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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA

RAFAEL ROGÉRIO NASCIMENTO DOS SANTOS

“DIS O ÍNDIO...”: OUTRA DIMENSÃO DA LEI - POLÍTICAS INDÍGENAS NO

ÂMBITO DO DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS (1777-1798)

Belém

2014

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RAFAEL ROGÉRIO NASCIMENTO DOS SANTOS

“DIS O ÍNDIO...”: OUTRA DIMENSÃO DA LEI - POLÍTICAS INDÍGENAS NO

ÂMBITO DO DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS (1777-1798)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará,

como exigência parcial para obtenção do título de mestre em

História.

Orientador: Mauro Cezar Coelho (PPHIST/UFPA)

Belém

2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA

RAFAEL ROGÉRIO NASCIMENTO DOS SANTOS

“DIS O ÍNDIO...”: OUTRA DIMENSÃO DA LEI - POLÍTICAS INDÍGENAS NO

ÂMBITO DO DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS (1777-1798)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará,

como exigência parcial para obtenção do título de mestre em

História.

Orientador: Mauro Cezar Coelho (PPHIST/UFPA)

Data de aprovação: 20 de Maio de 2014

Banca Examinadora:

________________________________

Professor Doutor Mauro Cezar Coelho

(Orientador – Programa de Pós-Graduação em História / UFPA)

________________________________

Maria Regina Celestino de Almeida

(Examinadora – Programa de Pós-Graduação em História / UFF)

________________________________

José Alves de Souza Junior

(Examinador – Programa de Pós-Graduação em História / UFPA)

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

(Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)

Santos, Rafael Rogério Nascimento dos

“Dis o índio...”: outra dimensão da lei - políticas indígenas no âmbito do diretório dos

índios (1777-1798) / Rafael Rogério Nascimento dos Santos. - 2014.

Orientador (a): Mauro Cezar Coelho

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas, Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, Belém, 2014.

1. Índios da América do Sul - Pará, 1777-1798. 2. Pará - História, 1777-1798. 3. Pará -

Período colonial, 1777-1798. 4. Poder (Ciências Sociais). I. Título.

CDD - 22. ed. 980.4115

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Aos professores que me ajudaram nessa trajetória.

Aos meus amigos e família, principalmente minha mãe, D.

Maria Raimunda, por tudo que passamos nos últimos meses.

Para Bruna Antunes, por ser parte dessa trajetória.

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AGRADECIMENTOS

Se eu agradecesse de forma devida e justa a todos que contribuíram de forma indireta

ou direta na construção desta dissertação, isso deveria tomar uma boa parte deste trabalho.

Contudo, serei breve e procurarei lembrar a todos que marcaram e fizeram parte dessa

jornada.

Aos Goliardos – Grupo de Jovens Intelectuais a serviço do conhecimento histórico –

Admarino Júnior, Ailson Freire, Leandro Fonseca e Romyel Cecim. Grupo de amigos que

surgiu de uma brincadeira na graduação há mais de seis anos e que até hoje, apesar da

distância, se mantém. Além deles, agradeço a todos os colegas da graduação – turma de

História Intervalar 2007 – entre eles, Oyarsa Batista, Rafael Oliveira e Heyder Souza.

Aos amigos e colegas do curso de História, tanto da graduação quanto da pós-

graduação, Marcos, Erick, Vinícius, Gil, Gabriel, Cecília e Raimundo Neto.

Aos meus amigos da vizinhança, alguns que conheço desde a infância e nutro uma

profunda amizade: Aleson Maia, Leandro Abreu, Rogério Silva e, em especial, Paulo

Roberto, um irmão a quem devo sinceros agradecimentos por ter lido e revisado

gramaticalmente esse trabalho. Também aos amigos do mestrado, em especial aqueles os

quais tenho grande consideração: Bruno Mariano, Frederik Matos e Tamyris Monteiro.

Agradeço também a diretora Eliana Ramos pela compreensão e incentivo a vida

acadêmica quando fiz parte do grupo Benício Lopes.

Eu tenho vontade de agradecer a todos os meus professores do ensino fundamental ao

médio, inclusive meu pai, Evaldo Santos, que foi um deles. Agradeço porque o conhecimento

que construí nesse período, ao longo de anos, foi fundamental para a minha formação

acadêmica. Saber ler, interpretar, escrever e finalmente, dissertar. Obrigado a todos. Pai, você

é um grande educador, obrigado pelo carinho e ensinamentos.

Devo agradecer a minha família, formada por uma maioria de professores, deram-me

apoio e acreditaram que eu iria conseguir bons proveitos do esforço e dedicação os quais, por

vezes, retiravam-me mais cedo das festas e reuniões em família. Um agradecimento especial

ao meu irmão, Alexandre Santos, pelas vitórias conjuntas.

Agradeço a minha mãe, Maria Raimunda, devo tudo a ela. Meus objetivos não teriam

sido alcançados se não fosse pelo seu apoio incondicional. Sei que com minha “presença

ausente” dentro de casa, por dedicar horas em frente a um computador, perdi inúmeras

conversas, entretanto, sempre tentei ser um filho do qual se orgulhasse. Ela é um dos maiores

motivos dessa realização.

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Tenho uma profunda gratidão ao professor Mauro Cezar Coelho. Um professor

exemplar, além da paciência em orientar todo este trabalho, realizando sempre uma leitura

criteriosa, confiou no meu potencial acadêmico desde a graduação, sempre incentivando os

estudos, o alcance de objetivos, com uma positividade que me fez acreditar piamente no meu

potencial. Muito obrigado! A minha formação acadêmica é em boa parte devedora dessa

confiança.

Agradeço ao CNPq – Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico,

pelo financiamento dessa pesquisa. Aos professores do curso de graduação em Bacharelado e

Licenciatura em História da Universidade Federal do Pará e também do Programa de Pós-

Graduação em História Social. Tenham a certeza que contribuíram nessa jornada. Em

especial, Francivaldo Nunes, pelas aulas de Estágio supervisionado, Wilma Coelho, que além

de ter sido minha professora de estágio, é uma profissional exemplar que me apresentou uma

vida acadêmica séria e repleta de leituras.

Sou grato a Rafael Chambouleyron por ter feito apontamentos que contribuíram muito

no meu trabalho, ao professor José Alves de Souza Junior pelas dicas e comentários precisos

acerca da minha dissertação e a Maria Regina Celestino de Almeida, historiadora que, por

meio de seus trabalhos e reflexões sobre a história indígena, muito influenciou minha

trajetória.

Por último, agradeço a minha esposa Bruna Antunes dos Reis, “mah-e-man”, “B”.

Deixá-la para encerrar uma das partes mais subjetivas deste trabalho é devido à dificuldade de

encontrar as expressões certas para mostrar a importância que tens em minha vida. Passamos

por muitas desventuras nesse período, e, para que eu conseguisse superá-las, foste

fundamental, suas palavras de apoio, incentivo e carinho foram um pilar no qual me sustentei.

Page 8: "Diz o índio":

RESUMO

Essa pesquisa trata de determinadas estratégias e ações construídas pelos indígenas do

Grão-Pará em busca de seus próprios interesses, diante dos limites que o contexto do último

quartel do século XVIII lhes impôs. Leva-se em conta que os povos indígenas possuíram e

possuem participação fundamental na história do Brasil, souberam lidar com as relações de

poder geridas pela sociedade colonial, aprenderam os códigos culturais europeus e os

utilizaram para moverem-se e adaptarem-se dentro daquele universo, principalmente em

busca de maior autonomia. As políticas indígenas são compreendidas como instrumento de

ação dos ameríndios e revelam que aprenderam a lidar com as formas de poder instituídas no

Vale Amazônico e, na medida do possível, criaram estratégias de ação procurando satisfazer

suas próprias necessidades.

Palavras-chave: Políticas indígenas; Diretório dos Índios; Resistência Índígena.

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ABSTRACT

This research deals with certain strategies and actions built by Indians of Grão Para in

pursuit of their own interests in front of the limits about the context of the last quarter of the

eighteenth century imposed to them. It takes into account that indigenous people had and have

a fundamental participation on the Brazil´s history, they knew how to get along with the

power´s relations managed by colonial society, learned the European cultural codes and used

them to move up and adapt within that universe mainly seeking greater autonomy. Indigenous

policies are understood as an action instrument and show that the Amerindians were not just

victims or victimizers, they learned how to deal with the forms of power established in the

Amazon Valley and, as far as possible, created action strategies trying to satisfy their own

needs.

Keywords: Indigenous Political; Indian‟s Directory; Indigenous resistance

Page 10: "Diz o índio":

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 12

Sobre a resistência indígena...................................................................................................... 12

PARTE I................................................................................................................................... 18

Capítulo I – História indígena e indigenista: os povos indígenas no centro do palco....... 19

1_ Percurso historiográfico: “Os índios (a raça côr de cobre) e sua historia como parte da

Historia do Brazil”..................................................................................................................... 20

1.1_ História Indígena: dos bastidores ao palco........................................................................ 26

1.2_ A legislação indigenista – O Diretório dos Índios: do projeto ao processo histórico....... 35

1.3_ O Diretório dos Índios e as dinâmicas locais.................................................................... 41

Capítulo II - Experiências cotidianas: Além da mera reação espasmódica....................... 45

2_ Povos indígenas: a resistência e a adaptação........................................................................ 46

2.1_ As diversas formas de lidar com a sociedade colonial...................................................... 51

2.2_ Casos “explícitos”: os principais...................................................................................... 54

2.2.1_ Manuel Pereira de Faria, o principal que desafiou o governador.................................. 61

2.3_ Estratégias, apropriações e resistências............................................................................. 64

PARTE II............................................................................................................................. .... 67

Capítulo III - Políticas indígenas no Grão-Pará e a redimensão do Diretório dos Índios..68

3_ “Dis o índio...”...................................................................................................................... 69

3.1_ A legislação de cada dia.................................................................................................... 73

Capítulo IV - Índios e governadores – políticas indígenas e indigenistas......................... 78

4_ Patronilha da Vila de Beja, e Madaglena do Lugar de Penha Longa................................... 79

4.1_ Josefa Martinha, Cidade do Pará....................................................................................... 82

4.2_ Maria Silvana, Rio Cuinarana........................................................................................... 87

4.3_ Telo de Menezes: ávida arregimentação da força de trabalho indígena........................... 88

4.4_ Martinho de Sousa e Albuquerque: índios nas obras públicas.......................................... 91

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4.5_ Bonifácia da Silva, Vila de Monsarás............................................................................... 96

4.6_ Joanna Baptista, Cidade do Pará....................................................................................... 97

4.7_ Francisco de Brito, Vila de Chaves e Antonio José, Lugar de Mondim........................... 99

4.8_ Lutas cotidianas: autonomia, liberdades e contradições na lei........................................ 101

Capítulo V – Limites da “liberdade” indígena e apropriações da lei............................... 104

5_ Apropriações da Lei........................................................................................................... 105

5.1_ A inserção dos povos indígenas: mais do que massa amorfa.......................................... 109

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 117

Fontes............................................................................................................................. ......... 123

Referência bibliográfica........................................................................................................ 129

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INTRODUÇÃO

Sobre a resistência indígena

Em 19 de abril de 2013, deparei-me com a seguinte informação: os índios Xavante

estavam cobrando impostos de qualquer pessoa que transitasse em um trecho da BR-070. Eles

paravam caminhões, carros, motos e, segundo a reportagem, cobravam dos motoristas

quantias que variavam entre R$10,00 a R$50,00. Ao serem perguntados sobre o porquê de

estarem cobrando pedágio, responderam que o dinheiro arrecadado seria utilizado nas

comemorações do dia 19 de abril, o Dia do Índio1.

Ao ler um pouco mais sobre o assunto, percebi que a cobrança de pedágio por

indígenas em diversos cantos do Brasil não é algo raro, e não ocorre somente no “Dia do

Índio”. Em 2012 índios da etnia Enawenê, do Matogrosso, cobravam pedágio com o intuito

de obter dinheiro a fim de subsidiar o envio de representantes para reivindicar do governo,

diretamente em Brasília, a criação de uma farmácia e de um posto de saúde em sua aldeia,

assim como uma estrada que a ligasse à rodovia MT-1702.

Os índios Apurinã foram mais além, com suas moradias ao longo da BR-317 no

sentido Rio Branco/Boca do Acre, apresentaram um projeto aos parlamentares do município

de Boca do Acre com a proposta de oficializar a cobrança de impostos naquele trecho.

Segundo Gleydison Meireles:

De acordo com o documento, entregue a vereadores de Boca do Acre, o projeto tem como objetivo geral, a concessão nos trechos

compreendidos nos quilômetros 45 e 124, da BR 317, a cobrança de

pedágio, que, segundo o apontamento, servirá como atenuante dos

impactos socioambientais nas terras indígenas do Km 124 e Kamicuã (Apurinã, Km 45). O documento ainda diz que o pedágio é “uma

forma de compensação pelos prejuízos ou escassez que por ventura

esse povo venha sofrer”3.

Além disso, os Apurinã, por meio do projeto, comprometeriam-se com a manutenção

do trecho da estrada, e não cobrariam pedágios de veículos oficiais e ambulâncias.

1ÍNDIOS XAVANTES COMBRAM PEDÁGIO NA BR-070. Disponível em:

http://www.gazetadigital.com.br/video/play/id/14740/programa/3. Acesso em 30 de abril de 2013. 2MAIA, Diego. Índios de MT mantêm pedágio para reivindicar estrada, farmácia e posto. Disponível em:

http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2012/09/indios-de-mt-cobram-ate-r-100-em-pedagio-para-irem-brasilia-

diz-funai.html. Acesso em 06 de maio de 2013. 3 MEIRELES, Glyedson. Índios Apurinãs que cobram pedágio na BR 317 apresentam projeto para

legalizar tarifa. Disponível em: http://www.ac24horas.com/2013/04/30/indios-apurinas-que-cobram-pedagio-

na-br-317-apresentam-projeto-para-legalizar-tarifa/. Acesso em 01 de maio de 2013.

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Não é meu intuito afirmar que os pedágios são justificáveis ou não, o que me importa

nos relatos acima é que ao ver índios contemporâneos utilizando instrumentos da dita

“sociedade nacional” – e a cobrança de pedágio é apenas um exemplo – para buscar

melhorias, ganhos, enfim, para fazerem reivindicações, não me passou despercebido que há

certa semelhança com os indígenas do Vale Amazônico no período colonial, objeto dessa

dissertação. Devo explicar a comparação.

Os índios, objeto deste trabalho, são do final do século XVIII e distintos daqueles que

iniciam essa introdução, contudo, aqui eles surgem como sujeitos os quais se apropriaram dos

instrumentos legais do universo português, utilizando-os para tentar obter determinados

ganhos, ou ainda, procuraram se integrar ao universo lusitano não porque tomaram os

objetivos daqueles como os seus, mas sim para tentar viver e sobreviver diante das profundas

transformações que ocorriam no espaço que habitavam e nas suas vidas.

Índios do final do século XVIII e do início do século XXI, ambos se apropriando de

elementos externos. Estes, nossos contemporâneos, instrumentalizando uma cobrança

realizada pelos governos federal e estadual para almejar aquilo que acham que lhes compete, e

aqueles, índios da colonização, enviando cartas, diretamente da colônia direcionadas à rainha

em Portugal, usando os dispositivos disponibilizados pela metrópole para buscar certas

demandas, e isso sem negar a condição de índios.

Os povos indígenas na experiência de contato na sociedade colonial amazônica, já que

também faziam parte dela, acabaram por elaborar novos sentidos às políticas indigenistas

aplicadas pela metrópole portuguesa. Tais sentidos são percebidos a partir de ações coletivas

ou individuais dos índios – os quais nos mostram um determinado padrão e coerência em suas

atitudes e, por sua vez, sugerem uma apreensão do mundo e das situações em que estavam

inseridos, fator este que não difere, salvaguardando os limites da comparação, das ações dos

povos indígenas contemporâneos. A ideia presente aqui é que, ao contrário do que boa parte

da historiografia afirmou sobre os índios, eles não foram simples objetos ou meros

espectadores na história do Brasil.

Para dar conta dos meus objetivos nessa dissertação a dividi em duas partes. A

primeira parte possui dois capítulos, o primeiro é intitulado “História indígena e indigenista:

os povos indígenas no centro do palco” em que trato das mudanças ocorridas na

historiografia acerca da maneira de encarar os povos indígenas e a legislação indigenista.

Na primeira seção: “Percurso historiográfico: Os índios (a raça côr de cobre) e sua

historia como parte da Historia do Brazil”, parto de uma frase emblemática construída por

Francisco Aldof Varnhagen para abordar a historiografia sobre os índios, que até boa parte do

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século XX os retratava como indivíduos que teriam sempre somente dois caminhos a trilhar: a

rebeldia ao avanço colonial ou assimilação cultural. Tais caminhos reduziam e simplificavam

a experiência indígena a um enfoque dicotômico.

A partir das décadas de 1970, 1980 e, com mais afinco 1990, diversos pesquisadores

começaram a propor uma inflexão na maneira de perceber a atuação dos povos indígenas. É

sobre essa transformação na visão sobre os índios na História que lido na segunda seção em a

“História Indígena: dos bastidores ao palco”. Abordo os povos indígenas como grupos que

foram tradicionalmente deixados às margens dos estudos históricos e passaram a atuar como

protagonistas de sua própria história. Esse tópico trata da constituição de uma nova história

indígena que redimensionou e definiu o lugar dos índios na historiografia, especialmente

sobre o período colonial, mostrando-os como sujeitos históricos dinâmicos, complexos e que

também se moveram a partir de suas próprias necessidades.

Se nas duas primeiras seções desse capítulo trato da História Indígena, as duas últimas

vêm abordar a História indigenista, mais precisamente sobre a historiografia acerca do

Diretório dos Índios.“O Diretório dos Índios: de projeto ao processo histórico” aborda parte

da historiografia sobre o Diretório dos Índios e a transformação na forma de perceber essa

legislação: de um projeto colonial falido por culpa dos Diretores – sujeitos responsáveis por

colocá-la em prática – para um processo histórico que teve a influência, tanto em sua origem

quanto em sua aplicação, de diversos agentes históricos, em especial, os povos indígenas.

A última seção intitulada “O Diretório dos Índios e as dinâmicas locais” trata da

historiografia recente que ampliou as abordagens acerca do Diretório. Ela consolidou a ideia

de que a aplicação da legislação no Vale Amazônico não foi algo imposto conforme

idealizado por mentes ilustradas; sua gênese deu-se na colônia e levou em conta a realidade

local. Essa consideração legitima a participação dos sujeitos históricos na aplicabilidade e

conformação da Lei. Partindo dessa afirmação, o Diretório dos Índios passou ser estudado em

outras regiões distintas da amazônica e tomou, em virtude das especificidades locais, novas

dimensões. Ao ser posta em prática nos demais cantos da América portuguesa, a legislação

que pretendeu regular a vida dos povos indígenas foi sendo alterada, obtendo características

necessárias a sua aplicação em regiões distintas tanto geograficamente como também

socialmente do Vale Amazônico.

No segundo capítulo: “Experiências cotidianas – diversas formas de lidar com a

sociedade colonial” realizo um debate acerca das distintas maneiras com que os povos

indígenas lidaram com os moradores, agentes administrativos e as políticas indigenistas no

Vale Amazônico e trato dos conceitos que escolhi como aporte teórico desse trabalho.

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Em “Povos indígenas: a resistência e a adaptação” e “As diversas formas de lidar

com a sociedade colonial”, primeiras seções do capítulo, apresento o conceito escolhido para

dar conta das ações indígenas no Grão-Pará nos finais do século XVIII. O conceito de

“resistência adaptativa” serve como embasamento para a assertiva segundo a qual as ações

protagonizadas pelos povos indígenas puderam representar uma manifestação de apropriação

e resistência. Sem negar a ordem colonial, contudo, não a aceitando plenamente, os índios

criaram margens de manobra as quais se constituíam em opções possíveis diante das

transformações que ocorriam ao seu redor.

Além de disporem de meios legais para buscarem suas demandas, os indígenas

também possuíam um aparato legal criado para protegê-los, representados pelos cargos como

o de procurador geral dos índios e de juiz de liberdade, nesse sentido, argumento que os

índios souberam utilizar tais ferramentas. A documentação nos mostra índios que queriam

fazer valer a lei em vigor, utilizando-a para reclamarem de maus tratos, solicitarem liberdade,

escolherem locais do estabelecimento de uma povoação e solicitarem permanecer em

determinada residência.

Em “Casos explícitos: os principais” e em “Manuel Pereira de Faria, o principal que

desafiou o governador” exemplifico as apropriações e resistências por meio das atitudes dos

principais, lideranças indígenas que com as transformações ocorridas no Vale Amazônico

foram alçadas a uma condição de sujeitos essenciais para Portugal conseguir seus objetivos.

Na condição de mediadores entre as demandas metropolitanas e dos índios, os principais

perceberam o quão eram importantes e souberam se valer daquela condição, barganharam

com os agentes coloniais para obterem algumas vantagens, entre elas, maior número de mão

de obra indígena para extraírem produtos da floresta em seu benefício. As ações

protagonizadas por esses índios são consideradas mais evidentes em virtude da posição de

poder que assumiram.

Em “Estratégias, apropriações e resistências” última seção desse capítulo, argumento

que os índios analisados nesse trabalho pautam suas estratégias de luta e buscam seus direitos

a partir de uma compreensão específica da Lei de Liberdades de 1755 e da Lei do Diretório

dos Índios, apropriando-se, a sua maneira, do instrumento legislativo que pretendia regular

suas vidas e gerando um novo significado ao mesmo. Suas ações demonstram tanto uma

tentativa de possuir certa autonomia perante o que lhes era solicitado como a própria

percepção de que estavam submetidos a autoridade lusitana, não obstante, de maneira própria

e distinta daquela prevista na legislação.

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Na segunda parte da dissertação estão os terceiro, quarto e quinto capítulos. O terceiro:

“Políticas indígenas no Grão Pará e a redimensão do Diretório dos Índios” está dividido em

duas seções: “Dis o Índio” e “A legislação de cada dia”. Nelas analiso as ações dos povos

indígenas no último quartel do século XVIII e desenvolvo o argumento que proponho: os

índios criaram estratégias cotidianas a fim de obterem determinados benefícios diante das

imposições que o universo colonial lhes colocava, inclusive acionando os dispositivos legais

contra aquilo que consideraram ser uma injustiça.

No quarto capítulo “Índios e governadores – políticas indígenas e indigenistas”

apresento e analiso os principais sujeitos desse trabalho. Índios e Índias de distintos lugares

do Grão-Pará e Rio Negro que desenvolveram ações relacionadas diretamente as suas

necessidades cotidianas; desenvolveram políticas indígenas demonstrativas de que mais do

que terem sido integrados às Vilas e povoados do Diretório, eles também, naquela condição,

utilizaram os meandros da lei para poderem se locomover e buscar maior autonomia. É o

capítulo que possui mais seções, pois está dividido de acordo com os casos encontrados na

documentação e, para pormenorizá-los, apresento-os de forma individual, para logo em

seguida, fazer a análise em conjunto das políticas indígenas e indigenistas. São eles:

“Patronilha, Vila de Beja, e Madaglena, Lugar de Penha Longa”; “Josefa Martinha, Cidade

do Pará”; “Maria Silvana, rio Cuinarana”; “Telo de Menezes: ávida arregimentação da

força de trabalho indígena”; “Martinho de Sousa e Albuquerque: índios nas obras públicas”;

“Bonifácia da Silva, Vila de Monsarás”; “Joanna Baptista, Cidade do Pará”; “Francisco de

Brito, Vila de Chaves e Antonio José, Lugar de Mondim” e, por ultimo, “Lutas cotidianas:

autonomia, liberdades e contradições da lei”.

O quinto e último capítulo desse trabalho “Limites da „Liberdade‟ indígena e

apropriações da lei” está dividido em duas seções complementares: “Apropriações da

legislação” e “A inserção dos povos indígenas: mais do que massa amorfa”. Na

documentação compilada, há certos indícios sobre a “vontade indígena” e também sobre a

“liberdade indígena” que diante das necessidades de força de trabalho na colônia deveria ser

levada em consideração pelos agentes coloniais. Aprofundando a análise, percebo que para os

índios que trato nesse trabalho, essa liberdade estava vinculada a uma maior possibilidade de

movimentação dentro do sistema colonial e, também, a ampliação de sua autonomia,

expandindo seus espaços sociais dos quais faziam parte.

Contudo, para governadores e demais agentes administrativos, a “liberdade indígena”

possuía outro sentido, os índios seriam “livres” desde que cumprissem uma série de

obrigações e serviços para o Estado e aos moradores. A liberdade indígena, portanto, esteve

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em uma relação de mão dupla: se por um lado os índios ao se integrarem ao sistema do

Diretório dos Índios deveriam atender demandas coloniais, por outro, essa integração não

significava dizer que estiveram submetidos a tudo, como se fossem uma massa amorfa. Eles

aprenderam a lidar com as formas de poder instituídas no Vale Amazônico e, na medida do

possível, criaram estratégias de ação procurando satisfazer seus próprios desafios e

necessidades.

Incorporados à sociedade colonial, os indígenas que são apresentados neste trabalho

resistiram de diversas formas às violências e práticas às quais lhes eram acometidas no

cotidiano das vilas e lugares do Diretório dos Índios. Protegeram-se de tais investidas,

negociaram, perderam, ganharam, agiram à revelia da lei, entretanto, também souberam

utilizar a justiça colonial disponibilizada para valerem-se do que acreditaram ser seus direitos

legais, mesmo que fossem ameaçados de punição por tentarem judicialmente algo contra os

colonos que os mantinham ou tentavam mantê-los na condição de cativos.

Por mais que as ações protagonizadas pelos povos indígenas em busca de seus

próprios interesses tenham ocorrido durante toda a história colonial, o recorte escolhido por

mim para realizar essa pesquisa, os últimos vinte anos do século XVIII e anos finais do

Diretório dos Índios, deu-se, pois o limiar do século XVIII nos apresenta novas

configurações: Primeiro – o período mariano, governo de D. Maria I, ainda é muito eclipsado

na historiografia em virtude do governo anterior, ou seja, pela representatividade que o Rei D.

José I, e principalmente seu ministro Sebastião José de Carvalho Melo possuem.

O segundo fator relaciona-se à condição dada aos índios pelo projeto metropolitano:

eram objetos do projeto, tanto como resultado, a civilização, como quanto instrumento: a

povoação da região. Terceiro, com o Diretório dos Índios afirmando que todos os indígenas

são livres (mesmo na condição de tutelados), após vinte anos de aplicação da legislação, os

povos indígenas tornaram-se detentores de um conhecimento que foi usado a favor deles na

experiência de contato com os portugueses, instrumentalizando as diversas ferramentas

dispostas e as utilizando. É principalmente dessa história indígena que essa dissertação

aborda.

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PARTE I

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Capítulo I

HISTÓRIA INDÍGENA E INDIGENISTA: OS POVOS INDÍGENAS NO CENTRO

DO PALCO

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1_ Percurso historiográfico: “Os índios (a raça côr de cobre) e sua historia como parte

da Historia do Brazil”4.

A cultura histórica nacional formulada pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro,

doravante IHGB, é um ponto central para começarmos nossa análise acerca do lugar, ou

melhor, dos lugares que os povos indígenas ocuparam na historiografia brasileira, pois foi a

partir do século XIX que os índios foram colocados em um papel de destaque na história

nacional que então se construía, principalmente pelos escritos dos membros do instituto.

Contudo, é de suma importância lembrar que tal papel possui sua origem relacionada à

condição de subserviente aos colonizadores, sendo os indígenas considerados como sujeitos

desprovidos de interesses próprios e à mercê dos europeus.

Do século XIX até o início do século XXI, a forma como os povos indígenas foram

retratados na historiografia sofreu uma grande inflexão. É sobre essa mudança – mesmo que

em linhas gerais, e de forma indicativa, já que mostrar esse processo de transformação acerca

da representação dos povos indígenas por si só geraria uma nova dissertação – que procurei

traçar as linhas desse capítulo.

Duas frases, de maneira geral, resumem a concepção dos responsáveis por construir e

legitimar uma história nacional, bem como dimensionar o lugar que os povos indígenas teriam

nela. A primeira, bastante famosa, foi elaborada por Francisco Adolfo de Varnhagen,

conhecido também por Visconde de Porto Seguro, em seu livro História Geral do Brasil

antes da sua separação e Independência de Portugal: “De tais povos na infância não há

história: há só etnografia”5. O autor referia-se a ideia segundo a qual os povos indígenas

estariam em um estado de barbárie e atraso, por conseguinte, não teriam uma história já que

não eram civilizados. Tal civilização apenas seria proporcionada pela colonização

impulsionada por meio do contato com os europeus.

Varnhagen considerou que a matriz europeia, nesse caso os portugueses, teria sido o

motor civilizatório da nação, eles seriam o elemento responsável por dar sentido à história

nacional em construção. Arno Wehling, um dos analistas da obra de Varnhagen, afirma que o

mesmo possuía um ideal de Estado-nação que seria forte, unificado, sem rupturas, maior até

4 VON MARTIUS, Karl F. P. Como se deve escrever a história do Brazil. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, v.6, n.24, jan. 1845, p.384. 5 VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História Geral do Brasil antes da sua separação e Independência de

Portugal. [1854]. São Paulo: Melhoramentos, 1978, p.30.

Page 21: "Diz o índio":

21

que a própria sociedade6. Em conformidade com essa assertiva, Kaori Kodama aduz que a

história construída pelo Visconde de Porto Seguro estava em acordo com os interesses do

IHGB de dar apoio ao projeto político monárquico de unidade territorial do império7.

A segunda frase é de autoria do alemão Karl Friedrich Philip von Martius, presente na

obra de publicada originalmente em 1838 intitulada: O Estado do Direito entre os Autóctones

do Brasil: “não há dúvida: o americano está preste a desaparecer. Outros povos viverão

quando aqueles infelizes do Novo Mundo já dormirem o sono eterno”8. Em outro texto,

publicado pelo IHGB e denominado Como se deve escrever a história do Brasil, Von Martius

estabeleceu um roteiro no qual índios, brancos e negros se relacionavam e contribuíam cada

um da sua forma e com grau específico de importância, para a formação da nacionalidade

brasileira9.

Os índios, “a raça cor de cobre”, na concepção do naturalista alemão, possuíam um

papel bem definido nesse processo de formação e construção de um passado na história do

Brasil, não obstante, um papel inferior, secundário, que seria apagado em virtude do

“poderoso rio” que absorveria as demais raças10

“para formar uma nação nova e

maravilhosamente organisada”11

.

Uma das principais divergências teóricas existente entre Martius e Varnhagen esteve

relacionada à questão da participação indígena na formação da nacionalidade. O Visconde de

Porto Seguro acreditava que os povos indígenas deveriam servir apenas como objeto de

estudo etnográfico, mas na condição de “selvagens” não contribuiriam nem poderiam

contribuir para a construção da nação. Já para Martius, os índios fizeram parte da formação do

país, não obstante em condição inferior e, em um futuro próximo, seriam “absorvidos” pelos

portugueses.

É importante ressaltar que ambos os teóricos foram considerados, juntamente com

outros intelectuais do período, ideólogos do império, indivíduos que definiram

6 WEHLING, Arno. Estado, História e Memória: Varnhagen e a construção da identidade nacional. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 91. 7 KODAMA, Kaori. Os filhos das brenhas e o império do Brasil: A etnografia no Instituto Histórico

Geográfico do Brasil (1840-1860). Tese (doutorado). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica,

Departamento de História, 2005, p.37. 8 MARTIUS, Carl Friedrich Von. O Estado de Direito entre os Autóctones do Brasil. São Paulo:

Melhoramentos, 1982, p.70. 9 Idem. Como se deve escrever a história do Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Rio de Janeiro, v.6, n.24, p. 381-403, jan. 1845. 10 Id. p. 383. 11 Idem.

Page 22: "Diz o índio":

22

fundamentalmente como tratar a História do Brasil e o papel que cada grupo possuía na

formação da nacionalidade do país12

.

De acordo com Manuel Luís S. Guimarães, ao operarem com o conceito de nação, os

membros do IHGB vincularam-no ao conceito de civilização, no qual os “brancos” seriam os

representantes máximos em uma escala evolutiva. Todos aqueles não considerados

civilizados, no caso, índios e negros, foram excluídos13

.

A formulação que apresentamos até aqui mostra duas formas de compreensão a

respeito dos índios no século XIX. Essas formas já foram identificadas por John Manuel

Monteiro ao analisar a historiografia sobre os índios daquele período – são duas noções

matizadas pelos fundadores da historiografia nacional: a primeira refere-se à exclusão dos

ameríndios enquanto atores históricos, já que eram considerados do campo da Antropologia; e

a segunda relaciona-se à ideia de que os povos indígenas estariam fadados ao extermínio14

.

Monteiro ainda considerou que naquele período se estabeleceu “uma vertente pessimista com

fortes desdobramentos na política indigenista que se esboçava no Império”15

.

Essa representação do índio não tomou rumos totalmente distintos nas primeiras

décadas do século XX. Os grandes nomes da moderna historiografia brasileira: Caio Prado16

,

Gilberto Freyre17

e Sérgio Buarque de Holanda18

, produtores de uma inflexão sobre a

memória histórica nacional, ainda representaram o indígena com uma visão afeita aos dos

ideólogos do século XIX19

.

Em Gilberto Freyre, a figura do índio emerge relacionada à ideia de povos na infância

vista em Varnhagen. Quando se referiu aos índios que habitavam o país, Freyre afirmou que

eram “bandos de crianças grandes; uma cultura verde e incipiente; ainda na primeira dentição;

sem os ossos nem o desenvolvimento nem a resistência das grandes semi-civilizações

americanas”20

. Contudo, mesmo concebendo-os como preguiçosos e incapazes, a principal

contribuição de Freyre no que condiz aos povos indígenas foi legitimá-los como

12 SCHWARTZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870-

1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. Ver também: WEHLING, Arno. Estado, História e Memória:

Varnhagen e a construção da identidade nacional. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 13 GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Rio de Janeiro: Estudos Históricos. n.1, p.5-27, 1988, p.7. 14 MONTEIRO, John Manuel. Tupi, Tapuias e Historiadores: Estudos de História Indígena e Indigenismo. Tese (Livre Docência em Antropologia) – UNICAMP: Campinas, 2001. 15 Idem, p.3. 16 PRADO JR., Caio. Evolução política do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1999. 17 FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia

patriarcal. 49ª Ed. São Paulo: Global, 2004. 18

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympo, 1979. 19 COELHO, Mauro C. Índios e Historiografia – Os limites do problema: o caso do Diretório dos Índios.

Ciências Humanas em Revista. São Luís, v. 3, n.1, julho, 2005b. 20 FREYRE, Gilberto. Op.cit., p. 158.

Page 23: "Diz o índio":

23

representantes da formação do país, e como contribuintes de elementos específicos na cultura

e identidade nacional.

Nos textos de Sérgio Buarque de Holanda, especialmente em Caminhos e Fronteiras,

os indígenas são mostrados como parte da natureza. São móveis, adaptáveis, indivíduos que

aprendem desde criança “... a sujeitar-se, onde fossem necessários, a comportamentos que

lhes garantissem meios de subsistência.”21

.

Ao tratar do contato cultural entre povos indígenas e europeus, a partir de uma suposta

“... solidariedade cultural logo se estabeleceu aqui entre o invasor e a raça subjugada...”22

, o

autor afirma que ocorreu entre esses dois povos uma troca de técnicas, costumes e hábitos. A

perspectiva de análise adotada por Holanda é que tais trocas serviram para a adaptação do

europeu no país, este aprimorando as técnicas indígenas.

De acordo com Mariana Françozo, em análise sobre as obras de Buarque de Holanda,

a grande mudança proposta por esse autor foi de que a colonização não tivera êxito somente

pelos esforços portugueses, já que sem os conhecimentos e técnicas indígenas os europeus

não teriam como enfrentar as dificuldades impostas pela região23

. Contudo, para os índios

“subjugados”, como expresso na transcrição acima, a ideia vinculava-se ao desaparecimento,

o qual não se daria mais por meio do extermínio físico, mas sim pela transformação do índio

em mameluco24

.

Caio Prado Jr, em Formação do Brasil Contemporâneo, trata a questão acerca dos

povos indígenas na história como problema resolvido na medida em que os índios estariam

misturados a grande massa da população, confundidos nela ou ainda:

... em pequenos núcleos que definhavam a olhos vistos, os restos da raça indígena que dantes habitavam o país, com exceção da parte

ainda internada nas selvas, já estavam de fato incorporados à

colonização25

.

Para Vânia M. L. Moreira, em trabalho que analisa o índio e a formação nacional na

ótica de Prado Jr., o índio sobrevivente, aquele que não definhou nas guerras, epidemias e

21 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 3ªed. 2001, p. 22. 22 Idem, p. 69 23 FRANÇOZO, Mariana de Campos. Um outro olhar: etnologia alemã na obra de Sérgio Buarque de

Holanda. Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de Campinas – São Paulo, 2004, p. 127 24 Mesmo percebendo essa posição de Holanda sobre os índios, para Françozo, por meio da etnologia o autor

ainda considerou os índios como sujeitos históricos em virtude do lugar de destaque dado a eles na história das

bandeiras. Não é meu intuito analisar se Buarque de Holanda compreendeu os índios como sujeitos históricos

ativos, contudo, penso que esse lugar é alcançado na historiografia nacional apenas na década de 1980. 25 PRADO JR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo - Colônia. São Paulo: Editora Brasiliense, 11ª,

1971, p.100.

Page 24: "Diz o índio":

24

exploração do trabalho, foi integrado ao projeto político português, tornando parte da massa

do povo. De acordo com Moreira:

No que tange ao índio, portanto, ao lado de uma abordagem histórica

bem fundamentada em argumentos e dados empíricos, o historiador

Prado Júnior também produziu um raciocínio de caráter circular, no qual “miscigenação” e “aculturação” explicam a integração do índio

na categoria “massa geral da população”, ao mesmo tempo em que a

maior participação do índio no mundo colonial favorecia a mestiçagem (biológica e cultural) (...) A contribuição de índios e

negros para a formação cultural da nova categoria social em

construção foi, contudo, bastante limitada. Afinal, índios e negros

tinham, de acordo com a avaliação pradiana, “nível cultural ínfimo,

comparado ao de seus dominadores”...26

.

