Download - Discursos de Lula à luz da semiótica
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ROSANA HELENA NUNES
CONSTRUO DA IDENTIDADE POLTICA
DISCURSOS DE LUIZ INCIO LULA DA SILVA
Doutorado em Lngua Portuguesa
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
SO PAULO 2006
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ROSANA HELENA NUNES
CONSTRUO DA IDENTIDADE POLTICA
DISCURSOS DE LUIZ INCIO LULA DA SILVA
Doutorado em Lngua Portuguesa
Tese apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de Doutora em Lngua Portuguesa, sob a orientao da Professora Doutora Maria Thereza de Queiroz Guimares Strngoli.
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
SO PAULO 2006
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Banca Examinadora
___________________________
Tese defendida e aprovada em:
____/____/____
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A meus pais e irmo, pela experincia de vida e alegria de viver.
Ao Leandro,
pela experincia do amor e carinho no conviver.
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MUITO MAIS TEU PAI E TUA ME
SO OS QUE TE FIZERAM EM ESPRITO
E ESSES FORAM SEM NMERO.
Maria Thereza de Queiroz Guimares Strngoli, orientadora dedicada, amiga sensvel e inteligente.
Luiz Antnio Ferreira
Ana Rosa Ferreira Dias Jarbas Vargas do Nascimento Dina Maria Martins Ferreira Elza Kioko Nenoki Murata
professores doutores que partilharam conhecimento e valores.
Maria Paula Turim e Maria Virglia Guariglia,
professoras e amigas sinceras que sempre dividiram as experincias de seu saber.
Ansio Aparecido Lima
amigo e advogado cuja contribuio foi muito importante.
Jlio Francisco de Oliveira e
Olga Lopes Esquerdo (in memoriam) cujas preces e apoio sempre me acompanharam.
CAPES
pela oportunidade da bolsa de estudos.
DIZE: O VENTO DO MEU ESPRITO
SOPROU SOBRE A VIDA.
E TUDO QUE ERA EFMERO SE DESFEZ.
CECLIA MEIRELES
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RESUMO
A pesquisa desenvolveu-se no campo da anlise do discurso e
examinou os processos da construo da identidade do homem poltico
em dois discursos de Luiz Incio Lula da Silva: na presidncia do recm
fundado Partido dos Trabalhadores, em 1981, e na presidncia do
Brasil, em 2003.
Os procedimentos metodolgicos que nortearam a anlise foram
fornecidos, principalmente, pela semitica discursiva de Algirdas Julien
Greimas (1979) e seus discpulos, sobretudo, por Eric Landowski (1989
e 1997), que postula que a identidade do sujeito se forma pela
intermediao de um Outro, assim como por Bernard Lamizet (1992),
que define poltica como atividade de mediao.
Nessa perspectiva, a anlise focalizou os processos de construo,
assimilao e transformao identitria do poltico Lula, tendo como
referncia a noo de trabalho, pois este o principal mote em todo o
seu percurso poltico.
A anlise apontou, nos discursos, a constante promessa de
renovao segundo a noo de bricolagem (no sentido antropolgico de
Claude Lvi-Strauss) e reconheceu que os partidos, cuja ideologia se
contrape do PT, mediaram sua transformao identitria. Assim, no
discurso de sindicalista, a funo trabalho vista como um instrumento
de poder controlador, fundamentando a luta contra a classe dominante
e criando a polaridade disfrica, empregado (explorado) vs. empregador
(explorador); no discurso presidencial, desfez-se a disforia, o trabalho
perde o sentido de controle para receber o de impulso para o progresso,
motivando o sujeito presidente tornar-se "no-dessemelhante da
classe operria e semelhante classe dominante, caracterizando o
processo de assimilao desta.
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ABSTRACT
This study is developed in the field of discourse analysis and
examines the processes of building the identity of political man in two
speeches made by Luiz Incio Lula da Silva: one as president of the
recently founded Workers Party in 1981, and the other as president of
Brazil in 2003.
The methodological procedures informing the analysis are mainly
derived from the discursive semiotics of Algirdas Julien Greimas (1979)
and his disciples, in particular Bernard Lamizet (1992) and Eric
Landowski (1989 and 1997), who poses the subject's identity as formed
through intermediation of the Other.
From this perspective, the analysis focuses on the processes of
building, assimilating and transforming the identity of Lula as politician,
with the point of reference being the notion of labor - since the latter is
the main theme throughout his political career.
Analysis of the two speeches points to the constant promise of
renewal in accordance with the notion of bricolage (in the Claude Lvi-
Straussian sense) and it is recognized that the parties opposing the PT
in ideological terms mediated his transformation in terms of identity. In
his trade-unionist speech, labor is seen as an instrument of controlling
power, as fundamental for the struggle against the ruling class and
creating the dysphoric opposition between employee (exploited) and
employer (exploiter). In his speech as president, dysphoria is
disassembled; labor loses the sense of control to be given that of driver
for progress, causing the subject-president to become "dissimilar" to
the working class and similar to the ruling class, thus characterizing the
process of the former's assimilation.
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SUMRIO
INTRODUO................................................................01
CAPTULO I........... ..................................................................08
IDENTIDADES, CAMINHOS E MITOS
Identidades................................................................................09
Caminhos...................................................................................12
Mitos.........................................................................................21
CAPTULO II
O OLHAR DO PETISTA..................................................................24
CAPTULO III
O OLHAR DO PRESIDENTE............................................................62
CAPTULO IV
DA CONTEXTUALIZAO PARA AS REFLEXES................................87
O trajeto do poltico.....................................................................88
CONSIDERAES FINAIS..........................................................93
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...............................................97
ANEXO I
TEXTO INTEGRAL DO DISCURSO DE LUIZ INCIO LULA DA SILVA
Primeira conveno nacional do Partido dos Trabalhadores
ANEXO II
Texto integral do discurso de posse de Luiz Incio Lula da Silva
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Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta dissertao por processos de fotocopiadoras ou eletrnicos. Assinatura: ____________________ Local e Data: ________________
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INTRODUO
A sociedade em transformao alarga-se para integrar o ser em transformao. Nada pode permanecer estvel nesse processo. por isso que a significao, elemento abstrato igual a si mesmo, absorvida pelo tema e dilacerada por suas contradies vivas, para retornar enfim sob a forma de uma nova significao com uma instabilidade e uma identidade igualmente provisrias.
Mikhail Bakhtin (1929)
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INTRODUO
Assimilam-se, no processo de construo da identidade,
performances diferenciadas, diversos modos de ser, de fazer e de dizer
ou a prpria gesto do sentimento de presena in vivo, j que a
transformao de todo indivduo se repete continuamente em cada
espao e tempo vivido. Mas, no engendramento de sentidos e
mudanas, os discursos marcam as renovadas formas de o indivduo
parecer e ser verdadeiro para si e para outrem, porquanto a linguagem
a garantia da integrao no grupo social.
Entre esses discursos, destaca-se o poltico: nele se reconhece
facilmente o sujeito que sente a necessidade da mudana,
da(re)novao constante, da prpria (re)construo identitria. Na
busca de realizaes, o poltico intensifica atividades e vive
performances, exercendo prticas sociais e apelando sem cessar para a
dimenso da comunicao miditica. Assim, Bernard Lamizet
(1992:228)1, ao refletir sobre a prxis poltica, afirma:
Pensar em termos semiticos o problema das identidades polticas implica comear por se lembrar o que uma identidade poltica. Essa identidade , pois, fundamentalmente, uma mediao: uma articulao entre a dimenso singular do sujeito e sua dimenso coletiva, a qual se expressa, por sua vez, na dimenso real de suas prticas; na dimenso simblica de suas representaes e na dimenso imaginria, de suas utopias, de seus fantasmas ou crenas2.
O poltico procura, pois, construir sua identidade, a partir do ethos
de pessoa amvel, interessada em conciliar os direitos dos cidados
1 Para facilitar o reconhecimento, citam-se os autores pela primeira vez com seu nome completo, nas seguintes, somente com o sobrenome. Do mesmo modo, para situar a obra historicamente, transcrevem-se as datas da obra original. Havendo citao, conserva-se essa data, mas coloca-se o nmero da pgina da obra consultada, cuja data consta no final da referncia bibliogrfica desse autor. 2 Cf. texto original: Penser en termes smiotiques le problme des identits politiques impose de commencer par rappeler ce quest une identit politique. Lidentit politique est, donc, fondamentalement, une mdiation : une articulation entre la dimension singulire du sujet et sa dimension collective, qui sexprime la fois dans la dimension relle de ses pratiques, dans la dimension symbolique de ses reprsentations et dans la dimension imaginaire de ses utopies, de ses fantasmes ou de ses croyances.
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com os deveres do Estado e, sobretudo, estabelecer empatia com o
enunciatrio.
Do ponto de vista aristotlico, o ethos (Cham Perelman &
Olbrechts-Tyteca, Lucie, passim, 1958) constitui a mais importante das
trs provas engendradas pelo discurso logos, ethos e pathos, sendo
que o ethos compreende o logos e o pathos. O logos est ligado
competncia do orador, ao plano do inteligvel, o pathos, ao sensvel.
Aristteles enumera trs qualidades que inspiram confiana no
orador: 1 phrnesis, ar ponderado, ou seja, o orador exprime opinies
competentes e razoveis; 2 aret, apresentar-se como um homem
simples e sincero denota a virtude, tomada no seu sentido primeiro de
qualidades distintivas do homem (latim vir, viri), como a coragem, a
justia, a sinceridade; 3 enoia, que quer dizer benevolncia e
solidariedade, passar uma imagem agradvel de si, como mostrar
simpatia pelo auditrio.
A phrnesis (que faz parte do logos) e a aret (virtude do ethos)
exprimem as disposies positivas; enquanto a enoia pertence ao
pathos, um afeto que mostra ao ouvinte que o orador bem-
intencionado para com ele.
Eric Landowski (1997:3), ao tratar do discurso poltico,
desenvolve mais o conceito de identidade, compreendida como uma
grandeza sui generis, formada a partir do Outro, um sentimento
construdo pela intermediao de uma alteridade. Julga esse autor
(ibid.: 188), assim como Lamizet, que, do ponto de vista da semitica,
a popularidade do poltico implica crena e condies nas quais ele pode
organizar seu universo de sentido; a falta de organizao origina crise.
O que importa reconhecer a teatralidade inerente ao jogo do poder,
mas sem reduzir este quela. A popularidade conquistada, pois, pelo
pathos e no pelo logos.
