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Dimensão cultural na formação de professores
IX CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2007UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
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DIMENSÃO CULTURALNA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES
COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA
Dimensão cultural na formação de professores
IX CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2007UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
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Nesta oportunidade apresentamos os resultados parciais de uma pesquisa que
indaga as experiências com ensino e aprendizagem de História vivenciadas por alunos de primeiro
e quarto ano do curso de licenciatura em História na UNESP/Assis e por egressos nos cinco
primeiros anos de carreira. Este curso, desde a sua criação em 1963, é reconhecido pela
“qualidade”; no entanto, os alunos depoentes afirmaram sua pouca contribuição para a docência
pois haveria, de um lado, a extremada valorização da pesquisa nas várias disciplinas e, de outro,
o distanciamento entre as discussões pedagógicas e a realidade escolar. O trabalho pauta-se em
entrevistas e questionários que buscam identificar a avaliação que os discentes fazem da realidade
escolar (na educação básica e superior) e das primeiras experiências em sala de aula. Assim,
nos valemos dos seguintes instrumentos de pesquisa:
1- QUESTIONÁRIO PARA O 1O. ANO DE GRADUAÇÃO
- 43 alunos responderam no mês de maio;
- 67% deles têm idade entre 17 e 19 anos;
- 56% do sexo masculino, 44% do sexo feminino;
- pelo menos 63% deles freqüentaram predominantemente escolas públicas
no Ensino Fundamental e Médio;
- 67% freqüentou cursos preparatórios para o vestibular (predominantemente
cursinhos comunitários);
- as demais questões indagam hábitos de leitura, expectativas em relação
ao curso de História, definição de História, descrição de atividade pedagógica que consideram
eficaz para o ensino de História, caracterização do professor de História “ideal”.
2- QUESTIONÁRIO PARA O 4O. ANO DE GRADUAÇÃO
- 48 alunos responderam no mês de maio;
- 87% deles têm idade entre 20 e 25 anos
- 56% do sexo masculino, 44% do sexo feminino;
- pelo menos 66% deles freqüentaram predominantemente escolas públicas
no Ensino Fundamental e Médio;
- 72% freqüentou cursos preparatórios para o vestibular (muitos freqüentaram
A APRENDIZAGEM PROFISSIONAL DA DOCÊNCIA –A UNIVERSIDADE E A ESCOLA
GUSMÂO, Emery Marques (UNESP/Assis)
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apenas alguns meses);
- as demais questões indagam hábitos de leitura, avaliação da formação
acadêmica para o exercício da docência, definição de História, descrição de atividade pedagógica
que considera eficaz para o ensino de História, caracterização do professor de História “ideal”.
3- ENTREVISTAS COM ALUNOS DE 1O. ANO
- 7 entrevistados no mês de novembro;
- perfil dos entrevistados: 3 originários de famílias que cultivam hábitos de
leitura e 4 ultrapassaram os hábitos de leitura dos pais que têm poucos anos de escolaridade;
todos cursaram predominantemente escolas públicas e apenas dois afirmaram a baixa qualidade
da formação recebida nestas instituições (dois outros alunos rechaçaram a idéia de que não
existem bons professores na rede estadual de ensino); 2 escolheram o curso de História porque
pretendem lecionar no Ensino Fundamental e Médio e os outros cinco explicam a opção pelo
fascínio que o conhecimento histórico desperta;
- demais questões: expectativas em relação ao curso de graduação em
História; perspectivas de atuação profissional após a conclusão do curso.
4- ENTREVISTAS COM ALUNOS DE 4O ANO
- 8 entrevistados no mês de novembro;
- perfil dos entrevistados: 4 pertencem a famílias com poucos hábitos de
leitura (1 afirma que a TV é o principal veículo de informação para seus pais e irmãos) e 4 são
filhos de pessoas que têm hábitos de estudos (1 é filho de professores e os outros foram
incentivados à leitura de revistas e jornais, assim como aos “passeios” em museus, bibliotecas,
cinemas, zoológico...); 7 afirmaram que o curso não prepara para a docência (2 avaliam o curso
como excelente para a formação de pesquisadores) e 1 entende que a licenciatura oferece uma
formação “satisfatória” para o futuro professor.
- Demais questões: avaliação do atual sistema de ensino e propostas
curriculares; perspectivas de atuação profissional após a conclusão do curso.
5- AUTOBIOGRAFIA ESCOLAR ESCRITA POR ALUNOS DE 3O. ANO
-45 alunos descreveram sua vida escolar no Ensino Fundamental e Médio (este
trabalho foi solicitado pela professora de Didática no segundo semestre);
-escreveram uma página manuscrita, em média, enfatizando o perfil dos melhores
e dos priores professores que tiveram;
-oralmente, buscou-se levantar algumas características dos alunos: todos tinham
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concluído o estágio de observação sob a supervisão do professor de Prática de Ensino junto às
escolas da comunidade; somente três já atuaram como professores; a maioria deles gostaria de
iniciar a carreira como professores da rede pública, mas poucos desejavam permanecer pois a
pós-graduação, o ensino superior e as escolas particulares são vistos como melhores
oportunidades profissionais; 5 deles afirmaram que não pretendem lecionar em nenhum nível de
ensino.
6- ENTREVISTAS NÃO DIRIGIDAS COM SUJEITOS QUE VIVENCIARAM
RECENTEMENTE AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS EM SALA DE AULA
- 4 entrevistados: Luis (formado há três anos, atua como eventual em escolas
públicas e já trabalhou um ano todo com uma mesma sala); Fernando (formado há um ano, atua
como eventual em escolas públicas); Cassio (formado há um ano, atua em escolas públicas e
cursa mestrado); Lucas (aluno do último ano de graduação, desenvolve uma pesquisa de iniciação
científica voltada para a produção de materiais didáticos);
-falavam sobre suas histórias familiar e escolar, sobre as aulas e impressões acerca
da realidade escolar.
Observa-se que a maior parte dos alunos de graduação freqüentaram
predominantemente escolas públicas, concluíram o ensino médio com menos de vinte anos, não
demoraram para ingressar no ensino superior, têm uma visão depreciativa da docência e pensam
o ensino a partir das suas experiências como alunos; já os docentes são igualmente jovens (menos
de 25 anos), lecionam como eventuais na rede estadual de ensino, mostram-se profundamente
angustiados (alguns desorientados) face à realidade escolar e um deles atualmente cursa mestrado
na mesma Universidade na qual concluiu a graduação. As repostas de professores e alunos de
terceiro e quarto sugerem que a valorização da inovação e da experimentação impõe-se mais
fortemente na formação continuada, quando os professores sentem a necessidade de novos
referenciais para o trabalho em sala de aula.
Dos 45 alunos de 3o. ano que escreveram suas biografias escolares, 17 iniciaram
a vida escolar na rede pública e foram fortemente impactados pela “diferença” sentida na rede
privada ou nos cursinhos pré-vestibulares freqüentados na adolescência. A organização da escola;
a ausência de aulas vagas; a seriedade, competência e bom humor dos docentes que “sabem se
comunicar”, evitam trabalhos em grupo, “gostam daquilo que ensinam e por isso motivam a sala”;
se fazem respeitar e “são de bem com a vida” permanecem fortes na lembrança e reiteram –
apesar das discussões pedagógicas encaminhadas no curso – a importância da boa aula expositiva,
da narrativa “leve e fluida”, da linguagem concisa e objetiva para romper o “tédio” das aulas. Poucos
alunos descreveram os métodos de ensino dos “melhores” ou “piores” professores que tiveram;
de um modo geral, enfatizaram o comportamento dos professores e as sensações causadas
pelas aulas:
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-14 alunos lembraram de boas aulas (nem sempre expositivas) que “prendiam a
atenção”, não monótonas;
-14 alunos entendem que o bom professor “sabe a matéria” e/ou gosta do que faz;
-10 alunos afirmam que o bom professor sabe contextualizar o conteúdo
relacionando-o à realidade cotidiana;
-9 atribuem ao bom professor a capacidade de “ampliar o horizonte” dos alunos
permitindo-lhes repensar suas vidas e planos futuros;
-9 entendem que a boa aula é clara e utiliza diferentes recursos didáticos;
-6 entendem que o bom professor é simpático e exigente;
-6 consideram essencial a ausência de hierarquias entre professores e alunos;
-6 entendem que o professor precisa saber ouvir os alunos.
Nas auto biografias, foram minoritárias considerações acerca das aulas a partir de
outra perspectiva que não a de um aluno premiado pela seriedade/competência dos docentes ou
castigado pela ausência destas qualidades:
-6 descreveram a boa aula como aquela que permite ao aluno construir
conhecimentos;
-4 entendem que compete ao professor “ensinar a ler” pois o jovem habitua-se a
“passar os olhos” nos textos;
-2 afirmaram a necessidade dos professores “estudarem sempre já que os
conhecimentos adquiridos na faculdade não são suficientes” para o exercício profissional.
Tais questões que a auto biografia de André – aluno de 3o. ano e professor de um
cursinho pré vestibular – define como “preocupações primárias” de qualquer professor estão
ausentes nos textos da maioria dos aluno talvez por colocar a necessidade de olhar a sala de aula
sob o ponto de vista do professor. Esta postura parece difícil para alunos que não vivenciaram a
docência. A História Temática, os métodos ativos de aprendizagem e a proposta curricular vigente
(Parâmetros Curriculares Nacionais) – ausentes nos cursos pré-vestibulares e em boa parte das
escolas particulares de Ensino Médio - são vistos com alguma desconfiança e associados à má
qualidade do ensino nas escolas públicas. Alguns não acreditam na possibilidade de produção de
conhecimento na Educação Básica; Paulo, por exemplo, concorda com um antigo professor para
quem o trabalho em grupo representa uma forma eficaz de “matar aula”. A contraposição destas
falas com o depoimento de Luis (professor em exercício) sugere que a dificuldade de lidar com os
alunos faz com que a prática dos antigos ídolos – professores de cursinho – seja posta de lado
em favor da construção do conhecimento; nestas circunstâncias as discussões educacionais
tornam-se relevantes e fica em segundo plano a obsessiva preocupação com o “tédio” e monotonia
de aulas de professores que lhes causavam “náuseas” na Educação Básica. A prática em sala de
aula e as inúmeras dificuldades encontradas evidenciaram aos professores iniciantes que a boa
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aula expositiva não representa um remédio para todos os males, cabendo-lhe buscar outros
recursos.
Trabalhos recentes sugerem que as soluções encontradas para os problemas
diários e as “formas de ensinar” criadas no início da vida profissional tendem a ser reproduzidos
nos anos subseqüentes, com poucas perspectivas de mudanças drásticas no final da carreira.
Assim, esta fase seria muito importante para todos os docentes. Por outro lado, tais “soluções” e
“criações” representariam uma síntese da formação intelectual recebida e as experiências como
docente e discente. Admitindo a validade desta interpretação, abordamos os depoimentos dos
alunos e egressos do curso de História da UNESP de Assis.
As entrevistas obedeciam a um roteiro de questões que versavam sobre a vida
escolar, como docente e como discente, o que não excluía fragmentos de sua história de vida
reveladoras de um contexto maior, as origens sociais e familiares. Embora a amostragem de
sujeitos pesquisados seja reduzida, ela evidencia que “tornar-se professor” demanda um processo
de “socialização”, aquisição de valores e gradual inserção na cultura escolar - que causa
estranhamento aos “novatos”. Os sujeitos entrevistados não se sentem professores e mostram-
se excessivamente preocupados em “seduzir”, “envolver” os alunos com as discussões históricas
e se remetem mais às experiências como alunos para pensar seus sucessos/fracassos que às
discussões historiográficas e/ou educacionais da Universidade. Cássio afirma:
“Olha, a coisa mais complicada é ... eu acho que ... parece ser maissimples, mas é mais difícil mesmo, é conseguir chamar a atençãodos alunos, né. Conseguir é ... trazer para eles qual a importância doensino de História, o que isso vai contribuir na vida deles...”
Lucas, aluno de graduação que trabalha com produção de materiais didáticos em
uma pesquisa de iniciação científica, faz mais ou menos a mesma avaliação da realidade escolar
observada no estágio: ‘...o aluno não está querendo se envolver com as aulas (...) Eu arrisco até
fazer uma análise de que os alunos estão tão distantes da aula que ... estão perdendo tempo,
literalmente (...). Você vê a classe cheia, mas eles estão ali só de corpo presente“.
Os sujeitos entrevistados tiveram contato com alunos de escolas públicas de
cidades pequenas no interior do Estado de São Paulo (Assis que tem uma população de 80 mil
habitantes e Cândido Mota, distante 7 km de Assis, com 8 mil habitantes). Apesar das reiteradas
queixas quanto à indisciplina de alunos, não se pode afirmar que trabalham em municípios
fortemente caracterizados pela violência urbana. Contaram com apoio familiar para concluir os
estudos e consideram o fácil acesso à UNESP de Assis – seja pela proximidade em relação à
residência familiar, seja apela baixa concorrência no vestibular - um fator decisivo para escolha do
curso de licenciatura em História. Dois egressos valorizam a continuidade dos estudos a nível de
pós graduação e o outro, reticente, talvez mude completamente de área pois faz concursos para
trabalhar no Fórum, Tribunal Regional do Trabalho... ; afirma que “procura um emprego mais
rentável e menos estressante” . Nos depoimentos chama a atenção o desalento face à indisciplina
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dos alunos e a afirmação de que o conhecimento adquirido na Universidade não ajuda muito na
docência.
Um dos depoentes foi bastante incisivo:
- “Olha, eu acho que eles deveriam colocar na cabeça que é um cursode licenciatura, em primeiro lugar. Que dali, querendo ou não, gostandoou não, vai sair professor, né? (..) Eles não querem que ninguém saiaprofessor. Eu pelo menos tive essa idéia lá... lá na faculdade... então(..) os professores lá (deviam ) pensar (..) que... vai sair professor de láe eles têm que pensar não só na gente, nos alunos da faculdade, maspensar que a gente vai dar aulas também pra outros alunos, e achoque eles não fazem essa ligação lá com o pessoal do lado de fora nasescolas... eles parece que esquecem essa parte... então só ficaassim... o aluno da faculdade, o professor, e querendo ir prum outrolado que não seja... a pesquisa (...)– E você nunca se interessou pela pesquisa... você não gosta ou nãoteve oportunidades?- Ahhh, no segundo ano eu comecei a fazer pesquisa assim... masdepois.... fui me perdendo.(..) Me perdi no meio do caminho, daí resolvi parar.– E você não pensa em fazer pós?- No momento, não.– Porque a universidade ficou muito distante...- É .- E a cultura que você tem que retomar pra poder dar aula é a culturado colegial...- É a do colegial.– A acadêmica não te ajuda?- Ah, não ajuda em muita coisa não. Até, eu penso que quando eutava estudando pra entrar no vestibular eu sabia mais de História pradar aula do que agora. Agora eu fico estudando aqui em casa, eu pegoos livros e volto a estudar, porque muita, assim, parte da História agente não via na faculdade e chega aqui na Escola a gente tem quedar aula disso.- E é muito difícil...- Ahhh...eu acho mais fácil.”
Formado há um ano, este professor conta que o curso de licenciatura não
correspondeu à sua expectativa de vestibulando pois esperava um estudo mais aprofundado da
História factual:
- Eu comecei a gostar de História mais no terceiro colegial... umaprofessora, eu gostava dela e foi a partir... do terceiro colegial que eucomecei a gostar de História... antes eu não gostava. Foi por causade uma professora lá que.... que eu passei a gostar, a estudar...– e ela tinha um diferencial em termos de metodologia de ensino, emtermos de bagagem (...) qual que era o diferencial dela...?Entrevistado - ah... eu não sei... acho que a simplicidade dela, sabe?Ninguém gostava dela na classe, era aquela bagunça, né? E só... eugostava... então, ela praticamente dava aula pra mim só. Eu queperguntava pra ela...ela vinha e sentava do meu lado e dava aulapraticamente só pra mim. O resto não se interessava...– e na tua vida escolar, você aprendia História cronológica ou você jápegou a fase da História temática?- Não... cronológica.– Cronológica.
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- Cronológica.– Questionário, fazia prova...?- É, eu fazia questionário, prova...– Certo... e na faculdade, como é que foi?- Bom, na faculdade aí já aí...– Era o que você esperava?- Não...– O que você imaginava que ia ser o curso...? Você já entrou comosegunda opção, né?- É, segunda opção.– E... o que você imaginava na época, né, e depois o que que foi afaculdade pra você?- é... foi uma decepção pra mim, porque... como, né... eu tava estudandopro vestibular, né, estudando pegando livro, apostila, né, livro didático.Eu pensava que seria aquilo que eu ia estudar na faculdade, só quemais aprofundado,– factual...- mais factual... e depois não foi aquilo, então eu me decepcionei...não era aquilo que eu esperava, né?– Mas a formação... aquilo que você acabou vendo... é mais teórica...- É...– Como é que você vê isso hoje, depois de um ano de formado...vocêacha que se tivesse pegado a História factual do jeito que vocêimaginava...- Imaginava...– Teria sido mais ou menos produtivo? Como é que você faz esse...(bal...) hoje pensando que você está na sala de aula, claro, né?- Ah.... continuaria lendo a História factual. Eu...– Você tem que... hoje você sabe a História factual ou tem que estudarpra ensinar?- Tem que estudar, tem que estudar...– E você reúne o que pra estudar História factual?- Ah, eu pego, né, livros, umas apostilas que eu estudava naquelaépoca...- Do seu tempo de, de...- De colegial...– Ahhhh, entendi...- é porque, é esse material que eu uso...– de livro didático.- livro didático mesmo.– aí esqueceu do Hobsbawn...- esqueci.(Risos)– Esqueceu do (Perry Anderson)... (risos)- Esqueci.”
Sem duvidar da “sinceridade” da declaração, pode-se supor que o professor,
ostensivamente, oculta o seu envolvimento com o curso, pois seria difícil conclui-lo de maneira
tão distanciada. Veenman (1988) destaca que a recusa dos conhecimentos acadêmicos é um
comportamento comum entre os professores iniciantes que não conseguem levá-los para a sala
de aula. Por outro lado, este professor remete-se à antiga professora de colegial a partir de uma
relação estritamente afetiva e não parece dispor de conceitos, idéias ou mesmo “chavões” a partir
dos quais pudesse encaminhar uma reflexão mais crítica em relação ao trabalho docente; sem
romper com a perspectiva de aluno estabelece dicotomias entre simplicidade/arrogância,
afetividade/indiferença, motivação/desmotivação. Talvez se possa pensar que o olhar crítico e
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distanciado em relação ao trabalho de antigos professores demanda uma familiaridade com o
discurso educacional (dos próprios professores ou acadêmico) e alguma reflexão acerca do ensino
a partir de experiências concretas na condição de docente. GUARNIERI (2000), MARCELO GARCIA
(1999) E PEREZ-GOMES (1992) consideram a prática de sala de aula como instrumento importante
de aprendizagem e conhecimento sobre o ensino e o aprender a ensinar; no entanto, Fernando
não se vale da reflexão como elo de ligação entre teoria e prática – tal como sugere Schön (1991).
Os alunos de 3o. ano escreveram suas auto biografias escolares a partir de imagens
muito próximas. Os “maus” professores são descritos como “inseguros”, “de mal com a vida”,
“negligentes” enquanto os bons docentes “gostam do que fazem”, são “sérios e comprometidos”...
Um aluno de 3o. ano termina sua auto biografia de modo bastante lúcido: “será necessário um
certo tempo de experiência profissional para uma avaliação mais precisa da formação recebida
na Universidade e da validade dos métodos e propostas de ensino”. Fernando, ao contrário, descarta
tais contribuições.
Entendemos a fala de Fernando como paradigmática dos impasses e angústias
dos professores em início de carreira e não do perfil dos egressos do curso de História da UNESP/
Assis. De um modo geral, observa-se que as referências culturais são modificadas ao longo do
curso de graduação e muitos ex-alunos – provavelmente aqueles mais fortemente marcados pelo
discurso educacional que associa ensino e pesquisa – tentam introduzir textos acadêmicos em
suas aulas no Ensino Fundamental e Médio. O questionário respondido por alunos de 1o. e 4o.
anos do curso de História evidenciam que os quatro anos de graduação alteram seus hábitos e
padrões de leitura. Dentre os livros preferidos pelos alunos de 1o. ano destacam-se obras literárias
cobradas no vestibular (Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro - ambos escritos
por Machado de Assis) e livros com narrativas “atraentes”, “sedutoras” que conquistaram milhares
de leitores em todos os países em que foram lançados (O Mundo de Sofia de Gaarder e O Senhor
dos Anéis de Tolkien); os alunos de 4o. ano indicam várias obras históricas cobradas pelos
professores da faculdade (Visão do Paraíso de Sergio Buarque de Holanda, O Diabo e a Terra de
Santa Cruz de Laura de Mello e Souza, A Conquista da América de Todorov...) e obras de autores
consagrados pelos cânones literários como “eruditos”, inscritos na “alta cultura” (Virginia Woolf,
Dostoievski...). Era dos Extremos de Eric Hobsbawm, Crime e Castigo de Dostoievski e Memórias
Póstumas de Brás Cubas foram as obras mais citadas pelos alunos do quarto ano.
Um aluno de 4o. ano afirma em seu depoimento que “os hábitos de leitura mudaram
muito ao longo destes quatro anos de graduação, passando de leituras simplesmente prazerosas
para uma leitura obrigatória de textos que eu não teria a menor curiosidade de tocá-los”; outro
aluno, também de 4o. ano destaca que sua família tem “hábitos culturais normais e simples” e
que, ao final do 4o. ano de graduação, seus hábitos de leitura são “irregulares”, sendo que “o
rendimento de minha leitura é variável de um dia para o outro”. Os hábitos de leitura, o “modo de
ler” a preferência por determinadas obras parecem tributários das instituições educacionais em
nível superior e médio. A obrigatoriedade da leitura pode explicar a preocupação com o seu
“rendimento”. Também Cassio, filho de um “operário com mentalidade nacional desenvolvementista”
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(conforme suas palavras) que via nos estudos uma “forma de ascensão social”, descobriu na
Universidade que tinha “dificuldade de ler”:
“- Eu tive um contato muito pequeno com a literatura brasileira nocolegial, com a Coleção Vaga Lume na sétima série... mas muitopouco. O que eu mais lia eram os livros didáticos das váriasdisciplinas... Física, História... dentro daquela forma de estudar: vocêlê tentando memorizar (..)No cursinho eu mudei um pouco. Eu tentei montar na minha cabeçauma narrativa evolucionista, naquela estrutura marxista de História.Eu cheguei na faculdade com essa idéia de História. (...)O que eu queria no curso de História era uma formação cultural parasuperar um déficit cultural de minha família e num tava muitopreocupado com as dificuldades de ganhar dinheiro.-Terminado o curso, você acha que superou esse déficit cultural?-Sim.... pra quem consegue ler literatura russa e gosta (...)Acho que eu não sabia ler (..), era uma leitura muito pragmática: ‘ondeeu posso aplicar esses conhecimentos que adquiri?’ Eu tinha essaleitura. Hoje eu tento pegar os principais argumentos do autor (..) verdonde ele está falando (..) saber o lugar social de onde está falando.”
A universidade impôs uma outra relação com a palavra escrita e abre a perspectiva
de uma revisão do conceito de “boa educação”:
“Um bom professor (...) abre a possibilidade daqueles alunos pensaremsua realidade (...) de como ele pode melhorar sua condição de vida.Não digo no sentido financeiro, mas humano (..) de você conseguirfazer uma leitura do próprio bairro onde você vive (...) Você tem queconseguir explicar pra ele que a realidade deste país é uma construçãohistórica (...) Voltar na História para tentar explicar algumas coisas docotidiano é difícil, mas eu acho que é o mínimo que a gente pode fazerdentro de uma sala de aula”
Embora afirme propostas coerentes para o ensino da disciplina, Cassio não sabe
muito bem como conduzir este trabalho, não esconde seu fascínio pelas aulas do cursinho e
lamenta o desinteresse dos seus alunos. De modo semelhante, Lucas não discute metodologias
de ensino e limita-se a afirmar valores a partir da sua experiência de aluno:
“- O meu maior medo, na verdade, em ser professor (..) é ser umprofessor como aqueles que eu tive.-E se você for um bom professor, está satisfeito?-Se eu for um bom professor, eu acho que fico satisfeito.”
Seja por problemas no curso, na carreira ou pela condição de novatos, todos os
pesquisados afirmam o sentimento de despreparo para a profissão. Ainda assim, a maioria dos
alunos de 4o. ano entrevistados não descartam a docência: Observa-se que muitos alunos de 4o.
ano aceitam a docência pela dificuldade de inserção nas instituições e projetos de pesquisa.
Conforme as palavras de André, aluno de 4o. ano entrevistado , “não sei se por desencanto, du-
rante o curso a maioria dos alunos vai se mostrando mais interessada pela pesquisa que pela
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docência – ainda que na prática, quase todos se vejam forçados a passar pela sala de aula depois
de formados”. Por outro lado, o conhecimento da historiografia e da teoria da História evidencia
mistificações e simplificações dos conteúdos escolares que os seduziram no ensino médio; isso
ocorre com Marcos que em seu relato autobiográfico, narra o desalento face à história romanceada
do cursinho e ensino médio. Assim, parecem mais críticos em relação à escola pública que os
calouros e profundamente seduzidos pelo universo acadêmico e pelas (poucas?) possibilidades
de pesquisa que a maioria dos calouros desconhece.
O reduzido número de entrevistados não permite generalizações; no entanto,
observa-se respostas mais elaboradas, maior facilidade de justificar suas opções pessoais ou
ideológicas entre os alunos de 4o. ano, seja pela maturidade intelectual ou pessoal. Em ambos os
casos, parecem tomar suas experiências de alunos como principal referência para projeções
futuras. Nenhum deles – nem mesmo os mais ardorosos defensores do compromisso político da
docência - sentem-se professores; certamente pode-se explicar o fato pela evidente razão de que
nunca deram aula. Assim, o professor pode ser entendido como um “ser social, constituído e
constituinte do seu meio” (CAVACO, 1991, p. 160), como identidade que se afirma no exercício da
docência e no contexto de uma determinada cultura escolar. Estudiosos do tema (NÓVOA: 1992;
TARDIF: 2002; GUARNIERI: 2000) apontam a prática pedagógica como o principal fator da
aprendizagem do ofício sem, no entanto, descartar que a constituição desta identidade se processa
mediante a articulação de saberes e experiências ligados a diferentes fases da vida.
Tardif e Raymond (2000) destacam que pesquisas voltadas para as crenças,
predisposições e conhecimentos de alunos-professores evidenciaram a persistência de esquemas
e interpretação afirmados na condição de alunos. Assim, como outros profissionais, os professores
mobilizam saberes que não estão circunscritos em técnicas e teorias aprendidas durante a
formação inicial, precisam construir um sentido para suas práticas e, neste processo dialogam
intensamente com os sentimentos e experiências vivenciados como alunos. Por outro lado, a
inserção no mercado de trabalho necessariamente implica em choques e perplexidades, confronto
de idéias cujo amálgama define um modo de ser e reagir como profissional. Este rito de passagem
da condição de estudante à de professor é tão crucial que leva uma percentagem importante de
novatos a abandonar a docência (33% nos EUA, segundo TARDIF e RAYMOND, 2000) e tantos
outros a questionamentos sérios quanto à pertinência da opção profissional e da importância do
conhecimento acadêmico.
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CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, CONSELHO PLENO. Resolução CNE/CP 1, de 18 de
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fevereiro de 2002 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professoresde Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.
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Os sistemas tecnológicos de comunicação e informação exercem um papel fun-
damental na organização da sociedade e da nova ordem mundial, tendo em vista que a sociedade
é definida pautando-se na comunicação e a nova ordem mundial em termos de redes.
Veiculada por certos canais, entre os membros de um sistema social, a
comunicação foi restringida por Everett Rogers como sendo um transmissor de dados. A finalidade
da comunicação, nesse caso, era a de persuadir os futuros usuários, acreditando-se que esse
modelo pudesse contribuir para o “desenvolvimento”. No entanto, vinte anos depois, Rogers (apud
MATTELART, A.; MATTELART, M., 2000, p.158) questiona essa teoria pelo fato de ela estar muito
próxima da teoria matemática da informação e determina a comunicação como um processo de
convergência. No caso, convergência é um termo utilizado por esse autor para designar que os
membros de um sistema social partilham a informação para que haja um entendimento recíproco,
ou o que denominam de “convergência de entendimentos”. A partir desse conceito, chega-se à
“análise da rede de comunicação”. Nessa rede, os sujeitos estão interligados por fluxos
comunicacionais, identificando-se os sujeitos que, mesmo não sendo membros de nenhum grupo,
serviam de ligação entre dois ou mais “bandos”. Por meio de uma base metodológica, as diferentes
variáveis de uma “rede” de relações eram analisadas, podendo-se avaliar num sistema os modelos
de comunicação inter-individual. Desse modo, para esse autor, para a constituição de uma
“comunidade harmônica” bastava um esquema ou diagrama das atitudes positivas e negativas
dos membros de um grupo, bem como as de seus líderes. Porém, somente a formação de uma
“comunidade harmônica” não garantia o processo comunicativo. Há de se considerar também a
tensão entre micro e macro estrutural presente no processo da comunicação. Segundo A. Mattelart
e M. Mattelart (2000, p.166), não se tem mais os Estados e as relações inter-estaduais como
ordenamento do mundo, mas grandes redes de informação e comunicação: a globalização.
