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7/23/2019 Dissertao Artes Visuais Sobre Artur Barrio
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE ARTES
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARTES VISUAIS
A ROSA AZUL CINTILANTE:
sobre a experincia esttica sublime na potica de Artur Barrio.
VIVIANE MOURA DA ROCHA
Junho / 2002
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE ARTES
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARTES VISUAIS
A ROSA AZUL CINTILANTE:sobre a experincia esttica sublime na potica de Artur Barrio.
Viviane Moura da Rocha
Dissertao apresentada ao Progra-ma de Ps-Graduao em ArtesVisuais do Instituto de Artes daUniversidade Federal do Rio Grandedo Sul, como requisito parcial paraobteno do grau de Mestre emHistria, Teoria e Crtica da Arte, soba orientao do Prof. Dr. lvaroMontenegro Valls.
Junho / 2002
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UMA EXTENSO NO TEMPO, 1995.Artur Barrio
Pao Imperial, Rio de Janeiro.
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SUMRIO
RESUMO ...................................................................................................... I
ABSTRACT .................................................................................................. II
INTRODUO .............................................................................................. 01
1. CATEGORIA ESTTICA:............................................................................... 15
1.1.O que categoria esttica? ................................................................... 16
1.2. O Sublime nas vises de IMMANUEL KANT e de
JEAN-FRANOIS LYOTARD......................................................................... 19
1.3. Sobre algumas categorias estticas e a Histria da Arte...................... 38
2. POTICAS SUBLIMES NO SCULO XX:........................................................... 63
2.1. Modernidade: presentificar o impresentificvel....................................... 65
2.1.1. A arte das primeiras vanguardas:..................................................... ...... 73
2.1.2. A arte das segundas vanguardas:........................................................... 862.2. Ps-Modernidade: o impresentificvel na prpria presentificao......... 104
3. POSSIBILIDADES PARA A ANLISE DO SUBLIME NA POTICA DE BARRIO:...120
3.1. A obra de arte:.................................................................................... 122
3.2. O fazer da obra de arte:..................................................................... 140
3.3. O receptor e a obra de arte:............................................................... 152
CONCLUSES............................................................................................ 162
ANEXO: BIOGRAFIA.................................................................................... 170
BIBLIOGRAFIA SOBRE O ARTISTA.............................................................. 171
TABELA DAS ILUSTRAES....................................................................... 174
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................ 176
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I
RESUMO
Esta dissertao articula artee filosofia como uma forma de olhar a
arte contempornea brasileira, a partir da anlise e interpretao da potica,
Uma Extenso no Tempo, de Artur Barrio. Tem como finalidade fundamen-
tar que esse trabalho artstico tornou possvel uma experincia esttica
incomum: a experincia esttica do sublime, quando presentificou o
impresentificvel. Na elaborao do trabalho trs questes estruturam esse
problema de fundamentao. A primeira a questo da definio: busca dar
sentido a noo de categoria esttica do sublime e, alm disso, identifica o
cruzamento desse conceito filosfico com a prtica artstica no contexto da
Histria da Arte, bem como sua vinculao com algumas outras categorias
estticas. A segunda a questo da distino: sobre os fenmenos que
distinguem os paradigmas epistemolgicos do perodo Moderno e do
Contemporneo (que compreende o Ps-Moderno) e que marcam as
transformaes que ocorrem com as prticas e teorias artsticas e com a
noo de sublime no sculo XX. E a terceira a questo das condies de
possibilidade: sobre as condies que tornam possvel identificar como
sendo a experincia esttica sublime, essas sensaes e sentimentos
decorridos da potica selecionada. Esse olhar sobre a arte contempornea
possibilitou compreender que estamos hoje, diante de uma arte que no est
mais empenhada em apenas nos fazer ver,e sim nos fazer sentire refletir,
nos fazer vivenciar outras percepes, mas necessrio que se d um
mergulho nessa arte, o que nos faz mergulharmos em ns mesmos.
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II
ABSTRACT
This dissertation articulates art and philosophy as a manner of
regarding the Brazilian contemporary art, through the analysis and the
interpretation of the work of art called Uma Extenso no Tempo by Arthur
Barrio. The aim is based on the fact that this artistic work made an unusual
aesthetic experience possible: theaesthetic experience of the sublime, at the
very moment where it has presentified the umpresentible. For the
construction of this essay, three questions have structured the foundation
problem. The first one is the question of definition: it seeks the sense of the
concept of aesthetic category of the sublime and, at the same time,
identifies the crossing of this philosophical concept with the art practice in the
context of the History of Art, as well as its connections with some other
aesthetic categories. The second one is the question of distinction: about the
phenomena that distinguish the epistemological paradigm of Modern and
Contemporary (including the post-Modern) periods, and point the
transformations on the artistic theories and practices, as well as on the
notions of the sublime in the 20th century. And the third question is the one of
the conditions of possibility:about the conditions that make possible identify
this aesthetic experience of the sublime as being the sensations and feelings
caused by that work of art mentioned above. This regard over the
contemporary art has made us able to understand that we are today facing
an art that is not anymore committed on just making us see, but feel and
think, experience other perceptions, reaching the understanding we need to
immerse in that art, and this means to immerse in ourselves.
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INTRODUO
Foi a experincia do encontro com a arte de Artur Barrio Uma
Extenso no Tempo,(fig.24) em 1995 no Pao Imperial do Rio de Janeiro, a
mola que impulsionou este estudo. Dali nasceu uma inquietao, um prop-
sito de investigar a arte contempornea, particularmente a que acontece no
Brasil por estar em contato direto com ela. Este trabalho do Barrio provocou
uma sensao estranha, um no sei qu;produziu sentimentos diferentes
at ento impossveis de decodificar. Mas o que estava acontecendo ali?
Afinal, que sensaes eram essas? E a que se deve esteestranhamento ?
O crtico, terico de arte e literatura, Vktor Chklovski (1823-1984)
afirma que este estranhamento decorre da experincia da diferena, queconsiste em transpor o objeto da sua percepo habitual para uma outra
percepo imprevista e surpreendente. (Perniola,1998, p.178) Ele partia de
observaes sobre a psicologia humana dizendo que se estudarmos com
suficiente ateno as leis da percepo, no tardaremos a perceber que os
atos habituais tendem a se tornar automticos. Todos os nossos hbitos
provm da esfera do inconsciente e do automatismo. E complementa, que
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o peso dos hbitos inconscientes to forte, que a vida passa, se anula. A
automatizao engole tudo: coisas, roupas, mveis, a mulher e o medo da
guerra. (Ginzburg,2001,p.16) Assim, para ele a arte seria tambm um
instrumento para reavivar nossas percepes, que o hbito torna inertes.
Arriscando uma definio da arte em geral, diz que o propsito da arte
nos dar uma sensao da coisa, e que para obter tal resultado, a arte se
serve de dois procedimentos: o estranhamento das coisas e a complicao
da forma, com a qual tende a tornar mais difcil a percepo e prolongar sua
durao. (Ginzburg, 2001, p.16) Parece ento, que o estranhamento como
um antdoto eficaz contra um risco a que todos ns estamos expostos: o de
banalizar a realidade, inclusive ns mesmos. (Ginzburg, 2001, p.41)
Os profundos ecos da noo de estranhamento na arte e na teoria
literria do sculo XX so bem conhecidos: basta pensar em Bertolt Brecht,
afirma o historiador contemporneo Carlo Ginzburg. (Ginzburg, 2001, p.18)
com essa esttica do estranhamento, por exemplo, que Brecht ope-se
Potica aristotlica, onde a catarse,da palavra grega ,ktharsis,
depurao, e significa libertao do que estranho essncia ou
natureza de uma coisa, oferece-nos a experincia da identificao.
Aristteles, que foi o primeiro a usar esta palavra para designar tambm um
fenmeno esttico, diz ser uma espcie de libertao ou serenidade que a
poesia e, em particular o drama e a msica provocam no homem.
(Abbagnano. Dicionrio de Filosofia) Pois exatamente opondo-se a esta
reao de serenidade do intrprete, que a tcnica teatral brechtiana resume-
se em criar um estranhamento do texto, bem como impedir a identificaodo
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espectador com o personagem, a fim de que este possa conservar a lucidez
crtica. (Magaldi,1989, p.270) Surpreendendo-se e interrogando-se perante
contradies de uma realidade que a cena no mais lhe apresenta como
natural, e sim manipulvel e transformvel, o espectador prepara-se para
melhor dominar essa realidade e para agir sobre ela a fim de modific-la.
(Borie, 1996, p.466). Chklovski partilha desta idia pois entende que o
contrrio do estranhamento a identificao. Portanto, nesse fenmeno no
ocorre a experincia da identificaoe sim a experincia da diferena que se
manifesta na forma de estranhamento. (Perniola,1998, p.178)
desta forma que compreendemos esta questo do estranhamento
em relao a certas produes artsticas contemporneas, pois acompa-
nhando as reflexes de Ginzburg que o identifica desde a modernidade at
os dias atuais, entendemos que esse ato de estranhar continua provocando-
nos sensaes e sentimentos,estimulando-nos para a reflexo crtica, nos
tirando daquela situao de serenos contempladores.
Inspirados por esta idia e na tentativa um pouco ldica de provocar
o leitor desta dissertao, insinuamos o ttulo principal: A ROSA AZUL
CINTILANTE, porque alm de causar estranheza, pois parece no ter
qualquer relao com o subttulo: sobre a experincia esttica sublime
na potica de Artur Barrio, aps um mergulho na pesquisa, o leitor
refletir sobre a vinculao entre uma rosa azul cintilante, que s pode ser
concebida na idia e esse trabalho do Barrio Uma Extenso no Tempo.
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Desse modo, impulsionados por esse fenmeno do estranhamento
que propomos refletir bem mais sobre esta arte que busca provocar em
quem testemunha esta virada de sculo e de milnio, outras formas de
pensar e relacionar-se com a arte e com a prpria vida. Entendemos que o
assunto comporta mais reflexo e discusso, porque envolve conseqncias
para o pensamento, para a conduta, e at para a existncia. Assim, movidos
pela reflexo que este estranhamentoprovocou, cada vez mais buscamos
apreender esta arte, e esta a razo pela qual o tema desta pesquisa :
analisar e interpretar uma potica contempornea brasileira, a partir da
categoria esttica do sublime.