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A pesquisa norteia-se por essas duas concepes. Utiliza o termo3
ethos para designar a performance assumida pelo enunciador a fim de
criar empatia com o outro e conquistar a adeso deste para seus pontos
de vista. Seguindo Lamizet, emprega o termo identidade quando indica
a articulao da dimenso singular do sujeito com sua dimenso
coletiva, pontuando a real, a simblica e a imaginria. Assim, ethos da
ordem do performativo; identidade, do cognitivo.
Desse ponto de vista, o poltico , sobretudo, a figura ou o ator
que busca firmar seu ethos, criando uma cena (o espetculo o prprio
fundamento da poltica) e, ao mesmo tempo, firmar sua identidade de
poltico bem sucedido. Por essa razo, Landowski (ibid: 188) afirma:
lgica da representao contratual que supostamente liga eleitores e eleitos uns aos outros, ela superpe figurativamente a esttica de um jogo teatral cotidiano em que cada representante se afirma e, em ltima instncia, constitui-se como tal, dando a ver teatralmente ao pblico que ele o representa. A poltica, nesse sentido, representao (dramtica) de uma representao (jurdica).
A teatralizao, constituindo a natureza do poltico, mostra-se
como uma das melhores prticas para sua transformao, um veculo
para sua linguagem e seus modos de presena ou de ausncia.
Manifesta o viver e o sobreviver do chefe de Estado e explica porque o
povo passa da venerao a um ator, em determinado tempo ou espao
social, sua rejeio, esquecendo o estado de graa em que o colocou,
descobrindo seu desgaste emocional e, passionalmente, substituindo
ardor pela indiferena (ibid et passim: 186-7).
Como ocorre, manifesta-se e presentifica-se a mudana, a
passagem de um estado a outro? a atividade prpria de construir-se em relao a outrem que d
razo existncia do sujeito, pois este se reconhece sempre como um
ser-em-devir, simulacro de si mesmo. Para a semitica, simulacro
3 Emprega-se "termo" com a definio que lhe d a semitica: " a denominao (a etiqueta) de um ponto de interseco de relaes (ou de um cruzamento no interior de uma rede relacional), denominao que se efetua pelo procedimento da lexicalizao". "Lexema", por sua vez, "apresenta-se antes como o produto da histria ou do uso". In Greimas & Courts (1979: respectivamente: 459 e 253).
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quase-sinnimo de modelo (Algirdas Julien Greimas & Joseph Courts,
1979: 206), modo de se (re)construir o sentido, para melhor descrev-
lo. Simulacro , em princpio, construo: criam-se simulacros para dar
conta das condies e das precondies da manifestao do sentido e,
de certa maneira, do seu 'ser'." (Greimas & Jacques Fontanille, 1991:
12). Norma Discini (2003: 80) complementa: Simulacro , pois, da
ordem do fazer crer, que perpassa enunciado e enunciao, sendo o
sujeito da enunciao, enunciador e enunciatrio, tambm simulacros.
O poltico, mais que os outros indivduos, o que mais transforma sua
linguagem, cria simulacros, transforma modos de presena ou de
ausncia, de viver e sobreviver.
Na busca de uma temtica que comportasse respostas para tais
questes, a pesquisa examinou discursos significativos que pudessem
revelar o processo ou a teatralidade da construo e modificao da
identidade poltica do ator Luiz Incio Lula da Silva. O corpus da
pesquisa compe-se, pois, de dois de seus discursos: como presidente
do PT, durante a 1 Conveno Nacional do Partido dos Trabalhadores,
em 1981, como presidente do Pas, em 1 de janeiro de 2003.
O primeiro exame do corpus e do percurso poltico de Lula
evidenciou a importncia do lexema trabalho na construo de sua
identidade, motivando a questo: os efeitos de sentido criados por
esse lexema variam de um discurso a outro e possibilitam pontuar
mudanas de identidade poltica?
Tal questo apontou a hiptese: a poltica no somente
"mediao", como quer Lamizet, nem apenas "representao
(dramtica) de uma representao (jurdica)", como afirma Landowski.
Ela pode ser tambm dramatizao das aspiraes de determinado
segmento cultural, que se move menos pela paixo de um querer-fazer
governo e mais pela paixo de querer-ser governante.
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Para desenvolver tal hiptese, estabeleceram-se os objetivos:
1. examinar os procedimentos semiolingsticos recorrentes nos dois
discursos e como estes revelam o ethos e aspectos da identidade
do enunciador;
2. observar como as particularidades desse ethos e identidade se
manifestam em sua interao com o tema trabalho;
3. analisar os valores e as conotaes axiolgicas e mticas
pontuados na interao.
Embora sejam citados diferentes autores para complementar e
justificar algumas afirmaes, os procedimentos metodolgicos que
regem a anlise centram-se na semitica discursiva de Algirdas Julien
Greimas (1979) e seus discpulos, privilegiando a semitica poltica de
Landowski (1989 e 1997).
A extenso do corpus exigiu delimitaes no processo analtico,
pois estando a atuao pessoal e poltica de Lula centrada no tema
trabalho, julgou-se pertinente destacar os fragmentos em que surge
esse tema. Assim, os dois discursos so separados em pargrafos de
acordo com a progresso referencial dos fragmentos sobre o tema
trabalho, ou seja, estudam-se por partes os subtemas que compem o
tema maior.
Assim, o estudo organiza-se em:
Introduo: escolha do tema, corpus, hiptese, objetivos e procedimentos metodolgicos que norteiam a pesquisa;
Captulo I: noo de identidade, dados biogrficos de Lula que possam pontuar essa identidade, contexto que envolveu sua
interao com o sindicalismo, criao do Partido dos Trabalhadores e
figuras mticas que tm relao com a imagem e conceito de
trabalho.
Captulo II: anlise do discurso como presidente do Partido dos Trabalhadores, focalizando o tema trabalho.
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Captulo III: anlise do discurso de posse como presidente do Brasil, centrando-se tambm no tema trabalho.
Captulo IV: interao dos dados das duas anlises no trajeto poltico de Lula, a fim de examinar, por meio do quadrado semntico, o
sentido de trabalho na (re)construo de sua identidade.
Consideraes finais: retomada dos objetivos e descrio das perspectivas reveladas na anlise.
Referncias bibliogrficas: dados sobre os escritores e obras utilizadas na anlise.
Anexo I: texto integral do discurso da Primeira Conveno do Partido dos Trabalhadores.
Anexo II: texto integral do discurso de posse de Luiz Incio Lula da Silva como Presidente do Brasil.
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CAPTULO I
IDENTIDADES, CAMINHOS E MITOS
H somente uma histria que importa, a histria daquilo em que voc uma vez acreditou e a histria de como voc veio a acreditar.
Kay Boyle (apud Marilyn Ferguson, 1980)
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IDENTIDADES
O termo identidade est, em sentido geral, lexicalizado como o
"conjunto de caractersticas e circunstncias que distinguem uma
pessoa ou uma coisa e graas s quais possvel individualiz-la"
(Houaiss, 2001). As circunstncias da sociedade atual tm apresentado
caractersticas tais que motivaram Dina Martins Ferreira (2006: 19-20),
a descrever o presidente Lula como um sujeito ps-moderno e, citando
Hall (2000), explicitar:
(...) a identidade ps-moderna aquela em que o sujeito est se tornando fragmentado, composto no de uma nica, mas de vrias identidades, algumas vezes contraditrias ou no resolvidas.
Tal fato ocorre, explica Ferreira, porque o sujeito pressionado a
se submeter s diferentes exigncias do espao e do tempo em que
vive, s transformaes a que est exposto e, sobretudo, ao confronto
com a diversidade da diferena. Assim, define trs tipos de configurao
identitria na formao do ator poltico Lula: sujeito indivduo, formado
na poca do sindicalismo, sujeito social, constitudo durante a
construo do Partido dos Trabalhadores, e sujeito poltico-cultural,
vivido para se tornar Presidente da nao.
Segundo Landowski (1997: 3-4), a diferena o princpio que
preside, na semitica, a relao dos termos tanto no projeto de
construo de uma teoria geral da significao quanto no mtodo de
anlise dos discursos e das prticas significantes. , portanto, o
reconhecimento da diferena, qualquer que seja sua ordem, que
possibilita construir certos valores, de ordem existencial, tmica e
esttica. Assim, o que d forma prpria identidade no s a maneira
como o sujeito se define (ou tenta se definir) em relao imagem que
outrem lhe envia de si, mas tambm como a alteridade do Outro atribui
um contedo especfico diferena que separa o sujeito desse Outro.
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Nesse caso, o que garante a construo da identidade compreend-la
como a intermediao de uma alteridade a ser construda.
Ferreira (ibid.: 21) considera que a identidade representa um
construto situado em circunstncias scio-histricas particulares e, se a
linguagem o meio pelo qual o sujeito pode se identificar, a partir
dela que se d o jogo identitrio entre o sujeito e o mundo.
Nessa perspectiva, Luiz Incio Lula da Silva um sujeito ps-
moderno, uma vez que a transformao e a construo de sua
identidade ocorrem em tempos e espaos determinados: no passado,
o cidado Lula (ex-operrio e sujeito excludo de determinados espaos
do saber e do poder); no presente, o presidente, includo, agora, na
mais alta posio de poder no pas. Nesse jogo semntico-axiolgico do
passado/excluso vs. presente/incluso, particularidades e nveis de
alteridade marcam, cultural e socialmente, sua longa trajetria poltica.
Comenta Ferreira (ibid: 22):
O que nos importa nessa discusso que o indivduo se manifesta no social, indicando que o individual no se fronteiriza como o social mas que, pelo contrrio, essas duas dimenses se mesclam para que ambas possam existir.
Lula, complementa a autora, um sujeito complexo: constitui-se
no discurso, convivendo com aquele que vive fora desse discurso. Desse
modo, mostra-se um sujeito discursivo, criado na/pela linguagem de
operrio sindicalista, e um sujeito social, construdo segundo as
imagens de si que recebe do Outro. O que importa o fato de o sujeito
construir-se a partir da alteridade e do contexto, pois explica a autora
(ibid.: 26):
Junto questo do Outro e da Histria em que se insere, a identidade um processo poltico, poltico no s porque est na esfera de movimentos partidaristas, mas poltico porque se estabelece pelo poder. (...) Identidade, ento, no marca seres do mundo, mas constri sujeitos e suas respectivas identidades.