A contribuição dos indígenas na formação do povo brasileiro, de acordo com a ótica

pradiana, foi passiva, “... resultante do simples fato da presença dele e da considerável difusão

do seu sangue, que uma intervenção ativa e construtora...”27

. Moreira conclui que a relação

estabelecida entre índios, brancos e negros é interpretada por Prado Júnior como fator de

desorganização, desagregação e “até mesmo corrupção da „cultura superior‟ do povo

branco”.28

Ao resumirmos essa historiografia, poderíamos enquadrar alguns adjetivos que foram

relacionados aos índios: indolentes, preguiçosos, passivos, valentes, hostis, bravios,

destinados ao desaparecimento, seja pela aculturação, diluídos na sociedade nacional ou pelo

extermínio físico e cultural. De maneira geral, foram essas algumas das representações acerca

dos índios assumidas pela historiografia brasileira do século XIX e parte do XX, as

populações indígenas eram tomadas ora como agentes passivos da colonização a serviço da

sociedade envolvente, ora eram consideradas agentes de resistência, lutando bravamente

contra o colonizador. Esta historiografia29

, não raro, produziu um enfoque dicotômico que

26 MOREIRA, Vânia Maria Losada. História, etnia e nação: o índio e a formação nacional sob a ótica de Caio

Prado Junior. Memoria Americana, 16(1), a. 2008, p. 63-84, p. 78. 27 PRADO JR, Caio. Idem, p.271. 28 MOREIRA, Vânia Maria Losada. Idem. 29 Uma discussão sobre a construção das representações acerca das populações indígenas na historiografia

brasileira pode ser visualizada em: COELHO, Mauro Cezar. Do sertão para o mar: um estudo sobre a

experiência portuguesa na América, a partir da Colônia – o caso do Diretório dos Índios (1751-1798). Tese

(doutorado) USP: São Paulo, 2005a, pp. 58-64. Ver também: MONTEIRO, John Manuel. Armas e Armadilhas:

História e resistência dos índios. In: NOVAES, Adauto (Org.). A outra margem do ocidente. São Paulo:

Companhia das Letras, 1999, pp. 237-249, o autor, além de abordar as problemáticas inerentes à História

Indígena, aduz que o maior desafio que o historiador dos índios possui é a tarefa de desconstruir imagens e os

pressupostos sobre o índio e o seu papel no passado brasileiro.

Page 25: "Diz o índio":

25

simplificou a experiência indígena, percebendo-a simplesmente como uma vitimização em

face às ações dos povos europeus ou, ainda, como uma rebeldia àquela invasão30

.

Mesmo com sensíveis mudanças na historiografia a partir da segunda metade do

século XX, a concepção da qual os povos indígenas estariam em vias de desaparecimento

ainda se fez presente na década de 1990. José Oscar Beozzo em Brasil: 500 anos de

migração, obra publicada no ano de 1992, adota uma perspectiva de desintegração,

extermínio e aculturação dos povos indígenas como norma da colonização, afirmando que foi

um processo normal e sistemático de limpeza da terra que se repete até os dias atuais, restando

aos índios apenas resistir contra tal investida31

.

Outro exemplo dessa concepção pode ser visualizado em texto organizado pela

Comission Amazonica de Desarrolo y Medio Ambiente, que aborda a ocupação da Amazônia

e os impactos ambientais ocorridos na região. Ao tratar dos povos indígenas aduz que: “En la

actualidad, de los seis a nueve millones de indigenas que habitaron la Amazonia secular, no

quedan más que algunos grupos exíguos y dispersos”32

.

Na mesma linha de raciocínio, John Hemming, em sua obra Red Gold: The conquest

of the Brazilian indians, publicada em 1978 e traduzida por Carlos Eugênio em 2007,

praticamente extingue com as populações indígenas por meio de um pensamento que as

encara como uma “minoria patética” que sobrevive à margem da sociedade33

. Em obra

complementar intitulada Amazon frontier: the defeat of the brazilians indians, lançada quase

10 anos depois de Red Gold, o historiador, mesmo apresentando certa mudança de

perspectiva, afirma que os índios lutaram heroicamente para não adotarem a civilização

invasora, defendendo suas terras, liberdades e modos de vida, ainda assim, “outras tentaram

acomodar-se aos novos valores – mas falharam. Por fim ofereceram resistência passiva,

30 A crítica sobre as representações construídas acerca das populações indígenas é em grande parte devedora das

considerações contidas na coletânea organizada por: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos Índios

no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP, 1992. 31 BEOZZO, José Oscar. Brasil - 500 anos de migrações. São Paulo: Paulinas, 1992, p.58. 32 COMISION Amazonica de Desarrollo y Medio Ambiente. Amazonia sin mitos. New York: Banco

Interamericano de Desarrollo (Washington), Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo, Tratado de

Cooperación Amazonica, 1992, p.02. As estimativas demográficas dos povos indígenas na Amazônia geram

controvérsias, para Eduardo Goés Neves os números alcançavam mais de cinco milhões de índios só para a bacia

amazônica. Ver: NEVES, Eduardo Góes. Os índios antes de Cabral: arqueologia e história indígena no

Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da; GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (orgs.). A temática indígena na escola:

novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. MEC/MARI/UNESCO: Brasília, 1995, p.174. 33 HEMMING, Jonh. Ouro Vermelho: A conquista dos Índios Brasileiros. Trad. Carlos Eugênio Marcondes de

Moura. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007, p.21.

Page 26: "Diz o índio":

26

apegando-se a vestígios de seus sistemas tribais”.34

A conquista e a derrota são, portanto, o

inexorável destino dado aos povos indígenas no Brasil, de onde cedo ou tarde sumiriam.

A linha de pensamento adotada por Beozzo e Hemming é de que a história do contato

entre europeus e indígenas foi marcada por massacres, pela resistência física à invasão,

escravizações e doenças35

, tais processos ocorreram sem medidas, gerando um processo de

depopulação avassalador36

, resultando no quase extermínio dos índios. Eles, os povos

indígenas, surgem apenas como vítimas, sobreviventes, vestígios do que foram um dia. De

fato, não se pode negar que houve os processos apontados pelos autores, muito menos é

minha intenção discordar disso, contudo, a perspectiva adotada por eles é incompleta, os

indígenas não foram apenas vítimas das mudanças empreendidas pela colonização, pensar

dessa forma acarreta o ocultamento das complexas relações sociais as quais estavam inseridos

e da condição de sujeitos históricos.

A posição apontada por José Oscar Beozzo e John Hemming, resquícios da

historiografia sobre os índios construída no século XIX, não foi absoluta, desde as décadas de

1970, 1980 e principalmente, 1990, uma importante inflexão tem sido gerada por uma

historiografia que destaca as ações indígenas, considerando que elas foram pautadas em

escolhas próprias, percebendo-os como indivíduos que também souberam lidar com as

transformações que ocorriam ao seu redor. É essa perspectiva sobre a “nova história indígena”

que pretendo encaminhar no tópico seguinte.

1.1_ História Indígena: dos bastidores ao palco.

A partir das décadas de 1980 e, com mais afinco, 1990, diversos estudos acerca da

história dos índios37

têm procurado mostrar que a história do contato entre indígenas e

europeus está muito além de qualquer dicotomia, além de dois caminhos a tomar: a

34 Idem. Fronteira Amazônica: A derrota dos Índios Brasileiros. Trad. Antonio de Pádua Danesi. São Paulo:

Editora da Universidade de São Paulo, 2009, p.587 (grifo meu). 35 Para David Sweet a alta mortalidade dos índios ocorreu devido menos à depredação humana (guerras, brutalidade dos descimentos no território ou até mesmo a fome provocada pela interrupção dos sistemas de

produção indígena) do que pela “importação” de doenças do Velho Mundo. A maioria dos índios sucumbiu a

uma doença em idade muito jovem, dentre alguns meses ou anos, nos aldeamentos e nas florestas tropicais.

Tradução livre. Ver: SWEET, David G. “Domestic” Indian Society in Para, 1650-1750. University of

California at Santa Cruz. Disponível em http://davidgsweet.com/essays-in-amazonian-history. Acesso em 12 de

Dezembro de 2011. 36 RAMINELLI, Ronald. Depopulação na Amazônia colonial. XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais

da ABEP. Caxambu – Minas Gerais, 1998, p.1359-1376. 37 Nesse trabalho dou maior destaque à historiografia brasileira sobre os povos indígenas no período colonial.

Page 27: "Diz o índio":

27

aculturação38

ou extinção física. A partir desse período, os historiadores dos índios

perceberam que os indígenas elaboraram diversas atitudes diante dos movimentos do processo

colonial, disso, surgiram novas maneiras de se entender como os ameríndios se portaram

diante da escravidão, e foram destacadas múltiplas estratégias de lidar com a sociedade

colonial.

A historiografia passou a afirmar que apareceram brechas na estrutura do sistema que

abriu margem aos índios – agora na condição de sujeitos históricos – de terem noção das

transformações que ocorriam ao seu redor e como se movimentar dentro delas, deixando de

ser simplesmente uma folha ao vento que se desloca sem objetivo, sem finalidade, ao léu.

Devo lembrar que a produção historiográfica que trato nessa seção é tão devedora do

contexto em que está inserida quanto a anterior (a respeito da visão dicotômica sobre os

índios), ambas demonstram que elas e seus historiadores são fruto do seu tempo39

, portanto,

dialogam com as próprias transformações ocorridas na sociedade em que são produzidas.

Dessa forma, destaco que a “nova história indígena” está estreitamente relacionada com o

próprio movimento indígena no que tange a busca pela afirmação e defesa dos seus direitos e

na percepção dessa movimentação pela sociedade nacional.

Os povos indígenas passaram a reivindicar políticas públicas que valorizassem suas

memórias, histórias e práticas culturais40

. Apareceram nos canais de comunicação fazendo

reivindicações, lutaram pela legitimação de terras, protestaram contra o que achavam ser uma

injustiça. Estudos passaram a apontar que, ao contrário da ideia da qual os índios estariam

desaparecendo, os números populacionais estavam crescendo. Um importante fator, ao que

parece, é a questão da reafirmação e a reivindicação da identidade indígena, ocorrido

principalmente por uma reformulação de ideias e políticas indigenistas, prevendo

determinados benefícios a quem se identifica etnicamente como índio41

.

38 A aculturação é compreendida como o processo de modificação da cultura de um grupo a partir do contato

com os aspectos culturais de outro grupo. O conceito está associado à perda cultural das características de um

povo ao “absorver” os costumes do outro. A cultura por meio dessa compreensão é entendida como estática,

estagnada, não passível de transformações e ressignificações. Ver: DURHAM, Eunice R. A dinâmica da

cultura: ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2004; LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um

conceito antropológico. 14ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. 39 Ver: BLOCH, Marc. A apologia da história ou o ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 40 APOLINÁRIO, Juciene Ricarte. Documentos e Instrumentos de pesquisa de História Indígena e do

Indigenismo d‟Aquém e d‟Além-Mar Atlântico: uma discussão “necessária, urgente e inadiável. Trabalho

apresentado no Simpósio Temático “Os Índios e o Atlântico”. XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH.

São Paulo, 17-22 de Julho, 2011; BELLOTTO, Heloisa Liberalli. Em busca de recuperação do passado.

Memória Eletropaulo. São Paulo: Abril-Jun, 1992. 41 MELATTI, Júlio Cezar. Índios do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007, p. 31-42.

Page 28: "Diz o índio":

28

Além da luta dos povos indígenas no Brasil, ocorreu no último quartel do século XX

uma profunda mudança na forma de se construir conhecimento histórico. Segundo George

Araújo:

O surgimento de novos objetos e o desenvolvimento de novos

métodos e abordagens na historiografia do século XX não pode ser

dissociada das transformações que ocorreram nas últimas décadas, como a ascensão do movimento feminista, a descolonização da África

e da Ásia, o crescimento dos conflitos étnicos, a tensão entre a

globalização e a afirmação das identidades locais42

.

Parto da premissa de que essas transformações sociais foram acompanhadas por

mudanças na abordagem dos estudos históricos na medida em que sujeitos tradicionalmente

relegados à margem da historiografia passaram a surgir nas “lentes” dos historiadores de

diversos cantos do país como principal objeto de análise. Temas e agentes sociais que antes

permeavam apenas as notas de rodapé dos estudos passaram a ocupar o palco central das

pesquisas. É bem verdade que os temas em si não são a novidade, e sim, as questões e as

formas de interpretar os problemas colocados que passaram a ser distintos43

.

Georg G. Iggers afirma que nas décadas de 1970 e 1980 os historiadores questionaram

aspectos da história social, pois acreditavam que ela carecia de um método adequado para se

entender a relação entre as estruturas globais e a experiência cotidiana dos indivíduos. Essa

crítica a novos modelos sociocientíficos da historiografia estava estreitamente relacionada ao

pensamento histórico, à própria historiografia e com as concepções sociopolíticas dos

historiadores. Nessa conjuntura:

Lo que importaría ahora seria incluir em La historia a aquellos

hombres que hasta el momento han sido omitidos por ella, em particular al „hombre de a pie‟ (...) es posible una multiplicidad de

42ARAÚJO, George Fellipe Zeidan Vilela. Desafios do fazer historiográfico contemporâneo. In: RANGEL,

Marcelo de Mello (et al). Caderno de resumos & Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da

Historiografia – O giro-linguístico e a historiografia: balanço e perspectivas. Ouro Preto: EdUFOP, 2012, p. 4. Grifo

meu. 43 E. P. Thompson realizou uma inegável contribuição para a História Social. Seus estudos sobre tecelões,

meeiros, artesões, sujeitos até então às margens dos estudos históricos, permitiram a compreensão e análise das

pessoas comuns a partir de seu próprio tempo e experiências. Seu artigo intitulado History from Bellow é um

marco inicial para o que ficou mais conhecido na historiografia brasileira como história vista de baixo ou a partir

de baixo. Ver: THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa. Trad. Denise Bottman. v.1, 3ª ed.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997; Idem, A Miséria da Teoria ou um Planetário de erros: uma crítica ao

pensamento de Althusser. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1981; e também: NEGRO, A. L. e

SILVA, S. (orgs.) E. P. Thompson. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. 2ªed. São Paulo: Editora

da UNICAMP, 2012.

Page 29: "Diz o índio":

29

historias, cada una de las cuales exige métodos específicos para

aprehender los aspectos cualitativos de las experiencias vitales44

.

Tais transformações apontadas por Iggers, em conjunto com demais fatores

supracitados, permitiram um redimensionamento sobre a participação das populações

ameríndias no processo de colonização. Dos bastidores ao palco, os povos indígenas

assumiram um novo lugar na historiografia na qual as noções de cultura e identidade, são

compreendidas como fruto de relações dinâmicas entre os diferentes grupos envolvidos.

Esse “novo lugar” é fruto de uma perspectiva historiográfica que procura conceber os

povos indígenas como agentes históricos, os quais pautavam suas lutas a partir de uma agenda

própria e atuaram conforme suas percepções das transformações do mundo que lhes envolvia.

Um dos expoentes da “nova história indígena” é a obra História dos Índios no Brasil,

organizada por Manuela Carneiro da Cunha, talvez a maior referência na historiografia

brasileira sobre estudos de História Indígena que podemos encontrar. Em um esforço

conjunto, realizado por antropólogos, historiadores e intelectuais envolvidos com estudos

acerca dos povos indígenas no Brasil, o livro procura quebrar mitos, romper com ideias

arraigadas sobre a presença dos índios na história em diferentes períodos, inclusive,

entendendo-os não só como parte importante do passado nacional, mas também como parte

do futuro.

Para Cunha, durante muito tempo perdurou a noção de que os índios foram apenas

vítimas do sistema mundial, “... essa visão além de seu fundamento moral tinha outro, teórico:

é que a história, movida pela metrópole, pelo capital, só teria anexo em seu epicentro.”45

Além disso, no artigo introdutório da obra, a autora afirma que devemos levar em conta que a

perspectiva da qual os índios também são sujeitos de sua própria história é nova apenas para

nós. Para eles, a maior parte dos eventos ocorridos é explicada a partir de uma escolha feita

pelos próprios, a qual pode ter sido equivocada, mas, mesmo assim, feita por eles46

.

Outro trabalho dessa leva de estudos é As muralhas dos sertões: os povos indígenas no

Rio Branco e a colonização47

de Nádia Farage, sendo uma das obras mais completas e

originais sobre a história indígena e indigenista na Amazônia Colonial. Farage coloca os

44 IGGERS, Georg G. La ciência histórica en el siglo XX las tendencias atuales. Trad. de Clemens Bieg.

Barcelona: Ideas Book, 1998, p. 83-84. 45 CUNHA, Manuela Carneiro da. op.cit. 1992, p. 17. 46 Manuela da Cunha refere-se especialmente aos mitos dos Krahô e dos Canela, nas quais explicam a

desigualdade entre brancos e índios por meio da opção que lhes foi dada para escolher entre o arco e a

espingarda e entre a cuia e o prato. Ver: Idem, p. 19. 47 FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1991.

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30

índios setecentistas como protagonistas de uma história de contato e fronteiras que,

juntamente com portugueses e holandeses, constituiu uma dinâmica de poder na região do rio

Branco.

Em As muralhas dos sertões, observa-se as variâncias da política metropolitana,

principalmente a partir de 1750, que acabaram por engendrar uma nova configuração na

região do rio Branco e, também, na própria dinâmica dos grupos indígenas. Um dos pontos

analisados pela autora está nas formações de alianças entre colonos e índios que resultou em

novas alternativas políticas para estes, engendrando um quadro político sui generis no Vale

Amazônico, que alterou a própria dinâmica interna dos grupos indígenas. Fica nítido, por

meio da obra, que os índios atuaram como protagonistas históricos estabelecendo conjunturas

de poder que superam uma história simplória de dominados ou vencidos.

A nova história indígena também é representada por John Manuel Monteiro em

Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo48

, além de tratar das

estruturas da escravidão no período colonial, o autor estabeleceu um diálogo central com a

dinâmica interna dos grupos indígenas, a qual teve papel importantíssimo para a formação de

São Paulo nos séculos XVI e XVII.

Monteiro trabalha com a categoria de “índio-colonial” para tratar de um sujeito não

reificado, real, e que desempenhou um importante papel diante do processo colonizador e,

sem esquecer dos impactos que o processo de colonização gerou para os índios, argumenta

que a conjuntura da sociedade paulistana no século XVII, estruturada por formas de

dominação:

...foi marcada pela presença ativa dos índios que, por seu turno, enfrentaram a subordinação colonial e o cativeiro de formas múltiplas

– mesmo contraditórias –, constituindo uma dimensão pouco

explorada da história indígena49

.

Essa ideia de presença ativa por parte dos povos indígenas também é percebida por

Décio Guzman. Em sua dissertação de mestrado, o historiador aduz que as chefias indígenas

no Rio Negro possuíram um papel fundamental na relação com os europeus. As alianças e

48 MONTEIRO, John. Negros da Terra: Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia

das Letras, 1994. 49 Idem, p.154.

Page 31: "Diz o índio":

31

conflitos estabelecidos com os povos ameríndios, principalmente mediados pelos chefes da

região, eram definidores das políticas de colonização50

.

No limiar do século XXI, surge como obra de leitura imprescindível para a História

Indígena o livro de Ângela Domingues, Quando os índios eram vassalos: colonização e

relações de poder no Norte do Brasil na segunda metade do século XVIII51

. A historiadora

aborda as relações de poder que ocorreram em tempos de colonização no Vale Amazônico na

segunda metade do Setecentos, destacando o papel fundamental que os povos indígenas

possuíram naquele contexto.

Domingues afirma que os processos de descimentos52

, não raro foram mediados por

indígenas, os quais, seguindo diversos motivos (guerra intertribal, formação de alianças,

obtenção de novos produtos; abastecimento regular de alimentos, produtos médicos, entre

outros) preferiam a vida nas aldeias, pois “procurava junto dessas comunidades alternativas à

colonização.”53

Ângela Domingues parte da perspectiva segundo a qual os povos indígenas,

diante das transformações e situações que lhes eram impostas, agiram por necessidades

próprias e acabaram realizando escolhas que poderiam ter sido consideradas como mais

benéficas.

O livro oriundo de tese de doutorado defendida em 2001, feito por Patrícia Sampaio,

também deve entrar nesse rol de estudos sobre história indígena, pois trata das dinâmicas dos

povos indígenas como fundamentais para se entender como agiram diante das políticas

indigenistas aplicadas pela metrópole. Sampaio aduz que ao considerarmos as interações entre

políticas indígenas e indigenistas, podemos perceber, diante dos limites que aquela situação

reservava aos povos indígenas, que eles não foram meros objetos disponíveis para a

50 GUZMÁN, Décio Marco Antonio de Alencar. Histórias de brancos: memória, história e etno-história dos

índios Manao do Rio Negro (Sécs. XVIII-XIX). Dissertação (Mestrado em História). São Paulo: Campinas,

1997. 51 DOMINGUES, Angela. Quando os índios eram vassalos: colonização e relações de poder no Norte do Brasil

na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos

Portugueses, 2000. 52 O termo descer ou descimento está relacionado ao deslocamento dos povos indígenas do sertão (interior da

região) para as aldeias. De acordo com Beatriz Perrone-Moisés, eles deveriam resultar da persuasão exercida

pelas tropas de descimento acompanhadas de um missionário. Haveria também um processo de convencimento

dos índios que seria melhor para sua proteção fixarem-se nas aldeias portuguesas. PERRONE-MOISÉS, Beatriz.

Índios livres e índios escravos. Os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a

XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da. op.cit. 1992, p.115-132. Um ponto interessante a ser abordado

posteriormente é que na documentação coligida nós podemos perceber como os índios, especialmente os

principais, estabeleciam determinadas condições para colaborarem com o projeto português. 53 Idem, p. 281.

Page 32: "Diz o índio":

32

consecução dos projetos coloniais, interferiram na própria legislação, transformando um

projeto em processo colonial54

.

Ao abordar as lideranças indígenas do Rio Negro no século XVIII, Patrícia Sampaio

mostra como os principais – lideranças indígenas – souberam lidar com a presença

portuguesa, por vezes frustrando os empreendimentos coloniais. Segundo a historiadora: “A

diversidade de experiências que os uniu permite dimensionar a complexidade das

modalidades assumidas pelas políticas indígenas no Rio Negro”55

.

O trabalho de Francisco Jorge dos Santos, Além da Conquista: guerras e rebeliões

indígenas na Amazônia Pombalina é outro livro que deve ser incluído nesses estudos sobre os

povos indígenas envolvendo o passado colonial, pois trata das políticas indígenas enquanto

atitudes de resistência concretizadas por meio das rebeliões, fugas e deserções. Tais ações

seriam importantes meios da resistência indígena ao avanço colonial.

Na sua obra o protagonismo indígena é percebido na ótica do conflito, mais

especificamente, como resistência à ocupação dos espaços territoriais indígenas:

Fizeram guerras por ocasião dos primeiros contatos, rebelaram-se nos

aldeamentos, praticaram a fuga dos núcleos coloniais, desertaram dos serviços reais, massacraram quando puderam os seus inimigos

brancos, e fizeram inclusive acordos de paz quando lhes eram

convenientes56

.

Enquanto Jorge dos Santos analisa as ações dos índios principalmente pela resistência

física, o livro intitulado Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais

do Rio de Janeiro, criado por Maria Regina Celestino de Almeida, trata da resistência de outra

forma, pela ótica da cultura e seu caráter dinâmico. A autora aborda alguns pontos do

processo de colonização do Rio de Janeiro entendendo as aldeias coloniais como espaço de

recriação de identidades para os índios. Nota-se uma preocupação em colocar os povos

indígenas como sujeitos da história, protagonistas, a fim de compreendê-los “... em suas

54 SAMPAIO, Patrícia Melo. Espelhos partidos: etnia, legislação e desigualdade na Colônia. Manaus: Editora

da Universidade Federal do Amazonas, 2011. 55. Idem. “Aleivosos e rebeldes”: Lideranças indígenas no Rio Negro, século XVIII. Trabalho Apresentado no

Simpósio Temático “Os Índios e o Atlântico”, XXVI Simpósio Nacional de História da ANPUH, São Paulo, 17

a 22 de julho de 2011. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ihb/SNH2011/TextoPatriciaMS.pdf, acesso

em 20 de agosto de 2012. 56 SANTOS, Francisco Jorge dos. Além da conquista: guerras e rebeliões indígenas na Amazônia pombalina.

Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 2002, p. 19.

Page 33: "Diz o índio":

33

relações de alianças e conflito com os europeus, a partir de seus próprios interesses e

objetivos, que se alteravam no decorrer do processo histórico.”57

.

O título “Metamorfoses indígenas” é claramente justificado quando Celestino de

Almeida afirma que as transformações ocorridas nas vidas dos índios transpassam a chamada

“aculturação”. Entende que elas ocorreram a partir de escolhas dos próprios indígenas na

condição de aldeados, na colaboração ou não com portugueses, enfim, emergem a partir das

relações entre os agentes sociais em situações históricas concretas.

A tese de doutorado do historiador José Alves de Souza Junior, intitulada Tramas do

cotidiano: religião, política, guerra e negócios no Grão-Pará do Setecentos58

, analisa as

práticas do dia-a-dia de distintos agentes históricos no século XVIII, índios, missionários e

colonos envolvidos no processo de conquista e ocupação do Vale Amazônico.

Mesmo sua tese não se tratando exatamente de uma história indígena, é importante

elencá-lo aqui, pois ao tratar dos índios Souza Junior afirma que não ficaram infensos, muito

menos foram expectadores das inúmeras estratégias e conflitos ocorridos na região

amazônica. Elaboraram redes de solidariedades, assumiram cargos importantes, envolveram-

se em disputas de poder dentro dos aldeamentos e realizaram uma leitura da legislação,

reelaborando-a a fim de seus próprios interesses e conforme suas próprias dinâmicas.

Ainda na região do Grão Pará e Maranhão, o artigo de Rafael Chambouleyron e

Fernanda Bombardi Descimentos privados de índios na Amazônia Colonial relaciona as

disputas pela mão de obra indígena que envolveram missionários, moradores e as próprias

determinações da Coroa. Os autores argumentam que os povos indígenas utilizaram seus

espaços de autonomia na tentativa de garantir seus interesses diante dos portugueses:

Um caso elucidativo é dos índios Aruã. Nos anos finais do século XVII, esse grupo mantinha alianças com os portugueses, impedindo a

entrada dos franceses no Cabo do Norte através do rio Amazonas.

Logo em seguida, esses índios foram aldeados na Ilha de Joanes. No

entanto, impuseram algumas condições para descer: não trabalhariam para os portugueses e nem seriam ordenados a recolher drogas do

sertão. Somente ficariam encarregados de levar para a cidade peixe,

algodão e o que produzissem59

.

57 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses Indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais

do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p.46. 58 SOUZA JUNIOR, José Alves de. Tramas do Cotidiano: religião, política, guerra e negócios no Grão-Pará do

Setecentos. Um estudo sobre a companhia de Jesus e a Política pombalina. Tese (Doutorado em História). São

Paulo: Pontífice Universidade Católica de São Paulo, 2009. 59 CHAMBOULEYRON, Rafael; BOMBARDI, Fernanda. Descimentos privados de índios na Amazônia

Colonial. Varia Historia. Belo Horizonte, vol. 27, n.46, jul./dez, p. 601-623, 2011, p. 618.

Page 34: "Diz o índio":

34

Para Chambouleyron e Bombardi, os povos indígenas em muitos momentos

assumiram a condição de protagonistas, pois “... percebiam os interesses e políticas dos

portugueses e de outras populações e criavam mecanismos para defender a sobrevivência

material e cultural de seu grupo...” 60

.

Para a região sul da América portuguesa, Elisa Garcia na sua tese de doutorado, sobre

as formas de ser índio, destaca o estabelecimento de alianças entre os índios Minuanos e

europeus percebendo o caráter relacional e contextual desse contato. Demonstra que tais

alianças eram realizadas conforme interesses distintos. Os minuanos, dessa forma, “...

posicionavam historicamente enquanto responsáveis pela sua própria trajetória, retomando,

por conseguinte, a capacidade de tomar decisões sobre as suas vidas”61

.

Um interessante aspecto salientado por Garcia está na jogo de alianças estabelecidas

pelos próprios índios com os agentes coloniais que se encontravam em disputa por aquele

espaço. Os minuanos buscavam estabelecer contato, ora com espanhóis ora com portugueses,

em busca de maiores benefícios diante da sociedade colonial.

Podemos ainda citar outros trabalhos que se enquadram nessa nova perspectiva sobre

o papel dos índios na história da colonização. Historiadores como D. Sweet62

, B. Sommer63

,

Mauro Coelho64

e Heather Flynn Roller65

elaboraram estudos de importância indiscutível,

entretanto, além de nos prolongarmos demais nesse ponto, tais trabalhos aparecem nos demais

capítulos onde dialogo com eles. Para os limites desta parte, as obras apresentadas, mesmo

que panoramicamente, dão conta do objetivo: há uma concreta historiografia sobre o período

colonial que define o novo lugar dos índios na história.

A nova história indígena redimensiona o lugar dado aos povos indígenas que estava

sendo construído desde o século XIX com os escritos dos representantes do IHGB: sem

passado, sem futuro e com um fim próximo, submissos, misturados e invisíveis, sem essência

histórica. Essa nova historiografia permitiu a percepção de que os povos indígenas não

60 Idem, p. 622. 61 GARCIA, Elisa Fruhauf. Quando os índios escolhem seus aliados: as relações de “amizade” entre os minuanos

e os lusitanos no sul da América portuguesa (c.1750-1800). Varia História. Belo Horizonte, vol. 24, n.40,

p.613-632, jul./dez. 2008. Ver também: Idem. As diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas indigenistas no extremo sul da América portuguesa. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal

Fluminense, 2007. 62 SWEET, David. A rich realm of nature destroyed: the middle Amazon valley, 1640-1750. Tese (Doutorado

em História). Universidade de Winsconsin, 1974. 63 SOMMER, Barbara A. Negotiated Settlements: native Amazonians and Portuguese policy in Pará, Brazil,

1758 1798.Ph.D. Dissertation. Albuquerque: University of New México, 2000. 64 COELHO, Mauro Cezar. op. cit. 2005a; 2005b. 65 ROLLER, Heather Flynn. Colounial Routes: Spatial mobility an community formation in the Portuguese

Amazon. Tese (Doutorado em Filosofia). Stanford University, 2010.

Page 35: "Diz o índio":

35

ficaram infensos à colonização, não foram joguetes, não atuaram apenas como figurantes na

história colonial.

Nos holofotes dos estudos históricos, a história indígena constituída a partir das

décadas de 1970 e 1980, e representada aqui pelos estudos supracitados, por meio do acesso

às novas fontes contidas nos arquivos como cartórios e dioceses, ou ainda por uma nova

releitura de fontes já conhecidas pelos historiadores, trata os índios como sujeitos históricos.

Essa dissertação tem como um de seus objetivos a pretensão de adentrar nesse rol de

trabalhos.

1.2_ A legislação indigenista – O Diretório dos Índios66

: do projeto ao processo histórico.

O tópico anterior tratou sobre as formas de pensar o lugar dos ameríndios na

historiografia. De submissos e coadjuvantes, eles foram alçados à condição de sujeitos

históricos ativos ou ainda como protagonistas da história.

Se para as políticas indígenas ocorreu essa transformação, para o seu par, as políticas

indigenistas, a afirmação também é verdadeira. A historiografia sobre o Diretório dos Índios

desde suas primeiras análises até as mais recentes foi sofrendo uma inflexão. Mais do que

agrupar pesquisadores que tocaram em algum ponto sobre o Diretório, minha intenção nesse

tópico é mostrar a transformação na maneira de pensar a legislação. Sendo assim, os

historiadores aqui elencados o foram pela representatividade de suas obras na historiografia e

por, agrupando-os, demonstrarem essa mudança historiográfica à respeito dessa legislação

indigenista.

Antes pensada como legislação totalmente influenciada pelo século das Luzes,

resultante de ideais metropolitanos ou ainda do empenho do ministro ilustrado Sebastião José

de Carvalho e Melo (mais conhecido como Marquês de Pombal) de incorporar efetivamente a

região Norte da América portuguesa, o Diretório dos Índios deixou de ser concebido apenas

66 O Diretório dos Índios consistiu em um aparato legislativo composto de 95 parágrafos no qual procurou dar

conta de como deveriam ser estabelecidas as relações entre colonos e indígenas. Entendemos tal legislação como uma mudança na política colonial, pois procurou integrar as populações indígenas à civilização lusa de uma

forma distinta de períodos anteriores. Segundo Mauro Coelho, o Diretório dos Índios compreende um conjunto

de regras que pretendeu regular a liberdade concedida aos indígenas em junho de 1755 [...] Ele representa uma

nova associação de interesses, distinta da que havia até então [...] ele instaura uma nova ordem de relações

sociais, nas quais o acesso a mão-de-obra indígena era determinante para os estabelecimentos dos lugares

sociais. Cf. COELHO, Mauro Cezar. op. cit., 2005a, pp.36-37. Para Maria Regina Celestina de Almeida há um

caráter inovador nesse aparato legislativo, contudo, ele também manteve certas continuidades com as legislações

anteriores, inclusive com o Regimento das missões de 1686. ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios

na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010, p. 109-113.

Page 36: "Diz o índio":

36

como projeto colonial falido por culpa principalmente dos diretores, e passou a ser

compreendido como um processo histórico resultante de forças distintas, metropolitanas e

coloniais, que em maior medida, definiram os meandros de sua aplicação. É sobre essa

mudança que abordaremos daqui em diante.

Uma das primeiras obras que abordou pontos do Diretório dos Índios data do início do

século XX, em 1901. João Lúcio de Azevedo, no seu livro intitulado Os jesuítas no Grão-

Pará, suas missões e a colonização: bosquejo histórico com vários documentos inéditos

condenou o Diretório dos Índios devido à substituição dos jesuítas pelos diretores que:

...se acham agora investidos de autoridade, donos das povoações e dos habitantes, os modestos proventos da agricultura não lhes merecem

cuidados; querem sim, o ganho abundante das drogas, em cuja

extracção occupam os homens válidos67

.

Por esse motivo a legislação já estava condenada a desaparecer: “Della só podia ficar, e ficou,

a parte que tinha por objecto excluir os religiosos.68

.

Seis anos mais tarde foi publicado Capítulos de História Colonial69

de Capistrano de

Abreu, considerado o primeiro grande livro sobre o período colonial70

. Na obra, o Diretório

dos Índios surge como legislação que tinha o objetivo principal de expulsar os missionários,

já que estes estariam inviabilizando a civilização dos índios, além disso, o autor considera que

“As misérias provocadas por ele, direta ou indiretamente, são nefandas.”71

. Para Abreu, mais

do que pensar na integração dos povos indígenas, o Diretório teria surgido como mecanismo

para a expulsão dos religiosos e como instrumento para a conquista do sertão.

Os pontos em comum dessas duas obras estão nos vínculos realizados entre a

legislação implementada na segunda metade do século XVIII, a querela entre jesuítas e Coroa,

e ainda, a incapacidade administrativa dos diretores, os quais foram apontados como os

culpados pela falência do Diretório dos Índios72

.

67 Na opinião de Azevedo os jesuítas eram indivíduos considerados muito mais aptos para civilizarem e

instruírem os índios. Cf. AZEVEDO, João Lucio de. Os Jesuítas e o Grão-Pará, suas missões e a colonização:

bosquejo historico com varios documentos ineditos. Edição Facsimilar. Série Lendo o Pará, n.20. Belém:

SECULT, 1999, p. 312. 68 Idem, p. 287. 69 ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2006.

[Sua primeira edição foi publicada em 1907]. 70 IGLESIAS, Francisco. Historiadores do Brasil: capítulos de historiografia brasileira. Belo Horizonte:

UFMG, 2000, PP. 117-125. 71

ABREU, Capistrano de. Idem, p. 174. 72 Ver: CORRÊA, Luís Rafael Araújo. A aplicação da política indigenista pombalina nas aldeias do Rio de

Janeiro: dinâmicas locais sob o Diretório dos Índios (1758-1818). Dissertação (Mestrado em História). Niterói:

Universidade Federal Fluminense, 2012; COELHO, Mauro Cezar. op. cit., 2005a; 2005b.

Page 37: "Diz o índio":

37

Arthur Cezar Ferreira Reis, em A Política de Portugal no Vale Amazônico,

originalmente publicada em 1940, considerou a legislação como infrutífera, um fracasso que

manteve a escravidão indígena na mesma intensidade de períodos anteriores73

. Apesar da

condenação realizada sobre a aplicação do Diretório (ponto comum com a historiografia do

século XIX e do início do século XX) Reis a entendia como um importante esforço da Coroa

em integrar os povos indígenas aos objetivos metropolitanos e ainda na formação da posterior

nação brasileira.

Outro aspecto inovador acerca do Diretório dos Índios vai ser apontado na análise

realizada por Caio Prado Júnior em 1942. Formação do Brasil contemporâneo inaugurou um

ponto ao destacar as motivações estruturais como responsáveis pela falência do Diretório, e

não mais a culpabilidade dos sujeitos que a colocaram em prática. Prado Jr. vinculou a

legislação com o fortalecimento econômico da colônia que se daria por meio da exploração

dos produtos naturais amazônicos, utilizando a mão de obra indígena, e também a

empregando no povoamento da região. A legislação, portanto, estaria vinculada à lógica

colonial de exploração, em outras palavras, ao sentido da colonização74

.

Apesar de certo cuidado em lidar com a relação entre a política indigenista e as

estruturas econômicas, Ciro Flamarion Cardoso também segue a linha de interpretação

inaugurada por Prado Junior:

Em suma, a ação pombalina certamente foi importante no sentido de

provocar transformações estruturais no Pará, sendo essencial, porém, não exagerar seu alcance: as estruturas econômicas paraenses

mudaram, mas não em forma absoluta75

.