Mas por que um olhar a partir de uma categoria esttica?
E por que a categoria esttica do sublime?
Talvez fosse apropriado lembrar neste momento, que no sculo XX,
tambm a esttica sofre transformaes, tanto que deixou de ser apenas
uma teoria filosfica do belo e do bom gosto. A esttica neste sculo
estabeleceu relao de parceria com a literatura, com as artes visuais, com
a msica, com o teatro, sem se deixar intimidar pelas inovaes mais
ousadas ou pelas experincias mais arriscadas, comenta Mario Perniola. Ela
sentiu-se envolvida na gesto institucional, na exposio, na organizao e
na comunicao dos produtos artsticos e culturais. (Perniola,1998, p.9)
E acabou confrontando-se com problemas da vida individual e coletiva,
questionando-se sobre o sentido da existncia, promovendo utopias sociais
e envolvendo-se tambm nos aspectos da vida quotidiana.
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A esta vasta atividade de mltiplas formas, ele reduz a quatro
campos conceituais, atravs das noes de Vida,Forma, Conhecimentoe
Ao, at a primeira metade do sculo XX. As duas primeiras constituem
substancialmente um desenvolvimento da Crtica do Juzo de Kant e as
duas ltimas, um desenvolvimento da Esttica de Hegel. No entanto, a
partir dos anos sessenta, ocorre no interior de cada uma delas uma virada,
diz ele, a esttica da vidaadquire valor poltico; aesttica da formaum
valor meditico; a esttica e conhecimentoou cognitivaum valor ctico; e
a esttica e aoou pragmtica um valor comunicativo. Encontra-se ento
mais do que presente e ativa na Biopoltica, na mass-mediologia, no
anarquismo epistemolgicoe na teoria da comunicao.
Nestas transformaes dos anos sessenta, a esttica busca na sua
etimologia o sentir, que em grego , asthesis, e significa
sensao, isto , busca o campo da sensibilidade, da afetividade, da
emoo. E ento surge um outro campo conceitual para as atividades da
esttica, que a relao entre esttica e sentir.Aqui neste campo, os que
mais contriburam nesta reflexo no foram bem os estetas, mas os
pensadores das mais variadas reas do conhecimento como os psiclogos,
psicanalistas, ontologistas, tericos da linguagem ou da literatura, filsofos
da religio ou da sexualidade entre tantos outros, porque o sentir do sculo
XX, tambm conhece transformao que pode ser definida como
fisiolgica.
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Por mais que o sentir possa estar ligado tanto ao conhecimento
como ao, a esttica s constituiu-se enquanto disciplina autnoma no
sculo XVIII, no momento em que se reconheceu a independncia do
sentimento relativamente razo prtica e razo terica.
Os instrumentos tericos fornecidos por Kant e Hegel, como o Juzo
e a Dialtica, se revelam incapazes de suportar o impacto de uma
experincia que j no pode ser referida nem como um caso particular do
universal, nem como superao da contradio, com a ruptura que acontece
a partir dos anos sessenta. Pois o sentirdo sculo XX, ao contrrio, move-se
numa direo oposta conciliao esttica, move-se no sentido da
experincia de um conflito maior que a contradio dialtica, move-se no
sentido da explorao da oposio entre termos. Toda esta grande questo
filosfica tem a ver com a noo de diferena, entendida como no-
identidade, como uma dissemelhana, maior do que o conceito lgico de
diversidade e do conceito dialtico de distino. Isto quer dizer que a
integrao da diferenana experincia marca o abandono tanto da lgica da
identidade aristotlicacomo da dialtica hegeliana,causando uma srie de
modificaes, promovendo outras perspectivas possveis de experienciar
outras sensaes e sentimentos.
No entanto, alerta Perniola, algo deste sentirvai inspirar-se principal-
mente em certas estticas da forma, influenciadas pela problemtica do
sublime, e em algumas estticas da ao obrigadas a pensar o conflito.
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, portanto aqui, atravs desta fresta, neste sentir relacionado com a
esttica da forma influenciada pela categoria esttica do sublime, que
encontramos um forte alicerce para a anlise e interpretao dessa potica
contempornea brasileira. Pois o sublime um sentimento, uma sensao,
ou conforme diz Kant, o que se deve denominar sublime no o objeto e
sim a disposio de esprito (Crtica do Juzo, p.96),mas bom lembrar que
uma sensao que decorre da relao com o objeto, provocada por ele.
Logo, pretendemos defender a idia que este trabalho artstico selecionado
Uma Extenso no Tempo, provocou a experincia estticasublime.
Contudo, o problema com o qual nos defrontamos : em que condi-
es possvel fundamentar que a sensao do sublime experincia-
da atravs dessa potica contempornea brasileira, e que, portanto,
esta categoria esttica serve como suporte para anlise e interpreta-
o? As questes que decorrem deste problema, e que sero o ncleo
interrogativo dos diversos momentos da investigao, esto desmembradas
em trs partes diferenciadas e interligadas, a fim de fundamentar uma idia.
Na primeira parte, est o que entendemos como conceitual, pois
procura definir os termos do tema, busca explicaro significado da noo de
categoria esttica do sublime, e suas concepes na histria, a fim de
esclarecer o sentido que vai ser utilizado nesta investigao. Alm disso,
destaca as noes de sublime dos dois referenciais tericos principais da
nossa pesquisa que so Immanuel Kant e Jean-Franois Lyotard.
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Procura tambm estabelecer vnculos entre a categoria esttica do
sublimee a Histria da Arte, como meio de clarear de que forma est sendo
compreendida como indispensvel apreenso da arte contempornea.
Aqui, a idia mostrar este movimento das categorias estticas
atravs dos sculos como prtica artstica e reflexo terica, a fim de tornar
claro que elas no podem ser separadas da histria da realidade da qual so
as expresses tericas e abstratas e que exatamente por isso, servem como
outra possibilidade de um olhar sobrea arte contempornea.
A questo que nos impulsiona ser, portanto: que sentido dar
noo de categoria esttica do sublime, para que possa servir como
suporte reflexo do fenmeno da arte contempornea?
Na segunda parte, vamos observar a transformao que ocorre com
a noo de sublime e de algumas prticas e teorias artsticas do sculo XX
que tm vinculao com esta categoria,a fim de diferenci-las,procurando
analisar como se vivencia este sentimento esttico, por qu e de que modo
esta categoria reativada. No geral, a idia destacar as mudanas
ocorridas desde o incio do sculo XX at a ruptura que ocorre a partir dos
anos sessenta, tanto na sensibilidade quanto na forma de conhecimento,
bem como na manifestao do sublime, e que abriram espaos para outras
vivncias estticas. importante salientar aqui, que o sublime reativado no
sculo XX no mais aquele conceito estritamente relacionado com o
mstico e/ou religioso como em outros sculos, porque se trata neste
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momento, de um sublime ressignificado. Refletiremos neste momento sobre
as condies que tornam possvel a reativao e ressignificao desta
categoria esttica e suas manifestaes. Analisaremos suas metamorfoses
em relao s transformaes que foram acontecendo com a sociedade,
com o pensamento, e consequentemente com a prpria arte, pois o sculo
XX passa por dois grandes momentos, compreendidos como sendo os
perodos Moderno e Ps-moderno, dos quais pretendemos apresentar uma
breve anlise.
A questo nesta etapa ser: quais so as interrelaes, contrapo-
sies e fenmenos de ruptura, que distinguem os paradigmas
epistemolgicos, nas prticas e teorias artsticas e na noo de
sublime do sculo XX, no cenrio artstico brasileiro e internacional, e
que marcam as mudanas surgidas na sensibilidade e na forma de
conhecimento que emergem das novas conceituaes de mundo?
E na terceira e ltima parte, vamos apontar como existe a possibili-
dade na arte contempornea brasileira, para a experincia esttica sublime,
atravs de anlise e interpretao da potica que nosso referencial
artstico principal: Uma Extenso no Tempo, de Barrio, atuante na arte dos
anos 90 que aconteceu no Brasil e que provocou esse tipo de vivncia.
Vamos procurar analisar estes fenmenos originados pelo trabalho artstico
selecionado traando paralelos entre as sensaescausadas e a noo de
categoria esttica do sublime. Ou seja, o momento da pesquisa que
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identifica atravs deste trabalho artstico, a possibilidade de se poder
fundamentar que a sensao sublime experienciada nessa potica
contempornea brasileira e, portanto, serve como suporte para anlise e
interpretao. o instante em que vamos apontar como a prtica artstica e
o conceito filosfico se cruzam.
A questo que vai encaminhar o desenvolvimento desta etapa final
da pesquisa ser: que condies tornam possvel identificar como
sendo a experincia esttica sublime, as sensaes e sentimentos
decorridos do trabalho artstico selecionado?
O estudo procura uma compreenso do momento contemporneo,
em suas complexas e sofisticadas interligaes, buscando situar a arte no
contexto do seu tempo, articulando arte e filosofia.A idia apontar um
conceito da abstrao filosfica na prtica artstica. Assim, os tericos que
temos como suportes principais para nos auxiliar nesta anlise e
interpretao da arte contempornea so dois filsofos. Um o alemo
Immanuel Kant, pensador do sculo XVIII, cujo tema do sublime visto
como transcendental, e o outro Jean-Franois Lyotard, pensador do sculo
XX, que ressignifica este conceito kantiano de sublime, porm, entendendo-
o como imanente.
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A pesquisa utilizar tambm como apoio, mltiplas teorias que
discutem conceitos, questes, temas decorrentes que se juntam paisagem
do nosso tempo como: reprodutibilidade, representao, modernidade, ps-
modernidade e desconstruo, entre outros.
Portanto, quando se refere a estas outras reas interdisciplinares,
contamos com pensadores de momentos distintos como os historiadores da
arte: Argan, Klaus Honnef, Valeriano Bozal, H.W. Janson; com os filsofos:
Walter Benjamin, Deleuze, Didi-Huberman, Snchez Vzquez e Mario
Perniola; com crticos de arte como Baudelaire, Clement Greenberg e
Rosalind Krauss.