Desse modo, a autora reconhece, no terceiro sujeito que analisa,
o Lula poltico-social, uma identidade nacional, construda pelo tempo e
espao de sua carreira poltica vivida em determinado momento
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histrico, identidade confirmada no momento de sua posse como
presidente do pas.
A assimilao de nova identidade comentada por Landowski
(1997: 13):
(...) o sujeito coletivo ocupa a posio do grupo de referncia instncia semitica e evidentemente difusa e annima e fixa o inventrio dos traos diferenciais que, de preferncia, a outros possveis, serviro para construir, diversificar e estabilizar o sistema das figuras do Outro que estar, temporria ou duradouramente, em vigor no espao sociocultural considerado. Para isso, a simples vida em comum dos grupos sociais, com as desigualdades, em primeiro lugar, de ordem econmica, com as segregaes de fato que ela gera, e com todas as outras disparidades latentes que ela torna manifestas, fornece uma infinita variedade de traos diferenciais imediatamente explorveis para significar figurativamente a diferena posicional que separa logicamente o Um de seu Outro.
A linguagem possibilita a transformao do sujeito, a construo
de identidades. Em espaos e tempos determinados, o sujeito se
constri em face do Outro, a partir da diferena e, ao mesmo tempo, de
sua assimilao. Cada sujeito procura adaptar-se s condies de um
dado momento histrico e isso determina a mudana do Eu que busca
tornar-se um Ns. o prprio Eu que, por assim dizer, est sempre em
devir, um ser em devir. Landowski (ibid: 14) complementa:
(...) a dimenso semitica da produo da alteridade existe na medida em que h entre Ns e o Outro fronteiras naturais, havendo apenas demarcaes que construmos, que bricolamos a partir das articulaes perceptveis do mundo natural.
Viver o prprio devir , de certo modo, colocar-se em condio de
desfrutar o tempo presente (presentificao de si mesmo), querer a
mudana, to esperada e desejada, assumida como produtora da
identidade. O autor (ibid: 92-93) acrescenta:
Aderir a ela no nesse caso morrer um pouco, deixando partir, com o que foi, uma parte de si que no ser mais: talvez, exatamente ao contrrio, um dos meios mais elementares de afirmar sua prpria existncia tanto ao olhar de si mesmo como diante de outrem. mudar se no a vida, em todo caso, o sentido de sua prpria vida E assim que o poltico reconhece-se como aquele que tem necessidade da mudana, da constante (re)novao, da prpria (re)construo identitria.
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CAMINHOS
A identidade do presidente Lula foi construda segundo uma
trajetria de vida muito particular. Nascido no serto de Pernambuco,
em Caets, em 6 de outubro de 1945, na cidade de Garanhuns (a 227
quilmetros de Recife), era o caula de sete irmos. Seu pai deixou a
famlia para tentar ganhar a vida em Santos, no litoral paulista, com a
promessa de que voltaria para busc-la. A me de Lula, Eurdice
Ferreira de Melo, a dona Linu, seguiu a trilha do marido sete anos
depois, em 1952, numa viagem de 13 dias em pau-de-arara, mas
descobriu que ele havia se casado com outra mulher.
Dona Linu continuou em Santos, convivendo com a outra famlia e
sustentada por seu marido durante quatro anos. Durante esse tempo,
Lula foi muitas vezes espancado e desprezado pelo pai, Aristides
Ferreira da Silva, que morrer, alcolatra, em 1978; Dona Linu vir a
falecer mais tarde, em 1980, enquanto Lula estava preso no Dops, em
So Paulo.
Assim, ainda menino, Lula, que deixara, junto com a famlia e os
sete irmos, uma das regies brasileiras mais pobres e atingidas pela
seca, fixou-se no maior centro industrial do pas, quando, em 1956, a
famlia muda para a capital do Estado. D. Eurdice e seus 8 filhos
passaram a morar num quarto nos fundos de um bar na Vila Carioca. A
pobreza obriga todos a trabalharem e Lula, aos 12 anos, torna-se
engraxate. Nas horas vagas, como toda criana, diverte-se com bolinha
de gude, peo, pipa, guerra de mamona e futebol. Alm de engraxate,
passa a fazer entregas para uma tinturaria, trabalhando tambm como
vendedor de amendoim. Completou o primrio com 14 anos e, apesar
de trabalhar 12 horas por dia, conclui, em 1963, o curso de torneiro
mecnico no Senai.
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Seu primeiro emprego aconteceu em 1964, como office boy, na
Fbrica de Parafusos Marte, onde tornou-se aprendiz com carteira
assinada dois anos depois. Em 1964, comea a trabalhar na metalrgica
Aliana no turno da noite. Foi nessa ocasio que um colega, cansado
pelo trabalho pesado, cochilou e fechou uma prensa transversal sobre a
mo esquerda de Lula, fazendo-o perder o dedo mnimo.
Antes de ser contratado pela Metalrgica Villares, em 1966,
emprego que o lanou no movimento sindical, Lula passou pela Fris
Moldu Car. Na Villares ingressa, por intermdio de seu irmo, Frei
Chico, na vida sindical.
No mesmo ano, alm da paixo pela poltica, apaixona-se pela
sua primeira esposa, a operria Maria de Lourdes. O destino, porm,
afasta ambos. Quando do nascimento do seu primeiro filho, sua esposa
morre no parto, tragdia que o aproxima ainda mais da vida sindical.
Na segunda metade da dcada de 70, a sociedade civil depara-se,
no campo poltico, com um discurso at ento pouco usual, uma vez
que as classes populares comeam a lutar pelos seus interesses. Nesse
cenrio, comea a surgir um novo esprito sindicalista que,
entusiasmando as comisses das fbricas, prope um modelo de ao
distinto da estrutura sindical at ento em vigor. Esse fenmeno
aparece com maior nitidez no ABCD paulista (cidades de Santo Andr,
So Bernardo do Campo, So Caetano do Sul e Diadema).
Nesse espao, Lula surge como a principal figura de liderana
sindical brasileira, participando, em 1969, como suplente pela primeira
vez da diretoria de um sindicato. Fernando Henrique Cardoso (2006),
ao discorrer, em sua obra A Arte da Poltica, destaca a figura de Lula
como um jovem sindicalista que aspira, sem muita conscincia poltica,
a uma posio autnoma e ao direito de ser o lder dos trabalhadores.
E, em 1972, Lula eleito primeiro-secretrio do Sindicato dos
Metalrgicos de So Bernardo do Campo e Diadema e, dois anos depois,
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conhece a tambm viva Marisa, sua companheira h 28 anos. Na
poca, Marisa j era me de Marcos Cludio; com Lula, teve trs outros
filhos: Fbio, Sandro e Luiz Cludio; Lula j era pai de Lurian, que
nascera de seu relacionamento com a enfermeira Mirian Cordeiro.
Em 28 de fevereiro de 1975, j torneiro mecnico licenciado, foi
eleito presidente do Sindicato dos Metalrgicos do ABC Paulista e, em
1982, acrescentaria o apelido Lula ao seu nome. Sua vida no
movimento sindical passou a ser conhecida nacionalmente sobretudo
com a repercusso, a partir de 1975, das greves na regio do ABC.
A mobilizao dos metalrgicos acelera o processo de abertura do
regime militar. Em 12 de maio de 1978, os trabalhadores da Saab-
Scania do Brasil, em So Bernardo do Campo, SP, entram na fbrica,
batem o carto de ponto, vestem os macaces, vo para os seus locais
de trabalho diante das mquinas, mas no as ligam: cruzam os braos.
Naquele momento, eles no poderiam imaginar que com seu gesto,
aparentemente simples, estavam abrindo o caminho a uma nova
proposta sindical para o Brasil. A greve desafiou o regime militar e
iniciou uma luta poltica que se estendeu por todo o pas.
No contexto das mobilizaes populares surgiram manifestaes
em defesa das liberdades democrticas e contra a ditadura militar,
entre elas, mais tarde, a luta pela anistia e pelas "Diretas J". Fernando
Henrique Cardoso (ibid: 79) afirma:
Tudo isso s se tornou possvel porque o regime, debilitado, comeava a ser impotente para manter a dura censura aos meios de comunicao. O que explodiu como um foguete imantado na poca dos grandes comcios em favor das eleies diretas, em 1984, contudo, j se prenunciava nas greves de So Bernardo: no h forma de ao poltica no mundo contemporneo que dispense a mdia ou deixe de se apoiar nela.
Lula no tinha, ainda, uma viso politizada, porm, diversos
episdios apontam estar ele revelando uma identidade nova de
liderana, pois conjugava em seu discurso determinadas tendncias,
configurativas de uma mescla de concepes polticas. Assim, continua
FHC (ibid: 85):
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No que Lula tivesse uma viso politizada. Diferentes episdios reforam minha interpretao de como o novo nascia, sem o saber, muito misturado com prticas e vises tradicionais. Menciono apenas duas passagens para esclarecer esse ponto. A primeira se deu em 1979, quando Almino Affonso, Plnio de Arruda Sampaio, Jos Serra e eu, entre outros, estvamos organizando com Lula o Encontro de So Bernardo, destinado a juntar setores autnticos mais aguerridos do MDB, militantes de esquerda de vrias organizaes, sindicalistas, setores da Igreja e intelectuais para decidir passos conjuntos, fosse no sentido de fortalecer o MDB fosse, eventualmente, no de tentar fundar um novo partido.
Em 10 de fevereiro de 1980, no Colgio Sion, lanado o
manifesto que d origem ao Partido dos Trabalhadores (PT). A primeira
bandeira do partido foi confeccionada pela prpria Marisa, a partir de
um pano vermelho italiano que tinha em casa. o PT, partido recm-
nascido, que se torna, em 1984, um dos pilares da campanha das
"Diretas-J", Lula, acompanhando Ulysses Guimares e outras
personalidades, percorre todo o pas em comcios que chegam a reunir
mais de 1 milho de pessoas em praas pblicas.
O surgimento dessa nova poltica, delineadora do grande
movimento da redefinio dos partidos com as "Diretas J", consolidou
a fundao do Partido dos Trabalhadores. Os sindicalistas, intelectuais e
representantes do movimento popular, ao fundarem o Partido dos
Trabalhadores, acreditavam na possibilidade de um governo ou
governante - representar os anseios da classe trabalhadora.