Ressalta-se que é a globalização que assumiu uma dimensão mundial por abranger
os mais diversos setores de atividades econômicas. Convém dizer também que outra realidade
do processo de mundialização é a multiplicação das formas de comunicação desejada pela
sociedade civil e organizações não – governamentais.
Nesse contexto, a comunicação se estabelece como um parâmetro da evolução
da humanidade. Esse é um fato que promove o desaparecimento das visões antagônicas a respeito
das problemáticas advindas do processo comunicacional. Hoje, segundo A. Mattelart e M. Mattelart
A ESCOLA DE PALO ALTO E A NOVA TEORIA DACOMUNICAÇÃO: POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES PARA
UMA REPARADIGMATIZAÇÃO DOCENTE
ARRUDA, Márcia R. M. Ferraz (UNESP/Rio Claro);BADIA, Denis Domeneghetti(UNEP/Araraquara)
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(2000, p.186), os sujeitos passam por um processo de homogeneização comunicativa; estão
afetados pelo positivismo administrativo.
“Comunicar” e “comunicação” têm como sentido primeiro “tomar parte em”,
aproximando-se do latim communicare (compartilhar, relacionar-se), denotando uma possível união
próxima de “comungar” e “comunhão”. É retomada a proximidade daqueles termos a “comungar”,
no sentido de “proprietário em comum”. Segundo Yves Winkin (1981), na obra La Nouvelle Com-
munication, pode-se associar semanticamente o termo comunicação a “partilhar” uma notícia. Há
uma aproximação do termo “comunicar” à idéia de transmissão, tornando-o também não somente
o objeto compartilhado, mas o meio de compartilhar.
Ainda com relação à comunicação contemporânea, entretanto, pesquisadores das
mais diversas linhas e teorias assumem rumos opostos aos da teoria de Claude Shannon (1949)
ou complementares de Nobert Wiener (1965). Referimo-nos aqui ao grupo formado pelos
pesquisadores da Escola de Palo Alto, destacando-se como maior contribuição desse grupo o
fato de “assumirem” o modelo de comunicação circular retroativo de Wiener para construírem,
com base na Cybernetics Group sobre cibernética (HEIMS, 1991), uma nova concepção plural e
multimodal de comunicação,a concepção orquestral, em oposição à concepção linear ou telegráfica
de Shannon. A idéia de um esquema circular e a concepção linear da comunicação se confrontam
quando Wiener se opõe ao modelo comunicacional puramente linear proposto por Shannon, para
quem o esquema de comunicação se baseava na teoria matemática. A analogia telégrafo e
orquestra aparece em estudos realizados por Lévi-Strauss (1996), Leach (1992), bem como em
Saussure (1997), que utiliza essa analogia para contrapor o desempenho (fala) e a competência
(língua) de um falante. Os pesquisadores de Palo Alto, portanto, apropriam-se dessa idéia já difundida
anteriormente para expressar a dimensão social da comunicação, ou seja, os interlocutores
participam do ritual da comunicação como se fossem músicos no ritual de apresentação de uma
orquestra.
Parte-se, então, de uma concepção telegráfica da comunicação para uma concepção
orquestral, idéias defendida por G. Bateson, E. Goffman, E. T. Hall, Don D. Jackson, H. E. Scheflen
e Paul Watzlawick, pesquisadores de Palo Alto. Associar a comunicação a uma orquestra é dizer,
segundo esses pesquisadores, que ao nos comunicarmos não se pode desafinar, ou seja, devemos
estar em harmonia com todos os códigos previstos pela própria comunicação, entendida como
um processo de múltiplos canais, cujas mensagens se reforçam e se controlam de modo
permanente.
A comunicação, nesse contexto, não pode ser entendida como transmissão
consciente e voluntária de sucessivas mensagens decodificadas, mas como um processo cuja
compreensão somente será possível se realizada num ritual sensível e solitário, análogo a uma
orquestra em ação. Pensada sob essa ótica, comunicar retoma a efetiva participação dos sujeitos
durante a “execução” do processo comunicativo. Não há uma delimitação da origem ou da chegada
da mensagem, mas um procedimento de sucessivas trocas complementares, o que confirma a
comunicação enquanto um fenômeno social e cultural efetivando a comunhão entre os sujeitos.
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Posicionar-se como um membro da Escola de Palo Alto é pensar a comunicação
por meio da existência de códigos significativos que selecionam e organizam todas as inter-relações
humanas. Desse modo, o processo comunicativo é efetivado todas as vezes que um sujeito se
apropria e utiliza um determinado código. O sujeito, quando participa de turnos de fala o faz, ainda
que inconsciente, por seleção e organização das mais variadas regras que lhes são dispostas.
Essa é a análise defendida em Palo Alto, por meio de uma abordagem sistêmica ou comunicacional
da psicoterapia. A esse respeito, faz-se necessário o conhecimento das formações científicas e,
portanto, do campo epistemológico assumido por Bateson, Birdwhistell e E. T. Hall, cujas formações
advêm da antropologia, e Jackson, Watzlawick e Sheflen, cujas formações advêm da psiquiatria e
são complementares à anterior.
É por meio dos estudos de Gregory Bateson e sua equipe que as diretrizes de uma
teoria geral da comunicação serão formuladas. Bateson, ao desenvolver a teoria geral da
comunicação, oferece às reflexões Watzlawick, Beavin e Don Jackson (1967) o arcabouço teórico
para a obra Pragmática da Comunicação Humana. Esses autores solidificam nessa obra a
concepção da comunicação que percorrerá todos os estudos desenvolvidos em Palo Alto, ou
seja, “[...] a comunicação é a matriz em que estão engastadas todas as atividades humanas.”
(RUESCH; BATESON, 1951, p.13).
Na obra Changements, Watzlawick, J. Weakland e R. Fisch (1975) demonstram o
percurso que a linguagem assume, tendo em vista a circularidade ou a orquestração do processo
comunicativo no qual o sujeito esteja inserido. Nesse caso, a posição assumida pelo terapeuta
paradoxal é a de intervenção no tempo presente do sujeito para entender o porquê de ele se
encontrar, paradoxalmente, num “jogo interacional linear”, ou seja, sem feedback. Em verdade,
esses pesquisadores assumem como ponto de partida a teoria geral da comunicação de Bateson,
para chegarem à teoria da terapia.
Na fundamentação desse trabalho, buscou-se na obra A Linguagem Silenciosa de
Edward T. Hall (1994) uma das explicações para o conceito de cultura. Segundo esse autor, as
concepções antropológicas e as valorizações acerca de uma determinada cultura muitas vezes
são inviabilizadas – e, portanto, comprometem o processo comunicativo - porque põem em risco
as características burocráticas já sedimentadas por um grupo. Desse modo, para se entender a
cultura na qual um sujeito se insere é preciso que essa não seja dissociada de um determinado
tempo, considerando-se aqui a subjetividade que é inerente à relação tempo e cultura. Essa
subjetividade somente pode ser apreendida se for vivenciada por meio das trocas de experiências
entre os sujeitos do grupo, sendo impossível a definição e a transmissão do sentido da palavra
cultura a outros sujeitos desse mesmo grupo.
A esse respeito, Hall (1994, p.47) afirma que a experiência humana se processa
em três níveis. Ao se comunicarem, os sujeitos perpassam por três diferentes níveis de
conhecimento e consciência, por meio dos quais impregnam suas emoções. É segundo E. T.
Hall, uma tríade que demonstra o trajeto percorrido pelo sujeito da convicção do formal à adaptação
ao informal, até a possibilidade de uma análise técnica.
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Para justificar a tríade formal, informal e técnica como categorias de análise da
cultura, E. T. Hall, juntamente com Trager, recorrem às categorias espaço e tempo e ao modo
como os sujeitos, no decorrer de sua vida, comportam-se nessas categorias. No que se refere
aos hábitos adquiridos no cotidiano e que, portanto, eram considerados práticas cotidianas,
rotineiras, observaram a prevalência da tradição/categoria formal. Porém, para que essas práticas
se tornassem rotineiras, os sujeitos se submetiam às imprecisões, às subjetividades decorrentes
das ações do grupo, estabelecendo um jogo do aprender a aprender. Com relação ainda às
categorias formal, informal e técnica é possível dizer que, no comportamento humano, as três
categorias podem ser encontradas simultaneamente, porém uma delas prevalecerá se
considerarmos os aspectos temporais.
A compreensão dos procedimentos de mudança de uma cultura permite uma
possível análise do modo como a sociedade entende um processo comunicativo e, por meio dele,
como os sujeitos elencam e vivenciam os conceitos relativos à educação. Em verdade, nesse
contexto, faz-se necessário também o entendimento da dinamicidade dos processos ensino-
aprendizagem, cujas ocorrências dão-se em tempos, espaços e sujeitos distintos. Assim como
uma cultura sofre influência de fatores implícitos e explícitos, a educação também sofre essas
influências, em especial no que se refere às interações entre os sujeitos educativos. É através
dela, a educação, que os valores e as ideologias são explicitadas, um fator indicativo de como os
sujeitos vêem o mundo que os cerca, adotam e defendem uma ou outra cultura, partilhando suas
experiências por meio da comunicação e da interação que dessa possa emergir.
A aprendizagem, portanto, não pode ser vista como um processo à deriva, não-
direcional; ao contrário, deve ser dirigida, canalizada e encaminhada para o entendimento do todo
para uma postura que requer o olhar minucioso sobre os pormenores das relações. Fala-se aqui
do olhar antropológico, da análise microestrutural para se entender os fatos mais amplos, o
macroestrutural, que se instauram nas trocas entre os sujeitos. Aprender a aprender é, segundo
Hall (1994, p.71), “[...] um grande obstáculo a ser superado entre as culturas diferentes [...]”, tendo
em vista que esse processo se traduz na somatória dos conhecimentos já adquiridos aos que
ainda estão por vir. É um processo no qual uma verdade não se sobrepõe às outras experiências.
Ao contrário, soma-se a elas.
Em meio às trocas possíveis em uma sociedade, pode-se dizer que os sujeitos
estão expostos a um processo comunicativo pautado em conflitos e desentendimentos. E isso
ocorre porque se tem a liberdade de escolhas das ações ora caracterizadas de um modo mais
emotivo ou não. São as formas de pensar, agir e sentir aceitas então por aqueles sujeitos inseridos
em uma determinada cultura que lhes permitirão a aproximação ou o afastamento entre si.
Pensamos que a educação se insira exatamente neste ponto de junção entre cultura e sociedade.
Uma educação fundamentada na dialogicidade e nas possibilidades heurísticas dos sujeitos permite
a (re)interpretação e a (re)aprendizagem de todas as características assumidas por uma cultura.
Associar, portanto, cultura, sociedade e comunicação e inserir nesse contexto um
reenfoque da/na educação diz respeito às múltiplas possibilidades de interação presentes no
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processo educativo. Um paradoxo. Social e culturalmente inseridos, os sujeitos têm a comunicação
como um fator essencial. “Comunicar”, na atualidade, é um imperativo e se constitui em uma
necessidade de primeira ordem.
Para expor algumas de suas idéias a respeito das escolhas e do ato comunicativo
entre os humanos, Bateson, na obra La Nouvelle Communication (WINKIN, 1981) busca
sustentação, em parte, na teoria Freudiana de que apenas alguns aspectos da comunicação
humana podem alcançar a consciência dos sujeitos durante a interação. Em parte porque, para
os pensadores da Escola de Palo Alto, os processos mentais, dentre eles o ato comunicacional,
são controlados em sua maioria pelo inconsciente.
Bateson (1981) procura entender o contexto comunicacional, centrando-se não
apenas no sujeito-emissor, mas principalmente no sujeito-receptor, no modo como esse recebeu
e decifrou os sinais emitidos. O destaque se dá para o contexto, a percepção e a comunicação
em si, não se perdendo de vista a importância dos fatores conscientes e inconscientes que cercam
todo o processo. O que se tem é um novo olhar sobre as inter-relações e as trocas, considerando-
se o já defendido pelos pensadores da Escola de Palo Alto, mais especificamente aquilo o qual
Paul Watzlawick, Jorgen Ruesch e Bateson chamam de a “nova comunicação”. Retoma-se ainda
ao pensamento de Hall (1994, p.215) quando afirma que “a cultura é comunicação e a comunicação
é cultura”. É este contexto que também tentamos transpor para o cotidiano escolar, centrando-se
na comunicação docente e naquilo o qual defendem os pensadores de Palo Alto: a “incomunicação”
se estabelecendo onde deveria haver comunicação. Pensamos aqui nas relações comunicativas
que os docentes estabelecem com seus alunos, questionando-se o quanto das relações
estabelecidas no cotidiano escolar, mais especificamente na sala de aula, não ocorrem do mesmo
modo e ainda o quanto esse tipo de “incomunicação”, se de fato ocorrer, não interferirá naquela
que se dispõe como fundamental na educação: a aprendizagem.
Ainda a respeito da comunicação, Bateson (1981, p.135) apresenta duas
considerações; a saber, “[...] toda falha de comunicação é dolorosa.” e “[...] o organismo durante
a aprendizagem generaliza sempre a partir de sua experiência.” Coloca-nos que a comunicação
tem relação direta com a operação de comunicação, tendo em vista que essa é uma aprendizagem
permanente do modo de comunicar. Por ser processual, a comunicação e seus mecanismos de
interação não podem ser aprendidos e apreendidos em uma única experiência. Os sujeitos, em
constantes trocas, estabelecem vínculos contínuos com novas experiências e, em decorrência
disso, novas aprendizagens, incluindo-se aqui as aprendizagens das premissas da comunicação.
Os aspectos do processo de aprendizagem são associados à possibilidade de ampliar a “teoria
convencional da aprendizagem”, tornando possível aproximá-las à análise das interações entre
os sujeitos.
Ainda por meio de três conceitos desenvolvidos por aquele autor, a saber, a
esquimogênese, a deuteroaprendizagem e a double bind, é que associamos a problemática do
processo comunicativo e as relações interpessoais, em especial a comunicação docente, à
fertilidade do trinômio cultura-comunicação-educação. De acordo com Bateson, há fatores que
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desempenham a função de manutenção do status quo em uma cultura e, desde que não sejam
reprimidos, conduzirão igualmente às mudanças nas normas culturais. Para ele, pode-se conservar
o status quo como um equilíbrio dinâmico, uma vez que é onde as mudanças, continuamente,
são produzidas “[...] de um lado, processos de diferenciação que tendem a acentuar o contraste
etológico; do outro lado, processos que contrariam, continuamente, essa tendência à diferenciação”.
(BATESON, 1971, p.188). A esses processos de diferenciação o autor nomeou de esquimogênese,
ou seja, “[...] um processo de diferenciação nas normas de comportamento individual resultante
de interações cumulativas entre indivíduos [...]” que pode ser analisada sob todos os pontos de
vista: estrutural, etológico e sociológico.
Desse modo, Bateson distingue a esquimogênese – processo de diferenciações
nas normas de comportamento resultante das interações cumulativas entre os sujeitos – de acordo
com as mudanças comportamentais que esses assumem, o que caracterizará mudanças
progressivas sob a forma interacional simétrica ou a forma interacional complementar. Se as
mudanças progressivas se articularem por meio de comportamentos contrastantes, ainda que as
diferenças sejam reconhecidas e aceitas pelos sujeitos, serão nomeadas pelo autor de
esquimogênese “complementar”. Porém, segue afirmando, poderão ocorrer, nas inter-relações,
mudanças progressivas de esquimogênese “simétrica”. Têm-se, aqui, as mudanças de
comportamento, no entanto essas apresentam-se de modo idênticos ou similares, com tendência
a uma igualdade de atitudes e posições, como por exemplo um grupo, cujas aspirações e padrões
de condutas sociais, embora se assemelhem, diferenciam-se no tocante à orientação dos padrões
assumidos por esse mesmo grupo.
Retomando-se o que já fora dito no contexto das inter-relações a respeito da
esquimogênese, Bateson (1976) afirma que ao se dar mais ênfase às circunstâncias que ao
caráter, deixam-se de lado os fatos referentes à aprendizagem. E utiliza como argumento a
generalização apresentada no campo da psicologia, quando essa afirma que, em qualquer
momento, as características de conduta de qualquer mamífero, especificamente do homem,
dependem da experiência prévia e da própria conduta desse sujeito.
Definidas, então, as particularidades da esquimogênese, Bateson (1971, p.189)
faz a seguinte afirmação: “Eu traduzo as particularidades da esquimogênese como processos de
diferenciação. À medida que eles me parecem permitir uma visão psicológica e sociológica mais
ampla, eu os utilizarei em minhas descrições dos fenômenos.” Esse autor refina suas conclusões
para se chegar aos diferentes graus de aprendizagem dos sujeitos, considerando, além das
interações, o contexto e os múltiplos níveis de abstrações que o processo comunicacional permite.
Para explicar as diferentes aprendizagens, Bateson as recoloca hierarquicamente
em graus distintos. Nomeia de aprendizagem aquela que representa apenas a recepção de uma
ordem ou de uma informação. A aprendizagem I é a que “se refere a uma mudança na capacidade
de reagir às percepções ou aos sinais” que um sujeito recebe, valorizando-se não apenas a
mudança produzida, mas “quais mudanças são produzidas na mudança que afetam” um sujeito
no momento da aprendizagem e à descrição de como se “aprende a aprender a receber os
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sinais” durante a troca o autor nomeia de aprendizagem II. Não se trata de níveis melhores ou
piores de aprendizagem, mas de uma teoria da aprendizagem que possibilite a evolução de um
nível inferior para um outro superior. E talvez aqui esteja o caminho para se pensar a comunicação
docente-discente: a possibilidade de troca na qual se transponham de um nível para outro. Nessas
idéias é que se encontrou o que parece ser um ponto de reflexão sobre a comunicação docente,
sobretudo o posicionamento assumido no momento da interação, do processo comunicacional,
permitindo explicitar uma de nossas premissas: a possibilidade da presença da “incomunicação”
no cotidiano escolar e na comunicação docente, tendo-se em vista que o processo e suas
peculiaridades sejam desconsiderados pelos sujeitos.
Tem-se, portanto, que descobrir o valor de um ato planejado e, desse modo,
considerar o que está implícito nele mesmo e se realiza, simultaneamente, com ele, mas não em
separado, considerando-se que esse ato se apresenta com valores de referência, com um fim e
uma meta futura. Surgem, dessas idéias, as críticas às verdades absolutas, segundo Bateson,
previstas pelos “governadores e homens de ciência’, que, diferentemente, vêem os assuntos dos
humanos como regidos por um padrão determinado pela finalidade consciente, com os meios e
os fins, justificando-se. E não só. Uma afirmação que possibilita questionar o quanto dessas
atitudes ultrapassam os domínios da política e da ciência e adentram pelos espaços relacionais
cotidianos, em especial o cotidiano escolar.
Deve-se esclarecer que foi esse tipo de abstração que possibilitou a Bateson, por
meio dos estudos da antropóloga Margaret Mead, que determinasse a existência de uma
discrepância entre a “engenharia social”- que manipula os sujeitos para criar uma sociedade
planificada de acordo com diagrama estabelecido previamente e os ideais da democracia, “[...] o
valor supremo e a responsabilidade moral da pessoa humana individual”.(BATESON, 1976, p.189).
Ressalta-se que só recentemente o perigo de um choque entre esses dois motivos se apresentou,
com a crescente consciência e insistência no motivo democrático e simultânea difusão do motivo
instrumental; portanto, segundo Bateson, trata-se de um problema não só urgente, mas de difícil
resolução pelo fato de os já mencionados governantes e homens de ciências estarem impregnados
por hábitos de pensamento instrumental, paradigmaticamente clássicos e lineares. Já o novo
hábito, conforme Mead, busca a “direção” e o “valor” no ato escolhido e não nas metas definidas.
Os dois hábitos são, portanto, maneiras de olhar as seqüências temporais, traduzindo-as em
lineares ou alineares. Então, o problema a favor dessa troca de hábitos é como se aprendem atos
dessa ordem de abstração. Segundo Bateson, tem-se um “aprender a aprender”. Trata-se, portanto,
não só de uma reparadigmatização, mas de uma aprendizagem diretamente ligada às mudanças
adaptativas, ao saber usar e contextualizar as experiências decorrentes das trocas inter-relacionais.
Trata-se, enfim, de um repensar um modelo clássico de formação e atuação docente, no qual os
meios justificam-se pelos fins.
Nesse contexto, as experiências decorrentes daquelas trocas se caracterizam pelas
suas qualidades abstratas que, se comparadas às trocas possíveis no campo educacional, segundo
Bateson, seriam a “mercadoria” que os educadores se propõem a vender, podendo assumir
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diferentes hábitos de pontuação no decorrer das experiências para se obter algum tipo de coerência
ou de sentido. Deve-se dizer aqui da proximidade com a manipulação social, na qual os sujeitos
são tidos como instrumentos; aprendem e adquirem hábitos que são muito mais sutis e penetrantes
do que o já previsto nos planos daquele que se propusera a ensinar. Talvez se traduzam claramente
aqui as idéias e Mead, quando ela diz que é preciso deixar de pensar em termos de “planos de
obra”, mas avaliar os atos que foram planejados devido ao seu valor intrínseco e imediato; portanto,
na criação e educação dos sujeitos é necessário sugerir-lhes uma espécie de hábito, ou o que
Mead designa subproduto, diferente daquele que se impõe e que diariamente é reforçado nos
sujeitos quando estabelecem contatos com a ciência e com a política. Mead, segundo Bateson,
refere-se à configuração guestáltica do pensamento do sujeito, o que significa a possibilidade de
ele “zarpar rumo a um mar não explorado.” (BATESON, 1976, p.192).
Novamente a necessidade de uma reparadigmatização que traduza as mudanças
dos processos de aprendizagem. Nesse caminho, então, Bateson adota duas palavras: “proto-
aprendizagem” e “deuteroaprendizagem”. Esse autor sugere que há, em toda aprendizagem
contínua, uma mudança de aprendizagens, ou seja, um aprofundamento no entendimento dos
fatos e experiências aprendidas. Entende-se, nesse contexto, que no ato de sofisticar uma
protoaprendizagem, a aprendizagem “simples” se traduz na deuteroaprendizagem, ou seja,
progressivas elevações nas taxas de aprendizagem. Ainda, conforme o mesmo autor, se os
experimentos sobre aprendizagem simples são difíceis de controlar e de se estabelecer sobre
eles uma exatidão crítica, no que se refere aos experimentos sobre deuteroaprendizagem, esse
controle se torna quase impossível. Entretanto, afirma Bateson, há um meio alternativo que pode
ser seguido, a exemplo de quando se compara “aprender a aprender” com a aquisição de hábitos
que podem ser percebidos; o sujeito se coloca no percurso de um aprender a desaprender
constantes. Parece-nos, portanto, óbvio que no curso da educação humana esses hábitos sejam
adquiridos de diversas maneiras, visto que não se está pensando no sujeito isolado, mas naquele
real, cujos padrões emocionais de relação com outros são tão complexos quanto a própria relação.
Tudo o que o sujeito precisa saber com segurança, nesse contexto, é que, em qualquer momento,
pode encontrar-se no êxito da conquista, que se lhe dispõe verdadeira ou falsa, e pensamos ser
essa uma das idéias e/ou reparadigmatização a ser assimilada pelo docente.
Definida a deuteroaprendizagem como sendo a mudança progressiva no nível de
aprendizagem, Bateson (1976, p.323) subdivide esses níveis de zero a quatro, de acordo com as
correções e intermediações obtidas por meio das trocas e das respostas. Desse modo, conclui o
autor, se no nível zero não há correção, o nível quatro seria impensável aos seres humanos.
Segue concluindo que, no nível três se encontram patogenias, tendo em vista que pressupõe uma
correção ao nível anterior, o nível dois. Conclui, finalmente (ou inicialmente) que a
deuteroaprendizagem se efetiva no nível dois, justificando que ela é a troca no processo de
aprendizagem I, por exemplo, uma mudança corretiva no conjunto de alternativas entre as quais
se faz a escolha, ou é uma mudança na maneira como se pontua a seqüência de experiências.
Para discorrer a respeito da noção de double bind, Bateson (1976, p.301) esclarece
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que o enfoque de suas análises recairá sobre as transformações que os sujeitos, de modo
consciente ou não, assimilam e põem em prática por meio de um processo comunicativo, tendo
em vista que, segundo ele, “[...] a comunicação invoca apenas diferenças e idéias e, uma diferença
que faz diferença é uma idéia, uma unidade de informação.” É preciso considerar que na patologia
das comunicações reais ocorre uma descontinuidade, bem como a quebra de modo contínuo e
inevitável do processo, uma vez que a comunicação é assumida em função de um “eu”,
desconsiderando-se um outro “eu” presente nas inter-relações. Não se trata, portanto, de uma
análise de situações contraditórias e concretas objetivamente, mas contraditórias por meio das
subjetividades aprendidas continuamente. Assim, a noção de duplo vínculo – ou double bind –
para Bateson (1976), é a que esse conceito é o resultado de sucessivas interações das quais se
produziu duplas recepções dos fatos, o que dificulta a continuidade e o entendimento do processo
comunicacional pautado em padrões seqüenciais de conduta.
No intuito e confirmar o double bind como uma descontinuidade do processo
comunicacional, o autor dá exemplos de como os seres humanos manobram as comunicações
que põem em jogo diferentes tipos lógicos, a saber, o uso de diferentes modos interacionais na
comunicação do humor. Assim, entre os seres humanos, a estrutura atinge dificuldades, tendo-se
em vista o fato de que o vocabulário do sujeito para estabelecer as diferenças daqueles modos
ainda é rudimentar; conseqüentemente, ele se apóia sobre meios não-verbais, como postura,
gesto, expressão facial e a entonação para se comunicar.
Convém observar que, no processo comunicativo, pode-se falsear os identificadores
de modos. Entretanto, Bateson (1976) afirma que, nos seres humanos, essa falsificação é
inconsciente, podendo ocorrer de forma implícita ao próprio sujeito, estabelecendo-se um processo
no qual ele, o sujeito do processo, oculta de si próprio uma hostilidade real que lhe é inerente. E o
faz por meio do jogo metafórico ou ainda por meio de sinais identificadores de modo emitidos por
outra pessoa, confundindo, por exemplo, a timidez com menosprezo, ou ainda, conforme o autor,
gerando as chamadas síndromes transcontextuais.
Um outro exemplo de confirmação do duplo vínculo se estabelece na aprendizagem,
quando os sujeitos não conseguem distinguir os diferentes níveis dos tipos lógicos. Nesse caso,
o duplo vínculo ocorre no momento em que o sujeito recebe uma mensagem e atua sobre a base
dela. É o que o autor nomeia de sujeito experimental, por ser capaz de adquirir maior competência
no aprender visto sua condição de “aprender a aprender”. Segundo Bateson (1976), os sujeitos,
ao estabelecerem um processo no qual ocorra o duplo vínculo, tendem a assumir a comunicação
em “função do eu”. Esse termo, para o autor, é o processo que designa a discriminação dos
modos comunicacionais dentro dos sujeitos ou entre ele e os demais que participam do processo.
Retoma-se, aqui, o pensamento de Bateson (1976, p. 323) a respeito das questões de
aprendizagem, quando esse autor insiste que: “[...] a aprendizagem II, adquirida na primeira infância
provavelmente perdurará toda a vida. Inversamente, não se pode afirmar que muitas das
características importantes da pontuação de um adulto tenham suas raízes na infância”.
Consoante àquele autor, a descontinuidade de um processo comunicativo se efetiva
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no momento em que os sujeitos não produzem duplas percepções dos fatos e pões em jogo os
diferentes tipos lógicos; instaura-se uma “armadilha do relacionamento” com a supressão do
tempo e do espaço.
Portanto, o sujeito, preso numa situação de duplo vínculo, responderá,
defensivamente de uma maneira semelhante ao esquizofrênico, o que é característica de todo
sujeito que se sinta “acuado”. Bateson ressalta que ao se perceberem incapazes de se
comunicarem, os seres humanos se assemelham a um sistema autocorretivo que perdeu seu
regulador e, assim, recorrem, sistematicamente, a um espiral de múltiplas e intermináveis
distorções, ficando esses sujeitos em situações de conflitos interiores. Questiona-se, aqui, o
quanto e como o duplo vínculo está presente no cotidiano escolar se pensarmos que ele ocorre
quando nesse espaço há o predomínio do pensamento linear e instrumental, fato que impossibilita
as formulações metacomunicativas e comprometem as deuteroaprendizagens.
Se pensarmos, hoje, em uma formação docente, cuja ânsia da perfeição exigida
pelo pensamento linear clássico leva à imperfeição, pensaremos também no quanto se faz
necessário o abandono da convicção cega, que gera ilusão e erro, podendo, assim, as verdades
absolutas serem superadas. E é nesse ponto que, parece-nos, então, que os aspectos defendidos
pelos pesquisadores de Palo Alto no tocante à efetivação da Nova Comunicação podem servir
não só como desafios, mas contribuições a uma reparadigmatização docente, evidenciando-se
nessa formação a noção de retroação sobre o fator a ser mudado, o que afeta a concepção
clássica de causalidade e evidencia uma das premissas de Palo Alto, a saber “O problema é a
solução”, ou seja, “[...] em certas circunstâncias, os problemas aparecem simplesmente como
resultado de tentativas mal-dirigidas, por modificar uma dificuldade real.”, explicam Marc e Picard
(1984, p.84) citando Watzlawick, Weakland e Fisch (1975, p.54).
