latino-americanas, em especial na Argentina (Buenos Aires) e
no Chile (Santiago), como forma de entender os padres de
segregao urbana em outras metrpoles de pases em
desenvolvimento, que historicamente concentram grande parte
da atividade econmica do pas, como a RMSP.
A ltima etapa da pesquisa terica foi delimitar as questes atuais
relativas discusso da segregao espacial na RMSP como forma de
inserir o objeto de estudo emprico, os condomnios fechados, no
contexto dessa discusso.
A segunda parte deste trabalho foi justamente a anlise dos dados
empricos referentes aos condomnios fechados na RMSP. Para essa
anlise, foram usadas trs fontes de dados: a base de dados da
1 Cinar et al. 2006, Oskan & Kozaman 2006, Robert 2006 e Rodriguez 2006.
-
MATERIAIS E MTODOS
15
Empresa Brasileira de Estudos de Patrimnio (Embraesp), relativa aos
lanamentos residenciais na regio metropolitana; levantamento de
campo sobre os condomnios fechados; e entrevistas com moradores e
empreendedores.
A Embraesp mantm uma base de dados com todos os lanamentos
imobilirios na RMSP desde 1985. A partir dessa base de dados foi
feita uma anlise sobre a tipologia dos condomnios e de suas unidades
residenciais (tamanho da gleba, tamanho das unidades, quantidade de
unidades, nmero de quartos e de banheiros, etc).
Numa segunda fase, esses dados foram georeferenciados. Dessa
forma, essa etapa foi justamente a elaborao de mapas temticos
com a espacializao dos lanamentos na metrpole, com o intuito de
instrumentalizar a anlise da segregao espacial metropolitana.
Foi possvel, ento, elaborar um diagnstico dos condomnios na RMSP
em funo de suas caractersticas especficas, que serviu de base para
o levantamento de campo. Foram selecionados alguns condomnios
com caractersticas diferenciadas (nmero de quartos, dimenso das
unidades residenciais, etc) nas vrias regies da metrpole (norte, sul,
leste e oeste) para o levantamento.
Com o levantamento de campo foram recolhidas informaes
adicionais sobre cada um dos condomnios: caractersticas das reas
-
MATERIAIS E MTODOS
16
de lazer, tipo de sistema de segurana instalado, configurao dos
espaos coletivos de uso comum.
A terceira e ltima etapa consistiu na realizao de entrevistas com
moradores e empreendedores. Nessa etapa, optou-se por centralizar a
pesquisa na zona leste da cidade de So Paulo, devido s
caractersticas peculiares dos condomnios ali instalados. Tambm
foram realizadas algumas entrevistas com moradores de condomnios
da regio sudoeste da capital, porm em menor quantidade.
Por ltimo foram realizadas entrevistas com construtores e arquitetos
responsveis por alguns dos projetos de condomnios horizontais
estudados, como forma de identificar a lgica da demanda por esse
tipo de projeto.
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Before I built a wall Id ask to know
what I was walling in or walling out
And whom I was like to give offense
Robert Lee FrostIII
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CAPTULO 1 Segregao Urbana
e os Condomnios Fechados
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CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
19
Autor: Angeli Folha de So Paulo 08.janeiro.2008
A expresso segregao urbana parece muitas vezes prescindir de
explicao. A separao de grupos sociais no espao urbano uma
realidade histrica j bastante estudada.
Marcuse (2002) afirma que os bairros residenciais segregados e
fechados no constituem uma configurao urbana recente. Cidades
partidas, divididas, dualizadas, polarizadas ou fragmentadas no
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CAPTULO 1
Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
20
representam um fenmeno historicamente novo, resultante da
globalizao ou da economia ps-fordista. Ao longo da histria, as
cidades sempre foram divididas. Essas divises, em geral, refletiam as
caractersticas de cada momento histrico e de sua formao social
especfica.
O modelo urbano proposto por Hippodamo de Mileto, no sculo V aC.,
j pressupunha uma cidade dividida social e espacialmente. Segundo
Aristteles, Hippodamo imaginou uma cidade de dez mil habitantes,
divididas em trs classes, uma composta de artesos, outra de
agricultores, a terceira de guerreiros; o territrio deveria ser
igualmente dividido em trs partes, uma consagrada aos deuses, uma
pblica e uma reservada s propriedades individuais. E inventou a
diviso regular das cidades. (Poltica, II, 1267b apud Benevolo 1993)
Durante a Idade Mdia, as muralhas eram no s uma barreira fsica e
militar, mas tinham tambm um valor simblico, de unidade e
segurana para a populao. Contra os ataques sbitos, uma muralha
de guarda durante todas as horas, era mais til que qualquer
quantidade de coragem militar. (Munford 1982:274)
O modelo da muralha como forma de proteo da sociedade urbana foi
usado pela primeira vez para segregar espacialmente uma comunidade
especfica em Veneza, com o gueto judeu, no sculo XVI.
-
CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
21
No plano delineado em 1915, por Zacaria Dolfin, os judeus ficariam
fechados dentro de um espao urbano semelhante a um castelo,
separados dos demais cidados venezianos: Enviar todos eles para
viver no Gueto Novo, que como um castelo, e construir uma ponte
levadia, encerrando-o com um muro; um nico porto dar acesso ao
exterior; o Conselho do Dez manter dois barcos para garantir sua
segurana. Mas eles tero que pagar por este servio. (apud Sennett
1997:195) A garantia de segurana era dada aos venezianos,
enquanto os judeus estivessem encerrados no castelo.