FHC conta que a criao do PT resultou da competio pela
liderana do movimento sindical entre Lula e Benedito Marclio, ento
presidente do Sindicato dos Metalrgicos de Santo Andr, SP, eleito,
mais tarde, deputado federal. Marclio procurava manter relaes com a
Convergncia Socialista, uma faco ligada ao movimento trotskiano
internacional. Aproveitou um congresso dos metalrgicos realizado em
Lins, a 430 quilmetros de So Paulo, em janeiro de 1979, para lanar
a proposta de um partido constitudo por trabalhadores. Alguns
sindicalistas de So Bernardo manifestaram-se em prol desse partido,
mas Lula adotou a proposta apenas posteriormente. Antes disso, Lula
havia comparecido a um encontro de dirigentes sindicalistas sobretudo
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petroleiros, em Camaari, na Bahia, em 1978, com, entre outros, Jac
Bittar, da regio de Campinas, Henos Amorina, de Osasco, Paulo
Skromov, do Sindicato dos Coureiros, de So Paulo, Hugo Peres, dos
eletricitrios de So Paulo, Jos Cicote, dos metalrgicos de So
Bernardo, e Arnaldo Gonalves, dos metalrgicos da Baixada Santista,
SP, ligado ao PCB. Nesse encontro, discutiu-se a formao do partido e
a busca de uma identidade realmente inovadora em face da pretenso
de outras organizaes partidrias, como comenta FHC (ibid: 88):
A idia de um novo partido estava, portanto, no ar, alimentada pela expectativa do fim do bipartidarismo. Entretanto, transcorreria um ano, com muita discusso e muitos episdios, at que viesse a alterao efetiva na legislao para permitir a formao de partidos, em dezembro de 1979, antes de o PT ser lanado formalmente, o que ocorreu em reunio no dia 10 de fevereiro de 1980 no tradicional Colgio Sion, na avenida Higienpolis, em So Paulo. A partir da, o tom do partido passou a ser dado pela presena no s de sindicalistas puros como de dirigentes sindicais vindos de outros setores que no o metalrgico, e principalmente de militantes catlicos, oriundos das experincias e quadros de vrias organizaes de esquerda, alguns ligados a grupos que no passado apoiaram a luta armada. E o tom do PT, nos tempos iniciais, era de distanciamento da poltica institucional.
FHC no acreditava no sucesso de um partido que imitasse a
tradio esquerda europia. Ao invs de partido dos trabalhadores,
optaria por partido dos assalariados, com a descrena em uma poltica
sem alianas. Na poca, o autor defendia o pluripartidarismo e o
policlassismo:
No movimento sindical houve discrepncia semelhante: os sindicatos sob influncia do PCB e do MDB formaram a unidade sindical, de inspirao partidria, e os demais se agruparam no sindicalismo autntico, que se pretendia desligado dos partidos. Posteriormente, ocorreram novas cises na organizao das centrais, dando lugar Central nica dos Trabalhadores (CUT), Central Geral dos Trabalhadores (CGT), Fora Sindical e outras menores. Embora no houvesse relao direta entre os sindicatos e os partidos, o esprito dos debates e as dvidas reinantes guardavam relao com a discusso sobre a natureza dos partidos, a relao entre as classes, uma viso de revoluo antiga ou no, e a autonomia do movimento sindical diante das agremiaes partidrias. (ibid, p. 89)
Desse modo, o movimento dos trabalhadores surgido com as
greves de 1978-1980 rompeu com toda a estrutura sindical imposta
pela legislao corporativa herdada dos anos 30. Entretanto, para
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consolidar essa ruptura e dar organicidade ao novo sindicalismo,
autnomo, independente, desatrelado, fazia-se necessrio construir
uma Central nica dos Trabalhadores, a CUT, como j previa a
Declarao Poltica do Partido dos Trabalhadores.
A construo de uma central sindical teve seu primeiro impulso
em 1981, quando se realizou a Conferncia Nacional da Classe
Trabalhadora (Conclat), que reuniu na Praia Grande (litoral de So
Paulo) 5.247 delegados, representando 1.126 entidades sindicais de
todo o pas. Formou-se uma comisso Pr-CUT, mas logo ficaria
evidente que setores ligados ao sindicalismo tradicional no desejavam
desatrelar-se do Estado, criando empecilhos para a afirmao da
independncia das classes trabalhadoras.
No havia tempo a perder. O salrio dos trabalhadores estava
sendo mais e mais arrochado por sucessivas leis salariais; contra tal
situao a comisso Pr-CUT decretou uma greve geral de 24 horas, em
21 de julho de 1983, ao mesmo tempo em que intensificou os
preparativos para a criao da central sindical. Em 26, 27 e 28 de
agosto de 1983, reuniu-se o I Congresso Nacional da Classe
Trabalhadora (I Conclat), em So Bernardo. Embora sem a presena
dos setores que no queriam a ruptura com o sindicalismo oficial, o
Congresso conseguiu reunir 5.059 delegados, representando 912
entidades sindicais. Estava fundada a Central nica dos Trabalhadores,
que buscaria dar unidade s lutas que os trabalhadores travam no seu
dia-a-dia.
Nos dias 24, 25 e 26 de agosto de 1984, realizado em So
Bernardo o 1 Congresso Nacional da Central nica dos Trabalhadores
com a participao de 5.260 delegados eleitos em assemblias, de
todos os estados do pas, representando 937 entidades sindicais.
Com um civil de volta ao poder o ex-presidente Jos Sarney
Lula candidata-se a deputado federal, em 1986, e se elege com a maior
votao de todo o pas: 650 mil votos.
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Assim, no perodo entre a primeira greve de trabalhadores depois
de 14 anos de ditadura, em 1978, e as eleies diretas de 1989,
formou-se o lder poltico Luiz Incio Lula da Silva. Em 11 anos, o
presidente do Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo do Campo
(SP), que liderou a greve de 1978, fundou um partido, foi enquadrado
na Lei de Segurana Nacional e preso, fez-se ouvir por uma multido na
campanha das "Diretas J", disputou o governo de So Paulo (obteve o
quarto lugar), elegeu-se deputado constituinte com o maior nmero de
votos do pas.
A primeira candidatura Presidncia da Repblica, em 1989, na
primeira eleio direta do Brasil aps 30 anos de regime militar, Lula
recebe 31 milhes de votos e perde, no segundo turno, para Fernando
Collor de Mello. Nesse ano, o PT elege seu primeiro senador, Eduardo
Suplicy, 35 deputados federais e 81 deputados estaduais. Em 1992, o
partido comanda o processo de impeachment de Fernando Collor.
Em 1993, j se preparando para a campanha presidencial do ano
seguinte, Lula d incio s Caravanas da Cidadania. Percorre 40 mil
quilmetros em todo o Brasil, conhecendo a realidade dos grotes. Em
1994, perde as eleies para Fernando Henrique Cardoso, candidato do
ento presidente Itamar Franco, porm, o PT elege os governadores do
Distrito Federal e Esprito Santo, quatro senadores, 50 deputados
federais e 92 estaduais.
A terceira disputa Presidncia da Repblica acontece em 1998,
concorrendo com o presidente Fernando Henrique Cardoso, candidato
reeleio. Lula obtm 32% dos votos e Fernando Henrique reeleito no
primeiro turno. O partido, continuando sua trajetria de crescimento,
conquista os governos do Rio Grande do Sul, Acre e Mato Grosso do
Sul, 7 senadores, 59 deputados federais e 90 deputados estaduais.
Em 2000, o PT ganha as Prefeituras de So Paulo, Goinia,
Aracaju, Recife, Belm, Porto Alegre e de mais 181 cidades. No primeiro
turno das eleies presidenciais desse ano, o candidato do PT obtm
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46% dos votos vlidos contra 23% do peessedebista Jos Serra. O
partido elegeu 91 deputados federais e 14 senadores, alm de
Wellington Dias para o governo do Piau, e reelegeu Jorge Viana para o
governo do Acre. No segundo turno, o PT disputa o governo estadual
em oito Estados.
Em 2002, o retirante nordestino que, a exemplo de outros
milhares, fugira da seca para buscar uma vida melhor em So Paulo,
disputou a presidncia do pas. Eleito, com quase 53 milhes de votos
em 27 de outubro de 2002, tomou posse em 1 de janeiro de 2003
como o primeiro presidente operrio da nao, um marco da histria
republicana brasileira, uma vez que no fora indicado pelas elites
brasileiras, mas vinha de movimentos sindicais.
Lula no obteve resultados satisfatrios nas quatro vezes em que
concorreu presidncia da Repblica talvez porque sua campanha no
foi entregue a uma agncia de publicidade, a um marqueteiro que
pudesse desenvolver sua competncia lingstica e postural a fim de
aumentar seu poder de argumentao e persuaso diante do eleitor.
A campanha publicitria significou anular uma das faces do
candidato, outrora rejeitada, e acrescentar outra, formada de
linguagem verbo-visual destinada a interlocutores de vrias classes
sociais, etrias e de gnero. A publicidade levou interao do uso
argumentativo e persuasivo da lngua com o visual agradvel e sedutor,
como atestam os slogans: Lulinha, paz e amor ou Agora Lula,
acompanhados de sua figura sorridente e elegante. Por meio dessas
estratgias, a imagem positiva do brasileiro humilde, honesto e
batalhador recebeu uma nova face: homem conciliador, moderado,
atualizado e afetivo.
Desse ponto de vista, houve dois processos na transformao de
Lula: o ato da agncia de publicidade, ao lhe dar competncia
lingstico-visual, e seu ato pessoal, ao exercer essa competncia sobre
o eleitor. Como conseqncia do duplo ato pragmtico (a agncia doa e
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o candidato recebe a competncia), surge o processo comunicativo,
origem de seu respectivo ato cognitivo (assimilao e configurao de
novo discurso verbal e visual) que, tendo sido politicamente aceito,
pressuposto ser semntico e estruturalmente correto, ou seja, a
identidade desejada para o governante do pas no momento.
Nesse contexto, pode-se dizer que o candidato Lula foi eleito
porque sua popularidade passou a ser positivamente reconhecida pelo
povo, quando aceitou o olhar de um outro, olhar que norteou a
reconstruo de sua imagem no plano verbal e visual, conferindo-lhe
nova identidade.