E tambm contaremos com tericos brasileiros como: lvaro Valls,
Blanca Brites, Cristina Freire, Ernildo Stein, Iclia Cattani, Katia Canton,
Teixeira Coelho e Tadeu Chiarelli, entre outros. Pois so autores que tratam
da viso artstica, filosfica, histrica e sociolgica, da transformao
cultural, das interrelaes e desdobramentos que estes aspectos provocam
no indivduo, no seu meio, no seu tempo e seu espao.
A nfase analtica da pesquisa ser a experincia esttica, como
uma forma possvel de olhar sobrea arte contempornea, particularmente a
que acontece no Brasil. Portanto a questo da recepo da obra de arte, ou
a experincia com ou atravs da obra ser o lugar de onde buscaremos
analisar e interpretar a obra de arte selecionada Uma Extenso no
Tempo, de Artur Barrio.
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Partiremos das poticas que provocam esta sensao sublime,
analisaremos aspectos conceituais que as envolvem e voltaremos nova-
mente para as obras de arte, a fim de fundamentar nossa proposta de
interpretao. Assim, uma esttica que deixe de ser uma esttica apenas da
obra, isto , do objeto artstico, pode ser substituda pelo enfoque na
experincia esttica, que compreende a relao receptor e obra.
A pesquisa tem como eixo metodolgico combinao de anlise
formal e anlise dos textos de tericos e artistas. Vai traar um caminho
complexo, por tratar-se da construo de um conhecimento que
intersecciona diversos campos interdisciplinares, que vo nos fornecer
conceitos para pensarmos a prtica artstica.
Portanto, vai estruturar-se com base em profunda investigao
bibliogrfica registrada atravs de fichamento. Analisaremos algumas
produes artsticas nacionais e internacionais, sendo vrias delas
experienciadas por ns, outras por tericos, as quais tomamos
conhecimento atravs de suas teses, depoimentos, artigos e que esto
sendo compreendidas como inseridas no universo do que estamos
conceituando como categoria esttica do sublime.
Com referncia coleta de dados, esta vai se dar atravs de
diversas fontes como, por exemplo, pela ampla bibliografia interdisciplinar,
pela anlise de algumas obras de arte contemporneas que suscitaram esta
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experincia esttica e pelos seus referenciais poiticos1, que buscamos
descobrir atravs de uma entrevista informal com Artur Barrio, na tentativa
de encontrarmos na sua poitica mais elementos que nos ajudem a
interpretar sua obra, pois se trata de um artista que j possui uma carreira
consolidada e com uma trajetria de pesquisas.
Deste modo, em relao ao artista vamos buscar observar sua
trajetria, sua vinculao com seu tempo e sua histria, sua sintonia com
movimentos e tendncias do mundo da arte.
Quanto obra, esta vai ser investigada em sua relao
experincia esttica do sublime e em relao sua sintonia com as
produes artsticas internacionais que tambm provocam esta experincia
esttica.
Alm destes recursos, tambm procuraremos informaes que
possam nos apontar caminhos, atravs da consulta a catlogos de Bienais
internacionais e nacionais, catlogos de exposies, pareceres crticos,
matrias de jornais e revistas, dissertaes e teses acadmicas.
1
Ren Passeron informa que a palavra poitica foi usada pela primeira vez por Paul Valeryem 1937, no seu curso no Collge de France. Passeronconceitua este termopoitica, comouma cincia e filosofia da conduta criadora, da criao. Que no se aplica s arte, mastambm a todos os setores em que o homem se faz construtor. (...) a poitica se ocupamenos dos afetos do artista do que dos lineamentos dinmicos, voluntrios e involuntriosque o ligam obra em execuo. Em suma, seu objeto a (poisis) que pe ocriador frente a seu projeto e no a (aistesis)que ele pode experimentar em suaao, ou suscitar atravs dela. (PASSERON, Ren. Da esttica poitica. Porto Arte, PortoAlegre, v.8, n15, 1997, p.108) Portanto a poitica seria o processo enquanto a poticacompreende o resultado final, estando interligadas e podendo variar a nfase.
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Entretanto, pela ousadia de propor trabalhar com um tema to
recente, ainda em plena reflexo, por todos aqueles preocupados com a arte
e suas manifestaes, que a pesquisa no procura esgotar o assunto,
muito pelo contrrio, busca apenas lanar a possibilidade de um olhar, pois
como disse Teixeira Coelho, nada mais difcil e atrevido do que escrever
sobre o presente. E se o presente sobre o qual se escreve o da arte, a
tarefa beira a temeridade (Canton, 2001, apresentao). De toda forma,
acreditamos estar deixando um registro, um testemunho das reflexes desta
poca, em que questes e mais questes esto sendo repensadas em suas
diversas reas de conhecimento, na busca talvez por outras formas de ver e
vivenciar a vida.
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1. CATEGORIA ESTTICA
Que sentido dar noo de categoria esttica do sublime, de
maneira que possa servir como suporte para a reflexo do fenmeno da arte
contempornea? Esta a primeira questo que nos desafia, porque a
partir dela que vamos determinar a extenso ou limites dos termos do tema,
que : analisar e interpretar uma potica contempornea brasileira a
partir da categoria esttica do sublime.
Pretendemos aqui neste captulo basicamente enfocar trs situaes
que nos serviro de suportes, para a compreenso da idia de categoria
esttica do sublime. Uma delas, procurar responder pergunta o que
categoria esttica?, atravs de algumas interpretaes referidas a estes
conceitos, desde suas criaes. A outra, a que vai fazer sobressair s
interpretaes da noo de categoria esttica do sublime, dos principais
referenciais tericos: Immanuel Kant e Jean-Franois Lyotard. E a ltima, a
que vai lanar um breve olhar na histria de algumas categorias estticas e
suas manifestaes como pensamento e prtica artstica, destacando o
percurso do sublime, a fim de observarcomo, de que forma experienciado
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em diversas pocas e sua relao com outras categorias estticas, para
assim melhor compreendermos como sua experincia na contempora-
neidade.
1.1. O que categoria esttica?
O termo categoria origina-se da palavra grega ,que no
sentido comum tinha o significado de acusao, imputao ou censura.
Mas como consistia em enunciar algo de algum, acabou passando a
significar enunciao ou declarao. (Snchez Vzquez,1999, p.36) A
gnese da problemtica das categorias deve ser procurada, sem dvida, na
ontologia e na dialtica de Plato, particularmente na doutrina do Sofista,
onde introduz o que chama de os cinco gneros supremos: o ser, o
movimento, o repouso, a identidade e o diferente ou alteridade. (Reale, 1995,p.42)Historicamente o significado atribudo s categorias realista, isto ,
elas so consideradas determinaes da realidade e noes que servem
para indagar e para compreender a prpria realidade, e foi essa a
concepo de Plato.
Essa correspondncia entre a realidade e o discurso, atravs das
determinaes categoriais, tambm a base da teoria de Aristteles, que
pode ser considerado o criador do termo e do conceito, embora ele se
beneficie amplamente com as contribuies platnicas e acadmicas.
Aristteles, porm, parte de um ponto de vista lingstico: as categorias so
os modos em que o ser se predica das coisas nas proposies, portanto os
predicados fundamentais das coisas. Ele enumera ento, dez categorias:
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1) substncia; 2) quantidade; 3) qualidade; 4) relao; 5) lugar; 6) tempo; 7)
posio; 8) estado; 9) ao; 10) afeco. A relao entre as categorias e o
ser explicada da seguinte forma: Porquanto a predicao afirma s vezes
o que uma coisa , s vezes a sua quantidade, s vezes a sua relao, s
vezes aquilo que faz ou o que sofre e s vezes o lugar onde est ou o
tempo, segue-se que tudo isso so modos do ser. (Abbagnano.Dicionrio de
Filosofia).
Categoria como forma de enunciao como Aristteles utiliza em
Categorias (um dos seis tratados do Organon),como meios de enunciar o
que as coisas so de maneira diferente. De acordo com esta tradio
realista, complementa Vzquez, so os conceitos mais gerais acerca de um
grupo de objetos ou fenmenos, assim como de seus vnculos internos e
relaes externas. Entretanto, as categorias possuem trs nveis de validade
compreendidos por Reale, como: ontolgico, lgico e lingstico-gramatical.
Os primeiros dois nveis so claramente tematizados pelo prprio Aristteles,
o terceiro, porm, foi posto em relevo pelos estudiosos modernos.
A mais importante doutrina moderna das categorias a de Kant. Na
Analtica Transcendental da Crtica da Razo Pura, formulou uma doutrina
sistemtica das categorias. Estas so conceitos puros do entendimento
que referem-se a priori aos objetos da intuio em geral como funes
lgicas. As categorias no so, para ele, gneros das coisas, no so
conceitos gerais, nem formas lgicas, no descrevem a realidade, mas
tornam possveis explic-la. Kant entende-as como condio de possibi-
lidade. (Ferrater Mora. Dicionrio de Filosofia)
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Para ele, as categorias so os modos pelos quais se manifesta a
atividade do intelecto, que consiste, essencialmente, em ordenar diversas
representaes sob uma representao comum, isto , em julgar. Elas so,
portanto, as formas do juzo, isto , as formas em que o juzo se explica,
independentemente do seu contedo emprico. Afirma Kant que as catego-
rias de Aristteles foram derivadas do saber comum e dispostas em grande
parte, tal como ele as encontrou. Na filosofia contempornea, encontra-se
tanto a retomada da concepo clssica e da concepo kantiana de
categoria,quanto das novas generalizaes sobre seu significado.
Portanto, as categorias estticas so determinaes gerais e
essenciais do universo que chamamos esttico. A categoria esttica mais
geral, ou seja, aquela que permite prender em suas redes as mltiplas
formas de certa realidade especfica ou de certo comportamento do homem
com ela, e que permite captar, por sua vez, o que h de comum ou afim
entre diferentes categorias estticas particulares, justamente a categoria
do esttico, nos afirma Vasquez. Alerta-nos que ao longo da histria, as
reflexes estticas giraram em torno da categoria esttica do Belo, da
beleza, o que significava reduzir essa categoria a outras.