Para Cardoso as ações do Marques de Pombal em relação à Amazônia estariam

definidas em três partes: a primeira refere-se a política relativa à mão de obra indígena,

vigorando o trabalho compulsório (sua instituição como “mão de obra livre” e assalariada e o

impacto dessa nova configuração na sociedade paraense); a segunda estava relacionada à

criação da Companhia Geral do Comércio do Pará e Maranhão; e a última parte seria a

desamortização dos bens jesuíticos.

73 REIS, Arthur Cezar Ferreira. A Política de Portugal no Vale Amazônico. Belém: Secretaria de Estado de

Cultura, 1993, p.55. 74

PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1999. Ver também: Idem.

Formação do Brasil Contemporâneo – Colônia. São Paulo. Editora Brasiliense, 11ª Ed. 1977. 75 CARDOSO, Ciro Flamarion S. Economia e sociedade em áreas coloniais periféricas: Guiana Francesa e

Pará, 1750-1817. Rio de Janeiro: Graal, 1984, p.115.

Page 38: "Diz o índio":

38

Foi apenas nos últimos anos do século XX que surgiu o primeiro trabalho que teve o

Diretório dos Índios como principal objeto de estudo, O Diretório dos Índios: um projeto de

“civilização” no Brasil do século XVIII, autoria de Rita Heloísa de Almeida. A autora

compreende o Diretório enquanto projeto de civilização dos índios, fruto da ação, “... de

indivíduos e grupos sociais que agem com a consciência de estarem promovendo

mudanças”76

, o qual tinha em um dos seus objetivos a construção de uma nova ordem social

que integraria os povos indígenas e a região amazônica ao universo lusitano.

Como consta no próprio título do texto, o Diretório é compreendido como um

“projeto”, pensado para dar conta de variada gama de questões que envolvem desde a questão

da civilização dos índios até as questões de terras, comércio, entre outras. Almeida não

vinculou a construção da lei com a sua aplicabilidade, preocupando-se mais em perceber os

fundamentos teóricos dos seus autores.

De forma geral, as obras apontadas acima estavam mais preocupadas em analisar o

texto da lei e a sua prática como transposição direta do que previa, e, por isso, omitiram a

participação dos índios no processo de elaboração e aplicação da legislação. Aos povos

indígenas é dado um caráter de peça disponível aos empreendimentos metropolitanos na

condição de povoadores e força de trabalho.

Outro olhar sobre o Diretório dos Índios passa a se consolidar a partir da década de

1980, com estudos que podem ser referenciados por autores como Nádia Farage, Barbara

Sommer, Ângela Domingues, Patrícia Sampaio, Mauro Cezar Coelho, Heather Flynn, entre

outros. Tais pesquisas passaram a conceber a legislação como um espaço de luta e não apenas

como uma imposição unilateral. E mais fundamental ainda, de um projeto, o Diretório passou

a ser analisado como um processo colonial que também teve influência decisiva de seu

próprio objeto, os ameríndios.

A contribuição mais específica do trabalho de Nádia Farage sobre o Diretório dos

Índios está na abordagem das relações sociais que emergiram com a aplicação da legislação77

.

A autora aponta que a própria transferência dos povos indígenas para os novos núcleos

urbanos erigidos pela lei foi fruto de uma constante negociação entre nativos e colonos.

Tal posição também é visualizada no trabalho de Ângela Domingues, no qual aduz que

o processo histórico ocorrido na Amazônia procurava transformar não somente seus

habitantes como também o próprio espaço territorial do Vale Amazônico. Domingues realiza

76 ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos Índios: um de civilização no Brasil do século XVIII. Brasília:

Editora da Universidade de Brasília, 1997, p.346-347. 77 FARAGE, Nádia. op.cit., 1991.

Page 39: "Diz o índio":

39

uma abordagem sobre a dinâmica de poder ocorrida entre os diversos agentes coloniais

envolvendo: infrações ao Diretório, questões administrativas entre o diretor dos povoados e a

atuação dos párocos, atuação dos principais e outros. Além disso, afirma que há uma

mudança na questão da legislação indigenista no final do século XVIII, conforme alvitra a

autora:

Em finais de Setecentos esta legislação não tinha, portanto, uma

finalidade pedagógica. Pretendia, sobretudo, relembrar as vantagens que, quer para particulares quer para a Coroa, advinham da

<<civilização>> dos índios e os inconvenientes políticos, sociais e

econômicos que resultavam de abusos, maus tratos e infracções 78

.

Em Espelhos Partidos: etnia, legislação e desigualdade na Colônia79

, Patrícia

Sampaio trata da relação entre políticas indigenistas e políticas indígenas, e suas influências

recíprocas. A partir dessa perspectiva, a historiadora entende que apesar de concebido como

um projeto colonial, o Diretório dos Índios foi transformado em processo histórico em virtude

das relações sociais ocorridas naquele universo. A dominação metropolitana, esmiuçada por

Sampaio, deu lugar, ou melhor, conviveu lado a lado com uma variedade de projetos

individuais e coletivos que abriram espaços para a criação de ações e comportamentos

diversos80

.

Mauro Cezar Coelho, em Do sertão para o Mar: um estudo sobre a experiência

portuguesa na América, a partir da Colônia - O caso do Diretório dos Índios (1751-1798),

afirma que a origem do Diretório dos Índios foi fruto de um embate de forças entre os agentes

históricos envoltos no Vale Amazônico. Sua tese é de que o espírito da lei e sua prática teriam

emergido e se concretizado na própria colônia. A legislação, portanto, teria se constituído por

meio de uma demanda colonial81

, descaracterizando a ideia de dominação e imposição

absoluta que a Metrópole teria sobre a Colônia.

A produção historiográfica apontada até agora encaminha a seguinte inflexão: em um

primeiro momento o Diretório dos Índios foi analisado como fruto de mentes ilustradas na

qual tinham como intuito civilizar e integrar a região aos interesses metropolitanos. A

Colônia, nesse sentido, seria apenas um espaço no qual deveria ser aplicado o projeto. Ainda

nesse raciocínio, a lei teria sido falível por culpa dos diretores ou ainda pelas “estruturas”,

como apontado por Prado Jr.

78

DOMINGUES, Ângela. op.cit., 2000, p.184. 79 SAMPAIO, Patrícia. op.cit., 2011. 80 SAMPAIO, Patrícia. op.cit., 2011. 81 COELHO, Mauro Cezar. op.cit. 2005a.

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40

Com as análises construídas a partir das últimas décadas do século XX e início do

XXI, a trama ocorre de outra forma. Não compreendido somente como projeto colonial, o

Diretório dos Índios foi também resultado de relações de poder coloniais, impulsionadas pelos

sujeitos históricos que habitavam a região. Entendido como processo colonial, a prática da lei

já não é um reflexo de sua letra, a aplicabilidade dela é analisada a partir das variadas relações

de sociais e jogos de poder nos quais estavam envolvidos os sujeitos históricos, entre eles, os

povos indígenas.

Em língua inglesa os trabalhos de Barbara Sommer82

e Heather F. Roller83

são

elucidativos quanto ao entendimento do Diretório dos Índios e seu caráter dinâmico,

constituindo-se em análises que destacam com mais afinco o processo de aplicação da

legislação e como os povos indígenas foram envolvidos e se envolveram na mesma.

B. Sommer, na sua tese de doutorado intitulada Negotiated settlements: native

Amazonians and Portuguese policy in Pará, Brazil, afirma que os descimentos só eram

realizados após uma constante negociação envolvendo os agentes coloniais e índios:

“Autoridades coloniais negociaram com a nobreza nativa, antigas autoridades, lideres

indígenas e outros membros dessa sociedade criativa, forjaram alianças improváveis.”84

Já H. F. Roller, partindo de uma historiografia já constituída sobre a compreensão do

Diretório enquanto processo histórico corrobora com a ideia segundo qual a legislação é fruto

de uma sobreposição de interesses, metropolitanos e coloniais envolvendo agentes históricos

distintos no espaço colonial amazônico. Sua tese de doutorado realiza uma abordagem acerca

da formação do espaço amazônico português e da mobilidade social na qual:

... vemos os aldeados índios deixando suas aldeias, porque eles eram

obrigados ou incentivados pelas autoridades coloniais a fazer, mas

também em busca de seus próprios interesses. Realocaram-se, exploraram, e realizaram comércio através de grandes distâncias a

serviço do Estado, eles demarcaram uma posição mais autônoma

dentro do sistema colonial. Mais especificamente, eles seletivamente se envolveram em formas de mobilidade patrocinada pelo Estado para

expandir as suas redes sociais (dentro e fora da esfera colonial),

buscando novas oportunidades econômicas, e acumular prestígio ou

influência política.85

82 SOMMER, B. op.cit., 2000. 83 ROLLER, Heather Flynn. op.cit., 2010. 84 No original: “Colonial authorities negotiated with the native nobility of the former authorities, indigenous

leaders, and other members of this inventive society, forged unlikely alliances.” SOMMER, B. op.cit., 2000, p.

317. (Tradução nossa) 85

Instead, we see the índios aldeados leaving their villages because they were obligated or encouraged by

colonial authorities to do so, but also in pursuit of their own interests. Relocating, exploring, and trading across

vast distances in the service of the state, they staked out a more autonomous position within the colonial system.

More specifically, they selectively engaged in forms of state sponsored mobility to expand their social networks

Page 41: "Diz o índio":

41

Os últimos estudos apontados foram imprescindíveis para a elaboração do trabalho

que proponho. Percebemos que a aplicação da legislação não foi uma via de mão única, e que

os diversos agentes históricos, mais do que viverem sob a égide do que a lei propunha,

possuíam interesses pessoais e distintos. Os índios, nesse sentido, talvez mais do que

quaisquer outros, criaram alternativas viáveis para continuarem a viver suas vidas diante das

transformações que lhes eram impostas.

Principalmente a partir de 2005, a historiografia a respeito do Diretório dos Índios se

ampliou. Partindo das considerações já apontadas e aceitas na historiografia (por exemplo, o

caráter colonial, a participação dos sujeitos históricos na sua aplicabilidade), procura-se

perceber como ocorreu a aplicação dessa legislação em outros locais fora da região amazônica

e, portanto, no sentido de compreender as transformações e dinâmicas locais que cada região

gerou ao Diretório. Esse será o ponto do próximo tópico.

1.3_ O Diretório dos Índios e as dinâmicas locais

Como legislação pensada, formulada e surgida em uma região bastante específica,

como é o caso do Vale Amazônico, ao ser posta em prática nos demais cantos da América

portuguesa, ela foi sendo alterada, obtendo características necessárias a sua aplicação em

regiões distintas tanto geograficamente como socialmente. O Diretório dos índios, portanto,

tomou distintas faces nas demais áreas onde foi aplicado.

Começamos pela região Nordeste. Fátima Martins Lopes em sua tese de doutorado Em

nome da liberdade: As vilas de índios do Rio Grande do Norte sob o Diretório Pombalino no

século XVIII afirma que o Diretório dos Índios, por não contemplar as especificidades da

realidade local, foi substituído pela “Direção com que interinamente se devem regular os

Índios nas Vilas e Lugares erectos nas Aldeias da Capitania de Pernambuco e suas Anexas” 86

.

A Direção, como ficou conhecida, teve como base as diretrizes da legislação feita para

a região do Estado do Grão-Pará e Maranhão, não obstante, acrescentou e alterou alguns

parágrafos contemplando produtos inerentes ao clima litorâneo-atlântico e do semiárido do

sertão. Sobre a questão da administração dos índios, Lopes expõe que as diferenças entre as

(within and outside of the colonial sphere), pursue economic opportunities, and accumulate prestige or political

leverage. Ver: ROLLER, Heather Flynn. op.cit., 2010, p.6. (Trad. nossa) 86 LOPES, Fátima Martins. Em nome da liberdade: As vilas de índios do Rio Grande do Norte sob o Diretório

Pombalino no século XVIII. Tese (Doutorado em História). Recife, 2005, p. 83-84.

Page 42: "Diz o índio":

42

duas legislações estavam fundamentalmente na forma de repartição das terras e na

distribuição dos índios87

.

Na região do Vale Amazônico, metade dos índios produtivos poderiam se ausentar da

povoação para servir como mão de obra a terceiros; na Direção pernambucana, apenas um

terço dos índios entre 13 e 60 anos poderiam se ausentar das vilas para outros tipos de

trabalhos. Já sobre a repartição das terras, a diferença estava que no Diretório, segundo o 19º

parágrafo, as terras deveriam ser distribuídas com o princípio das “Leis da equidade, e da

justiça”88

, já o critério seguido pela Direção era de acordo com os cargos e postos ocupados

pelos moradores. Dessa forma:

... Para orientar essa distribuição, distinguindo cada morador por sua

ocupação, foram usados 17 parágrafos da Direção, determinando o quanto de terra deveria ser dado a cada família, do Principal aos

soldados ou moradores sem ocupação oficial, variando de 10.000

braças quadradas ao primeiro a 4.000 braças quadradas aos últimos, sendo que as destes poderiam ser acrescidas até 720 braças quadradas

por cada filho ou doméstico que tivesse. As ocupações intermediárias,

como os Sargentos, Alferes, Cabos, Oficiais da administração civil, também teriam seu quinhão de acordo com sua graduação: quanto

maior o posto maior a parte recebida.89

Para Lopes, a distribuição de terras seguindo um critério hierárquico seria um reflexo da

sociedade luso-brasileira e teria como função desestruturar as formas de organização

tradicional dos povos indígenas baseadas na igualdade90

.

Na mesma orientação, Isabele Peixoto Braz Silva em sua tese de doutorado intitulada

Vilas de índios no Ceará Grande afirma que o Diretório sofreu improvisações e adaptações

necessárias a sua implantação, principalmente no que condiz a escolha de indivíduos que

exercessem os cargos de diretores ou ainda de mestres, sendo que para exercer esta última

função foram designados soldados que possuíssem boa reputação91

.

87 Idem. Diretório dos Índios: implantação e resistência no Nordeste. Tellus, ano3, n.5, p.37-53, out. 2003. p.42-

43. 88 DIRECTÓRIO que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão em quanto Sua Magestade não mandar o contrário. In: ALMEIDA, Rita Heloísa. O Diretório dos Índios: Um projeto de

“civilização” no Brasil do século XVIII. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1997, p. 383. 89 LOPES, Fátima Martins. Em nome da liberdade: As vilas de índios do Rio Grande do Norte sob o Diretório

Pombalino no século XVIII. Tese (Doutorado em História). Recife, 2005, p. 84 90 Boa parte das adaptações feitas do Diretório dos Índios em Pernambuco foi acatada pela administração

portuguesa, contudo, essa divisão das terras seguindo um critério hierárquico, apesar de estar presente na

Direção em seu parágrafo 23º, não foi aceita pelo Rei. Ver LOPES, Fátima Martins. Idem, p. 84. 91 PEIXOTO, Isabele Braz. Vilas de índios no Ceará Grande: dinâmicas locais sob o Diretório Pombalino.

Tese de Doutorado em História. Campinas: São Paulo, 2003, p. 146.

Page 43: "Diz o índio":

43

Na capitania de Ilhéus, segundo Teresinha Marcis, a função do Diretor de Índios foi

exercida pelos Escrivães das Câmaras, pois os Desembargadores – magistrados responsáveis

por auxiliar na análise das petições públicas enviadas ao rei, e emissários de confiança do

ministro Sebastião José de Carvalho e Melo – consideraram não haver, naquela região,

pessoas suficientes com as qualidades essenciais para o exercício da função92.

Outra distinção devido às dinâmicas locais impostas à aplicação do Diretório esteve

em uma das suas principais características, o incentivo à miscigenação, portanto, aos

casamentos interétnicos entre índios e brancos. No Vale Amazônico, essa foi uma das

principais diretrizes estabelecidas, conforme o parágrafo 88 da lei:

... por meio deste sagrado vinculo se acabe de extinguir totalmente

aquella odiosissima distinção, que as Naçõens mais polidas do Mundo abominaraõ sempre... Para facilitar os ditos matrimonios, empregarão

os Directores toda a efficacia do seu zelo em persuadir a todas as

Pessoas Brancas, que assistirem nas suas Povoaçoens, que os Indios tanto naõ saõ de inferior qualidade a respeito dellas, que dignando-se

Sua Magestade de os habilitar para todas aquellas honras competentes

ás graduaçõens dos seus postos...93

Contudo, de acordo com Alessandra Resende Dias Blau, no Centro Sul, Mato Grosso, por

considerarem que o número da população branca fosse insuficiente para conseguir os

objetivos almejados no Diretório dos Índios, o incentivo ao casamento interétnico também foi

oficialmente estendido a índios e negros94

, portanto, não somente entre índios e brancos como

no caso da região amazônica.

Já para a região do extremo sul da América portuguesa, Elisa Garcia afirma que ao

contrário do sistema de distribuição dos índios implementado no Vale Amazônico, que previa

a repartição dos índios em duas partes, uma na aldeia e a outra distribuída entre os moradores,

os indígenas eram divididos em três partes, duas na aldeia e a restante era alugada para os

moradores95

, semelhante ao sistema de distribuição da mão de obra indígena no Rio Grande

do Norte apontado por Fátima Lopes.

92 MARCIS, Teresinha. A integração dos índios como súditos do rei de Portugal: uma análise do projeto, dos autores e da implementação na Capitania de Ilhéus, 1752-1822. Tese (Doutorado em História) Salvador:

Universidade Federal da Bahia – UFBA, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2013. 93 DIRECTÓRIO que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão em quanto Sua

Magestade não mandar o contrário. In: ALMEIDA, Rita Heloísa. O Diretório dos Índios: Um projeto de

“civilização” no Brasil do século XVIII. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1997, p. 410. 94

BLAU, Alessandra Resende Dias. O “ouro vermelho” e a política de povoamento da capitania de Mato

Grosso: 1752-1798. Dissertação de Mestrado em História, UFMT, 2007. 95 GARCIA, Elisa. As diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas indigenistas no extremo sul

da América Portuguesa. Tese de doutorado em História. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

Page 44: "Diz o índio":

44

Para a região Sudeste, a dissertação de mestrado construída por Luís Rafael A. Corrêa,

A aplicação da política indigenista no Rio de Janeiro: dinâmicas locais sob o Diretório dos

índios(1758-1818)96

, caminha exatamente nesse sentido de perceber as distintas formas pelas

quais o Diretório dos Índios foi adaptado às dinâmicas locais, respondendo as especificidades

estruturais e também a própria atuação indígena. Cabe lembrar que tal adaptação não era

apenas de capitania para capitania, segundo Corrêa ela também ocorria dentro da mesma

jurisdição.

De volta para a região do Vale Amazônico, consideramos que ela é sem sombra de

dúvidas, área de determinadas especificidades. Seus rios e matas que a compõe foram

definidores da política de povoamento, pois, com o objetivo de estabelecer a comunicação

entre as unidades coloniais, e ainda, ocupar e defender o território, os núcleos populacionais

foram edificados contornando a margem dos rios. As Vilas possuíam um papel pedagógico

relacionado à legitimação e ocupação portuguesa, fortalecendo a presença metropolitana e

domesticando a paisagem amazônica97. Além disso, os povos indígenas nessa região tinham

importância comparada a que os escravos provindos da África possuíam em outras regiões da

colônia, principalmente aquelas caracterizadas pela economia açucareira.

Já nos debruçamos sobre dois aspectos importantes e complementares para esta

dissertação, a história e historiografia indígena, e também sobre as inflexões ocorridas na

maneira de pensar o Diretório dos Índios, legislação vigente no período que procuramos

analisar as ações dos povos indígenas no Vale Amazônico.

Inicio agora, a discussão sobre o conceito de “Resistência adaptativa”, utilizado

principalmente na segunda parte da dissertação para tratar de nosso objeto, as políticas

indígenas, e como a historiografia vem abordando tais políticas enquanto movimento de

resistência ao processo colonial.

96

CORRÊA, Luís Rafael A. A aplicação da política indigenista pombalina nas antigas aldeias do Rio de

Janeiro: dinâmicas locais sob o Diretório dos Índios (1758-1818). Dissertação de mestrado em História. Rio de

Janeiro: Niterói, 2012. 97COELHO, Mauro Cezar. Op.cit. 2005a, p.202.

Page 45: "Diz o índio":

45

Capítulo II

EXPERIÊNCIAS COTIDIANAS: ALÉM DA MERA REAÇÃO ESPASMÓDICA

Page 46: "Diz o índio":

46

2_ Povos indígenas: a resistência e a adaptação.

“... Os escravos não foram vítimas nem heróis o tempo todo, se

situando na sua maioria e a maior parte do tempo numa zona de

indefinição entre um e outro polo. O escravo aparentemente

acomodado e até submisso um dia podia tornar-se o rebelde do dia seguinte (...) Só sugerimos que, ao lado da sempre presente

violência, havia um espaço social que se tecia tanto de barganhas

quanto de conflitos. Essa abordagem que vê a escravidão sobretudo da perspectiva do escravo, um escravo real, não reificado nem

mitificado, só muito recentemente vem ganhando corpo na

historiografia brasileira.”98

Tema apenas periférico na historiografia tradicional, a resistência ao

sistema escravista tem inspirado, nas últimas três décadas, uma

produção significativa tanto no Brasil quanto no exterior. Por toda a

parte, e não sem polêmicas, abre-se um leque de questões que vão

das formas explícitas de resistências físicas (fugas, quilombos e

revoltas), passando pela chamada resistência do dia-a-dia – roubos,

sarcasmos, sabotagens, assassinatos, suicídios, abortos –, até aspectos menos visíveis, porém profundos, de uma ampla resistência

sociocultural.99

Começar a leitura desse capítulo com uma referência sobre a resistência dos escravos

negros, objeto distinto do que proponho nesse trabalho, tem um objetivo claro: salvo os

devidos limites da comparação, a história indígena é muito próxima da historiografia

brasileira sobre a escravidão, e, em certa medida, seguiu trilhando alguns dos mesmos

caminhos. Explico.

É ponto comum na historiografia nacional, a partir das décadas de 1980 e

principalmente de 1990, ao se debruçar sobre as relações de poder entre “dominados e

dominantes”, “senhores e escravos”, “patrões e operários”, “índios e colonos” e outros

sujeitos historicamente opostos, a compreensão de que tais relações não somente ocorreram

na perspectiva da dominação absoluta, em que existiam dois lados a serem analisados: de um

lado emergiam todas as ordens, indivíduos motivados à transformação, donos da história,

localizados no centro da trama e de outro, o seu inverso, àqueles a margem, a quem só restava

obedecer, sacrificar, fugir, sumir, morrer100

.

98 REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo:

Companhia das Letras, 1989, p.7-8. Grifo meu. 99 Idem, p. 62 100 REIS, João José. Poderemos cantar, brincar, folgar: o protesto escravo nas Américas. Afro-Ásia, nº 14,

p.115-117, 1983; Idem. Resistência escrava em Ilhéus. Anais do Arquivo Público do Estado da Bahia. nº 44,

p.285-297, 1979; LARA, Sílvia Hunold. Campos da violência: escravos e senhores na capitania do Rio de

Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988; SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e

escravos na sociedade colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1988; OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes de. O

Page 47: "Diz o índio":

47

Essa historiografia passou a entender que as formas de dominação nas relações de

poder entre sujeitos históricos não foram absolutas e as maneiras de resistir foram diversas.

Partindo das mais tradicionais, a fuga e a violência física, os historiadores finalmente

compreenderam que os sujeitos ditos “dominados” também agiram através das brechas do

sistema para poder galgar determinadas vantagens101

.

Os trechos do livro transcrito mais acima, de João José Reis e Eduardo Silva,

Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista é um ponto interessante para

estabelecermos o elo que propomos. Reis e Silva abordam o escravo como sujeito histórico

desvinculando-o da ideia de escravo-coisa, ou ainda, escravo-objeto. De acordo com os

autores, os escravos negros no Brasil não somente agiram por meio da violência física, mas

também realizaram negociações que respondiam aos desafios do cotidiano e, em maior ou

menor medida, souberam lidar com as imposições da sociedade escravocrata no século XIX:

“No Brasil como em outras partes, os escravos negociaram mais do que lutaram abertamente

contra o sistema”102

.

Negociação e conflito é parte de uma historiografia sobre a resistência negra oriunda

das últimas décadas do século XX. Além dela, podemos também citar as obras construídas

por Sidney Chalhoub103

, Manuela Carneiro da Cunha104

, Sílvia Hunold Lara105

, e mais

recentemente, Flávio dos Santos Gomes106

, as quais aludiram sobre outras formas de resistir

dos negros no Brasil.

Mesmo sob o risco de a comparação ser entendida como simplismo, se trocássemos a

palavra “escravo” por “índios” nas transcrições que iniciaram esse tópico, o significado não

mudaria. É certo que a análise feita por Reis e Silva em nenhum momento aborda os povos

indígenas, no entanto, podemos entender que estes sujeitos (índios e negros), nessa profusão

de trabalhos surgidos no final do século XX, estão sendo analisados a partir de um

pressuposto comum: são sujeitos históricos que pautaram suas lutas construindo inúmeras

Liberto: o seu Mundo e os Outros. Salvador, 1790-1890. São Paulo: Corrupio, 1988; CHALHOUB, Sidney.

Visões da liberdade: uma história das ultimas décadas da escravidão na Corte. Tese (doutorado em História).

São Paulo: Companhia das Letras, 1989; RAGO, Margareth. A “nova” historiografia brasileira. Anos 90. n.11,

julho. Porto Alegre, 1999. 101 CARDOSO, Ciro Flamarion. A brecha camponesa no sistema escravista. In: _______. Agricultura,

escravidão e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 133-154. 102 REIS, João José; SILVA, Eduardo. op.cit. 1989, p. 14. 103 CHALHOUB, Sidney. op.cit,, 1989. 104 CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros, estrangeiros: os escravos libertos e seus retorno à África. São

Paulo, Brasiliense, 1985. 105 LARA, Sílvia Hunold. op.cit., 1988. 106 GOMES, Flávio dos Santos; REIS, João José (orgs.). Liberdade por um fio - História dos quilombos no

Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2005;

Page 48: "Diz o índio":

48

estratégias que foram além da violência física, respondendo ao seu próprio cotidiano, ou ainda

por meio de suas próprias experiências históricas, como afirmaria E. P. Thompson107

.

Essas formas de resistências cotidianas têm surgido com nomes diferenciados nos

trabalhos sobre a temática: estratégias cotidianas, negociação e conflito, resistências do dia a

dia, resistência adaptativa, entre outros. Este último, por sua vez, é o conceito o qual esta

dissertação se apropria, pois ele dá conta de agrupar duas formas de ação indígena que não

são excludentes e ainda, são autoexplicativas. Quero dizer que saber lidar com os

instrumentos do universo português (a apropriação) foi, também, uma das formas encontradas

e utilizadas pelos índios do vale amazônico para lutarem (resistência) diante dos abusos

cometidos por colonos.

Surgido de uma interação entre estudos da Antropologia e História, o termo resistência

adaptativa, elaborado por Steve Stern108

, procura dar conta das diversas ações protagonizadas

pelos povos indígenas. Nesse sentido as ações dos índios para com a sociedade colonial (a

título de exemplo: a aproximação ou permanência dos índios nos estabelecimentos coloniais e

a colaboração destes com o projeto metropolitano) poderiam também representar uma forma

de resistência, na medida em que os indígenas estariam escolhendo uma opção possível, uma

margem de manobra diante do contexto histórico no qual se encontravam.

Deve ficar claro que não considero tal modalidade de resistência (e o conceito está

longe dessa compreensão) como uma conformação dos índios diante das inúmeras mudanças

impostas pelo Diretório. A margem de manobra dos ameríndios foi bastante restrita durante a

colonização, mesmo assim elaboraram diversas formas de agir, uma delas foi justamente a

apropriação de elementos que não faziam parte do seu aparato cultural e social.

Patronilha, de Vila de Beja109

, Madalena, do Lugar de Penha Longa110

, Josefa

Martinha, de Belém111

, Bonifácia da Silva, de Vila de Monsarás112

, Jorge Brito, da vila de

107 E. P. Thompson define a experiência histórica como as atitudes por vezes antagônicas, protagonizadas por

sujeitos históricos em busca da realização de suas necessidades, interesses, frente a determinadas situações. Ver:

THOMPSON, E. P.A Miséria da Teoria ou um Planetário de Erros: uma crítica ao pensamento de Althusser.

Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 182.

108STERN, Steve. Resistance, rebellion and consciounes in the Andean Peasant Word, 18th

to 20th

Centuries. Madison: The University of Wisconsin Press, 1987. 109 Patronilha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 06/01/1779] – Projeto Resgate. AHU – Pará

(avulsos), caixa 82, documento 6700. 110 Madalena [Requerimento apresentado a D. Maria I, anterior a 15/09/1779] – Projeto Resgate. AHU, Pará

(avulsos), caixa 83, documento 6853. 111

Jozefa Martinha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 11/02/1779] – Projeto Resgate. AHU, Pará

(avulsos), caixa 82, documento 6716. 112 Bonifácia da Silva [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 15/09/1790] – Projeto Resgate. AHU, Pará

(avulsos), caixa 100, documento 7936.

Page 49: "Diz o índio":

49

Chaves113

, Antonio José, do lugar de Mondim114

, entre outros índios que viveram no Vale

Amazônico na segunda metade do século XVIII e que aparecem na segunda parte desse

trabalho, foram sujeitos os quais tentaram (e alguns conseguiram) concretizar suas demandas,

resolver seus problemas, criando estratégias que partiam da utilização dos instrumentos

disponibilizados pelo aparato jurídico português. A utilização desse conceito, portanto, nos

permite percebê-los como sujeitos que foram capazes de fazer escolhas e elaborar estratégias

diante contextos favoráveis ou não115

.

É fundamental sabermos que os ameríndios criaram alianças, aproximaram-se dos

estabelecimentos portugueses, utilizaram de instrumentos do universo lusitano, como o envio

de cartas para a rainha solicitando mercês ou alguma solução para um problema, enfim,

utilizaram o conhecimento obtido ao longo de anos de contato com o outro (colonos,

diretores, missionários, etc), e apropriaram-se de seus códigos culturais, os usando, quando

possível, para obterem algum benefício. Portanto, é totalmente cabível, a partir da

documentação e da historiografia, entender que as formas pelas quais os indígenas lidaram

com a sociedade colonial estiveram além da mera reação espasmódica116

.

113 Jorge Francisco de Brito [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 23/11/1786] – Projeto Resgate. AHU,

caixa 96, documento 7606. 114 António José [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 23/11/1786] – Projeto Resgate. AHU, caixa 96,

documento 7607. 115 Tal processo não pertence apenas ao universo colonial, pelo contrário, são algumas das ações desenvolvidas

pelos povos indígenas no mundo contemporâneo que nos ajudam a compreender como se relacionaram e se

apropriaram de diversos elementos da sociedade nacional. Buscar formação ocidental, escrever livros, ir morar

nas cidades, utilizar tecnologias e estruturas da sociedade nacional são sinais de que os povos indígenas

aprenderam e aprendem constantemente a lidar o com o mundo que lhes envolve, sem por isso perder suas

características identitárias. VER: MARTINS, Maria Cristina Bohn. As sociedades indígenas, a história e a

escola. Antíteses, vol.2, n.3, jan./jun., p. 153-167, 2009. Não devemos esquecer-nos dos trabalhos escritos pelos próprios índios. Cf: MUNDURUKU, Daniel. Escrita e autoria fortalecendo a identidade. Disponível em:

http:www.inbrapi.org.br. Acesso em 03 de março de 2013; _________. História de Índios. São Paulo:

Companhia das Letrinhas, 1996; ________. Os filhos do sangue do céu: e outras histórias indígenas de origem.

São Paulo: Landy Editora, 2005. 116RUDÉ, Georges. A multidão na história: estudos dos movimentos populares na França e Inglaterra, 1730-

1848. Rio de Janeiro: Campus, 1991. George Rudé afirma que a multidão foi percebida como massa desprovida

de objetivos próprios e somente respondia a provocações exógenas. Assim, encarar tais multidões como massa

disforme seria caracterizá-las como uma fórmula abstrata. As considerações de Rudé acerca das ações das

multidões europeias dos séculos XVIII e XIX nos são válidas, pois – apesar de abordar um contexto e agentes

históricos distintos do objeto dessa dissertação – a ideia de ação, eixo de tal concepção, é tida como instrumento

pautado nos costumes, tradição ou no aprendizado gerado pelo contato. Na medida em que as políticas indígenas podem ser consideradas como ações baseadas na experiência de contato entre povos indígenas e europeus, o

pressuposto metodológico utilizado por G. Rudé pode ser adaptado para estudarmos as ações dos povos

indígenas nos últimos anos do século XVIII. Tal operação historiográfica não é novidade, a comparação entre os

povos indígenas do Vale Amazônico e as multidões europeias foi realizada por Mauro C. Coelho ao abordar

parte dos trabalhos sobre a resistência indígena: “... trabalhadores europeus ou indígenas americanos fazem parte

de sociedades que lhes transmitiram códigos de comportamento, tradições, formas de pensar e agir. Isto não

justifica que se tomem uns pelos outros, mas certamente legitima a percepção de uns e outros como membros de

sociedades que formulam parâmetros de comportamento e ação.” Ver: COELHO, Mauro Cezar. op.cit., 2005b,

p.28.

Page 50: "Diz o índio":

50

Na historiografia nacional, o historiador Francisco Cancela lançou mão do conceito e

para ele:

O conceito de “resistência adaptativa” tem sido bastante utilizado

para tentar explicar a diversidade de ações e mediações passíveis de

serem realizadas pelos povos indígenas, sendo construído pela fusão de dois comportamentos aparentemente antagônicos: resistir e se

adaptar. Segundo Sider, existiram ações políticas dos índios que

demonstram uma consciência da situação colonial, mas direcionam para uma opção de resistência à ordem colonial, sem, contudo, negá-

la. Esta resistência busca, portanto, adaptar as demandas coletivas ou

individuais de índios ao mundo colonial.117

.

Compreendo que a resistência indígena não deve ser entendida somente como uma

atitude de violência ou como simples resposta às ações dos colonizadores. Por mais que atos

violentos estivessem presentes e fossem constantes, outras formas de resistir foram sendo

construídas na história do contato entre povos indígenas e europeus. Esse ponto é importante,

pois não é meu objetivo destacar uma forma de resistência em detrimento de outras, trocar um

pelo outro não resultaria em um processo de compreensão mais completo das relações sociais

envolvendo índios no Grão-Pará no final do século XVIII.

A aplicação desse raciocínio é fundamental para a historiografia e história indígena, já

que por meio dele, saímos da condição de representar e pensar os índios como sujeitos

passivos, que não sabiam lidar com as estruturas do sistema colonial e, nos permite percebê-

los como sujeitos históricos, ativos e protagonistas.

A adaptação, para essa dissertação, está vinculada, por exemplo, à permanência dos

índios nas vilas realizando parte dos trabalhos que lhes eram exigidos, apropriando-se de

instrumentos como o envio de cartas para a metrópole, ou ainda, na colaboração nos

descimentos. A resistência ocorre pelas lutas diárias, nas reclamações e demandas enviadas à

Coroa portuguesa, fugas118

temporárias das vilas (geralmente faziam-nas por não quererem

117 CANCELA, Francisco. A experiência do índio Manuel Rodrigues de Jesus: Política indígena e políticas

indigenistas na Vila de Belmonte – Capitania de Porto Seguro (1795-1800). Mneme – Revista de

Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, set/out. 2008. Disponível em

http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais/st_trab_pdf/pdf_st2/francisco_cancela_st2.pdf. Acesso em 14 de Agosto de 2013. 118 Fugir das aldeias e vilas foi um dos instrumentos de ação mais recorrentes utilizado pelos índios na Amazônia

colonial. Foi uma alternativa encontrada para se livrar das condições as quais foram submetidos dentro daquelas

povoações, estando relacionada, também, a maus tratos e epidemias. Parte da historiografia aponta tal ação como

um dos principais motivos para a falência dos povoados construídos no regime do Diretório dos Índios. Ver:

RAMINELLI, Ronald. op.cit., 1998. p.1359-1376. Todavia, as fugas também devem ser entendidas como parte

do conjunto das ações indígenas que consubstancia uma forma de resistência ao processo colonial. Ver:

GOMES, Flávio; MARIN, Rosa E. A. Reconfigurações coloniais: tráficos de indígenas, fugitivos e fronteiras no

Grão-Pará e Guina francesa (séculos XVII e XVIII). Revista de História [on line], n.149, 2003, p. 69-107. Além

Page 51: "Diz o índio":

51

realizar determinado trabalho, quando passava o período de convocação para o mesmo,

retornavam às vilas), conflitos com Diretores e colonos, na exigência por se fixarem em

determinado local nos processos de descimento.

O próprio fato de colaborarem com os europeus não deve ser visto somente como uma

atitude de submissão ou de aculturação, de acordo com Maria Regina Celestino de Almeida:

Colaborar com os europeus e aldear-se podia significar, portanto, uma

forma de resistência adaptativa, através da qual os povos indígenas buscavam rearticular-se para sobreviver o melhor possível no mundo

colonial. Em vez de massa amorfa, simplesmente levada pelas

circunstâncias ou pela prepotência dos padres, autoridades e colonos, os índios agiam por motivações próprias, ainda que pressionados por

uma terrível conjuntura de massacres, escravizações e doenças.

Interessaram-se por algumas mudanças e aprendizados, porém tinham nisso seus próprios interesses, e atribuíam-lhes rumos e significados

próprios119

.

Em estudo sobre as novas perspectivas para a história indígena, Maria Regina

Celestino de Almeida concluiu que as aldeias coloniais não podem ser vistas apenas como um

espaço de perdas e prejuízos, pois também se tornou local onde os índios poderiam construir

uma margem de manobra diante da sociedade colonial. A partir da noção de cultura histórica,

dinâmica, flexível e erigida no cotidiano das relações entre os agentes sociais, a análise da

documentação lhe permitiu concluir que tais indígenas reelaboraram seus valores, sua cultura

e interesses em um processo de resistência adaptativa120

.