Landowski (1997: 188) observa:
A anlise das diferentes formas que pode revestir o que se chama popularidade o confirmar: quer se trate de compreender como o poltico se constitui num nvel de realidade no qual se cr, ou de apreender as condies nas quais ele pode, ao contrrio, vir a se desrealizar enquanto universo de sentido (o que se chama a crise do poltico), preciso reconhecer a parte irredutvel de teatralidade inerente ao jogo do poder, sem , porm, reduzi-lo a essa. A poltica , com efeito, ao mesmo tempo sistema de relaes entre sujeito entre representados e representantes - e encenao colocao em representao dessas relaes. lgica da representao contratual que supostamente liga eleitores e eleitos uns aos outros, ela superpe figurativamente a esttica de um jogo teatral cotidiano em que cada representante se afirma e, em ltima instncia, constitui-se como tal, dando a ver teatralmente ao pblico que ele o representa. A poltica, nesse sentido, representao (dramtica) de uma representao (jurdica).
Como o discurso de campanha poltica caracteriza-se tanto pelo
fazer-fazer (o eleitor votar), quanto pelo fazer-crer (o eleitor reconhecer
o fazer do poltico), esta pesquisa pode contribuir para os estudos sobre
os efeitos de sentido de discursos na construo do ethos de um poltico
com histria pessoal bastante singular.
A posse na presidncia do pas representou, para Lula, uma
vitria da classe trabalhadora. A campanha eleitoral levou o povo a
acreditar que Lula construiu o PT a partir de convices slidas que
pudessem atender aos anseios das classes trabalhadoras: estabelecer,
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em substituio elite dominante, um governo que fizesse justia
classe operria e sua capacidade de trabalhar e produzir o progresso.
O tema trabalho representa, pois, o elo, o corredor isotpico que
instaura o ator-cidado Lula, retirante nordestino, sindicalista,
presidente do PT, em ator-presidente. Assim, o tema trabalho ser
analisado em dois discursos de posse, pronunciados em instituies e
momentos diferenciados, que representam no somente marcas das
diversas etapas na vida do homem, mas, sobretudo, conquistas e
valores axiolgicos que aliceram seu percurso poltico e identidade.
MITOS
Os sistemas sociais que compem a maioria das instituies tm
relaes profundas com o trabalho, braal, intelectual, artstico ou
social, cujo desenvolvimento, de modo geral, tem norteado as direes
dos processos de civilizao.
Ainda hoje, uma das principais referncias do conceito de trabalho
a mitologia greco-romana, na qual se destaca a figura de Prometeu,
cuja histria contada por Hesodo em duas obras, Teogonia e Os
trabalhos e os Dias. A tragdia Prometeu Acorrentado, escrita por
Esquilo, constitui uma trilogia sobre o seu destino, da qual duas partes
se perderam.
Segundo Jean Chevalier & Alain Gheerbrant (1982: 786), o
sentido etimolgico do nome Prometeu teria vindo da conjuno das
palavras gregas pr (antes) e manthnein (saber, ver), equivalendo a
prudente ou previdente. Embora, como afirma squilo, Prometeu no
supusesse o castigo de Zeus ao desafi-lo, ainda assim proferiu um
vaticnio sobre a queda desse deus.
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Conta o mito que Zeus, enganado por Prometeu, escondeu o fogo,
ltimo elemento que faltava aos homens para desenvolverem a
civilizao, Prometeu comprometer-se a devolver-lhes, pois o fogo
representa simbolicamente a inteligncia do homem. O furto do fogo
acarretou-lhe, porm, um terrvel castigo: ser acorrentado a um
penhasco e ter seu fgado, durante o dia, comido por abutres,
regenerando-se, noite, para ser novamente comido. Prometeu, na
tragdia de squilo, fala da dvida dos mortais para com ele, visto que
seu sacrifcio lhes proporcionou a aquisio de todas as artes, inclusive
domesticar animais selvagens e faz-los trabalhar para eles.
Para a mitologia antiga, grega, romana ou oriental, as figuras
mticas so heris punidos, em relao a limites que o ser humano
busca ultrapassar, ou seja, as regras fixadas pela natureza e com as
quais os deuses compactuavam.
Prometeu , desde suas primeiras encenaes (a tragdia foi
representada no sculo V a.C. em Atenas), o smbolo da eterna
insatisfao humana com seu destino, o tit que no se conforma com
os acasos e as inconstncias da natureza e se revolta contra a tirania
dos deuses. Prometeu , pois, o homem que tenta construir o seu
prprio destino sem aceitar interferncia divina.
Enquanto o heri da lenda grega teve de suportar o suplcio, o
moderno Prometeu, comenta Junito Brando (1992), tem como tarefa
modelar sua feio e imagem, no s mundo conforme o mundo, mas
tambm a posio neste. Tal faanha, agora, pode ser possvel porque
confronta-se com um novo tipo de fogo, o conhecimento, no mais
roubado dos cus, como outrora, mas desenvolvido por ele mesmo e
pela cincia e tecnologia.
O mito dos Doze Trabalhos de Hrcules tambm est relacionado
ao castigo, pois os trabalhos constituem as provas pelos quais,
simbolicamente, o psiquismo do homem deve passar para se libertar do
crcere do corpo. Na relao do heri com a poltica, os trabalhos
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seriam as vitrias necessrias para vencer o anonimato ou a
subservincia ao poder reconhecido no Outro em determinadas
circunstncias espaciais e temporais. Descreve Brando (1993: 97):
Num plano simblico, as dozes provas configuram um vasto labirinto, cujos meandros, mergulhados nas trevas, o heri ter que percorrer at chegar luz, onde, despindo a mortalidade, se revestir do homem novo, recoberto com a indumentria da imortalidade.
Se, no mito a imortalidade, no campo poltico, a inscrio na
Histria do pas.
Tambm na mitologia judaico-cristo, o trabalho est relacionado
ao castigo e se concretiza na expulso de Ado e Eva do Paraso.
Segundo a Bblia, o homem e a mulher viviam livremente, sem
preocupaes com a dor ou com o sustento, portanto, sem trabalho. O
castigo, como no caso prometeico, originou-se na busca de
conhecimento, configurado na ma, smbolo do domnio da vida e da
morte, do qual resultou a expulso do paraso e a condenao a sofrer a
dor de todos os trabalhos: do parto, do plantio e colheita, da produo
de utenslios, cuidados com o corpo e moradia para sobreviver.
Nos trs casos, o trabalho contraria regras estabelecidas por um
ser superior e, por isso, recebe a conotao de castigo. Em nenhum
deles h a percepo de o trabalho poder levar ao prazer pessoal, ao
gosto de fazer algo que leve realizao do indivduo, sensao
prazerosa do saber-fazer, experincia da competncia.
O que se destaca em Prometeu seu sacrifcio para levar o
homem ao progresso, no Ado bblico, o sentido de perda das ddivas
do den, que o impele ao trabalho a fim de reverter a situao e
reconquistar o direito de no-trabalhar. Nos trs casos, somente
Hrcules consegue recompensa, porque chega imortalidade, visto
que, como comenta Brando (1993: 135), adquiriu, no decorrer dos
sculos, a conotao de o melhor dos homens .
Em todos os casos, o trabalho se alia ao sentido de poder, de
aquisio de bens e de domnio de uma competncia que distingue um
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indivduo de outro movimento, mudana, conquista, por isso implica
domnio, de espao, de tempo, mquinas ou de outros homens.
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CAPTULO II
O OLHAR DO PETISTA
Os processos da comunicao poltica, neste sentido, no tm somente o escopo cognitivo de difundir certas mensagens, ou seja, determinadas formas de saber, mas tambm o objetivo pragmtico e passional de estipular pactos de fidcia entre polticos e povo.
Gianfranco Marrone (2001)
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DISCURSO DO PRESIDENTE
PARTIDO DOS TRABALHADORES
1 Conveno do Partido dos Trabalhadores
Braslia, 27 de setembro de 1981
Figura 14
Luiz Incio Lula da Silva foi eleito presidente do PT em 1980,
ocupando esse posto de forma s vezes intermitente at 1995. O
discurso foi pronunciado na 1 Conveno Nacional do Partido dos
Trabalhadores, referenda o 1 Diretrio Nacional, eleito tambm no 1
Encontro Nacional dos Trabalhadores, quando foram elaborados o
Manifesto de Lanamento, o Programa e o Estatuto do Partido,
aprovados em 1980. Nesse momento, o partido est registrado e
legalizado em 16 pases e o discurso de Lula, apresentando o PT como
partido socialista, aprovado como seu documento bsico5.
Os fragmentos escolhidos desse discurso reportam-se sempre ao
tema trabalho, sua relao com a luta sindical e prpria histria da
4 Figura 1 disponvel em www.google.imagens, acesso em 24/10/2006 5 Fonte: Resolues de Encontros e Congressos & Programas de Governo Fundao Perseu Abramo.
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vida poltica do ator-cidado Lula em seu momento de euforia como
sindicalista fundador de um partido.
A CELEBRAO DO NASCIMENTO DO PT
D1-F1
4 pargrafo
Para ns, a realizao desta Primeira Conveno Nacional do PT significa mais que mero cumprimento de exigncias legais. Por isto, esta Conveno se realiza num clima de festa e de luta. festa porque o Partido dos Trabalhadores , como j disse, uma criana inesperada. E o clima de luta tem razo de ser porque, como toda criana inesperada, o Partido dos Trabalhadores tem que continuar lutando para continuar vivendo, sobretudo tem que continuar lutando para continuar crescendo.
O enunciador inicia o fragmento com a expresso Para ns, que
corresponde ao sujeito coletivo figurativizado nos militantes presentes
na Primeira Conveno Nacional do PT, ressaltando a importncia
fundamental dos correligionrios. O plural, contudo, tambm pode
conotar a expresso de modstia do fundador do partido, consciente j
de sua repercusso no plano nacional.
A expresso, por isto, introduz o motivo pelo qual a conveno se
realiza, enfatizando que se concretiza menos para cumprir as exigncias
legais e mais para demonstrar o incio do domnio de um espao at
ento inexistente como prprio. O clima de festa, marcado pela
polaridade: a criana configura a festa de um incio inesperado e, ao
mesmo tempo, reporta a luta, j que seu nascimento ocorreu de
repente, sem um grupo preparado, implicando um espao a ser ainda
conquistado. Entende-se que a luta nasceu das reivindicaes
sindicalistas da classe trabalhadora; a festa resultou do reconhecimento
de tais lutas, as quais possibilitaram a formao do partido. Da a festa
figurativizar uma conquista: a Primeira Conveno representa um passo
frente para firmar a identidade e os direitos das classes
trabalhadoras.