As categorias estticas fundamentais gestaram-se nos primeiros
anos do sculo XVIII, nos escritos de Burke, Addison, Hutcheson e
Shaftesbury entre outros. Todos eles delimitaram um espao cujos limites
foram tornando-se precisos ao longo dos sculos.
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Se at ento a beleza havia sido a categoria central, e muitas vezes
a nica, neste momento outras compartilham a definio do esttico: o
sublime, o pitoresco, o cmico, ainda que este ltimo tenha tido um lento e
azarado desenvolvimento. Se a beleza havia exigido a aprovao do
receptor da obra de arte, neste momento comeava a ser belo tudo o que na
recepo produzia um certo prazer esttico. (Bozal, 2000, p.26)
Esta inverso no foi completa e tampouco ignorou as qualidades
que no objeto marcavam a beleza: o debate sobre sua condio, os tpicos
da unidade na diversidade que haviam sido teis reflexo tradicional,
encontrou novo impulso neste debate. Porm, diz Valeriano Bozal, no resta
dvida de que no mesmo instante em que sublimeepitorescoacompanham
a beleza, se v transformado o panorama das categorias e, o que talvez seja
mais importante, se exigiu um fundamento novo.
1.2. A categoria esttica do sublime nas vises de
Immanuel Kant e Jean-Franois Lyotard:
Vamos, neste momento, aprofundar nossa investigao sobre este
conceito de categoria esttica do sublime, atravs das reflexes de dois
grandes filsofos da histria do pensamento ocidental, nossos referenciais
tericos principais. So eles: o alemo do sculo XVIII, Immanuel Kant e o
francs do sculo XX, Jean-Franois Lyotard, pois a partir de suas
interpretaes, que vamos estabelecer a vinculao entre a prtica artstica
e o conceito filosfico.
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Em Kant o tema do sublime transcendental, nos revela, atravs de
uma experincia esttica, a experincia primordial da finitude humana.
O transcendental kantiano condio de possibilidade da experincia,
uma estrutura que torna possvel uma relao com o mundo. Na teoria
esttica kantiana o sublime eleva a alma acima do nvel do lugar-comum
vulgar. Situa de forma paradoxal nosso sentido do sublime na nossa
conscincia como algo que transcende a natureza, em vez de o colocar
como uma parte sua, frgil e insignificante.
Em Lyotard vamos identificar o conceito kantiano de sublime com
outro significado, no transcendental e sim imanente, mas Lyotard parte do
conceito kantiano de sublime para fazer a sua interpretao da sensao
sublime no sculo XX. Lyotard identifica-o com a lgica das vanguardas
artsticas, o modo da sensibilidade artstica que caracteriza a modernidade e
a contemporaneidade, experimentando-o como uma intensificao do gesto
expressivo que tambm o gesto reflexivo.
Immanuel Kant. (1724-1804)
A concepo do sublime em Kant, viga mestra da nossa estrutura
terica conceitual, ocupa um lugar de destaque no desenvolvimento da
esttica das Luzes e exerce uma notvel influncia posterior desde o
Romantismo at nossos dias. mais complexa que a formulada pelo
pensamento empirista, em especial a formulada por Burke em 1756. Burke
ao distinguir o simples prazer do deleite, do arrebatamento ou xtase
misturado e certa dose de terror que faz nascer o espetculo do excesso, do
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descomedimento, do poder da natureza, acaba por colocar desta forma em
evidncia os limites do eudemonismo2e descobre um prazer esttico puro,
romntico, distinto da busca da felicidade, do gozo e do agradvel. Kant
retomar essa descrio mas substitui o ponto de vista antropolgico,
fisiolgico, isto , a viso emprica dos juzos estticos de Burke, por uma
anlise transcendental que explica a quantidade do julgamento esttico, em
outras palavras, de sua pretenso universalidade. ( Lacoste, 1986, p.31)
Em Observaes Sobre o Sentimento do Belo e do Sublime, de
1764, Kant usa a distino entre o beloe o sublime, principalmente como um
meio para caracterizar objetos e tipos humanos, ou seja, v-se autorizado a
utilizar essas duas categorias estticas, a fim de dar uma descrio
antropolgica dos comportamentos humanos. Por isso diz:
O entendimento sublime, o engenho (witz) belo.A ousadia sublime e elevada; a astcia, pequena,porm bela. (...) Qualidades sublimes infundem altorespeito; as belas, porm, amor.(...) A amizade pos-sui em si, sobretudo, o trao do sublime, o amor pelooutro sexo, porm, o trao belo. (Kant,1993,p.25)
Mas na Crtica do Juzo, de 1790, na Analtica do Sublime,
ampliou o conceito. Comea refletindo sobre a passagem da capacidade de
ajuizamento do belo do ajuizamento do sublime,dizendo que ambos nopressupem nenhum juzo dos sentidos, nem um juzo lgico-determinante,
mas um juzo de reflexo; o que quer dizer que a complacncia3 no se
2Eudemonismo: tica baseada na noo aristotlica de eudaimonia, ou felicidade humana.
(Blackburn. Dicionrio Oxford de Filosofia).3Kant define complacncia como a sensao (de um prazer) que ele depois especifica
como uma determinao do sentimento de prazer ou dor. um termo modal paradescrever os modos como esse sentimento afetado por diferentes objetos. Alm disso,
Kant especifica que a complacncia no belo positiva, enquanto no sublime negativa; isso porque o primeiro aumenta o sentimento de prazer e dor, ao passo que o segundo odiminui. (Caygill. Dicionrio Kant)
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prende a uma sensao como a do agradvel, nem a um conceito
determinado como o prazer da sensao do bom, e contudo referido a
conceitos, se bem que sem determinar quais, pois est vinculado simples
apresentao4ou faculdade de apresentao. (Crtica do Juzo, 23, p.89)
Diz ainda que ambas espcies de juzo so singulares mas contudo
juzos que se anunciam como universalmente vlidos com respeito a cada
sujeito, se bem que na verdade reivindiquem simplesmente o sentimento de
prazer e no o conhecimento do objeto. No belo temos que procurar o
fundamento fora de ns, no sublime, porm, simplesmente em ns. No
entanto, a complacncia no sublime no contm tanto prazer positivo,
quanto muito mais admirao ou respeito, e assim merece ser chamada de
prazer negativo.
Para Kant, a anlise do sublime necessita diviso em matemtico-
sublime e dinmico-sublime, visto que o sentimento do sublime comporta
como caracterstica prpria, um movimento do nimo ligado ao ajuizamento
do objeto, ao passo que o gosto no belo pressupe e mantm o nimo em
serena contemplao. Assim, comenta Valeriano Bozal no texto Sublime,
Kant inclui nestas novas reflexes sobre esta categoria esttica, o
sentimento despertado pelo fracasso da imaginao para compreender o
absolutamente grande, quer em termos de medida ou grandeza
(matemtico-sublime), quer em termos de poder ou fora (dinmico-
sublime). Central na definio de sublime o modo como ele parece
4Apresentao um dos grupos de termos que Kant usa para descrever as relaes
extremamente complexas entre conceito e intuio, e que permite a realizao de suasntese. (Caygill. Dicionrio Kant)
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transgredir os fins de nossa faculdade de julgamento, adaptar-se mal
nossa faculdade de apresentao e constituir, por assim dizer, uma afronta
imaginao. Kant fala da absoluta disparidade entre algumas grandezas
naturais e a capacidade de nossos sentidos para poder apreend-las.
Tambm neste caso a grandeza fator decisivo na elaborao do conceito,
porm, diferente do empirismo, Kant no se refere somente nem estrita-
mente aos fenmenos naturais. Refere-se tambm a possibilidade de
estabelecer grandezas infinitas, por definio mais adiante da capacidade de
nossa intuio sensvel, limitada ao finito. distncia entre essas grandezas
e nossa intuio sensvel no somente grande, absoluta, e nunca
poderia percorrer-se. (Bozal,2000,v.I, p.195)
Bozal alerta-nos que importante ter em conta esse condio: o
absoluto da distncia.Somente ela d conta, nos autores empiristas como
em Kant, do sublime, que no se limita a mostrar aparncias, por maiores
que estas sejam. Kant assinala que existe uma inadequao entre nossas
intuies e os objetos que chamamos sublimes. A grandeza de tais objetos
supera a capacidade de nossa intuio de tal modo que essa inadequao
produz em ns um certo terror, uma espcie de angstia, pois a inade-
quao de tal calibre que, verdadeiramente, poderamos ser aniquilados
por esse objeto. A inadequao entre a intuio e o objeto tambm fonte
de perigo, porm, este no conduz agitao de nossas faculdades, seno
ao auxlio imediato da razo, que nos proporciona a idia de sublime, com
a qual podemos dominar o objeto.
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O objeto, por sua inadequao intuio, pe em tenso as
faculdades, provoca em ns uma idia de natureza em si, uma idia do
supra-sensvel. Portanto, afirma Kant:
Precisamente pelo fato de que em nossa faculdadeda imaginao encontra-se uma aspirao aoprogresso at o infinito, e em nossa razo, porm,uma pretenso totalidade absoluta como a umaidia real, mesmo aquela inadequao a esta idiade nossa faculdade de avaliao da grandeza dascoisas do mundo dos sentidos desperta o sentimentode uma faculdade supra-sensvelem ns; e o que
absolutamente grande no porm, o objeto dossentidos, e sim o uso que a faculdade do juzonaturalmente faz de certos objetos para o fimdaquele (sentimento), com respeito ao qual, todavia,todo outro uso pequeno. Por conseguinte, o quedeve denominar-se sublime no o objeto e sim adisposio de esprito atravs de uma certarepresentao que ocupa a faculdade de juzoreflexiva. (Crtica do Juzo, 25, p.96)
A teoria Kantiana do sublime proclama o triunfo da razo com maior
nfase e rigor que nenhuma outra concepo. Cabe dizer que a razo, e
somente a razo nos permite dominar o mundo, pois somente ela nos
proporciona idias que nos permitem compreend-lo. a razo que acode
em socorro da intuio e da imaginao proporcionando-lhe a idia de
sublime. Assim, afirma Kant que sublime o que somente pelo fato depoder tambm pens-lo prova uma faculdade do nimo que ultrapassa todo
padro de medida dos sentidos. (Critica do Juzo, 25, p.96)
O sublime no uma categoria esttica no mesmo sentido que o
belo, precisamente porque uma idia da razo. Enquanto permanecemos
no juzo esttico do tipo belo, a razono parece ter qualquer papel, pois
s intervm o entendimentoe a imaginao. Mas o juzo belo apenas
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um tipo de juzo esttico, pois diz Kant: o belo parece ser considerado como
apresentao de um conceito indeterminado do entendimento, e o sublime,
porm, como apresentao de um conceito semelhante da razo. (Crtica do
Juzo, 23, p.90). Kant afirma quenem todos os homens possuem capacidade
para o sublime e nisto se diferencia nitidamente do belo.