Portanto, face a uma situação problemática, não há outra coisa a fazer que não
seja a intervenção enquanto principal estratégia de mudança na interação e ou formação dos
sujeitos educativos, um “reenquadramento” que se traduz em um “tomar a contra-mão do que se
é esperado”. Para além de mais um paradoxo no campo educacional, a originalidade e o mérito da
Escola de Palo Alto para uma antropologia da educação.
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1. CONTEXTUALIZANDO
1.1 A História dos Contos de Fadas
Os contos de fadas surgiram há milhares de anos, porém eram conhecidos como
contos populares de magia e sofreram muitas alterações conforme a sociedade a que foram
dirigidos. Eles se tornaram contos de fadas no final do século XVII, na medida em que foram
colocados em evidência pela aristocracia francesa e a alta burguesia, “ao mesmo tempo que a
indústria tipográfica possibilitava a sua propagação” (CANTON, 1994, p. 30). A nomenclatura “contos
de fadas” foi derivada do título do livro “Contes de Fées” da Condessa D’Aulnoy, publicado em
1698 (Id. Ibid.).
No entanto, o termo contos de fadas é de certa forma inadequado, uma vez que
não é em todo conto que as fadas aparecem, pois, é mais comum encontrarmos nestas histórias,
animais falantes, duendes, bruxas, príncipes e princesas.
Eles se perpetuam até hoje por tratarem de assuntos da vida cotidiana, falam de
abandono, esquecimento, de quem um dia foi significativo, marcante, mas que por várias razões
(até mesmo a morte), já não toca ou comove; falam de traições, temores, juramentos, sentimentos
de perda e carência, falam de fantasia, de poder sonhar e desejar (ABRAMOVICH, 1993).
Por abordar valores comuns, os contos de fadas fazem sucesso, já que as histórias
tratam de sentimentos universais como o amor, a inveja e o medo, sentimentos que todos têm,
mesmo que estejam no âmbito privado de cada indivíduo.
Serão destacados a seguir, alguns dos mais importantes escritores dos contos de
fadas, dentre eles, o francês Charles Perrault (1628-1703), que foi o primeiro a escrever contos
preocupando-se em adaptá-los para as crianças, atendendo a transformação do sistema feudal
para o capitalista, na qual o conceito de criança, vista como um adulto em miniatura, deixa de
existir, prevalecendo uma preocupação maior com a infância. Apenas uma de suas coletâneas
conhecida como “Histórias da Mamãe Ganso” era acessível às crianças, pois utilizava uma
linguagem compreensível e pouco extensa (RADINO, 2003).
Já no século XIX, os irmãos Grimm procuraram resgatar a cultura alemã,
reescrevendo histórias recolhidas junto ao povo. Alguns de seus contos são: A Bela Adormecida,
Os Músicos de Bremmer, Chapeuzinho Vermelho, entre outros (Id. Ibid.).
A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES E OS CONTOS DEFADAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ANÁLISE DO
CONTO PETER PAN A PARTIR DA TEORIA CRÍTICA
DIOGO, Camila Duarte ; PINTO, Carolina Martinez; RATINI, Maria Izabel Pereira (Universidadede Mogi das Cruzes)
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Também como representante da literatura infantil deste século, temos o escritor
dinamarquês Hans Christian Andersen que retrata em seus contos um pouco de sua própria
história. Seus contos são caracterizados por histórias tristes e cheias de sofrimento, por isso,
alguns deles são adaptados, como A Sereiazinha, que foi modificada pela Walt Disney transformada
em A Pequena Sereia (Id. Ibid.).
Temos ainda James Barrie com o original Peter Pan, que foi escrito em 1903 e
prossegue fazendo sucesso e deslumbrando pessoas de todo o mundo (Id. Ibid.).
1.2 OS CONTOS DE FADAS NA ESCOLA
Para se obter uma melhor compreensão sobre o contato da criança com os contos
de fadas, recorremos a Radino (2003, p. 37), que afirma:
Durante séculos, a aprendizagem foi realizada pela transmissão oral.Não existiam livros, não existiam escolas, nem infância como aconcebemos hoje [...] Com a invenção da prensa tipográfica, emmeados do século XV, criou-se um novo mundo simbólico e uma novatradição: a leitura, as escolas proliferaram e os livros assumiram umafunção primordial na educação e instrução.
A partir do século XVII, os contos de fadas passaram a ser utilizados também na
educação das crianças, de início por intermédio das obras de Perrault, porém, como ocorre até
hoje, não eram todas que tinham acesso a este tipo de literatura.
É importante ressaltar que vivemos em uma sociedade na qual as crianças não
podem mais brincar em ambientes externos da casa (devido à violência, falta de espaço, tempo
não disponível pelos pais etc.), ficando, restritas ao acesso a computadores, videogames (quando
esses são disponíveis), e, na maioria das vezes, à televisão.
Quanto a isto, Radino (2003, p. 154) destaca que:
Muitas transformações vêm ocorrendo em nossa sociedade que serefletem na família e na educação das crianças. Elas perderam osparques, as praças e as casas também diminuíram. A escola tem,cada vez mais, assumido uma importância fundamental na formaçãodas crianças.
Assim, a escola surge como um dos espaços que devem possibilitar o contato das
crianças com os contos de fadas, já que, dentro deste contexto, nem sempre as crianças têm
contato com os contos fora da escola e quando têm, geralmente, ocorre por meio dos contos
adaptados que não possuem a mesma riqueza no texto como os originais.
Porém, na escola, nem sempre os professores compreendem a importância dos
contos de fadas no desenvolvimento das crianças, encarando-os, muitas vezes, como só mais
uma atividade escolar, destituindo-os de sua magia e reais finalidades.
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“Transformados em tarefas escolares, eles perdem sua função lúdica e estética e
impedem que as emoções sejam vivenciadas” (RADINO, 2003, p. 213).
1.3 OS CONTOS DE FADAS NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Visando entender a relação entre os contos de fadas e sua função no
desenvolvimento infantil, Radino (2003, p. 211) destaca que os contos de fadas:
[...] exercem uma função importante no desenvolvimento infantil [...]ajudando a criança a conhecer o mundo e a se reconhecer [...] emfunção de distrair e instruir, podendo ser um valioso instrumento auxiliarna educação de crianças.
Isso possibilita que a criança, ao ter contato com os contos de fadas, possa
identificar-se com situações e problemas presentes também em seu cotidiano, o que auxilia na
solução ou amenização de seus conflitos internos.
Para que os contos atuem de maneira positiva no desenvolvimento da criança,
todos devem estar atentos a determinados aspectos como a ilustração, a forma como o tema é
abordado e a necessidade que a criança tem de refletir, criticar e opinar. “Agora o que não faz
sentido é abordar uma questão de modo superficial, contar uma história de modo mascarado,
maquilado, pretensamente facilitado...” (ABRAMOVICH, 1993, p. 99).
Além disso, deve-se dar destaque a importância literária, pois a criança que tem
contato com este gênero textual também enriquece sua cultura, criatividade, linguagem e começa
a sentir prazer ao realizar a leitura. Vale lembrar que a criança não alfabetizada também pode ler,
por meio da interpretação das ilustrações.
Para Abramovich (1993, p. 17) ler “é ficar sabendo História, Geografia, Filosofia,
Política, Sociologia, sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de
aula...”.
A partir do momento em que o conto é utilizado apenas com intuito de submeter a
criança a valores e normas sociais e culturais, desrespeitando sua imaginação, necessidades e
sentimentos como o medo, a raiva, o amor, o abandono, perde sua essência e suas funções.
Os contos de fadas, em suas versões adaptadas, muitas vezes não abordam
esses temas, pois o conto é tão resumido que não proporciona a criança uma reflexão e
sensibilização. Em relação a isso, Abramovich (1993, p. 121) explica:
Cada elemento dos contos de fadas tem um papel significativo,importantíssimo e, se for retirado, suprimido ou atenuado, vai impedirque a criança compreenda integralmente o conto... (Não basta conservaro título, se não se mantém a integridade da história).
Este tipo de texto, ao impossibilitar que a criança reflita, torna-se mais um meio de
comunicação que não se preocupa com a conscientização, mas sim, em alienar seus
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consumidores. Partindo deste pressuposto, a Teoria Crítica, que tem Theodor W. Adorno como
um de seus principais representantes, servirá como fundamento teórico para a análise dos contos
de fadas. O conceito de Indústria Cultural, tão caro a essa teoria, fundamentará a análise dos
contos, especialmente, os adaptados.
1.4 THEODOR W. ADORNO E A TEORIA CRÍTICA
Em Frankfurt (Alemanha), no dia 11 de Setembro de 1903, nasceu Theodor W.
Adorno, que mais tarde tornou-se filósofo, sociólogo e escritor de diversas obras. Junto a Max
Horkheimer produziu o livro “Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos” - no qual um
dos seus capítulos, A Indústria Cultural: o Esclarecimento como Mistificação das Massas,
fundamentou essa pesquisa. Por ser judeu ou por inclinar-se pelo socialismo, Adorno exilou-se
nos Estados Unidos, onde fez pesquisas e compreendeu melhor como funcionava a mídia norte-
americana, descobriu que por trás dos rádios, filmes, revistas e jornais havia um interesse por
parte dos capitalistas em manipular a cultura da população consumidora destes veículos de
comunicação (SCHILLING, 2007).
Adorno e Horkheimer fizeram parte de um grupo de pensadores pertencentes à
Escola de Frankfurt, que construiram a Teoria Crítica. Esta teoria surgiu com o objetivo de tirar a
venda dos olhos das pessoas que aceitavam a dominação social e sua representação constante
(BRONNER, 1997). As obras de Adorno são contribuições para que estas metas sejam atingidas,
dentre elas, como já foi citado, o conceito de Indústria Cultural.
1.5 OS CONTOS DE FADAS E A INDÚSTRIA CULTURAL
O termo Indústria Cultural foi usado, primeiramente, no livro “Dialética do
Esclarecimento” por Horkheimer e Adorno que refletiam sobre o progresso cultural (anos 30 e
anos 40), partindo dos meios de comunicação, destacando seus pontos negativos, aos quais
muitas vezes passaram despercebidos (WOLF, 1999).
Indústria Cultural é a expressão utilizada por Adorno para designar a produção de
cultura, que visa ao benefício econômico dos empresários e detentores do poder. Neste processo
inclui-se toda tecnologia de comunicação e é por meio desta que o indivíduo é continuamente
alienado, perdendo autonomia, capacidade de refletir e opinião própria.
Essa mesma indústria cultural é responsável pela produção em série de contos de
fadas que são adaptados e reduzidos com intenção de facilitar o acesso das pessoas a determinado
tipo de cultura, mas, na medida em que isso ocorre, sofrem alterações tanto em sua forma -
tamanho, quantidade de página e preço mais baixo - quanto em seu conteúdo - linguagem
simplificada e essência do texto.
Esses contos de fadas adaptados são padronizados e produzidos como se os
consumidores tivessem as mesmas características e necessidades e tudo isso é tão bem
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planejado que não se percebe que o ser humano está sendo modelado de acordo com o que a
indústria cultural permite que ele tenha acesso, além disso, de certa forma, ele fica impossibilitado
de pensar como esse monopólio o aliena, pois vive em um meio cheio de regras impostas apenas
para serem seguidas e não refletidas. O que se tem é uma pseudo-formação (falsa formação,
idéia de que se é participante de um contexto cultural, mas não é e nem percebe) que apenas
acarreta ao homem um atraso intelectual.
Adorno (1985, p. 119) ainda comenta: “Atualmente, a atrofia da imaginação e da
espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os
próprios produtos paralisam essas capacidades em virtude de sua própria constituição objetiva”.
Mas, para muitos professores os livros adaptados podem ser positivos por conterem
uma linguagem fácil e por trazerem às crianças a idéia de novas histórias, porém, esta visão
superficial impede que se note a falta de significado destes contos.
2. METODOLOGIA
2.1 JUSTIFICATIVA
Considerando a responsabilidade dos educadores em promover uma educação
de qualidade, visando ao desenvolvimento integral da criança o tema ”A Formação dos Professores
e os Contos de Fadas na Educação Infantil: Análise do Conto Peter Pan a partir da Teoria Crítica”,
foi escolhido a fim de se repensar os valores e conteúdos presentes nos contos originais e
adaptados, valores que muitas vezes são ignorados.
A criança necessita ter contato com os contos de fadas (e com outros gêneros
literários), mesmo antes de aprender a ler, pois ela sentir-se-á incentivada e tomará gosto pela
leitura. Sobre isso Abramovich (1993, p.16) ressalta:
Ah, como é importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas,muitas histórias... Escuta-las é o início da aprendizagem para ser umleitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de descobertae de compreensão do mundo...
Porém, é imprescindível levar em consideração a qualidade do conto de fadas que
está sendo apresentado para a criança, pois atualmente, com a produção em massa de adaptações
de contos, muitos livros acabam perdendo a riqueza da história original. No entanto, este tipo de
história foi criado a fim de suprir determinadas exigências que os responsáveis pelos meios de
comunicação afirmam ser característica da sociedade atual.
Tendo esta idéia como pressuposto, essa pesquisa visa conhecer as implicações
do uso desses contos - tanto os originais como os adaptados - no desenvolvimento infantil. Busca,
com isso, saber se diante destes textos não se transmite um pseudo - conhecimento. Quanto a
esse assunto, Abramovich (1993, p.12) critica:
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Por isso se condena tanto o que a Walt Disney fez com os contos defadas... Ao adocicá-los, pasteurizá-los, ao retirar-lhes os conflitosessenciais, tirou também toda a sua densidade, significado erevelação... O mesmo vale para tantas edições brasileiras-nadaconfiáveis-, pois se trata muito mais de uma adaptação ao gosto doencarregado da tarefa (que não é o autor), do que de uma leitura rica ebela do original...
Para fundamentar esta pesquisa, Theodor W. Adorno foi escolhido por contribuir
com o conceito de Indústria Cultural, que foi utilizado na análise dos contos de fadas adaptados
em comparação com o seu original. O conto de fadas selecionado foi “Peter Pan”, escrito por
James Matheu Barrie em 1903 e duas adaptações da obra.
Espera-se que, a partir do momento em que todos se conscientizarem da relevância
proporcionada por contos de fadas de qualidade, os educadores possam selecionar
adequadamente os materiais que serão utilizados e transmitir esses saberes a todos os envolvidos
nesse processo de desenvolvimento da criança (família, escola etc.), podendo, assim, obter mais
êxito no trabalho realizado.
Além disso, busca ampliar, por meio de uma pesquisa qualitativa, conhecimentos
pessoais para dar espaço a uma nova e melhor prática docente, mais reflexiva e consciente.
2.2 OBJETIVO GERAL
Analisar possíveis contribuições dos contos de fadas no desenvolvimento infantil, a
partir do conto Peter Pan, com base na Teoria Crítica.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Investigar as contribuições e limitações do conto “Peter Pan e Wendy” original
de James M. Barrie (Companhia das Letrinhas, 1999) e suas adaptações “Peter Pan” de Cristina
Marques (BrasiLeitura, s.d) e “Peter Pan” de Claudia Hartfiel (Prol Editora Gráfica, 2007) no
desenvolvimento infantil.
- Analisar a estrutura qualitativa dos textos presentes nos contos de fadas
adaptados.
2.3 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
Esta pesquisa foi realizada com base na abordagem qualitativa, que surgiu a fim de
superar o paradigma existente até então da abordagem quantitativa, na qual tudo podia ser
comprovado, por meio de mediações, divisões, classificações etc., e as respostas obtidas eram
válidas para todos os objetos de estudo, sem se importar com as especificidades de cada um.
Quando estas explicações deixaram de atender as necessidades sociais e culturais (meados de
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1970), originou-se a pesquisa qualitativa. Esta, por sua vez, utiliza a multidisciplinariedade, não a
fim de comprovar hipóteses, mas, interpretar e compreender o problema em questão, devendo
analisá-lo minuciosamente, pois algo que aparentemente não tenha importância pode ser
imprescindível para o entendimento do caso. É indispensável a relação constante e direta entre o
pesquisador e o objeto de estudo (LUDKE e ANDRÉ, 2000).
Utilizou-se também a pesquisa teórica como base de sustentação para que se
possa manter um diálogo entre a teoria de Adorno sobre a Indústria Cultural e a influência dos
contos de fadas (adaptados ou originais) no desenvolvimento das crianças.
2.4 CENÁRIO
Como cenário da pesquisa temos o conto Peter Pan, escolhido para representar
todos os contos de fadas; a partir da análise de sua versão original e suas adaptações,
desenvolveremos este trabalho buscando compreender as possíveis implicações dos mesmos,
a partir da estrutura de seus conteúdos.
2.5 COLETA DE DADOS: SELEÇÃO DO MATERIAL
Os contos que foram analisados nesta pesquisa são: o original “Peter Pan e Wend”
– James Mathew Barrie (Companhia das Letrinhas, 1999) e suas adaptações “Peter Pan” – Cristina
Marques (Coleção Clássicos de Ouro, Editora BrasiLeitura, s.d), “Peter Pan” – Claudia Hartfiel
(Coleção Grandes Clássicos: Gênios, Prol Editora Gráfica, 2007) que foram encontrados em uma
Livraria em São Paulo e numa sala de Educação Infantil – Jardim I – em uma Creche de Ferraz de
Vasconcelos-SP. Procurou-se em diversos lugares mais opções de adaptações, no entanto, todas
as obras encontradas, só diferenciaram-se na ilustração da capa e no tamanho, pois o conteúdo
– as ilustrações e os textos – eram sempre os mesmos.
2.6 ANÁLISE DE DADOS
Para a análise do corpus destes livros, utilizamos a análise de conteúdo, que é
caracterizada como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, tendo duas funções:
encontrar respostas para questões formuladas inicialmente e auxiliar na descoberta do que está
por trás dos conteúdos manifestos na mensagem transmitida. Estas funções estão interligadas e
se complementam (BARDIN, 1977).
Na análise de conteúdo pode ser utilizado como fonte qualquer material escrito e o
pesquisador não necessita ter um contato direto com o pesquisado; ela envolve uma classificação
ou categorização dos conceitos, a fim de organizar os dados, para que estes possam ser
analisados (Id. Ibid.).
A análise de conteúdo abrange as seguintes fases:
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1. Pré - análise: envolve a escolha do material de análise e considerando os objetivos
e a problemática da pesquisa faz-se uma organização dos dados, na qual se definem indicadores
para que haja uma interpretação do caso e se possa chegar a um resultado.
2. Exploração do material: o material coletado é submetido a um estudo aprofundado,
orientado pelo referencial teórico. Essa é considerada a fase mais longa da pesquisa, visto que
pode ser necessário ler o mesmo material diversas vezes.
3. Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: momento para descobrir o
que está por trás do que foi visto nas primeiras etapas. Nesta fase, existe um diálogo entre os
dados coletados e o referencial teórico para poder alcançar os objetivos da pesquisa.
Dentro da análise de conteúdo foi empregada a categorização, que implica verificar
o que existe em comum nos dados analisados para que possam ser agrupados. A categorização
pode ser utilizada em qualquer tipo de pesquisa qualitativa (Id. Ibid).
A princípio as categorias propostas para análise dos contos foram: linguagem, temas
tratados, ilustrações e personagens.
3. RESULTADOS PARCIAIs
C a te g o r ia s
C o n to O r ig in a l
J a m e s M . B a r r ie
A d a p ta ç ã o 1
C r is t in a M a r q u e s
A d a p ta ç ã o 2
C la u d ia H a r t f ie l
L in g u a g e m
C o m p le x a , d if íc il d e
c o m p re e n d e r e m u m a
p r im e ira le itu ra .
D e s p ro v id a d e
c o n te ú d o , to rn a n d o o
te x to s e m h a rm o n ia e
c o e rê n c ia .
C la ra e s im p le s , n o
e n ta n to , d e te rm in a d o s
te rm o s d ife re m -s e d o
c o n to o r ig in a l.
T e m a s
a b o r d a d o s
A m o r, ra iv a , c iú m e ,
in v e ja , c u lp a , a m iz a d e ,
a le g r ia , m e d o , s o lid ã o
s a u d a d e s e
s o lid a r ie d a d e .
A s o lid a r ie d a d e ,
a m iz a d e e a in v e ja
a p a re c e m d e fo rm a
im p líc ita .
A m o r , in v e ja , ra iv a ,
c iú m e , s a u d a d e s e
m e d o .
Ilu s tr a ç õ e s
C o n té m p o u q u ís s im a s
ilu s t ra ç õ e s , o d e s e n h o é
in te l ig ív e l, m a s s ã o
u t iliz a d a s p o u c a s c o re s .
P re d o m in a m o l iv ro ,
c o m d e s e n h o s
c o lo r id o s e
c a ra c te r ís t ic a s
d e f in id a s .
C o re s fo r te s e
d e s e n h o s c o n fu s o s .
P e r s o n a g e n s
W e n d y , S r . e S ra .
D a r l in g , N a n á , J o ã o ,
M ig u e l, S in in h o , P e te r
P a n , L iz a , P ira ta s ,
S e re ia s , R a io d e S o l,
C a p itã o G a n c h o ,
M e n in o s P e rd id o s ,
Ín d io s P e le s V e rm e lh a s ,
e o C ro c o d ilo T iq u e
T a q u e .
W e n d y , J o ã o , M ig u e l,
S in in h o , P e te r P a n ,
P r in c e s a d o s Ín d io s ,
C a p itã o G a n c h o ,
M e n in o s P e rd id o s , e
o C ro c o d ilo T ic T a c .
W e n d y , S r . e S ra .
D a r lin g , N a n á , J o h n ,
M ic h a e l, S in in h o ,
P e te r P a n , P ira ta s ,
S e re ia s , R a io d e S o l,
C a p itã o G a n c h o ,
M e n in o s P e rd id o s ,
Ín d io s e o C ro c o d ilo .
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Os três livros diferenciam-se em suas ilustrações, conteúdos temáticos, linguagem
e personagens. Todos possuem pontos positivos e negativos que devem ser considerados nesta
análise. O original se destaca por abordar diversos temas, mas devido a sua linguagem complexa
se distancia de um possível trabalho na educação infantil; neste aspecto a adaptação 2 é privilegiada,
apresentando todos os personagens do original, com algumas modificações nos termos utilizados
para a denominação dos mesmos. Já a adaptação 1, se distingue das demais por conter ilustrações
mais propícias, tanto para crianças como para qualquer pessoa que tenha contato com o livro,
embora se for utilizada sem o acompanhamento do texto, pode não ser bem interpretada, pois as
gravuras não demonstram continuidade de ações. Vale ressaltar que neste livro, mesmo com o
emprego do texto, não existe uma compreensão da história, já que o mesmo é incoerente, omitindo
alguns personagens e trazendo outros de forma inesperada.
O indivíduo que tem contato com os contos de fadas adaptados, acredita enriquecer
sua cultura, quando na verdade, recebe uma pseudocultura, visto que por meio destes contos ele
não tem acesso as idéias na íntegra. Esta falsa formação fortalece a ideologia dominante
promovendo uma formação regressiva (ADORNO, 1996).
Para o autor, na pseudoformação os conteúdos coisificados, com caráter de
mercadoria, se sobrepõem ao conteúdo de verdade dos bens culturais. O oferecimento destes às
massas, como forma de expansão da cultura, por meio da indústria cultural, nega-lhes o processo
real da formação porque não lhes dá condições de apropriação dos bens. Por isso, o espírito da
indústria cultural é a pseudocultura, a identificação, a duplicação mais perfeita da realidade, que
inviabiliza o pensamento, pois não deixa brechas para a reflexão do indivíduo.
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1- INTRODUÇÃO
A proposta deste artigo versa sobre a necessidade de políticas públicas transversais,
que perpassem a realidade sócia - cultural dos alunos oriundos da etnia negra, acometido pelo
estigma da exclusão social muitas vezes, devido as suas condições econômicas, atreladas as
hereditariedades étnicas.
Ao entendermos que a educação é um direito público, de cunho universal,
segundo os preceitos constitucionais, regidos na Carta Magna de 1988, que seja para todos e de
qualidade, tendo por finalidade aproximar os alunos da vida social, cultural e econômica, numa
perspectiva crítica e contestadora das mazelas do sistema capitalista, assim, como lidar, com os
reflexos da economia neoliberal, da globalização, da nossa condição de subordinação, frente aos
interesses dos grandes capitalistas, dos países desenvolvidos?
Neste sentido, enquanto assistente social e futura educadora, frente a todos estes
dilemas que a sociedade pós-moderna nos coloca, uma das alternativas, seria postularmos que é
dever dos educadores, através das equipes interdisciplinares buscarem e lutarem, pela qualidade
e igualdade no ensino.
A Equipe Multidisciplinar estabelece uma rede de relações que permeiao trabalho da Secretaria Municipal de Educação e a Instituição Esco-lar. Esta equipe é composta por profissionais da Fonoaudiologia,Nutrição, Psicologia, Psicopedagogia e Serviço Social que, emboraapresentem especificidades de atuação, compactuam com a mesmavisão do processo de ensino aprendizagem, sustentados pelas diversasáreas do conhecimento humano como a sociologia, filosofia,antropologia, pedagogia e a realidade sociocultural, valorizando oespaço e o tempo daquele que aprende, que ensina, que compartilha,que sente e que faz.(DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, 2007, p.01)
Penso que a educação como possuidora da prática da transformação das realidades
culturais e sociais, nos detendo no quesito “diferença” e diversidade no ensino, por exemplo, a
educação inclusiva, seria profícua criar-se neste espaço um universo onde se dissemine e cresçam
os ideais voltados às práticas culturais, científicas, técnicas, teóricas, cunhados na alteridade
(mediante as relações sócio-educacionais no âmbito escolar, com o “outro”), criando assim respeito
mútuo. “No Brasil, a formação de recursos humanos, tanto de professores, como dos demais
A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICASCULTURAIS, PARA OS EDUCANDOS E FAMILIARES
AFRODESCENDENTES, A PARTIR DA LEI 10.639
FOGARI, Maria Luisa da Costa (UNESP/Franca); LEHFELD, Neide Aparecida deSouza(Unaerp)
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profissionais ligados á Educação, ainda segue um modelo tradicional, desatualizado e totalmente
inadequado para suprir as demandas de uma Educação Inclusiva”.(...) (FERREIRA & GLAT, 2007,
p.59)
O objetivo geral será agregar as práticas culturais oriundas da população
afrodescendente às políticas públicas educacionais, promovendo o conhecimento, e posteriormente
o pensamento crítico e reflexivo, sobre as condições da educação no Brasil, de modo a subsidiar
a formação de deliberações e ações políticas aos diversos protagonistas sociais.
Através do papel do Estado e das diferentes políticas sociais em relação às crianças
e as infâncias: sobre as condições de vida das crianças na rua, na escola, no trabalho, na família,
diante da sua vivência com o cinema, a literatura e o teatro, se estão sendo excluídas ou não do
sistema educacional e das políticas sociais, que objetivem incluí-las através do saber cultural:
bibliotecas acessíveis, aspectos lúdicos, oralidade, peças teatrais, principalmente mediante a
formação sócio-histórica brasileira.
Segundo a autora Potyara A. P. Pereira, a política publica está relacionado ao que é
de todos, isto significa, comprometidos a todos. E política social, está relacionada às ações estatais,
que “busca” saúde, educação, cultura, segurança, assistência social, lazer e esporte entre outros.
(...) política e política social representam atuações do poder político visando o bem-estar da
população. (...) (MACHADO & KYOSEN, 1988, p.61)
Política publica significa, portanto, ação coletiva que tem por funçãoconcretizar direitos sociais demandados pela sociedade e previstospor lei. Ou, em outros termos, os direitos declarados e garantidos nasleis só tem aplicabilidade por meio de políticas publicascorrespondentes, as quais, por sua vez, opercacionalizam-se medianteprogramas, projetos e serviços. Por conseguinte, não tem sentido falarde desarticulação entre direito e política se nos guiarmos por essaperspectiva. (BRAVO & PEREIRA, 2002, p.223)
Ao citarmos as políticas públicas, como um bem precioso, para o processo inclusivo,
iniciaremos este relato, contextualizando o histórico das resistências e lutas da comunidade
afrodescendente brasileira. Fato consumado, através da instituição da SEPPIR – Secretaria Es-
pecial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, dirigida pela assistente social ministra Matilde
Ribeiro, com o intuito da promoção de políticas públicas que combatam o racismo institucionalizado.
O ano de 2005 foi considerado de suma importância, quando foi instituído o Ano
Nacional da Promoção da Igualdade Racial (decreto de 31/12/2004), medida importantíssima para
que se colocasse em pauta as discussões sobre as ações afirmativas.