2.1_ As diversas formas de lidar com a sociedade colonial.

Com a aplicação da política indigenista ao longo da segunda metade do século XVIII,

ocorreram inúmeras mudanças nos hábitos dos povos indígenas na Amazônia colonial. A fim

de tornar o índio um vassalo português para que atendesse aos interesses metropolitanos, o

Diretório dos Índios promoveu uma transformação do espaço, convertendo as aldeias

missionárias em vilas e povoados, suscitou a implementação de um programa de inserção dos

disso, como afirma Mauro C. Coelho, as fugas não foram exclusivamente uma atitude anti-colonial, em alguns

casos elas são estratégias de afirmação no interior das povoações. COELHO, Mauro C. op.cit. 2005a, p. 273-

276. 119

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Identidades étnicas e culturais: novas perspectivas para a história

indígena. In: ABREU, Martha; SOIHET, Rachel. Ensino de história: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de

Janeiro: Casa da Palavra, 2009, p.30. 120 Idem, p.28-29.

Page 52: "Diz o índio":

52

povos indígenas no universo lusitano, principalmente pelo ensino da língua portuguesa,

incentivou a miscigenação por meio dos casamentos interétnicos, além de promover a prática

do trabalho regular, o qual, juntamente com os outros itens previstos na legislação, seria

responsável pela civilização dos indígenas121

.

Entretanto, os povos indígenas não ficaram apáticos às pretensões metropolitanas, suas

ações, reações e manifestações foram diversas no mundo colonial, agiram conforme a

necessidade surgida em seu cotidiano: fugindo, guerreando, negociando, adaptando-se, entre

outras.

Fixando-se nas vilas, não ficaram inertes à demanda colonial. Ao depararem com

algum abuso sobre si ou suas famílias cometido pelos colonos, ou quando percebiam que a

condição de livres que lhes fora impetrada pela legislação vigente não estava sendo

respeitada, desenvolveram estratégias na tentativa de mudar aquele panorama.

Mauro Coelho ao tratar a respeito das escolhas dos índios sobre a inserção deles nas

vilas do Diretório, afirma que isso resultou em mudanças substanciais nos seus modos de

vida, pois ficaram submetidos a uma nova forma de lidar com os agentes da colonização, seja

na condição de tutelados inseridos em um regime de trabalho compulsório ou até mesmo no

abandono de suas práticas tradicionais, o autor aduz que:

Descer, casar-se, abandonar suas línguas nativas e submeter-se ao trabalho compulsório pareceu, para algumas daquelas populações,

uma alternativa viável, especialmente diante das promessas de oferta

regular de alimentos e de proteção contra os inimigos. Para muitos

indígenas, que sentiam os prejuízos da presença alienígena, e viviam dispersos em pequenos grupos, familiares ou não (...) a vida nas

povoações pode ter se afigurado um mal menor que a vida errante

pelas matas, a mercê de etnias guerreiras poderosas, como os Mura, por exemplo. Para outros, a possibilidade de associar-se aos

portugueses pode ter sido vista como mais vantajosa, diante das

políticas holandesa e espanhola. Para outros, as povoações foram o único caminho possível de sobrevivência e, menos que uma escolha,

elas se configuraram uma imposição, ante a ameaça de

desaparecimento122

.

Apesar de já estarem inseridos no interior da vida colonial, alguns índios tomavam

atitudes diversas daquelas estipuladas pelos agentes da administração portuguesa, como, por

121

Sobre as reflexões acerca do Diretório dos Índios ver: ALMEIDA, Rita Heloísa de. op.cit., 1997; COELHO,

Mauro Cezar. Op.cit. 2005a; DOMINGUES, Ângela. op.cit., 2000; SAMPAIO, Patrícia. op.cit., 2011;

SOMMER, Barbara A. op.cit., 2000. 122 COELHO, Mauro C. op.cit., 2005a p. 221.

Page 53: "Diz o índio":

53

exemplo, rebeliões, a saída temporária da povoação na qual viviam para evitar trabalhos

onerosos, as fugas, enfim, buscavam meios para garantir espaços de autonomia123

.

O trabalho de doutorado de Heather Roller Flynn, intitulado Colonial Routes: spatial

mobility and community formation in the Portuguese Amazon também caminha no sentido de

perceber que a vida dentro das vilas poderia ser a opção de algo melhor. Flynn aponta que

alguns índios podem ter participado das expedições anuais de coleta, das chamadas drogas do

sertão, de forma voluntária, pois poderiam levar alguma vantagem na coleta daqueles

produtos, criando um espaço de ação e ampliando suas redes sociais124

.

Suas lutas dentro das vilas e lugares do Diretório dos Índios também ocorreram em

outro sentido, não raro se deram em comunicação com a metrópole por meio do envio de

requerimentos, cartas e solicitações125

. Almir Diniz de Carvalho Junior, em sua tese de

doutorado, afirma que petições de indígenas enviadas à Coroa foram constantes. Por exemplo,

o rei português D. Afonso VI que governou entre 1643-1683, ficou a par do pedido do

principal126

indígena da aldeia Camucy e de outras diversas manifestações que solicitavam o

Hábito de Cristo e suas respectivas mercês. Tais solicitações eram munidas de documentos

que comprovavam a colaboração e participação dos requerentes no projeto metropolitano

português127.

De acordo com John Monteiro, um dos meios de ação dos índios aldeados foi a

própria utilização dos institutos legais proporcionados pela administração portuguesa, na qual

utilizaram argumentos baseados em certo conhecimento da legislação vigente para buscar

aquilo que lhes era de interesse128

. Acrescenta-se que o uso dessas instituições pelos índios

não foi algo raro naquele momento, pois, segundo Monteiro: “De fato, no inicio do século

XVIII, os índios começavam a conscientizar-se das vantagens do acesso à justiça colonial,

123 Idem, p. 276. 124 ROLLER, Heather Flynn. Colounial Routes: Spatial mobility an community formation in the Portuguese

Amazon. Tese (Doutorado em Filosofia). Stanford University, 2010; Ver também: Idem, Expedições coloniais

de coleta e a busca por oportunidades no sertão amazônico, c. 1750-1800. Revista de História. São Paulo, nº

168, jan./jun.2013, p.201-243; SOMMER, Barbara. Negotiated settlements: native Amazonians and Portuguese

policy in Pará, Brazil, 1758 1798. Ph.D. Dissertation. Albuquerque: University of New México, 2000; SWEET,

David. A rich realm of nature destroyed: The middle Amazonian valley, 1640-1750. Tese (Doutorado em

História), Universidade de Wisconsin, 1974, p. 580. 125 Como nos casos dos índios supracitados. 126 O termo Principal estava relacionado à condição das chefias indígenas, em sua condição original. Após a

instituição do Diretório dos Índios, passou a constituir um dos níveis da administração das povoações coloniais

no Vale Amazônico, sendo exercido, principalmente, por índios ou descendentes de índios.COELHO, Mauro C.

O Diretório dos Índios e as chefias indígenas: Uma inflexão. Campos(7)1: 117-134, 2006, p.129. 127

CARVALHO JUNIOR, Almir Diniz de. Índios cristãos: a conversão dos gentios na Amazônia portuguesa

(1653-1769). Tese (Doutorado em História), Universidade Estadual de Campinas, 2005. 128MONTEIRO, John M. Alforrias, Litígios e a desagregação da escravidão indígena em São Paulo. Revista de

História, São Paulo. nº.120, p.45-57, jan./jul. 1989.

Page 54: "Diz o índio":

54

sobretudo com respeito à questão da liberdade.”129

. Além de disporem de meios legais para

buscarem suas demandas, os indígenas também possuíam um aparato legal criado para

protegê-los, representados pelos cargos como o juiz de liberdade e procurador geral dos

índios130

.

2.2_ Casos “explícitos”: os principais.

Outra forma de perceber as políticas indígenas em meio às políticas indigenistas

esteve no destaque dado ao papel e a atuação dos principais, chefias indígenas que elaboraram

suas ações com base na importância dada a eles pelo projeto metropolitano no Vale

Amazônico. O que chamo de “casos explícitos” é que diante da posição que exerciam como

líderes de suas etnias, canal entre elas e os agentes coloniais, os principais souberam utilizar

tal posição de poder para barganhar determinados benefícios e, em alguns casos, até com mais

facilidade que demais índios.

129Idem. Escravo índio, esse desconhecido In: CHAUÍ, Marilena de Souza, GRUPIONI. Índios no Brasil. São

Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992, p.117. 130A função de “Procurador dos Índios” foi instituída ainda no século XVI. Ele atuava como porta voz das

demandas dos índios aldeados, transmitindo as solicitações indígenas às autoridades competentes como o

Governador e Ouvidor Geral. No ano de 1751 o Ouvidor Geral do Grão Pará e Maranhão, Luis José Duarte

Freire, e o Governador da capitania, João de Abreu Castelo Branco, afirmam que para o cargo de Procurador dos

Índios o sujeito terá como ordenado 200 réis, ter independência dos “moradores e das religiões... possa requerer

o que for a bem dos mesmos Índios; deve também ter capacidade e ciência para tratar das causas das

liberdades...” Ver: Carta ao rei D. José I sobre dois Regimentos referentes aos Índios. Pará, 25 de Outubro de

1751. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na Era Pombalina: Correspondência do governador

e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado – 1751-1759.

Tomo 1, 2ª edição. Edições do Senado Federal, vol. 49-A, 2005, p.100-101. Na documentação do período que analiso, a descrição do cargo de procurador dos Índios aparece em um ofício Intendente geral do comércio,

agricultura e manufaturas, Matias José Ribeiro para Martinho de Melo e Castro sobre a administração dos bens e

rendimentos das povoações: “O Procurador dos Indios, que tem de obrigação promover todos os seus interesses,

responder por eles em todas as cauzas, e dependencias, por cujo trabalho alem dos seis índios, que lhe são

concedidos pelo §3 do regimento das missoens, se aquém paga o competente salario, percebe mais secenta mil

reis de ordenado, sendo tantto esta importância, como a do Escrivão... por todas as povoaçoens, vindo cada huma

a satisfazer porção muita diminuta, e sendo aquele ordenado estabelecido por ordem de s. Mag.e como se

verifica da copia nº 5. Cf: Matias José Ribeiro [Ofício para o secretário de Estado da Marinha e Ultramar

Martinho de Melo e Castro, em 21/11/1783] – Projeto Resgate. AHU – Pará, avulsos, caixa 90, documento 7366.

Cipriano Inácio de Mendonça [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 15/09/1779] – Projeto Resgate. AHU

– Pará, Avulsos, caixa 83, documento 6839. Ver também: MELLO, Márcia Eliane Alves de Souza e. Sobre as

apelações de liberdade dos índios na Amazônia portuguesa no século XVIII. Laboratório de História Social

do Trabalho e Cultura. II Jornada Nacional de História do Trabalho, 2012. Disponível em:

http://antiga.labhstc.ufsc.br/jornada.htm. Acesso em: 20 de agosto de 2012; Idem. Desvendando outras

franciscas: mulheres cativas e as ações de liberdade na Amazônia colonial portuguesa. Portuguese Studies

Review. v. 13, 2005, p. 1-16. Ver também: PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Op. Cit. 1992, p. 121. A autora nos

mostra onde há referências acerca da função de procurador dos índios, Alvará de 26/07/1596, na lei de

09/04/1655 e no Regimento das missões de 1686. Ver: DOMINGUES, Ângela. Op.cit. 2000, p.249-250;

SOMMER, Barbara A. Why Joanna Baptista Sold Herself into Slavery: Indian Women in Portuguese Amazonia,

1755-1798. In: Slavery & Abolition: A Journal of Slave and Post-Slave Studies. Aug., 2012.

Page 55: "Diz o índio":

55

A resistência adaptativa aqui surge como resultado dessa complexa posição que

assumiram: se por um lado colaboraram com os agentes coloniais e com os objetivos

metropolitanos, por outro, atendiam as suas próprias necessidades, como veremos mais

adiante nos casos dos principais Cipriano dos Santos, Romão Vieira, Manuel de Faria e

outros que nessa condição se envolveram em relações de poder e entraram em conflito com

distintos agentes coloniais.

As chefias indígenas sofreram uma profunda transformação na segunda metade do

setecentos com a aplicação do Diretório dos Índios. A lógica colonial se apropriou das

características atribuídas a elas, subvertendo-as para a dinâmica da colonização. Tais chefias

foram introduzidas, e também se introduziram na nova base de poder, tornando-se

importantes intermediários entre mundos distintos que se entrelaçavam – o ameríndio e o

colonial – por exemplo, atuando nos processos de descimento.

Os principais assumiram uma posição privilegiada perante os agentes coloniais. Aos

seus requerimentos e solicitações foi gerada uma atenção especial, preocupada com o poder

de convencimento que tinham diante de suas etnias. Tal atenção respondia ao interesse

metropolitano de conformar as bases de seu poder na região seguindo a lógica implementada

pela legislação vigente. No Directorio, que se deve observar nas Povoaçoens dos Indios do

Pará, e Maranhão em quanto Sua Magestade naõ mandar o contrario, no 9º parágrafo, há

uma clara descrição acerca do tratamento a ser dado aos indígenas:

...grande cuidado que devião ter em guardar aos Indios as honras, e os

privilegios competentes aos seus postos... que sejaõ tratadas com

aquellas honras, que se devem aos seus empregos...131

.

Em 1793, o governador do Pará, Francisco de Sousa Coutinho, escreveu sobre a nação

dos Carajás, afirmando que os mesmos possuíam um relacionamento amigável com os

portugueses e que conseguiu "... que viessem a esta cidade em numero de doze ou treze

comprehendido o seu principal, e sendo tratados com agazalho e humanidade que elles

merecem e que determinam as reaes ordens de Sua Magestade..."132

. O mais interessante é o

que vem a seguir, em nota Coutinho fala sobre a visita do principal Carajás. Nela, podemos

131 DIRECTÓRIO que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão em quanto Sua

Magestade não mandar o contrário. In: ALMEIDA, Rita Heloísa. op.cit., 1997, p. 375. 132 Viagem de Tomás de Sousa Vila Real pelos rios Tocantins, Araguaia e Vermelho, acompanhada de

importantes documentos oficiais relativos à mesma navegação. Revista do Instituto Histórico Geográfico

Brasileiro – RIHGB. Tomo 11, 2ª Ed., 1848: 401-444, p.402-403.

Page 56: "Diz o índio":

56

perceber como os indígenas utilizavam a seu favor a relação que possuíam com os

portugueses:

O principal dos Carajás, que veio no anno passado á cidade,

requerendo-me auxilio para se recolher livre dos insultos que houvera

de receber dos Apinagés, e requerendo-me que queira descer e vir situar-se perto de Alcobaça, mandei um furriel com cinco ou seis

soldados em duas montarias ou igarités a reconhecer a povoação

d´elles e a navegação d´aquelle rio...133

.

Enquanto Francisco de Sousa Coutinho preocupava-se com o descimento dos Carajás,

eles por sua vez, apropriaram-se da aliança com os portugueses para pedir auxílio contra outra

etnia, no caso os Apinagés, o que foi aceito pelo governador. Se por um lado era fundamental

ao governo português o bom trato e análise de tais pedidos face à necessidade de construir

relações de amizade e aliança com lideranças indígenas – já que desta forma estaria

ampliando a possibilidade de garantir a hegemonia política e militar do território – por outro

os próprios povos indígenas, em alguns casos, valeram-se dessa situação para lidar com

conflitos que possuíam com etnias inimigas134

.

Ricardo Medeiros135

afirma que a inclusão dos principais em um cargo de destaque na

colonização como, por exemplo, capitão-mor foi uma forma de negociação política entre as

lideranças indígenas e o poder colonial. As lideranças indígenas eram consideradas

fundamentais no processo de colonização e civilização proposto pelo Diretório dos Índios,

principalmente no que tange ao combate contra os índios de corso136

. Os agentes da

administração colonial, cientes de tal importância, cediam às reivindicações dos principais.

Na documentação analisada, o caso do Sargento-mor da Vila de Portel – índio

Cipriano Ignácio de Mendonça – é elucidativo137

. Filho do principal Anselmo de Mendonça

133 Idem, p. 403. 134 CARVALHO JUNIOR, Diniz, Almir. op.cit. 2005, p.218. 135 MEDEIROS, Ricardo Pinto de. Participação, conflito e negociação: principais e capitães-mores índios na

implantação da política pombalina em Pernambuco e capitanias anexas. Texto apresentado no XXIV Simpósio

Nacional de História. São Leopoldo, RS. Seminário Temático - Os índios na História: Fontes e Problemas, 12-20

de Julho de 2007. 136 “Índio de corso” ou “gentio de corso” foram expressões utilizadas no período colonial para definir os povos

indígenas que se mantiveram a margem do sistema colonial, não raro, constituíram-se em ameaça aos empreendimentos coloniais. Nesse sentido ver: AMOROSO, Marta Rosa. Corsários no caminho fluvial: Os

Mura do rio Madeira. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). op.cit., 1992, p. 297-310. 137 Uma carta para o diretor da Vila de Portel anuncia a chegada de Cipriano de Ignácio de Mendonça no ano de

1777: “O sargento Maior Cyprianno Ignacio de Mendônça, se o desembaraço, q‟ tem lhe der para proceder como

deve útil poderá ser para ajudar a v.me no augmento dessa Povoação: e lhe agora ahi se recolhe, por mim

bastantem.e advertido, e estimarei, que se comporte como deve, se bem que se me queixou do m.e da Escola, e

de ser esse sujeito o que o costuma intrigar com os Directôres; o que seria a vm.e de avizo para que conhecendo,

que assim hé se possa fazêr retirar o d.o Mestre. (...) Recomendo ao diretor e ao Cipriano para que os demais

índios não façam roças afastadas da povoação, abandonando aquelas que estão distante mas com cuidado para

Page 57: "Diz o índio":

57

da etnia Tapijara, herdando após o falecimento do pai esse cargo, solicitou para a rainha D.

Maria I mais índios para que pudesse mandar na extração das drogas do sertão, pois alegava

estar em condição de extrema pobreza a ponto de não conseguir manter a subsistência de sua

família. Além disso, baseou sua ação na concessão de índios para o principal da Vila de

Oeiras, Manuel Pereira de Faria M. de Campos, o qual se encontrava em situação similar. O

pedido de concessão da solicitação realizada por Cipriano de Mendonça é reforçado pelo

autor do documento quando afirma que sem a garantia da subsistência própria, o principal não

daria conta de:

tratarce pª os seus vassallos e o terem aquelle respeito q‟ V. Mag.e.

manda lhe tenhao na Ley do mesmo Directorio na falta da qual não

pode nehuá républica ser bem adiministrada, e m.to menos o poderão ser os vassalos do Sup.te pella sua rusticid.e...

138

Encontramos em anexo ao documento, requerimentos, certidões, atestados e um

instrumento de justificação que serviram como recursos jurídicos que respaldavam sua

solicitação. O ponto central, nesse caso, é a produção de tais documentos, a qual foi requerida

e buscada pelo principal para que seu pedido fosse respaldado e atendido. Elaborando um

aparato documental jurado, atestado e certificado por representantes da Coroa portuguesa –

como o Vigário, o Tabelião, o Juiz Ordinário e o Desembargador Geral do Comércio – acerca

da sua atuação como líder de sua nação, citando o número de índios sob seu comando,

Cipriano de Mendonça mostrou estar ciente da importância dada a ele no projeto

metropolitano e, além disso, elaborou uma estratégia de ação com base nas instâncias

jurídicas disponibilizadas pela administração lusa.

Diante da política de integração e defesa do território ao Norte da América Portuguesa,

principalmente por meio dos indígenas alçados à condição de vassalos do Rei, era importante

para a metrópole atender às requisições elaboradas por Cipriano de Mendonça. Pois,

conforme atestou Joaquim Antonio de Corrêa Miranda, Vigário da Vila de Portel, o número

de índios sob o controle de Cipriano para os interesses reais era em torno de 1.700, e ainda,

João de Amorim Pereira Carvalho – Professo da Ordem de Cristo e Intendente Geral do

Comércio, Agricultura e Manufaturas da Capitania do Pará – endossou afirmando que o

que os índios não desertem, facilitando outras situaçõens de terras próprias para os seus estabelecimêntos.” (...)

“O índio Cosme Damião vai contemplado com a Patente de Capitão, que pertendêo.” APEP,códice 306,

documento 379, p. 708-709, Pará 17 de Maio de 1777. 138 Cipriano Inácio de Mendonça [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 15/09/1779] – Projeto Resgate.

AHU – Pará, Avulsos, caixa 83, documento 6839.

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58

mesmo colaborava para os índios não fugissem e fossem mantidos à disposição do serviço

real139

.

Rafael Ale Rocha140

elabora um tópico inteiro acerca da trajetória do índio Cipriano de

Mendonça devido à representatividade que o mesmo possuía em suas ações. Para Rocha:

... ao conhecer o privilégio alcançado por outro principal, Cipriano Inácio de Mendonça se sentiu no direito de solicitar regalias

semelhantes. O serviço prestado ao rei – em especial „o governo‟ dos

índios de sua „nação‟ –, mostra o papel importante de Cipriano de Mendonça enquanto intermediário entre as demandas dos oficiais e os

índios de sua „nação tão numerosa‟. Finalmente, de acordo com o

requerimento, Cipriano justificava a solicitação apontando que

precisava de meios para se distinguir dos demais índios e, portanto, incutir em seus „vassalos‟ o „respeito‟ que estes deveriam lhe

apresentar – na conformidade do Diretório. Enfim, tratava-se de

uma troca: O Diretório – e poderíamos acrescentar o rei e as

demais legislações indigenistas do período – deveria reforçar,

legitimar e garantir o poder dos principais, pois era através da sua

condição de intermediário que se tornava possível a administração

dos índios, das vilas e, finalmente, da „República‟ como um todo; o

principal, por outro lado, deveria ser leal ao rei e manter sob seu

comando considerável número de índios141

.

Situação similar a de Cipriano Ignácio é narrada por Francisco Cancela ao abordar a

trajetória do índio Manuel Rodrigues de Jesus, na Vila de Belmonte na capitania de Porto

Seguro no final do século XVIII142

. Segundo Cancela, Belmonte possuiu uma tradição de

lideranças indígenas que procuraram negociar melhores condições de vida, elaborando ações

em diálogo com o projeto metropolitano português. Uma dessas lideranças, Manuel

Rodrigues de Jesus, acumulava duas funções, a primeira era na condição de prático, que lhe

gerava ganhos, e a segunda função era exercida no posto de capitão, serviço não remunerado.

Não conseguindo exercer as duas posições, e logo encontrando dificuldades para

manter a sua sobrevivência e da família, solicitou ao governador um pedido de aquisição de

soldo, o que lhe foi negado. Insatisfeito, Manuel Rodrigues buscou outras instâncias legais e

solicitou da Câmara um atestado de seus feitos para levá-los ao rei de Portugal. O principal

indígena então embarcou com destino a Portugal, apresentou os documentos e buscou aquilo

que acreditava serem seus direitos:

139 Cipriano Inácio de Mendonça. Idem. 140

ROCHA, Rafael Ale. Oficiais índios na Amazônia pombalina: Sociedade, Hierarquia e Resistência (1751-

1798). Dissertação de mestrado. Universidade Federal Fluminense, 2009. 141 Idem, p.86. Grifo meu. 142 CANCELA, Francisco. op.cit., 2008.

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59

Ao embarcar para o Reino com objetivo de conquistar direitos

legalmente assegurados e, principalmente, ao construir estratégia

argumentativa que reforçava seu lugar e papel na sociedade colonial, Manuel demonstrou que possuía não só uma noção peculiar de ação

política, como também uma consciência histórica de sua posição como

índio súdito do Rei143

.

Além de Cipriano, encontramos na documentação o caso do índio Romão Vieira144

,

morador da vila do Conde, que solicitou para D. Maria I uma carta de confirmação da patente

no posto de principal dos índios Pacajaz. No decorrer do processo, foi solicitada ao

requerente uma certidão “... do que se havia praticado com seu antecessor...”145

a qual serviria

como legitimação dos atos realizados por ele, entretanto, mesmo com a certidão não sendo

encontrada, a carta patente foi concedida pelo governador José Nápoles Telo de Menezes.

Sobre a questão acerca da legitimação da função de principal pela coroa

metropolitana146

, consideramos, como nos casos supracitados, que o atendimento à solicitação

do índio Romão Vieira foi realizado, pois o projeto desenvolvido para o Vale Amazônico via

nos principais uma chave para o êxito dos seus objetivos vinculados à integração dos povos

indígenas. Naquela condição ele seria considerado mais “... útil ao Estado, por de vez haver

q.m aproveite os indioz q Sam necessários...”147

.

Esse princípio já estava presente nas Instruções Régias, Públicas e Secretas para

Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Capitão general do Estado do Grão Pará e

Maranhão uma vez que o parágrafo segundo advertia:

O interesse público e as conveniências do Estado que ides

governar, estão indispensavelmente unidos aos negócios pertencentes à conquista e liberdade dos índios, e juntamente às

missões, de tal sorte que a decadência e ruína do mesmo Estado, e as

infelicidades que se têm sentido nele, são efeitos de se não acertarem ou de se não executarem, por má inteligência, as minhas reais

ordens...148

.

Por outro lado, percebemos que o próprio indígena buscou uma condição a qual lhe

traria benefícios diante a sua etnia e à sociedade colonial, fator este reforçado pelo governador

143 Idem, p.6. 144 Romão Vieira [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 31/01/1787] – Projeto Resgate. AHU – Pará,

Avulsos, caixa. 96, documento 7626. 145 Id. 146 Ver: COELHO, Mauro C. Op.cit. 2006; ROCHA, Rafael Ale. Op.cit. 2009. 147 Romão Vieira. Idem. 148

Instruções Régias, Públicas e Secretas para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Capitão general do

Estado do Grão Pará e Maranhão. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na era pombalina:

correspondência inédita do governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier

de Mendonça Furtado. Brasília: Senado Federal, p. 67-80, 2005, p.68.

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60

Telo de Menezes ao afirmar que naquele posto o principal teria “... todas as Honras,

Privillegios, Liberdades, izempções, e Franquezas que lhe competirem.”149

. E, ainda, vale

atentar para o fato de que Romão Vieira fez isso utilizando os códigos europeus, ao declarar

sua condição de neto do antigo principal dos Pacajáz, portanto, valorizando o princípio da

hierarquia e hereditariedade.

Romão Vieira e Cipriano dos Santos são os casos no qual a documentação nos

apresenta maior riqueza de detalhes, contudo, existem outros que nos mostram que os

principais estavam envolvidos em distintas tensões sociais no Vale Amazônico. Por exemplo,

o principal de Monsaraz na década de 1790 recebeu uma carta do governador Francisco de S.

Coutinho na qual dizia:

He de admirar que contra as ordens mais expressas se atreva vossa

mercê a negar os Indios pertencentes às canôa do contracto, expondo os habitantes desta cidade a extremidade de faltar a carne preciza para

seu consumo.

Dessa Povoação faltão 28, e logo que este lhe for entregue, sem duvida, demora, ou disculpa alguma fará entrar a quem lhe aprezentar

por parte do contractador o numero compentente de Indios, ou o maior

que puder ser ficando-me responsavel por qualquer falta. E advertirá aos mesmos Indios que logo que forem apprehendidos alguns, que

tenhão dezertado e desamparado as canoas expondo-as ao perigo a que

tem sido expostas ultimamente algumas serão por mim asperamente

castigados150

.

Nesse mesmo sentido, o principal da vila Melgaço, em 18 de Fevereiro de 1790,

recebeu uma carta do mesmo governador dizendo que:

He estranho que vossa mercê depois de Eu ter dado as mais pozitivas

e terminantes ordens para que cuidasse em applicar os Indios a

grandes rossados para arroz, algodão, urucu, e mais generos, a que fossem próprios as terras somente em tanto tempo, e sendo tão

numeroza a População fizesse dois únicos Rossados, e em mão

terreno: Por esta cauza ordeno a vossa merce que pondo a prompa emmediatamente ao receber esta a gente necessaria, e que o Director

quizer, com elle os applique a novos e grandes rossados, sem faltar a

plantação dos que estão feitos, e ficará vossa merce na certeza de que

não o executando assim será asperamente castigado, pois assim como os Indios devem ser tratados sem violencia, assim também devem ser

applicados ao trabalho, e he vossa merce que deve dar-lhe o exemplo.

Abstenha-se vossa mercê de entrar em particularidades, e intrigas como me consta, e cuide somente em satisfazer a sua obrigação: Aos

outros officiais terá esta minha carta, para que fiquem na intelligencia

que devem observar151

.

149 Romão Vieira. Id. 150 Francisco de Souza Coutinho, Arquivo Público do Pará, doravante, APEP, códice 466, documento 72. 151 Francisco de Souza Coutinho, APEP, Códice 466 Documento 127.

Page 61: "Diz o índio":

61

E o principal de Soure, segundo Coutinho,

não fez bem em apprehender o Peixe, que vossa mercê mesmo diz

legitimamente pertencia ao Director, pelo que o mandará entregar com

toda a promptidão, e sem prejuizo, ou damnificação alguma a mulher do dito Director ou a elle.

Cuide em fazer grandes Rossados para o commum, e a obrigar os

Indios a que facão as maiores Rossas que lhe for possível, e a que todos vivão em paz, e socego.

152

Três casos indicativos de situações diversas nos quais os principais estavam

envolvidos. Por algum motivo o principal de Monsaráz não enviou índios para a canoa do

contrato, fator esse que deixou o governador admirado, o principal de Melgaço foi advertido

por não cumprir as ordens que lhe tinham sido passadas e, por fim, o principal de Soure

tomou posse do peixe que pertencia ao diretor da Vila. Mesmo sem revelar os motivos de suas

ações elas já nos mostram que mesmo inseridos na estrutura burocrático-administrativa

lusitana na Amazônia, isto é, recebiam correspondências do governador informando seus

afazeres e desfazeres, eram responsáveis por disponibilizar a mão de obra indígena aos

diretores, também agiam conforme a situação lhes exigia, o que nem sempre estava em acordo

com as ordens da administração colonial.

2.2.1_ Manuel Pereira de Faria, o principal que desafiou o governador.

O caso que tratamos agora é um dos mais reveladores das relações de poder que os

principais se envolveram, por isso seu destaque. Em 1º de Março de 1785, Manuel Pereira de

Faria, principal da vila de Oeiras e mestre de campos de Auxiliares153 (o mesmo índio que foi

citado no requerimento do principal Cipriano de Mendonça e que teve sua solicitação

atendida, o qual fizemos anteriormente) enviou uma carta para a rainha D. Maria I queixando-

se das ofensas proferidas pelo governador do Estado Martinho de Sousa e Albuquerque154.

152 Francisco de Souza Coutinho, APEP, Códice 466, documento 64. 153 Não foi a primeira vez que o principal Manuel de Faria entra em contato com a Corte portuguesa. Já no ano

de 1767 ele enviou um requerimento para o rei D. Jose I solicitando a patente no posto de mestre de campo. Cf.

Manuel Pereira de Faria [Requerimento para o rei D. José I, anterior a 17/06/1771] – Projeto Resgate. AHU,

Pará (avulsos), caixa 67, documento 5752. 154 Manuel Pereira de Faria [Carta para a rainha D. Maria I, em 01/03/1785] – Projeto Resgate. AHU, Pará

(avulsos), caixa 94, documento 7484.

Page 62: "Diz o índio":

62

O governador teria lhe ofendido publicamente, chamando-o de “negro”, “cachorro”

ameaçando-o, ainda, de lhe expulsar do seu cargo, provavelmente porque o principal tinha

negado um pedido do próprio governador para que cedesse determinado número de índios

para o diretor da Vila de Portel, José de Anvers.

As acusações contra o governador continuam na medida em que apontam as

constantes fugas e deserções de índios, e que o mesmo ainda isenta o dito José de Anvers de

portarias para obter indígenas, motivo pelo qual Manuel de Faria não tinha concedido a mão

de obra solicitada. José de Anvers, que já tinha sido Diretor em outras povoações como em

Cintra, Oeiras e Melgaço, é ainda apontado como sujeito que comercializava aguardente com

os povos indígenas com a ciência do governador, fator esse que contrariava diretamente os

parágrafos de número 40 e 41 do Diretório dos Índios155

.

Após pouco mais de um ano, em Julho de 1786, Martinho de Sousa e Albuquerque

enviou uma carta para a rainha sobre a representação do índio Manuel Pereira de Faria,

afirmando que não proferiu tais ofensas e não o ameaçou de lhe retirar o posto de Mestre de

Campo de Auxiliares:

... por ter para isso pozitiva ordem de V. Mag.e., e menos ordenasse

ele se viesse appresentar na salla do palacio todas as semanas nos dias

de quarta feiras, e sábados, mas antes passados poucos dias, elle me procurou, tendo-o ja antes convidado para jantar na minha mesa, e lhe

ordenei emfim se recolhesse á sua Villa, sendo esta a verdade que se

passou e de que eu confesso lembrança156

.

Martinho de Sousa e Albuquerque protestou do requerimento contra ele, citando o Juiz

de Fora José Pedro Fialho de Mendonça, o Coronel Manoel Joaquim Pereira de Souza Feijó e

155

Os parágrafos 40 e 41 do Diretório tratam de como era prejudicial a aguardente aos índios: “Ficando pois na

liberdade dos Índios ou vender seus frutos por dinheiro, ou comutá-los por fazendas, na forma que costumaõ as

mais Naçoens do Mundo; sendo innegavelmente certo, que entre as mesmas fazendas, humas são nocivas aos

Índios, como he a aguardente, e outra qualquer bebida forte; e outras se devem reputar superfluas, attendendo ao

miseravel estado a que se achaõ reduzidos; naõ consentiraõ os Directores, que elles comutem os seus generos por

fazendas, que lhe não sejaõ úteis, e precisamente necessarias para o seu decente vestido, e das suas familias, e

muito menos por aguardente que neste Estado é o siminario das maiores iniquidades, perturbaçoens, e desordens.

E como para extinguir totalmente, o injusto, e prejudicial commercio da aguardente, não bastaria só prohibir aos

Índios ocumutarem por ella os seus effeitos, não se cominando pena grave a todos aquelles que costumaõ

introduzir nas Povoações este perniciosissimo genero: Ordeno aos Directores, que apenas chegar ao Porto das suas respectivas Povoaçoens alguma Canôa, ou outra qualquer embarcaçaõ, a vaõ logo examinar pessoalmente,

levando na sua companhia o Principal, e o Escrivaõ da Camera; e na falta destes a Pessoa, que julgarem de maior

capacidade; e achando na dita embarcaçaõ aguardente; (que naõ seja para o uso dos mesmos Índios que arremaõ

na forma abaixo declarada), prenderaõ logo o Cabo da dita Canoa, e o remetteraõ a esta Praça a ordem do

Governador do Estado; tomando por perdida a dita aguardente que se aplicará para os gastos da mesma

Povoação, de que se fará termo de tomada nos livros da Câmera assignada pelos Directores, e mais pessoas que a

presenciarem.” DIRECTÓRIO que se deve observar... In: ALMEIDA, Rita Heloísa. Op.cit., 1997, p. 392 156 Martinho de Sousa e Albuquerque [Carta para a rainha D. Maria I, em 26/07/1786] – Projeto Resgate, AHU,

Pará (avulsos), caixa 95, documento 7572.

Page 63: "Diz o índio":

63

o ex-governador da capitania, José de Nápoles Telo de Menezes, como responsáveis por

elaborarem essa querela:

... nos quaes so tenho reconhecido no tempo do meu Governo caracter

e intelligencia para juntar dezordens, não tenho com tudo o deixado de

procurar todos os suaves meios de os capacitar a viverem em união... supportando-os, quanto me he possível... porem os seus genios

turbulentos se não conformão com o meu modo de pensar... elles

procurando sustentar hum partido contrario do governo, intretem huma correspondencia para essa côrte com o sobredito meu

antecessor, o qual ali formaliza os requerimentos, que bem lhe parece,

e em nome de pessoas que para tal não concorrerão, como se pode acreditar do presente....

157.

Em anexo ao documento encontramos uma atestação autenticada, escrita por Mathias

José Ribeiro, Ouvidor Geral, afirmando que o governador não destratou Manuel Pereira de

Faria. No entanto, alguns pontos dessa querela requerem uma leitura mais ampla: não temos

como afirmar se o principal foi destratado publicamente ou não, contudo, a própria resposta

de defesa do governador nos mostra que algumas das acusações feitas contra ele foram reais.

Como por exemplo, ao tratar da acusação acerca do comércio ilegal com os índios o

governador afirma que ocorreu uma subversão na denúncia, na medida em que ele não nega

que o diretor de Portel possuísse comércio de aguardente, entretanto, tal comércio seria

voltado para os brancos158.

O importante nesse momento é que a questão indígena foi predominante. O índio

Manuel Pereira de Faria esteve no centro de uma tensão que envolveu agentes administrativos

coloniais importantes em uma disputa pelo poder. Quando Martinho de Sousa é acusado de

tê-lo chamado de “negro” há referência direta ao 10º parágrafo da Lei do Diretório dos Índios:

Entre os lastimosos principios, e perniciosos abusos , de que tem resultado nos Indios o abatimento ponderado , he sem duvida um

delles a injusta , e escandalosa introducçaõ de lhes chamarem Negros ;

querendo talvez com a infâmia , e vileza deste nome , persuadir-lhes , que a natureza os tinha destinado para escravos dos Brancos , como

regularmente se imagina a respeito dos Pretos da Costa de Africa. E

porque, além de ser prejudicialissimo á civiliadade dos mesmos Indios

este abominavel abûso, seria indecoro ás Reaes Leys de Sua Magestade chamar Negros a huns homens, que o mesmo Senhor foi

servido nobilitar , e declarar por isentos de toda, e qualquer infâmia ,

habilitando-os para todo o emprego honorifico: Naõ consetiráõ os Directores daqui por diante, que pessoa alguma chame Negros aos

Indios, nem que elles mesmos usem entre si desse nome como até

157 Idem. 158 Id.

Page 64: "Diz o índio":

64

agora praticavaõ ; para que comprehendendo elles , que lhes naõ

compete a vileza do mesmo nome, possaõ conceber aquellas nobres

idéas, que naturalmente infudem nos homens a estimação , e a honra

159.