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O passar para a primeira pessoa do singular (como j disse), o
enunciador firma sua voz, sua importncia como lder que possui poder
no somente para falar, mas para um fazer: impor idias e criar um
partido. O emprego metafrico do termo criana refora o sentido de
poder criativo e, mais ainda, como a criana qualificada como
inesperada, a fora desse poder parece ter um sentido de grandeza, de
capacidade para vencer qualquer obstculo. Isotopicamente, reconhece-
se a imagem de um criador no somente de movimentos sindicais (a
expresso uma criana representa o sindicato dos metalrgicos), mas
de ideologias e paradigmas sociais configurados como gerais (conotado
na expresso toda criana).
O jogo de palavras (tem que continuar lutando para continuar
vivendo, sobretudo tem que continuar lutando para continuar
crescendo) traz o carter quase religioso ou mstico da proposta e o
emprego da expresso como j disse enfatiza a necessidade de aceitar
a luta de forma incisiva e inexorvel, como se fora o resultado de um
castigo que necessita cobrar sacrifcio: necessrio lutar para continuar
vivendo e, sobretudo, crescendo. A legio de trabalhadores , pois,
convidada a pagar o preo da aventura de criar o partido, como se
fossem um novo Prometeu, cujo fgado ser comido pelos abutres todo
amanhecer.
A expresso como j disse revela que o enunciador no somente
tem a conscincia de que domina a palavra, como tambm os
problemas da sua luta em prol de toda a classe trabalhadora. Assim, o
efeito de sentido dessa expresso faz entender que o PT surgiu de
reivindicaes vitoriosas devido ao poder pessoal do Lula sobre os
trabalhadores.
A conjuno explicativa porque constitui um elemento coesivo
para confirmar e articular tanto o clima festivo como de luta e a vitria
da fora dos trabalhadores, que mostraram ter competncia inesperada
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para se unir e se organizar como partido popular de mbito nacional e
com sentido prprio de militncia.
O gerndio, lutando e vivendo para continuar a crescer, indica um
tempo durativo cujo sentido de continuidade diz respeito luta no
mais de um sujeito coletivo (ns), nem de um sujeito Eu (disse), mas
de uma entidade nomeada, Partido dos Trabalhadores.
Para Landowski (1997: 14-15), constri-se a identidade pela
diferena no necessariamente marcada como excluso, mas como
bricolagem, pois,
(...) mesmo que o mundo que nos rodeia nos parea espontaneamente um universo articulado e diferenciado, nem por isso h, entre Ns e o Outro, fronteiras naturais h apenas as demarcaes que construmos, que bricolamos a partir das articulaes perceptveis do mundo natural. Ora, comear a admitir que o fato de o Outro ser diferente no significa, necessariamente, que o seja no absoluto, mas que sua diferena funo do ponto de vista que se adota, j criar a possibilidade de outros modos de relao com as figuras singulares que o encarnaro. Nesta perspectiva, o Outro no poder mais ser pensado como o simples representante de um alhures radicalmente estrangeiro, do qual, salvo se lhe ordenarem que volte para l (excluso), ele teria que (assimilao obrigatria) se desligar completamente; ao contrrio, ele se tornar, em certa medida, parte integrante, elemento constitutivo do Ns, sem com isso ter que perder sua prpria identidade.
Delineia-se a isotopia que sustenta a construo da identidade de
Lula: ao se manifestar como ns, aponta seu reconhecimento como
integrante annimo da classe dos dominados; ao usar o Eu (como
disse) pontua que, nessa classe, tem conscincia de sua condio de
lder, mas este se estrutura com o Partido dos Trabalhadores, pois sua
luta contnua: usa quatro vezes o verbo continuar no infinitivo, o qual
se complementa pelo uso de quatro gerndios, enfatizando a constncia
de lutar para viver, assim como para crescer.
Partindo do pressuposto de que o sentido se constri na diferena,
o que garante a mudana do sujeito num tempo e espao definidos,
essa diferena a responsvel pela passagem de um estado para outro,
do sentimento de identidade para a intermediao de uma alteridade a
ser construda (Landowski, 1997: 4).
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Landowski (1997: 3)6 acrescenta que o reconhecimento da
diferena que fundamenta a teoria semitica,
porque, para que o mundo faa sentido e seja analisvel enquanto tal, preciso que ele nos aparea como um universo articulado como um sistema de relaes no qual, por exemplo, o dia no a noite, no qual a vida se ope morte, no qual a cultura se diferencia da natureza, no qual o aqui contrasta com um acol etc. Embora a maneira pela qual essas grandezas diferem entre si e variem de caso para caso, o principal, em todos os casos, o reconhecimento de uma diferena, qualquer que seja sua ordem. S ele permite constituir como unidades discretas e significantes as grandezas consideradas e associar a elas, no menos diferencialmente, certos valores, por exemplo, de ordem existencial, tmica ou esttica.
Nesse caso, o sujeito constri sua identidade na diferena, ou
seja,
(...) no plano da vivncia individual ou da conscincia coletiva, a emergncia do sentimento de identidade parece passar necessariamente pela intermediao de uma alteridade a ser construda (ibid, 4).
A noo de trabalho apresenta-se como uma forma de construo
de identidade do sujeito, ou seja, um recurso para demonstrar o
processo identitrio de Lula.
Se o trabalho representa a renovao das prprias foras do ser
humano na continuidade dos dias trabalhados, para o enunciador Lula a
renovao relaciona-se ao prprio nascimento do Partido dos
Trabalhadores, fora do progresso de um partido que nasceu dos que
nunca tiveram vez e voz na sociedade brasileira7. Nesse caso, pode-se
estabelecer uma relao isotpica da figura de Zeus com a classe
dominante, aquela que tem vez e voz na sociedade e detm o poder, a
sabedoria, o conhecimento.
O conceito de isotopia est ligado ao componente semntico em
todo discurso, idia de recorrncia de determinados dados,
6 Landowski (2002: 3), ao considerar o princpio da diferena como procedimento semitico, reporta-se a F. Saussure (1916) no que diz respeito forma como o lingista desenvolve seu modelo terico, levando em conta a identificao de unidades, no plano fonolgico ou semntico, pela observao das diferenas que as interdefinem: fonemas e semas resultam de relaes subjacentes. 7 Esta referncia est no pargrafo anterior: O Partido dos Trabalhadores nasceu dos que nunca tiveram vez e voz na sociedade brasileira.
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redundncia que assegura a linha sintagmtica do discurso e responde
por sua coerncia semntica. Distinguem-se dois tipos de isotopia,
segundo as unidades semnticas reiteradas: isotopia temtica e isotopia
figurativa.
A isotopia temtica surge da recorrncia de unidades semnticas
abstratas em um mesmo percurso temtico. J a isotopia figurativa
caracteriza os discursos que deixam se recobrir totalmente por um ou
mais percursos figurativos. A redundncia de traos figurativos ou a
associao de figuras aparentadas atribui ao discurso uma imagem
organizada e completa da realidade ou cria a iluso total do irreal,
qual j se fizeram muitas referncias. Assegura-se, assim, a coerncia
figurativa do discurso.
Bertrand (2000: 185-6) considera que a isotopia do discurso no
diz respeito categorizao em si, mas ao desenvolvimento das
categorias semnticas ao longo do discurso. Pertence dimenso
sintagmtica. A problemtica da isotopia possibilita examinar a
permanncia e a transformao dos elementos de significao, cuja
estrutura formal depreende-se do modelo anterior. um dos conceitos
semiticos que, em razo de seu carter operatrio na anlise concreta
dos textos, tiveram a mais ampla difuso fora do campo restrito da
pesquisa.
O mito de Prometeu uma referncia transformao do sujeito
Lula, construo de uma identidade de lder sindical e petista, sua
prpria consagrao como presidente do PT e um dos responsveis pela
criao desse partido. O PT , pois, o resultado da histria de um
sindicalista que lutou ou se sacrificou pela classe dos trabalhadores,
posto que Prometeu foi o tit que roubou o fogo, ou a sabedoria e a
cincia, dos cus. Lula tambm surge como tit porque roubou da
classe dominante a inteligncia que o capacitou a criar o partido,
isotopicamente chamado de criana. Mas punido, pois toda a criana,
assim como Prometeu, tem que lutar para viver e continuar crescendo.
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Assim, a noo de trabalho no se reporta atividade pragmtica
de um indivduo, no referendada como determinada ao, ou seja,
no se articula com um sujeito do fazer, refere-se somente
determinada posio ou estatuto para sobreviver, j que o que se
destaca o sujeito do ser, condio indispensvel para a homologao
do processo de construo da identidade. Este, como se forma por
bricolagem, estrutura-se a fora de sua classe social com de outras,
assim como com as oportunidades de poder ou de sobreviver segundo
suas aspiraes.
Claude Lvi-Strauss (1978) criou essa noo de bricolage, no
plano tcnico, como uma forma de atividade que, no plano da
especulao, representa uma cincia configurada como primitiva. Na
acepo anterior, o verbo bricoler aplica-se ao jogo de pla e de bilhar,
caa e equitao, sempre para evocar um movimento incidental. O
termo bricoleur, quando objeto material ou artesanal, relaciona-se
homologao entre a cultura e a natureza humana.
Para o autor, bricolage configura a realizao construtiva de uma
identidade, um movimento ininterrupto de ir ao Outro e de vir para o
Eu, a fim de recortar e juntar dados formadores do projeto de vida de
um sujeito, de tal modo que a identidade e a bricolage correspondem
histria de um indivduo, assim como histria de um grupo.
Se o espao, do ponto de vista da semitica, pode ser utpico
(lugar da realizao e da transformao do indivduo), paratpico (lugar
da aquisio de sua competncia) e heterotpico (lugar do Outro e da
sano que este realiza), o espao poltico do Lula do ser-em-devir,
ou seja, o enunciador apresenta-se transformado, pois o operrio
presidente do PT, em clima de euforia, porque adquiriu a competncia
no contato com o Outro, classe dominante. Sabe que sancionado,
porque seu partido reconhecido em vrios pases, mas ainda no o
poltico realizador de mudanas estruturais no governo.