Era o momento em Veneza perdia seu monoplio comercial com o
oriente, e os judeus eram vistos como uma ameaa sociedade crist
consolidada. Conforme aponta Sennett, fechando os judeus no gueto,
os venezianos acreditavam estar isolando o mal que infectara a
comunidade crist (...) a segregao dos diferentes, que no mais
poderiam ser tocados nem precisavam ser vistos, traria a paz e a
dignidade de volta. (1997:182-183). Os judeus foram confinados em
uma ilha ao norte da cidade. Os edifcios eram construdos voltados
para um espao central aberto. No final da tarde os judeus que por
ventura tivessem passado o dia na cidade deveriam voltar a suas
casas. As duas nicas pontes que ligavam a ilha malha urbana eram
fechadas, as janelas viradas para o exterior eram igualmente fechadas
e os balces retirados. Do lado de fora, o gueto se assemelhava s
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CAPTULO 1
Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
22
muralhas de um castelo, com os canais circundantes, que faziam o
papel de fosso medieval, vigiados durante toda a noite.
A segregao espacial, no entanto, s contribuiu para aumentar a
estranheza do cotidiano judeu, fazendo com que as vidas no crists
fossem cada vez mais enigmticas para os poderes dominantes.
(Sennett 1997:184)
As abordagens e anlises sobre segregao espacial so bastante
variadas. Como forma de sistematizao da discusso, acredito ser
importante a discusso de diferentes abordagens da questo: as
abordagens tericas de anlise da segregao, especialmente em
relao ao papel da globalizao e seu reflexo na estrutura espacial
das cidades contemporneas; a evoluo histrica das cidades
divididas, chegando at a noo de cidade fragmentada desenvolvida
por Marcuse (1989); e, por ltimo, apesar de cronologicamente
deslocada, a anlise da consolidao do padro de expanso
suburbano das cidades inglesas e norte-americanas, como precursor
dos condomnios fechados.
1.1. Os conceitos de Segregao e a Cidade Global
O uso do termo segregao, como conceito, implica no entendimento
da viso terica utilizada como base de anlise. Kempen (2002) e
-
CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
23
Bgus (2008) indicam algumas vises tericas principais para
abordarmos o conceito de segregao:
1. A partir da anlise social do espao da Escola de Chicago,
desenvolvida por Robert Park e Ernest Burgess, onde a ecologia
humana explicaria a distribuio da populao nas cidades1, a
segregao seria a localizao especfica de determinado grupo social a
partir de afinidades raciais, tnicas ou de posio social, sendo gerada
por escolhas individuais de gosto e convenincia.
2. A Sociologia Urbana Marxista dos anos 1960 e 1970, encontrada,
sobretudo nos textos de Castells (2000), Lojkine (1972) e Harvey
(1980), enfatiza o papel do Estado como agente social da estruturao
urbana. O Estado como representante dos interesses das classes
dominantes possuiria um papel central na diviso social do espao da
cidade2. Villaa afirma ainda que a segregao um processo
1 [Park e Burgess] Partiram da idia de existncia de reas naturais, a partir das
quais se constituam comunidades homogneas, com sistemas de valores prprios e
relaes simblicas especficas. Segundo Park (1926) essas reas naturais eram
encontradas em todas as cidades americanas de certo tamanho e o modelo da
ecologia seria a principal caracterstica das cidades, organizadas por crculos
concntricos, por onde se distribuam as atividades administrativas, comerciais,
industriais e residenciais. A existncia de um modo de vida urbano (Wirth, 1928)
seria decorrncia dessa morfologia espacial, que permitia identificar as comunidades
que viviam nas cidades, constituindo unidades de vizinhana com suas redes de ajuda
mtua e de relaes sociais fundadas na reciprocidade. (Bgus 2008:2) 2 De acordo com outra concepo, inspirada na Sociologia Marxista, a segregao a
expresso das desigualdades sociais circunscritas ao territrio das cidades como
-
CAPTULO 1
Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
24
necessrio dominao social, econmica e poltica por meio do
espao (2001:150).
3. Dentro da noo de Cidade Global3, caracterizada pela dualidade
social e espacial (Sassen 1991, Mollenkopf & Castells 1991, Sabatini
1998 e Ribeiro 2003), a segregao entendida como a expresso das
desigualdades sociais urbanas a partir da apropriao desigual da
terra, bens e servios pelas diversas classes sociais. Segundo Sassen
(1991) a disperso espacial e a integrao global criaram um novo tipo
de estratgia para as grandes cidades (major cities). Com a
identificao de cidades chaves usadas pelo capital global como
pontos base na organizao espacial e na articulao da produo e
dos mercados (Friedmann 1986), foi organizado um novo arranjo entre
essas cidades globais dentro de uma complexa hierarquia espacial,
onde so elas os locais prioritrios para a concentrao e acumulao
do capital internacional. Muitos estudiosos (Sassen 1991, Mollenkopf &
Castells 1991 e Prteceille 1994) afirmam que a formao das cidades
manifestao da apropriao desigual de terras, bens e servios pelas diferentes
classes sociais. Nesse sentido, a segregao residencial assumiria caractersticas
especficas nas sociedades capitalistas, sendo fruto da luta de classes, responsvel
pela apropriao desigual do territrio, dos bens de consumo, da habitao em suas
diferentes formas. (Bgus 2008:2) 3 Patrick Geddes foi o primeiro estudioso a empregar o conceito de cidade mundial, j
em 1915 (1994 ano da edio brasileira), como cidade com grande concentrao de
negcios importantes do ponto de vista mundial.
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CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
25
globais traz tona as principais contradies do capitalismo industrial,
entre elas a polarizao espacial e de classes.
A hiptese da cidade global considera que as transformaes na
atividade econmica das cidades contemporneas, onde a importncia
da produo industrial suplantada pela oferta de servios
especializados, vem gerando uma estrutura social polarizada, tanto em
relao estrutura de empregos como em relao renda. A oferta de
empregos estaria dividida em vagas com alta remunerao para
pessoal qualificado e empregos muito mal remunerados e de baixa
qualificao. A essas mudanas na estrutura de emprego
corresponderia uma nova ordem espacial, tambm dual (a Dual City
de Mollenkopf e Castells 1991). Castells e Mollenkopf afirmam tambm
que a fragmentao social leva fragmentao urbana.