A partir da I Conferencia Nacional da Promoção da Igualdade Racial, surgiram muitas
reflexões sobre a necessidade da inclusão, da valorização da afirmação da identidade do povo
etnicamente discriminado, principalmente dentro das escolas, pois, são dentro delas que se
discutem e se formam cidadãos críticos e contestativos, as alternativas citadas foram: mudanças
nos materiais didáticos (principalmente livros e revistas) e a capacitação dos educadores
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(professores, equipe multidisciplinar, inspetores de aluno, merendeira, e o corpo organizacional
estudantil, como um todo).
Um dos itens mais preponderantes para o Serviço Social, nesta conferência
foi à instituição de programas educacionais que envolvam as famílias, visando a valorização da
clientela etnicamente discriminada, especificamente da etnia negra.
Segundo o Manual “Direitos Humanos e Serviço Social”, criado pelo governo
português, a partir da Declaração dos Direitos Humanos, lançou um material que norteie a prática
dos assistentes sociais.
Mediante o que é de competência do Serviço Social, assumir no espaço de
trabalho, que resumidamente seria o favorecimento de alternativas valorativas que atente a inclusão,
garantindo os direitos da população, ou melhor, dos grupos sociais.
Como detentora da práxis social, destinada aos mais variados grupos sociais,
tanto a nível macro, quanto micro, segundo o autor português, este livro foi criando a partir do
Seminário da Associação Européia das Escolas de Serviço Social, realizado em Lisboa, sob a
temática: Direitos Humanos e Formação em Serviço Social. Descrevendo se ainda, que o intuito
da comunidade européia e das Nações Unidas, era que este livro fosse lançado nas mais variadas
línguas, com intuito didático e informativo.
Ainda relatos deste livro, o Serviço Social tem suas ações, mediante cinco
contextos diferentes: - Geográfico (espaço fronteiriço), Político (sistema político), Sócio – Econômico
(Serviço Social, direcionado a distribuição igualitária dos recursos humanos), Espiritual (atenção
aos valores, filosofias e éticas) e o último item, onde nortearemos nosso trabalho, ao contexto
Cultural (segundo os usos, crenças, aspirações e cultura dos indivíduos, das famílias, dos grupos,
das comunidades e das nações), devendo se ter respeito, embora sem prejuízo da evolução de
determinadas práticas e crenças, de outro modo, ocorrerão atos discriminatórios, destrutivos
para a sociedade.
O Serviço Social é uma profissão que tem características singulares.Ele não atua sobre uma única necessidade humana (tal qual o dentista,o médico, o pedagogo...) nem tampouco destina a todos os homensde uma sociedade, sem distinção de renda ou de classe. Suaespecificidade está no fato de atuar sobre todas as necessidadeshumanas de uma dada classe social, ou seja, aquela formada pelosgrupos subalternos, pauperizados ou excluídos dos bens, serviços eriquezas da mesma sociedade. (CARVALHO, APUD, RIBEIRO, 2004,p.151).
Vale a pena enfatizar, que após a Constituição de 1988, o processo
democrático, fortaleceu a participação popular, através dos conselhos e conferências. E a
legitimação do SUAS (Sistema Único da Assistência Social), que trouxe como proposta funda-
mental a atuação do assistente social, junto das famílias brasileiras.
Desta forma, o desejado será o Serviço Social, dar empoderamento, interferindo
nas realidades sócio-culturais das famílias através do CRAS – Centro de Referência da Assistência
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Social, das escolas, dos Programas de Saúde da Família e do Conselho de Participação da
Comunidade Negra (lei 5.466, de 24/12/86).
Seria interessantíssima a inserção do Serviço Social nas escolas, nas comunidades,
através das equipes multidisciplinares, buscando a garantia de direitos. Amaro (2005, p. 62)
acrescenta: (...) nos intriga observar que na política de assistência social, em que vulnerabilidade
social, pobreza e empobrecimento são matéria central, a questão racial não venha recebendo
significativa atenção.
O Estatuo da Igualdade Racial, foi outorgado através da Lei nº 3.198, de 2000,
direitos aos afrodescendentes, de serem olhados e tratados dignamente, não devendo sofrer
qualquer tipo de discriminação, em função da sua etnia, raça ou cor.
Estando claramente delimitado na página 13, do artigo, citado acima, o seguinte:
que as esferas federais, estaduais e municipais, deverão incentivar o acesso ao ensino gratuito,
incentivando entidades que mantém o espaço para a promoção social dos afro brasileiros, e
também promovam campanhas educativas principalmente em escolas, levando o conhecimento
da realidade desta população para a comunidade.
Mais adiante, o relator complementou com as regularizações que cabem ao Fundo
de Promoção da Igualdade Racial, que sejam criados órgãos para a implementação de políticas
públicas que objetivem a igualdade de conveniências e inclusão social dos afro-brasileiros, através
de: oportunidades para educação e emprego, do financiamento de pesquisas, incentivo ao setor
de comunicação audiovisual, valorização de micro-empresas, bolsas de estudos: fundamental,
média, técnica e superior, apoio a programas e projetos, relacionados às três esferas
governamentais, que visem à promoção da igualdade.
E por último, atenta objetivamente ao que trataremos como norte fundamental para
a proposta deste trabalho, concluindo segundo o que demanda o Estatuto da Igualdade Racial
(2003, p.15):
VII - Apoio a iniciativas em defesa da cultura, memória e tradições africanas e afro-
brasileiras.
Todas estas leis e diretrizes poderão ser tangíveis para que a população negra
tenha acesso a sua ancestralidade, através da instituição da temática História da cultura-africana
e afro-brasileira, que se tornou obrigatória através de Lei Federal (nº 10.639 de 09/01/2003), que
alterou a Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional, publicado D.O. de 16/12/2003, que
institui, a Política de Ações Afirmativas para afro - descendentes, oportunizando providências
correlatas.
A partir das providências correlatas de Ações Afirmativas, como política
compensatória, é pertinente verificar como as políticas públicas vêm atuando, neste campo tão
vasto, que são as relações étnico - raciais. Neste sentido, podemos deter-nos nas ações do
Serviço Social, frente a estas questões tão evidenciadas entre a população atendida pelo assistente
social, onde fica evidente a presença maciça de afro - descendentes, entre os usuários, que são
excluídos do processo produtivo, do acúmulo do capital brasileiro. Surgem então as seguintes
indagações:
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- Quais são as ações afirmativas, norteadas para os usuários, “sujeito de direitos”,
provenientes da etnia negra, atendidos pelo Serviço Social brasileiro?
- O que as políticas sociais delimitam, na área educacional, da saúde, da habitação,
mercado de trabalho, da política, e especificamente, o que se pretende tratar neste estudo, as
políticas afirmativas através do “resgate da cidadania”, da valorização da identidade étnica, do
pertencimento, através da cultura, principalmente dos eventos formais e informais, destinados as
camadas etnicamente discriminadas, portadora de necessidade especial?
É sob estas circunstâncias que o nosso trabalho supõe apreender os aspectos
psicológicos, sociais e culturais levando alunos e alunas a compreenderem o princípio do respeito
à diversidade como um pressuposto ético essencial em uma escola que se pretende ser
democrática e inclusiva, que promova a igualdade na diversidade. Neste sentido, seria importante
questionar o seguinte: como estão decorrendo os eventos culturais, nos pequenos municípios,
sejam a nível escolar ou social, que abranjam a temática desta pesquisa?
Na I Conferência de Promoção da Igualdade Racial, um dos itens mais instigantes,
que muito sugere ações voltadas à educação, e posteriormente a atividade, como propulsora de
atitudes inclusivas através das expressões corporais. Está contida no item:
18: Implementar em todas as instâncias de ensino a perspectiva racial e de gênero
desde a educação infantil, assegurando a integridade física e psicológica das crianças negras
indígenas, quilombolas e demais etnias historicamente discriminadas, especialmente árabes,
palestinos, judeus e ciganos, no sentido de prevenir práticas racistas, preconceituosas e
discriminatórias. (2005, p.25).
Um exemplo essencial para a diversidade, que também poderá ser gerido pelos
profissionais da educação física:
120- Promover a capacitação de educadores (as) populares capoeiristas, em geral
sem distinção, para as questões de raça de gênero, no sentido de sustentação da Lei 10.639/03.
(2005, p.33)
Ao retroceder ao processo histórico brasileiro, veremos afinco, que a lei 10.639/03,
está sumariamente importante para a valorização da cultura material e imaterial do povo africano.
A sociedade brasileira originou-se de três matrizes étnicas: a Ameríndia, a Ibérica e a Africana.
Para o autor Roberto Cardoso de Oliveira (1976, p. 17 e 18):
(...) a etnia é um “classificador” que opera no interior do sistemainterétnico e ao nível ideológico, como produto de representaçõescoletivas e polarizadas por grupos sociais em oposição latente oumanifesta. Esses grupos são étnicos na medida em que se definemou se identificam valendo-se de simbologias culturais, “raciais” oureligiosas. (...)
Sarita Amaro (2005, p.63) argumentou que (...) a questão social do negro e sua
identidade étnica e política estão perpassadas por fatores históricos que remontam á escravidão
e reforçam a cor como indicativo de inferioridade e estigma social.
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Por isto, a proposta deste estudo está relacionada à valorização da diversidade
racial através da inserção do Assistente Social em âmbito estudantil e social, através de trabalhos
multidisciplinares, tanto com as instituições privadas, quanto às publicas, levando está questão
social redundante ao conhecimento da comunidade municipal. (...) Muitas vezes ignora-se por
que o usuário dos serviços sociais é majoritariamente negro, por que são as mulheres negras as
chefes de família que recebem salários mais baixos e por que são crianças negras quem mais
precocemente ingressam no mercado de trabalho e abandonam a escola. (AMARO, 2005, p.79)
A relevância deste estudo justifica-se, devido ao alto índice de evasão escolar, en-
tre os afrodescendentes, quanto os não portadores, coesos as condições subumanas, evidenciadas
pela população negra, ainda nos dias atuais e a segregação social, ou melhor, o apartheid social,
econômico, político e cultural.
O objetivo maior será o estudo da inclusão sócio-racial, através da cultura ances-
tral africana, instituindo-se políticas publicas e culturais, especificamente observando o que está
sendo delimitado nos pequenos municípios, diante da política econômica neoliberal, que exime
praticamente todas as possibilidades de ascensão social da comunidade em situação de exclusão
social.
O universo da pesquisa será constituído pelos profissionais que atuam no
Departamento de Promoção Social, de Cultura e Turismo e dos organizadores dos eventos culturais
da cidade de Santa Rita do Passa Quatro e Rio Claro - S.P. acima mencionado.
A proposta, da pesquisa de campo, na cidade de Rio Claro – SP. , será idealizada
com a Congada e Tambiú de São Benedito Rioclarense, através do organizador Ariovaldo Pereira
e da assessora municipal: Ângela Ap. Augusta Santana.
Seguindo assim, de uma análise comparativa, entre os projetos existentes nas
duas cidades que fomentam a inclusão étnica – racial, através das políticas públicas, perpassando
pela Lei 10.639.
A amostra será constituída do grupo de cultura afro de Rio Claro – SP, serão
entrevistadas, dez pessoas do grupo, cinco assistentes sociais, integrantes responsáveis pelo
Departamento de cultura e turismo de Rio Claro e de Santa Rita do Passa Quatro - SP.
A técnica da coleta de dados com caráter qualitativo se constituirá de questionário
pré-teste e posteriormente da entrevista semi-estruturada numa perspectiva teórica.
A partir da década de 80, o Estado passou pela reforma neoliberal, que
contraditoriamente se depara com as políticas democráticas, através da Constituição de 1988,
que agregou sumariamente de direitos a cidadania plena, impasses não constantes no ideário da
política neoliberal e da globalização. Essa reorganização do capitalismo intensificou a questão
social, refletindo em discursos democráticos de um lado e de outro a premência das desigualdades
sociais, redundantes entre os cidadãos brasileiros.
Tomamos as condições étnicas, alijadas as condições econômicas, que através
da intervenção das equipes multidisciplinares, constituída por: psicólogos, terapeutas ocupacionais,
pedagogos, fonoaudiólogos, historiadores, psicopedagogos e professores de educação física, de
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artes e expressões corporais, assistente social escolar, etc., cada qual, subsidiando dados, através
da sua formação teórico/prática, como a condição subjetiva que altera as mediações das relações
entre os indivíduos e a sociedade onde estes se inserem.
A participação do assistente social escolar, parte do principio de que estejamos
atentos ao fato de que a condição sócio-cultural, muito interfere na vida destes cidadãos que são
acometidos pelas exclusões em todos os sentidos, devido peculiaridade determinadas às ações
do profissional, que tem embasamento teórico para fazer a leitura adequada da realidade social,
econômica e cultural, dos atores sociais, mediante o processo histórico subjacente.
A partir da aprovação e obrigatoriedade da Lei 10.639 seria conveniente que os
órgãos gestores da educação, principalmente em âmbito municipal, instituam cursos de
capacitação, tanto para as instituições públicas, quanto para as privadas.
A partir do ensejo da obrigatoriedade do ensino da cultura africana, será
necessário traçarmos projetos que tenham um limiar voltado a prática concreta desta cultura
ancestral, fazendo com que o alunado receba as informações coesas com os fatos históricos,
que ainda poderão ser perpassados na prática informal e formal (tanto nos espaços escolares,
quanto em espaços públicos, destinados a comunidade em geral), junto dos ideais comungados
pela população afro brasileira.
Podemos partir da contextualização do cotidiano da maioria do povo brasileiro
em relação à dispêndios financeiros não são os melhores, pois vivemos num país periférico, onde
as desigualdades sociais permeiam em todos os sentidos, resultando em famílias pobres, que
são “gerenciadas”, através de programas sociais clientelistas, fragmentados, emergenciais,
imediatistas, focalistas, que tem um enfoque direcionado para o macro social, deixando a mercê
a subjetividade do povo brasileiro, que necessitam de programas sociais atentados para o micro
atendimento das comunidades, como as regiões Quilombolas, Ribeirinhas, do Vale do Jequitinhonha
e assim por diante.
A proposta de trabalho está delimitada na importância das políticas públicas
culturais para o usuário do Serviço Social, usando de projetos sociais detendo-se no micro
atendimento, na inserção social principalmente da população negra brasileira, que ainda vivencia
no seu cotidiano, a segregação social, o apartheid social, econômico, político, cultural, negligenciado
pelas políticas neoliberais.
É no micro social, onde a questão social explode com repercussões no campo
dos direitos, no universo da família, do trabalho e do não trabalho, da saúde, da educação, dos
idosos, da criança e adolescente, de grupos étnicos que enfrentam e resistem os reflexos do
preconceito, da expropriação da terra, das questões ambientais resultantes das grandes estruturas
capitalistas do setor produtivo, da discriminação aos homossexuais, entre outras formas de
usurpação dos direitos.
A usurpação de direitos, principalmente entre os educandos afrodescendentes,
muitas vezes decorre, devido ao alto índice, de pessoas com poder aquisitivo baixo. Neste sentido
seria necessário valorarmos a vivência, os valores, a religião, enfim, a realidade cultural e social
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destas pessoas. A maior preocupação é que as pessoas oriundas de um poder aquisitivo baixo,
geralmente recebem um atendimento de qualidade inferior, e isto é desfavorável a qualquer cidadão
nestas condições.
2- DADOS PARCIAIS:
Os dados parciais indicam que o assistente social atente para a proposta pleiteada
pelo Conselho Regional de Serviço Social, que o profissional, tenha no bojo do projeto ético político,
ideais direcionados, para a questão da “diferença” e eqüidade social, pelo fato de ser detentor da
prática interventiva, que tem como proposta norteadora a práxis social, que poderá ser intensificada
através da interdisciplinaridade com outros profissionais.
Além da busca por efetivação de políticas públicas em âmbito cultural, os resultados
deste estudo, também poderão auxiliar o Assistente Social, na busca de alternativas, com
criatividade, através da população idosa, que possuí o saber autodidata perpassando suas
experiências relacionadas à riqueza material e imaterial brasileira.
Preservando as culturas brasileiras, resgatando valores de cidadania e democracia,
para as crianças e adolescentes, através das trocas, valores e vivências com a Terceira Idade,
criando assim vínculos e respeito mútuo.
Resumindo, o esperado será o investimento na formação de gerações de crianças
e adolescentes oriundos da etnia negra, capazes de transformar suas realidades, garantindo-lhes
o direito ao trabalho, habitação, saneamento básico, saúde, cultura, lazer, alimentação saudável,
assistência social e principalmente a educação.
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Pertencer à colônia nipônica e viver há três décadas junto dos isseis e seus
descendentes mostrou-nos uma realidade bem diferente daquela que os brasileiros conhecem
sobre os japoneses. A visão cotidiana que se tem desse povo carece de estudos. Ao nos
aproximarmos do centenário da imigração japonesa, o que conhecemos desse povo que para cá
veio em busca de melhoria nas suas condições de vida? Várias são as formas de respondermos
tal questão.
Optamos por realizar um estudo do referido grupo a partir de suas crianças, mais
precisamente dos seus “objetos lúdicos” (BROUGÈRE, 2001, p. 12), ou seja, dos brinquedos e
jogos que para cá trouxeram. Tais objetos representam uma possibilidade de análise, a partir da
qual é possível entender que a produção cultural se modifica em diferentes espaços e tempos.
Assim, o brinquedo e o jogo são um meio de conhecer um povo, pois ele representa os objetos
que o adulto cria para a criança.
Cultura lúdica, aqui, é entendida como:
[...] uma estrutura complexa e hierarquizada, constituída de brincadeirasconhecidas e disponíveis, de costumes lúdicos, de brincadeirasindividuais, tradicionais ou universais (se isso pode ter sentido) egeracionais (próprias de uma geração específica). Essa culturacompreende, ainda, um ambiente composto de objetos e,particularmente, de brinquedos [...]. (BROUGÈRE, 2001, p. 50).
Assim, a partir de um estudo de caso, buscaremos os vestígios que nos mostrem
como vivia as crianças que aqui chegaram; usaremos para tanto, nesta comunicação, estudos
anteriormente realizados (BENEDICT, 2002; CARDOSO, 1995; HANDA, 1993; SAKURAI, 1993,
2000 e outros) e imagens que, segundo Burke (2004, p. 17) “[...] nos permitem ‘imaginar’ o passado
de forma mais vívida. Como sugerido pelo crítico Stephen Bann, nossa posição face a face com
uma imagem, nos coloca ‘face a face com a história’ ”.
Nosso interesse pelo tema teve início pela constatação do desconhecimento, pelos
próprios membros da comunidade nipo-brasileira, da cultura lúdica japonesa, hoje, o undokai – dia
do exercício, ou melhor, gincana esportiva familiar, se assim poderíamos traduzi-lo –, é a atividade
que mais se aproxima do espírito nipônico do lúdico, ocorrendo em clubes que conglomeram
várias gerações em um dia de competições com provas em que todos ganham seus prêmios, e
que as famílias e os amigos comungam da mesma mesa farta de pratos típicos japoneses, hoje
mesclados de iguarias de outros povos, como por exemplo, a farinha de mandioca, que são
preparados pelas famílias.
ASOBI MASHOU: A CULTURA LÚDICA DOSDESCENDENTES DE JAPONESES
KOBAYASHI, Maria do Carmo Monteiro (FC/Bauru)
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Com o objetivo de conhecer a cultura lúdica das crianças imigrantes japonesas na
primeira metade do século 19, no Brasil, iniciaremos com um breve relato das razões que trouxeram
os japoneses para cá. Em seguida, passaremos ao levantamento das referencias sobre a infância
desses imigrantes, ao que se seguirá a apresentação de brinquedos, jogos e talismãs do Japão
nos séculos 19 e 20. Finalizando, usaremos as imagens do acervo de museus de São Paulo e de
famílias que compõem uma complementação dos dados que aqui apresentamos.
FAZER A AMÉRICA: O SONHO DE RIQUEZA E O RETORNO RÁPIDO
Quando li o historiador italiano Carlo Ginzburg (2001, p. 11) afirmar que: “[...] ‘O
mundo é a nossa casa’. Não quer dizer que tudo seja igual; quer dizer que todos nos sentimos
estrangeiros em relação a alguma coisa ou a alguém”, tive a nítida idéia do sentimento que passa
por nós quando estamos no meio de uma cultura diferente da nossa; quando ouvimos algo a que
não conseguimos atribuir significado, como, por exemplo, uma língua estrangeira, ou ainda quando
esperam de nós uma atitude diferente da que tomamos. Apesar de o Brasil ser conhecido como
um país multicultural, há situações às quais, apesar de estarmos onde nascemos, sentimo-nos
estrangeiros em nossa própria terra. Assim é que me sentia quando ingressei na colônia nipo-
brasileira com seus costumes, tradições e valores.
Se tomarmos as palavras do Aurélio (1995, p. 191) para cultura: “[...] O
desenvolvimento de um grupo social, uma nação, etc. que é fruto do esforço coletivo pelo
aprimoramento, desses valores; [...]”, veremos que o Brasil é um país cuja população é constituída
por todos os povos; poderíamos ser chamados de uma nação híbrida, pois aqui a interculturalidade
e a miscigenação são motivo de união e de fraternidade.
As várias nações que coabitam nesse país, em função de seus povos, e que por
muitos motivos aqui chegaram, desde razões mesquinhas como a escravidão, a fuga da
perseguição por vários motivos ou a busca de riquezas para voltar para a terra natal, constituíram
uma população que se esforça para conviver com as diferenças que existem em um mesmo
país. Longe da intolerância étnica, tão forte na atualidade, o povo brasileiro se constitui em um
espaço de convivência e aceitação.
Os japoneses e seus descendentes, que aqui chegaram a partir de 1908, tinham
grandes planos e muitas ilusões, pois a propaganda enganosa era a promessa de um retorno
rápido para a terra natal – furusato; a lavoura cafeeira mostrava-se muito atraente.
Há quase 100 anos, um povo muito distante aqui chegou como a lenda de Urashima
Tarô, que salvou o filhote de uma tartaruga e, como prêmio foi levado, a um reino encantado.
Muitos e muitos anos se passaram; a saudade chegou fazendo com que ele quisesse voltar ao
seu reino. Urashima recebeu uma caixa na sua partida, que deveria ser aberta só em última
instância. Ao chegar à sua terra natal – furusato, após tanto tempo, nada reconheceu, nem o lugar
onde morava, nem seus parentes, a beira do mar. Esperando talvez que a tartaruga lhe aparecesse,
abriu a caixa e o tempo passou tão rapidamente que ele envelheceu até a morte.
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Os japoneses que aqui chegaram, a partir de 1908, no navio Kasato Maru, tiveram
uma saga parecida em alguns pontos e diferentes em outros com os de Urashima, pois aqui
chegaram e não encontraram um reino encantado mostrado pelas companhias de imigração,
mas uma realidade muito diferente de sua terra natal; de trabalho duro; de dificuldades na
comunicação e assimilação de costumes; de um país muito diferente do seu; diferente também
porque, apesar da saudade da terra natal, dos parentes, da alimentação aqui ficaram para sempre,
criaram raízes, tiveram seus filhos, netos, bisnetos e ajudaram a criar uma grande nação.
As relações entre o Brasil e o Japão não se iniciaram com o processo de imigração
dos japoneses no Brasil, de acordo com Peralva (1990, p. 169):
As relações nipo-brasileiras remontam a quase dois séculos, antesmesmo da independência do Brasil. O primeiro contato entre os doispovos teria ocorrido em 1803, quando um navio com marinheirosjaponeses, de volta da Rússia, aportou em Florianópolis. Em 1889, opríncipe Augusto Leopoldo, neto de D. Pedro II, ainda no trono, visitouo Japão, a bordo do navio-escola brasileiro Almirante Barroso, e teveuma audiência com o então imperador Meiji.
Mas para entendermos as causas da imigração japonesa no Brasil, temos que nos
voltar para o Japão de 1868, quando o imperador Meiji assumiu o governo e se iniciou um processo
de modernização no país, gerando grandes mudanças históricas, sociais e culturais. Com o declínio
dos feudos e o estabelecimento das províncias, a industrialização passou ser incentivada pelo
governo, gerando um rápido crescimento do capitalismo, o que pode ser ilustrado com dois fatos
importantes: a fundação da Bolsa de Valores em Tóquio, no ano de 1878, e a fundação do Banco
do Japão, em 1882. O empobrecimento dos camponeses (devido aos altos impostos) fez com
que eles se retirassem do campo; mas, quando chegaram à cidade, não conseguiram trabalho e
desta maneira surgiram três graves problemas sociais: o desemprego, a miséria e o excesso
populacional.
O Imperador Meiji não conseguiu modificar a situação dos camponeses e assim
passou a incentivar a emigração japonesa. Segundo Sakurai (2000), em 1875, a emigração japonesa
teve início com os primeiros emigrantes com destino para o Havaí e a Austrália.
Segundo Yamazato (1967, p. 326):
Em 1898, quando as ilhas de Hawai tornaram-se território dos EstadosUnidos, houve a proibição da entrada de emigrantes naquelearquipélago. Com isso, as levas de emigrantes japoneses foramencaminhadas aos Estados Unidos, ao Canadá e a Austrália. Porém,no início do século XX, a Austrália, por questão racial, fechou suasportas aos imigrantes nipônicos. Em pouco tempo, as outras naçõestambém colocaram obstáculos à entrada dos imigrantes procedentesda “Terra das Cerejeiras”.
Como os imigrantes japoneses não poderiam mais emigrar para a América Cen-
tral e América do Norte, seu destino passou ser o Brasil, pois o contexto brasileiro no início do
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século 20 era propício à imigração japonesa. A abolição dos escravos no Brasil, em 13 de maio de
1888; a expansão das lavouras de café; a necessidade de mais trabalhadores e um possível
desenvolvimento nas relações comerciais (exportação de café) com o Japão foram os principais
fatores brasileiros que contribuíram para a vinda dos imigrantes japoneses em nosso país no
início do século 20.
Figura 1 – A figura nos mostra o destino dos imigrantes e de suas famílias. (Fonte
Museu Histórico da Imigração Japonesa).
A intenção dos imigrantes japoneses nessa primeira fase (1908-1925) era trabalhar
até cinco anos, juntar um capital e retornar ao Japão, pois eles acreditavam que, trabalhando no
Brasil, ficariam ricos; as empresas privadas fiscalizadas pelo Ministério das Relações Exteriores
do Japão cuidavam da propaganda, da seleção, do transporte e da instalação dos imigrantes
(SAKURAI, 2000). A realidade que aqui encontraram quando desceram do navio Kasato Maru foi
bem diferente.
O ficar no Brasil significou um duro golpe para as famílias: foi odesmoronar de um sonho, a impossibilidade de retomar laços familiares,o enfrentamento de uma realidade muito diferente da esperada. [...]O Brasil não era o país de permanência temporária tal como se esperava.Cada membro da família vive esse drama de forma particular.(SAKURAI, 1993, p. 44).
A segunda fase da imigração japonesa no Brasil (1926-1935) é a mais intensa,
pois, com as crises econômicas internacionais decorrentes da quebra da Bolsa de Valores de
Nova York, em 1929, a economia do Japão foi ao caos e a miséria tomou conta da população;
diante desses fatos, houve um grande aumento da imigração.
A partir do ano de 1935 até 1945, houve uma queda nas imigrações japonesas e
européias, pois Getúlio Vargas fixou uma quota de imigrantes: 2.849 pessoas por ano. Durante a
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Segunda Guerra Mundial (1939-1945), houve uma interrupção da emigração japonesa para o Brasil.
Após o final da Guerra, ela recomeçaria no ano de 1953.
A CRIANÇA IMIGRANTE
A busca de documentos que retratem crianças imigrantes japonesas que vieram
para o Brasil nos mostrou um cenário inexplorado. Fausto (2000) pontua as amplas temáticas
relacionadas aos estudos dos fluxos imigratórios transoceânico em massa para a América Latina.
Esses, apesar de abrangentes, estão direcionados à integração dos imigrantes nas escolas, nas
associações, na ascensão social e econômica, nas mudanças de padrões alimentares, na
mobilidade da estrutura familial, entre outros.
Os estudos sobre a infância e a criança têm na obra de Ariès (1981) um ponto
marcante e decisivo, a partir da iconografia e da cultura material (objetos como brinquedos, jogos,
vestuário entre outros), entretanto “[...] como se sabe, todos esses tópicos foram discutidos uma
geração antes por Gilberto Freyre, especialmente em seus estudos sobre o Brasil colonial”.
(BURKE, 1997, p. 2). Em Casa grande e senzala e Sobrados e mocambos, Freyre nos mostra
bonecas, pipas, piões, bolas, brinquedos e jogos das crianças brancas, índias e negras; outra
obra, mais recente, História das crianças no Brasil (PRIORE, 2004), vários autores relatam as
histórias das crianças no Brasil, começando pela “A história trágico-marítima das crianças
portuguesas nas embarcações portuguesas do século XVI”, capítulo inicial da obra, aos dias atuais,
com as crianças que trabalham nos canaviais de Pernambuco.
No entanto, quando nossas pesquisas se direcionaram sobre as crianças imigrantes
japonesas, encontramos somente em dois autores Ruth Benedict (2002), no clássico O crisântemo
e a espada, e em Tomoo Handa (1980), Memórias de um imigrante japonês no Brasil.
A antropóloga americana Ruth Benedict (2002, p. 11), em junho de 1944, recebeu a
difícil incumbência de “decifrar como seriam os japoneses”; era preciso saber “[...] com o que o
seu governo poderia contar da parte do povo”. Era preciso conhecer e tentar compreender os
hábitos, as emoções os padrões em que se enquadravam tais hábitos.