Afirmar que um dos responsáveis por colocar em prática o projeto metropolitano para

o Vale Amazônico estava indo de encontro ao que previa a letra da lei era uma acusação séria.

Sousa e Albuquerque, de maneira geral, negou as acusações e ainda destacou o bom trato

dado ao principal da vila de Oeiras, inclusive convidando-o para jantar em sua casa. Na

referida atestação, havia uma menção na qual Manuel de Faria confirmava o que o governador

escrevera.

O Juiz de Fora José Pedro Fialho de Mendonça e o Coronel Manoel Joaquim Pereira

de Souza Feijo, juntamente com Telo de Menezes, poderiam ter utilizado em proveito da

intriga gerada pela discussão entre Manuel de Faria e Martinho de Sousa. Procurando se livrar

da acusação, este por sua vez procurou o índio para uma solução que lhe beneficiasse, o que

de fato é percebido na atestação do indígena. Se ocorreu dessa forma, a atuação do principal

foi fulcral para a resolução da questão; do contrário, se tudo fora um plano engenhoso contra

Martinho de Sousa e Albuquerque, Manuel de Faria ainda possuía um papel central no

conflito, demonstrando-nos a imbricada relação social e de poder em que estava envolvido.

2.3_ Estratégias, apropriações e resistências.

Grande parte da documentação analisada provém de indígenas que não ocuparam

cargos como os de Cipriano de Mendonça, Manuel Rodrigues de Jesus, Romão Vieira e

Manuel Pereira de Faria. Alguns deles queriam fazer valer a lei em vigor, utilizando-a para

reclamarem de maus tratos, solicitarem liberdade, entre outras demandas. Todavia, considero

que a natureza da ação é semelhante, pois, independente do solicitado e do cargo assumido

diante do projeto português, principais e demais índios aldeados pautaram suas estratégias de

luta e buscaram por seus direitos a partir da construção de uma leitura da lei, apropriando-se

dela e a ressignificando160

.

159 DIRECTÓRIO que se deve observar... In: ALMEIDA, Rita Heloísa. Op.cit., 1997, p. 375-376. 160 No que tange aos processos de ressignificação, Maria Regina Celestino de Almeida ao analisar as populações

indígenas aldeadas do Rio de Janeiro como parte de um processo de interação entre diferentes agentes sociais da

Colônia, destaca tais aldeias como espaço de ressocialização. A autora aduz que os povos indígenas conseguiram

aprender novas formas de lidar com a sociedade colonial buscando vantagens que aquela condição lhes gerava.

Ver: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV,

2010.

Page 65: "Diz o índio":

65

Tal processo – leitura (formulação de uma compreensão), apropriação e

ressignificação – deve ser dimensionado considerando as múltiplas experiências vividas pelos

agentes históricos e pelas transformações que aquela sociedade colonial passou. Sendo assim,

a legislação e as mudanças sócio-espaciais norteadas por meio dela devem ser consideradas

como campo de luta161

na medida em que índios, colonos, religiosos – entendidos a partir de

uma construção histórica de experiência – atuaram por meio de conflitos, agrupamentos e

associações com as quais estabeleceram relações sociais, por vezes de reconfiguração do meio

e do espaço social162

.

Compreendidas como instrumentos de ação, as políticas indígenas – no âmbito do

Diretório dos Índios – foram percebidas através da dinâmica social construída por tais grupos

ou indivíduos. Acreditamos que os indígenas, no cotidiano das povoações do Diretório, ou

envolvidos por esse sistema, procuravam determinada autonomia em face das políticas de

controle impostas pela metrópole e colonos.

Dessa forma, as ações dos índios aldeados demonstram, por um lado, a pretensão à

autonomia, e nos indicam que o processo de colonização foi percebido por eles como uma

possibilidade em virtude do distanciamento das tradicionais formas de movimentação em seu

mundo. De outro lado, elas apontam para a inserção daqueles indígenas na sociedade colonial

– sugerindo que eles perceberam e reconheceram uma autoridade a qual, de uma forma ou de

outra, estavam submetidos, porém, de uma maneira própria e distinta da prevista na

legislação.

Destarte, partindo das considerações sobre o caráter colonial da legislação e dos

conflitos e rearranjos estabelecidos no Vale Amazônico163

, acredito que o estabelecimento

daquela lei e as diversas apropriações dela – seja por parte dos colonos seja por parte dos

índios aldeados – fizeram com que surgissem alternativas para os povos indígenas que

estavam além das fugas das povoações nas quais foram estabelecidos. Alternativas que os

161 Ver: THOMPSON, Edward. P. Senhores e caçadores: a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1987. Thompson, referindo-se à Lei Negra na Inglaterra do século XVIII, considera que além de um instrumento

de tentativa de domínio, a legislação tem sido um espaço onde os conflitos sociais tem ocorrido. 162 Idem. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Já afirmamos que as políticas indígenas, entendidas como instrumento de ação dos índios aldeados, foram

construídas a partir de uma relação histórica baseada na experiencia gerada pelo contato com os europeus.(Ver

nota 17) Ampliamos tais considerações utilizando o conceito de experiência histórica abordado por E. P.

Thompson para nos ajudar na percepção dos povos indígenas aldeados como membros da sociedade que

formularam parâmetros de comportamento e ação baseados nas distintas experiências que protagonizaram com

os colonos no Vale Amazônico. Em outras palavras, os indios aldeados não agiram simplesmente por meio de

respostas espasmódicas às políticas indígenistas implementadas na região, suas ações possuiram uma lógica

própria. 163 COELHO, Mauro C. op. cit. 2005a.

Page 66: "Diz o índio":

66

índios souberam manejar em busca de benefício próprio diante do que lhes era requerido

pelos colonos – força de trabalho – e pela Metrópole – motor populacional da região.

Essa dissertação, portanto, trata das estratégias e ações construídas pelos índios em

busca de seus próprios interesses diante dos limites que aquele contexto lhes impunha.

Percebermos o universo de relações e tensões sociais significa conferir ao indígena e ao seu

papel exercido no processo de colonização a condição de sujeito histórico ativo.

Entendemos que as estratégias criadas pelos indígenas do Vale Amazônico e

analisadas neste trabalho são uma forma de resistência adaptativa, na medida em que, em

meio a um jogo de distintas forças, utilizaram um conhecimento adquirido ao longo do

processo de colonização com o intuito de almejar ganhos – ou menores perdas – que só

poderiam garantir conforme se aproximassem da sociedade colonial. Demonstram, conforme

nossa análise, uma percepção acerca da nova ordem que estava se estabelecendo, adaptando-

se, resistindo e reelaborando novos sentidos àquele universo em transformação.

Page 67: "Diz o índio":

67

PARTE II

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68

Capítulo III

POLÍTICAS INDÍGENAS NO GRÃO-PARÁ E A REDIMENSÃO DO

DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS

Page 69: "Diz o índio":

69

3_ “Dis o índio...”

“Dis a india Patronilha da Villa de Beja comarca do Parâ...”. 164

Ano de 1779.

“Dis a india Maria Silvana moradora adjunta da Villa de Cintra da Capitania do Grão Pará...”.

165

Ano de 1785.

“Dis o Indio Romão Vieira morador da Vª de Conde da capitania do Estado do gram Para...”.

166

Ano de 1787.

“Dis a india...” e “Dis o indio...” são as palavras iniciais de parte da documentação

analisada nesse capítulo. Elas estão relacionadas à tentativa dos índios aldeados do Grão-Pará

e Rio Negro em buscarem, por vias legais, aquilo que consideravam seus direitos. Nas fontes

que analisamos, encontramos um padrão que ocorre pela identificação dos indígenas em seus

requerimentos através do nome cristão e da vila na qual estavam fixados, sendo dois fatores

indicativos de seus lugares e participações no projeto metropolitano.

Não podemos deixar de considerar que a identificação por meio dos nomes cristãos e a

remissão às vilas de origem podem ser consideradas apenas uma exigência da administração

colonial, no entanto, analisando essa documentação com mais afinco, percebemos que mesmo

se tratando somente disso, esse padrão é indicativo do lugar social destinado aos índios: eram

obrigados a seguir determinadas normas e realizar variados tipos de trabalhos, contudo, por

outro lado, foram possuidores de certos direitos e quando precisaram, souberam buscá-los.

Ao lidar com esse jogo de deveres e direitos, alguns dos ameríndios inseriram-se na

dinâmica colonial, apropriando-se dos códigos culturais europeus e os utilizando para

moverem-se e adaptarem-se dentro daquele universo, seja por meio dele ou pelas suas

margens. As políticas indígenas analisadas neste capítulo são entendidas como instrumento de

resistência adaptativa ao processo de colonização e civilização dos índios no Vale

Amazônico.

Em seu conjunto, esses aspectos dão conta do objetivo da dissertação e do que

discutiremos neste capítulo, todavia, antes de iniciarmos a análise dos mesmos, é importante

ressaltar que a percepção das ações indígenas perante as mudanças ocorridas no universo do

Vale Amazônico não é uma tarefa fácil. Ela nos remonta a uma problemática: “dar voz” ao

164 Patronilha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 06/01/1779] – Projeto Resgate. AHU – Pará

(avulsos), caixa 82, documento 6700. 165

Maria Silvana [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 07/06/1785] – Projeto Resgate. AHU – Pará

(avulsos), caixa 94, documento 7507. 166 Romão Vieira [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 31/01/1787] – Projeto Resgate. AHU – Pará

(avulsos), caixa. 96, documento 7626.

Page 70: "Diz o índio":

70

índio perante um tipo de documentação que reproduz o discurso do colonizador e, na maior

parte dos casos, apenas realiza uma breve menção ao modo como ocorreu a atuação indígena

no mundo colonial.

Alguns documentos analisados apresentam uma reprodução da fala do índio, ou

melhor, há uma dotação de voz, pois os autores dos documentos imprimem uma sentença que

seria proferida pelo indígena. Sendo assim, devemos levar em conta que ao transcreverem as

solicitações realizadas à Corte e às demais instâncias administrativas as quais os indígenas

recorreram, os agentes que produziram essa documentação o fizeram a partir dos filtros

culturais do discurso colonial. Isso quer dizer que as ações dos povos indígenas foram

relatadas pelos agentes da colonização, e devem ser compreendidas por meio de uma análise

dos contextos nos quais estavam inseridos.

Carlo Ginzburg no texto “O inquisidor como antropólogo” chega a conclusões

importantes que nos serve para lidar com nossa problemática. Ginzburg possuía um problema

concreto: chegar ao agente histórico pretendido por meio do discurso de outrem, para isso,

analisou as implicações do uso de fontes escritas para o trabalho do historiador, por meio de

uma analogia entre o inquisidor e o antropólogo167, (comparando os instrumentos utilizados

por cada um deles, no caso, registros judiciários como cadernos de anotações), e sugeriu que

os historiadores que trabalham com uma sociedade não contemporânea acabam por utilizar

fontes orais, haja vista serem, fundamentalmente, registros escritos de relatos orais.

Esse raciocínio é importante por dois motivos: mesmo tratando de documentos

específicos, como os processos inquisitoriais da Baixa Idade Média e início da Idade

Moderna, Ginzburg nos leva a refletir acerca da natureza da documentação que utilizamos

nesta dissertação. Alerta-nos para a existência da natureza dialógica que tais registros

possuem, e, ainda, para os cuidados que devemos tomar ao tentarmos analisá-los, pois são

documentos que não possuem neutralidade e são frutos de uma relação específica e desigual

entre agentes históricos.

O corpo documental analisado nesse capítulo se aproxima daquele abordado pelo

historiador italiano, pois, assim como nos inquéritos produzidos entre agentes da inquisição e

réus, ele possui uma estrutura dialógica que foi construída a partir do contato entre – no caso

de nosso objeto – o índio aldeado e um agente da administração portuguesa. Portanto, a

analogia realizada por C. Ginzburg, revela itens importantes que nos ajudam na compreensão

de fontes históricas nas quais é necessário “... captar por trás da superfície lisa do texto um

167 GINZBURG, Carlo. O inquisidor como antropólogo. In: Os fios e rastros: verdadeiro, falso e fictício. São

Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 280-293.

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71

sutil jogo... Devemos aprender a desembaraçar os fios multicores que constituíam o

emaranhado desses diálogos.”168

Em outra obra, intitulada “O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro

perseguido pela Inquisição”, Ginzburg percebeu o universo que permeava Domenico

Scandella – conhecido como Menocchio, e como ele se inscrevia naquele mundo – por meio

dos documentos inquisitoriais, ou seja, através dos olhos, ouvidos e escritos do inquisidor.

Sobre o tipo de fonte utilizada nesse trabalho (em sua maioria manuscrita) o historiador

afirma:

... por serem escritas, e em geral, de autoria dos indivíduos (...) ligados à cultura dominante (...) pensamentos, crenças, esperanças dos

camponeses e artesãos do passado chegam até nós através de filtros e

intermediários que os deformam.169

Entretanto, Ginzburg aduz: “... o fato de uma fonte não ser „objetiva‟ (mas nem

mesmo um inventário é „objetivo‟) não significa que seja inutilizável.”170. O elemento da

investigação histórica nos mostra que toda documentação tem que ser entendida a partir de

uma leitura crítica que leve em conta sua produção, seus autores e o contexto de sua

elaboração. Sendo assim, “dar voz” ao índio implica nas seguintes questões: Como distingui-

la do discurso colonial e dos interesses e objetivos relacionados ao processo de conquista e

civilização dos povos indígenas da América portuguesa171? Como sabermos se os

requerimentos apresentados pelos índios realmente mostram uma demanda indígena? As

respostas para essas perguntas começam a ser desenvolvidas nos parágrafos seguintes.

Francisco Cancela172 ao levantar a questão sobre “Como desvendar a voz do índio em

fontes escritas por não-índios?” afirma que são três as principais artimanhas necessárias à

essa operação histórica: a primeira é a dúvida acerca da natureza documental, é o exercício no

qual questionamos sobre a autoria do documento e o contexto da época que foi produzida a

documentação, colocando em dúvida as informações apresentadas na fonte histórica.

168 Idem, p. 287. 169 Idem. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 17. 170 Ibidem, p.20. 171 Cabe lembrar aqui uma questão conceitual. A América portuguesa é definida por três territórios

independentes, ou como Francisco Jorge dos Santos afirmou: “... constituí-se em três grandes blocos coloniais...”

sendo o Estado do Brasil, Estado do Maranhão e Piauí e o Estado Grão-Pará e Rio Negro. Ver: SANTOS,

Francisco Jorge dos. Política indigenista versus política indígena na capitania do Rio Negro durante a

governação do coronel Manuel da Gama Lobo d‟Almada (1788-1799). In: XXII Simpósio Nacional de

História, João Pessoa. Anais. ANPUH, 2003, p. 1. Disponível em: http://anpuh.org/anais/wp-

content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S22.249.pdf. Acesso em: 20 de junho de 2012. 172 CANCELA, Francisco. “Você quer voltar à oca”: armadilhas, artimanhas e questões da pesquisa histórica

sobre os povos indígenas. Revista História em Reflexão. Vol. 3 nº 5 – UFGD, Dourados, jan,/jul, 2009, p. 15.

Page 72: "Diz o índio":

72

A segunda relaciona-se à ampliação e cruzamento de fontes. Temos que lidar com

documentos distintos e cruzá-los entre si, ampliando as informações sobre o objeto

pesquisado, sendo assim, a reconstrução do processo histórico não pode ser limitada a apenas

uma única fonte, devemos ampliar o leque documental com a intenção de abordar as distintas

visões dos sujeitos envolvidos na experiência histórica.

Por fim, a leitura das fontes em sua totalidade percebendo as omissões e o que está

explícito e implícito. De acordo com o autor:

... a lógica do diálogo com essas fontes deve estar pautada nas

possibilidades abertas pelas evidências, encarando os indícios como um ponto de partida para interpretações históricas que deem conta de

explicar as experiências humanas vividas no passado.173

Considero que essas três artimanhas, em geral, fazem parte do trabalho do historiador,

não somente aquele relacionado à história indígena, mesmo assim, cabe lembrá-las e tomá-las

como ponto de partida em nossa análise. Essas concepções tornam-se importantes para o

trabalho já que nos ajudam refletir acerca do conjunto documental analisado, haja vista que na

relação existente entre os indígenas, que procuraram levar suas petições e requisições à Coroa

portuguesa, e os agentes coloniais responsáveis pela escrita das mesmas existem símbolos e

códigos distintos em constante tensão.

A reflexão elaborada por Cancela norteou a análise da documentação. Procuramos

examinar os interesses que envolviam o acesso dos índios à administração colonial, como

ocorreu tal processo e, ainda, diante da aplicação da legislação indigenista, perceber

determinados indícios que nos revelassem as demandas dos índios aldeados. Para isso, o

cruzamento das fontes que tratam de correspondências entre as autoridades coloniais e os

próprios requerimentos dos índios aldeados foi fundamental.

Os registros deixados pelos agentes da colonização em contato com os índios podem

resultar na percepção das ações e estratégias indígenas, pois eles revelam as relações entre as

políticas indígenas frente às políticas indigenistas. Mesmo escritos por não-índios, os registros

nos mostram como os povos indígenas lidaram com a sociedade colonial, como resistiram e

se adaptaram àquele espaço em transformação. Ajudam-nos na percepção do universo de

relações criadas entre índios e não-índios no mundo amazônico no último quartel do século

XVIII.

173 Idem, p.16.

Page 73: "Diz o índio":

73

O objetivo desse capítulo é tratar de determinadas estratégias e ações construídas pelos

índios em busca de seus próprios interesses diante dos limites que aquele contexto lhes

impunha. Temos em conta que os povos indígenas possuíram e possuem participação

fundamental na história do Brasil, atuando para além da questão de mão de obra.

Não foi meu intuito promover a ideia segundo a qual os povos indígenas sempre

souberam driblar e se valer da lei a todo o momento para lidar com a sociedade colonial. Os

episódios que destaco nesse trabalho são indícios de um processo histórico amplo e profundo

que alterou a vida de todos os agentes coloniais da Amazônia Portuguesa. O recorte

estabelecido por mim privilegia os povos indígenas e suas ações, no entanto, esse processo

atingiu toda a sociedade ao propor novas formas de associação e contato entre índios e não-

índios.

Destarte, não se trata de elaborar um discurso em prol dos indígenas, os quais

surgiriam como protagonistas de uma história unilateral ou omitir as mazelas sofridas por

esses povos. Trata-se de perceber a dinâmica construída pelos mesmos nessa história, afinal,

souberam lidar com as relações de poder geridas pela sociedade colonial e este é um dos

pontos que ajudam na compreensão do novo lugar destinado aos índios na historiografia:

sujeito histórico ativo.

3.1_ A legislação de cada dia.

Na segunda metade do século XVIII, o Vale Amazônico tornou-se objeto de maior

atenção para a Coroa lusitana. A definição do tratado de Madri, em 1750, redesenhou as

fronteiras coloniais entre Espanha e Portugal, sendo esse um dos principais fatores que

desencadearam uma série de transformações no norte da América Portuguesa, e também no

cotidiano de milhares de indígenas que ali viviam. Para Portugal, tratava-se de ocupar

definitivamente a região, transformando seus antigos ocupantes, os índios, em vassalos e

povoadores daquele espaço em nome do rei.

Com o intuito de consolidar a presença metropolitana no Vale Amazônico, além de

tornar os indígenas súditos da Coroa, as medidas tomadas por Portugal envolveram um

conjunto de parâmetros que deveriam nortear a vida na região, alguns deles podem ser

elencados como a criação da Companhia Geral de Comércio do Grão Pará e Maranhão (a fim

de intensificar a exploração comercial dos produtos amazônicos e implementar o uso de

escravos africanos como principal força de trabalho); a reconfiguração das antigas aldeias

Page 74: "Diz o índio":

74

missionárias em vilas e povoados sob uma direção secular; a atribuição aos índios como

principais povoadores da região; a transformação das lideranças indígenas aliadas em

funcionários do governo (atuando em cargos civis e militares); o incentivo à agricultura, entre

outros. Ou seja, colocaram em prática uma política com objetivo claro: tornar a colônia

economicamente rentável e concretizar a presença metropolitana na região174.

Para que tais objetivos fossem alcançados, uma estrutura administrativa foi elaborada

englobando desde índios até colonos, isso sob a liderança de Sebastião José de Carvalho e

Melo, mais conhecido na historiografia como Marquês de Pombal, título herdado em 1769.

Nesse contexto, podemos citar a criação do cargo de Diretor, que além de reger a vida dentro

das povoações, era responsável por colocar em prática os dispositivos da legislação. Dentre as

muitas tarefas que lhes competiam, destacamos: administrar as vilas, zelar pelo cultivo das

roças indígenas, incentivar o aprendizado da língua portuguesa, reger o estabelecimento do

comércio entre indígenas e demais colonos e, por fim, juntamente com um pároco, civilizar os

índios175. Nessa conjuntura, para a Coroa, todos foram dotados de papéis específicos e

deveriam colaborar para o bem comum da Colônia.

É claro, isso não quer dizer que todos os indivíduos que moravam na região tomaram

as intenções metropolitanas como suas e sempre viveram dispostos a aplicar os dispositivos

da legislação tal como ela previa. Entre a letra da lei e a sua aplicação havia um universo de

inúmeros fatores que, se não impediam a execução tal como previsto no papel, criavam uma

série de obstáculos. Não raro, ocorreram diversas subversões realizadas tanto por colonos

quanto por índios, como por exemplo, no caso destes últimos, em um claro desvio do que o

Diretório ditava, além de terem estabelecido uma rede de comércio clandestina, ausentavam-

se por determinado período das vilas para fugir de certas tarefas que lhes eram determinadas,

já que as mesmas não lhes apraziam176.

Os povos indígenas que analisamos, não só agiram à revelia da lei, como também a

burlaram, subverteram-na e souberam lidar com as tensões sociais presentes no interior das

174 Cf. DOMINGUES, Ângela. Quando os índios eram vassalos: colonização e relações de poder no Norte do

Brasil na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos

Descobrimentos Portugueses, 2000; COELHO, Mauro Cezar. Do sertão para o mar: um estudo sobre a

experiência portuguesa na América, a partir da Colônia – o caso do Diretório dos Índios (1751-1798). Tese (doutorado) USP: São Paulo, 2005a; SAMPAIO, Patrícia Melo. Espelhos partidos: etnia, legislação e

desigualdade na Colônia. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2011; ROCHA, Rafael Ale. A

elite militar no estado do Maranhão: poder, hierarquia e comunidades indígenas (século XVIII). Tese

(Doutorado em História). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2013; 175 SOMMER, Barbara A. Negotiated Settlements: native Amazonians and Portuguese policy in Pará, Brazil,

1758 1798.Ph.D. Dissertation. Albuquerque: University of New México, 2000. COELHO, Mauro Cezar. op. cit.

2005a; 2005b. ROLLER, Heather Flynn. Colounial Routes: Spatial mobility an community formation in the

Portuguese Amazon. Tese (Doutorado em Filosofia). Stanford University, 2010. 176 Ver capítulo 1, p. 30; Cf. COELHO, Mauro Cezar. op.cit., 2005a, p.224-290.

Page 75: "Diz o índio":

75

povoações utilizando a própria legislação como um instrumento para legitimar suas ações

diante das instâncias legais, redimensionando o próprio aparelho legislativo. Algumas ações

dos índios que veremos nesse capítulo e que consubstanciam a argumentação da dissertação,

estão relacionadas ao processo de fixação em determinada localidade, à tentativa de

agrupamento de familiares na mesma povoação, à solicitação de liberdade pautada na

legislação e à tentativa de escolha para se fixar em casa de determinado colono ou onde lhes

conviesse.

As atitudes protagonizadas pelos povos indígenas revelam a imensa importância que

possuíram naquele contexto e destacam o papel de sujeito social ativo no processo histórico

construído no Vale Amazônico. Embora permeado por um embate de forças desiguais, tal

processo não eliminou a condição dos índios de poderem alcançar alternativas, que visassem a

seus próprios interesses e elaborassem estratégias cotidianas para aquele fim.

Ao analisarmos a documentação referente às vilas do Diretório dos Índios, percebemos

que ocorreu um redimensionamento e conformações sociais promovidas pelos agentes

históricos, inclusive indígenas, no interior das povoações erigidas pela legislação. Isso é

visualizado a partir de uma comparação entre o que a legislação previa, e aquilo que

percebemos nas ações desses agentes.

Um dos exemplos dessas conformações foram as próprias críticas feitas à aplicação da

legislação durante o período em que vigorou. Elas apontavam a má gerência por parte dos

diretores (alvos preferenciais das mesmas), indicavam a utilização da força de trabalho

indígena em tarefas distintas daquelas previstas pela legislação, desvio da renda das

povoações, entre outros. Contudo, mais do que apontar um desvio ou incapacidade de

determinados sujeitos, elas nos indicam transformações, mudanças e adaptações. Mostram

sujeitos que sob a égide da lei, estabeleceram práticas não previstas, e que criaram estratégias

para lidar com o cotidiano.

Ao notarem os diversos problemas que as povoações do Diretório enfrentavam, os

governadores emitiram inúmeros bandos e recomendações, principalmente sobre o

comportamento dos diretores, a respeito do modo com que deveriam lidar com os povos

indígenas. Em 1777, o governador João Pereira Caldas (1772-1780) pediu uma satisfação do

diretor de Monçaráz por ter retirado três índias e dois índios pescadores de D. Anna Maria

Victoria177, e três anos mais tarde, ameaçou o diretor de St.ª Anna do Capim de ser expulso do

cargo, caso o mesmo não “devolvesse” os seis índios que estavam a seu serviço178.

177 João Pereira Caldas, Arquivo Público do Pará, doravante, APEP, códice 306, doc. 306, p. 645-646. 178 João Pereira Caldas, APEP, Códice 306, doc. 88, p. 474; Ver também: códice 356, doc. 248, p.259.

Page 76: "Diz o índio":

76

Casos nos quais os diretores foram apontados como responsáveis por desvios da

aplicação do Diretório foram frequentes, não foi à toa que ocorreram tentativas de coibir

inúmeras transgressões à lei179. Na tentativa de resolver esse problema Pereira Caldas, ainda

no ano de 1774, elaborou o que chamou de um método certo e invariável para regular a

distribuição dos índios capazes de serviço “acautellando tambem por este modo o desvio, q‟

dos ditos Indios se fazia mais facil aos mesmos Directores...”180.

Nesse documento Caldas oferece um modelo de como os diretores deveriam fazer a

relação dos nomes de todos os índios de suas respectivas povoações, além disso, exigia que

fosse informado acerca do tempo que alguns moradores possam ter excedido na utilização de

indígenas para o serviço particular e o porquê de tal extrapolação, sobre a recondução dos

índios que possam ter se ausentado das povoações e, por último, em anexo, um modelo da

“Rellação dos oficiaes, e de todos os mais Indios de 13 a 60 annos de Idade capazes de

serviço, que existem na Freguezia de __________ ao 1 de Julho de 177____________”181.

Se no documento anterior Caldas tentava regular a distribuição anual da força de

trabalho indígena capaz de serviço nas povoações, evitando que houvesse desvio e

desconhecimento da mesma por parte dos diretores, em documento seguinte os acusou de

negligência e omissão no que procedia a arrecadação dos dízimos das povoações e, se

remetendo aos parágrafos 27 a 33 do Diretório dos Índios, ameaçou todos os diretores da

capitania, sem exceção, de suspender seus pagamentos se não prestassem as devidas contas

com a administração do Estado182.

Não foi à toa que o governador se referiu aos parágrafos citados, pois eles dão conta

da cobrança dos dízimos e do pagamento dos diretores. O de número 27 se refere à obrigação

de todas as povoações de pagarem o Dízimo, consistindo na entrega da décima parte de toda a

produção. O 28º descreve como deveria ser realizada a cobrança do dízimo e a

179 Ver: COELHO, Mauro C. Op.cit. 2005a. 180 João Pereira Caldas [Ofício para Martinho de Melo e Castro, em 02/03/1774] – AHU, Pará (avulsos), caixa

72, documento 6113. A tentativa de coibir as extorsões dos pagamentos e bens dos índios foi recorrente nos

governos que seguiram. Por exemplo, alguns anos mais tarde, Martinho de Melo e Castro informa a Martinho de

Sousa e Albuquerque uma nova proposta para a administração de tais bens a qual teria sido idealizada pelo

governador anterior, José Nápoles Telo de Menezes. Cf: Martinho de Melo e Castro [ Ofício para Martinho de

Sousa e Albuquerque, em 01/08/1783] – AHU, Pará (avulsos), caixa 90, documento 7321. 181 Idem. Os espaços deixados em branco estavam destinados a serem preenchidos pelos próprios diretores. 182 João Pereira Caldas [Ofício a Martinho de Melo e Castro, em 02/03/1774] – AHU, Pará (avulsos), caixa 72,

documento 6114.

Page 77: "Diz o índio":

77

obrigatoriedade dos diretores de avaliarem e verificarem as roças dos índios, “levando

comsigo dous Louvados, que sejão pessoas de fidelidade, e inteireza...”183.

Os parágrafos de número 29 e 30 tratam da avaliação das roças dos índios realizada

para se estabelecer a montante da produção e, a partir deste, quanto seria destinado ao

pagamento do dízimo, sendo rigorosamente recomendado que os indivíduos responsáveis pela

avaliação registrassem tudo devidamente.

Do 31º ao 33º parágrafos há o estabelecimento das responsabilidades dos diretores de

prestar contas para o Governo de tudo o que se avaliou, e, no caso de algum extravio ou falta

de prestação de contas “satisfazer a Fazenda Real com todo o damno, que houver.”184 Por fim,

o parágrafo de número 34 define que pertencia aos diretores a sexta parte da produção das

povoações.

O papel dos diretores e os desvios praticados por eles são exemplos de que nas

povoações erigidas pelo Diretório há uma nova configuração social sendo criada a partir da

experiência do dia a dia de diversos indivíduos, uma estrutura que gerou novos significados

para antigas relações sociais, inclusive no que condiz a participação dos indígenas em todo o

processo de transformação do Vale amazônico.

É importante frisar que as reclamações contra esses agentes administrativos não partia

apenas do alto escalão hierárquico na colônia, como no caso do governador Pereira Caldas

que se mostrou especialmente preocupado com a indevida apropriação dos bens e da produção

das povoações feita pelos diretores. Parte dos requerimentos enviados era provinda dos

próprios índios que denunciavam os desvios da lei praticados, principalmente, quando estes

estavam relacionados ao mau trato que recebiam dos diretores.

A legislação, nesse sentido, tomava uma nova configuração quando era aplicada no

cotidiano, são os fazeres e desfazeres dos sujeitos envolvidos por ela que geraram uma nova

dimensão ao que o Diretório previa. As práticas desviantes, denúncias, ações, solicitações são

resultados de como os indivíduos do Vale Amazônico se apropriaram dela.

183

DIRECTÓRIO que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão em quanto Sua

Magestade não mandar o contrário. In: ALMEIDA, Rita Heloísa. O Diretório dos Índios: Um projeto de

“civilização” no Brasil do século XVIII. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1997, p. 387. 184 Idem, p. 388-389.

Page 78: "Diz o índio":

78

Capítulo IV

ÍNDIOS E GOVERNADORES – POLÍTICAS INDÍGENAS E

INDIGENISTAS.

Page 79: "Diz o índio":

79

Os casos que vamos lidar abaixo, petições, requerimentos de índios, ações do governo

colonial e conflitos, são indicativos de como se deu a relação entre política indigenista e as

políticas indígenas no último quartel do século XVIII. Essa relação é reveladora de uma busca

e luta por certa autonomia por parte dos ameríndios, e são compreendidas como elaborações

de estratégias que não procuravam se desvincular das transformações ocorridas na aplicação

do Diretório dos Índios, pelo contrário, revelam que diante dessas mudanças alguns índios

tentaram criar um espaço social que respondia as suas próprias demandas. Apesar de terem

sido inseridos e dotados de inúmeras obrigações, eles não estiveram à margem daquele

universo e, para além do que lhes era exigido, souberam buscar satisfação de suas próprias

necessidades.

Os tópicos seguintes foram organizados de maneira que identificassem e situassem-

nos em cada caso analisado, sejam eles referente às atitudes indígenas, seja relacionado às

ações dos governadores que estão dentro do recorte teórico desse trabalho.

4_ Patronilha da Vila de Beja, e Madaglena do Lugar de Penha Longa.

Em 1779, uma índia de nome Patronilha, moradora da Vila de Beja, localidade a

aproximadamente 100 quilômetros da capital Belém, enviou para D. Maria I dois

requerimentos com um assunto semelhante. Em ambos, solicitava que mandasse passar

provisão para que pudesse servir onde melhor lhe conviesse, como consta na Lei das

Liberdades dos índios de 1755.

O conteúdo das duas solicitações envolvia uma reclamação contra o Diretor de Beja,

de quem a índia alegava ter sido vítima de violências e, também, o acusava de colocá-la sob

serviços para os quais não foi criada para realizar e, portanto, contra sua vontade. No primeiro

requerimento, enviado em setembro de 1779, pedia que servisse:

... em caza do sobred.to Antonio Jose de Carvalho ou em outra

qualquer da d.tª Cid.e onde milhor conveniência lhe fizer e for sua vontade e tudo em observância da ley sobred.a como melhor poderá

informa o Dez.or Intend.e q foi das colônias João de Amorim Per.a

que se acha nesta Cid.e.185

185 Patronilha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 07/09/1779] – Projeto Resgate. AHU, Pará (avulsos),

caixa 83, documento 6838.

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80

No segundo requerimento, enviado em novembro daquele ano186, lemos as mesmas

denúncias realizadas por Patronilha, contudo, desta vez foi feita uma referência ao caso da

índia Madalena187, do lugar de Penha Longa, que por sua vez tinha solicitado “... se conservar

em caza sobred.tª D. Anna Narciza da Costa, ou em outra qualq.r da dita cid.e onde milhor

convenciencia lhe fizer e for sua vontade...” e foi atendida.188

Ao solicitar sua liberdade e que as mazelas descritas acima findassem, o segundo

requerimento de Patronilha estava baseado em outro de mesma natureza e que já tinha sido

atendido pela Coroa metropolitana. Utilizando a jurisprudência de um caso, ela requereu:

... se conservar em caza do sobredito Antº Joze de Carvalho, ou em outra qualquer da d.tª Cid.e onde melhor conviniencia lhe fizer, e for

sua vontade tudo em observância da Ley sobredita praticandosse com

a sup.e o mesmo q V. Mag.e mandou praticar com a India Magdalena do Lugar de Penha Longa da mesma comarca.

189

Com os constantes abusos e maus tratos que alegavam estar sofrendo, as índias

elaboraram em seus requerimentos denúncias contra os diretores de suas respectivas

povoações e pediam para que tais violências findassem, pois “naõ he Vadia, nem vive em

ociozid.e antes avirá ater hindo para aquella V.ª por nella naõ ter q‟ cozer nem engomar por

ser povoaçaõ composta unicam.te de Indios.”190.

Uma questão de suma importância que surge nessa documentação é a reafirmação dos

papeis das índias aldeadas diante do que o projeto metropolitano requeria: as índias deveriam

frequentar a escola pública, aprender a ler e escrever, não viverem em ociosidade, pois,

segundo a interpretação dos agentes coloniais, era um “vicio quasi inseparavel, e congênito a

todas as Naçõens incultas...”191, assim como deveriam ser “... instruídas na Doutrina Chistãa...

fiar, fazer renda, cultura, e todos os mais ministérios proprios daquelle sexo.”192. Em um

186 Patronilha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 06/01/1779] – Projeto Resgate. AHU, Pará (avulsos),

caixa 82, documento 6700. A datação realizada pelo Projeto Resgate aponta o envio do requerimento com data

anterior a 06 de Janeiro de 1779. Contudo, trata-se de um equívoco. Conforme a leitura da própria

documentação, o segundo requerimento foi elaborado em 06 de novembro de 1779 e expedido em 15 de

novembro de 1779. A diferença, portanto, entre as duas solicitações de Patronilha são de dois meses, e por ter o

conteúdo semelhante, sugerimos que o segundo documento foi criado para apontar o caso da índia Madalena,

utilizando-o como jurisprudência. 187 Madalena [Requerimento apresentado a D. Maria I, anterior a 15/09/1779] – Projeto Resgate. AHU, Pará

(avulsos), caixa 83, documento 6853. 188 Idem. 189 Patronilha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 06/01/1779], idem. 190 Ibidem. 191

DIRECTÓRIO que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão em quanto Sua

Magestade não mandar o contrário. In: ALMEIDA, Rita Heloísa. O Diretório dos Índios: Um projeto de

“civilização” no Brasil do século XVIII. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1997, pp.375. 192 Id., p. 374.

Page 81: "Diz o índio":

81

processo de compreensão do que deveriam fazer, ou seja, do que lhes era requerido pelo

projeto metropolitano, e entendendo que estavam cumprindo sua parte, pediram em

contrapartida, que seus direitos fossem atendidos.

Patronilha solicitou ficar na casa do colono Antonio José de Carvalho, e Madalena na

casa de Ana Narciza da Costa, pois, nos dois casos, foram os locais que “... a criarão e

educaraó, a ensinarão a todoz aquelles serviços próprios de qualq.r m.er recolhida...”193.

Quando foram retiradas de Belém, cidade onde foram criadas, levadas para outros lugares,

submetidas a violências e colocadas para realizar serviços que não queriam fazer,

encontraram-se em uma situação extrema e procuraram resolver por vias legais os abusos

sofridos. Se não pudessem ficar nas casas dos ditos colonos, ficariam em outro local que lhes

fosse conveniente.