No modelo da Cidade Global, a estrutura scio-espacial tradicional da
cidade industrial estaria sendo substituda pela polarizao entre
segmentos pobres e ricos, com o desaparecimento da classe operria
tradicional e a reconfigurao das classes mdias. Segundo Ribeiro
(2000:16), o ovo substitudo pela ampulheta com metfora da nova
estrutura social, o que se expressa na existncia de um grande
contingente de trabalhadores dos servios de pouca qualificao e
baixa remunerao e de desempregados vivendo de virao, e de um
pequeno segmento constitudo pelos novos profissionais da economia
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CAPTULO 1
Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
26
de servios e financeira (corretores, advogados, analistas de sistemas,
especialistas em marketing, etc), altamente qualificados e muito bem
remunerados.
Considerando-se a noo mais geral de Cidade Global, algumas
generalizaes podem ser feitas em relao segregao espacial,
porm importante destacar a necessidade de entendimento da
matriz scio-histrica de cada pas para o entendimento da segregao
scio-espacial local de forma aprofundada.
A discusso atual sobre os novos padres de segregao nas principais
cidades latino-americanas tem se baseado no conceito de cidade-
global. Autores como Svampa/Argentina (2004), Ribeiro/Brasil (2006)
e Hidalgo/Chile (2004 e 2006) apontam a globalizao econmica, a
reestruturao das relaes sociais sobre novas bases, crise do Estado,
desindustrializao e crescente inseguridade urbana com o
conseqente aumento das desigualdades e da excluso social
(aumento das distncias entre ricos e pobres) como causa da
intensificao da segregao espacial urbana. Os autores tomam
como base o modelo de Cidade Dual delineado por Castells e
Mollenkopf (1991), onde a estrutura social aproxima-se do formato de
uma ampulheta, com mais ricos e pobres e praticamente sem classe
mdia.
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CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
27
Segundo Ribeiro, a segregao espacial pode ser entendida de duas
formas, como a diferena de localizao de um grupo em relao aos
outros grupos ou como a existncia de chances desiguais de acesso
aos bens materiais e simblicos materializados na cidade. (2005:94)
Para Prteceille (1994) a teorizao mais elaborada sobre as cidades
globais tem como hiptese central a existncia de um vnculo
estrutural entre as transformaes econmicas e a dualizao social e
urbana. O autor no concorda com a generalizao do aumento do
dualismo apontando que, apesar do aumento da desigualdade de
renda na cidade, as atividades mais globalizadas representam uma
pequena parte do emprego total e determinadas ocupaes mdias, na
realidade, sofreram aumento nos anos 80. A introduo de novas
tecnologias aumenta a demanda por qualificao superior, mas
tambm por categorias mdias tcnicas e qualificadas, no gerando
necessariamente o efeito ampulheta. No caso de Paris, os espaos
mais polarizados (ricos e pobres) concentram 42% da populao,
enquanto a maior parte da populao, quase 60%, vive em espaos
mais complexos (mdios). A principal caracterstica da Cidade Global
seria a visibilidade do contraste social, fonte de tenses sociais e
aumento da violncia.
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CAPTULO 1
Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
28
1.2. Cidades Divididas
Para Marcuse (1989), a diviso da cidade, incluindo suas
manifestaes espaciais, pode ser vista sob trs perspectivas
histricas:
1. A histria da sociedade organizada, com hierarquias
especficas e seus espaos delimitados.
2. Nas divises particulares da cidade capitalista criadas pela
produo capitalista do espao.
3. Ou a partir do processo de transio da cidade fordista para
a cidade ps-fordista, com sua magnitude, intensidade e forma
de diviso particulares.
A partir da anlise histrica e de seus estudos sobre Nova York,
Marcuse (1989,2000 e 2002) elabora classificaes importantes em
relao aos tipos de diviso existentes historicamente nas cidades, s
tipologias de segregao residencial e de produo econmica e aos
diversos tipos de espaos segregados existentes nas cidades
contemporneas.
Marcuse identifica trs principais tipos de diviso urbana ao longo da
histria:
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CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
29
. Diviso Cultural diviso feita a partir de diferenas de
lngua, de etnia, ou por pas ou nacionalidade, tribo de origem,
parentesco, religio, crenas ou mesmo estilo de vida.
. Diviso por Funo diviso como resultado da lgica
econmica, fsica ou organizacional. Por exemplo, a diviso
entre fazendas ou fbricas de reas residenciais. O zoneamento
a aceitao legal desse tipo de diviso.
. Diviso por Status diviso como reflexo e reafirmao das
relaes de poder, de dominao, explorao ou autoridade do
Estado. Podemos tomar como exemplo os enclaves imperiais
nas cidades coloniais da frica do Sul.
Desde a revoluo industrial, no entanto, as divises espaciais no
contexto urbano ocidental so resultado de divises por classe ou etnia
(com exceo das sociedades socialistas do sculo XX e XXI).
As divises por classe e raa so, em geral, hierrquicas, involuntrias,
socialmente determinadas, rgidas, de excluso e incompatveis com o
modo de vida urbano democrtico, mesmo que muitas vezes
legitimado como diviso cultural.
J as divises por etnia tendem a ser culturais e voluntrias,
determinadas individualmente, de no excluso, e coerentes com um
modo de vida urbana democrtico.
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CAPTULO 1
Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
30
A espacializao dos vrios tipos de diviso espacial se manifesta na
cidade contempornea de duas formas principais:
. Como Guetos - concentraes espaciais involuntrias
daqueles no fundo da hierarquia de poder e bem-estar,
usualmente confinados a partir de uma caracterstica como cor,
raa ou classe social (exemplo: campos de refugiados).
. E como Enclaves - clusters voluntrios usualmente baseados
na etnia, ligados ao status onde a solidariedade prov fora e
oportunidade para uma mobilidade social ascendente. Estilo de
vida e renda tambm podem definir um enclave. Segundo
Abrahamson we shall use enclave to refer to concentrations of
residents who do not have the same ethnic or minority status
in the conventional sense, but who share a significant
commonality based on wealth, life-style, or a combination of
these attributes.4 (1996:01).