Benedict (2002) traz informações preciosas quanto à educação e aos objetos lúdicos
da criança japonesa em seu país; o “arco da vida”, como a autora apresenta, é um grande U, em
que a máxima liberdade e indulgência são dadas aos bebês e aos velhos; as restrições vão
aumentando na primeira infância, tendo seu ápice após o casamento e no decorrer da vida adulta,
para que, aos sessenta anos, homens e mulheres voltem a ser livres como os bebês.
Todas as crianças japonesas tinham brinquedos, seus pais, amigos e parentes
fabricavam ou compravam bonecas e demais acessórios para elas, e, mesmo entre as mais
pobres, praticamente nada custavam, pois eram feitas com os materiais disponíveis; em
determinado trecho mostra o costume milenar de carregar as crianças mais novas amarradas
nas costas das mais velhas quando brincavam correndo de uma base a outra ou pulando
amarelinha.
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O livro biográfico Handa (1980, p. 162) relata as diversões e brincadeiras das crianças
que corriam livremente pelos matos e campos; nessas explorações, descobriam as frutas nativas
desconhecidas até então, como: gabiroba, pitanga, jatobá, jabuticaba e outras; as caçadas de
pássaros com bodoques, já que não havia elástico para os estilingues; a descoberta das colméias
de jataí.
Tendo como cenário o Japão do final do século 19, o escritor francês François
Place (2004) mostra a relação entre uma criança – Tojiro e Hokusai (1760-1849), o famoso pintor
e gravurista japonês, que inspirou artistas ocidentais como Van Gogh, exemplificando a visão de
Benedict sobre a vida das crianças e dos velhos.
Figura 2 - A vida da criança e do idoso no Japão do século 19 retratada na obra de
Place (2004, p. 27).
BRINQUEDOS JAPONESES DO SÉCULO 19 E INÍCIO DO 20
Quem passa nas feiras artesanais na Liberdade, bairro mais oriental de São Paulo,
encanta-se com a quantidade de pequenos objetos direcionados a crianças e adultos: são
brinquedos, jogos, origamis e talismãs japoneses; mas, para além dessa gama de objetos, o
Japão dos séculos 19 e 20 tem um dos acervos de brinquedos mais ricos do mundo (NISHIDA,
1973).
Esses objetos lúdicos hoje estão confinados à memória de poucos e aos museus,
como por exemplo, o Folk Toy Museum, em Himeji, na província de Hyogo; são 80 mil peças no
acervo que datam de diferentes períodos e que, com o surgimento dos brinquedos eletrônicos e
dos avanços da nanotecnologia que tudo minimiza, muito pouco se conhece dos brinquedos e
jogos tradicionais.
Nossas pesquisas vêm mostrando que muito pouco se conhece sobre essa parte
do universo lúdico folclórico infantil nipônico; a obra Japoneses games & toys (NISHIDA, 1973)
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nos mostra as formas e designes do passado. A coletânea dos objetos lúdicos apresentados pelo
autor mesclam jogos, brinquedos e amuletos tradicionais do Japão e que, segundo ele, evidenciam
a harmonia dicotômica entre o mundo real e a fantasia, o que é bem perceptível, pois estão
agrupados em um mesmo espaço brinquedos, jogos e amuletos. São eles: Go, Shogi, Hyakunin-
isshu, Hana-Fuda, Koma Daruma-Otoshi, Kumiki, Kazakuruma, Tai-Guruma, Fugu-Bue, Hato-
Bue, Maneki-Neko, Tako, Imado-Ninguyo, Shinobi-Goma, Susuki-Mimizuku, Nagashi_Bina, Hoko-
San, Kibuna, Koinobori, Akabeko, Hariko-no-Tora, Kujira-no-Shiofuki, Daruma, Uso, Shishi-Gashira,
Kokeshi, Inu-Hariko.
Como exemplo de brinquedo, apresentamos (Figura 3) o Daruma-otoshi, muito
comum ainda no Japão. Seu objetivo é que, a partir das batidas do taco, somente a peça tocada
se desprenda do boneco; os komas – peões são populares no mundo todo, mas no Japão tomam
formas, cores, sons e outros atributos que fascinam as crianças. O Daruma, amuleto mundialmente
conhecido (Figura 4), é o boneco dos desejos, o costume é pintar uma pupila, quando se faz um
pedido, a outra só será feita quando o pedido se realizar.
As pipas – takos – são inconfundíveis (Figura 5); têm como aparência a cara de um
samurai prestes a ir para a luta e nos mostra a forma que envergam quando cruzam o céu. Os
koinoboris (Figura 6) são hasteados, até a atualidade, em mastros de bambu no dia dos meninos.
Mesmo com as mudanças efetuadas na ocupação do pós-guerra, quando passou a ser Kodomo-
no-hi (dia das crianças), o Tango no sekku (dia dos meninos) foi mantido.
Figura 3 e 4 – Daruma-otoshi, brinquedo comum até hoje, e Daruma.
(Fonte: Disponível em: <http://www.dus.emb-japan.go.jp/profile/deutsch/
sonstige_2006/2006_spiele.htm>. Acesso em: 6 jun. 2007.)
Figura 5 e 6 – Tako (pipa japonesa) e Koinobori utilizada nos dias de festa (Undokai).
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AS IMAGENS COMO TESTEMUNHAS DA HISTÓRIA
As dificuldades em encontrar fontes referenciais impressas nos levaram ao estudo
das imagens, pois, se considerarmos a história da imigração japonesa, esse é um fenômeno
recente, em que a fotografia e os filmes podem ser tomados como “testemunha ocular” (BURKE,
2004).
Como já mencionado, realizamos nossas pesquisas iconográficas em acervos de
museus e de famílias. Foram mais de 1.500 fotografias e dois filmes analisados; desse material
estudado, optamos por apresentar alguns deles, ficando evidente que as crianças imigrantes,
dadas as dificuldades financeiras, o diminuto espaço nos navios de carga que foram adaptados
para o transporte de passageiros, não trouxeram seus jogos e brinquedos, que foram trocados
por objetos que pudessem ser mais úteis às novas condições de vida no Brasil.
[* Filter does not support this file format | In-line.TIF *]Esses dados podem ser
verificados nos filmes Hato to Natsu (Outono e Primavera) e Gaijin (Estrangeiro). O segundo filme
é uma produção brasileira e mostra a saga de uma família de imigrantes, suas dificuldades diárias
– o que pode ser verificado nas obras de Sakurai e Handa –, mas é o primeiro filme que faz uma
varredura da vida de duas irmãs que ficam separadas durante 70 anos, uma no Brasil e outra no
Japão, as trocas de cartas que não chegaram ao prazo esperado mostra as dificuldades passadas
por elas. Ao retratar os 70 anos da vida das duas irmãs, uma que sobreviveu à dura vida de
imigrante no Brasil, em uma época muito difícil, e a outra, que, sozinha, enfrentou a época da
guerra e a de reconstrução do país e viveu a fase de grande crescimento econômico do Japão, a
minissérie questiona o modo de ser do Japão e dos japoneses. Para nossa pesquisa, é um
documento que mostra a infância na primeira fase da imigração japonesa e as agruras vividas
pelos personagens.
Figura 7 e 8 – Refeição no cafezal; mãe e filhos imigrantes, data provável 193[_].
(Fonte: Museu da Imigração Japonesa).
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Figura 9 – Família japonesa em trabalho, Cafelândia 1930. (Fonte: Memorial do
Imigrante, Coleção Midory Kimura Figuti).
Figura 10 e 11 – Foto anterior ao embarque para o Brasil. Foto da família de SH,
datada de 1944. (Fonte: Museu da Imigração Japonesa).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso interesse nesse estudo teve início nas férias de janeiro de 1990, pois elas
se constituíam a cada ano na nossa família nipo-brasileira num momento de união entre netos
que moravam em cidades distantes e a obatyaan (avó). Nossa casa era o lugar onde essas
trocas ocorriam, os brinquedos e jogos comercializados na época entretinham as crianças, um
total de dez, com diferenças etárias de 11 anos do mais velho para o mais jovem do grupo, por um
curto espaço de tempo, a partir do que a cultura lúdica da avó era posta à prova.
Esse momento era de vivo interesse, pois me possibilitava conhecer um pedaço
da história da família dos meus filhos e aos quais seu pai e seus irmãos não tiveram acesso, pois,
como é do conhecimento de todos, os japoneses pouco falam de si e das suas vidas. Como
membro estrangeiro – gaijin – da família, tive a possibilidade de perguntar coisas que outros não o
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fariam; o tempo me mostrou a importância dessas experiências e a aproximação com o clã.
Os brinquedos e jogos criados pela avó eram muito simples, confeccionados com
materiais que estavam à nossa volta: eram peões de sementes, cama de gato de barbante, bonecas
de papel, jogos de palavras shiritori (comer o final das palavras), sabon dama – bolas de sabão,
jan ken po entre outros. Era assim que as crianças brincavam, assim como as histórias relatadas
pela avó e verificadas nas nossas fontes referenciais.
Tínhamos como hipótese norteadora, para nosso trabalho que, dadas as condições
materiais das famílias que para cá vieram fugindo das condições precárias de vida, era praticamente
inviável que trouxessem objetos lúdicos.
As fontes de pesquisa que utilizamos foram as referenciais e imagens: as
referenciais são apresentadas na argumentação do texto, as imagens são as fotografias
pesquisadas nos acervos do Museu do Imigrante e Museu da Imigração Japonesa, e os filmes
Gaijin (1980), Natsu To Haru, (2005) e livros de memória, relatos e estudos a respeito dos processos
de imigração (CARDOSO, 1995; HANDA, 1980; SAKURAI, 2000).
Os dados coletados apontaram para o fato de que as condições de transporte e
financeiras reduziam o rol de objetos na bagagem dos imigrantes, e que os brinquedos foram
preteridos aos livros, aos pertences de primeira necessidade.
Nas fotografias das famílias e de suas crianças, raras são as vezes em que vemos
brinquedos (Figura 3), os documentos encontrados são fotografias tiradas em estúdios e que
foram montados para uma visão pouco real do cotidiano vivido por essas famílias e pelas crianças.
A realidade apresentada nas fotografias feitas sem produção de estúdio nos dá
uma visão bem diferente no qual a criança é um trabalhador mirim as fotografias mostram as
crianças com sua família nas frentes de trabalho na capina, colheita e na labuta com a lavoura,
pois era esse o seu destino firmado em contratos rígidos que tinham que ser cumpridos mas
animais domésticos. Nos depoimentos, as afirmações anteriores se consolidam. Foi aqui no Brasil
que as crianças criavam com sabugos e pedaços de tecidos as suas bonecas; para os meninos,
pedaços de madeira e outros objetos se transformavam em brinquedos, assim como cigarras,
passarinhos e pequenos animais. Além do mais, as crianças, por mais jovens que fossem,
acompanhavam seus pais na lavoura.
REFERÊNCIAS
BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada: padrões da cultura japonesa. São Paulo: Perspectiva,1988.
BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 2001.
BURKE, Peter. Gilberto Freyre e a nova história. Tempo Social, Rev. Sociol. USP, São Paulo, v. 9,n. 2, p. 1-12, out. 1997.
______. Testemunha ocular. História e imagem. Bauru: EDUSC, 2004.
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CARDOSO, Ruth. Estrutura familiar mobilidade social: estudo dos japoneses no Estado de SãoPaulo. São Paulo: Kaleidos-Primus Consultoria e Comunicação Integrada, 1998.
GAIJIN, os caminhos da liberdade. Tizuka Yamasaki. Kyoko Tsukamoto, Antônio Fagundes, JiroKawarazaki e outros. Brasil: CPC – Centro de Produção e Comunicação/ Embrafilme, 1980. 1filme (104 min).
HANDA, Tomoo. O imigrante Japonês: história de sua vida no Brasil. São Paulo: Ed. T. A. Queiroze Centro de Estudos Nipo-brasileiro, 1987.
JAPAN Toy Museum. Disponível em: <http://www.japan-toy-museum.org/english/eindex.htm>.Acesso em: 26 jun. 2007.
NATSU TO HARU. Kenji Tanaka. Mitsuko Mori, Yoko Nogiwa, Ryoko YonekuraYukie Nakama e outros. Japão: NHK, 2005. 5 filmes (395 min).
NISHIDA, Haruo. Japonese games & toys. Tokyo: Hitachi Printing, 1973.
PLACE, François. O velho louco por desenho. São Paulo: Cia. das Letrinhas, 2004.
SAKURAI, Célia. Romanceiro da imigração japonesa. São Paulo: Editora Sumaré, 1993.
______. Imigração japonesa para o Brasil: um exemplo de imigração tutelada (1908-1941). In:FAUSTO, Boris (Org.). Fazer a América. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,2000.
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1- FORMAÇÃO DOCENTE E INDÚSTRIA CULTURAL
Somos professores, profissionais da educação, com formação específica para
atuar como docentes. Educadores cuja práxis pauta-se, a priori, pela cultura escolar, instituída.
Recebemos uma formação profissional inicial realizada na academia e trabalhamos em instituições
formais e não-formais de ensino. Entretanto também somos produtores e produtos da cultura
popular, uma vez que, igualmente, somos povo. Esta integração revela na prática cotidiana que o
conhecimento é construído em interfaceamentos de culturas. Somos docentes possuídos por
curiosidade sobre aquilo que buscamos conhecer, gostando do desafio, do jogo da pesquisa, do
qual nos aproximamos de modo sério, porém despreconceituoso; carregado de desejo a respeito
do que se desejamos compreender. Conhecimento e prazer nos atos de aprender, pesquisar e
ensinar.
Orientar a formação cultural de outros seres humanos, de modo a respeitar-lhes
sua autonomia, faz parte do trabalho docente. É uma dimensão deste trabalho, configurando-se
como aprendizado sistemático, troca de experiências e re-visitar contínuos de muitos
posicionamentos teóricos e políticos. Pedagogia do aprender-pesquisando, permeada por práticas
sensíveis-cognitivas muito próximas dos fazeres lúdicos e artísticos: criadores. Sérios, sem serem
sisudos. Profundos, sem serem pesados. Densos, sem serem enfadonhos. Fazeres, pensados
e sentidos, nos quais ainda se é sujeito, tal qual deveria ser o ato de educar(-se) – aprendizado
dialético construído “entre” e “por” sujeitos que se reconhecem criadores. Sujeitos que se sabem
humanos e históricos, aprendendo na interação com outros.
Neste cenário, tanto educador quanto educando, chegam ao tempo-espaço para a
geração de um novo conhecimento com níveis diferenciados de consciência no tangente ao
domínio dos saberes articulados: os saberes formais da escola e os saberes informais da vida
que passam a se entrelaçar neste novo contexto.
Esses saberes são a cultura vivida de cada sujeito, em sua comunidade, ou
comunidades, pautadas ou não, pela escolaridade. Epistemologia do trabalho docente,
compreendida do ponto de vista de quem é pesquisador: educando-educador, aprendiz-mestre.
Entendimento de quem aprende a ser educador, sendo educando. Entendimento de quem aprende
sendo pesquisador no cotidiano do ato de educar.
A educação necessita de dialogicidade, numa rua que já sabemos não ser de mão
única. Educação e cultura admitidas como um “fazer-se” constante, contemporâneas do tempo e
DESVELANDO OS ESPAÇOS DO LÚDICO E DA ARTENA FORMAÇÃO CULTURAL DE PROFESSORES
CARVALHO, Sandra Helena Escouto de (Unesp/Marília)
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do espaço presentes em cada ato. Ato de educar(-se) sinalizando o desmascaramento dos poderes
que se equivocam em sua imaginária hierarquização, e o desabrochar dos saberes-poderes que
se pensam inexistentes.
A educação com pressupostos na formação cultural, na atualidade e de acordo
com a instabilidade global onde estamos imersos, deve fundamentar-se na democratização dos
códigos eruditos, populares e mercantis da arte, envolvendo a cultura visual (HERNÁNDEZ, 2000)
dos sujeitos para todas as classes sociais, sobretudo se considerarmos que:
As décadas de luta para salvar os oprimidos da ignorância sobre elespróprios nos ensinaram que uma educação libertária terá sucesso sóquando os participantes no processo educacional forem capazes deidentificar seu ego cultural e se orgulharem dele. (BARBOSA, 1998;p.15)
Educação e cultura, neste estudo, vinculadas ao ensino de artes visuais, além de
reelaborar a percepção estética e a sensibilidade artística contribuem para o constructo de uma
teoria da identidade coletiva, em que a compreensão crítica da arte e da cultura configura a
consciência do poder de representações imagéticas, textuais e sonoras na produção dessas
identidades, constituindo-se elementos de empoderamento (SILVA, 1999; 2000) do sujeito e seus
grupos culturais.
Como conseqüência da educação a qual o capitalismo remete seus sujeitos,
impossibilitando-os de terem acesso às variadas formas de cultura, negando-lhes a formação
cultural e, portanto, sua autonomia, surge o que ADORNO (1995; 1996) denomina semiformação.
Semiformação, esta, que conforme PUCCI (1997) ocorre em três etapas: negação dos
pressupostos básicos para a formação cultural; negação das condições sociais para a formação
cultural e, substituição da formação pela formação superficial. ADORNO E HORKHEIMER(1985),
ao investigar a indústria cultural, entendem que esta, ao aspirar à integração vertical de seus
consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo das massas como também, em
larga medida, determina o próprio consumo, agindo na subjetividade humana:
A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de umavez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter certeza deque até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente. Cada qualé um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início,não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso [...]Inevitavelmente, cada manifestação da indústria cultural reproduz aspessoas tais como as modelou a indústria em seu todo (ADORNO;HORKHEIMER 1985, p.119).
A indústria cultural interessa-se nos homens e mulheres de diversas faixas etárias
e condições sociais, apenas enquanto consumidores ou empregados e reduz a humanidade em
seu conjunto, assim como cada um de seus elementos, ao condicionamneto dos seus
inescrupulosos interesses. Traz em si todos os elementos intrínsecos ao universo industrial,
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logo capitalista, e segue seu caminho como arauto da ideologia dominante arraigando modos e
costumes.
Relacionada intimamente à ideologia capitalista e à moral burguesa, contaminando
com o germe da superficialidade as relações entre os homens, bem como entre os homens e a
natureza, de tal forma que o resultado final constitui-se uma forma de antiiluminismo.
Para Adorno, o iluminismo teria como finalidade libertar os homens do medo,
tornando-os senhores e liberando-os do mundo místico das crendices populares e das religiões.
Esta finalidade é atingida via ciência e tecnologia conduzindo à lógica de que o iluminismo instauraria
o poder do homem sobre a ciência e sobre a técnica. Contudo, a mente e o corpo humanos
passaram a ser requisitados integralmente pela técnica e pelo progresso que se instalaram como
mentores absolutos, onipresentes a todos os nossos atos:
[...] o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedadeé o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre asociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própriadominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de simesma. Os automóveis, as bombas e o cinema mantêm coeso o todoe chega o momento em que seu elemento nivelador mostra sua forçana própria injustiça à qual servia (ADORNO; HORKHEIMER. 1985,p.114).
No capitalismo tardio, a diversão é um prolongamento do trabalho, sendo procurada
por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr, de novo, em condições
de enfrentá-lo (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Entretanto, lembremos, busca a diversão no
mesmo sistema mecanizado que envolve o trabalho e o tempo livre, ou seja, a indústria cultural
utiliza-se do próprio ócio, inerente ao homem, para aliená-lo sob a malha impenetrável do
capitalismo.
A rotinização determinou tantas regras para a suposta felicidade humana,
estabelecendo completamente a necessidade de produtos para a satisfação que o homem passa
a não saber usufruir e experenciar o gozo do ócio criativo e da fruição lúdica revitalizadora. Assim,
só pode escapar do processo de trabalho, seja na escola, no comércio, na fábrica, no mercado
financeiro, na universidade, adequando-se aos princípios da indústria cultural, também durante
seu tempo livre (ADORNO, 1995).
Elevando a consciência das massas a um estado letárgico e instaurando o poder
da mecanização comportamental e material sobre o homem, a indústria cultural cria condições
cada vez mais favoráveis para implantação do seu comércio fraudulento, no qual os consumidores
são continuamente ludibriados em relação ao que lhes é prometido, todavia não cumprido: o
prazer e o equilíbrio obtidos com a posse de bens, sejam materiais ou pseudo-espirituais.
O desejo suscitado ou sugerido pela produção imagética, ao invés de proporcionar
uma satisfação correspondente à promessa nela envolvida, acaba sendo um vigilante onipresente,
detentor do elogio da rotina cumprida pelo homem, tanto em termos de ações, quanto de
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sentimentos e pensamentos. Não conseguindo, como pretendia, escapar a esta última, o desejo
divorcia-se de sua realização que, sufocada e transformada em negação, converte o próprio desejo
em privação. E esta privação atrofia a capacidade criadora e crítica, contrangendo o ser humano
em seu tempo livre, levando-o a repetir padrões de atividades, percepções, apreciações e
julgamentos. Desse modo, instaura-se a dominação cultural e ideológica com sua mola propulsora
alimentada pelo desejo de posse constantemente renovado através do progresso técnico e
científico, e sabiamente controlado pela indústria cultural.
Nesse sentido o universo da indústria cultural estrutura-se como um conjunto de
valores hermeticamente fechados, que têm um só princípio: o lucro material e o controle ideológico.
Nele, todas as tentativas de liberação criadora e autônoma que não estejam a serviço dos interesses
do lucro pretendido pelo capital econômico são condenadas ao fracasso.
É preciso desconfiar da cultura mercantilizada, deixando de lhe atribuir valor
inquestionável; ela é um ingrediente fundamental da dominação por sua função afirmativa, nos
termos da constituição de uma formação social ancorada no processo de reprodução da sociedade
capitalista.
Confirma-se a suspeita de que num mundo onde a negação da formação cultural e
a privação da consciência afastam das massas a experiência da formação espiritual, humana e
cultural amplas, não se tratando somente dos conteúdos ideológicos específicos, como
assegurando a existência de algo que possa preencher a lacuna da consciência expropriada,
desviando a atenção em relação ao embrutecimento de sua força e percepção criadoras, logo de
sua autonomia.
A cultura industrial ocupa-se da essência das manifestações subjetivas do espírito
objetivo, e dos limites da apreciação e julgamento das atividades da esfera cultural da vida privada,
cotidiana e comunitária.
2 - O LÚDICO E AS LINGUAGENS ARTÍSTICAS NA FORMAÇÃO DOCENTE
GIROUX (1986, 1997, 1999, 2003), entre outros educadores, propõe a teoria crítica
para compreender a educação e a pedagogia como formas de política cultural, articulando a
problemática das relações de etnia, gênero e poder na produção e legitimação de significados e
experiências pessoais e coletivas. Segundo ele, são necessárias bases teóricas aos professores
e estudantes para que organizem a natureza do trabalho docente e discente de maneira crítica e
potencialmente transformadora.
São urgentes pois, alternativas que proporcionem às pessoas momentos possíveis
de despreendimento do enrijecimento das relações estabelecidas na sociedade capitalista, as
quais v êm sabotando qualquer possibilidade de ócio e de lazer criativo (LAFARGUE, 2003) -
incontestáveis componentes do processo de elaboração emancipatória de homens e mulheres -
bem como do uso pleno de suas capacidades sensíveis e cognitivas.
Os mais remotos grupos humanos já assumiam a importância do lúdico e da
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capacidade expressiva em diversas linguagens, para o desenvolvimento integral do ser humano.
Aristóteles ao refletir acerca das dimensões humanas, classificou-as em: a que
conhece, aprende e ensina - o homo sapiens; a que produz e concretiza materialmente as
necessidades humanas, o homo faber; e a que brinca, joga, cria – o homo ludens; não preconizando
qualquer hierarquização entre tais dimensões. Todavia, hierarquização que a educação formal
instituída pelos espaços escolares tratou de estabelecer e continuamente justificar sua necessidade,
visando atender interesses de instâncias sócio-culturais dominantes, independente da época
histórica.
Reportando-nos a estudos de Tomás de Aquino (LAUAND,2002), encontraremos o
lúdico referente ao adulto, ressaltando sua importância a partir de concepções que o consideram
virtude moral propiciadora de repouso para a alma, assim como de descanso e revigoramento
para o corpo.
Algumas das teorias sobre a função biológica do lúdico o situam na condição de
vazão da energia acumulada. Outras o vêem como um impulso inato que objetiva o exercício de
uma faculdade, ou como o desejo de dominar ou competir. Todas as hipóteses partem do
pressuposto comum de que o lúdico está ligado a algo que não é próprio do jogo, e que ele,
certamente, retém uma finalidade biológica. Entretanto as teorias não dizem o que realmente há
de divertido no jogo. “O divertimento do jogo resiste a toda análise e interpretação lógica” (HUIZINGA,
1996, p. 5).
No intuito de compreender a importância do lúdico na formação inicial e permanente
de professores, faz-se mister, neste momento, explorar a relação entre lúdico e cultura.
HUIZINGA (1996) aproxima-se de Aristóteles ao enquadrar o homem dentro de uma
análise diferenciada: a da sub specie ludi. O autor crê que sucedendo o homo faber e, à mesma
altura de homo sapiens, a denominação homo ludens merece destaque terminológico, porque o
lúdico dá ornamento à vida, sendo tanto uma necessidade para o indivíduo, como função vital,
quanto para a sociedade, devido ao significado que tem o seu potencial expressivo, as suas
associações sociais e espirituais. Em síntese, sua função cultural. Cultura em curso onde tudo é
movimento, mudança, alternância, associação, separação, incorporação, transformação. Articula-
se à sua limitação no tempo, e à sua fixação imediata como fenômeno cultural, sendo que, após
o término do jogo (ou atividade lúdica), continua a aparecer como uma criação nova do espírito,
fonte a ser conservado pela memória, sendo passado adiante,podendo ser revisitado tornando-se
tradição ao ser repetido em outros contextos, re-significando-se. O lúdico, então, constitui o
banco de dados de imagens culturais construídas nos momentos de interação do humano com o
universal. São imagens fundamentais para instrumentalizar o homem à construção e socialização
do conhecimento.
O educador, portanto, precisa desenvolver a capacidade de observação e
interpretação permanente, pois estas constituem habilidades fundamentais para conhecer seus
educandos, identificar suas necessidades, desvendar seus interesses a fim de oferecer-lhes
condições e situações educativas promotoras da realização do estudante, encaminhando-o
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para sua formação pessoal intelectual, social, cultural e política. Deverá ser o organizador do
ambiente, explorador de situações a serviço da criança, do adolescente, do jovem, do adulto, da
sua experiência, de sua aprendizagem de vida; supervisionando, arbitrando, questionando
informações para que o sujeito possa realizar a auto-aprendizagem de sua formação cultural
contínua.
Neste contexto, uma característica indispensável ao professor é o crédito no potencial
de realização do educando, o respeito pelo seu tempo, pelo seu ritmo de crescimento, de realização
e amadurecimento. Assim sendo, o estudante, seja criança, adolescente ou adulto, chega à
autonomia possível, encontrando respaldo no auxílio orientador do professor.
Ensinar arte significa articular três campos conceituais: a criação-produção, a
percepção-análise e o conhecimento da produção artístico-estética da humanidade,
compreendendo-a histórica e culturalmente.
Por esse viés, a arte é importante na escola, principalmente porque é importante
fora dela. Por ser um conhecimento construído pelo homem através dos tempos, a arte é
um patrimônio cultural da humanidade e todo ser humano tem direito ao acesso a esse saber, sua
produção e seus produtos. Daí a necessidade emergencial dos processos de formação inicial e
continuada de educadores do ensino fundamental apontarem para essa direção.
A não-conquista da felicidade por meio de ideais exclusivamente materialistas e
massificantes, prometidos pelos subterfúgios da indústria cultural (ADORNO; HORKHEIMER,
1985) enfatizando os benefícios do consumo infinito de bens escartáveis, cumulativos e, com o
tempo percebidos como aniquiladores da espritualidade e capacidade criativa e, logo, regogizante,
do ser humano, vem desvelando a cada um e às comunidades o esvaziamento das práticas
humanas centradas na emoção e no prazer, indicando a urgência em reabilitar as dimensões
física, intelectual, afetiva como essenciais no estabelecimento de vínculos sociais positivos.
A pedagogia crítica, de pressupostos emancipatórios, libertadores e políticos,
compreende a educação como lugar e tempo habilitadores dos estudantes à vida em uma
sociedade democrática. No sentido que ensina GIROUX (1986, 1997,1999, 2003), os estudantes
devem ser estimulados a desenvolver o intelecto e a imaginação para desafiar as forças sociais,
políticas e econômicas que são também elementos configuradores de suas vidas e comunidades,
refletindo uma sociedade capaz de elaborar respostas às necessidades humanas básicas de
todos, e não somente da ganância e individualismo de uns poucos privilegiados.
Para isso a ação pedagógica deve desafiar educandos e educadores a sentir e
pensar criticamente, justapondo diferentes perspectivas do mundo a idéias de verdade
secularmente instituídas e imbricadas em nossa formação intelectual, moral, ética, política, estética
e religiosa.