A disposio de nimo para o sentimento do sublimeexige uma receptividade do mesmo para idias; poisprecisamente na inadequao da natureza s ltimas, porconseguinte s sob a pressuposio das mesmas e do
esforo da faculdade da imaginao em tratar a naturezacomo um esquema para as idias, consiste o terrificantepara a sensibilidade, o qual, contudo, ao mesmo tempoatraente; porque ele uma violncia que a razo exercesobre a faculdade da imaginao somente para ampli-laconvenientemente para o seu domnio prprio (o prtico)e propiciar-lhe uma perspectiva para o infinito, que paraela um abismo. Na verdade aquilo que ns preparadospela cultura, chamamos sublime, sem desenvolvimentode idias morais apresentar-se- ao homem incultosimplesmente de um modo terrificante. (...) O juzo sobreo sublime da natureza, embora necessite cultura (mais do
que o juzo sobre o belo), nem por isso foi primeiroproduzido precisamente pela cultura e como queintroduzido simplesmente por conveno na sociedade,mas ele tem seu fundamento na natureza humana e, naverdade, naquela que com o so-entendimento se podeao mesmo tempo imputar a qualquer um e exigir-lhe, asaber na disposio ao sentimento para idias (prticas),isto , ao sentimento moral.(Crtica do Juzo, 29, p.111)
No sublime, a imaginao entrega-se a uma atividade em tudo
diferente da reflexo formal. Por esse motivo o sentimento sublime experimentado diante do informe ou do disforme. Tudo se passa ento como
se a imaginaofosse confrontada com o seu prprio limite, forada a atingir
o seu mximo, sofrendo uma violncia que a leva ao extremo do seu poder.
certo que a imaginao no tem limite enquanto se trata de apreender
(apreenso sucessiva de partes). Mas, na medida em que deve reproduzir
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as partes precedentes conforme vai chegando s seguintes, tem
afetivamente um mximo de compreenso simultnea. (Deleuze, 1994, p.57)
Ante o imenso, a imaginao experimenta a insuficincia deste
mximo. Pois se trata aqui de um sentimento da inadequao de sua
faculdade da imaginao exposio da idia de um todo, no que a
faculdade da imaginao atinge o seu mximo e, na nsia de amplia-lo, recai
em si, isto , recai em si mesma. (Crtica do Juzo, 26,p.98).Atribumos
natureza sensvel, essa imensidade que reduz impotncia nossa
imaginao. Mas na verdade, unicamente a razo nos fora a reunir num
todo a imensidade do mundo sensvel. Esse todo a Idia do sensvel, tanto
quanto este ltimo tem como parte essencial algo de inteligvel ou de supra-
sensvel. Assim, diz Deleuze, a imaginao aprende que a razo que a
impele at ao limite do seu poder, forando-a a confessar que toda sua
potncia nada relativamente a uma Idia.
Portanto, o sublime coloca-nos na presena de uma relao
subjetiva direta entre a imaginao e a razo. Mas esta relao um
desacordo, uma contradio vivida entre a exigncia da razoe a potncia
da imaginao. por isso, que a imaginao parece perder a sua liberdade
e o sentimento do sublime parece ser mais uma dor, ou desprazer, do que
um prazer. No entanto, no fundo deste desacordo surge um acordo, porque
a dor, ou desprazer, torna possvel um prazer. Afirmava Kant que prazer e
desprazer (dor) so complementares: so ambos expresses do mesmo
sentimento de prazer e dor. (...) Kant sustenta que, alm da afirmao de
que prazer e desprazer so contrapartida do mesmo sentimento subjetivo,
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no podem ser explicados mais claramente em si mesmos; tudo o que se
pode fazer especificar que resultados tm em certas circunstncias. (...)
Kant distingue entre prazer e desprazer sensorial e intelectual, subdividindo
o primeiro conforme o prazer/desprazer seja causado por sensao ou
imaginao, e o segundo conforme sua causa resida ou no em conceitos
ou idias representveis. (Caygill, Howard. Dicionrio Kant) Assim, quando a
imaginao posta na presena do seu limite por alguma coisa que a
supera por todos os lados, ela mesma supera seu prprio limite. preciso
entender, alerta Deleuze, que faz isso de maneira negativa,representando-
se a inacessibilidade da idia racional e fazendo desta prpria
inacessibilidade algo de presente a natureza sensvel.
No texto, A Verdade Sublime, de Philippe Lacoue-Labarthe,
salientado que Kant d dois exemplos de enunciados cuja sublimidade
insupervel. O primeiro exemplo, quando Kant afirma que:
o sublime sempre tem que referir-se maneira depensar, isto , a mximas para conseguir o domniodo intelectual e das idias da razo sobre asensibilidade. No se deve recear que o sentimentodo sublime venha perder-se por um tal modo deapresentao abstrato que, em confronto com asensibilidade inteiramente negativo; pois a
faculdade da imaginao, embora ela acima dosensvel no encontre nada sobre o que possaapoiar-se, precisamente por esta eliminao dasbarreiras da mesma sente-se tambm ilimitada; eaquela abstrao , pois, uma apresentao doinfinito, a qual na verdade, precisamente por isso,jamais pode ser outra coisa que uma apresentaomeramente negativa, que, entretanto, alarga a alma.Talvez no haja no Cdigo Civil dos judeus nenhu-ma passagem mais sublime que o mandamento: Tuno deves fazer-te nenhuma efgie nem qualquer
prefigurao, quer do que est no cu ou na terra ousob a terra, etc. (Crtica do Juzo, p.120)
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O segundo exemplo, nos dado num dos pargrafos dedicados ao
gnio, quer dizer, ao artista sublime ou do sublime (49). Trata-se de um
exemplo que diz respeito ao sublime dito de pensamento. Kant escreve:
talvez jamais tenha sido dito algo mais sublime (ou se tenha exprimido um
pensamento de modo mais sublime) do que naquela inscrio do templo de
sis (a me Natureza); Eu sou tudo o que , foi e ser e nenhum mortal
descerrou meu vu. (Lacoue-Labarthe,2000,p.226)
Diz Lacoue-Labarthe que esse pargrafo 49, As faculdades do
nimo que constituem o gnio, um pargrafo central quanto determina-
o, portanto, quanto possibilidade de uma arte sublime. E no apenas, no
modo reflexionante, de um afeto ou de uma emoo sublime. Kant definiu a
o que ele chama de alma de uma obra ou de princpio vivificante no
nimo: este suplemento ou acrscimo de vida, pois esta quase sempre, a
lgica do sublime, que excede o que se poderia chamar, de acordo com
Diderot, a simples tcnica. A alma simples e literalmente, o que anima:
um poema, uma narrao, um discurso, e at uma conversa. Ora, este
princpio, diz Kant, no nada alm da faculdade de apresentao das
Idias Estticas, quer dizer, dessas representaes da imaginao que do
muito a pensar. Nos dois exemplos mencionados por Kant, de Moiss e de
sis, o enunciado sublime um enunciado divino: um Deus que fala. O
Deus no fala com sua prpria voz, sua palavra transmitida e inscrita
(sobre as Tbuas, no frontispcio ou no interior do templo).
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Enfim nos dois casos, o enunciado trata da no-representao de
Deus (o Deus se diz inapresentvel): seja na forma de um interdito de
represent-lo, ele prprio implicado numa interdio geral da representao;
seja na forma de uma declarao de impossibilidade (eu sou indesvelvel)
que talvez nada mais seja do que uma forma mais sutil, seno mais
ameaadora do interdito. bvio que essas afinidades no so nada
formais. Estamos, portanto, em termos kantianos (mas tambm pr-
kantianos: desde Longino isso dito de todas as maneiras), diante da
definio cannica do sublime: sublime toda apresentao do
inapresentvel . (Lacoue-Labarthe, 2000, p.229)
Jean-Franois Lyotard (1924-1998)
A concepo de sublime em Lyotard, estrutura conceitual principal
para a anlise da arte moderna e contempornea como abordaremos,
comea a definir-se neste texto, porm, suas idias podem ser encontradas
permeando e estruturando tambm os captulos seguintes.
Interpretando a arte de seu tempo, v na arte de vanguarda excep-
cionalmente a manifestao do sublime. No entanto, recusa as respostas
espiritualistas s quais conduz a iconoclastia, mesmo que reconhea que o
destino do sublime o de consentir uma experincia doabsolutoatravs
da insuficincia da forma, ele no abandona o terreno da imanncia5.
5Imanente: que atua dentro de uma coisa ou pessoa; que no externo ou transcendental.
(Blackburn. Dicionrio Oxford de Filosofia)
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(Perniola, 1998, p.82)Faz ento uma ressignificao desta noo de sublime
e, o reativa como o modo de presentificao, no apenas mstica ou
religiosa como nos sculos passados, com que a arte moderna e
contempornea passaro a ocupar-se. Assim, atribui arte de vanguarda a
paradoxal tarefa de manifestar a imaterialidade do sublime atravs da
matria, que, no entanto tem que ser mnima.
Parte do conceito kantiano de sublime, cujo mistrio consiste
efetivamente em distinguir, atravs do sensvel, qualquer coisa que o
sensvel no pode apresentar sob o aspecto de formas. Concorda com Kant
que a experincia esttica excede a sensibilidade. A experincia esttica
est totalmente concentrada na afirmao dapresena de qualquer coisa de
inominvel que escapa sensao6, mas que no pode manifestar-se seno
atravs de sensaes.A abordagem dele se d a partir de uma esttica do
sentir,esclarece Mrio Perniola, na qual a experincia esttica finalmente
considerada na sua diferena relativa ao saber.