A moradia em determinado enclave pode ser vista como fator de
identidade e status, servindo como um carto de visitas que
4 Para todas as citaes em ingls, ser feita uma traduo livre do texto como nota:
Podemos usar enclave para nos referirmos a concentraes de moradores que no
possuam a mesma etnia ou status inferior, no sentido convencional, mas que
compartilhem uma vida em comunidade baseada em riqueza, estilo de vida ou a
combinao de ambos.
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CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
31
identifica seu morador. Abrahamson afirma que a excluso e a
discriminao sociais so necessrias para a manuteno do padro e
do status das elites dos enclaves residenciais.
Com a anlise especfica da realidade urbana de Nova York, Marcuse
(1989) desenvolve o conceito de cidade fragmentada (quartered
cities), onde os espaos so divididos de acordo com o tipo de
moradia:
. Luxury housing spots (reas de moradias de luxo) - enclaves
ou prdios isolados ocupados pelas camadas que detm o
poder e a riqueza. No possuem uma nica rea especfica com
limites definidos dentro da cidade. A cidade menos
importante como local de residncia do que como local de
poder e de benefcios (ganho).
. Gentrified city (cidade gentrificada) - a cidade renovada e
remodelada, dos yuppies (profissionais liberais, diretores,
tcnicos, etc).
. Suburban city (cidade dos subrbios) - a cidade tradicional,
moradia das famlias em expanso, reduto tradicional das
classes mdias, trabalhadores bem pagos, pequena burguesia,
etc.
-
CAPTULO 1
Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
32
. Tenement city (cidade operria) - cidade dos cortios e
pequenas unidades habitacionais de aluguel, locus de operrios
mal pagos, empregos irregulares com poucos benefcios ou
chance de melhora, e da habitao social.
. Abandonned city (cidade abandonada) - local dos excludos,
dos sem teto, desempregados, da pobreza mais aguda.
Para cada tipologia residencial corresponde uma rea especifica
de carter econmico nas cidades:
. Controlling City (Cidade de Controle) - locais das grandes
decises, inclui uma rede de escritrios de alto padro e
antigas manses em reas privilegiadas e delimitadas dentro
do tecido urbano. reas de maior segurana e controle.
. City of advanced services (cidade dos servios avanados) -
escritrios na rea central, localizados em torres de alto padro
(skyscraper center), com grande aparato tecnolgico, em reas
delimitadas da cidade.
. City of direct production (cidade da produo direta), inclui
fbricas e suportes de servios avanados, escritrios do
governo, escritrios de apoio das principais empresas,
localizados em diferentes reas da regio metropolitana.
-
CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
33
Subrbio industrial. Importncia do valor da terra na
localizao.
. City of unskilled work and the informal economy (cidade do
trabalho sem qualificao e da economia informal) -
manufatura de pequena escala, produo informal domstica.
Inclui pequenas empresas, atacadistas, servios de consumo
tecnologicamente atrasados e indstrias de imigrantes,
localizados prximos s cidades de produo e se espalha por
toda urbe.
. Residual city (cidade residual) - a cidade da economia
informal ilegal (a cidade dos NIMBY: not in my back yard).
Cidade sem oportunidade de emprego, ou sub-emprego.
Cidade das atividades menos legais e menos valorizadas dentro
da economia informal. Compatvel com a cidade residencial
abandonada.
No contexto atual da cidade global ps-fordista, novas formas
espaciais se consolidaram e velhos padres de segregao se
intensificaram:
a) Crescimento da cidade gentrificada e encolhimento da
outras reas.
-
CAPTULO 1
Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
34
b) Crescimento da cidade abandonada, com aumento dos
guetos.
c) Mudana na dinmica das divises dos bairros, numa relao
de tenso entre eles.
d) Importncia das identidades dos bairros expressa no uso
defensivo do espao.
e) Barreiras criadas entre bairros ou quarteires (muros,
cercas, etc).
f) Instncias governamentais promovendo a diviso da cidade
segundo interesses privados.
As diferenas espaciais, do ponto de vista residencial, se manifestam e
reforam posies na hierarquia de poder e fortuna, definida por um
grupo muito restrito. A localizao da residncia passa a indicar
caractersticas scio-econmicas do morador (nvel de renda/social). A
segregao espacial difere os grupos sociais "numa relao na qual o
bem-estar e poder de alguns dependem da pobreza e subordinao de
outros" (Marcuse 1989:706). Esta nova viso se relaciona com as
divises globais de trabalho e com os movimentos do capital,
tornando-se visveis hoje, numa escala sem precedentes. Estes
modelos espaciais variam de cidade para cidade, de pas para pas,
diferindo em intensidade e profundidade (Pasternak 2006).
-
CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
35
Marcuse, por exemplo, afirma que freqentemente as famlias de
baixa renda esto concentradas nos centros urbanos, enquanto os
ambientes suburbanos abrigam as famlias de rendimento mdio e
superior (2004:30). Est uma afirmao vlida para o ambiente
urbano norte-americano, porm no para as grandes cidades latino-
americanas como So Paulo, Rio de Janeiro, Santiago ou Buenos Aires,
como ser visto mais adiante.
1.3. Os Subrbios Residenciais Norte-Americanos,
a Bourgeois Utopia e as Gated Communities
Como nem toda diviso social do espao caracteriza uma situao de
segregao espacial, importante entender como essa segregao se
espacializa nas grandes metrpoles contemporneas, especialmente no
caso norte-americano (como referncia constante no mercado
imobilirio atual) e nas metrpoles latinas do Cone Sul (So Paulo,
Buenos Aires e Santiago do Chile).
A anlise da segregao espacial em determinada regio pressupe o
entendimento no apenas do conceito de segregao, que
pretendemos analisar, mas tambm da configurao espacial
resultante. O estudo dos condomnios fechados na Regio
Metropolitana de So Paulo parte de uma tipologia espacial bastante
-
CAPTULO 1
Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
36
definida: reas residenciais com casas semelhantes e espaos coletivos
de lazer cercados por muros ou cercas. Coloca-se como uma questo
importante entender de que forma esse modelo se imps como padro
a ser seguido de forma abrangente.