O desenvolvimento do pensamento crítico permite aos estudantes a apropriação
de suas histórias, indagando suas próprias biografias e sistemas de significados para conhecer
as forças em ação de suas vidas, entre as quais encontram-se as forças das linguagens, dentre
estas, a linguagem das artes visuais, como parte do universo simbólico compartilhado. A estes
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estudantes deve ser proposta a atuação coletiva visando construir estruturas políticas
comprometedoras do status quo burguês.
Nesta perspectiva, a pedagogia crítica, e suas vertentes, apresentam-se como um
caminho possível para o engajamento na luta por uma sociedade mais justa e inclusiva.
Esta abordagem pedagógica propicia ao estudante a uma visão crítica e totalizante
da realidade, evitando que este estreite-se nas visões parciais da realidade, visões focalistas e
unilaterais da história dos povos e das comunidades, e assegurando lhe possibilidades de
compreensão da vida em sua complexidade.
No ambiente até aqui configurado, concebemos o ato de educar situado no cotidiano
concreto dos diálogos entre a cultura acadêmica e a cultura do povo, entre os saberes formais e
os saberes informais, em uma horizontalidade atingida no âmago do processo educativo, alcançada
ao destituirmo-nos de preconceitos em relação aos assuntos que desejamos conhecer, em torno
do qual sentimos curiosidade, vontade de investigar.
Assuntos estes, não somente os objetos da pesquisa. Para nós, educadores-
pesquisadores, também o modo pelo qual conhecemos tais objetos e os motivos pelos quais
somos levados a fazê-lo. Pesquisa como epistemologia da educação, desvelando o ato de educar,
no ato de educar(-se).
3 - NOSSOS PASSOS NA PESQUISA
Esta pesquisa, ainda em andamento, desenvolvida desde 2004, junto ao núcleo de
Ensio de Marília, do qual este artigo é um dos resultados, teve por objetivo investigar, qualitativa e
criticamente como as linguagens lúdica e artístico-visuais do cotidiano de professoras estudantes
de educação básica podem ser re-significados em sala de aula, envolvendo a cultura popular, a
cultura erudita e a indústria cultural; e sedimentou-se sobre os quatro pontos abaixo relacionados:
1 - Estudo do lúdico vinculado às manifestações artístico-visuais, visando discussões
apoiadas na produção teórica disponível sobre o assunto.
2 –Realização de oficinas e mini-cursos, com temas pontuais, dentre os quais,
destacamos: as concepções do lúdico-entretenimento e sua problematização; o lúdico e a estética
visual cotidiana; a relação entre o lúdico nas produções visuais eruditas e o lúdico na imagética
doméstica das residências, escolas e espaços artístico-culturais da comunidade escolar.
3 – Exibições e discussões periódicas de filmes, artísticamente elaborados e
conseqüente análise da linguagem lúdico-visual apresentada por estas obras fílmicas.
4 – Organização, como meta do grupo, das viagens de estudo a espaços artístico-
culturais de São Paulo propondo a familiarização com o universo das artes visuais e sua ludicidade,
de modo a permitir-lhes estar em lugares instituídos de cultura artística e poder explorá-los,
livremente, com autonomia, a partir de focos de interesse pessoais e, ainda, dialogando com
companheiros de jornada acadêmica, das quais emergem laços marcantes das vidas vividas de
cada um, e atualizando in loco, o que o discurso acadêmico lhes havia propiciado, aguça
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curiosidades e desmitifica erudições elitizadas e mercantilizadas pelos sistemas oficiais da arte e
da cultura.
Neste cenário, trabalhamos, numa pesquisa de perspectiva crítica e etnográfica
(ANDRÉ, 1995; GEERTZ, 1989) em questões como a importância da auto-reflexão, o resgate da
formação cultural (ADORNO, 1995) como pressuposto pedagógico emancipatório crítico,
compreensão do passado como esclarecimento a fim de, através, especialmente da educação,
do lúdico e da arte, decifrar os sinais dos tempos como tentativa de respostas para o presente e
o papel da escola como desbarbarização da sociedade buscando integrar as concepções de arte
oriundas da cultura doméstica, à cultura erudita e à indústria cultural, as quais, igualmente,
permeiam nosso cotidiano.
Considerando o referencial teórico crítico adotado, com ênfase para a função da
linguagem na formação cultural e conseqüente narratividade dos discursos lúdicos e artísticos e
de construção de identidade das professoras, acadêmicos e estudantes, sujeitos da pesquisa,
atingimos cerca de cento e cinqüenta acadêmicos de Pedagogia, cem professores de educação
básica, e oitocentos estudantes de escolas da rede pública de Marília e região, na busca dos
saberes locais em arte e no contato com a epistemologia dos saberes lúdicos -artísticos
apregoados pela cultura oficial, por meio, também, de práticas artístico-visuais.
Deste modo articulamos cultura-ludicidade-arte no contexto vivenciado pelos
acadêmicos e professores, ocorrido antes e depois das viagens culturais a São Paulo, ressaltando
seus pontos convergentes e impulsionadores de novos constructos de aproximação entre cultura
popular - cultura erudita - cultura de massa.
4 - NOSSAS CONSIDERAÇÕES DURANTE ESTA TRAJETÓRIA
Vivemos e contribuimos para um mundo focado na produtividade e na
competitividade onde não se pode parar para pensar ou deleitar-se, sendo preciso compulsivamente
produzir e gerar capital.
A escola que deveria, respeitando e dialogando com a memória da nossa cultura,
educar com o intuito de formar cidadãos autônomos, críticos e reflexivos, acaba contribuindo para
o consolidação de uma sociedade alienada, formando sujeitos conformados apenas à sobrevivência
material, reprimindo assim sua formação cultural.
Os lugares de formação cultural na universidade e sua sisudez imobilizam tanto
professores quanto acadêmicos, refletindo-se no professor de educação básica e, por
conseqüência, na criança-estudante, sobretudo da escola pública.
Como conseqüência à acelerada e insaciável busca por um espaço na sociedade
capitalista, o lúdico - tão presente em nossas infâncias – vai-se perdendo no transcorrer de nossas
vidas e quando percebemos já nem nos lembramos mais como brincávamos e nos divertíamos.
E é nesta que perspectiva que acreditamos ser extremamente necessários estudos que visam
resgatar e articular à pratica educativa o histórico lúdico-cultural, bem como o seu lugar na vida do
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ser humano desde a infância.
Neste estudo a semente da pesquisa alimentou-se da vontade de conhecer e
construir pelo olhar, mediados pelas artes visuais e suas interfaces, de cujas linguagens todos
temos direito de apropriar-nos criativamente, re-significando-as e com elas construindo saberes
e caminhos de aprendizagem, deixando nossa marca e contribuição nos territórios por nós
freqüentados.
Se propomos práticas educativas críticas e emancipatórias, temos de submeter
os conteúdos estudados no dia-a-dia da sala de aula a ritmos permeados pela crítica, porém
respeitando e buscando sempre a poética e a ludicidade que pode estar neles contida, pois no
processo pedagógico devemos recorrer à narrativa, reunindo todas as linguagens, interdisciplinares,
para acessar esses fragmentos de memória a fim de reconstituí-los e problematizar seus próprios
mecanismos de fragmentação. Processo pelo qual tem de passar, integralmente, o professor,
sendo um caminho possível para o fortalecimento da luta contra a barbárie e a desumanização de
seres humanos - professores ou estudantes (BARON, 2004).
Dessa maneira, procuramos internalizar e difundir a idéia de que todos,
independentemente da classe social, necessitamos de momentos lúdicos, bem como do acesso
à cultura e à arte, que além de contribuir para o desenvolvimento de cada ser humano,
especialmente para sua formação cultural, contribui também para a formação de uma sociedade
menos competitiva e mais solidária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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ANDRÉ, M. Etnografia da prática escolar.Campinas, SP: Papirus, 1995.
BARBOSA, A. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.
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GIROUX, H. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação. PortoAlegre: Artes Médicas Sul, 1999.
GIROUX, H. Atos impuros: a prática política dos estudos culturais.Porto Alegre: Artmed, 2003.
HERNANDEZ, F. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: ArtesMédicas, 2000.
HUINZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva,1996.
LAFARGUE, P. O direito à preguiça. São Paulo: Editora Claridade, 2003.
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PUCCI, B. (org.) Teoria crítica e educação: a questão da formação na Escola de Frankfurt. Petrópolis,RJ: Vozes; São Paulo: EDUFSCAR, 1994.
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INTRODUÇÃO
Considerando-se a fragmentação crescente dos conhecimentos especializados,
justifica-se cada vez mais que o problema da educação geral, como instrumento de preservação
da herança cultural do Ocidente, de integração dos conhecimentos, de desenvolvimento de
habilidades intelectuais e de diálogo entre a cultura científica e a cultura humanista, seja enfrentado
pela universidade a fim de superar os problemas da perda de raízes culturais, da falta de religação
dos saberes, da incapacidade de pensar e se comunicar com lógica e clareza, do “barbarismo”
das especializações (Ortega y Gasset, 1982) e da incapacidade de diálogo entre os diversos
saberes da universidade.
Neste texto, discutimos o diálogo necessário e possível entre a cultura científica e a
cultura humanista, segundo os olhares de C.P. Snow, Michael Polanyi, Jacob Bronowski e James
Conant. Tal diálogo será necessário não somente entre os estudantes que tendem a estudar
apenas nos guetos de suas faculdades e a conviver no estreito círculo de suas “turmas”, mas
também entre os pesquisadores da universidade que também se enclausuram em suas unidades
acadêmicas. Tal diálogo será possivelmente facilitado pela experiência comum de educação geral
iniciada na escola básica e prolongada até o pós-doutorado, como tem experimentado a
Universidade de Columbia, a partir dos anos setenta.
A QUESTÃO DAS DUAS CULTURAS SEGUNDO C.P. SNOW
Tratar do tema das duas culturas (cultura científica e cultura das humanidades)
implica em conseqüência indagar também sobre os possíveis caminhos de superação deste
dilema propostos e experimentados ao longo do século XX. Isso se deu especialmente mediante
o debate periódico e a adoção renovada de alguma forma de educação geral nos cursos de
graduação, destacadamente em Colleges e universidades norte-americanas. Discussão e prática
recorrente em tais universidades, o tema da educação geral tem ampla pertinência para o contexto
das universidades brasileiras que vivem problemas semelhantes às suas congêneres norte-
americanas mas até o presente não o confrontaram com a devida profundidade acadêmica, nem
buscaram caminhos criativos para sua superação.
A questão do confronto das duas culturas surgiu já no século XIX na Inglaterra
EDUCAÇÃO GERAL NA UNIVERSIDADE COMOINSTRUMENTO
DE DIÁLOGO DE CULTURAS
FILHO, José Camilo dos Santos (UnOeste)
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vitoriana quando escritores, como Arnold, defendiam que se deveria acrescentar um suplemento
de alma à formação científica da elite pela cultura literária e cientistas, como Huxley, pensavam ao
contrário que a cultura científica seria capaz por ela mesma de formar o especialista com a
capacidade de alargar seu olhar para a solidariedade de todos os conhecimentos. Esta controvérsia
se repetiu nos anos 50-60 entre C. P. Snow e F. R. Leavis. Em 1959 Snow (1969) fez uma
palestra na Universidade de Cambridge e depois a publicou em forma de livro com o título: As
duas culturas e a revolução científica”. Uma versão expandida desta obra foi publicada em 1964
recebendo o título: As duas culturas e um segundo olhar. Enquanto Snow sublinhou que é a cultura
científica que reunificava os homens e a cultura literária, multiplicando as sensibilidades e as
tradições, tendia antes a dividi-los, Leavis (1962) retomou a concepção de cultura geral segundo
a tradição inglesa para insistir sobre as virtudes sinópticas das humanidades.
Na primeira metade de seu livro Snow tratou de alguns assuntos que podem ser
chamados de cultura dos cientistas versus cultura dos intelectuais literatos. Esse é primeiro
confronto feito por Snow que era cientista e escritor. Ele sentiu e constatou que os cientistas das
ciências da natureza e os literatos, os chamados humanistas, na própria Universidade onde
trabalhavam, eram dois mundos, dois universos, duas culturas que já não se comunicavam e não
se entendiam.
Snow observou que fez até uma pesquisa entre os cientistas, questionando-os se
haviam lido Shakespeare ou algum outro autor importante da literatura e constatou que os cientistas
seus contemporâneos já não conheciam nada ou quase nada de literatura, podendo-se dizer que
eram ignorantes em literatura e não tinham capacidade de se comunicar, de trocar idéias com os
seus colegas da universidade, que lecionavam grego, latim e literaturas modernas. Da mesma
forma indagou se os colegas da área das humanidades conheciam a lei da termodinâmica e
constatou também que os literatos e os escritores ignoravam, quase totalmente, esta questão.
Daí a razão, porque disse que as duas culturas não se comunicavam, ignoravam-se mutuamente
e, com isso se tinha uma perda significativa. Isso indicava que os cientistas da natureza já não
entendiam mais de literatura, das artes e das humanidades, ou seja, da própria cultura ocidental.
Da mesma forma, os literatos modernos do século XX também não compreendiam quase nada
da cultura científica que já estava permeando toda a vida da sociedade moderna, o que também
manifestava grande ignorância. Em suma, Snow constatou que as duas culturas se ignoravam,
se desconheciam e não mais se comunicavam, com perdas para ambos os lados.
Na segunda edição do livro publicada em 1964 e em resposta às críticas, Snow
falou de um segundo olhar onde salientou alguns pontos que merecem destaque e continuou
defendendo a tese do vazio de cultura comum entre os representantes da cultura científica e os
da cultura humanista. A falta dessa cultura comum inviabilizava a comunicação entre os dois
blocos. O bloco de cultura comum que permitiria o diálogo, a compreensão, a troca entre as
várias sub-culturas acadêmicas e mesmo entre diferentes culturas dentro de uma sociedade
seria constituído pelo que os norte-americanos chamavam de educação geral que é um importante
componente curricular dos cursos de graduação em seus Colleges e universidades.
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No entanto, no contexto norte-americano, os defensores da educação geral, a partir
dos anos 60, tenderam a se afirmar herdeiros de Arnold e se alinharam a Leavis na valorização
das letras como instrumento de educação geral, especialmente por duas razões. Por um lado, na
tradição de Arnold e Leavis, entenderam que para superar a lógica das especializações técnico-
científicas que isolam os homens, a cultura literária faz referência às experiências partilhadas da
comunidade humana. O último corretivo possível à fragmentação da racionalidade científica e à
especialização inerente às formações profissionais ou técnicas só poderá ser fornecido por
disciplinas que, como as letras, se endereçam ao ser humano como um todo, à sua sensibilidade
e à sua inteligência, à sua criatividade e à sua memória das grandes obras onde a humanidade
afirmou sua dignidade e unidade. Por outro lado, a formação especializada nas disciplinas técnico-
científicas tende a não incluir a dimensão da reflexão crítica sem a qual a tecnologia mais avançada
pode degenerar facilmente em tecnocracia e a gestão mais eficaz em burocratização. Tanto a
universidade como seus cientistas e os futuros profissionais por ela formados precisam informar
sua atividade com uma postura crítica e não alienada dentro da sociedade onde vivem e trabalham.
Espera-se que a educação geral iniciada na escola básica continue na universidade e ao longo da
vida das pessoas para assegurar a formação humana necessária à compreensão de sua
identidade fundamental, de sua sociedade e da sociedade planetária.
Um segundo ponto destacado por Snow é a resposta à crítica a seu conceito de
cultura. Alguns críticos afirmavam que talvez fosse mais adequado ter falado de duas sub-culturas
- a sub-cultura científica, própria dos cientistas da natureza e a sub-cultura humanista, típica dos
literatos. Acrescentavam também que havia mais de duas subculturas, pois se podia falar
igualmente de sub-cultura dos cientistas sociais e sub-cultura dos filósofos, mas não propriamente
de cultura. Para responder à crítica, Snow apresentou dois conceitos de cultura, para justificar
que continuava mantendo sua terminologia neste segundo olhar sobre a questão das duas culturas.
Segundo o primeiro conceito, pode-se entender por cultura como qualidades e habilidades
intelectuais comuns a todos os homens, ou seja, características comuns à humanidade. Nesse
sentido, pode-se falar em cultura científica e cultura das humanidades. Em sua segunda acepção
de cultura, Snow a define como grupo de pessoas que vivem no mesmo ambiente ligadas por
hábitos, pressuposições e modos de vida comuns (cientistas e literatos). Os cientistas da natureza
tinham uma formação e uma vivência relativamente comuns, o que os levaria a acreditar que
detêm uma autêntica cultura, isto é, modos de pensar, pesquisar, comunicar-se e pressuposições
semelhantes sobre a natureza. Eles têm características comuns que os identificam como grupo
e que possibilitam a comunicação entre seus membros. O mesmo ocorreria com os da área das
humanidades que também teriam um conjunto de modos de ver, pensar e escrever semelhantes
e que, de certo modo, os identificariam como um grande grupo, uma cultura, no sentido
antropológico.
Apesar de manter seu conceito de cultura, Snow concordou que faria mais sentido
ter falado de sub-culturas dos físicos, dos químicos, dos cientistas sociais, dos literatos. No entanto,
afirmou que manteria a idéia das duas culturas, porque elas, na verdade, caracterizavam dois
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grandes blocos de pesquisadores ou cientistas - aqueles das ciências da natureza e aqueles das
humanidades - que no fundo não se identificavam. Embora alguns tivessem considerado exagero
ter falado de dois grupos de ignorantes incomunicáveis, achou que na Inglaterra seu diagnóstico
era verdadeiro. No entanto, constatou que nos Estados Unidos havia diálogo entre as duas culturas
e que a distância entre elas não era tão radical quanto em seu país. Até mesmo instituições
famosas que não eram universidades, como o MIT e o CalTech, apresentavam um forte
componente de humanidades, de ciências humanas e de filosofia como parte do currículo de
formação de cientistas da natureza e de engenheiros. Seus estudantes confrontavam as grandes
questões dessas áreas com mestres renomados, como Chomsky e Bronowski. Grandes nomes
da filosofia e das ciências humanas foram contratados por essas instituições. Em diversas obras
Bronowski (1965; 1973; Bronowski e Mazlisch,1988) retratou esse grande diálogo entre as ciências
da natureza e as ciências sociais e humanas no desenvolvimento da cultura ocidental.
Nas Universidades e Colleges norte-americanos esse diálogo é ainda mais freqüente,
pois já existe uma tradição razoavelmente mais longa de busca de interação e integração dessas
duas culturas, mediante a manutenção do College de artes liberais tanto na forma de instituição
separada da universidade como na forma de seu componente de graduação, a ser cursado
preliminarmente ao de pós-graduação, concebido este segundo o modelo da universidade alemã
e aquele segundo a tradição do College inglês. O currículo dos cursos de graduação não é
propriamente especializado ou profissionalizante, mas centrado nas ciências e nas letras, tendo
o aluno que escolher um major ou uma pequena especialização acadêmica ou profissional que
em geral é precedida por um ciclo de educação geral. Essa tem sido a tradição cultural dos
cursos de graduação norte-americanos em parte herdada da Inglaterra desde os tempos coloniais.
No Brasil, prevaleceu a tradição da universidade profissionalizante francesa, de
inspiração napoleônica, onde não havia lugar para a formação cultural que foi relegada apenas
para o ensino médio. Na reforma universitária dos anos sessenta, foi introduzido o primeiro ciclo
de estudos gerais e básicos com relativo sucesso tanto no Brasil como em alguns países da
América Latina. No entanto, o problema do diálogo entre as duas culturas, entre a especialização
acadêmica ou profissional e a formação cultural geral até hoje ainda não foi tratado pela universidade
brasileira com a mesma profundidade e urgência como ocorreu em certos países desenvolvidos.
O diálogo mais denso entre as duas culturas só será possível com a superação do fosso que
separa as áreas de conhecimento da universidade e que ainda tende a ser agravado com a não
integração físico-espacial do campus universitário e com o estímulo à formação de guetos
acadêmicos nos cursos e à convivência social apenas entre os estudantes de cada curso.
AS DUAS CULTURAS SEGUNDO MICHAEL POLANYI
Ainda em 1959, logo após a publicação de Snow sobre o problema das duas culturas,
Michael Polanyi (1969) escreveu um artigo que também chamou de The two cultures (as duas
culturas) para fazer uma crítica à visão de Snow e aprofundar o debate sobre o tema. Por exemplo,
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ele registrou o conflito entre a cultura científica identificada como racionalismo científico e as
outras culturas - cultura filosófica, cultura estética, cultura humanista, cultura das ciências humanas.
Na realidade, o conflito entre essas culturas era maior do que o apontado por Snow. Polanyi
constatou que a cultura científica era hegemônica no mundo moderno, diante das demais culturas.
A cultura religiosa ficou marginalizada, a cultura filosófica - hegemônica por tantos séculos - perdeu
sua hegemonia e outras culturas (como a humanista) passaram a ser pouco relevantes na
sociedade moderna. Reconhecido era o cientista das ciências duras, o prêmio Nobel de Física,
de Química, de Biologia e não os das demais culturas. Em conseqüência, passou-se a considerar
a ciência como a única cultura com autoridade para assegurar a veracidade do conhecimento
humano moderno, pois as outras culturas perderam sua autoridade histórica. O primeiro
Wittgenstein chegou a afirmar que a Metafísica, a Religião e a Psicanálise eram vazias de significado
e não tinham conteúdo porque não podiam ser verificáveis ou comprováveis empiricamente.
A ciência adotou essa postura arrogante diante das demais formas de conhecimento,
mas por pouco tempo. O segundo Wittgenstein, após sua autocrítica, passou a defender que não
é legítimo medir as outras formas de conhecimento com o padrão e o método da ciência, pois
cada uma tem sua forma, sua linguagem, seus métodos e seus critérios de certeza e de verdade.
Depois dessa autocrítica epistemológica, a ciência passou a reconhecer-se mais modesta e
menos pretensiosa e a afirmar que seus critérios de validação do conhecimento são específicos
dela e outras formas de conhecimento não podem ser questionadas ou avaliadas por seus
padrões.
Outro ponto que Michael Polanyi (1969) destacou é que a ciência moderna se
multiplicou, se fragmentou e se especializou. Ele constatou que há falta diálogo não só entre os
cientistas da natureza e os intelectuais das humanidades, mas também entre os próprios cientistas
da natureza. Tanto se multiplicou, se fragmentou e cresceu o conhecimento que um físico teórico
já não é capaz de dialogar com um físico de partículas, um biólogo de uma área já não dialoga
com outro biólogo de outra área, um químico orgânico não dialoga com o bioquímico e assim por
diante. A falta de diálogo e a ignorância não ocorrem apenas entre diferentes áreas do
conhecimento, mas até mesmo entre os cientistas e humanistas dentro de suas próprias áreas
de conhecimento. No entanto, para resolver esse problema o caminho não é abolir a especialização
científica ou literária, pois cabe reconhecer que ela levou a grande multiplicação do conhecimento
humano e por isso precisa ser mantida. Apesar disso, torna-se necessário buscar formas de
interação e diálogo que sejam possíveis e conseguir a harmonia sobre o conjunto de conhecimentos.
Polanyi não disse como isso poderia ser feito, mas o caminho seria buscar a interação e integração
dos conhecimentos que se multiplicaram exponencialmente. As especializações continuam cre-
scendo e se multiplicando e se torna necessário buscar caminhos para que os cientistas interajam
e busquem a integração. Segue-se atualmente o caminho que Michael Polanyi já propunha em
1959, que teoricamente dizia que se deve fazer isso mas sem perder a especialização.
Polanyi coloca ainda o problema da explicação naturalística da moralidade pela
ciência moderna. A ciência, na sua fase hegemônica e arrogante diante das demais ciências,
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passou a querer dar uma explicação até à própria questão da ética e da moralidade. Ou seja,
pelos seus padrões, não seria a religião, nem a filosofia, mas o costume, a cultura do grupo que
definiria os comportamentos das pessoas. Era a ciência querendo explicar tudo, a partir do seu
modo de ver. Em última análise, a ciência, com seu olhar hegemônico, estava tendo de certo
modo um olhar obscurantista, porque estava querendo com seu modo de fazer ciência, explicar
tudo e em conseqüência, abolir a questão da consciência, que não é observável, o problema dos
valores, que não são quantificáveis, enfim tudo que não é observável, nem mensurável. No fundo,
por tempo considerável prevaleceu o obscurantismo científico (negação das demais formas de
conhecimento e justificativa, ou seja, negação do que não conseguia explicar a não ser por seus
critérios). Polanyi acredita que esta postura levou, no contexto do século XX, ao ceticismo moral,
ao niilismo moderno e até à redução das aspirações utópicas da humanidade. O capitalismo
passou a sonhar mais modestamente e o comunismo da União Soviética não tardou em ser mais
modesto em suas utopias e sonhos e em reprimir as tentativas de revisionismo, considerando-as
utopias fora da realidade, por não serem mensuráveis, nem quantificáveis, e por isso não
justificáveis.
AS DUAS CULTURAS SEGUNDO JACOB BRONOWSKI
Antes de Snow e Polanyi terem falado e escrito sobre as duas culturas, Jacob
Bronowoski publicou um livro em 1956, intitulado Science and Human Values, no qual tratou da
aproximação entre a ciência e as artes. Segundo Bronowski (1965), há uma semelhança entre os
atos criativos da mente na arte e na ciência. Embora os universos do artista e do cientista sejam
tão diferentes, os dois são muito semelhantes no processo criativo. Tanto o literato como poeta,
como o artista, possuem uma imaginação criativa. Eles criam com sua mente, com sua imaginação.
Também o cientista usa sua imaginação criativa para elucubrar sua teoria, mesmo antes de
experimentá-la ou verificá–la empiricamente. Ou seja, tanto o literato como o cientista usa a
imaginação para criar, seja um poema ou romance, seja uma teoria, sendo comum o ato criativo
de ambos. Dizem os biógrafos de Einstein que ele afirmou que, antes de conceber a teoria da
relatividade, a imaginou e a sonhou. Portanto, isso mostra que o primeiro ato de descoberta científica
foi a imaginação e só depois interveio um ato racional, matemático, lógico para fundamentá-la ou
comprová-la. Então, os dois têm um lado comum que não pode ser ignorado e, portanto, não se
pode dizer que possuem universos incomunicáveis ou incompatíveis. São dois focos que
Bronowski explicita, mostrando a especificidade da ciência que mediante o método empírico precisa
submeter sua criação teórica ao teste dos fatos. Em sua análise, ele confere destaque especial
ao dilema das duas culturas que sob um aspecto se aproximam e sob outro, se distanciam.
Bronowski (1965) expressou essa percepção de modo pertinente:
A ciência, como a arte, não é uma cópia da natureza mas uma re-criação dela. Nós re-fazemos a natureza através do ato de descoberta,no poema ou no teorema. E o grande poema e o teorema profundo são
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novos para cada leitor, e ainda são suas próprias experiências porqueele mesmo os re-cria (p. 20).
No entanto, há também diferença entre o artista e o cientista, como bem lembra
Bronowski (1965):
O artista, em sua criação, seguramente tem aberta a ele adimensão da liberdade que está fechada ao cientista... o cientista nãosimplesmente registra os fatos, mas conforma-se aos fatos. A sançãoda verdade é uma fronteira exata que o enclausura de uma maneiraque não ocorre com o poeta ou o pintor (p. 28).
No prefácio à edição revista desse mesmo livro, Bronowski (1965) faz uma referência
explícita ao livro de Snow sobre as duas culturas para afirmar que a ciência e as artes são partes
integrantes da cultura atual. O autor conclui essa nova edição com um novo diálogo, por ele
chamado “O ábaco e a rosa: Um novo diálogo sobre dois sistemas de mundo”, numa referência
explícita ao famoso diálogo publicado por Galileu em 1632, chamado Diálogo sobre os grandes
sistemas de mundo” e mantido no Índice dos Livros Proibidos por duzentos anos.
Bronowski imaginou um diálogo entre três personagens: Sir Edward St Ablish que
representava o Establishment inglês, o Dr. Amos Harping, representante do literato erudito e o
Prof. Lionel Potts, representante da ciência. O diálogo entre os três se desenrola a partir da pergunta
sobre se o por-do-sol é belo e desemboca na posição do literato a defender que proposições
sobre a natureza são apenas descritivas, são proposições de fato, o que seria feito pelos cientistas.
Já o cientista defendeu que a ciência sobre a natureza não é meramente descritiva, mas envolve
também julgamento, interpretação, ato criativo.
O ato de descrição da natureza pelo cientista é na verdade uma criação, uma
visão, do mesmo modo que a visão de Shakespeare da condição humana. O Prof. Potts
argumentou que o cientista, como o pintor, o romancista, o músico ou poeta, é uma pessoa
criativa e visionária, pois somente pode criar quem tem visão. E o Prof. Potts dá razão a Blake que
afirmou: “O que agora é provado foi um dia apenas imaginado”. A ciência é uma cultura imaginativa
e por isso tem afinidade intrínseca com as artes e as humanidades e, em razão disso, ambas
culturas podem buscar o diálogo, a aproximação e a complementaridade na formação de futuros
cientistas, cientistas sociais, literatos e artistas.