Um interessante fator a ser ressaltado é que elas não queriam ficar livres das condições

que o Diretório dos Índios previa para os índios aldeados, pelo contrário, a insatisfação

ocorreu por terem sido levadas de Belém para outras localidades, assim como por estar

fazendo serviços que não lhes apraziam e não condiziam com o que aprenderam nas casas dos

colonos onde viveram.

Poder-se-ia argumentar que os processos apresentados não necessariamente

representam uma demanda indígena, pois eles espelhariam menos tais demandas e mais os

interesses dos colonos apontados na documentação. Contudo, mesmo se compreendêssemos

dessa forma, a demanda indígena não seria anulada, haja vista que, nessa concepção, supondo

que embora Antonio Jose de Carvalho, no caso da índia Patronilha, e Ana Narciza da Costa,

referente à índia Madalena, fossem os principais interessados nas petições, diante das

violências sofridas, os índios ainda seriam beneficiados com o atendimento dos pedidos.

Barbara Sommer aponta que, em virtude de disputas políticas, alguns magistrados podem ter

participado de forma mais incisiva nos requerimentos dos índios, principalmente quando

discordavam de certas práticas feitas pelo governo vigente194

.

Nesse mesmo sentido, no início da década de 1790, o então governador Francisco de

Sousa Coutinho, ao analisar a situação de índias que eram concedidas ao trabalho doméstico

informa que:

Para serviços Domesticos, me persuado que se não conceder Indios e sobretudo Indias: porque (...) ficao dispersos das Povoaçoens, onde

nunca mais voltaõ, especialmente as Indias, porque costumadas ao

193 Madalena [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 15/09/1779] idem. 194 Cf. SOMMER, Barbara Op.cit. 2012

Page 82: "Diz o índio":

82

ócio das Cazas, depois repugnão aos trabalhos fortes do Campo, e

ficaõ vivendo na maior dissolução, como actualmente se achão muitas

nestas Cidade.195

A fala de Coutinho nos aponta um indicativo: o trabalho doméstico pode ser uma

forma de maior autonomia buscada pelas índias já que ele é considerado mais “leve” do que

aquele realizado nas obras públicas e, ainda, como observamos na fala do governador, as

índias que estavam realizando serviços nas casas dos moradores parecem ter maior liberdade

de movimentação dentro daquele sistema. Agora vejamos o caso da índia Josefa Martinha

que, assim como as índias supracitadas, lutou por maior autonomia, não obstante, de forma

distinta.

4.1_ Josefa Martinha, Cidade do Pará.

A indígena Josefa Martinha, natural da cidade do Grão Pará e viúva do índio João de

Jezus, também se baseando na Lei de Liberdades, em fevereiro de 1779, afirmou que contra a

sua vontade foi colocada como soldada pelo senhor de engenho Hilário de Moraes Bitancourt,

ou seja, ela deveria receber determinado pagamento pelo seu trabalho, contudo “... os Termos

de soldada naó hé mais, q‟. huma mera escravidão (?) com o nome de liberd.de...” 196. Além

disso, a documentação informa que após a morte do seu marido a índia foi proibida, pelo

mesmo senhor, de colocar seu filho mais velho para aprender o ofício de carpinteiro, sendo

que a renda desse trabalho seria para ajudar a sustentá-la em sua velhice.

Em virtude dessas solicitações e por não querer “... servir a q.m a maltrata... e do

Requerimento q.‟ a sup.e fez p.ª viver como pessoa izenta de capti.ro e aprender seo filho o

Officio...”197 foram castigados. Após o castigo, resolveram fugir da casa daquele senhor e

procuraram refúgio em uma região próxima.

Josefa Martinha e seus filhos, José Justiniano e José Lins, tornaram-se alvos de buscas

realizadas pelos escravos do dito Hilário de Moraes. Todavia, na sua condição de idosa e:

... sendo-lhe constante padecer a sup.te o perniciozissimo mal da gotta

a maltrata, e assim está metida nos matos em perigo grande morrer

sem sacramentos, razão por que chega a sup.e aos pés de V. Mag...

195 Cf. Francisco de Sousa Coutinho [Carta para a Rainha D. Maria I, 22/03/1791] – Projeto Resgate. AHU, Pará

(avulsos), caixa 100, documento 7963. 196 Jozefa Martinha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 11/02/1779] – Projeto Resgate. AHU, Pará

(avulsos), caixa 82, documento 6716. 197 Idem.

Page 83: "Diz o índio":

83

pela sua (?) piedade... q.ra mandar viver a sup.e como pessoa livre, e

izenta de captiv.ro, sem onus algum, e seos filhos, e mais parentes,

e‟q. o mensionado Hilario de Moraes Bittancourt, os naó imbarace...

198.

O ato de retornar à cidade foi visto pelo autor do documento como receio por parte da

índia de morrer sem sacramento. Entretanto, esta atitude pode estar vinculada a busca por um

tratamento da sua doença que não encontraria no interior dos sertões ou ainda para livrar seus

filhos daquela condição perante Hilário Bittencourt. Em busca de seus objetivos, Josefa

Martinha intentou fugir, contudo, também se valeu da legislação implementada para tentar

gozar de sua liberdade.

Josefa Martinha de forma bem específica lutou por maior autonomia. Ela nos

apresenta dois problemas: queria se desvincular do trabalho realizado para Hilário

Bittencourt, pois seu soldo era insignificante, quase uma escravidão disfarçada, e ainda

solicitou que seu filho aprendesse o ofício de carpinteiro. Seus pedidos enviados para D.

Maria I estão interligados por uma compreensão da Lei de Liberdades de 1755: os índios

seriam livres e deveriam desenvolver determinados ofícios para se manter.

Contudo, a política indígena, ou seja, as ações construídas pela índia Josefa Martinha e

também por outros índios, iam de encontro com a política indigenista que Portugal pretendeu

aplicar na América portuguesa. Como vimos na primeira parte da dissertação, a política

indigenista sofreu diversas adequações nos locais onde fora implementada, tais

transformações foram fruto não somente das particularidades das regiões e de demandas

locais, como também da própria política indígena encontrada e, não menos importante, da

forma com que os governadores das capitanias a conduziam. Isso quer dizer que dependendo

do governo, mesmo com um parâmetro básico a ser seguido na relação com os indígenas,

ocorreram certas ações que fugiam ao que o Diretório dos Índios estabelecia.

As três requerentes supracitadas (Patronilha, Madalena e Josefa Martinha) tiveram

seus requerimentos enviados para a rainha D. Maria I no final do governo de João Pereira

Caldas, portanto, nos anos finais da década de 1770, em um período no qual a política

indigenista desenvolvida foi marcada por uma série de levantes indígenas devido às

constantes violências e maus tratos que sofriam nas vilas, resultando em diversas rebeliões,

fugas e outros tipos de ações; assim como pela crescente exploração da sua força de trabalho,

198 Id.

Page 84: "Diz o índio":

84

como por exemplo, servindo para a edificação de fortes como o de São Joaquim no Rio

Branco, nas margens do rio Tacutu199.

Devemos lembrar que a demanda pela mão de obra indígena já era bastante intensa

desde a década de 1760, não somente para atender as necessidades dos colonos, como

principalmente para o serviço do Estado na construção de obras públicas, pontes, estradas e

guarnição de fortalezas em pontos estratégicos200.

O cenário apresentado na década de 1780 não foi muito distinto do vivido pelas três

índias que analisamos até o momento; muito pelo contrário, as condições para os povos

indígenas aldeados se agravaram em virtude, por exemplo, do processo de demarcação das

fronteiras coloniais oficializado pelo Tratado de Santo Idelfonso (1777)201

.

199 João Pereira Caldas [Ofício apresentando a Martinho de Melo e Castro, em 12 de Junho de 1777] – Projeto

Resgate. AHU, Pará (avulsos), caixa 76, doc. 6402. Ver também: FARAGE, Nádia. Op.cit. 1991, p. 123;

SANTOS, Francisco Jorge dos. Dois governadores, duas políticas indigenistas diferenciadas sob o mesmo

diploma legal na segunda metade do século XVIII, na Amazônia Portuguesa. XXV Simpósio Nacional de

História. 2009, Fortaleza. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ihb/Trabalhos/ST36FranciscoJ.pdf;

Acesso em 10 de setembro de 2012; VIEIRA, Jaci Guilherme; GOMES FILHO, Gregorio F. Forte São Joaquim:

do marco da ocupação portuguesa do Vale do Rio Branco às batalhas da memória – século XVIII ao XX. Textos

& Debates. Boa vista, n.20, jan./jun.2013, p.101-119. 200 FARAGE, Nádia. op.cit. p.52. 201 O Tratado de Santo Idelfonso consistiu em um acordo de paz entre Portugal e Espanha, ele também delimitou

os territórios que essas monarquias detinham posse no continente americano. De maneira geral, o tratado

especificou que os espanhóis ficariam com a colônia de Sacramento, localizada ao sul da América, e a região dos

sete povos das missões, já os portugueses ficariam com a região do Rio Grande de São Pedro e adjacências. Na

região do Vale Amazônico o tratado reconhecia e legitimava a posse dos povoados fundados tanto por

portugueses e espanhóis, a Bacia do Orinoco ficaria destinada à Espanha e para Portugal a do Amazonas. Os

artigos X, XI e XII do Tratado dão conta dessa divisão: “ART. X -Desde a boca do Jaurú pela parte ocidental

seguirá a fronteira em reta até a margem austral do rio Guaporé ou Itenes, defronte da boca do rio Sararé por

tôda a corrente do rio Guaporé, até mais abaixo da sua união com o rio Mamoré, que nasce na província de Santa

Cruz da Serra e atravessa a missão dos Moxos, formando juntos o rio que chamam da Madeira, o qual entra no

Maranhão ou Amazonas pela sua margem austral. ART. X - Baixará a linha pelas águas dêstes dois rios Gaporé e Mamoré, já unidos com o nome deMadeira, até a paragem situada em igual distância do rio Maranhão ou

Amazonas e da boca do dito Mamoré; e desde aqulela paragem continuará por uma linha leste-oeste até

encontrar com amargem oriental do rio Javarí, que entra no Maranhão pela sua margem austral; e baixando pelo

álveo do mesmo Javarí até onde desemboca no Maranhão ou Amazonas, prosseguirá águas abaixo dêste rio, a

que os espanhóis costumam chamar Orellana, e os índios Guiena, até a boca mais ocidental do Japurá, que

desagua nele pela margem sententrional. ART. XII - Continuará a fronteira subindo águas acima da dita

boca mais ocidental do Japurá, e pelo meio dêste rio até aquele ponto em que ficar cobertos os estabelecimentos

portugueses das margens do dito rio Japurá e do Negro, como também a comunicação ou canal de que se

serviam os mesmos portugueses entre êstes dois rios ao tempo de celebrar-se o tratado de limites de 13 de janeiro

de 1750 conforme ao sentido literal dele, e do seu artigo IX, que inteiramente se executará . . . buscando as

lagoas e rios que se juntem ao Japurá e Negro, e se avisinhem mais ao rumo do norte, . . . quando apartando-se dos rios haja de continuar a fronteira pelos montes que medeiam entre o Orenoco e Marañon ou Amazonas,

endireitando também a linha da raia, quanto puder ser, para a parte do norte, sem reparar no pouco mais ou

menos de terreno que fique a uma ou a outra Corôa, contanto que se logrem os fins já explicados, até concluir a

dita linha onde findam os domínios das duas Monarquias. Disponível em http://www.info.lncc.br/ildef.html.

Acesso em 28 de Janeiro de 2013. Em termos de configurações sociais, Patrícia Sampaio afirma que a assinatura

e execução desse tratado acarretaram no aumento da pressão por força de trabalho: “Assim, os aldeamentos

pombalinos – já fragilizados em termos demográficos – ficaram ainda mais comprometidos em função do

recrudescimento das demandas estatais por índios para atender às demarcações”. SAMPAIO, Patrícia.

Administração colonial e legislação indigenista na Amazônia Portuguesa. In: PRIORE, Mary Del; GOMES,

Page 85: "Diz o índio":

85

A necessidade do Estado de utilizar índios e outros trabalhadores nesse tipo de tarefa

foi constante e intenso, para isso, o governo implementou uma política de arregimentação de

mão de obra buscando indígenas que estavam fora das suas povoações, soldados desertores e

negros202.

Em carta para o diretor da Vila de Oeiras, o governador José Nápoles Telo de Meneses

(1780-1783) afirmou:

Chamando na mesma conformidade aos Principaes, e Officiaes

Publicos dessa Villa, e ordenando lhe igualmente em meu nome facão recolher a Ella todos os Indios que se achão dispersos unindo os em

boa Paz, e regularidade, tratando de desempenhar em tudo as suas

obrigaçõens, pena de que não o fazendo se haver de proceder contra

os mesmos com todo o rigor, que julgar propicio da sua rebeldia...203

A tentativa de evitar ao máximo a fuga de escravos e índios para outras capitanias,

construindo uma fortaleza próxima a Vila de Cametá, Lugar de Baião e do Lugar de Alcobaça

é um fator que ilustra tal situação204:

A continua dezerção de Escravos, Indios, e Soldados que se evadião

por esta Porta franca para as Cappitanias Supperiôres, me obrigou a

antecipar esta providencia, de que já vou Reconhecendo os promptos effeitos...

205

Diversos requerimentos foram enviados para os diretores das vilas acerca dos índios

que não estavam fixados nas povoações. Em julho de 1780, o governador chama atenção do

comandante da vila de Colares por não ter dado soluções aos problemas relacionados aos

índios que estavam dispersos daquela vila. Segundo Menezes:

Vejo a Relação dos Indios auzentes dessa Villa, que vossa mercê me

remette e que pela grande quantidade dos ditos não pode a sua

dezerção ter deixado de cauzar lhe hum notável prejuizo, mas não sei

a que deva attribuir esta desordê, se a natural inconstancia dos Indios,

Flávio dos Santos (orgs.). Os senhores dos rios: Amazônia, margens e histórias. Rio de Janeiro:

Campus/Elsevier, 2003, p. 123-140. 202 José Nápoles Telo de Menezes, APEP, códice 356, doc. 18; . Ver também: SAMPAIO, Patrícia. idem. 203 José Nápoles Telo de Menezes, APEP, códice 356, documento 39. 204 José Nápoles Telo de Meneses [Ofício apresentado a Martinho de Melo e Castro, em 27/11/1780] – Projeto

Resgate. AHU, Pará (avulsos), caixa 87, documento 7087. Além disso, a construção da fortaleza também

viabilizou uma negociação com Dona Felipa Aranha, liderança no quilombo do Mola, fundado na segunda

metade do XVIII, com mais de 300 indivíduos. Ver: José Nápoles Telo de Meneses, idem.; e PINTO, Benedita

Celeste de Moraes. Vivências cotidianas de Parteiras e „experientes‟ do Tocantins. Revistas de Estudos

Feministas. v.10, n.2. Florianópolis, Jul./Dez. 2002. 205 José Nápoles Telo de Meneses [Ofício apresentado a Martinho de Melo e Castro, em 27/11/1780] – Projeto

Resgate. AHU, Pará (avulsos), caixa 87, documento 7087.

Page 86: "Diz o índio":

86

se ao pouco cuidado dos Directores. Nada me admira que elles fujão, e

se retirem, o que me pasma He que os mesmos Directores vejão

auzentar-se huns e outros, saibão os sítios para onde se retirão, e que não tratem de recolherllos mais as suas povoaçoens. Na relação que

vossa mercê me remette há bastantes Indios que com qualquer

diligencia se terião podido reconduzir, sem para isso ser necessária

outra authoridade da minha parte mas que aquella que a vossa mercê da o Directorio, e as leys de sua magestade, e que eu mesmo

vocalmente já lhe ensinei. E em quanto aos que se achão refugiados

em Tamanduaca, informando-se vossa mercê como deve do modo de surprehendellos; e a ser necessaria mais alguma providencia de Tropa,

ou de auxilio de qualquer outra Povoação com seu avizo, nenhuma

difficuldade haverá em apromptar-se para este fim. O atual embaraço

da grande expedição das Demarcaçoens não dá lugar por ora a fornecer a vossa mercê da nova Embarcação que me peou, avendo

assim ir-se remediando ainda como poder algum tempo com essa que

tem, e mandando fazer-lhe o concerto que admittir a sua fraca possibilidade

206.

Da mesma forma, no ano de 1781, o diretor de Bragança recebe uma carta, enviada

por Telo de Menezes, avisando que se aparecerem índios próximos àquela região, sem

portaria expedida pelo mesmo, que os apreendessem e os enviassem a Belém para que assim o

governador pudesse dar um destino “mais conveniente julgue ao socego publico, e

melhoramento das Povoaçõens.”207

Os trabalhos de Patrícia Sampaio e Barbara Sommer nos dão pistas dessa demanda

governamental por mão de obra indígena que não estava diretamente disposta nas vilas do

Diretório dos Índios. Para Sampaio existia uma população indígena que estava distante do

alcance da tutela dos diretores, tratava-se de uma geração pós-1755, portanto, posterior à

aplicação da Lei de Liberdades, e, no caso de Belém, se constituía em uma população mestiça

e tapuia que ficava nos arredores da cidade, muitos deles fugidos ou ausentes das vilas. De

acordo com Sommer, esses indivíduos moravam na colônia portuguesa, entretanto, fora das

povoações do Diretório, livres208. Um exemplo claro dessa situação é o caso da índia Maria

Silvana.

206 José Nápoles Telo de Menezes, APEP, códice 356, documento 58. Ver também nesse códice os documentos

65, 72 207

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, códice 356, doc. 252, p.264. 208 SAMPAIO, Patrícia. Entre a Tutela e Liberdade dos Índios. In: COELHO, Mauro Cezar [et.al]. Meandros da

História: trabalho e poder no Pará e Maranhão, séculos XVIII e XIX. Belém: UNAMAZ, 2005, p. 72. Ver

também: SOMMER, Barbara A. Op.cit., 2012, p. 2.

Page 87: "Diz o índio":

87

4.2_ Maria Silvana, Rio Cuinarana.

Em requerimento datado de 1785, a índia Maria Silvana afirma ter sido retirada pelo

capitão Manoel Leite Pacheco de forma violenta da sua moradia e das suas lavouras que

ficavam próximas ao rio Cuinarana, onde trabalhava com sua família composta por mais sete

índios, seus filhos: Crispim, Nicácio, Alexandre, Vicência, Merência e seus netos Jozé e

Manoel209.

Pedro Gabriel, procurador geral dos índios, escreveu que a transferência de Silvana

resultou em um sério prejuízo da manufatura e das lavouras que, sem os cuidados daquela

família, ficaram ao desamparo. Enviada para a vila de Cintra, a índia seria transferida para a

vila de Nossa Senhora do Socorro das Salinas:

... por ser útil ao Publico, como da informação do D.or. Intend.e Geral se pondera, confirmada pello ultimo despacho do Governador e

Capitão General daquelle Estado... e por que com este segundo,

repetido incommodo, nunca existirá em sosego huma pobre, e mizaravel mulher, como he a suplicante, viúva, e carregada de filhos

quando lhe parecia q‟ pellas (...) Leis, e Ordens de V. Real Mag.e na

sua velhice já gozaria da sua natural Liberdade...210

.

Maria Silvana, então, solicitou a rainha D. Maria I que ficasse:

... com seus filhos e Netos, como moradora effectiva da sobreditta

Villa de Cintra, trabalhando com elles nas suas proprioas Lavouras, sem dependência do commum serviço da mencionada Villa, por nunca

ter sido a Supp.e de Povoação alguma, antes nascida, e criada em caza

de Branco...211

.

Além de lutar contra a expulsão de suas terras e contra a condição de “vil escrava”212,

Maria Silvana também lutou contra o que a própria legislação estabelecia: a participação no

serviço do comum. Ela demandava ser reconhecida como produtora, e não como índia,

somente. Desta forma, buscou determinada autonomia no que condiz ao trabalho de sua

lavoura.

Para ter reconhecida sua liberdade e viver como moradora das adjacências daquela vila

foi produzida uma série de documentos que procuravam comprovar a história de Silvana.

209 Maria Silvana [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 07/06/1785] – Projeto Resgate. AHU, Pará

(avulsos), caixa 94, documento 7507. 210

Maria Silvana [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 07/06/1785] – Projeto Resgate. AHU, Pará

(avulsos), caixa 94, documento 7507. 211 Idem. 212 Id.

Page 88: "Diz o índio":

88

Cartas trocadas entre os agentes da administração colonial, autos de petição, atestações,

justificações (nas quais moradores da Vila de Cintra serviram como testemunhas para

confirmar a história contada por ela) são alguns itens presentes na documentação. Após o

processo que durou em torno de dois anos, que as solicitações foram atendidas.

Essa tentativa de buscar maior autonomia com relação ao exercício do trabalho nas

povoações não foi algo raro nesse período, muito menos para os índios que assim como Maria

Silvana lidavam com alguma atividade agrícola. No início de 1781, o diretor da Vila de Cintra

recebeu uma carta resposta do governador informando-o que aqueles índios, os quais estavam

estabelecidos com agriculturas próprias, desde que desempenhassem suas obrigações,

poderiam gozar da isenção de trabalhar nas roças do comum213.

Ao que tudo indica, Silvana fazia parte de uma parcela da sociedade que permaneceu

nas margens das unidades coloniais, onde ficaram em fazendas ou em pequenas propriedades

formando um contingente da população que vivia em sítios, produzindo gêneros para o

mercado urbano.

Índios como Maria Silvana não estavam vinculados diretamente ao regime de trabalho

implementado pelo Diretório dos Índios. Moravam próximos aos núcleos urbanos, mas de

maneira independente, geralmente trabalhando em suas próprias terras. Mesmo esses índios

foram alvos de uma intensa campanha realizada pelo governador Telo de Menezes para pô-los

sob disciplina de trabalho regular nas vilas. Milhares de índios foram perseguidos e levados

acorrentados a Belém para serem distribuídos como força de trabalho nas obras públicas e

para os colonos214.

4.3_ Telo de Menezes: ávida arregimentação da força de trabalho indígena.

O governo de Telo de Menezes foi marcado pela necessidade de preencher as obras

públicas com o braço indígena, fornecendo força de trabalho para a construção da fortaleza de

Macapá, satisfazer as necessidades dos colonos e o provimento das vilas215. Sendo assim, o

governador procurou aumentar o controle sobre os povos indígenas aldeados, limitando, ainda

mais, certa autonomia que gozavam. Vejamos:

213

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, códice 356, doc. 259, p. 273-274. 214 José Nápoles Telo de Meneses [Requerimento apresentado a Martinho de Melo e Castro, em 21/08/1780] –

Projeto Resgate. AHU, Pará (avulsos), caixa 86, documento 7042. 215 José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Códice 356: doc. 302, p. 330-331; doc. 252, p.264; doc. 215, p.223.

Page 89: "Diz o índio":

89

Em Abril de 1781, Menezes enviou para o diretor da vila de Souzel uma carta na qual

afirmava:

...que não haja hum so Indio vadio em todo o Estado, e que os

Directores fação recolher às suas Povoaçõens todos os que

legitimamente lhe pertencerem, de honde quer que lhe conste que existem, assim como recíprocamente, farao entregar aos outros

quaesquer Indios que aprehendão no mesmo gênero de vida prohibido

sendo só as minhas portarias que de hoje em diante fiquem governando sobre o destino dos ditos.

A estes índios, assim recolhidos ao seu verdadeiro Domicilio,

empregarão os Directores em todo o gênero de culturas e de trabalho que segundo as faculdades das suas Povoaçoens lhe parecerem de

maiores utilidades não ficando hum so índio ociozo (...) desta sorte

chegarão a florescer as Villas.

Para Macapá continuará vossa mercê a fazer a remessa costumada dos dez indios daquelle certão, as quais alli devem estar até quinze do mês

que [consta] castigado, rigorosamente a todos os que [desertarem] dos

serviços para que forem destinados por que com a impunidade se não facão maior rebeldia.”

216

Essa documentação, assim como aquelas que se referem aos índios dispersos nas terras

e águas do vale amazônico, indica-nos que o governador Menezes teve como um dos

baluartes de sua política indigenista, a integração dos índios que não haviam sido aldeados, a

apreensão daqueles já aldeados, mas que estavam fugidos, e a reintegração de outros que

estavam, na concepção do mesmo, a esmo, sem ter o que fazer217.

Todos os índios que não estavam dispostos efetivamente sob o regime de trabalho

imposto pelo Diretório foram alvos desse processo de arregimentação forçado de mão de

obra. O governo emitiu bandos restringindo o acesso aos índios pelos moradores, no

“Registro de hum Bando a respeito dos Índios” o governador denuncia que a maioria dos

moradores do Estado aproveitam-se dos índios, induzindo-os a abandonarem as povoações,

ou ainda os “eternizarem no serviço” que estão realizando para os mesmos. A partir disso,

tentou proibir que qualquer índio fosse mantido em casa de particulares que não seja por

portaria de autoria sua, com base nos bandos de 12 de fevereiro de 1754 e 03 de maio de 1764

onde a punição foi ampliada pelo governador Fernando da Costa de Ataíde Teive (1763-

1772). Esses bandos informavam aos transgressores da regra que deveriam, além de pagar a

soldada devida, pagar a quantia de 2.000 reis por mês, a metade para o índio e a outra metade

para cativos, na forma do regimento dos órfãos218

.

216 José Nápoles Telo de Menezes, APEP, códice 356, doc. 239. 217 José Nápoles Telo de Menezes, APEP, códice 356, doc. 204; doc. 257; doc. 241; doc 252; doc.283, doc. 288. 218 José Nápoles Telo de Menezes, APEP, códice 254.

Page 90: "Diz o índio":

90

No que estava relacionado aos fugitivos, quando tais índios eram pegos sem

autorização alguma fora das povoações as quais tinham sido designados, o castigo era diverso,

mas nesse período eram geralmente enviados para trabalhos nas obras públicas. Em uma carta

que Telo de Meneses enviou para o diretor da vila de Oeiras em março de 1781 lemos:

“Estimo que tenham sido despedidos para Macapá os Indios determinados, tanto por que a sua

fuga os faz merecedores daquelle castigo, como porque o serviço da mesma Villa necessitava

muito” 219.

Na campanha para reunir o maior número possível de sujeitos considerados ociosos,

Telo de Menezes mandou que os índios identificados como vadios fossem levados

obrigatoriamente para trabalhar nas povoações, o que resultou na ida de milhares de índios

retirados da floresta para servirem a particulares e ao Estado. Segundo Bárbara Sommer, o

governador considerou que ex-escravos e índios deveriam ser utilizados em benefício tanto da

metrópole quanto da Colônia. Entretanto, é necessário lembrar que o combate à “vadiagem”

na colônia, conforme aponta Sommer, não foi algo novo nesse período ou iniciado somente

no governo de Menezes, haja vista que governos anteriores tentaram combater esse fator

considerado um grave problema pelas autoridades lusitanas220.

Como podemos notar essa política indigenista desenvolvida por Telo de Menezes foi

marcada por uma pressão intensa acerca da obtenção de mão de obra indígena. Essa tentativa

de controle abrupta da força de trabalho indígena, os castigos impostos para quem

desobedecesse a suas ordens, as multas e penalidades aos moradores foram fatores marcantes

em seu governo e que em maior ou menor medida, também limitaram o tempo que governou,

já que isso gerou inúmeras denúncias às ações do governador.

Seu governo durou apenas três anos, menos da metade do tempo quando comparado

ao exercício de outros governadores do período, José Nápoles Telo de Meneses foi objeto de

intensas críticas e alvo de denúncias apresentadas ao Conselho Ultramarino, principalmente

acerca da sua conduta enquanto governador do Grão Pará e Rio Negro. No final do ano de

1783 foi substituído por Martinho de Sousa e Albuquerque221.

219 José Nápoles Telo de Menezes, APEP, códice 356; doc. 221, p. 230. 220 SOMMER, B. op.cit, 2012. 221 Martinho de Melo e Castro [Ofício para o Conselho Ultramarino em 1783] – Projeto Resgate. AHU, Pará

(avulsos), caixa 91, documento 7383. Boa parte da documentação apresentada ao Conselho Ultramarino se

constituiu em elogios provindos de diversos agentes coloniais ligados ao corpo administrativo português na

Colônia. Ouvidor Geral, Bispos, padres, secretário da Real Fazenda, capitães, e outros defendiam e exaltavam o

trabalho feito por Telo de Meneses, inclusive acerca da integração dos índios às unidades coloniais: “ ...

reforçando as antigas Povoaçõens com hum numero considerável de moradores Indios, huns extrahidos dos

matos, e do seio da gentilidade, outros trazidos dos mocambos, ou azylos, em q seviao ocultos e refugiados;

outros aggregados dos domicílios, em que se tinhao estabelecido na occiozid.e, ela qual se fazião inúteis a todo o

Estado...”221. Além dessa série, há reclamações e processos contra Telo de Menezes feitos pelos próprios

Page 91: "Diz o índio":

91

4.4_ Martinho de Sousa e Albuquerque: índios nas obras públicas.

Além do processo de pacificação dos índios Mura e do combate aos índios da nação

Mundurucu, o governo de Sousa e Albuquerque (1783-1790) ficou marcado por uma

constante necessidade de empregar indígenas aldeados em tarefas para as obras da Real

Fazenda, como transporte de madeira, força de trabalho nas viagens de demarcação territoriais

e também para outras capitanias.

Na documentação referente ao período, há uma série de ordens para que os diretores,

comandantes e principais cedessem índios para esses tipos de trabalhos222. Aos diretores de

toda a capitania foram solicitados indígenas e quando não cumpriam com o pedido do

governador eram até ameaçados de expulsão do cargo. Os diretores de Pinhel e Alenquer, por

exemplo, quando não atenderam imediatamente ao pedido foram repreendidos da seguinte

forma: “e se acazo as Povoaçoens não tem Indios p.a se applicarem a similhantes serviços

mandarei dellas retirar sem demora os directores por que neste caso se fazem ali

desnecessarios.”223.

Já para o diretor da vila de Monforte foi solicitado que enviasse duas índias e um rapaz

para servirem ao Juiz de Fora224; para o diretor da vila de Portel foram solicitados 15 índios

para o trabalho no transporte das madeiras das Fábricas para o Arsenal da cidade de Belém; e

para o mesmo serviço os diretores de Melgaço e Oeiras deveriam enviar 12 e 10 indígenas

respectivamente225.

Um ponto importante nessa documentação é a forma com que se estabeleceu a

participação dos índios nesses trabalhos. Regido pelo Diretório dos Índios, eles deveriam

trabalhar em um sistema de rodízio no qual passariam seis meses fora da povoação a serviço

do Estado, e os outros seis meses do ano trabalhando em suas próprias roças nas povoações.

Contudo, nem sempre os índios do Vale Amazônico, por diversos motivos,

mantinham-se durante o tempo determinado no trabalho, geralmente abandonando o serviço

durante sua execução. Em uma viagem do Pará para a colônia holandesa do Suriname,

Francisco Rodrigues José Barata percebe que muitos índios não o "acompanham com gosto" e

colonos, nesse caso ver: Joaquim Miguel Lopes de Lavre [Carta para D. Maria I, em 25/05/1784] – Projeto

Resgate. AHU, Pará (avulsos), caixa 93, documento 7413. 222 Martinho de Sousa e Albuquerque, APEP, códice 456, documentos 5, 20, 89, 117, 122, 129, 133, 134, 135,

177, 178, 179,191, 223, 224, 304 e 349. 223 Martinho de Sousa e Albuquerque, APEP, códice 456, documento 191. 224 Martinho de Sousa e Albuquerque, APEP, códice 456, documento 241, p. 804-805. 225 Martinho de Sousa e Albuquerque, APEP, códice 456, documento 223.

Page 92: "Diz o índio":

92

logo fugiam. Após esse fato, o mesmo parece reconhecer que eles se mantinham no trabalho

"quando e por que tempo querem"226.

Nesse mesmo sentido, Manoel da Gama Lobo de Almada em viagem pela região do

Rio Negro nos mostra a atitude de alguns indígenas enviados para conduzi-lo de volta da sua

exploração ainda inacabada. De acordo com o trecho seguinte, os indígenas só foram em

busca do explorador, pois foram persuadidos de que logo retornariam:

Dos socorros de Indios que V. Exª me mandou, só se avistaram

comigo alguns fragmentos que chegavam, e a pouco tempo desapareciam. A ultima remessa chegou a mim em maior numero, por

que subiram persuadidos que vinham somente a conduzir-me para

baixo como lhes havia afirmado o Tenente Marcelino José Cordeiro,

não sei se para obriga-los com este engano. É certo que eu recebi naquella occasiao um officio de V. Exª de 8 de Junho em que V. Exª

me dizia que aquelles Indios se haviam ajuntado com o pretexto de V.

Exª me mandar recolher. Eu duvidei um pouco se devia tomar isto como pretexto para elles subirem, ou como por ordem para eu descer;

(...) Nestes termos continuando na diligencia de que me achava

encarregado, fui conservando os ditos Indios alguns dias, conduzindo-

os de engano em engano... até que desenganados elles de que eu de nenhua forma deixaria de proseguir na execução das Reas Ordens que

V. Exª me tem passado... desertou logo a maior parte...227

Ao receber diversos relatos sobre a deserção dos índios nos trabalhos ou ainda sobre

não quererem se dispor ao serviço, Martinho de Sousa e Albuquerque avisou que todos

aqueles os quais não colaborassem ou desobedecessem a sua ordem deveriam ser presos e

trabalhariam “de baixo de Guarda” como no caso dos índios que o diretor da Vila de Oeiras

não enviou228.

Diferente do caso aludido acima, no qual ocorreu a obrigação dos índios trabalharem,

desconsiderando suas “vontades”, em setembro de 1784, tramitou no Conselho Ultramarino o

processo das irmãs Mariana Maria, Benta Nunes de Sousa e Francisca Nunes de Sousa acerca

da restituição dos índios que lhes foram retirados à força ainda no governo de Telo de

226 Francisco Rodrigues José Barata. Diario da Viagem que fez a‟ colônia de Surinam o porta bandeira da setima

companhia do Regimento da Cidade do Pará, pelos sertões e rios d‟este Estado, em diligência do Real Serviço.

Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro – RIHGB. Tomo 8, 1846:1-53, p. 25. 227 Manoel da Gama Lobo de Almada. Lobo d‟Almada e a exploração do alto Rio Negro. Revista do Instituto

Histórico Geográfico Brasileiro – RIHGB, jan./mar; 242:418-423, 1959, p.422. 228 Martinho de Sousa e Albuquerque. [Para o diretor da Vila de Oeiras, em 09/12/1785]. APEP, códice 456,

documento 311, p. 883-844. É necessário lembrar que apesar das contates fugas dos trabalhos, ou ainda das

ausências temporárias das Vilas para evitarem trabalhos mais onerosos, também ocorreram casos que os índios

voluntariamente se dispuseram para trabalhar, como no caso dos índios da Vila de Portel. Cf. Martinho de Sousa

e Albuquerque. APEP, códice 456, documento. 349, p.920-921. Na historiografia ver: ROLLER, Heather Flynn.

Expedições coloniais de coleta e a busca por oportunidades no sertão amazônico, c. 1750-1800. Revista de

História. São Paulo, nº 168, jan./jun.2013, p.201-243.

Page 93: "Diz o índio":

93

Menezes. O parecer do processo mandava que lhes fossem devolvidos os índios que

prestavam serviço desde o tempo em que seu marido José Gonçalves Sardinha era vivo229.

Em anexo a documentação, consta uma relação dos nomes dos índios (pouco legível)

que trabalhavam para Mariana Maria e suas irmãs, discriminando aqueles que ainda estavam

com as sobreditas daqueles que se encontravam ausentes ou em outros lugares. Segundo

Sousa e Albuquerque, esses índios foram tirados das casas das mencionadas mulheres para

serem integrados na formação de outros povoados, contudo, em tais povoações já não

existiam habitantes, pois devido às condições que estavam sendo tratados, fugiam assim que

lhes aparecia à primeira oportunidade.

Há uma consideração a respeito da vontade dos índios de servirem voluntariamente às

sobreditas irmãs. Conforme Martinho de Sousa e Albuquerque:

... os ultimos declarados q.e são oito entre Machos e Femeas, Adultos

e Menores, dizem que voluntariamente querem com a mencionadas

viverem Lhes declarei que ficavaõ conservados por que S. Mag.e assim o ordenava e que naõ serião perturbados por Pessoa Alguma;

enquanto aos mais como se declarava estarem espalhados por

diferentes paragens há de ser necesario trazelos com (?) nesta cidade

para ouvir as suas vontades, e no cazo q. declarem o quererem viver com as suas antigas amas lhos farei sem demora entregar entregar

como V.Exª ordena.230

Alguns desses processos foram enviados diretamente a rainha D. Maria I em Lisboa.

No ano de 1788, Lucas de Macedo, morador da vila de Cametá, solicitou que os índios Luís

Lopes, sua mulher Juliana Nunes e seus filhos: Celestino Lopes e Tomé, sendo este casado

com Domingas e pai de quatro crianças: Marçal, Joaquim, Maximiano e Faustina, que

nasceram e se criaram na casa do falecido Manoel Lopes Torres pudessem servir

voluntariamente nas terras do suplicante:

os quaes tendo sido nascidos e creados em caza de Manoel Lopes

Torres, presentemente falecido, o havião servido de soldada, pelo bom

tractam.to q se deu vivendo com elle de baixo de huá tranquila paz e gozando com socêgo de sua natural Liberdade, por reconhecerem no

suppe e estarem já costumados a viver com Brancos, que os mande

tratar com muito amor, e charidade, o que querem voluntariamente

servir, existindo todo de baixo do seu domínio, e para q pessoa alguma

229 Martinho de Sousa e Albuquerque [Carta para a rainha D. Maria I, em 09/09/1784] – Projeto Resgate. AHU,

Pará (avulsos), caixa 93, documento 7444. 230 Idem.