O padro de urbanizao das cidades brasileiras, como em Santiago e
Buenos Aires, durante o sculo XIX e incio do XX, seguiu modelos
europeus continentais, sobretudo franceses. A partir dos anos 1920,
com o primeiro boom de disseminao dos automveis5 e,
principalmente aps a Segunda Guerra Mundial, ocorre uma mudana
para o modelo norte-americano, baseado no transporte por
automveis e na expanso perifrica das grandes cidades.
O entendimento do padro de expanso perifrico norte-americano,
com seus subrbios residenciais e padres especficos de segregao,
faz-se necessrio para procurarmos compreender de que forma esse
modelo tem sido implementado nas cidades brasileiras e mais
especificamente na RMSP.
A anlise feita por Robert Fishman (2002) em Bourgeois Utopias:
Visions of Suburbia6 explica no apenas o surgimento de uma
5 Entre 1915 e 1927, apenas na cidade de So Paulo o nmero de automveis passa
de 1.227 para 11.380, um aumento de 827% em 12 anos (DOttaviano 2001). 6 Para o entendimento da realidade norte-americana em relao especificamente
expanso dos condomnios fechados, outras cinco obras so essenciais: Abrahamson
(1996) Urban Enclaves. Identity and Place in America, Blakely & Snyder (1999) -
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CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
37
tipologia de segregao tipicamente anglo-americana, chamada por ele
de burguesa, mas tambm de que forma essa tipologia deu origem ao
padro de segregao espacializado nos condomnios fechados da
cidade global contempornea.
Os primeiros subrbios destinados moradia de uma classe mdia
burguesa emergente surgem na Inglaterra no final do sculo XVIII.
Naquele momento, o surgimento do subrbio significou uma
importante transformao dos valores urbanos vigentes: mudana das
noes de centro e periferia, separao dos locais de trabalho e
moradia, e a criao de novas formas de espao urbano com
segregao de classes sociais e de funo (moradia, comrcio,
indstria, etc).
Os subrbios que antes eram a regio de moradia dos pobres, ladres
e prostitutas7, passam a ser local de moradia da elite emergente. O
modelo desses novos bairros residenciais teve origem no padro de
moradia rural dos nobres, com seus castelos e vilas construdos em
meio ao verde do campo. Baseou-se na primazia da casa unifamiliar
Fortress America. Gated Communities in the United States; Jackson (1985) -
Crabgrass Frontier: The Suburbanization of the United States; Low (2003) - Behind the
Gates. Life, Security, and the Pursuit of Happiness in Fortress America; e McKenzie
(1994) - Privatopia. Homeowner Associations and the Rise of Residential Private
Government. 7 Nos sculos 17 e 18, em Londres uma prostituta era normalmente chamada de
pecadora do subrbio (Fishman 2002:26)
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CAPTULO 1
Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
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isolada construda em meio ao verde. Segundo Fishman, a partir do
conceito ingls do pitoresco, o subrbio deveria possuir caractersticas
construtivas e de desenho urbano que o diferenciassem tanto da
cidade quanto do campo, numa esttica de casamento entre cidade e
campo (2002:25).
Porm, para entender a proliferao desse modelo, mais importante do
que analisar o que continha identificar o que exclua: todas as
atividades industriais, atividades comerciais de grande porte (apenas
pequenos comrcios que servissem diretamente aos moradores seriam
admitidos) e residncias para moradores de classe baixa.
Suburbia represents a collective assertion of class wealth, and
privilege as impressive as any medieval castle. Most importantly,
suburbia embodies a new ideal of family life [grifo meu], an ideal
so emotionally charged that it made the home more sacred to the
bourgeoisie than any place of worship. () From its origins, the
suburban world of leisure, family life, and union with nature was based
on the principle of exclusion. Work was excluded from the family
residence; middle-class villas were segregated from working-class
housing; the greenery of suburbia stood in contrast to a gray, polluted
urban environment. () It also reflects the alienation of the middle
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CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
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classes from the urban-industrial world they themselves were
creating8. (2002:24)
Os novos bairros foram construdos em grandes reas perifricas, de
fcil acesso por carruagens privadas, porm com baixo valor de
mercado. A expanso para os subrbios se deu com a transformao
de grandes e baratas glebas agrcolas em reas urbanizadas com alto
valor de mercado. O novo modelo de moradia propunha um novo estilo
de vida, que valorizava sobretudo a estrutura familiar nucleada, mas
tambm era um timo investimento para os banqueiros e
comerciantes.
There, within easy commuting distance to the city by private carriage,
these merchants and bankers could construct their bourgeois
utopia of leisure, neighborliness, prosperity, and family
life.(grifo meu)
8 Os subrbios representavam uma declarao coletiva de prosperidade de classe e
privilgio, to impressionante quanto qualquer castelo medieval. O mais importante
que o subrbio corporificava um novo ideal de vida familiar [grifo meu], um
ideal to emocionalmente carregado que transformou o lar mais sagrado para a
burguesia do que qualquer outro lugar de adorao. (). Desde sua origem, o mundo
suburbano de lazer, vida familiar, e unio com a natureza foi baseado no princpio da
excluso. Trabalho foi excludo da residncia famlia; casas de classe media eram
segregadas das habitaes operarias; o verde do subrbio contrastava com o
ambiente urbano poludo e cinza. () Isto tambm refletia a alienao das classes
mdias em relao ao mundo urbano-industrial que elas mesmas estavam criando.
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To this strong cultural impetus to suburbanization was soon added an
equally strong economic motive. The suburban idea raised the
possibility that land far beyond the previous range of metropolitan
expansion could be transformed immediately from relatively cheap
agricultural land to highly profitable building plots. This possibility
provided the great engine that drove suburban expansion forward.
Builders in both England and the United States adapted more easily to
the needs of suburban development than they did to the more difficult
challenge of creating middle-class districts within the city. Suburbia
proved to be a good investment as well as a good home.9 (Fishman
2002:28).