Lyotard diz que os ideais da civilizao ocidental, oriundos das
tradies antigas, crist e moderna, esto falindo e que a falncia no tem
sua causa no que chamamos realidade histrica, social, poltica, tcnico-
cientfica. A crise permanente, com a qual o devir do Ocidente se sustenta,
procede de uma disposio essencial. O Ocidente essa civilizao que se
6 Sensao: uma sensao resulta da faculdade de representao ser afetada pela
presena de um objeto (CRP A19/8 34). descrita como a matria da aparncia edistingue-se da percepo, que a sensao acompanhada de conscincia, embora
tambm seja ocasionalmente descrita como a matria da percepo. Tambm seapresenta como matria da sensibilidade a qual complementada por sua forma oucoordenao. (Caygill. Dicionrio Kant)
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interroga sobre sua essncia de civilizao. Com um gesto renovado,
repetido, o Ocidente mune-se de ideais, questiona-os, rejeita-os. O Ocidente
sabe que as civilizaes so mortais. Mas o fato de sab-lo basta para
torn-lo imortal. Ele vive da morte delas, como de sua prpria. Faz-se o
museu do mundo. Deixa assim, de ser uma civilizao. Torna-se uma
cultura. Diz ele que temos muitas palavras para comentar a estetizao
inerente cultura: encenao, espetacularizao, mediatizao, simulao,
hegemonia dos artefatos, mmese generalizada, hedonismo, narcisismo,
auto-referencialismo, auto-afeco, autoconstruo, entre outras. Todas
falam da perda do objeto e da prevalncia do imaginrio sobre a realidade.
Porm, pensa ele, que um mistrio inadmissvel para a boa lgica, que
possamos nos comover pela presena ao sensvel de uma coisa que o
sensvel no pode apresentar em formas. Todas as descries do
sentimento sublime convergem, contudo, para essa aberrao. As
regularidades da natureza deterioram-se, a percepo fracassa em manter
seu campo, e se admite desde Longino, diz Lyotard, que esse desastre da
asthesis pode provocar a emoo esttica mais intensa.
Sentimento esttico limite, o espasmo sublime sentido, como a
felicidade do gosto, por ocasio de uma sensao. Mas isso acontece pelo
fato desta ltima exceder a sensibilidade e encant-la at a sua perdio,
em vez de nela fazer ressoar o doce consentimento pelo qual ela se oferece
ao belo. O sublime pede, antes, uma ontologia7negativa.
7Ontologia: termo derivado da palavra grega que significa ser, mas usado desde o sculoXVII para denominar o ramo da metafsica que diz respeito quilo que existe.(Blackburn,Simon. Dicionrio Oxford de Filosofia)
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Isso no impede que se espere das artes este absurdo: que
testemunhem no sensvel (o visual, o literrio, o musical...) que algo falta ao
sensvel ou o excede - seu nome no importa, o inominvel. (Lyotard,
1996, p.212)
Lyotard vai chamar de anima, a sensao, que para ele tambm a
afeco, a doena, que se sente por ocasio de um acontecimento
sensvel. Verdadeira ou falsa, a asthesis modifica a anima de imediato,
deslocando sua disposio para o bem-estar ou o mal-estar, diz ele. A
afetabilidade da alma pela sensao no apenas o sinal da convivncia de
uma com a outra. Mais secretamente, ela revela uma dependncia absoluta
entre ambas. A anima s existe afetada, afirma Lyotard. A sensao,
agradvel ou desagradvel, tambm anuncia a anima que ela absolutamente
no seria, que permaneceria inanimada, se nada a afetasse. Essa alma no
passa do despertar de uma afetabilidade, e esta permanece desafetada na
falta de um timbre, de uma cor, de um perfume, na falta do acontecimento
sensvel que a excita. Essa alma no se afeta por conta prpria, s o outro a
afeta, de fora, diz ele. Existir ser despertado do nada da desafeco por
um outro lugar sensvel. Artistas, escritores, s vezes filsofos, os
contemporneos,diz ele, esforam-se por detectar na sensao a presena
daquilo que escapa sensao: um neutro, um cinza, um blank (em branco,
vazio), habita os matizes de um som, de um cromatismo ou de uma voz. A
sensao escapa desse nada, est ameaada de nele naufragar. Nos
Monets mais luxuriantes, diz Lyotard, a exaltao das cores apela contra a
cegueira, e a msica de John Cage uma homenagem ao silncio.
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A arte o pedido que a alma faz para escapar damorte que o sensvel lhe promete, mas celebrandonesse mesmo sensvel o que a tira da inexistncia.
(Lyotard, 1996, p.215).
A contemporaneidade no espera que a asthesis d alma a paz
do belo consentimento, mas sim que a tire por um triz do nada. Comparem
os amarelos do campo de trigo de Van Gogh com o amarelo com o qual
Vermeer tempera o muro da cidade de Delft, comenta Lyotard. Em dois
sculos, e o que quer que tenha ocorrido com o tema do sublime, a
problemtica niilista da qual ele procede se difunde por todo o tratamento,
literrio e artstico do sensvel. Chama a ateno que estas poucas
consideraes que faz, s se referem a anima mnima, esse afeto que nasce
desse aparecimento sensvel, lance por lance.
Chama de mnimaessa alma, porque, condio mnima da esttica,
ela est presa em sua compreenso mais estrita. A alma mnima deve ser
pensada sem memria, diz ele. Mas isso talvez seja excessivo, ou pelo
menos exija ser precisado. A alma despertada, existida pelo sensvel,
decerto no conhece seu passado, no sentido em que o pensamento visa
um objeto de outrora para reatualiz-lo, diz ele. Mas depois que o sensvel
passou pela prova do gesto artstico de aniquilamento pelo qual sua
aparncia transformada em aparecimento, o afeto regular que ele
despertou carrega instantaneamente consigo o valor de um retorno.
Concluiu que a questo do sublime comanda fortemente a proble-
mtica das artes contemporneas. Mas principalmente no que diz respeito a
ns, o sublime descobre uma outra maneira de vir ao contato dos pensa-
mentos, uma maneira de deixar-se tocar pelo ser como pelo que sempre se
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d sem jamais se dar. E talvez essa maneira seja para o pensar o trao do
que chamamos de sua modernidade, refora ele.
Pensa que o sentimento sublime revela muitas propriedades que nos
interessam. Em primeiro lugar, o sentimento sublime um misto de prazer e
desprazer / dor. Com ele, o sofrimento entra no lote das afeies estticas.
Nele entra como uma sombra, a que uma Idia da razo projeta sobre o
trabalho da imaginao. Esta experimenta seu limite diante de objetos que a
excedem por sua grandeza ou por sua fora. Um terror, dizia Burke, mas
mesclado de prazer. O prazer provm do fato de se usar a razo. A
imaginao fracassa em sintetizar uma forma e apresent-la em uma
intuio porque, se existisse essa forma excederia a medida de sua
compreenso instantnea. Esse fracasso, porm, proporciona razo a
oportunidade de descobrir que ela tem o poder de conceber esse excesso,
ou seja, o infinito como totalidade. A grandeza absoluta no passa de uma
Idia da razo, mas o esprito sofre uma reviravolta pelo esforo vo que a
imaginao faz para se igualar a essa idia. O mesmo acontece com o
sublime da fora: a impotncia infeliz da vontade emprica uma fonte de
prazer porque revela a presena na razo de uma causalidade
independente, a liberdade, mais poderosa que qualquer poder natural.
(Lyotard, 2000, p.66)
Em segundo lugar, v-se o esboo de uma esttica um pouco
estranha. O que nela sustenta o sentimento esttico no mais a livre
sntese das formas pela imaginao, mas a falncia das snteses. Falha de
sntese do lado da faculdade de apresentao ao que responde, do lado do
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objeto, a no-forma, um infortnio da forma. No que o objeto seja
monstruoso, mas a forma deixa de ser a grande coisa em matria de
sentimento esttico. E no pode ser mais imediato, pois tem nele a
mediao de uma Idia da razo.
Uma outra conseqncia que o sublime permanece inacessvel
aos espritos em quem a aptido para a moralidade e para a especulao
racional no foi desenvolvida, conforme concluso do prprio Kant como j
observamos anteriormente. Deduz-se que isto motiva se poder admitir em
princpio, uma espcie de desenvolvimento que no apenas das cincias e
das tcnicas, mas das sensibilidades.
No sensibilidade ao belo, pois ela imediata,mas ao sublime, pois ela caminha com a recepti-vidade s Idias da razo, e estas se apresentamno sentimento sublime, de maneira negativa, quandode situaes sem forma. (Lyotard, 2000, p.68).
A crise dos fundamentos agitou durante um sculo a matemtica, a
fsica, a mecnica, comenta Lyotard. Seu motivo encontra-se na questo
dessas condies de espao e de tempo. O debate cientfico centra-se de
fato no ponto de saber se espao, nmero e movimento so fundamentados,
em snteses intuitivas, ou produzidos por conceito, axiomaticamente, como
artefatos tericos. Pois com essa mesma inquietao trabalha o que se
chama vanguarda artstica, pintura, arquitetura, msica, escultura,
encenao, e a prpria separao das artes, inquietao decerto agravada
pelo fato de que aqui a constituio sensvel imediata dos lugares e dos
momentos que est em jogo, diz ele.
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Lyotard v no entusiasmo por exemplo, o modo extremo do
sublime, pois nele, a falncia da tentativa de representao transforma-se
numa experincia fortemente energtica do ilimitado. Comenta que o
entusiasmo que os espectadores experimentam , segundo Kant, uma
modalidade do sentimento sublime. Sentimento sublime, antes que
sentimento do sublime, porque aqui est toda a questo do objeto como
si, em si mesmo. A imaginao procura fornecer uma apresentao a uma
idia da razo, porm, no o atinge, por isso experimenta sua impotncia,
somente que ao mesmo tempo descobre seu destino, que realizar seu
acordo com as idias da razo em virtude de uma apresentao
convincente. (Lyotard, 1997, p.68)
O que mais determina o sublime o indeterminado, o informe. O
sublime compreende a finalidade de uma no finalidade e o prazer de um
desprazer. A imaginao, ainda que muito ampla, no chega a apresentar, a
expor, um objeto que possa validar, que possa realizar a idia. Da o pesar,
a impotncia para a apresentao. O que aqui se descobre, no somente
o alcance infinito das idias, alcance incomensurvel no tocante a toda
apresentao, seno ainda o destino do sujeito, nosso destino, lembra
Lyotard, que consiste em ter que fornecer uma apresentao para o
inapresentvel e portanto, quando se trata das idias, ultrapassar tudo aquilo
que possa apresentar-se.