Page 94: "Diz o índio":

94

os não possa perturbar, mas sim conservados, com o seus a soldados

motivos...231

É claro, essa “vontade indígena” aludida por Manoel Torres e Martinho de Souza e

Albuquerque pode ser uma simples estratégia utilizada para a obtenção da força de trabalho

dos índios, todavia, mesmo considerando essa possibilidade, existe aqui um padrão

estabelecido entre a fala desses agentes históricos e o restante da documentação analisada

nesse capítulo: há um reconhecimento do desejo indígena nesses processos e os agentes

coloniais utilizam-no como argumento para agirem diante dos trâmites administrativos, além

disso, o quesito levantado nas documentações é que a escolha por morar, trabalhar ou

conviver para/com determinados colonos feita pelos índios é fruto de uma relação

estabelecida pelo bom trato que recebiam dos mesmos.

Esses indícios, pequenas falas presentes na documentação, servem-nos para reforçar a

ideia dos índios como sujeitos históricos que demandaram maior autonomia e que souberam

lidar com a experiência colonial. Os índios que acompanharam Francisco Barata e por

determinados motivos, deixaram o trabalho onde estavam empregados (acharam que o

pagamento não valeria o esforço daquela tarefa, acreditavam que poderiam morrer em certo

trecho, entre outros motivos que a documentação não revela), os índios que conduziram Lobo

de Almada em sua viagem pelo Rio Negro e o abandonaram no meio do caminho, os índios

relacionados às irmãs Mariana Maria, Benta Nunes de Sousa e Francisca Nunes de Sousa e

aqueles relacionados a Manoel Torres nos mostram que suas integrações ao sistema do

Diretório não se dava de uma única maneira, tal qual como queriam os colonos e a metrópole

portuguesa; suas ações eram baseadas em escolhas bem definidas a partir do seu cotidiano e

do conhecimento apreendido da relação com os colonos. Se moradores utilizaram dessa

relação para se suprirem de mão de obra indígena, os índios, por sua vez, também se valeram

disso e buscaram suas próprias demandas, negociaram seus trabalhos, lidavam com um jogo

de forças no qual possuíam um papel fundamental.

Reforço essa possibilidade de análise a partir da documentação. No final de seu

governo, Francisco Mauricio de Sousa Coutinho, em correspondência para D. Maria I, realiza

uma série de críticas (principalmente aos Diretores) ao sistema que regia as vilas do Diretório,

indo desde a da cobrança do dízimo nas povoações, da aplicação da força de trabalho indígena

nas vilas, até a concessão aos moradores.

Ao se ater à questão da mão de obra indígena Coutinho afirmou que:

231 Lucas de Macedo [Requerimento apresentado a Rainha D. Maria I, anterior a 6/11/1788] – Projeto Resgate.

AHU, Pará (avulsos), caixa 98, documento 7777.

Page 95: "Diz o índio":

95

Sem os Indios seria impossível o maneio dos Contractos Reaes, e das

Cameras nas prezentes circunstancias, e estas só podem mudar quando

o jornal do Indio for equivalente ao do Escravo para que parece preciza grande abundancia de Escravos, e promover-se a civilização

nos Indios, afim de que se rebaixe o jornal daquelles, e accresca os

deste. Estipulou-se a mil e duzentos reis por mez o mais subido

jornal dos Indios, mas tem vindo muitos pedir-me Licença para

servir a vários Moradores por se terem ajustado com elles a tostão

por dia, he certo que a maior parte dos que pedem estas licenças

são aquelles que por andarem dispersos de huns para outros

Moradores, sabem já promover a sua utilidade, e as tenho

facultado, persuadindo-me que aquelle jornal foi estipulado para

evitar as fraudes, que se houvessem de cometter mas naõ para

suffocar a industria dos Indios, e pela mesma razão me parece que se devêra levantar aquelle estipulado preço ao de dois mil e quatro

centros reais aos Indios empregados nos serviços Reaes ou dos

Contractos, e ás Indias a mil e duzentos resis por mez, naõ se lhes tolhendo a liberdade de se ajustarem por quaesquer outros preços.

232

O governador acabava por nos mostrar que alguns índios “sabem já promover a sua

utilidade” e negociavam com os moradores os preços de seus serviços. É mais uma

demonstração que em certos casos, as “vontades” dos índios prevaleceram. Abandonarem

determinados trabalhos, ausentarem-se temporariamente das vilas, escolherem por viver e

morar com certos colonos, enviarem petições e requerimentos, foram demonstrações da

agenda indígena no cotidiano da Colônia. Isso é demonstrativo de que esses sujeitos se

apropriaram de determinados instrumentos e lançaram mão deles, a partir de sua própria

experiência histórica.

No trecho destacado há outra consideração importante. A preferência por alguns

colonos talvez se desse pela garantia de maior controle sobre a remuneração que os índios

teriam, já que a intermediação dos diretores implicava nos seguintes fatores: por um lado os

índios estariam submissos a jornada de trabalho estabelecida pelo Estado; por outro, aos

atrasos de pagamentos, comuns naquele período. Além disso, o vínculo direto com o colono

poderia garantir maior autonomia no controle sobre a remuneração, no sentido de não ter de

prestar contas dos gastos aos diretores. Vejamos o caso da índia Bonifácia da Silva.

232 Francisco de Sousa Coutinho [Carta para a Rainha D. Maria I, 22/03/1791] – Projeto Resgate. AHU, Pará

(avulsos), caixa 100, documento 7963. Grifo meu.

Page 96: "Diz o índio":

96

4.5_ Bonifácia da Silva, Vila de Monsarás.

Em 1790, a índia Bonifácia da Silva, oriunda da vila de Monsarás, após a morte de

seus pais, foi ainda criança morar na Cidade do Pará, onde na casa do capitão Manoel Pourat

de Moraes Aguiar e Castro foi educada, aprendeu a costurar, fazer renda e ali viveu por mais

de vinte anos.

Com a morte do dito capitão, a índia obteve um parecer favorável sobre um

requerimento enviado à rainha, solicitando que ficasse com sua comadre Mônica de Moraes

Aguiar e Castro, uma das irmãs de Manoel Castro, pelo bom tratamento que recebeu e por ter

o receio de que

a pertubem do sucego, equietaçam em que vive: roga a Vossa

Magestade que... lhe faça a graça mandar a que naum seja

constrangida ahir para outra qualquer parte... se quer conservar na caza e companhia da dita sua commadre...

233.

Segundo B. Sommer, foi o laço existente entre as duas que talvez tenha facilitado a aprovação

de sua petição em Lisboa234.

É interessante notarmos que tal decisão pode ter levado em consideração os serviços

do capitão Manoel Castro, colono que atuou em diversos cargos a serviço da Coroa, inclusive

como diretor da Vila de Pombal, em 1765. Dez anos depois, por estar sofrendo de uma

funesta “lepra elefantiada”235

solicitou a mercê da patente de Sargento-mor de Infantaria em

virtude dos anos de trabalho para a Coroa e por ter duas irmãs pobres que dependiam dele,

uma delas, sem sombra de dúvida, era a dita Mônica Castro com a qual Bonifácia da Silva

queria morar236.

O caso de Bonifácia da Silva e das demais índias supracitadas: Patronilha, Madalena,

Josefa Martinha e Maria Silvana nos remetem a algumas considerações. Além dos ofícios que

aprenderam desde crianças nas casas dos colonos, também aprenderam diversos códigos e

signos da sociedade colonial, assim como formas distintas de lidar com ela. O acesso à

justiça colonial, portanto, é uma demonstração disso, a inserção delas nas vilas e lugares do

Vale Amazônico permitiu que utilizassem as instituições administrativas e notassem, na

prática, algumas divergências entre a Lei de Liberdades e o Diretório dos Índios.

233 Bonifácia da Silva [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 15/09/1790] – Projeto Resgate. AHU, Pará

(avulsos), caixa 100, documento 7936. 234

SOMMER, Barbara A. Idem. 2012, p.08. 235 Bonifácia da Silva. Idem. 236 Cf: João Pereira Caldas [Carta apresentada ao rei D. Jose I, em 20/02/1776] – Projeto Resgate. AHU, Pará

(avulsos), caixa 75, documento 6282.

Page 97: "Diz o índio":

97

Outro fator a ser destacado são as próprias petições oriundas de mulheres índias. Para

Sommer, os índios necessitaram de menos proteção judicial que as índias, pois, no caso deles,

era mais recorrente fugirem: “Evidências quantitativas confirmam uma probabilidade um

pouco maior para os homens fugirem do que as mulheres...”237. Parte da documentação

analisada até esse momento aponta para casos de índias que enviaram seus pedidos para a

Coroa metropolitana e isso pode estar vinculado à política indigenista desenvolvida para

sujeitos que eram considerados pela legislação como vulneráveis, por exemplo, índias

solteiras, viúvas e órfãos, padrão no qual Patronilha, Madalena, Josefa Martinha e Maria

Silvana se enquadravam.

Na contramão dos processos que analisamos até agora, surge o caso de Joanna

Baptista. Apesar de Joanna também ser encaixar no padrão que a legislação considerava como

indivíduo vulnerável, ao contrário das índias que abordamos, ela preferiu se escravizar a

requerer liberdade. Como veremos sua escolha não é resultado de uma opção aleatória, ao

optar por tentar se tornar escrava, Joanna Baptista seguiu uma lógica própria. Vejamos.

4.6_ Joanna Baptista, Cidade do Pará.

Conforme um dos próprios contemporâneos afirma na documentação, um dos mais

estranhos e extraordinários procedimentos que ocorreram na capitania do Pará é o caso da

índia Joanna Baptista, a índia que se vendeu à escravidão. A documentação não é inédita, B.

Sommer, entre outros, já tratou do contexto em que foi realizado o contrato de venda da

indígena, vinculando-o aos limites das opções que surgiram para Joanna diante das investidas

coloniais encabeçadas pelo governador Telo de Menezes238.

A índia Joanna Baptista, 19 anos, filha da índia Anna Maria com o negro de nome

Ventura, pobre e sem ter como se sustentar, ou ainda alguém que lhe amparasse, resolveu se

vender para prestar serviços ao colono Pedro da Costa. O contrato de venda ocorre, pois na

condição de escrava a índia receberia vestimenta, alimentação e ainda cuidados com sua

saúde. Além disso, o dinheiro da venda, 80.000 réis, poderia ser utilizado como pecúlio239.

Baptista, portanto, estava tentando construir, à sua maneira, medidas para lidar com as

transformações que a envolviam.

237 No original: “Quantitative evidence confirms a somewhat greater likelihood for men to run away than

women...” SOMMER, B. A. op.cit. 2012, p. 13. 238 José Nápoles Telo de Meneses [Requerimento apresentado a Martinho de Melo e Castro, em 21 de Agosto de

1780] – Projeto Resgate. AHU, caixa 86, documento 7042. 239 José Nápoles Telo de Meneses. Idem

Page 98: "Diz o índio":

98

Por meio de comparações realizadas entre o caso de Joanna Baptista e, principalmente,

das índias Josefa Martinha e Maria Silvana, já citadas nesse trabalho, Barbara Sommer alega

que tais índias na condição de pobres e que viviam fora das vilas do Diretório, “sem Pay, nem

May que della podessem tratar e sustentar...”240 teriam poucos meios para viver sem a

“proteção” de algum colono. Conforme B. Sommer isso demonstra:

...como mulheres descendentes de indígenas e miscigenadas,

especialmente solteiras, viúvas e órfãos, usaram os meios legais para defender sua autonomia, seus status e acordos internos. Essas índias,

cruciais como força de trabalho, particularmente como trabalhadoras

agrícolas, mas também como domésticas, peticionaram à Rainha Maria I (1777-1816) para fazer garantir a lei de 6 de Junho de 1755

que garantia suas liberdades.241

Tais índias foram consideradas pelo Governo como vulneráveis e, ao mesmo tempo,

tunantes, ociosas. Diante de uma política de arregimentação forçada de mão de obra para os

trabalhos públicos, elas utilizaram os direitos previstos nas leis portuguesas e os mecanismos

dispostos para tentar uma saída daquela situação em busca de determinada autonomia e

liberdade.

Joanna Baptista surge com uma escolha aparentemente contraditória, preferindo à

escravidão que a liberdade. Entretanto, tal contradição se desfaz na medida em que mesmo a

índia tendo escolhido um caminho contrário ao que boa parte dos índios apresentados nessa

dissertação buscou: maior autonomia e liberdade, ela encontrou na escravidão uma situação

que considerou mais viável do que estar a mercê de trabalhar nas obras públicas servindo ao

Estado. Na condição de escrava ela teria quem a sustentasse e a mantivesse em uma condição

minimamente razoável, dando abrigo, comida e roupas. Foi uma escolha sua, mesmo que

baseada nas menores perdas.

Assim, a índia foi protagonista de sua história, além do ato de preferir viver sob

cativeiro a estar sob as mesmas condições dos índios aldeados, estabeleceu termos no contrato

e alguns impeditivos para seu comprador que limitavam o poder do mesmo sobre ela; no caso

de vir a ter filhos ela estabeleceu que eles fossem livres de cativeiros e ainda “... se nao der

bem no seu Captiveiro poderá vendella a quem lhe parecer como sua Escrava...”242 O caso de

240 José Nápoles Telo de Meneses. Ibidem. 241 SOMMER, B. No original: “... how women of Indian and mixed descent, especially single women, widows

and orphans, used legal means to defend their autonomy, their status and their domestic, arrangements. These

Indian women, crucial to the labor force, particularly as agricultural workers, but also as domestic, petitioned

Queen Maria I (r.1777-1816) to enforce the 6 June 1755 law that guaranteed their freedom.” p. 02. 242 José Nápoles Telo de Meneses [Requerimento apresentado a Martinho de Melo e Castro, em 21 de Agosto de

1780], caixa 86, documento 7042.

Page 99: "Diz o índio":

99

Joanna Baptista nos mostra um indicativo máximo de como alguns sujeitos souberam utilizar

as vias institucionais coloniais para poderem buscar soluções a seus problemas.

4.7_ Francisco de Brito, Vila de Chaves e Antonio José, Lugar de Mondim.

No sentido oposto ao escolhido por Joanna Baptista, os índios Jorge Francisco de

Brito243

, natural da vila de Chaves, e Antonio José244

, natural do lugar de Mondim, de maneira

bastante similar e por meio do mesmo Procurador dos Índios, Jacinto Nunes de Abreu,

solicitaram usufruir, integralmente, a liberdade concedida em 1755 para poderem se

locomover pelo espaço colonial sem maiores problemas. A solicitação é baseada em uma das

muitas contradições entre a Lei de Liberdades e o Diretório dos Índios.

No requerimento referente ao índio Jorge Brito, lemos:

Diz Jorge Francisco de Brito, filho da India Cristina Furtada naturaes

da Vª de Chaves, Comarca e Bispado do Graõ Pará, q‟ querendo uzar da sua liberdade, q‟ por Direito natural e Divino, e ainda pela Ley das

Liberdades dos Indios lhe he permitida, se vê impossibillitado de o

fazer, pela sugeiçaõ em q‟ se achaó os Indios Aldeados, naó podendo

sahir das mesmas Povoaçoés pª outra qualquer parte, onde lhe convier, e melhor conta lhe fizer, sem q‟ seja por meio de fuga e porq‟ isto

ofende naó só o Dir.to natural e Divino, senão taóbem as Leys de V.

Mag.e; motivo porq.‟ Pertende q‟ em virtude dellas se lhe mande passar provizaó pª usar da sua liberdade como bem lhe parecer, e sem

q‟ se lhe possa oppôr embarasso algum.245

No que corresponde ao índio Antonio José, além de requerer sua liberdade de poder

transitar naquele espaço sem embaraços, ainda consta que o mesmo gostaria de ir trabalhar em

uma fazenda de gado na “Ilha grande de Joannes, de q‟ lhe rezulta m.ta utillidade.”246

A Ilha grande de Joanes, também conhecida como Marajó, fazia parte de uma região

repleta de férteis campos para criação de gado247 e também foi marcada como local de

243Jorge Francisco de Brito [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 23/11/1786] – Projeto Resgate. AHU,

caixa 96, documento 7606. 244 António José [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 23/11/1786] – Projeto Resgate. AHU, caixa 96, documento 7607. 245 Jorge Francisco, idem. 246 Antonio Jose, idem. 247 Alexandre Rodrigues Ferreira atesta a imensa quantidade de gado presente na região do Marajó no século

XVIII: “Ajuntando às sobreditas fazendas as outras mais dos particulares, que todas montam acima de cento e

tantas, fica sendo infinita a soma de cabeças de gado vacum e cavalar que deve produzir a ilha...”. Ver:

FERREIRA, Alexandre R. Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó. In: FERRÃO, Cristina;

SOARES, José Paulo Monteiro (Orgs.). Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira. Rio de Janeiro:

Kapa Ed., 2007.

Page 100: "Diz o índio":

100

economia camponesa que ao lado dos pastos naturais, servia para o cultivo da mandioca,

milho, arroz. Como aponta Eliane Soares em sua tese de doutorado, naquela região, índios,

mestiços, colonos e escravos criaram novos espaços de sociabilidade248. Sobre os índios, a

historiadora afirma que muitos encontraram ali um local que lhes permitia ampliar suas redes

sociais por meio de negociações, por exemplo, na venda de carne bovina e na compra de

aguardente, farinha e tabaco. Podemos inferir que Antonio José via esse cenário como uma

possibilidade de vida.

A vida dos vaqueiros na região do Marajó era demarcada por grande autonomia. Esse

“estilo” de vida pode ter suscitado interesse para alguns índios que não queriam estar

submetidos ao constante controle do Estado, afinal “apesar de todo o controle que estavam

teoricamente submetidos, em algumas circunstâncias conseguiam agir com certa

autonomia...”249. Mesmo com os pesares que aquela situação lhes impunha, os quais são

descritos na documentação, os índios supracitados não se encontravam à margem daquele

mundo em transformação, estavam inseridos naquela dinâmica e buscaram uma maior

liberdade de movimentação dentro dela.

Os casos de Jorge Brito e Antonio José não terminaram de maneira positiva para eles,

pelo menos oficialmente. Suas petições foram negadas em Lisboa com declaração segundo a

qual não seria conveniente que tais índios utilizassem plenamente suas liberdades.

Não seria proveitoso para o Estado que Jorge Brito e Antonio José tivessem seus

requerimentos atendidos em virtude da necessidade do governo de empregar sujeitos, como

estes dois índios, nos diversos serviços necessários para que os objetivos lusitanos no Vale

Amazônico fossem alcançados. Além disso, no final da década de 1780, as principais

preocupações do governador Martinho de Souza e Albuquerque estavam vinculadas à efetiva

integração dos povos indígenas ao projeto metropolitano, assim como empregá-los em

serviços para reverter o estado de decadência e abandono dos povoados erigidos pelo

Diretório dos Índios.

A decadência das povoações é explicada na ótica do Bispo do Pará, Fr. Caetano da

Anunciação Brandão, devido à falta de braços disponíveis para o trabalho, referindo-se aos

índios que estavam ausentes, àqueles que estavam concedidos para particulares e outros mais

no Real Serviço. Além disso, o bispo afirma que quando os índios chegavam às povoações

248 SOARES, Eliane Cristina Lopes. “Família, compadrio e relações de poder no Marajó (séculos XVIII e

XIX). Tese (Doutorado em História). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 2010, p. 32-77. Idem.

Trabalho, autonomia e conflito no Marajó (XVIII-XIX). IV Simpósio Nacional – Estado e poder:

intelectuais, 2007, São Luís. Ano 2007. Disponível em

http://www.outrostempos.uema.br/curso/estado_poder/27.pdf. Acesso no dia 04 de junho de 2013. 249 Idem, 2010, p. 125.

Page 101: "Diz o índio":

101

eram imediatamente enviados para outros trabalhos, vivendo “oprimidos e descontentes (...)

se embrenhaõ nos Mattos donde naõ há mais noticia delles o que naõ acontece somente em

Collares, mas em quase todas as Povoaçoés do Estado...250. Portanto, as medidas tomadas pelo

Estado iam de encontro ao desejo dos índios Jorge Antonio e Antonio José.

Em um comunicado feito no mês de dezembro de 1788, o governador diz que uma das

prioridades do governo estaria no reparo das povoações do Grão-Pará por meio do retorno dos

índios que andavam dispersos e fugidos. Nesse mesmo documento, há uma convocação para

os indígenas retornarem às suas respectivas povoações, sendo o prazo de três meses para a

capitania do Pará e de seis meses para o Rio Negro. Além disso, avisa aos moradores que

nenhuma pessoa fizesse qualquer requerimento sobre concessão de índios para serviços

domésticos “... sem que faça certo ser essa a vontade dos mesmos índios, dando por extinta e

de nenhum efeito todas as portarias anteriores de concessão de índios...”251.

Souza e Albuquerque estava restringindo aos moradores o acesso à força de trabalho

indígena, tal ação é resultado tanto da tentativa de resolver os problemas das povoações

resultante da situação de abandono, que o próprio governador constatou, como também da

necessidade de empregá-los em outros serviços do Estado.

4.8 Lutas cotidianas: autonomia, liberdades e contradições na lei.

As solicitações dos índios e as demais ações que analisamos nesse capítulo baseiam-se

em um conjunto de fatores que podem ser agrupados em três: a busca por autonomia, a lida

com a liberdade e a percepção das contradições das leis indigenistas. De maneira geral, tais

ações explicam as formas como os povos indígenas estavam inseridos no universo colonial do

Vale Amazônico.

A maneira como estavam integrados no projeto metropolitano, no caso dos índios

aldeados, permitiu-lhes notar certas contradições entre a Lei de Liberdades e o Diretório dos

Índios, o que também foi percebido por aqueles que os auxiliaram na formulação de suas

petições.

Na lida com as formas de poder instituídas, os índios que abordo nesse trabalho

lançaram mão de inúmeras estratégias: o envio de requerimentos para os agentes da

administração colonial e para a Rainha D. Maria I, por exemplo, foram demonstrações de

250 Bispo fr. Caetano da Anunciação Brandão [ Carta para a rainha D. Maria I, em 01 de agosto de 1787], Projeto

Resgate. AHU, caixa 96, documento 7663. 251 Martinho de Sousa e Albuquerque, APEP, Códice 250.

Page 102: "Diz o índio":

102

tentativas de ampliação do espaço social que fazia parte dos seus cotidianos, o que é revelador

da busca por maior autonomia e liberdade diante do controle exercido pela metrópole e seus

representantes na colônia.

É interessante perceber também a existência de alguns indícios em toda documentação

a respeito da “vontade indígena”, ou ainda, considerações sobre a “liberdade indígena” que,

mesmo diante das mais urgentes carências da colônia, em alguns casos, deveria ser levada em

conta diante das petições e requerimentos. A liberdade que aparece nas solicitações dos índios

estava vinculada a uma maior possibilidade de movimentação dentro do sistema colonial e a

um maior grau de autonomia nas suas tarefas. Isso é mais um fator demonstrativo de que se

apropriaram dos elementos da sociedade colonial e, ao mesmo tempo, buscavam brechas para

expandir espaços sociais limitados.

Essa busca por liberdade, realizada por esses índios, difere daquela proposta por J.

Hemming, em seu livro “A fronteira amazônica”. Segundo o autor, todos os índios

alimentavam um profundo amor pela liberdade e preferiam sempre à vida na selva “a viver

entre os colonos „civilizados‟” 252. Tal afirmação não deve ser generalizada, porque alguns

indígenas, como vimos no decorrer do capítulo, em virtude de determinadas condições em que

se encontravam, escolheram viver sob as orientações do Diretório.

Essa escolha não resultava de uma opção aleatória, nem era desprovida de um

raciocínio próprio. Ao optar pela vida dentro das vilas e lugares do Diretório dos Índios, no

decorrer da segunda metade do século XVIII, parte dos ameríndios concretizava uma opção,

uma escolha feita a partir de sua própria experiência, mesmo que seja das menores perdas,

tentavam deixar de lado possíveis conflitos e uma constante perseguição que encontravam no

interior dos sertões, já que como índios aldeados não seriam considerados selvagens e

bárbaros, assim como não estariam sujeitos a um possível encontro com uma nação inimiga,

além disso, ainda poderiam obter algumas vantagens.

Não pretendo afirmar que a opção pela vida junto aos portugueses seria melhor que a

vida nas aldeias indígenas. A intenção aqui é deixar claro que a ideia proposta por Hemming

não correspondeu a todos os índios do Vale Amazônico e conforme Maria Regina C. de

Almeida, muitos deles, por diversos motivos, escolhiam a vida nas vilas e lugares do

Diretório dos Índios253.

252 HEMMING, John. Fronteira Amazônica: A derrota dos Índios Brasileiros. Trad. Antonio de Pádua Danesi.

São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009, p.201. 253 ALMEIDA, Maria Regino Celestino de. op.cit. 2003

Page 103: "Diz o índio":

103

Mas, isso não quer dizer que ao se vincular às povoações do Diretório estariam imunes

a todo e quaisquer tipos de violência. Não obstante, por meio de um processo de resistência,

eles também lutaram ao não encontrar nas vilas a dita liberdade promulgada pelas vozes

coloniais e garantida pelas leis reais: enquanto muitos fugiam e abandonavam as povoações,

outros resistiram atuando através dos mecanismos disponibilizados pela própria metrópole,

utilizando sua condição de índio e vassalos do Rei para buscar sua liberdade e ainda outros

interesses que condiziam às suas próprias necessidades, sem necessariamente abandonar a

condição que a legislação lhes imputava.

Page 104: "Diz o índio":

104

Capítulo V

LIMITES DA “LIBERDADE” INDÍGENA E APROPRIAÇÕES DA LEI.

Page 105: "Diz o índio":

105

5. Apropriações da Lei.

Utilizada como referência na maioria dos requerimentos que analisamos, a Lei de

Liberdades foi promulgada em 06 de junho de 1755. Conhecida como uma das três grandes

leis de liberdades absolutas254, haja vista que proibiu a escravização dos índios e declarou que

todos eles seriam livres, foi resultado de um histórico de disputas envolvendo colonos e

missionários pela mão de obra indígena, juntamente com a necessidade da Coroa portuguesa

em legitimar a posse do território em disputa com a Espanha255. Por meio dessa lei, os índios

aldeados do Grão Pará e Maranhão foram restituídos a sua liberdade, possuindo, portanto,

garantias, direitos e privilégios resultantes dessa condição.

Não obstante, conforme podemos observar na carta de Miguel de Bulhões256 enviada

para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em 16 de dezembro de 1755 a questão da

liberdade dos índios não seria simples. Na carta do Bispo do Pará, há uma grande

preocupação em conceder a liberdade plena aos índios, pois desta forma, sem poder contar

com a mão de obra indígena para a maioria dos serviços necessários ao Estado, o mesmo

ficaria em ruína, além disso, os indígenas poderiam ficar a mercê das vontades e ações dos

colonos, como também entrar em parceria com outras nações ou ainda, embrenharem-se

definitivamente para o interior da floresta.

Para Mauro C. Coelho257, a carta de D. Miguel de Bulhões acerca das pressões dos

colonos sobre instituição da liberdade dos índios foi um dos fatores preponderantes para que

no ano de 1757, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador do Estado, promovesse

um instrumento que regularia a liberdade dos índios, sistematizando-a em um regime que

atendesse às demandas coloniais, e que se tornou o Diretório dos Índios.

A principal demanda colonial acerca dos indígenas vinculava-se a sua força de

trabalho, o que implicava na condição de “livres”, nesse sentido, nos parágrafos 58º ao 73º do

Diretório dos Índios há especial atenção ao uso do trabalho indígena, sua remuneração,

distribuição e controle258. Como supracitado, a legislação previa um sistema de rodízio que

faria com que parte dos índios aldeados passasse seis meses fora da povoação executando

254 Como aponta Perrone-Moisés, as outras duas seriam as Leis de Liberdades de 1609 e 1680. Cf: PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Op. Cit. 1992. 255 COELHO, Mauro Cezar. Op.cit. 2005a. 256 D. Miguel de Bulhões, Bispo do Pará [Ofício a Sebastião José de Carvalho e Melo, em 16/12/1755] – Projeto

Resgate. AHU, caixa 39, documento 3693. 257 Para o historiador, os conflitos que ocorreram na Colônia envolvendo a disputa pela mão de obra indígena

geram o caráter colonial da Lei do Diretório dos Índios. Segundo o mesmo: “defendo que aquela alteração e essa

elaboração foram promovidas pelos conflitos havidos na Colônia, nos quais os Diversos grupos sociais

manifestaram suas posições diante da questão indígena”. COELHO, Mauro Cezar. Op. cit., 2005a, p.152. 258 Idem, p. 170.

Page 106: "Diz o índio":

106

serviços diversos, após o término do período seriam substituídos e ficariam pelo mesmo

período de tempo em seus povoados tratando de suas roças, assim como, das roças do comum.

Francisco de Souza Coutinho, em comunicação com o comandante da vila de

Santarém no ano de 1791, deixava clara a noção de liberdade reservada aos índios pelos

agentes administrativos coloniais, segundo o governador:

No socorro de Indios que a elles se deve indispensaver dar não se deve

seguir o sistema que vossa merce tem adaptado, em todas as couzas os extremos se deve evitar como nocivos. O índio hé hum homem a

quem sua magestade foi servida restituir a sua natural liberdade

mas não se deve por isso intender, que há-de viver em occiozidade,

nem ser inútil aos outros homens, por esta cauza se o Indio esta

ocupado em benefício seu particular, he certo que se não deve

privar do seu para aprovietar o alheio, mas se elle quer viver em

ociozidade, e para a pretextar, exige preços muito altos pelo seu

salario, então se deve obrigar a trabalhar e por hum preço

razoavel.259

A leitura que os indígenas requerentes fizeram do conjunto da legislação foi,

evidentemente, bastante distinta daquela realizada pelos demais agentes da colonização. A

liberdade ditada pelo Diretório dos Índios não era absoluta, quando requisitados os índios

deveriam prestar serviços aos colonos e ao Estado, cumprindo uma série de obrigações,

contudo, como já dito, não foi assim que alguns agiram. Maria Silvana ao solicitar que a

desvinculassem do trabalho na roça do comum, Jorge Brito e Antonio José por pedirem

liberdade para transitarem no espaço colonial sem embaraços, e, também, demais índios

citados nesse trabalho que buscaram liberdade pela via institucional, são exemplos disso.

Ao se integrarem no sistema regido pelo Diretório dos Índios, os indígenas acabavam

por atender a uma demanda metropolitana: processo de fixação dos ameríndios nas vilas.

Porém, o fato de se integrarem aquele sistema não significava a submissão a tudo que lhes era

solicitado ou ainda que se integraram conforme a ótica do colonizador. Buscaram a liberdade

que fora prevista em lei; quando não a encontravam, também optaram por utilizar – entre

alternativas que permeavam o cotidiano das vilas – as instituições portuguesas para fazer valer

aquilo que lhes era prescrito por direito ou, ainda, aproveitando as brechas daquilo que a

legislação não previa.

Para o historiador José Alves de Sousa Junior, a complexidade das relações

desenvolvidas ao longo da aplicação do Diretório dos Índios é marcada por apropriações da

259 Francisco Maurício de Sousa Coutinho. APEP, códice 466, doc. 202, p. 146-148.

Page 107: "Diz o índio":

107

lei pelos diversos atores que ela procurava englobar “... no cotidiano, se adaptavam,

negociavam, faziam concessões, entravam em conflito, estabeleciam alianças, resistiam.” 260.

Essas apropriações podem ser visualizadas nos diversos documentos que compõe as

cartas trocadas entre os agentes históricos que habitavam o Vale Amazônico e também nas

comunicações entre Colônia e Metrópole. Em uma consulta do Conselho Ultramarino para a

rainha D. Maria I, índios aldeados, colonos e soldados das vilas de Santarém e de Borba,

solicitaram a realização de uma averiguação nos excessos de violência e roubos de todos os

comandantes que serviram naquelas vilas.

Percebemos uma série de denúncias contra os comandantes das vilas que perpassa a

questão da integração dos índios e a sua importância para o projeto metropolitano. O

documento frisa os maus tratos direcionados aos indígenas e os utiliza para solicitar a rainha

D. Maria I uma devassa contra os comandantes das ditas vilas. Em determinado trecho lemos:

Dizem os índios, o cap.am Mor Diogo Castro, e os mais da Villa de Borba, e moradores da mesma, e mais brancos da capitania do Rio

negro do Estado do Pará... depoes q‟ comandou a d.a Villa o cap.m de

infanta.a Domingo Franco Leal Vassalo de V. Mag.de vivem... obrigado a hum rigorozo captiveiro pelos mesmos Comandantes,

roubados e espancados: houve comand.e q‟ matou a trez rapazes de

menor id.e com cruéis pancadas as quais se chamavao Protazio, Joze Mem, e outros mais...

261

As evidências presentes na documentação nos levam a interpretar a mesma a partir de

duas formas distintas, entretanto, complementares: os moradores não-índios,

instrumentalizaram a participação dos indígenas no processo, integrando-os na condição de

sujeitos requerentes, tornando, desta forma, aquela querela em algo de suma importância para

os objetivos da Coroa. Eles vinculam aquelas tensões, às quais queriam uma solução, ao

projeto de civilização metropolitano, tanto que os requerentes agravaram a denúncia

acrescentando a informação de que os índios já batizados fugiam constantemente para os

matos devidos aos maus tratos262

.

É condição sine qua non percebermos também, e eis a segunda maneira de analisar

esse requerimento, que uma das formas de agir escolhidas pelos índios aldeados de Borba e

Santarém foi a união com os demais moradores das vilas para uma tentativa conjunta de

260 SOUZA JUNIOR, José Alves de. O cotidiano das povoações no Diretório. Revista de Estudos Amazônicos.

Vol. V, nº 1, 2010, p.79-106, p.80. 261 CONSULTA do Conselho Ultramarino para a rainha [D. Maria I, em 15/04/1779] – Projeto Resgate. AHU,

Pará (avulsos), caixa 82, documento 6754. 262 Idem.

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108

repreensão aos comandantes. Em um momento no qual a legislação não só protege, mas

também valoriza os índios e a questão de integrá-los, os mesmos instrumentalizaram suas

solicitações tomando medidas legais contra os abusos. Tanto indígenas quanto não-índios

possuíam necessidades imediatas, algumas delas estavam relacionadas diretamente ao

comportamento dos comandantes das referidas Vilas, e a apresentação de um documento

conjunto, englobando todas essas necessidades, foi vista, por ambas as partes, como recurso

válido.

Aqui podemos perceber que ao assumirem a condição de agentes importantes no

processo de ocupação e consolidação da presença portuguesa na região, os índios surgem

como aliados relevantes nos jogos políticos na Colônia. É um jogo de mão dupla, na medida

em que por meio dos ameríndios e da defesa de seus interesses, alguns colonos podem dar

conclusão às suas lutas e disputas, e por meio das disputas dos colonos, os povos indígenas

puderam tirar vantagens e ver seus direitos garantidos.

Isso demonstra que a implementação do Diretório transformou profundamente a

relação dos atores sociais que faziam parte daquele contexto. Índios, colonos, religiosos,

agentes da administração, todos tiveram seus papéis conformados pela legislação, mas não só

por ela, também pelas situações particulares em que estavam inseridos263. De acordo com

Coelho:

... uma série de iniciativas no sentido de transformar o panorama físico

e humano daquela, então, parte da América Portuguesa. Um conjunto de acontecimentos fez com que o Vale Amazônico, mais uma vez já

naquele tempo, fosse objeto de um ambicioso projeto de colonização

que pretendia enquadrar seus habitantes e a sua natureza no universo

263 Três casos exemplares de índios que mesmo submetidos ao regime do Diretório, criaram suas ações com base

no seu cotidiano: o primeiro é do principal da povoação de S.Anna. O indígena ao não ter seu pedido atendido

pelo Diretor quis castigá-lo com uma palmatória. Manoel Gonçalves Geminez, na sua carta para Francisco de

Sousa Coutinho acerca da elaboração dos mapas das vilas, ainda afirma que o dito principal tem “a confiança de

descompor os soldados que levão Cartas minhas, dele mesmo na fala de Diretor, e depois disto escreve me

Cartas de satisfação...”. Fonte: APEP, Códice 541, doc. 15. Já o segundo caso ocorre na década de 1780, o

governador José Nápoles Telo de Menezes informa ao diretor do lugar de São Bento do rio Capim que “Recolhe

a sua povoação o sargento mor della o Indio Francisco Neves, o qual há mezes se acha nesta cidade por ordem

minha madado vir pela informação que tive da más praticas e conselhos que dava aos mais Indios da

mesma, e com que muitos desses havião se auzentado para diversas paragens. Persuado-me que leva huma

boa lição para ser a primeira, porém quando continue com os seus maos costumes passados vossa mercê lhe lembrar as suas obrigaçoens, e o castigo que naturalmente deve esperar por esta obstinação. Não julgo que elle se

exponha segunda vez a poder ser chamado mas occorendo qualquer desordem vossa mercê me fará saber

primeiramente para eu dar as providências...”. José Nápoles Telo de Menezes, APEP, códice 356, documen to

141, p. 143-144. O último é relatado em um carta que o comandante de Santarém recebe no ano de 1791, escrita

pelo governador Francisco de Sousa Coutinho: O Indio Silverio da Rocha fará vossa mercê recolher a essa Villa

o réu, e o fará servir nas obras publicas dessa Villa, hum mez com calceta, pello ouzado insulto com que

acometeu o Director da Villa de França; Do mesmo modo será tratado o Indio Florencio da Costa, por ter

desobedecido o seu Principal e a esta demonstração bastará para conter aquella gente...” Francisco de Sousa

Coutinho, APEP, códice 466, documento 229.

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109

do Império Colonial Português. Houve, no entanto, um fator que

distinguiu essa iniciativa das que a antecedeu: ela compreendia a

inclusão do indígena na sociedade lusa, por meio de um paradigma laico e da prática de um ideal de civilidade, baseado no trabalho e na

miscigenação...264

Como já citamos, a criação do cargo de Diretor, o novo responsável pela tutela dos

índios em substituição dos missionários; a condição dos indígenas como vassalos do rei,

possuindo direitos e condições iguais aos homens livres, inclusive assumindo funções

administrativas nas povoações, são exemplos de tais transformações.