J o modelo de segregao espacial adotado nas cidades europias
continentais teve como paradigma a cidade de Paris. Na dcada de
1840, foi implantado o primeiro bairro burgus segregado, porm
ainda dentro da rea urbana. the Chausse dAntin embodied the
9 Assim, com o trajeto por carruagem facilitado at a cidade, esses comerciantes e
banqueiros podiam construir sua utopia burguesa de lazer, sociabilidade,
prosperidade e vida familiar. [grifo meu].
Para esse forte mpeto cultural de suburbanizao foi adicionada uma igualmente forte
razo econmica. A idia do subrbio criou a possibilidade de terras agrcolas
relativamente baratas, fora dos limites da expanso urbana de ento, serem
transformadas imediatamente em reas construdas altamente rentveis. Essa
possibilidade foi o grande motor de expanso do subrbio. Construtores, tanto na
Inglaterra quanto nos Estados Unidos, se adaptaram mais facilmente as necessidades
do desenvolvimento suburbano do que tinham feito com a tarefa mais difcil de criar
bairros para a classe mdia nas reas j urbanizadas. Os subrbios provaram sem to
bons investimentos quanto bons lares.
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suburban principles of domesticity, privacy, and class segregation,
but in an urban setting. The Chausse dAntin presented a solid front
of luxurious structures that proclaimed their affiliation with the city and
not the countryside.10 (Fishman 2002:38)
Os edifcios foram construdos tendo por modelo as formas clssicas do
Palais Royal e de outras manses urbanas da aristocracia do sculo
XVIII. Os edifcios, de cinco ou seis andares, tinham ambientes amplos
e apartamentos que ocupavam geralmente todo o andar.
Com as reformas urbanas encabeadas por Haussmann, a partir da
metade do sculo XIX, o modelo de Chausse dAntin foi usado na
configurao dos novos e amplos bulevares. Not surprisingly, the
Parisian middle class moved en masse to the apartments of the
boulevards and the beaux quartiers; and their loyalty to the large
apartment house was never wavered. The consequences of
Haussmannization have further ensured that the suburban ideal would
make few converts among the Parisian bourgeoisie.11 (Fishman
2002:42)
10 O Chauss DAntin corporificou os princpios suburbanos de domesticidade,
privacidade e segregao de classes, porm em um ambiente urbano. O Chauss
DAntin introduziu uma fachada compacta de estruturas luxuosas, evidenciando sua
associao com a cidade e no com o campo. 11 Sem surpresa, a classe mdia parisiense se mudou em massa para os
apartamentos dos bulevares e dos novos bairros, e sua lealdade s amplas moradias
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A populao pobre que antes morava nas reas centrais da cidade teve
suas casas demolidas durante a reforma e foi forada a se mudar para
reas perifricas da cidade, juntamente com as indstrias e seus
operrios. Suburbanization in the French sense thus come to refer
almost exclusively to a working-class or lower middle-class movement
to the periphery.12 (Fishman 2002:42)
A suburbanizao parisiense incorporou o sentido de periferia pobre e
popular, onde se localizavam as moradias das classes populares e
operrias e os usos menos nobres (como as indstrias).
Mesmo as reas verdes e de lazer foram segregadas no contexto
parisiense, com a criao de dois bosques distintos, um para a elite da
rea central (Bois de Boulogne) e outro, mais popular, construdo no
limite a leste da cidade (Bois de Vincennes).
A partir dos anos 1850 e 1860, as cidades norte-americanas
comearam a vivenciar um processo de intenso crescimento. Nesse
momento a expanso suburbana, com bairros residenciais segregados,
foi adotada de forma irrestrita, passando a caracterizar o modelo de
expanso urbana norte-americano como um todo.
em apartamentos nunca oscilou. As conseqncias da haussmanizao garantiram que
o ideal suburbano fizesse poucas converses entre a burguesia parisiense. 12 Suburbanizao, no contexto francs, se refere, quase que exclusivamente, ao
movimento das classes operrias e da classe mdia-baixa para a periferia.
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Fishman afirma que a histria do subrbio , na verdade, a histria
social e cultural da burguesia anglo-americana: middle-class
suburbanization thus entered into the structural logic of the expanding
Anglo-American city. () Suburbia might appear to be a flight from the
city but, seen in larger, regional context, suburbanization was clearly
the outer edge in the wide process of metropolitan growth and
consolidation that was draining the rural areas and small towns of their
population and concentrating people within what H. C. Wells called the
whirlpool cities. (...) They [comerciantes e banqueiros] are the
pioneers whose collective style and choices define the nature of
suburbia for their era.13 (Fishman 2002:28 e 30).
A moradia no subrbio passa a ser, ento, um modelo espacial ideal,
que representa um novo estilo de vida das novas classes burguesas.
In this Darwinian struggle for urban space, the bourgeoisie sought not
only land for their commercial and industrial enterprises but also land
13 A suburbanizao da classe media passou a fazer parte da lgica estrutural de
expanso urbana das cidades anglo-americanas. () O subrbio podia aparentar ser
um tipo de guerra contra a cidade, mas visto numa escala mais ampla, de carter
regional, a suburbanizao foi claramente o limite exterior do amplo processo de
crescimento metropolitano que inclua a incorporao de reas rurais e da populao
de pequenos municpios, concentrando pessoas no que H. C. Wells chamou de cidades
redemoinho. (...) Eles so os pioneiros [comerciantes e banqueiros] cujo estilo
coletivo e escolhas definiram a natureza dos subrbios no seu tempo.
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for their dreams: their visions of the ideal middle-class home.14
(Fishman 2002:30).
No contexto norte-americano a expanso dos subrbios tem uma
caracterstica especial: o uso intensivo da propaganda. As casas no
subrbio e seu novo estilo de vida so vendidos como o ideal norte-
americano de habitao.
Os subrbios passam ento a ser zonas residenciais valorizadas, onde
pessoas com alto poder aquisitivo escolhem viver em bairros-jardim,
caracterizados pela segregao de classes e de funes e por moradias
unifamiliares isoladas.