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Assim, a figura de Lula, aquele que possibilitou que o clima de
festa acontecesse, representa a prpria vitria do partido. Para a
semitica, figura o termo que remete a algo do mundo natural ou de
qualquer sistema de representaes que tem um correspondente
perceptvel em uma realidade criada por um discurso. Essa realidade
pode ser tanto o mundo natural, como o mundo construdo. As figuras
criam o efeito de realidade (funo representativa). J o tema um
investimento semntico de natureza puramente conceitual, que no
remete ao mesmo mundo natural. Em outros termos, temas so
categorias que organizam, categorizam, ordenam os elementos do
mundo natural e explicitam a realidade, tendo uma funo
interpretativa.
A FORA DO PARTIDO D1-F2
5 pargrafo A verdade esta, companheiros: nosso partido est a, um menino que ningum, alm de ns, queria: um menino que nasceu contra a descrena, a desesperana e o medo. Dizemos que um menino porque ele no tem mais de dois anos e meio. Essa criana provou que seria forte no Congresso dos Metalrgicos do Estado de So Paulo, realizado em dezembro de 1978, em Lins. A semitica no se refere verdade como um fato, apenas ao
efeito de verdadeiro que o fato conota. O primeiro efeito causado pelo
uso do termo companheiros, a qual indica um apelo aos correligionrios
e denota que a comprovao desse verdadeiro implica ter como
enunciatrios aqueles que o acompanham em sua luta no Partido dos
Trabalhadores. Tal estratgia desvia o questionamento do campo do
racional para o sensorial, pois o termo companheiros, alm de enfatizar
a presena do enunciador em relao ao enunciatrio, demonstra a
inteno de se constituir como um sujeito coletivo e, assim, apelar para
a verdade manifestada em sua presena. A expresso nosso partido
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est a o argumento inquestionvel do verdadeiro, ou seja, da criao
e fora do partido, verdade que se confirma naqueles que esto
presentes no espao e tempo da luta dos trabalhadores. O verdadeiro
se confirma, pois, na presena do Outro, o enunciatrio trabalhador.
Ao salientar que nosso partido est a, um menino que ningum,
alm de ns, queria, configura a continuidade da temtica (menino -
metfora do partido novo e inesperado), de seu crescimento (passagem
da condio de criana, do fragmento anterior, para a de menino) e da
conscincia da rejeio por parte da classe dominante (partido rejeitado
pela classe dominante). Da o enunciador confirmar a polaridade
semntica: crena do trabalhador em sua fora e descrena da classe
dominante na capacidade de esse trabalhador criar o partido.
O verdadeiro recebe, ainda, outra configurao: a presena fsica
dos companheiros contesta, alm de uma descrena anterior, a
desesperana e o medo de ontem, sentimentos que se mostram, nesse
momento, como o incio de uma marca da classe, o anseio de reverter a
situao: deixar o medo e sentir a segurana que crem ser a
caracterstica da classe dominante.
No sintagma seguinte, o enunciador refora que o PT um
menino pelo fato de no ter mais de dois anos e meio. O verbo,
dizemos novamente demonstra, conforme Landowski8, que no h
fronteira natural entre Ns e o Outro apenas a percepo dos fatos
vitoriosos do partido, segundo um olhar comum a todos.
A referncia ao Congresso dos Metalrgicos, em 1978, finaliza o
processo de efeito real de verdadeiro, pois vai alm do sensorial,
apelando, agora, para o histrico, o documentado e comprovado
temporal e espacialmente.
Nesse fragmento, o enunciador Lula desdobra a condio dos
sujeitos: de substantivo abstrato e sujeito de verbo assertivo (a
8 Cf. citao deste autor (2002:14-15) feita no tpico D1-F1 desta tese.
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verdade ) passa para o pronome pessoal elptico em primeira pessoa
do plural (Dizemos) e, finalmente, para o substantivo concreto (criana)
sujeito de um verbo assertivo no passado. Assim, a abstrao das
mudanas pretendidas passa para a figuratividade de um Eu + Outro
para chegar metaforicamente ao fato da criao do partido.
Esses trs sujeitos delineiam isotopicamente a noo de trabalho
que fundamenta a construo do Partido: a programao das atividades
de ao poltica objetiva e pertinente verdadeira, a princpio, somente
como decorrente da presena fsica de trabalhadores, depois, como
pontuao de um sujeito que se firma lder por meio de outros,
finalmente, como metfora, isto , a melhor maneira de dizer o que se
julga difcil falar.
A BUSCA DA IDENTIDADE
D1-F3
7 pargrafo Muitos duvidaram de ns, e ainda hoje h aqueles que ousam duvidar da capacidade de organizao poltica dos trabalhadores. No incio, diziam que ramos um partido dos trabalhadores de macaco, obreirista, limitado, estreito e fechado aos demais setores da sociedade. Se o Partido estava apenas nascendo, como que esses eternos descrentes na capacidade poltica dos trabalhadores brasileiros poderiam saber tanto a nosso respeito? O Partido dos Trabalhadores nasceu dos operrios de macaco e se orgulha de ter nascido de macaco.
A expresso muitos duvidaram de ns reitera o reconhecimento
da descrena em relao ao PT e, mais que isso, a conscincia de que
muitos passaram a temer o poder do partido, j que o enunciador
empregou o verbo ousam. Nesse caso, h uma reverso: se no
fragmento anterior h referncia descrena, desesperana e medo da
classe dominada frente dominante, neste, aps a constatao da
crena na fora do partido, os petistas mostram-se desafiantes (ousam)
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e confrontam-se com a outra classe. A dvida do passado (duvidaram)
no somente desapareceu como tornou-se motivo de enfrentamento,
embora apenas como ameaa (ousam), pois no como comprovar com
dados a competncia, somente apelo para o sensorial, ou melhor, para
a aparncia (macaco), para a funo (obreirista) e para sua atuao
(limitado, estreito e fechado), sem citar dados concretos que mostrem
seu desempenho e conquistas no campo poltico-social.
Ao invs disso, ataca seus opositores, acusando-os de ignorarem
as necessidades e reivindicaes dos operrios. O orgulho do Partido
no advm do seu fazer, pois o enunciador no relata suas conquistas
no plano da atividade que beneficie, objetiva ou legalmente, o operrio,
mas sua condio de ter nascido de macaco.
Nesse caso, o diferente assemelha-se ao Outro que pertence
classe dominante. A no aceitao da condio de dessemelhante
implica o desejo de assimilao desse Outro, ou seja, de adotar a
postura da classe da qual no faz parte. Por essa razo, o medo que o
enunciador outrora sentia, agora, no o sente mais, mas acredita que a
classe dominante o sinta.
Tal fato explicado por Landowski (1997: 17) quando afirma que
a categoria admisso, relacionada determinada postura, fundamenta
a construo da identidade, pois esta s ser vivel como regime de
relaes intersubjetivas entre indivduos ou entre comunidades, se
conservar a reminiscncia da postura contrria. Trata-se, pois, de
assimilao recproca que favorece a aproximao entre identidades
distintas, buscando a eliminao das diferenas ou do mltiplo para
chegar ao uniforme. Comenta Landowski (ibid: 17):
Embora haja modos e modos de separar e de segregar e uns possam parecer-nos mais inofensivos, outros francamente brbaros (pois todos os graus so possveis, entre, por exemplo, o fato, andino, de esnobar seu vizinho, fazendo-se sentir gentilmente que, por alguma razo, ele no poderia fazer parte do crculo dos ntimos, e aquele, considerado desumano, de delimitar, pela lei ou pelo costume, zonas geogrficas, profissionais, ou outras reservadas a esta ou quela classe de prias), todos eles manifestam, em profundidade, aquela mesma
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ambivalncia que tentamos caracterizar entre impossibilidade de assimilar e, portanto, de tratar o Outro realmente como todo mundo e recusa de excluir (no sentido estrito).
A face e as vestes dos trabalhadores de macaco e obreiristas
pontuam, na escolha dos termos, uma imagem de trabalhador restrito a
duas atividades: a que exige macaco ou realizada na construo de
obras. O trabalho dos petistas pressuposto como braal e sujo, seu
Partido qualificado, no texto, como limitado, estreito e fechado aos
demais setores da sociedade. O efeito de sentido dessa classificao
mostra que o Partido tem uma viso delimitada da sociedade em geral,
pois no considera outros tipos de trabalhador, como comercirio,
professor e demais. Centrando-se em duas classes especficas,
metalrgicos e obreiristas, comprova que a opinio da classe dominante
sobre eles verdadeira, visto que se fecham em um crculo prprio,
valorizando somente o grupo que criou o Partido.
O conceito de trabalho, neste fragmento, est ligado ao
ressentimento do enunciador diante de a classe dominante no
acreditar na capacidade poltica dos trabalhadores brasileiros e no lhes
oferecer condies para progredir. Tal posio leva a pressupor certa
controvrsia na noo de trabalho: 1. o trabalho visto como ofcio
realizado por um sujeito inserido num processo de construo de si
prprio como um sujeito do saber e poder-fazer; 2. percebido como
explorao do trabalhador, como situao sem possibilidades de
promover mudana no tempo e espaos sociais. segundo
Lvi-Strauss (1978) considera que no h atividade e pensamento
superior ou inferior, h somente diferentes. O que o enunciador
pretende marcar a diferena de fazer poltica, sem se prender ao
poder/saber-fazer segundo a classe dominante, mas conforme um
querer que leva aquisio de um poder/saber-fazer diferente, mas
competente, dentro das possibilidades, intenes e valores da classe
operria.
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Esse ponto de vista complementado pela semitica quando
postula que a identidade se forma pela mediao do sujeito singular
com o coletivo, pelos processos: 1. representao (dramtica e
jurdica), segundo Landowski9; 2. articulao das dimenses (real das
prticas, simblica das representaes, imaginria das utopias)
conforme Lamizet10.
O OLHAR SOBRE O OUTRO
D1-F4
8 pargrafo Tnhamos conscincia de que, independente do setor social a que pertencessem, os que acreditavam na classe trabalhadora, mais cedo ou mais tarde, estariam ao nosso lado. Foi com imensa alegria que recebemos, como primeiro intelectual a aderir ao Partido, este trabalhador das artes chamado Mrio Pedrosa, h mais de 50 anos dedicando sua vida luta dos trabalhadores brasileiros. Depois do Mrio, que homenageamos hoje, outros vieram; o que h de melhor na cultura e na intelectualidade brasileira. Bastou que isso acontecesse para que surgissem os eternos descrentes, dizendo que o PT, embora nascido dos trabalhadores, se converteria em partido de intelectuais, invivel como todos os outros. Aqui, preciso que se diga com toda a clareza: o Partido dos Trabalhadores no pede atestado de ideologia ou carteira profissional a quem quer que seja, mas sim disposio de luta, fidelidade ao nosso programa e ao nosso estatuto. Dentro do Partido, somos todos iguais, operrios, camponeses, profissionais liberais, parlamentares, professores, estudantes etc.