O diálogo inventado por Bronowski visou mostrar como o literato e o cientista vêem
as coisas, no fundo como manifestam universos culturais, de valores, de pressuposições diferentes
que torna difícil chegarem a um acordo. Seu diálogo pretendeu ao mesmo tempo defender a tese
de que a ciência tem forte afinidade com as humanidades e com as artes pelo fato de compartilhar
com elas a dimensão criativa e imaginativa.
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OS DOIS MODOS DE PENSAR SEGUNDO JAMES CONANT
Em 1964, quando Snow e Polanyi já tinham escrito sobre as duas culturas, James
Conant (1968) publicou um pequeno livro chamado Dois modos de pensar. Conant, que leu
Michael Polanyi e provavelmente também Snow, era da área das ciências exatas e foi feito Reitor
da Universidade de Harvard. Por exigência do cargo, certamente teve de interagir com os
professores das ciências humanas e das humanidades e das demais áreas de conhecimento da
universidade e procurou estabelecer com eles um diálogo produtivo a fim de assegurar sua liderança
acadêmica interna. Nesse seu livro, Conant analisou as duas culturas sob um enfoque diferente
daquele dos autores citados anteriormente.
Conant falou de dois modos de pensar, de duas culturas que constatou no
desenvolvimento da ciência. Primeiro, apareceram os “cientistas práticos”, aqueles de fundo de
quintal que, aplicando a abordagem empírico-indutiva (empirismo) realizaram descobertas práticas
por experimentação e ensaio e erro. Conant ilustra este momento com o exemplo da descoberta
da gasolina capaz de operar com motores de alta compressão. Depois de testar mais de dois mil
elementos químicos na mistura com a gasolina, Midgely e sua equipe de pesquisa descobriram
um elemento químico barato que resolveu o problema da batida de pinos nos carros com motor a
compressão. Essa descoberta foi feita na base do empirismo e não teve nenhuma fundamentação
teórica segura para guiá-la. Simplesmente foi-se testando de A a Z os componentes químicos,
para descobrir aquele que colocado na gasolina resolvesse o problema.
Esse primeiro momento do desenvolvimento da ciência foi empírico, meramente
prático, pragmático e se baseou na intuição e no senso prático para resolver os problemas na
base do ensaio e erro. Não houve muita teoria para sustentar as hipóteses de solução do problema,
mas houve intuição, espírito prático. Esse primeiro momento foi marcado pela tradição filosófica
do empirismo, filosofia típica da cultura britânica.
O segundo modo de pensar, já há muito tempo conhecido da humanidade, é o
teórico-dedutivo, racionalista, típico da cultura clássica e da cultura cartesiana francesa moderna.
O modo teórico concebe idéias e, daí deduz inferências e chega a certas descobertas e
conclusões por dedução abstrata, sem experimentação nem validação empírica. O
desenvolvimento científico, até certo período, bem como os dois modos de pensar caminharam
em paralelo. Nesse período, seu desenvolvimento foi lento, mas posteriormente, as duas culturas
se juntaram dialeticamente e criaram o método científico moderno que representou a superação
dos dois modos isolados.
O método hipotético-dedutivo passou a ser adotado pelas ciências da natureza e
posteriormente pelas ciências humanas e sociais. Ao imitar o método das ciências da natureza,
tais ciências perderam seu elo histórico com o modo teórico de fazer ciência, ou seja, com um
método mais aproximado da Filosofia e da teorização abstrata. Só mais recentemente esse modo
teórico específico das ciências humanas veio se recuperando, especialmente a partir das pesquisas
etnográficas e antropológicas.
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As peculiaridades de olhares das duas culturas vêm revelar que há um gap entre
elas, real e constatado, e que ao longo da história da cultura ocidental foi, de algum modo percebido
e enfrentado, mas ficou exacerbado no mundo moderno quando as especializações se
multiplicaram e os pesquisadores, por limitação de tempo, tiveram que restringir sua formação
para dar conta de um campo mais limitado do conhecimento.
O caminho do diálogo entre esses dois modos de pensar passa pela senda da
educação geral que, historicamente no contexto das universidades medievais, era chamada de
educação liberal, ou seja, educação do homem livre. A educação geral que, no contexto das
universidades norte-americanas, já tem mais de um século, entre outros propósitos pretendeu
contribuir para o diálogo entre a cultura científica e a cultura humanista, tanto entre os universitários
como entre os cientistas. Como escreveu Morin (2001), a cultura científica e a cultura humanista
são duas polaridades complementares e não antagonistas. Para que seja possível o diálogo fecundo
entre elas, o processo educacional precisa possibilitar a todo estudante, cientista ou profissional
a experiência da educação geral.
PALAVRAS CONCLUSIVAS
A educação geral, sob a forma inicial de educação liberal, é parte da tradição da
universidade desde sua fundação na Idade Média. As sete artes liberais, ou seja, o triuvium e o
quadrivium eram o currículo da Faculdade de Artes, matriz histórica dos Colleges of Arts and
Sciences anglo-saxônicos, tradição incorporada à cultura brasileira no período colonial com os
colégios jesuítas que ainda nesta fase de sua história foram abolidos por Pombal e, no século XX,
com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, também desestimulada após a reforma universitária
de 1968 que a fragmentou em diversos centros dentro da nova estrutura universitária.
Supostamente a educação geral deveria ser oferecida nesses centros de estudos gerais e básicos.
No entanto, a tradição profissionalizante das faculdades isoladas e das faculdades profissionais
da universidade brasileira desfigurou a idéia do ciclo de estudos gerais e básicos e o transformou
em mero ciclo preparatório para o ciclo profissional, desvirtuando seus propósitos iniciais de
fornecer educação geral comum a todos os estudantes que ingressavam na universidade.
Enquanto o Licée (Liceu) no sistema educacional francês e o Gymnasium Ginásio),
no alemão, assumiram a antiga função da Faculdade de Artes da universidade medieval e, por
isso, suas universidades se limitaram a abranger as faculdades profissionais (no caso francês) e
as faculdades profissionais tradicionais e a Faculdade de Filosofia, (Ciências e Letras), como
escola pós-graduada da universidade (no caso alemão), no Brasil adotou-se o modelo francês de
universidade com suas faculdades profissionais sem se ter um ensino médio (colegial) de padrão
do Liceu francês ou do Ginásio alemão que davam uma sólida educação geral aos alunos. O
antigo colegial clássico ou científico era apenas arremedo precário do Liceu francês. Isso vem
apenas mostrar que a tradição brasileira de ensino médio atualmente corresponde só de maneira
precária aos ideais da antiga Faculdade de Artes e, o que é pior, sofre forte influência da
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fragmentação do conhecimento presente tanto nas antigas Faculdades de Filosofia, Ciências e
Letras como nos novos Centros de Estudos Básicos da atual universidade, em conseqüência
das normas de seleção para ingresso em cursos profissionais ou acadêmicos especializados,
logo na entrada na universidade.
Repensar a introdução da educação geral na universidade e no ensino médio, em
bases menos disciplinares que apenas reforçam a fragmentação e a especialização dos
conhecimentos, parece ser uma agenda importante de nova reforma da universidade e em
conseqüência também do ensino médio. A revalorização da educação geral na universidade
brasileira poderá contribuir para recuperar a tradição da universidade medieval de priorizar a
formação do homem antes ou pelo menos concomitante à formação do profissional ou do
especialista, a fim de assegurar uma formação, ao mesmo tempo ampla (pela educação geral) e
profunda (pela especialização acadêmica ou profissional), de todos os jovens que ingressam na
universidade, garantindo-lhes a oportunidade de acesso ao patrimônio cultural da humanidade, de
religação dos saberes, de desenvolvimento das habilidades intelectuais básicas e superiores e
de diálogo entre as diferentes culturas acadêmicas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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LEAVIS, F. R. (1962). Two cultures? The significance of C. P. Snow. London: Chattto &Windus.
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SNOW, C. P. (1969). The two cultures and a second look. Cambridge: Cambridge University Press.
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INTRODUÇÃO
Esta comunicação apresenta recorte de discussão desenvolvida para realização
de pesquisa de doutorado, que teve por tema o exercício docente nas primeiras séries do ensino
fundamental em escolas públicas, em dimensão sociológica. O objetivo aqui é discutir aspectos
das condições objetivas de trabalho dos professores, no que diz respeito a facetas das relações
estabelecidas pelos docentes com seus alunos, em decorrência do desenrolar da ação educativa
no interior da escola. A pesquisa foi realizada por meio de questionário respondido por 16
professores de primeira à quarta-série do ensino fundamental em escolas estaduais da cidade de
São Paulo.
As análises aqui realizadas partem de compreensão da escola como produtora de
cultura específica, de acordo com o conceito de cultura escolar formulado por Julia (2001). Partem
também da compreensão da prática docente expressa por Gimeno Sacristán (1999), para quem
essa prática está inserida na cultura escolar, em que a racionalidade individual é expressão de
determinantes mais amplos. O professor, ao se socializar para e no exercício da função docente,
encontra-se imerso na cultura escolar, suas regras e procedimentos, que dizem respeito à função
da escola em determinado contexto histórico e social.
A DESVALORIZAÇÃO SOCIAL DA DOCÊNCIA: CONDIÇÕES OBJETIVAS DE
TRABALHO DO PROFESSOR
A discussão sobre a questão do valor social atribuído à atividade docente permanece
atual e, como afirma Gimeno Sacristán (2002), a tendência que se verifica não é a de sua
valorização. Esteve (1995), ao tratar do que denomina mal-estar que se abate sobre os professores
no final do século XX, aponta fatores como o aumento das exigências em relação ao professor; a
inibição educativa de outros agentes institucionais (como a família); o desenvolvimento de fontes
de informação alternativas; a ruptura do consenso social sobre educação; a modificação do apoio
da sociedade ao sistema educativo; a desvalorização social do professor; alteração dos conteúdos
curriculares; escassez de recursos materiais; mudanças na relação professor/ aluno; fragmentação
do trabalho do professor. De fato, inúmeros fatores contribuem para explicitar o mal-estar que se
EXERCÍCIO DOCENTE E RELAÇÕES SOCIAIS:ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕESESTABELECIDAS ENTRE PROFESSORES E ALUNOS
NA ESCOLA
PENNA, Marieta Gouvêa de Oliveira (PUC-SP)
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abate sobre os docentes, que revelam e ao mesmo tempo provocam a não valorização social
dessa função.
Na atualidade, inúmeras pesquisas têm por objetivo compreender a desvalorização
do exercício docente. Cabe considerar, no entanto, que essa desvalorização é histórica, e se
apresenta par e passo ao processo de institucionalização da função1. Além de historicamente não
se constituir como função de prestígio social, os problemas enfrentados pelos professores se
acentuam na atualidade, especialmente os relacionados às péssimas condições de trabalho às
quais se encontram submetidos. Some-se a isso o fato de o professor enfrentar problemas com
relação ao reconhecimento de sua autoridade frente a pais e alunos, o que se expressa ao deixar
de ser referência na comunidade, além de ver aumentar questões referentes à disciplina na sala
de aula. O professor passou a ser alvo de críticas, vindas dos mais variados setores da sociedade.
Ao mesmo tempo em que o professor se percebe como desprestigiado socialmente, suas
condições concretas de trabalho são deterioradas. Em diferentes momentos da história da
educação no Brasil são apontadas reformas educacionais que favoreceram a fragilização do
trabalho docente (Najar, 1982; Pires, 1994; Weber, 2000, entre outros). Ser professor na escola
pública implica experiência desgastante devido à constante espoliação de suas condições
concretas de trabalho, relacionadas aos baixos salários; carência de recursos materiais; número
excessivo de alunos por classe; deficiências na formação inicial e continuada; sistema de ensino
burocrático e centralizador, entre outras. Essas pesquisas apontam a desvalorização social da
função docente como questão política, uma vez que investir em educação não é prioridade para
os governos, em que as precárias condições de trabalhos às quais os professores encontram-se
submetidos expressam descaso com a educação. Essas condições de trabalho acabam por
determinar a forma como esses profissionais se vêem e são vistos socialmente.
EXERCÍCIO DOCENTE E RELAÇÕES ESTABELECIDAS NO COTIDIANO
ESCOLAR
A desvalorização social do professor se destaca em pesquisas realizadas, e se
concretiza em seu exercício cotidiano, além de se expressar socialmente. Ao se discutir as
condições objetivas de trabalho dos professores, no entanto, há que se levar em consideração a
forma como o exercício dessa função se constitui em seu cotidiano, e como os professores
percebem as relações estabelecidas para sua efetivação. Em decorrência de especificidades
que lhe são intrínsecas, o exercício docente se constitui de determinadas formas, marcando os
que dele se ocupam em sua maneira de ser e se portar. A análise da dinâmica social relacionada
à docência é fundamental para a compreensão da função social da escola e da função de profes-
sor na atualidade. Para tanto, se faz necessário estabelecer discussão sobre o que socialmente
espera-se ver realizado na escola. Na atualidade, ainda que sob nova roupagem, mais individualista,
a freqüência à escola permanece associada à idéia de promoção da cidadania, em que a expansão
da escolarização e o acesso de todos à escola são considerados fundamentais no processo de
Dimensão cultural na formação de professores
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democratização da sociedade. A função social da escola se caracteriza, entre outras questões,
pela necessidade de promover a educação dos membros imaturos das novas gerações.
A ação docente, ao ter por centralidade o ato de ensinar elementos da cultura
considerados socialmente relevantes, responde por parcela da atividade educacional desenvolvida
sobre as novas gerações. Para Pimenta (2002), a docência, por ser histórica e dizer respeito ao
produto do trabalho de seres humanos atuando sobre outros seres humanos, deve responder aos
desafios e demandas apontados por diferentes contextos sociais e políticos. Segundo a autora, “a
educação retrata e reproduz a sociedade; mas projeta a sociedade que se quer. Por isso, vincula-
se profundamente ao processo civilizatório e humano” (p.38). A especificidade do trabalho docente
diz respeito às finalidades educativas presentes no discurso de preparar para a vida adulta e para
o acesso à cidadania. De seu exercício decorre, portanto, determinada forma de ser e agir expressa
no agente que o exerce, relacionada a essas expectativas, que são socialmente determinadas,
bem como à adequação de suas ações à realidade objetiva à qual está submetido. Essa
especificidade do exercício docente vai influenciar na constituição da visão de mundo dos
professores, em que a relação e contraste produzidos entre o docente e seus alunos, nas atividades
desenvolvidas na sala de aula, tornam-se fundamentais. O contato com alunos com o objetivo de
formá-los é o cerne das atividades do professor, contribuindo de forma decisiva para a imagem
que formula de si.
Além das questões acima destacadas, importa considerar as relações estabelecidas
na escola como expressão de cultura historicamente instituída, e relacionadas à forma escolar de
socialização. Nesse sentido, a relação estabelecida entre o professor e os alunos é perpassada
pela regra geral, impessoal, vinculada a normatização das práticas que ocorrem em seu interior
(Vincent, Lahire e Thin, 2001). De acordo com Julia (2001), as práticas e normas realizadas na
escola compõem a cultura escolar e dizem respeito ao seu funcionamento interno, cujas finalidades
variam historicamente. A função de professor está inserida na forma escolar de socialização e
sua lógica específica de funcionamento.
A função básica da escola é o ensino das novas gerações, realizado pela transmissão
de conteúdos escolares aos alunos segundo regras que lhe são próprias, e o professor é o
responsável por sua efetivação na sala de aula. Ao se ocupar do ensino, a escola socializa
professores e alunos, e a investigação da forma como os professores percebem e realizam o
ensino na escola, bem como da forma como os professores percebem o lugar por eles ocupado
e o que é essencial ao desempenho de sua função, pode contribuir para a compreensão das
pautas de racionalidade presentes na instituição escolar.
ALGUNS ASPECTOS DA RELAÇÃO ESTABELECIDA ENTRE PROFESSORES
E ALUNOS NA ESCOLA
Ao tratar das relações estabelecidas entre professores e alunos na escola, em
alguns de seus aspectos, o objetivo desta comunicação é destacar a forma como os professores
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vivenciam essa relação, o que concorre para influenciar as práticas por eles estabelecidas ao
desempenharem a docência. Nesse sentido, as informações obtidas com os professores e que
auxiliam na compreensão das relações estabelecidas entre e eles e seus alunos foram destacadas,
sendo apresentadas em dois conjuntos de dados, a saber: Dados pessoais das professoras;
Aspectos de como as professoras percebem o exercício de sua função.
DADOS PESSOAIS
Todos os professores que participaram desta pesquisa eram mulheres, motivo pelo
qual passarei a me referir a elas no feminino. Na atualidade, dentre os professores brasileiros,
81,3% são mulheres, com predominância nos segmentos iniciais da escolarização (Brasil, 2004).
A análise do exercício docente em perspectiva sociológica comporta necessariamente a questão
de gênero, especialmente no que se refere às primeiras séries da escolarização fundamental
que, em função de determinações sociais, estabeleceu-se como função feminina. Representações
sobre a mulher professora circulam na sociedade e lhe conferem sentido, desempenhando papel
ativo, sempre relacionadas a relações de poder. A docência, além de ser exercida em sua maioria
por pessoas do sexo feminino, foi associada a características referentes à feminilidade2.
Com relação à formação das professoras que participaram desta pesquisa, tem-
se que todas a realizaram no magistério em nível médio em instituições públicas. Ao se considerar
a formação obtida em nível superior, nove das 16 professoras questionadas possuíam formação
em pedagogia, duas em letras, quatro estavam cursando pedagogia quando da realização da
pesquisa e somente uma dentre elas possuía por formação apenas o nível médio, conforme
informações dispostas na Tabela 1:
Tabela 1: Distribuição das professoras quanto à formação
Fonte: Dados da autora
Formação Nº respostas
Só
Magistério
1
Pedagogia 9
Letras 2
Faz
pedagogia
4
Total 16
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Com relação à situação funcional das docentes, duas trabalhavam como professora
eventual, cobrindo ausências nas escolas quando ocorriam. Das 14 professoras restantes, metade
delas era concursada, e metade trabalhava como professora Ocupante de Função Atividade (OFA),
o que demonstra instabilidade funcional, uma vez que todo início de ano elas devem se sujeitar à
nova atribuição de aulas.
ASPECTOS DE COMO OS PROFESSORES PERCEBEM O EXERCÍCIO DE SUA
FUNÇÃO
As relações estabelecidas pelas professoras com seus alunos dizem respeito às
condições objetivas de trabalho às quais encontram-se submetidas, e que podem ser
compreendidas em alguns de seus aspectos ao se investigar o que para elas se apresenta como
dificuldade em seu dia-a-dia. Ao se interrogar as professoras sobre as dificuldades enfrentadas
em seu cotidiano, as precárias condições objetivas às quais estavam submetidas se destacaram,
conforme indica a Tabela 2:
Fonte: Dados da autora
Inúmeras pesquisas apontam que as condições de trabalho dos professores não
são as melhores. Essas dificuldades se expressam, por exemplo, nos baixos salários, na falta de
material pedagógico, no excesso de alunos por turma, em deficiências em sua formação, entre
outras. Com o objetivo de aprofundar compreensão sobre o que se passa no cotidiano escolar, foi
perguntado às professoras se elas gostavam de exercer a docência, e todas responderam que
sim. Ao serem solicitadas a explicar a resposta dada, em questão aberta, tem-se o seguinte
resultado, disposto na Tabela 3:
N.respostas
Condições de
trabalho
10
Sentimento de
solidão
2
Desvalorização
função
2
Falta apoio dos
pais
1
Não respondeu 1
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Tabela 3: Distribuição dos motivos pelos quais referiram gostar de ser professoras
Fonte: Dados da autora
Assim, ao se somar as respostas que dizem respeito ao relacionamento estabelecido
com os alunos, tem-se: ver o aluno aprender (com seis incidências); ajudar os alunos (com duas
incidências); contato com as crianças (com duas incidências). Ou seja, das 16 respostas sobre
os motivos pelos quais as professoras gostam de exercer a docência, 12 estão diretamente
relacionadas ao contato estabelecido com seus alunos, cerne do seu trabalho. Em questão aberta
e com possibilidade de mais de uma resposta, ao se perguntar qual era sua maior fonte de
satisfação, o contato estabelecido com os alunos se destacou:
Tabela 4: Distribuição das professoras quanto ao que confere prazer no exercício
da função docente
Fonte: Dados da autora
De acordo com as repostas obtidas, observar o aprendizado dos alunos destacou-
se como a principal fonte de prazer das professoras. Essa questão pôde ser confirmada ao se
interrogar as docentes sobre algum episódio positivo por elas vivenciado no desempenho de sua
Nº
resposta
s
Ver aluno aprender 6
É o objetivo da vida 3
Ajudar os alunos 2
Contato com crianças 2
Gosta de estudar 1
Contribuir sociedade 1
Não respondeu 1
N.
respost
as
Ver aluno aprender 11
Contato com os
alunos
5
Contato com
colegas
2
Não respondeu 1
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função, conforme indicam as informações dispostas na Tabela 5:
Tabela 5: Distribuição das professoras quanto a episódio positivo vivido no
desempenho da função docente
Fonte: Dados da autora
De acordo com as respostas obtidas em relação aos episódios positivos vividos
pelas professoras ao longo de suas carreiras, tem-se que esses episódios diziam respeito a:
observar ex-aluno que obteve sucesso (com cinco incidências); perceber interesse e carinho por
parte de seus alunos (com quatro incidências); obter reconhecimento dos pais (com quatro
incidências). As respostas dadas a essas questões permitem apontar que as relações
estabelecidas na escola entre os professores e seus alunos são fundamentais para se compreender
as condições efetivas de realização da docência. Se para as professoras o que mais lhes confere
prazer no exercício docente é observar o aprendizado de seus alunos, importa questionar o que é
importante ensinar aos alunos. Ao se interrogar as professoras sobre qual é a tarefa básica a ser
desenvolvida pelo professor, obteve-se as seguintes respostas, em questão de múltipla escolha e
com possibilidade de mais de uma resposta:
N.
resposta
s
Ex-aluno com
sucesso
5
Interesse/ carinho
aluno
4
Reconhecimento
pais
3
Utilizar novo
método
2
Amizade com
colegas
1
Não respondeu 1
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Tabela 6: Distribuição das professoras quanto à tarefa básica do professor do
primeiro segmento do Ensino Fundamental
Fonte: Dados da autora
As respostas obtidas a essa questão permitem apontar que mais importante que
ensinar conteúdos (três incidências), é desenvolver o espírito crítico (12 incidências); ensinar a
aprender (também co 12 incidências); e ensinar valores morais (seis incidências). Vale destacar
que a pesquisa realizada pela Unesco (Brasil, 2004) chegou a resultados semelhantes, em que
as percepções dos professores brasileiros com relação às finalidades da educação apontaram
para “uma acentuada preocupação com a formação de virtudes e valores nos estudantes” (p.109).
De qualquer forma, as respostas obtidas auxiliam na compreensão do que, para os professores,
significa a essência de seu trabalho, ou seja, as relações formativas estabelecidas com seus
alunos, para o que importa mais o ensino de valores que o de conteúdos relacionados às disciplinas
escolares como Português ou Matemática. Essas questões são relevantes, pois incidem nas
práticas efetivadas, na maneira como os professores se vêem, e naquilo que consideram importante
para a prática de um bom professor. Esse aspecto da prática docente efetivada nas salas de aula
pode ser verificado ao analisarmos as respostas obtidas das professoras ao serem interrogadas
sobre o que consideravam um bom professor, conforme disposto na Tabela 7:
Fonte: Dados da autora
Obs: Questão aberta, com possibilidade de mais de uma resposta.
N .
respost
as
D esenvolver esp írito
c rítico
12
E nsinar a aprender 12
E nsinar va lores m ora is 6
E nsinar conteúdos 3
P olitizar a luno 1
N .
re sp o st
a s
A u x ilia r
a lu n o s
8
G o sta r d o
q u e fa z
5
S e a tu a liza r 5
T e r
c o n sc iê n c ia
1
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Assim, em 18 respostas, apenas cinco se relacionavam à necessidade do profes-
sor se atualizar, e nenhuma delas mencionou aspectos técnicos do trabalho como, por exemplo,
possuir uma boa formação, saber alfabetizar, entre outras questões. Para elas, bom professor é
aquele que auxilia os alunos e gosta do que faz. Esse tipo de compreensão da docência, relacionado
mais às qualidades morais e pessoais das professoras que aos aspectos técnicos da função
docente foi destacado por Mello (2003). De acordo com a autora, a desconsideração das
competências técnicas necessárias ao exercício docente e a valorização de aspectos como
paciência e carinho, atributos socialmente considerados femininos, contribui para a desvalorização
social da função.
Ao serem interrogadas sobre o que consideravam necessário para ser professor,
possuir vocação foi a opção que mais se destacou, seguida de possuir formação adequada,
conforme disposto na Tabela 8:
Tabela 8: Distribuição das professoras quanto ao que é necessário para ser profes-
sor
Fonte: Dados da autora
Obs: Questão de múltipla escolha, com possibilidade de mais de uma resposta.
Ao se somar as incidências relacionadas a características pessoais das
professoras, no entanto, obtém-se um total de 27 incidências, em contraposição a 12 incidências
sobre a necessidade de se possuir uma boa formação. Novamente os aspectos técnicos
relacionados ao exercício docente são relegados a um segundo plano, em favor de qualidades
pessoais e associadas ao que socialmente se considera atributo feminino.
Ao mesmo tempo em que os alunos são a principal fonte de prazer no exercício da
função docente, são eles também quem propiciam aos professores suas maiores dificuldades.
Assim, ao serem interrogadas sobre o que para elas se punha como dificuldade ao exercerem a
docência, obteve-se as seguintes informações, dispostas na Tabela 9:
Nº
respost
as
Vocação 13
Formação
adequada
12
Paciência 11
Amor 2
Equilíbrio 1
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Tabela 9: Distribuição das professoras quanto ao que consideram como o principal
problema enfrentado pela educação hoje
Fonte: Dados da autora
Obs: Questão aberta, com possibilidade de mais de uma resposta.
Conforme disposto na Tabela 9, a indisciplina dos alunos é o principal problema
enfrentado pelas professoras, seguido da falta de colaboração das famílias. A má formação docente
foi considerada um problema apenas para a metade das professoras interrogadas. Ao serem
questionadas sobre os motivos da indisciplina dos alunos, as professoras responderam ser: as
famílias dos alunos, que são desestruturadas (13 incidências); questões sociais (12 incidências);
a falta de pulso firme dos professores (três incidências), em questão de múltipla escolha e com
possibilidade de mais de uma resposta. Assim, a maioria das professoras culpa os alunos e seus
pais pelos problemas que enfrentam na escola, ou seja, esses problemas decorrem dos agentes
com quem estabelecem relações sociais no contexto escolar para a condução de seu trabalho.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Ao se investigar a escola por dentro, buscando-se compreender o que pensam e
fazem os agentes envolvidos nas práticas desenvolvidas em seu interior, amplia-se a possibilidade
de entendimento das práticas socialmente instituídas. Nesse sentido, as práticas docentes
expressam e ao mesmo tempo constituem a cultura escolar, e são incorporadas no exercício da
função. Além disso, exercer a docência diz respeito a possuir determinada visão de mundo, que
se expressa nas práticas dos professores. Como se viu, na atualidade a escolarização permanece
atrelada à idéia de promoção da cidadania. Além disso, a escola foi constituída com o objetivo de
formar as novas gerações, e essa especificidade do exercício docente vai influenciar na constituição
da visão de mundo dos professores. Ser professor implica assumir determinadas formas de ser
Nº
resposta
s
Indisciplina/ descaso
alunos
16
Falta colaboração família 13
Descaso do governo 9
Má formação professores 8
Falta investimento 2
Muito aluno/ sala 1
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e agir, relacionadas às expectativas depositadas na escola, que são socialmente determinadas,
bem como à adequação de suas ações à realidade objetiva à qual está submetido.
O professor mobiliza saberes adquiridos pela experiência, por processos de
formação e pelo contato com os colegas, valendo-se de esquemas práticos para conduzir sua
ação, e grande parte dessa prática é produzida no contexto escolar, contribuindo para sua
reprodução. Esses esquemas práticos, por se encontrarem enraizados na cultura escolar, fazem
com que os professores se assemelhem. De acordo com os resultados dessa pesquisa, para as
professoras do primeiro segmento do ensino fundamental em escolas públicas, a relação
estabelecida com os alunos é a principal fonte de satisfação em seu trabalho, e esse contato
objetiva especialmente moralizar e educar essas crianças. O argumento sustentado aqui é o de
que para se compreender as práticas docentes, faz-se necessário percebê-las inseridas na cultura
escolar e seus modos de socialização, que são históricos, além da análise das condições objetivas
de sua efetivação. Além das condições objetivas de trabalho, que são precárias, importa
compreender as relações que os professores estabelecem na escola ao exercerem a docência,
bem como o significado a elas atribuído pelos professores, fundamentais para se compreender o
valor social atribuído à função de professor.
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MELLO, G. N. de. Magistério de 1º Grau: da competência técnica ao compromisso político. 13ªedição. São Paulo: Cortez, 2003.
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VINCENT, G.; LAHIRE, B.; THIN, D. Sobre a história e a teoria da forma escolar. Educação emRevista. Belo Horizonte, nº 33, 2001, pp. 7-47.
WEBER, S. A desvalorização social do professorado. Contemporaneidade e Educação, 2ªimpressão, Rio de Janeiro, IEC, ano II, nº 2, 2000, pp. 163- 178.