Com a disseminao desse tipo de moradia nos Estados Unidos, residir
em um subrbio passa a ser acessvel a novos grupos sociais. No incio
do sculo XX, mesmo a classe mdia operria comea a se mudar para
casas suburbanas. Uma nova questo se coloca: se os subrbios
passam a ser acessvel a novas classes sociais, como manter seu
princpio bsico de excluso?
Durante o sculo XX, novas formas de segregao so implementadas
no contexto urbano norte-americano, como a criao de associaes
14 Nessa briga darwiniana por espao urbano, a burguesia soube conquistar terreno
no apenas para suas indstrias e negcios, mas tambm para a terra dos seus
sonhos: suas vises do ideal do lar da classe mdia.
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CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
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de moradores e o surgimento das gated communities (comunidades
com barreira, na traduo literal), analisadas a seguir.
Aps a disseminao da moradia em bairros suburbanos, com o intuito
de manter a exclusividade de alguns desses bairros, na primeira
metade do sculo XX, comeam a se consolidar as primeiras
Associaes de Moradores Norte-Americanas. Essas associaes
passam a regulamentar e normatizar o acesso e o uso desses bairros.
As restries impostas pelas associaes de moradores pretendiam
manter as caractersticas segregacionistas e de excluso, inclusive com
o discurso de manuteno do valor das propriedades (McKenzie 1994).
Em 1934, foi criada a Federal Housing Administration FHA
(Administrao Federal de Habitao), como um instrumento para
minimizar o desemprego na construo civil causado pela crise de
1929. Rapidamente, no entanto, o rgo federal transformou-se num
parceiro dos incorporadores imobilirios e da industria da construo
civil.
Os investimentos federais se concentraram na construo de novos
empreendimentos residenciais suburbanos, com padro
segregacionista, em detrimento de habitaes populares em zonas
mais centrais.
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CAPTULO 1
Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
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O FHA adotou a idia de que contratos restritivos15, utilizados pelas
associaes de moradores, era a maneira de preservar o valor das
propriedades, baseado na idia de criao de bairros homogneos, que
exclussem as minorias. Segundo seu manual16, de 1938, a Protection
From Adverse Influences (proteo contra influncias adversas) era
um dos fatores mais importantes na definio dos valores de locao
de um imvel. Devemos entender essas influncias adversas como a
presena de minorias raciais e tnicas.
A defesa da homogeneidade social e racial era feita abertamente pela
FHA: If a neighborhood is to retain stability, it is necessary that
properties shall continue to be occupied by the same social and racial
classes. A change in social or racial occupancy generally contributes to
instability and a decline in values. 17 (McKenzie 1994:65)
Em seu estudo sobre a expanso urbana norte-americana, Jackson
(1985) afirma que o FHA helped to turn building industry against
the minority and inner-city housing market, and its policies supported
the income and racial segregation of suburbia. For perhaps the first
15 Restrictive convenants no original. As restries ao tipo de comprador/morador
eram colocadas j nos contratos de compra e venda e eram posteriormente reforadas
pelas associaes de moradores. 16 Vrios manuais passaram a serem publicados, no s pela FHA, mas tambm pela
NAREB National Association of Real Estate Boards. 17 Para a manuteno da estabilidade de um bairro, necessrio que as propriedades
continuem a ser ocupadas pelas mesmas classes sociais e raciais. A mudana na
ocupao social ou racial geralmente contribui para a instabilidade e queda de valor.
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CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
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time, the federal government embraced the discriminatory attitudes of
the marketplace. Previously, prejudices were personalized and
individualized; FHA exhorted segregation and enshrined it as public
policy.18 (apud McKenzie 1994:67)
Num perodo de grande crescimento demogrfico e no momento de
maior construo civil da histria norte-americana (ps-Segunda
Guerra), a expanso urbana das cidades norte-americanas foi
fortemente influenciada pelas polticas segregacionistas da NAREB
(National Association of Real Estate Boards Associao Nacional dos
Conselhos de Bens Imveis), dos incorporadores locais e do FHA. A
criao de organizaes voluntrias (como as associaes de
moradores), como forma de garantir a segregao residencial, era
incentivada pelos representantes do mercado imobilirio.
Em 1955, Charles Abrams, advogado da Califrnia Real Estate
Association (Associao de Bens Imveis da Califrnia), defendeu o
uso das associaes de moradores como um instrumento de controle
da restrio de uso dos seus bairros:
18 O FHA ajudou a direcionar a indstria da construo contra o Mercado de habitao
das reas centrais, e suas polticas deram suporte para o crescimento da segregao
racial e de renda dos subrbios. Talvez pela primeira vez, o governo federal adotou as
atitudes discriminatrias do mercado imobilirio. Anteriormente, prejuzos eram
personalizados e individualizados; FHA exortou a segregao e elevou-a a poltica
pblica.
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CAPTULO 1
Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
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A homes association could be formed, the members of which are the
owners of building sites within the residential tract, and prohibiting the
occupancy except to those persons or families, who hold an occupancy
permit issued by the homes association. The issuance of the permit is
discretionary and without reference to race or color but based entirely
upon personal qualification as a good neighbor or in other words,
cultural status. This is an extension of the idea that any club may
regulate admission to its membership. Many a country club restricts
occupancy of home sites on its grounds members. Religious colonies
have long been established upon same basis. This arrangement would
likewise operate against undesirable Caucasians as prospective
buyers.19 (apud McKenzie 1994:76)
Outras instituies, como o Urban Land Institute (Instituto de Terra
Urbana), passam a elogiar o papel das associaes de moradores na
preservao do carter e da integridade das comunidades, como a
manuteno de um alto grau de orgulho e sociabilidade dentro dessas
19 Uma associao de casas poderia ser formada, cujos membros so os proprietrios
de imveis dentro da rea residencial, e proibindo a ocupao exceto para aquelas
pessoas ou famlias que possuam uma permisso de uso emitida pela associao. A
emisso da permisso arbitrria e sem referncia a raa ou cor, mas sim baseada
inteiramente na qualificao pessoal como bom vizinho, ou em outras palavras, status
cultural. Essa uma extenso da idia de que qualquer clube pode regulamentar a
admisso de novos scios. Muitos clubes de campo restringem a ocupao de seus
lotes a associados. Colnias religiosas h muito tempo foram estabelecidas sobre os
mesmos princpios. Esse arranjo pode operar contra caucasianos indesejveis como
possveis compradores.