Ao articular a expresso tnhamos conscincia de que com a
subordinada completiva nominal, os que acreditavam, na qual o sujeito
um pronome que no se refere diretamente a um trabalhador, mas a
um crente no valor do Partido, o enunciador demonstra que sua
conscincia, ainda, no configura os outros atores que trabalham na
sociedade como trabalhadores. A primeira figura que aderiu ao Partido
chamada, primeiro, de intelectual, depois, trabalhador das artes.
9 Cf. citao deste autor na pgina 3 da Introduo desta tese. 10 Cf. citao deste autor na pgina 2, tambm, da Introduo desta tese.
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Para Landowski (1997: 25), o sujeito constri sua identidade a
partir da mudana ao perceber: "O que eu sou o que voc no . E,
claro, nesse caso o sujeito que diz Eu, ou o que diz Ns, um sujeito
que 'sabe' ou que, pelo menos, cr saber o que vem a ser o Outro".
Assim, o intelectual o que ele, partido, no , razo por que sua
assimilao constitui uma imensa alegria, visto que a intelectualidade
compensa uma falta, referida no texto como limitao, estreiteza e
fechamento em um crculo excludo. O enunciador reconhece que se
vive ao lado de outras camadas sociais, entre as quais algumas
poderiam lhe ser solidrias, mas no irms, visto que a seu lado, no
com eles. A expresso mais cedo ou mais tarde indica um tempo
durativo em que pode haver aproximao do grupo dominante com o
grupo da classe dos trabalhadores.
Landowski (ibid:21-2) enfatiza o confronto corpo-a-corpo do
grupo majoritrio que ocupa por definio (mesmo que a contragosto) a
posio de hospedeiro e a populao heterclita, fragmentada num
nmero indefinido de grupos minoritrios, ou indivduos esparsos,
vindos de outros lugares e considerados demandantes, estabelecendo
uma dessimetria de posies e papis que implica tal estrutura, o que
torna completamente desiguais a chance de sobrevivncia das
especificidades culturais das identidades coletivas opostas. Nesse
sentido, as classes trabalhadoras se diferenciam, esto uma ao lado da
outra, no com a outra, como comprova o enunciador.
O enunciador prev a adeso de outras classes, sobretudo dos
intelectuais, e julga que seu prprio partido no tem homogeneidade de
pensamento, os eternos descrentes da ao petista se manifestam
convictos da impossibilidade de interao com os outros.
Transformando ou ampliando a postura anterior, afirma que para o
Partido todos so valorizados igualmente, o trabalhador braal e o
liberal.
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Em relao admisso desse outrem, Landowski (ibid:23-4)
explicita:
Compreender-se- nessas condies que, quando as unidades em questo tm o estatuto de sujeitos autnomos e se apegam a sua respectiva identidade, tendo-se mutuamente em estima pelo que so, elas possam ter preocupao, e, s vezes, interesse em retardar o momento dessa pequena ou grande catstrofe (no sentido matemtico do termo) que constituiria sua fuso. Pois bem, para isso, no bastar que os parceiros saibam resistir mutuamente um ao Outro, nem que fosse somente para deliberadamente manter sua reserva de si. Na verdade, tambm , sobretudo, frente a si mesmo que ser preciso que cada um deles tenha a fora de manter-se. Porque, se se trata de fazer viver, entre Si e Outro, uma relao efetiva de Sujeito a Sujeito, ser preciso, de ambas as partes, no ceder nem ao desejo de um total abandono de si mesmo perante o Outro o que equivaleria a renunciar prpria identidade, com o risco de logo ser para o Outro apenas um objeto nem ao desejo de uma posse total do Outro, que do mesmo modo s poderia chegar a coisific-lo, despojando-se daquilo que o faz verdadeiramente Outro ao mesmo tempo autnomo e diferente , isto , precisamente, daquilo que o torna atraente.
A aceitao do Outro impositiva, porquanto o enunciador
enfatiza sua condio de falante, ao iniciar o penltimo sintagma por
um Aqui seguido da expresso claramente assertiva, preciso,
acompanhado do verbo dizer, que conota, conforme o ditado, que quem
tem a palavra tem o poder. Essa posio de lder reforada, no
sintagma seguinte, pelo plural majesttico, somos todos iguais, seguido
da enumerao de variadas funes integradoras do conceito de
trabalho.
Na perspectiva de Landowski (1989), o discurso poltico apresenta
determinados elementos como atribuio do querer, constituio de
objetos-valor e instaurao de sujeitos e, um fenmeno no menos
aparente, a organizao polmica, em que se integra cada um desses
elementos. Assim, no contexto poltico, os enunciados axiolgicos tm
um alcance programtico: os valores so designados na medida em que
aparecem como realizveis e sua realizao implica a criao de
estratgias que comprometem os sujeitos.
Pode-se conceber, portanto, um tipo de anlise que, deixando de
lado a descrio das axiologias, leve em conta a maneira como
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diferentes ideologias desenvolvem programas narrativos especficos,
possibilitando ou impedindo que os sujeitos alcancem seus fins.
A semitica greimasiana considera que o termo narratividade no
se refere simplesmente operao de narrar, mas ao processo de
ordenar as idias, de dar clareza a toda e qualquer comunicao, seja
pelo cdigo lingstico ou no. O programa narrativo, nesse contexto,
vem a ser a operao que manifesta a transformao de um enunciado
de estado (de disjuno do sujeito com um objeto-valor, por exemplo)
em outro enunciado de estado (de conjuno com esse objeto) pela
mediao de um enunciado de fazer, conforme explica Denis Bertrand
(2000:432). Tais manifestaes apresentam uma estrutura complexa:
um programa principal, chamado de base (por exemplo, ser eleito para
um cargo), mas que somente vai se realizar, se antes for feito um
outro, chamado programa de uso (nesse caso, apresentar um projeto
de governo que corresponda s perspectivas do povo). Os dois tipos de
programas, ao mesmo tempo em que manifestam implicitamente o
querer constitutivo dos sujeitos, empenham, sobretudo, suas
capacidades de fazer.
Tais noes levam a indagar se o discurso faz alguma referncia a
programas integradores dos vrios tipos de trabalho ou de
trabalhadores no Partido. Examinando o texto integral, no se deparou
com a previso de nenhum programa de uso que vislumbre ou preveja
a interao dos vrios tipos de trabalho para chegar a uma prxis de
justia social que englobe todos os setores.
Nesse sentido, o enunciador refora sua condio de
dessemelhante diante do grupo majoritrio (a elite dominante), quando
menciona os eternos descrentes dizendo que o PT, embora nascido dos
trabalhadores, se converteria em partido de intelectuais, invivel como
todos os outros. A condio de dessemelhante o leva a no aceitar
qualquer descaso e comparao com o grupo majoritrio.
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Landowski (1997: 7) afirma que,
(...) sendo as atitudes e comportamentos que fazem a diferena do dessemelhante vistos, mais ou menos, como puros acidentes da natureza e no como elementos que assumiriam sentido no interior de uma (outra) cultura o Outro se encontra de imediato desqualificado enquanto sujeito: sua singularidade aparentemente no remete a nenhuma identidade estruturada. E finalmente este desconhecimento ingnuo ou deliberado que fundamenta a boa conscincia do Ns em sua inteno assimiladora: no s o estrangeiro tem tudo a ganhar ao se fundir de corpo e alma no grupo que o acolhe, mas, alm disso, o que ele precisa perder de si mesmo para a dissolver-se como lhe recomendam no conta, estritamente falando, para nada.
Para a CLT, o conceito de trabalho est associado ao emprego, ao
salrio, ao capital. Assim, a conceituao das noes de emprego e de
trabalho, relacionada crise do trabalho , na verdade, a crise de um
determinado tipo de trabalho, o emprego, uma inveno da sociedade
industrial que com ela se identifica.
Entende-se por emprego a atividade exercida na esfera pblica,
definida e reconhecida como til pela sociedade que a remunera. Esse
trabalho deve preencher uma funo socialmente identificada na
produo e reproduo do todo social. Ele destacvel do seu sujeito,
pode ser medido, quantificado, separado. Torna-se um elemento da
produo como os demais. Por isso, o emprego algo que se tem ou
no se tem. Os desempregados no o tem mais11.
A CLT considera empregador a empresa individual e coletiva com
fins lucrativos; empregado, aquele que assalariado, devendo prestar
servios ao empregador. Define o Direito do Trabalho como o conjunto
de princpios e normas que regulam as relaes entre empregados e
empregadores e de ambos com o estado, para efeitos de proteo e
tutela do trabalho. O conceito ganha mais preciso, incluindo-se a
referncia prestao de trabalho por conta alheia (em lugar da
habitual subordinao). Jaime Montalvo Correa, citado por Valentim
11 www.vinculando.org/brasil/conceito_trabalho/concluso.htm - acesso 28/10/2006.
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Carrion (2000: 230), afirma que ele deve ser visto como o sistema de
princpios e normas emanados do estado e dos prprios interlocutores
sociais no exerccio de sua autonomia coletiva, para regular o esforo
laborativo prestado para outrem no mbito da relao de trabalho.
Assim, neste pargrafo, o conceito de trabalho, ligado ao valor do
Partido dos Trabalhadores, tem a funo de unir os demais setores da
sociedade (Somos todos iguais), visando mostrar a no aceitao de ser
dessemelhante, reforando sua condio de lder do PT, que
proporciona a unio do partido em prol dos trabalhadores em geral.
A LUTA SINDICAL D1-F5
11 pargrafo Nosso partido nasceu como expresso poltica da luta sindical. A maioria dos nossos dirigentes continua no movimento sindical, e nele encontra a fonte de suas energias e a representatividade de sua prtica poltica. Entretanto, desde os nossos primeiros passos, o PT jamais confundiu poltica partidria com sindicalismo e nem admitiu fazer do movimento sindical uma corrida de transmisso do Partido. Defendemos, sempre, a autonomia do sindicalismo frente aos partidos polticos. O sindicato uma ferramenta de luta de todos os trabalhadores, independente das preferncias partidrias que tenham.
O fragmento