Portanto, quando considera o entusiasmo como um modo extremo
do sublime porque a tentativa de apresentao no somente fracassa,
seno que se inverte para fornecer uma apresentao paradoxal que, diz
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ele, Kant chama uma apresentao simplesmente negativa. Uma espcie
de abstrao e que Kant caracteriza como uma apresentao do infinito.
O entusiasmo esteticamente sublime porquantoconstitui uma tenso de foras pelas idias as quaisdo a alma um impulso que atua de maneira muitomais vigorosa e perdurvel que o impulso dasrepresentaes sensveis.(Lyotard, 1997, p.73)
O que desperta o sentimento do esprito, o Geistesgefhlque o
sentimento sublime, no a natureza, artista em formas e obra das formas,
mas a grandeza, a forma. A quantidade em estado puro, uma presena
que excede o que o pensamento imaginante pode apreender, de um s
golpe, numa forma o que ela pode formar. (Lyotard,1993, p.56)
Lyotard pensa que a questo para a arte, hoje, saber se pode, por
meio de snteses programadas, inventar formas que lhe eram desconheci-
das e proibidas quando estava em contato direto com a natureza. E explica
que a idia de uma natureza no tem, a partir de ento, consistncia, nem
mesmo objeto. O que termina com ela no a arte, a esttica, conclui ele.
Provavelmente por isso que Denis Huisman inclui Lyotard no grupo
de pensadores que fazem parte das estticas libertrias (expresso cunhada
por Huisman, apenas como uma conveno til, diz ele).E que quanto mais as
estticas crticas mantiverem a diviso sujeito/objeto ou mesmo ideal/real,
tanto mais as estticas libertrias, sero afirmativas, fazendo saltar a
subjetividade, libertando o desejo que abre a dana dos possveis infinitos
na imanncia. obra, preferir-se- o acontecimento que estimula a vida
quotidiana, para a introduzir a felicidade, a fantasia, um gro de loucura.
(Huisman, 1997, p.67).
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1.3. Sobre algumas categorias estticas e a Histria da Arte:
Percebemos ento, que as categorias estticas no podem ser
separadas da histria da realidade da qual so as expresses tericas,
abstratas, nem tampouco de sua prpria histria, que a histria de ideais
estticos e das realizaes artsticas desses ideais, conclui Vasquez.
Partindo deste princpio, vamos fazer uma breve incurso na histria de
algumas categorias estticas relacionadas com a prtica artstica.
Entretanto, dando especial destaque para a trajetria da categoria
do sublime, sua relao com outras categorias e com a prtica artstica, de
forma que nos possibilite entender de que maneira esta noo ressignifi-
cada a partir da modernidade e como pode ser identificada nas produes
artsticas contemporneas.
O belo, do grego: , a primeira categoria que pode ser
encontrada nas linguagens dos povos, e a primeira tambm na qual se
detm o pensamento esttico ocidental. (Vzquez, 1999, p.185) a categoria
que preside a arte clssica, pois j nos primeiros filsofos gregos como
Pitgoras, Herclito e Empdocles, o belo um atributo do mundo (cosmos).
Mas na verdade, comenta Vzquez, Scrates o primeiro a formular a
pergunta o que o belo?. Plato ao teorizar o triplo fascnio que a verdade,
a beleza e o bem exercem sobre a alma humana, fundou todo um
pensamento filosfico ocidental. Mas ao exaltar a idia do belo, no afirmou,
de modo algum, que este fosse a essncia da arte. Ao contrrio, chegou a
ponto de negar, na obra Filebo, que a beleza absoluta pudesse ser
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encontrada nas pinturas ou esculturas. A beleza absoluta poderia apenas
existir nas figuras geomtricas, nas cores puras, nos sons puros, pois a
beleza uma abstrao. Na Repblica, diz que a obra de arte no passa de
um simulacro: uma imitao da realidade ideal e, portanto, condena-a do
ponto de vista ontolgico. (Chalumeau,1997,p.25)A idia de que a recompen-
sa do amante da arte o deleite na contemplao do belo constitui tema
antigo, mas uma idia que s recebeu sua forma mais plena de Kant.
Outras categorias estticas que podemos comentar rapidamente so
as do trgico e do cmico, j contidas no teatro grego. O conceito de
trgico foi as vezes discutido pelos filsofos no s em relao forma de
arte que a tragdia, mas tambm em relao vida humana em geral.
Plato, fiel sua concepo aristocrtica do homem livre, deprecia o cmico
como indigno e adequado apenas a escravos e mercenrios estrangeiros.
Tampouco aprecia o trgico,pois seu racionalismo o leva a ver as paixes
como perturbaes da alma que a afastam da contemplao das idias.
Aristteles quem estende o espao da categoria esttica, ao dar carta de
cidadania ao trgicoe ao cmico. Mas condena a stiraque denuncia pois
produz a ira e no o prazer. Sua grande contribuio se encontra na anlise
do trgicoem sua Potica, onde se afasta de Plato, pois para Aristteles a
tragdia provoca a purificao das paixes (catarsis), e quando representa-
das em cena, permite ao espectador liberar-se delas. Recuperadas, perdem
sua crueza emocional, sua periculosidade e, longe de produzir dor, elas
acabam por produzir prazer. (Vzquez, 1999, p.161).
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J a categoria esttica dosublime,nosso interesse principal, pode
ser encontrada desde a Antigidade clssica nas obras de Fdias (fig.1),
lembra-nos Chalumeau. Diz ele, o livro que Johann Winckelmann lanou em
1755, Reflexes sobre a imitao da arte grega na pintura e na escultura,
propunha a arte grega dividida em quatro perodos: o antigo at Fdias; o
sublime na obra de Fdias; o beloque vai de Praxteles at Lisipo e Apeles; e
a imitao que vai at a morte da arte. (Chalumeau, 1997, p.49 50)
O sublimee a arte da Antigidade Clssica:
Mas por qu esta categoria esttica do sublime pode ser identificada
desde a arte da Antigidade Clssica? Por trazer em sua gnese, a noo
de presentificao do invisvel. Jean-Pierre Vernant no livro Entre Mito e
Poltica comenta que na virada do sculo V e IV a.C., a teoria da mmesis,
da imitao, esboada por Xenofonte e elaborada de forma totalmente
sistemtica por Plato, marca o momento em que, na cultura grega, a verso
que leva da representao do invisvel imitao da aparnciafoi realizada.
A categoria da representao figurada apresenta-se ento clara-
mente em suas caractersticas especficas; ao mesmo tempo, encontra-se
ligada ao grande fato humano da mmesis, da imitao, que garante seu
fundamento. O smbolo por meio do qual uma potncia do alm, ou seja, um
ser fundamentalmente invisvel, atualizada e presentificada neste mundo,
transformou-se em uma imagem, produto de uma imitao de especialistas
que, por seu carter de tcnica elaborada e de procedimento ilusionista,
penetra doravante na categoria geral do fictcio, o que chamamos de arte.
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A partir de ento, a imagem relaciona-se com o ilusionismo figurativo tanto e
mais do que se apresenta ao campo das realidades religiosas. (Vernant,
2001,p.296) Fazer ver o invisvel, designar um lugar em nosso mundo a enti-
dades do alm: podemos dizer que existe desde incio, no empreendimento
da figurao. Numa tentativa paradoxal de inscrever a ausncia em uma
presena, para inserir o outro, o alm, em nosso universo familiar. Evocar a
ausncia na presena, o alm no que se encontra sob nossos olhos.
Comecemos pelos deuses, prope Vernant. Ao lado do mito em que
se contam histrias, em que se narram relatos, ao lado do ritual em que se
cumpre seqncias organizadas de atos, todo sistema religioso comporta
um terceiro aspecto: os fatos de figurao. Entretanto, a figura religiosa no
visa apenas evocar na mente do espectador que a observa a potncia
sagrada qual remete, que representa em certos casos, como no caso da
esttua antropomrfica, ou que evoca na forma simblica, em outros. Sua
ambio mais ampla diferente. Ela pretende estabelecer com a potncia
sagrada, por meio daquilo que a figura de uma forma ou de outra, uma
verdadeira comunicao, um contato autntico; sua ambio tornar
presente esta potncia aqui e agora, para coloc-la disposio dos
homens, nas formas ritualmente necessrias. Mas, ao procurar assim, por
meio dos fatos de figurao, lanar uma espcie de fonte para o divino, o
dolo deve ao mesmo tempo, na prpria figura, marcar a distncia com
relao ao mundo humano, ressaltar a incomensurabilidade entre a potncia
sagrada e tudo o que a manifesta, de forma sempre inadequada e
incompleta, aos olhos dos mortais. (Vernant, 2001, p. 297)
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Estabelecer com o alm um contato real, atualiz-lo,presentific-loe
assim, participar intimamente do divino - mas, no mesmo momento sublinhar
o que o divino comporta de inacessvel, de misterioso, de fundamentalmente
outro e estrangeiro - esta a tenso necessria que, nos quadros do pensa-
mento religioso, toda forma de figurao deve instaurar. (Vernant,2001, p. 298)
O templo grego, mais do que um lugar de culto onde os fiis se
renem, uma residncia. O deus mora l. Construdo pela cidade, o
templo consagrado ao deus para ser sua residncia. chamado de nas,
residncia, hdos, sede da divindade. E a mesma palavra hdos designa
tambm a grande esttua divina: por meio de sua imagem que a divindade
vem habitar em sua casa. Entre o templo e a esttua, existe uma
reciprocidade completa. O templo feito para alojar a esttua do deus; e a
esttua para exteriorizar como espetculo a presena do deus na intimidade
de sua morada. (Vernant, 2001, p.303)
1. Procisso das Panatenias(447-432 a c.) Fdias.
fragmento do friso do Parthenon.