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CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
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comunidades. Em 1989, Robert H. Nelson, economista do
Departamento de Interior, chegou a firmar que as associaes de
moradores poderiam substituir gradualmente os governos municipais.
(McKenzie 1994)
As gated communities se tornaram um modelo de parcelamento
quando, nos anos 1960 e 1970, a partir de um plano geral de oferta de
bairros especficos para lazer e veraneio, vrios condomnios fechados
foram construdos. Os resorts e clubes de campo exclusivos foram os
primeiros locais onde os norte-americanos puderam wall themselves
off (criar espaos cercados).
Os anos 1980 viram um boom de construo de bairros murados,
cercados e protegidos. A proliferao das gated communities refletiu o
medo crescente do crime. Segundo Blakely & Snyder (1997), esse
medo crescente no se justificava pelo aumento da criminalidade. E os
locais onde esses condomnios foram implantados no eram, em geral,
regies com alta criminalidade. O nmero crescente de mtodos
usados para o controle do meio fsico como forma de garantir
segurana fsica e econmica de grupos especficos, tambm pode ser
associado implementao dessa nova tipologia residencial.
In the 1980s, upscale real estate speculation and the trend to
conspicuous consumption saw the proliferation of gated communities
around golf courses that were designed for exclusivity, prestige, and
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leisure. The decade also marked the emergence of gated communities
built primarily out of fear, as the public became increasingly
preoccupied with violent crime. Gates became available in
developments of suburban single-family tracts and high-density urban
apartment complexes. Since the late 1980s, gates become ubiquitous
in many areas of the country; there are now entire incorporated cities
that feature guarded entrances.20 (Blakely & Snyder 1997:4 e 5)
Em 1997 cerca de 8,5 milhes de norte-americanos viviam em
condomnios fechados e aproximadamente 40% das novas residncias
na Califrnia eram construdas em condomnios fechados behind
walls (atrs de muros). (Blakely & Snyder 1997)
Blakely & Snyder afirmam que existem trs tipos principais de
condomnios fechados nos EUA:
1. Lifestyle Communities (comunidades de estilo de vida)
condomnios formados por grupos de moradores com estilos
20 Nos anos 1980, a especulao imobiliria em larga escala e a busca por um
consumo diferenciado levou proliferao dos condomnios fechados ao redor dos
campos de golfe, projetados como locais de exclusividade, prestigio e lazer. A dcada
tambm foi marcada pelo surgimento dos condomnios fechados construdos
inicialmente devido ao medo, uma vez que a populao se tornava cada vez mais
preocupada com o crime violento. Portes se tornaram disponveis em
empreendimentos suburbanos para residncias unifamiliares e em conjuntos de
apartamentos de alta densidade em reas centrais. Desde o final dos anos 1980,
portes se tornaram onipresentes em vrias reas do pas; existem agora cidades
totalmente incorporadas cujo trao principal so suas entradas protegidas.
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CAPTULO 1 Segregao Urbana e os Condomnios Fechados
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de vida semelhantes, focados, sobretudo, nos equipamentos e
reas comuns voltadas para a recreao (ex: campos de golfe).
2. Prestige Communities (comunidades de prestgio)
condomnios formados com o intuito de manuteno ou
aumento dos valores de mercado dos imveis.
3. Security Zones (reas de segurana) condomnios
formados a partir da preocupao prioritria em relao ao
incremento da segurana.
Apesar do discurso do medo e da segurana (ver Low 2003, por
exemplo), a anlise histrica dos bairros e subrbios segregados
norte-americanos indica que a consolidao de bairros residenciais
homogneos e segregacionistas nos Estados Unidos no esteve ligada
questo de segurana, mas sim a uma cultura, desenvolvida ao
longo do final do sculo XIX e durante todo o sculo XX, de que bairros
etnicamente homogneos promoviam a valorizao imobiliria dos
lotes e edificaes, alm de facilitarem e estimularem a vida em
comunidade (entre iguais, claro).
Assim, nas ltimas trs dcadas, foi incorporada ao modelo norte-
americano, de grandes subrbios homogneos para a classe mdia, a
construo de portes, de enormes muros e a presena e controle de
guardas.
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1.4. Os Condomnios Fechados como Paradigma de
Segregao no Cone Sul Latino-Americano
Na Amrica Latina as grandes concentraes urbanas so uma
realidade recente. No incio dos anos 1950, apenas Argentina, Chile,
Cuba e Uruguai tinham maioria de populao urbana. Desde ento tem
ocorrido uma intensa urbanizao por todo o territrio. Em 1990, o
grau de urbanizao alcanou 72%. A populao total pulou de 100
milhes em 1930 para 425 milhes em 2000 (Pasternak 2006).
Os principais trabalhos acadmicos sobre segregao espacial nos
pases do Cone Sul Latino-Americano associam sua intensificao aos
fenmenos econmicos e sociais ligados globalizao.
Segundo RIBEIRO (2003) a difuso de idias liberais mudou modelos
de polticas pblicas, privatizando servios e assim aumentando a
desigualdade de acesso a equipamentos pblicos. Este mesmo iderio
concorreu para uma liberalizao da interveno no mercado de terras
e de moradia, reforando a desigualdade tambm na organizao do
espao urbano. Alm disso, a globalizao tem contribudo para
transformaes na base produtiva das cidades, com tendncias
dualizao social, e aumento de distncia entre a renda mdia dos
estratos superiores e a dos inferiores. Essa dualizao age como
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fac