5.1 A inserção dos povos indígenas: mais do que massa amorfa.

Alçados à condição de vassalos do rei, portanto, em tese, colocados na mesma

condição jurídica que os demais colonos, os indígenas do Vale aprenderam a lidar com as

formas de poder instituídas, inclusive no que condiz à participação efetiva na exportação de

produtos oriundos do comércio.

No final do ano de 1777, D. Tomás Xavier de Lima Vasconcelos Brito Nogueira Teles

da Silva, secretário de estado dos Negócios do Reino e Mercês, também visconde de Vila

Nova de Cerveira, recebeu uma carta acerca da intenção dos índios das Vilas de Faro e

Alenquer de enviarem diretamente para Portugal salsaparrilha e óleo de “copiúva” pelos

navios da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão265.

H. F. Holler acredita que os índios de Alenquer e Faro “estavam bem cientes do valor

monetário do que coletavam e haviam tentado minimizar as discrepâncias de quem lucrava

através deles sob o sistema comandado pelo Estado”266. Foi uma tentativa dos índios de

conseguirem mais autonomia e poderem obter maior ganho nos produtos que coletavam.

Situação parecida, em que também percebemos uma ação indígena, ocorreu com os

índios que saíram da vila de Portel para trabalharem em uma ribeira (parte da margem dos

rios, geralmente onde se consertam embarcações) próxima ao comando da base naval de Val

de Cães. O diretor de Portel é elogiado por ter enviado índios que se ofereceram ao serviço:

“Muito bem fez Vm.ce em mandar daquelles Indios que voluntariamente se offereceraõ; e se

264 COELHO, Mauro C. Op.cit. 2005, p.24 265

João de Amorim Pereira [Ofício para o D. Tomás Xavier de Lima Vasconcelos Brito Nogueira Teles da Silva,

em 31/12/1777] – Projeto Resgate, AHU, Pará (avulsos), caixa 78, documento 6508. 266 ROLLER, Heather F. Expedições coloniais de coleta e a busca por oportunidades no sertão amazônico, c.

1750-1800. Revista de História. São Paulo, nº 168, jan./jun.2013, p.233.

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110

elles fossem homens com quem se podesse contar, quanto à persistencia, paresse que estes

vindo por sua vontade completarão o tempo do seu serviço.”267.

A participação dos índios na economia colonial ocorreu de várias formas e em

diversas atividades. Elas ocorriam por meio da prestação de serviços ao Estado e também aos

colonos, servindo em diversos tipos de trabalho, mas não só. Em alguns casos, e até mesmo

incentivados pelos agentes administrativos na colônia, os índios criavam certa autonomia nos

trabalhos que realizavam. Ao diretor de Penha Longa foi recomendado que incentivassem os

índios a pescarem por conta própria e venderem o que conseguirem em Belém. Conforme a

documentação:

Visto haver pouca gente nesse não he possível empreender grandes

Pescarias, com tudo anime vossa mercê e inspire a elles mesmos cinco Indios ahi existentes a que pesquem por sua conta, e venhão vender

peixe fresco ou salprezo a esta cidade, como cujo producto poderão

sustentar-se quando até agora fazendo huma pequena rossa de mandioca esta lhes não pode bastar para a sua subsistencia. Por este

modo satisfaz vossa mercê a minha ordem, e a obrigação, que vossa

mercê lhe impostas pelo Directorio.268

É essa inserção e participação dos índios no sistema colonial, uma das mais

importantes mudanças geradas pelo Diretório dos Índios, justamente, na inclusão do indígena

na sociedade lusa como até então não havia ocorrido269. Conforme estamos demonstrando,

mais do que absorvidos como massa amorfa, os indígenas se incluíram nessa sociedade,

criando estratégias, procurando soluções para os problemas que surgiam no dia a dia,

estabelecendo e ampliando suas redes sociais.

Índios participando ativamente da economia como o caso do índio Pedro que era

mestre na preparação do açúcar270

, outros assumindo cargo na administração como o índio

Filipe de Santiago Monteiro que foi diretor na vila de Monforte da Ilha Grande de Joanes271

.

Não se trata de uma mera reação aos dispositivos e investidas coloniais, trata-se de uma

percepção do mundo que os cercava, das mudanças que ocorriam e como tirar proveito

daquilo. Para Celestino de Almeida: “Apesar da condição subalterna, opressiva e restrita na

267 APEP, códice 456, doc. 349, p. 920-921. 268 Francisco de Sousa Coutinho, APEP, Códice 466, documento 49. 269 COELHO, Mauro C. Op. cit., 2005a, p.24 270

Francisco Antonio Baptista de Castro [Ofício para os oficiais do Senado da Câmara da cidade de Belém do

Pará, em 19 de Novembro de 1780] Projeto Resgate, AHU, Pará (avulsos), caixa 87, documento 7077. 271 João Pereira Caldas [Ofício para o secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro,

posterior a 1780] Projeto Resgate, AHU, Pará (avulsos), caixa 87, documento 7102.

Page 111: "Diz o índio":

111

qual ingressaram nas aldeias coloniais, os índios foram capazes de se rearticular social e

culturalmente...”272.

Essa rearticulação, afirma a historiadora, ocorreu na medida em que o índio se

apropriou da nova identidade imposta pelos colonizadores e dos mecanismos coloniais a fim

de obter alguma vantagem: são vassalos do rei português sem tornarem-se um objeto amorfo e

maleável aos objetivos europeus, elaborando estratégias de sobrevivência, inclusive dentro

das próprias vilas.

A lida e trato construídos pelos índios no último quartel do século XVIII – mas não

somente nesse período – respondem a uma transformação nas práticas culturais e sociais

destes povos, estando relacionados a uma forma de se posicionar diante daquela sociedade em

transformação. Os exemplos já explorados na documentação nos mostram que as tentativas de

utilizar os meandros da lei para manter certa autonomia naquele espaço social eram

recorrentes. Com ações que surgiam no cotidiano do Vale Amazônico, os índios aldeados

atuaram utilizando instrumentos disponibilizados pelo Estado português, através dele e,

também, à revelia do mesmo.

O acúmulo de um conhecimento vindo através da experiência cotidiana, não se deu de

uma hora para outra, foi fruto de anos de contato com os europeus, o que, segundo Francisco

Cancela, possibilitou-lhes um domínio “de uma série de signos e procedimentos da cultura

letrada e institucionalizada, (...) apropriadas pelos indígenas para negociar melhores

condições de vida na sociedade colonial em formação”.273.

Na medida em que os povos indígenas se rearticulavam no mundo colonial, escolher

por viver dentro das vilas poderia significar uma forma de resistência adaptativa, pois

buscavam maior autonomia por meio de uma alternativa de sobrevivência diante daquele

mundo em constante transformação.

Tais rearticulações também ocorreram por meio da própria escolha de viverem dentro

das vilas e lugares, tomando a iniciativa no processo chamado de descimento voluntário. Em

Outubro de 1783, José Nápoles Teles de Menezes, já no final de seu mandato como

governador, vangloriou-se do descimento de trinta e oito índios para a Vila de Porto de Moz.

Em um ofício anexado à carta do governador para a rainha, existem mais detalhes acerca do

ocorrido. Segundo Valentim Antonio de Oliveira e Pedro Antonio Mourão, autores do ofício,

os índios voluntariamente escolheram viver na dita vila com seus antigos amigos,

acrescentando também que o descimento ocorreu sem despesa real:

272ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. op.cit., 2009, p.28. 273 CANCELA, Francisco. Op. cit. 2008, sem numeração.

Page 112: "Diz o índio":

112

Em efficacia pertendem reduzir a parte da gente, q ficou no matto,

com aquella brandura e gosto com q elles se recolherao ao gremio da

Igreja, o q‟ com facilidade o poderao fazer, e abitando elles nesta V.ª por assim ficarem e justarem com os mesmos, q‟ no matto ficarao e q‟

só sim sabendo nao existirem elles nesta Povoaçao; julgao sem effeito

toda a diligencia, que fizerem de outra parte, afim de os recolher,

receando tambem alguã conspiração contra elles, por lhes faltarem no ajuste, q‟ entre si fizerao de assistirem todas, e viverem juntos nesta

Vª...274

Percebemos que parte dos índios que desceu “voluntariamente” ficou na floresta,

sendo assim abandonaram os demais do grupo no decorrer do caminho. Muitos seguiram o

principal, entretanto, tal situação é diversa, já que nem sempre todos acompanhavam seus

líderes. Além desse fato, como aponta Mauro Coelho, boa parte desses descimentos não

passava da fase da troca de presentes, às vezes possuíam até um final trágico, quando morriam

agentes coloniais e indígenas275.

Os motivos que levaram a parcela dos índios que continuou seu trajeto até a vila de

Porto de Moz, portanto, a se aproximarem da sociedade colonial, não estão descritos na

documentação, contudo, essa fonte é importante, pois nos mostra que o processo de

descimento não esteve apenas relacionado ao interesse colonial sobre os índios, revelando

também interesses indígenas. Muitos dos atos voluntários de aldeamento são explicados por

razões que envolveram questões climáticas, doenças, carência por alimentos e até os conflitos

com outras nações indígenas.

Francisco Jorge dos Santos, no livro Além da conquista: guerras e rebeliões indígenas

na Amazônia Pombalina, explana que o famoso caso do processo de estabelecimento de paz

com os índios Mura ou a “autopacificação” dessa etnia pode ser explicada pelos:

... ataques anuais das „Tropas Auxiliares da capitania‟ e as diversas expedições punitivas; o gradual enfraquecimento da tribo causada

pelas epidemias de sarampo e varíola; a adoção de elementos

estrangeiros e, particularmente, a implacável guerra que os Mundurucus faziam contra eles.

276

Os Mura foram, na segunda metade do século XVIII, uma das principais nações

indígenas que se colocavam como obstáculo aos interesses coloniais. Após um período de

274 José Nápoles Telo de Meneses [Carta para a rainha D. Maria I, em 25/10/1783] – Projeto Resgate, AHU,

caixa 90, documento 7356. Ver também sobre descimentos voluntários: José Nápoles Telo de Meneses [Carta

para a rainha D. Maria I, em 17/12/1781] – Projeto Resgate, AHU, caixa 90, documento 7159. 275 COELHO, Mauro Cezar. Op.cit. 2005a, p.272. 276 SANTOS, Francisco Jorge dos. Além da conquista: guerras e rebeliões indígenas na Amazônia Pombalina.

2ª Ed. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 2002, p. 84.

Page 113: "Diz o índio":

113

intensos conflitos com colonos e outras nações inimigas, iniciados pela intensificação do

fluxo de barcos pelo rio Madeira devido à descoberta de minas de ouro em Mato Grosso,

houve um decréscimo populacional dessa etnia277.

Em meados da década de 1784 um grupo de índios dessa etnia, liderado pelo principal

Ambrózio, procurou as autoridades portuguesas para cessarem as guerras e estabelecerem um

acordo. Pontos do trato podem ser visualizados no documento transcrito abaixo, o mais

relevante nesse momento está relacionado ao poder de barganha e escolha referente à

determinação indígena de poder decidir o local de estabelecimento da povoação. Podemos ver

que em contrapartida, Ambrózio prometia ao agente administrativo a tarefa de descer outros

índios para, também, estabelecer a paz com os lusos brasileiros.

Sobre o processo de estabelecimento de paz com os índios Mura, quando o tenente

coronel João Baptista Mardel encontrou-se com o principal Ambrózio, ele afirma que o índio

fora ao seu encontro para falar sobre estabelecimento de uma povoação no lago do Amaná:

...e entre todas as praticas que lhe fiz, ainda que não tão energicas como V. Ex. é servido instruir-me, me respondeu, que elle ia já dar

principio á sua povoação no lago do Amaná em uma tapera aonde em

outro tempo esteve a povoação de Alvarães... Que elle depois de dar

principio á povoação que pretendia fazer grande, para o que já trazia um principal Chumana com parte da sua gente, toda corpolenta, e

muito trabalhadores; devendo depois vir o resto que nas terras do

Japurá d´esta nação ficaram; pretendiam passar ao Juruá praticar o Mura d´ aquelle rio, de quem elle era socio, e pôl-os de paz,

reduzindo-os a fazer, ou no mesmo Juruá, descerem com elle a

augmentar a povoação ou povoações no mesmo Amaná... Apresentou-

se-me estre troço do Ambrozio, e principal Chumana com dezenove pessoas adultas, e algumas crianças; entre aquellas vinham dois

Muras... um cunhado do Ambrozio, e outro que supponho, como

espia, que para acompanhar teria deixado o primeiro principal que me appareceu e que pratiquei, e que tambem diz pretende no mesmo lago

aonde tem muitos alliados Muras fazer a sua povoação, que se

entendeu ser junto com o indio Ambrozio... D ́ este troço como do primeiro, foram mais de cem almas em direitura para o Amaná,

receiando vir á minha presença; mas conversaram e estiveram no

Maripi, e no caminho com o director, a quem verdadeiramente se deve

ser o instrumento de que Deus se serviu... Das promessas que o primeiro principal Mura me fez, de praticar os mais de uma e outra

margem do Amazonas, já se percebeu alguma utilidade (segundo me

dizem, e que ainda não dou por certo)... 278

.

277

PEQUENO, Eliane S.S. Mura, guardiães do caminho fluvial. Revista de Estudos e Pesquisas. FUNAI,

Brasília, v.3, n.1/2, jul./dez. 2006, p. 133-155. 278 Noticias da voluntaria reducção de paz e amizade da feroz nação do gentio Mura nos annos de 1784, 1785 e

1786. Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Tomo 26, 1904(1873), pp. 323-392. pp. 331-334.

Page 114: "Diz o índio":

114

O fato dos desses indígenas procurarem os núcleos populacionais portugueses são

também indicativos que revelam uma política indígena ante uma política indigenista

implementada pela metrópole. Diante da necessidade metropolitana por mão de obra e de um

motor populacional da região, os índios do Vale Amazônico também procuraram garantir seus

objetivos diante das mudanças ocorridas no espaço que conheciam.

Outro exemplo envolve o governador do Pará, Francisco Maurício de Sousa Coutinho

(1790-1803). Ao escrever sobre a nação dos índios Carajás afirmou que os mesmos têm um

relacionamento amigável e que conseguiu junto com o principal da nação, mais um grupo de

índios, estimando doze ou treze indivíduos. O mais interessante está em uma nota que

Coutinho fala sobre a visita do principal. Nela, podemos perceber como os indígenas

utilizavam a seu favor a relação que possuíam com os portugueses, no caso, um conflito

contra a nação dos Apinagés foi um dos motivos:

O principal dos Carajás, que veio no anno passado á cidade, requerendo-me auxilio para se recolher livre dos insultos que houvera

de receber dos Apinagés, e requerendo-me que queira descer e vir

situar-se perto de Alcobaça, mandei um furriel com cinco ou seis soldados em duas montarias ou igarités a reconhecer a povoação

d´elles e a navegação d´aquelle rio...279

.

Os processos de descimentos por vezes foram mediados por indígenas que, por

diversos motivos (guerra intertribal, formação de alianças, obtenção e abastecimento regular

de novos produtos, inclusive produtos médicos) preferiam a vida nas aldeias como

alternativas à colonização280.

De acordo com Patrícia Sampaio, quando Francisco Coutinho se tornou governador

do Pará o cenário na capitania não era dos melhores: cofres vazios, carência de mão de obra e

tensões nas áreas de fronteira com França e Espanha eram os problemas mais caros a lidar. As

intervenções de Souza Coutinho, segundo a historiadora, foram voltadas para as seguintes

ações: incentivar o tráfico africano; acabar com os contratos de serviços entre índios e

particulares, permitir os descimentos de índios não-aldeados por colonos e reforçar a defesa

do Estado por meio do recrutamento militar281.

279 Viagem de Tomás de Sousa Vila Real pelos rios Tocantins, Araguaia e Vermelho, acompanhada de

importantes documentos oficiais relativos à mesma navegação. Revista do Instituto Histórico Geográfico

Brasileiro. Tomo 11, 1848:401-444; p. 403. 280 DOMINGUES, Ângela. Op.cit. 2000, p.281 281

SAMPAIO, Patrícia. Administração colonial e legislação indigenista na Amazônia Portuguesa. In: PRIORE,

Mary Del; GOMES, Flávio dos Santos (orgs.). Os senhores dos rios: Amazônia, margens e histórias. Rio de

Janeiro: Campus/Elsevier, 2003, p. 126-127. Na documentação ver: Francisco Mauricio de Souza Coutinho.

APEP, códice 456, docs. 342, 343, 344, 347; Idem, códice 466;

Page 115: "Diz o índio":

115

Diante desse quadro, em 19 de agosto de 1790, Souza Coutinho escreveu para o

comandante de Alcobaça para que ele cuidasse em promover e facilitar o descimento dos

índios que passaram por aquela vila. Segundo o governador, esse era o maior préstimo que o

comandante poderia realizar para o benefício do Estado e mandou que não consentisse em

que:

...se lhes faça a menor violencia, e pois que elles navegão com essa

franqueza bem prezumo se houver cuidado da sua parte com

facilidade descerão: sobretudo tivera grande gosto em que viesse alguns, ou ao menos algum dos Principaes a minha prezença.

282

É intrigante notar, já nos anos finais de aplicação do Diretório dos Índios, que o

próprio governador notou que para alcançar os seus objetivos era fundamental contar com a

participação dos povos indígenas. Seja no bom trato, como no caso do descimento dos índios

que passaram por Alcobaça, seja nas mais diversas situações que ocorriam no Vale

Amazônico, como por exemplo, quando se posicionou a favor de um índio que tinha sido

acusado pelo diretor de Monte Alegre e ainda proibindo o mesmo de castigar o índio. Na carta

ele afirma ao diretor que:

na suposição de que vossa mercê lhe terá dado bastante motivo para o

desatino que commeteo, e na certeza de que não fará outro igual. Adverte a vossa mercê que se abstenha de castigar os mesmos Indios,

que os trate com toda a doçura. Que cuide em os applicar a cultura e

em fazer grande Rossa do Commum augmentando a Povoação.283

Ou ainda quando o vigário da Vila Nova El Rey queixou-se dos índios daquela vila, o

Souza Coutinho disse que:

só se pode queixar delles quem os tratar mal, aqui tenho alguns neste

Palacio muito por sua vontade, e que por modo algum querem daqui

sahir (...) Não poderia vossa mercê ter fundamento para a cerimonia das suas queixas...

284

282 Francisco Mauricio de Souza Coutinho. APEP, códice 466, doc.14. 283 Idem. APEP, códice 466, doc. 12, p. 06. 284 Id, doc. 31, p. 21-22. Outro caso pode ser visualizado no requerimento feito pelo morador da vila de Cametá,

João Saraiva da Silva, solicitando que se punissem os índios da nação Sumaúma que tinham matado seu filho.

No parecer do governador Pereira Caldas, lemos que o pedido de punição contra os índios foi negado pois,

aquilo seria um incidente isolado e causado pelo próprio filho de João Saraiva. Ver: João Pereira Caldas [Carta

para o rei D. José I, em 20/02/1776] – Projeto Resgate, Pará (avulsos), AHU, caixa 75, documento 6280.

Page 116: "Diz o índio":

116

Cerca de oito anos mais tarde esse mesmo governador aboliria o Diretório dos Índios

com a alegação de que os diretores subverteram a letra da lei ao instituírem um controle

abusivo e coativo sobre os índios. O insucesso de sua aplicação, na ótica de Souza Coutinho,

recaía unicamente nas mãos dos sujeitos responsáveis por colocá-la em prática. Mas o que

esse juízo oculta é que no cotidiano, índios, diretores e todos aqueles agentes envoltos na

política indigenista levada a cabo pela metrópole foram redimensionados por suas próprias

ações e desafios diários285.

285 COELHO, Mauro C; SANTOS, Rafael R. N dos. “Monstruoso systema (...) intrusa e abusiva jurisdicção”: O

Diretório dos Índios no discurso dos agentes administrativos coloniais (1777-1798). Revista de História da

USP. São Paulo, nº 168, jan./jun., 2013, p. 100-130.

Page 117: "Diz o índio":

117

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Page 118: "Diz o índio":

118

As políticas indígenas analisadas nesse trabalho são entendidas como instrumento de

resistência adaptativa ao processo de colonização e civilização dos índios no Vale

Amazônico. Como já citado, mas ainda cabe ressaltar, não foi meu intuito promover a ideia

segundo a qual os povos indígenas sempre souberam driblar e se valer da lei a todo o

momento para lidar com a sociedade colonial, afinal, a aproximação aos núcleos coloniais e o

acesso às instituições jurídicas administrativas foram apenas uns dos meios de luta

encontrados e, ainda assim, nem sempre utilizados pelos povos indígenas. As fugas, as

guerras e demais conflitos, juntamente com um número de mortes incontáveis de índios,

também fizeram parte da colonização da América portuguesa.

Uma análise geral dos requerimentos e solicitações dos indígenas que estudamos nos

mostra que os documentos consultados seguem um padrão de identificação, logo no início dos

mesmos estão presentes os nomes dos indígenas e a vilas as quais pertenciam. Para Maria

Regina Celestino de Almeida, quando os índios buscavam suas mercês diante das autoridades

coloniais identificavam-se como pertencentes a alguma aldeia, pois “Essa identificação

definia o lugar social do índio na rígida hierarquia do Antigo Regime, e, além de lhes impor

uma série de obrigações, também lhes garantia direitos...” 286.

“Dis a india Patronilha da Villa de Beja comarca do Parâ...”. 287 “Dis a índia Maria

Silvana moradora adjunta da Villa de Cintra da Capitania do Grão Pará...”.288 “Dis o Indio

Romão Vieira morador da Vª de Conde da capitania do Estado do gram Para...”289, é um

padrão de identificação e inserção: pode-se alegar que tal padrão possa ser uma convenção

social utilizada pelos próprios agentes administrativos coloniais na hora de elaborar os

requerimentos e petições dos índios, ou algo próprio da natureza desses documentos, e

possivelmente era, contudo, o fato de se identificarem ou de serem identificados como

pertencentes a alguma vila não anula o argumento apresentado por Almeida, nem o que

proponho: o padrão é revelador do lugar social destinado àqueles indígenas, e dentro deste

lugar, deveriam cumprir regras e deveres, como também, seriam detentores de alguns direitos

e privilégios.

O quadro sinóptico, a seguir, sintetiza algumas das informações tratadas no trabalho.

Ele nos mostra os pedidos dos índios que foram realizados por vias institucionais, suas vilas e

286 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Op.cit. 2009, p.31. 287 Patronilha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 06/01/1779] – Projeto Resgate. AHU – Pará

(avulsos), caixa 82, documento 6700. 288

Maria Silvana [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 07/06/1785] – Projeto Resgate. AHU – Pará

(avulsos), caixa 94, documento 7507. 289 Romão Vieira [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 31/01/1787] – Projeto Resgate. AHU – Pará

(avulsos), caixa. 96, documento 7626.

Page 119: "Diz o índio":

119

lugares de origem, relacionando-os, quando disponível na documentação, com seus laços

sociais, parentesco, e com o governador do período. É indicativo perceber que a maior

demanda é vinculada a noção de liberdade: de poder transitar por onde quisessem sem que

fossem tomados como fugitivos ou vadios; de escolherem morar com determinado colono

(normalmente tal escolha se deu pela convivência que já possuíam com o mesmo); os demais

requerimentos mostram demandas mais imediatas e fruto de um contexto específico:

Nome Idade Família Governador Vila/Lugar Solicitação Ano

Grupo de

índios s/

identificação - -

João Pereira Caldas

Faro

Exportar

produtos diretamente

para Portugal

1777

Grupo de

índios s/

identificação - -

João Pereira

Caldas Alenquer

Exportar produtos

diretamente

para Portugal

1777

Índios s/

identificação - -

João Pereira

Caldas Borba

Averiguação dos abusos e

roubos

cometidos pelo comandante da

Vila

1777

Índios s/

identificação - -

João Pereira

Caldas Santarém

Averiguação

dos abusos e roubos

cometidos pelo

comandante da Vila

1777

Patronilha - - João Pereira

Caldas Vila de Beja

Ficar em casa

de

determinado colono ou

onde quisesse.

1779

Magdalena - - João Pereira

Caldas

Lugar de

Penha Longa

Ficar em casa

de determinado

colono ou

onde quisesse.

1779

Josefa

Martinha -

Viúva de

João de

Jezus

Filhos: José Justiniano e

José Lins

João Pereira

Caldas Belém

Liberdade e

que um dos

seus filhos

aprendesse o ofício de

carpinteiro

1779

Cipriano de

Mendonça -

Pai:

Principal

Anselmo de

Mendonça

João Pereira

Caldas

Vila de

Portel

Requereu índios para

enviar à

extração das

drogas do sertão

1779

Page 120: "Diz o índio":

120

Joana

Baptista 19

Mãe: Índia

Anna

Maria; Pai: negro

Ventura

José Nápoles Telo de

Menezes

Belém Escravizou-se 1780

Manuel

Pereira de

Faria

- -

Fernando da

Costa de

Ataide Teive / Martinho de

Sousa e

Albuquerque

Vila de Oeiras

Solicitou carta patente no

posto de

Mestre de

Campo e apresentou

queixas contra

as injúrias cometidas pelo

governador

1771

/

1784

Maria

Silvana Idosa

Viúva do

índio Eleutério

Jozé da

Serra; Filhos:

Crispim

Nicácio

Alexandre Vicência

Merência

Netos: José e

Manoel

Martinho de Sousa e

Albuquerque

Próx. ao rio

Cuiarana /

Vila de

Cintra

Solicitou ser

moradora efetiva da Vila

de Cintra,

contudo, sem a

dependência do serviço do

comum.

1785

Jorge

Francisco de Brito

-

Mãe: Índia

Cristina Furtada

Martinho de

Sousa e Albuquerque

Vila de

Chaves Liberdade 1786

Antonio José -

Mãe: Índia

Andreza; Casado

com a índia

Francisca

Lopes

Martinho de

Sousa e Albuquerque

Lugar de

Mondim

Liberdade, ir

para a Ilha de Marajó

1786

Romão Vieira -

Neto do

antigo

principal dos

Pacajáz.

José Nápoles

Telo de Menezes

Vila do

Conde

Confirmação de patente no

posto de

principal

1787

Bonifácia da Silva

- -

Martinho de

Souza e

Albuquerque

Belém

Solicitou ficar

em casa de determinado

colono

1790

Tabela 1 – Quadro sinóptico com nomes e informações dos índios que formalizaram requerimentos para os governos metropolitano e colonial.

A caracterização desse conjunto de complexas relações desenvolvidas entre os atores

históricos no Vale Amazônico – índios e não índios – é mais válida do que uma percepção

unilateral da ação de tais sujeitos. É o entendimento do processo total e, portanto, das ações de

Page 121: "Diz o índio":

121

colonos, índios, religiosos, etc. que torna a análise mais completa, portanto, o objeto

apresentado nessa dissertação é apenas uma das facetas das relações vividas. Como alvitra D.

Sweet:

Uma história eficiente dos „índios aldeados‟ do Pará e seus

descendentes caboclos não será uma história de suas opressões tanto

quanto a história de sua adoção seletiva e sua adaptação frente às instituições estabelecidas pelo colonialismo europeu entre eles – uma

história de sobrevivência na tripulação das canoas, no trabalho e na

aldeia; uma história da construção de novas e duradouras formas sociais, desafiando as expectativas das autoridades coloniais; uma

história de resistência e rebelião ocasionais e de constante

manutenção; uma história de recriação e de renovação espiritual no meio da miséria; uma história talvez vacilante, mas em que a

esperança não morre. Tal história pode ser escrita, acredito, mesmo

para os desprezados e anônimos „habitantes subalternos‟ de um

remanso colonial esquecido por Deus, como o Pará.290

Os requerimentos e atitudes protagonizadas por índios e índias no último quartel do

século XVIII, solicitando liberdade, aproximando-se da sociedade colonial e elaborando uma

negociação para a fixação em determinada povoação, a preferência a ser integrado ao sistema

de trabalho estabelecido pelo Diretório dos Índios ou o inverso como quis Joana Baptista, a

índia que preferiu ser escrava a ter sua liberdade, revelam que diante de um mundo em

transformação procuraram estabelecer ou ampliar um espaço de autonomia que respondia aos

seus interesses, por vezes seguindo a opção do “menor prejuízo”.

Vinculados ao regime implementado pela legislação, índios de distintos lugares do

Grão-Pará criaram ações contra as violências acometidas contra eles no cotidiano das vilas e

lugares erigidos pelo Diretório. Suas ações estavam baseadas por um conhecimento adquirido

ao longo dos anos de contato com os moradores, gerando um aparato cultural que permitiu a

alguns deles agirem de distintas formas, negociando, lutando, resistindo, utilizando os

instrumentos da justiça colonial disponibilizada para almejarem o que achavam serem seus

direitos.

Ao adentrarmos no estudo acerca do processo de colonização da Amazônia e, por

conseguinte, nos diversos casos que fizeram dessa experiência histórica um palco de ações

diversas é possível perceber – mesmo na ausência de registros a próprio punho, ou sendo lidos

290 No original: The most useful history of the "domestic Indians" of Para and their caboclo descendents will not

be the story of their oppressions so much as it will be the story of their selective adoption of, and their creative

adaptation to, the institutions established by European colonialism amongst them -- a story of survival in the

canoe crew, the workplace and the aldeia; a story of the construction of new and enduring social forms in

defiance of the expectations of the colonialist authorities; a story of occasional resistance and rebellion and of

permanent maintenance; a story of recreation and spiritual renewal in the midst of misery; a story of perhaps

flickering but undying hope. Such a history can be written, I believe, even for the despised and anonymous

"subaltern" inhabitants of a God-forsaken colonial backwater such as Para. SWEET. David. Op.cit. pp. 12-13.

Page 122: "Diz o índio":

122

de diversas formas pelos agentes que lhes representavam diante das instituições jurídicas –

que os indígenas que viveram no Vale Amazônico durante o século XVIII, e mais

precisamente no último quartel do mesmo, também foram protagonistas da complexa

formação do espaço social amazônico.

Tal afirmação tem como base as estratégias criadas pelos indígenas do Vale

Amazônico, pois, considerando-as como uma forma de resistência adaptativa, e em um

cenário que envolvia distintas forças e relações de poderes, os indígenas utilizaram um

conhecimento adquirido ao longo do processo de colonização criando variadas ações e

reelaborando novos sentidos àquele universo em transformação.

Morar e viver nas vilas, nas casas de determinados moradores, por exemplo, foram

opções que envolveram a garantia da sobrevivência e a preservação de um espaço social, ou

ampliação de certa autonomia, em que poderiam manter parte de seus interesses. Não foram

apenas vítimas, não foram apenas algozes, foram integrados, mas, além disso, e também de

suma importância, integraram-se. Tal processo foi fruto de um embate de forças em uma luta

cotidiana de reapropriações e ressignificações.

Ao concluir esse trabalho, afirmamos que a documentação coletada e analisada nos

permite afirmar que ocorreu um redimensionamento e conformações sociais promovidas pelos

agentes coloniais e principalmente, os povos indígenas, na vigência do Diretório dos Índios.

Sendo assim, os índios emergem aqui como sujeitos históricos que demandaram maior

autonomia e que souberam lidar com a experiência colonial.

Page 123: "Diz o índio":

123

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AHU, Pará (avulsos), caixa 100, documento 7963.

Francisco de Souza Coutinho. APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice 456,

docs. 342, 343, 344, 34

APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice 466, doc. 12

Francisco de Souza Coutinho. APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice 466,

doc.14.

Francisco de Sousa Coutinho, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice 466,

documento 49.

Francisco de Souza Coutinho, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice 466,

documento 64.

Francisco de Souza Coutinho, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice 466,

documento 72.

Francisco de Souza Coutinho, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice 466,

documento 127.

Francisco Maurício de Sousa Coutinho. APEP, Correspondência de diversos com Governo,

códice 466, doc. 202, p. 146-148.

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Page 125: "Diz o índio":

125

Joaquim Miguel Lopes de Lavre [Carta para D. Maria I, em 25/05/1784] – Projeto Resgate.

AHU, Pará (avulsos), caixa 93, documento 7413.

João de Amorim Pereira [Ofício para o D. Tomás Xavier de Lima Vasconcelos Brito

Nogueira Teles da Silva, em 31/12/1777] – Projeto Resgate, AHU, caixa 78, documento 6508.

João Pereira Caldas [Ofício a Martinho de Melo e Castro, em 02/03/1774] – AHU, Pará

(avulsos), caixa 72, documento 6113.

João Pereira Caldas [Ofício a Martinho de Melo e Castro, em 02/03/1774] – AHU, Pará

(avulsos), caixa 72, documento 6114.

João Pereira Caldas [Carta para o rei D. José I, em 20/02/1776] – Projeto Resgate, Pará

(avulsos), AHU, caixa 75, documento 6280.

João Pereira Caldas [Carta apresentada ao rei D. Jose I, em 20/02/1776] – Projeto Resgate.

AHU, Pará (avulsos), caixa 75, documento 6282.

João Pereira Caldas [Ofício apresentando a Martinho de Melo e Castro, em 12 de Junho de

1777] – Projeto Resgate. AHU, Pará (avulsos), caixa 76, doc. 6402.

João Pereira Caldas [Ofício para o secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho de

Melo e Castro, posterior a 1780] Projeto Resgate, AHU, Pará (avulsos), caixa 87, documento

7102.

João Pereira Caldas, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice 306, doc. 88

João Pereira Caldas, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice 306, doc. 306.

Jorge Francisco de Brito [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 23/11/1786] – Projeto

Resgate. AHU, caixa 96, documento 7606.

José Nápoles Telo de Meneses [Requerimento apresentado a Martinho de Melo e Castro, em

21 de Agosto de 1780] – Projeto Resgate. AHU, caixa 86, documento 7042.

José Nápoles Telo de Meneses [Ofício apresentado a Martinho de Melo e Castro, em

27/11/1780] – Projeto Resgate. AHU, Pará (avulsos), caixa 87, documento 7087.

José Nápoles Telo de Meneses [Carta para a rainha D. Maria I, em 17/12/1781] – Projeto

Resgate, AHU, caixa 90, documento 7159.

José Nápoles Telo de Meneses [Carta para a rainha D. Maria I, em 17/12/1781] – Projeto

Resgate, AHU, caixa 90, documento 7356.

Page 126: "Diz o índio":

126

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

254.

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 18.

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 58.

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 65.

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 72.

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 204

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 215,

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 221.

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 239.

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 241.

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 252,

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 257.

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 259.

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 288.

José Nápoles Telo de Menezes, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

356, documento 302.

Page 127: "Diz o índio":

127

Jozefa Martinha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 11/02/1779] – Projeto Resgate,

AHU, caixa 82, documento 6716.

Lucas de Macedo [Requerimento apresentado a Rainha D. Maria I, anterior a 6/11/1788] –

Projeto Resgate. AHU, Pará (avulsos), caixa 98, documento 7777.

Madalena [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 15/09/1779] – Projeto Resgate. AHU,

caixa 83, documento 6853.

Maria Silvana [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 07/06/1785] – Projeto Resgate.

AHU, caixa 94, documento 7507.

Manoel da Gama Lobo de Almada. Lobo d‟Almada e a exploração do alto Rio Negro.

Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro – RIHGB, jan./mar; 242:418-423,

1959.

Manuel Pereira de Faria [Requerimento para o rei D. José I, anterior a 17/06/1771] – Projeto

Resgate. AHU, Pará (avulsos), caixa 67, documento 5752.

Manuel Pereira de Faria [Carta para a rainha D. Maria I, em 01/03/1785] – Projeto Resgate.

AHU, Pará (avulsos), caixa 94, documento 7484.

Martinho de Melo e Castro [ Ofício para Martinho de Sousa e Albuquerque, em 01/08/1783] –

AHU, Pará (avulsos), caixa 90, documento 7321.

Martinho de Melo e Castro [Ofício para o Conselho Ultramarino em 1783] – Projeto Resgate.

AHU, Pará (avulsos), caixa 91, documento 7383.

Martinho de Sousa e Albuquerque [Carta para a rainha D. Maria I, em 26/07/1786] – Projeto

Resgate, AHU, caixa 95, documento 7572.

Martinho de Sousa e Albuquerque, APEP, Códice 250.

Martinho de Sousa e Albuquerque, APEP, códice 456, documento 5, 20, 89, 117, 122, 129,

133, 134, 135, 178, 179, 223, 224, 304 e 349

Martinho de Sousa e Albuquerque, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

456, documento 191.

Martinho de Sousa e Albuquerque, APEP, Correspondência de diversos com Governo,

códice 456, documento 241.

Martinho de Sousa e Albuquerque, APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

456, documento 223.

Page 128: "Diz o índio":

128

Martinho de Sousa e Albuquerque. [Para o diretor da Vila de Oeiras, em 09/12/1785]. APEP,

códice 456, documento 311.

Martinho de Sousa e Albuquerque [Carta para a rainha D. Maria I, em 09/09/1784] – Projeto

Resgate. AHU, Pará (avulsos), caixa 93, documento 7444.

Martinho de Sousa e Albuquerque. APEP, Correspondência de diversos com Governo, códice

456, documento. 349

Matias José Ribeiro [Ofício para o secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de

Melo e Castro, em 21/11/1783] – Projeto Resgate. AHU – Pará, avulsos, caixa 90, documento

7366.

Noticias da voluntaria reducção de paz e amizade da feroz nação do gentio Mura nos annos de

1784, 1785 e 1786. Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Tomo 26,

1904(1873), pp. 323-392. pp. 331-334.

Patronilha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 06/01/1779] – Projeto Resgate, AHU,

caixa 82, documento 6700.

Patronilha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 07/09/1779] – Projeto Resgate, AHU,

caixa 83, documento 6838.

Romão Vieira [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 31/01/1787] – Projeto Resgate.

AHU – Pará, Avulsos, caixa. 96, documento 7626.

Viagem de Tomás de Sousa Vila Real pelo rios Tocantins, Araguaia e Vermelho,

acompanhada de importantes documentos oficiais relativos à mesma navegação. Revista do

Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Tomo 11, 1848, pp. 401-444.

Page 129: "Diz o índio":

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