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O friso do Parthenon, faixa contnua de cerca de 160 metros de
comprimento mostra a procisso das Grandes Panatenias, festa em honra
de Atena. Representa vrias divindades, sentadas ou reclinadas, assistindo
ao nascimento da deusa. No h aqui violncia, nem tampouco qualquer
ao especfica, apenas um profundo sentimento potico do ser. So
enormes imagens, sujeitas servido dos requisitos de todas as imagens
destinadas ao culto. A admirao que despertam se deve ao seu tamanho,
aos materiais preciosos empregados e aura de temor religioso que as
envolvia. (Janson, 1992, p.134135)
O grotesco e a arte da Antigidade Clssica:
Outra categoria esttica que podemos citar a do grotesco,
conforme comenta Victor Hugo (1802-1885) no texto Do Grotesco e do
Sublime , pois j pode ser identificada na arte mitolgica da antigidade
clssica: os stirosque so deuses rsticos que tm rabo, cornos e pernas
de bode; os ciclopesque so gigantes com um s olho no meio da testa; as
sereiasmetade mulher e metade peixe; e os centauros, metade homem e
metade cavalo (Victor Hugo,1988, p.2), conforme podemos observar no
exemplo da escultura Hipodamia atacada por um Centauro(fig.2).
O grotesco considerado por muitos pensadores como Hegel,
Schlegel e Victor Hugo, como um modo de fazer arte que no busca a
produo do Belo. O que encontramos sempre no grotesco a presena
ativa de algo estranho, fantstico, irreal ou antinatural. (Vzquez, 1999, p.286)
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Mesmo reconhecendo o
grotesco antigo, Victor Hugo
diz que ele ainda bastante
tmido pois procura sempre
esconder-se e muitas vezes
apenas identificado em
algum canto ou detalhe de
uma obra de arte.
2. Hipodamia atacada por um Centauro, 460 a C.Fronto ocidental do Templo de Zeus, em Olmpia.
O sublime e o perodo do Helenismo:
J no perodo histrico do Helenismo, desde o sculo IV at o sculo
I a.C., caracterizado por apresentar uma complexa rede de tendncias, onde
numa perspectiva cultural e artstica, deve-se assinalar, que o propriamente
helenstico , precisamente, a resistncia s influncias orientais, a subsis-
tncia do grego num mundo que geogrfica e politicamente est deixando de
ser grego, (Histria Geral da Arte, Escultura I, 1995, p.107) o espao da reflexo
esttica abre-se a esta nova categoria com o tratado Do Sublime, de
Longino, em fins do sculo I. O texto de Longino um tratado de retrica8.
8Retrica: a arte da utilizao da linguagem para persuadir ou influenciar os outros.(...) O
desenvolvimento dessa arte era uma rea de estudos importante nas universidadesmedievais e comeou a recuperar terreno com a perspectiva, largamente partilhada no final
do sculo xx, de que todos os discursos e todas as argumentaes contm um ncleopoltico e persuasivo. (Blackburn, Simon. Dicionrio Oxford de Filosofia)
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Ensina em princpio, os meios postos disposio do orador para comover o
seu auditrio. Sua inteno era, mediante a anlise dos textos homricos,
descobrir o procedimento mediante o qual o poeta alcana a expresso do
admirvel, do grande, o que causa respeito e temor. (Bozal, 2000, p.41).
(...) o sublime de certa forma o ponto mais alto, aeminncia do discurso, e que os maiores poetas e prosa-dores jamais conseguiram o primeiro posto de um outrolugar que da; e que da lanaram eles ao redor do Tempo arede de sua glria. Pois no persuaso, mas ao xtaseque a natureza sublime conduz os ouvintes. Seguramente
por toda parte, acompanhado do choque, o maravilhososempre supera aquele que visa a persuadir e a agradar; jque o ser persuadido, na maior parte do tempo, depende dens, enquanto aquilo de que falamos aqui, trazendo umdomnio e uma fora irresistveis, coloca-se bem acima doouvinte. E a prtica da inveno, a ordem e a organizaoda matria, ns as vemos aparecer penosamente, no apartir de uma passagem, nem mesmo de duas, mas datotalidade do tecido de discurso; enquanto o sublime,quando se produz no momento oportuno, como o raio eledispersa tudo e de imediato manifesta, concentrada, a forado orador.(Longino,1996, p.44 )
Longino bem que tenta definir a sublimidade do discurso. , diz ele,
inesquecvel, irresistvel, e, principalmente d muito em que pensar. A
grandeza do discurso verdadeira, quando testemunha a incomensura-
bilidade do pensamento com o mundo real. Concentrando-se sobre este
tema da sublimidade e da indeterminao, a meditao sobre as obrasprovoca uma grande mutao na techn e nas instituies a ela ligadas.
(Lyotard, 1997, p.99-100).
o prprio destino das obras que est em causa. A predominncia
da idia de techn colocava as obras sob uma regulamentao mltipla, a
do modelo ensinado nos estdios de artistas, nas Escolas, nas Academias, a
do gosto partilhado pelos pblicos aristocrticos e, por fim, a regulamenta-
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o de uma finalidade da arte que consistia em ilustrar a glria de um nome,
divino ou humano, ao qual estava ligada a perfeio de tal virtude principal.
A idia de sublime desregra esta harmonia. Ela explica, pelo menos, que a
reflexo sobre a arte j no incide essencialmente sobre o artista, destinador
das obras, os quais abandonamos solido do gnio, mas sim sobre o seu
destinatrio. A perfeio exigvel da techn no , necessariamente uma
qualidade de sentimento sublime. (Lyotard, 1997, p.101-102).
O sublime algo muito maior, algo que no tem limites. assim,
que o sublime vincula-se idia do infinito, com as aspiraes da alma
extrapolando sua finitude, e impregna a arte crist na Idade Mdia.
O sublime e a arte da Idade Mdia:
Como foi possvel observar, o sentimento sublime surge na relao
entre a grandiosidade e a infinitude de um fenmeno e as limitadas foras
humanas, ou quando estas alcanam um poder que excede as medidas do
cotidiano ou do normal. Assim acontece frente grandiosidade dos templos
cristos, isto , das igrejas, pois o homem levado e refletir sobre a sua
finitude, ou como diz o prprio Kant, o sentimento do sublime um prazer
que surge s indiretamente, ou seja, ele produzido pelo sentimento de uma
momentnea inibio das foras vitais e pela efuso imediatamente
consecutiva e tanto mais forte das mesmas. (Crtica do Juzo, p.90)
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Mais do que um lugar de culto onde os fiis se renem, o templo
cristo, como o grego, uma residncia, pois o deus esta l e assim cria a
sensao da presena invisvel do deus. As igrejas, as maiores obras de
arte deste perodo, por suas dimenses e extrema fora de presentificao
do sagrado, causam impacto de tal sorte que inibindo as foras vitais
provocam o sentimento sublime. Causam uma mistura de prazer e
desprazer, pois tais construes eram projetadas numa escala muito
superior escala humana, e desta forma quem ali adentrava sentia-se
pequeno frente grandeza absoluta de Deus, mas ao mesmo tempo sentia
como que um xtase mstico sublime frente a tanta grandiosidade. Pois
sublime aquilo em comparao com o qual tudo mais pequeno. (Crtica
do Juzo, p.96) Na Idade Mdia reaparece o dualismo Platnico do ideal e do
real, entendido como dualismo do sobrenatural e do natural, do celestial e do
terreno, do divino e do humano. (Vzquez, 1999, p. 218)
Uma nova era comea para o mundo, para a arte e poesia, comenta
Victor Hugo. Uma religio espiritualista, que supera o paganismo material e
exterior, desliza no corao da sociedade antiga. o Cristianismo, e por ele,
se introduzia no esprito dos povos um sentimento novo,desconhecido dos
antigos e singularmente desenvolvido posteriormente. Um sentimento que
mais que a gravidade e menos que a tristeza, a melancolia. Com o
Cristianismo se ver as coisas com um olhar mais amplo, se sentir que
tudo na criao no humanamente belo, que o feio existe ao lado do belo,
o disforme perto do gracioso, ogrotesco no reverso do sublime, o mal com o
bem, a sombra com a luz.
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ento, com o olhar fixo nos acontecimentos ao mesmo tempo
risveis e formidveis, e sob a influncia deste esprito de melancolia crist e
de crtica filosfica, que a arte dar um grande passo decisivo que mudar
toda a face do mundo intelectual. Far como a natureza, vai misturar as suas
criaes sem, entretanto, confundi-las, a sombra com a luz, o corpo com a
alma, o grotesco com o sublime. (Victor Hugo, 1988, p.24-25)
O sublime e o grotesco na arte da Renascena:
Uma vontade coletiva de experimentar, descobrir, transformar, corria
o sculo XIV, e comeou a tomar forma aquilo que mais tarde o mundo
conheceria como Renascimento. As pessoas revisitavam os valores da
Antigidade Clssica. Vasculhavam velhos textos e redescobriam o ideal
artstico do universo greco-romano. em nome do humanismo que o
homem, mesmo temeroso, comea a separar-se da grande ordem do
universo, para ser o seu espectador privilegiado. Mais do que isso, ele o
organizador dessa ordem. O homem o modelo do mundo, disse um dia
Leonardo da Vinci. De certo modo sintetizava o que eram o Renascimento e
suas realizaes. (Histria da Filosofia,1999, p.129-132) No Renascimento, o
homem basicamente o indivduo. Essa valorizao do indivduo manifesta-
se na busca da fama, uma noo antiga e diametralmente oposta ao ideal
medieval do homem annimo. Na escultura ou na arquitetura grande parte
das obras serve para exaltar a fama conquistada por muitas personalidades.
Na pintura, florescem o retrato e o auto-retrato, com a identificao das
pessoas representadas. (Histria da Filosofia, 1999, p.133)
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Miguelangelo pinta a si mesmo na obra O Juzo Final, mas no
como pessoa integral, e sim como pele descolada, como uma superfcie
morta, eis a o modelo de uma fecunda unio entre o sublime e o