NOTAS
1 Alguns estudos dão a ver os problemas enfrentados pelos professores no início do século XX, entre os quais podemos citar Catani(1989), Bittencourt (1990), Souto (2005).2 Sobre docência e gênero ver, entre outros, Apple (1995); Carvalho (1999); Louro (1997).
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INTRODUÇÃO
A ligação indelével entre educação e conhecimento se dá em dois movimentos
distintos. Em sala de aula, o professor faz desenrolar o seu projeto de harmonização entre antigo
e novo, entre tradição e devir, processo do qual o conhecimento é protagonista, é força
transformadora. Grande parte das expectativas criadas em torno da prática educativa se referem
à formação dos estudantes para apreender, lidar com e criar conhecimento, entendendo-o como
fundamental legado da história humana.
No entanto, “educar para bem conhecer” é apenas parte desta relação; podemos
pensar em inverter os termos e tratar do “conhecer para bem educar”. A formação do pedagogo
se enlaça necessariamente com a do pesquisador, ainda que se trate de um nível elementar e
fundamental da busca de novos conteúdos tanto para a sua prática quanto para sua reflexão.
Assim, ao mesmo tempo instrumento e fim, o conhecimento permeia a práxis e o pensar
pedagógicos. De acordo com Severino (2001, p. 99):
Enquanto processo social, a educação se objetiva como fenômeno davida da espécie. Como qualquer outro dado do comportamento, elapassou a ser objeto de conhecimento sistematizado no rastro dodesenvolvimento das ciências humanas. Tornou-se objeto deinvestigação de filósofos e cientistas.
Por um lado, assumir-se a educação como campo de conhecimento rendeu-lhe
uma necessária valorização como instrumento civilizatório, humanizador. Porém, não escapou
do mesmo mal infligido a muitas outras disciplinas: o abstracionismo. A prevalência da teorização
sobre a prática atua como uma névoa, que em vez de iluminar encobre, em vez de aproximar
distancia o sujeito do mundo que pretende conhecer. Opera-se, pela autonomia das idéias em
relação aos objetos a que se referem, perigosa artificialidade propícia ao engano, quando não
prontamente acessível à manipulação ideológica (AZANHA, 1992).
É contra esse distanciamento, criado entre um universo cognitivo e o mundo vivido,
que a fenomenologia se coloca. “Voltar às coisas mesmas”, como pregava Edmund Husserl,
torna-se o lema dos pensadores que lançam o olhar de novo ao mundo, acreditando que é da
relação necessária entre sujeito (que conhece) e objeto (que se faz conhecido) que brota o saber.
Pois na educação, as respostas fenomenológicas a esta cisão entre a realidade e
o pensamento se fazem presentes, por exemplo, na reflexão de Azanha (1992, p. 43) acerca do
FENOMENOLOGIA E EDUCAÇÃO: POSSIBILIDADES APARTIR DE HUSSERL
UMEDA, Guilherme Mirage (USP/USPM); TRINDADE, Christiane Coutheux (USP)
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87
“abstracionismo pedagógico”:
(...) entendendo-se a expressão como indicativa da veleidade dedescrever, explicar ou compreender situações educacionais reais,desconsiderando as determinações específicas de sua concretude,para ater-se apenas a “princípios” ou “leis” gerais que na suaabrangência abstrata seriam, aparentemente, suficientes para dar contadas situações focalizadas.
(...)
Nosso estudo quer apenas denunciar, nesta parte, o processo dedeturpação ou escamoteamento do real pela via – ingênua ou astuciosa– da discussão abstrata transvestida de discussão teórica. É, pois,no seu sentido negativo que nos referiremos à abstração, isto é, nosentido de ela separar, tomar como autônomos e independentes,aspectos dos objetos (no seu significado amplo) que não são separáveisporque, como disse Husserl, são essencialmente “conteúdos dadosao mesmo tempo” numa relação de parte-todo, de modo que suaseparação elimina a própria possibilidade de conhecimento.
O objetivo deste trabalho é apresentar os conceitos fundamentais da fenomenologia,
corrente filosófica fecunda em seu braço epistemológico1, apostando que seus princípios podem
auxiliar o educador/pesquisador a pensar sua atividade. O método de investigação consiste na
revisão bibliográfica do tema por meio de leitura crítica de textos filosóficos referentes à
fenomenologia. Para isso, escora-se fundamentalmente sobre as idéias de Edmund Husserl no
estabelecimento de um breve quadro conceitual, uma vez que o autor é tido como o precursor
desse modo de pensar.
CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA FENOMENOLOGIA
É mister notar o caráter provisório de qualquer tentativa de definição da
fenomenologia. Defini-la, em última análise, não passaria de ato anti-fenomenológico, tentativa de
munir um conceito com tal robustez que resistisse às investidas do real, como se se desprezasse
a sua historicidade. Von Zuben (1989, p. 146) lembra as considerações de Heiddeger sobre uma
filosofia a caminho, fiel ao ideal proposto por Husserl de auto-reflexão radical e constante. A
empreitada de sistematizar pelo menos uma parte de suas idéias fundadoras é árdua, mas a ela
nos lançamos, acreditando na sua importância diante do estudo do conhecimento e da educação.
PRINCÍPIOS FENOMENOLÓGICOS EM HUSSERL
Não há uma fenomenologia, mas fenomenologias. Aqui, debruça-se
fundamentalmente sobre a abordagem de Edmund Husserl (1859-1938), considerado o ponto de
partida de um conjunto de idéias recorrentes no arcabouço fenomenológico. O matemático e
filósofo alemão não foi o primeiro a utilizar o termo, porém ressignificou-o, como a pavimentar o
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caminho que muitos outros viriam a seguir (por mais que, num ponto ou outro da estrada, dela se
depreendessem).
Se compreendermos as obras filosóficas como respostas a carências existentes
em determinadas épocas (VON ZUBEN, 1989, p. 145), é útil, na delimitação dos conceitos
primordiais da fenomenologia, apresentar o contexto intelectual do seu surgimento. O fim do século
XIX observou um avanço significativo das ciências em geral e da psicologia em particular, que
galgava prestígio como novo conhecimento capaz de substituir a filosofia com seu poder explicativo
dos fatos psíquicos. Os métodos positivistas infiltravam-se nas ciências humanas, tratando o
homem e suas ações como outras coisas, mensuráveis, concretas e factuais. A pretensão de se
explicar as mais importantes questões da humanidade por via da ciência pôs em movimento uma
série de apropriações de métodos utilizados nos estudos da natureza, admirados por seu aparente
sucesso – seu poder explicativo e de transformação. Entretanto, é ainda nas últimas duas décadas
do século XIX que os ideais de uma física social e uma física mental, conforme os moldes
comteanos, começam a encontrar seus limites.
Para Husserl, o psicologismo era uma maneira excessivamente reducionista para
se compreender o homem, uma vez que desconsiderava aspectos qualitativos, não-mensuráveis
da psique (ALES BELLO, 2004; LYOTARD, 1967, p.15). Ademais, procurou demonstrar que as
ciências são eficientes no seu progresso, mas que não dão conta de refletir sobre a possibilidade
do conhecimento que geram. Husserl enxergava na atitude científica uma inabilidade para
fundamentar os seus próprios edifícios lógicos, à medida que a relação entre conhecimento e os
objetos a que ele se refere permanece não solvida:
O conhecimento natural, no seu incessante e eficiente progresso nasdiferentes ciências, está inteiramente certo da sua apreensibilidade enão tem nenhum motivo para encontrar aporia na possibilidade doconhecimento e no sentido da objectalidade conhecida. Mas, logoque a reflexão se vira para a correlação de conhecimento e objectalidade(...), surgem dificuldades, incompatibilidades, teorias contraditórias,e, no entanto, supostamente fundamentadas, que compelem a admitirque a possibilidade do conhecimento em geral, no tocante à suaapreensibilidade, é um enigma. (HUSSERL, 1992, p. 57)
Dartigues (2005, p. 16) destaca com propriedade que Husserl não pretendeu
desmerecer os avanços das ciências experimentais. A crise que diagnostica recai sobre os alicerces
do saber positivo, uma vez que medem resultados sem conhecer os objetos a que se referem,
como se saber das causas exteriores de um fenômeno fosse suficiente para conhecer sua
natureza. Portanto, Husserl assume a tarefa de fundar uma nova ciência, a crítica do conhecimento,
que daria sustentação a todas as outras ciências, justamente por elucidar a essência de todo
conhecimento. Como o próprio filósofo coloca (HUSSERL, 1992, p. 57): “quer aqui nascer uma
nova ciência, a crítica do conhecimento, que pretende desfazer estas perplexidades e elucidar-
nos sobre a essência do conhecimento”. Nenhuma ciência previamente conhecida poderia ser
utilizada como estrutura desta crítica, pois todas partem do transcendente, daquilo o que está fora
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do sujeito e, portanto, cercado de dúvidas e contradições. Para Husserl, apenas o imanente serviria
para fundamentar o conhecimento humano.
Husserl investiga, na sua busca de uma “ciência do rigor”, os caminhos percorridos
por outros filósofos que se debruçaram sobre a epistemologia. Incomoda-se com o realismo,
sustentáculo do positivismo, pela prevalência que outorga ao objeto na construção do conhecimento,
como se este se subordinasse às coisas, em um simples registro dos sentidos e intelecto. Ao
mesmo tempo, entende o idealismo como exageradamente apoiado no sujeito pensante, essa
substância cujo conteúdo, as idéias, funcionam de maneira quase autônoma do mundo2.
Desta maneira, o problema da constituição do conhecimento para Husserl toca em
uma questão longamente discutida na epistemologia: as relações entre sujeito e objeto (ALES
BELLO, 2004, p. 97; SILVA, 2003). Tanto na concepção realista quanto na idealista, Husserl
enxergava um descolamento do conhecimento em relação ao real. Mesmo Kant, cuja obra foi de
fundamental importância para a constituição da fenomenologia, acaba por manter o sujeito longe
das coisas que conhece: a idéia de númeno, da coisa-em-si, coloca a essência dos objetos em
uma distância inalcançável da razão. Era necessário, para Husserl, voltar às coisas mesmas
como fonte do conhecimento, livrando-se de toda contaminação que tire autenticidade das relações
entre o sujeito e o objeto e colocando o homem em contato com a essência das coisas. Heidegger
(1993, p. 57) esclarece: “A palavra ‘fenomenologia’ exprime uma máxima que se pode formular na
expressão: ‘às coisas em si mesmas!’ – por oposição às construções soltas no ar, às descobertas
acidentais, à admissão de conceitos só aparentemente verificados (...)”.
Husserl argumenta que a consciência não existe como uma coisa, uma substância.
O filósofo destaca o fato de que temos sempre “consciência de” algo, nunca uma consciência
absoluta. Desta forma, a consciência nada é fora da sua relação com as coisas (LYOTARD,
1967, p. 33); ela vincula indissociavelmente o sujeito a seu objeto. A consciência, nesse contexto,
é um movimento, uma ação de visar o mundo, um ir ao encontro da realidade. É o que Husserl
chama de intencionalidade (CHAUÍ, 2004, p. 202).
Da mesma forma como a consciência só é em relação a um objeto, os objetos só
existem, para o conhecimento, definido a partir de um sujeito. Evidentemente, a experiência que
temos das coisas não são totalizantes; a consciência entra em contato com perfis da realidade.
Esses perfis, tal qual aparecem à consciência, são os fenômenos. Husserl defende que esses
fenômenos não são ilusões, mas sim a maneira como a realidade se presenta ao sujeito do
conhecimento. Tudo o que existe são fenômenos, presenças reais de coisas reais (CHAUÍ, 2004,
p. 203). Por meio da intuição, o sujeito é capaz de apreender a essência (eidos) dos objetos nos
fenômenos, uma vez que a essência não se encontra separada das coisas vivenciadas. André
Dartigues (2005, p. 19) bem explica:
Não se pode conceber o fenômeno como uma película de impressõesou uma cortina atrás da qual se abrigaria o mistério das ‘coisas emsi’. Hegel já dizia que atrás da cortina não há nada a ver. Falar de umavisão das essências não significará pois devotar-se a uma contemplação
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mística que permitirá a alguns iniciados ver o que o comum dos mortaisnão vê, mas ao contrário, ressaltar que o sentido de um fenômeno lheé imanente e pode ser percebido, de alguma maneira, portransparência.
Portanto, o conhecimento para Husserl conta com uma participação equilibrada de
sujeito e objeto na sua constituição, simbolizada pela relação bipolar noesis / noema: “noesis,
sujeito em relação; noema, objeto em relação” (SEVERINO, 2002, p. 104). Pela primeira, entende-
se a atividade da consciência em perceber, lembrar, refletir sobre o objeto. A segunda é o objeto
enquanto percebido, lembrado ou refletido, a coisa tal qual apreendida pela consciência.
É importante destacar que em Husserl a consciência nada mais é que movimento.
Desta forma, não pode ser comparada a outras coisas, não tem substância, não é observável. A
consciência é um ato “doador de sentido”, dá significado aos fenômenos que se lhe apresentam.
Assim, o mundo não pode ser considerado, do ponto de vista do conhecimento, um conjunto de
matéria, mas um sistema de significações constituído pela razão. Por outro lado, o sentido se
torna a única realidade existente para a razão (CHAUÍ, 2004, p. 82)3.
O MÉTODO FENOMENOLÓGICO
Severino (1997, p. 103) dá conta de que a fenomenologia é fundamentalmente um
método. Investiguemos esta afirmação por meio da argumentação de Martin Heidegger, em seu
Ser e Tempo (1993).
Freqüentemente, o termo grego logos, quando assume a forma de sufixo “-logia” –
em sociologia, psicologia, teologia, etc. – tem sido associado a “estudo de”, “conceito de”, ou
mesmo, em seu sentido primordial, “discurso que deixa e faz ver”. Assim, cada ciência evoca em
sua denominação os objetos sobre os quais se debruça. Entretanto, quando se trata de
fenomenologia, não falamos de entes, mas do seu como, seu modo. Nas palavras do autor
(HEIDEGGER, 1993, p. 65): “Refere-se ao modo como se de-monstra e se trata o que nesta
ciência deve ser tratado. Ciência dos fenômenos significa: apreender os objetos de tal maneira
que se deve tratar de tudo que está em discussão, numa de-monstração e procedimento diretos”.
Seguramente, portanto, a fenomenologia se caracteriza como método filosófico,
modo de inquirir sobre os fundamentos do conhecimento, empreender a arché – arqueologia da
verdade apodítica (PEIXOTO, 2003). Porém, surge daqui uma primeira dificuldade: seria esse
método, adequado para os fundamentos, passível de aplicação em investigações de cunho não-
ontológico, não-filosófico? Ademais, conforme questionamento de Von Zuben (1989, p. 146), até
que ponto haveria possibilidade de conciliação entre os postulados de objetividade das ciências
com a análise reflexiva e voltada ao sujeito do conhecimento fenomenológico? O próprio autor
alerta para os riscos de reducionismos deste método rigoroso a fim de servir a pesquisas de
pouca solidez nas ciências humanas.
De início, Von Zuben (1989, p. 156) destaca que a fenomenologia não pode ser
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vista como um “kit metodológico”, passos seguros a serem seguidos pelo pesquisador. No mesmo
sentido, Martins e Dichtchekenian (1984, p. 69-70) argumentam que se entendermos “método”
como uma seqüência de passos, um procedimento canônico rígido e previsível, não há possibilidade
de um método fenomenológico em uma dimensão científica – indo ao encontro da filosofia
husserliana, tão avessa às formas finais. Porém, considerando-se as recomendações do proceder
fenomenológico em sua característica abertura, questionamento e constante auto-reflexão, é
possível pensar-se em um método. E é, novamente, Husserl quem indica os seus contornos.
Retoma-se aqui o mote fenomenológico de “voltar às coisas mesmas”. O caminho
desta volta é o fixar-se sobre os fenômenos, ou seja, sobre a maneira como as coisas se presentam
à consciência. Deve-se notar, no entanto, que fenômenos, na atitude espiritual natural, vêm envoltos,
por vezes totalmente encobertos, por preconceitos, juízos, generalizações que impedem a
consciência pura das essências. Husserl propõe despir as vivências psíquicas de tudo o que
porventura turvasse a intuição dos fenômenos puros. A este procedimento, o filósofo chamou de
redução. Dois tipos de redução são comumente reconhecidas por comentadores da obra de
Husserl: a fenomenológica e a eidética.
A redução fenomenológica (ou transcendental) corresponde à epoché, palavra
importada do pensamento grego, porém com seu sentido original modificado. Husserl quer mostrar
que a possibilidade do conhecimento independe da existência factual das coisas. Não é importante
se uma árvore tal como dada ao sujeito é, de fato, árvore, réplica ou mesmo alucinação. A maneira
como se põe diante da consciência a caracteriza, do ponto de vista do conhecimento, como
objeto real (a propósito, é o que justifica a possibilidade de uma fenomenologia da imaginação e
da memória, por exemplo). Não cabe ao filósofo, porém, negar a existência do mundo, mas apenas
por a questão de lado, suspendê-la de julgamento, colocá-la entre parênteses.
Que o conhecimento em geral ‘esteja posto em questão’ não significaque se negue que haja em geral conhecimento (...). Não me importaaqui absolutamente nada a existência de todas estas transcendências,quer eu nela creia ou não; aqui, não é o lugar de sobre ela julgar; issofica completamente fora de jogo. (HUSSERL, 1992, p. 65)
Juntamente com a consideração sobre a existência material das coisas, são
suspensos todos os conhecimentos prévios, teorias formuladas, tradições e preconceitos ligados
ao objeto em investigação. Consiste em ato de purificação das vivências, o que permite a passagem
da atitude natural para a filosófica ou fenomenológica.
Entende-se por redução eidética o estender o olhar à intuição do eidos, das
essências. Husserl considera necessário eliminar a factualidade, as instâncias contingentes.
Buscam-se os universais eidéticos, aqueles elementos pertencentes ao fenômeno sem os quais
ele não poderia ser ele mesmo. Descarta-se tudo o que pode ser tirado sem destruir a coisa
apreendida. Chega-se, assim, à consciência pura dos fenômenos e, portanto, das essências.
André Dartigues (2005, p. 19) relata brilhante ilustração usada por Husserl:Husserl gosta de evocar a esse respeito [da essência] o exemplo da
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“IX Sinfonia”. Esta pode se traduzir pelas impressões que experimentoao escutar este ou aquele concerto, pela escritura desta ou daquelapartitura, pela atividade do regente de orquestra ou dos músicos etc.Em cada caso poderei dizer que se trata da “IX Sinfonia” e, contudo,esta não se reduz a nenhum desses casos, se bem que ela possa acada vez se dar neles inteiramente. A essência da “IX Sinfonia” persistiriamesmo se as partituras, orquestras e ouvintes viessem a desaparecerpara sempre. Ela persistiria, não como uma realidade, como um fato,mas como uma pura possibilidade. Não obstante, é essa purapossibilidade que me permite distingui-la de imediato de toda outrasinfonia, mesmo se o disco no qual eu a escuto está riscado ou se aorquestra é ruim.
Adotar procedimentos de redução implica na modificação dos propósitos da ação
intelectual. Em vez de explicar fatos (como as ciências tradicionalmente procuram fazer), a
fenomenologia se propõe a descrever essências. Explicar, buscar relações causais é extrapolar a
intuição que liga noesis e noema, ultrapassa o que o fenômeno mostra de si mesmo. Heidegger
(1993, p. 68), assumindo a concepção da essência como sentido, confere à descrição
fenomenológica um caráter interpretativo, em que a busca do significado é a chave para a
compreensão ontológica do objeto:
(...) o sentido metódico da descrição fenomenológica é interpretação.Por meio da interpretação, proclamam-se o sentido do ser e asestruturas ontológicas fundamentais da pre-sença para a suacompreensão ontológica constitutiva. Fenomenologia da pre-sença éhermenêutica no sentido originário da palavra em que se designa oofício de interpretar. (HEIDEGGER, 1993, p. 68)
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FENOMENOLOGIA NA EDUCAÇÃO
Diversas ciências têm feito uso do ferramental fenomenológico para empreender
suas pesquisas. Não sem dificuldade, o uso da fenomenologia para a descrição da experiência
vivida de outrem tem gerado resultados interessantes na área médica, psicológica e sociológica
(MOREIRA, 2004). No campo educacional também, o método fenomenológico gera interessantes
possibilidades de reflexão.
A abordagem fenomenológica parece antecipar a crítica, hoje comum na pedagogia,
de como a padronização das observações segundo modelos prévios pode limitar a percepção do
pesquisador, assumindo uma única matriz explicativa para fenômenos complexos. Ao tratar de
ciências humanas, Lyotard (1967) aponta como propulsores da crítica fenomenológica as crises
do psicologismo, do sociologismo e historicismo no final do século XIX. O psicologismo consiste
na identificação plena atribuída entre o sujeito do conhecimento e o sujeito psicológico, isto é, na
redução “das condições do conhecimento verdadeiro às condições efectivas do psiquismo”
(LYOTARD, 1967, p.47). Já o sociologismo é conceituado pelo autor como uma estrita dependência
das condições do meio social na determinação dos fenômenos. Por fim, o historicismo ancora a
base de toda possibilidade de conhecimento nas condições históricas de um dado grupo. Diante
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do fracasso desses modelos explicativos, a resposta fenomenológica passou a indicar o retorno
“às coisas mesmas”, des-cobrindo os fenômenos de seus pré-conceitos. Quando diferentes
pensadores da pedagogia denunciam a excessiva dependência da área em relação a saberes de
outras ciências, indicam a necessidade de atentar para a realidade que é própria da pedagogia.
Alguns dos debates suscitados em torno da psicologização excessiva do universo escolar (presente
em AZANHA, 1992 e CARVALHO, 2001, por exemplo) são provavelmente influenciados pela reflexão
fenomenológica. Essa abordagem é, pois, extremamente instigante quando se observa a
complexidade dos agentes e dos fenômenos educativos.
As ciências aplicadas trabalham no delicado limiar entre a necessária análise
imparcial e as respostas aos problemas detectados, já que essas reflexões só têm sentido diante
de uma prática que se acredita perfectível. Ocupa lugar ímpar na fenomenologia a tarefa descritiva,
já que toda essa filosofia se propõe a recuperar “as coisas em si”, antes de estabelecer explicações
para os fenômenos. De fato, uma constante crítica aos estudos pedagógicos se relaciona à
sobreposição nos discursos de descrições dos fenômenos investigados com proposições de
cunho prescritivo (AZANHA, 1992; CORDEIRO). A interpretação fica comprometida previamente,
antes mesmo de se descrever e conceituar os objetos da observação científica. Assim, ainda que
a busca pelo aperfeiçoamento da prática pedagógica seja legítima, ela não se pode confundir com
a etapa prévia do conhecimento dos objetos de que trata. A fim de que se assegure o lugar da
ciência como oposição crítica a explicações dogmáticas, ela precisa se colocar constantemente
como alvo de reflexão, observando objetivamente seus métodos, categorias e dados coletados.
Há clara implicação da atitude fenomenológica sobre a formação do professor, na
medida em que sua prática educacional se altera profundamente de acordo com a maneira com
que lança seu olhar ao mundo vivido. Souza (2003) relembra o papel da formação filosófica do
educador, lado a lado com o seu desenvolvimento técnico-científico, de maneira que sua
sensibilidade seja despertada para o projeto antropológico do qual participa na ação educacional.
O professor assim formado entenderá que não há educação sem sujeitos que a vivenciam, numa
totalidade intersubjetiva que transcende estágios pré-estabelecidos, normatizações indiferentes à
vida mesma. Portanto, para Souza (2003, p. 101), repensar
(...) a formação de professor na perspectiva fenomenológica é repensara sua finalidade instituída, negando-a, superando-a, transcendendo-a,é deixar a formação instrumental para recuperar a sua essencialidade,a sua finalidade instituinte, a finalidade da formação personalizada;sendo que tal formação compreende uma formação crítica, em que origor acadêmico, a pesquisa, a problematização, reflexão, o diálogo, aformação ética e, sobretudo, a valorização da existência humanaestejam presentes.
BIBLIOGRAFIA
ALES BELLO, Ângela. Fenomenologia e ciências humanas: psicologia, história e religião. Bauru,SP: EDUSC, 2004.
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AZANHA, José Mario Pires. Abstracionismo pedagógico. In: Uma idéia de pesquisa educacional.São Paulo: Edusp, 1992, p. 41-72.
CARVALHO, J. S. F. Construtivismo: uma pedagogia esquecida da escola. Porto Alegre: Artmed,2001.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 2004.
DARTIGUES, André. O que é a fenomenologia? 8ª ed. São Paulo: Centauro, 2002.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo, vol. I. 4ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.
HUSSERL, Edmund. A idéia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70, [s.d.].
LYOTARD, Jean-François. A fenomenologia. São Paulo: Diferl, 1967.
MARTINS, Joel e DICHTCHEKENIAN, Maria F. S. F. B. Temas fundamentais de fenomenologia.São Paulo: Moraes, 1984.
MOREIRA, Daniel Augusto. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira ThomsonLearning, 2004.
PEIXOTO, Adão José. A origem e os fundamentos da fenomenologia: uma breve incursão pelopensamento de Husserl. In: Concepções sobre fenomenologia. Goiânia: Editora UFG, 2003, p. 13-32.
SEVERINO, Antônio J. A filosofia contemporânea no Brasil: conhecimento, política e educação.Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.______. Educação, sujeito e história. São Paulo: Olho d´Água, 2001.
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SOUZA, Edna Duarte de. Universitarização da formação de professores e fenomenologia: caminhosopostos? In: PEIXOTO, Adão José (org.) Interações entre Fenomenologia e Educação. Campinas:Alínea, 2003, p. 97-103.
VON ZUBEN, Newton A. A fenomenologia em questão: desafios de um projeto. In: CARVALHO, M.Cecília de. Paradigmas filosóficos da atualidade. Campinas, SP: Papirus, 1989, p. 145-116
NOTAS
1 São tidos como herdeiros da fenomenologia: Max Scheler, Emmanuel Lévinas, Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, PaulRicoeur, José Ortega y Gasset, entre outros.2 Apesar destas críticas, Husserl costuma ser entendido como um filósofo da corrente idealista, pois dá prioridade ao sujeito noconhecimento– o Sujeito Transcendental (CHAUÍ, 2004, p. 81)3 É importante indicar que a atenção sobre o sentido abre o caminho para o desenvolvimento posterior da fenomenologia hermenêutica,conforme trabalhada por Paul Ricoeur e descrita por Severino (1997, p. 110-113).
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I – GEOGRAFIA E LITERATURA: DO LÚDICO AO DISCURSO IDEOLÓGICO.
A formação de professores entre outros fatores está relacionada ao conhecimento
que os mesmos devem ter, das leis, normas e parâmetros educacionais, que embasam o ensino
nacional. Dentre esses aspectos destacamos os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais),
nos diversos eixos temáticos que abrangem: ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual,
trabalho, consumo e pluralidade cultural.
Ao nos referenciarmos a pluralidade cultural, nos remete a um conhecimento
amplo da formação histórico-cultural de nosso país que concerne a um mosaico cultural,
pressupondo um posicionamento de respeito e solidariedade ao outro.
Neste trabalho propomos a importância do conhecimento dessa pluralidade ou
diversidade cultural, através de textos literários, que podem ser usados nas aulas de Geografia do
ensino fundamental e médio. Conhecer aspectos da pluralidade cultural é uma das formas
pertinentes à formação do educador. Para tanto, o mesmo deve recorrer a diferentes meios,
como exemplo a análise da inter-relação entre Geografia e Literatura, usando texto literário para
explorar as abordagens espaciais ou visões do mundo que contemplem a espacialidade.
A Geografia, como ciência que estuda e interpreta a espacialidade, busca através
do método cientifico formas para “ler”, conhecer e manipular a realidade do espaço seja em relação
à paisagem natural ou a criada pelo homem.
No mundo no qual vivemos, a linguagem geográfica e literária perpassa cada
uma de nossas atividades, individuais e coletivas. Essas linguagens se cruzam, se completam e
se modificam incessantemente, acompanhando o movimento de transformação do ser humano e
suas formas de organização social.
A existência de inúmeros meios, embasados nas diversas “correntes” do
pensamento geográfico, objetivando entender e interpretar a realidade espacializada, imediata ou
mediata oferece ao geógrafo ou professor de Geografia, um rico cabedal de possibilidades para
tais fins.
A Literatura, em especial a “regionalista”, vem surgindo cada vez mais, como
uma possibilidade instigante e promissora, como um meio a ser utilizado pelo geógrafo ou pelo
professor de Geografia, no sentido de melhor entender e interpretar a realidade estudada.
Entendendo que não há neutralidade de opiniões, o literato ou o escritor, na
FORMAÇÃO CULTURAL DE PROFESSORES –CONSIDERAÇÕES SOBRE LITERATURA NO ENSINO
DE GEOGRAFIA
DEZAN, Maria Dalva de Souza; FILHO, Fadel David Antonio(UNESP/Rio Claro)
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medida em que faz parte de um grupo social, certamente sofre influência deste no tocante a
forma de ver e sentir o mundo. Com isso, a produção de um escritor ou literato traz sempre
embutidos valores, idéias, concepções, conceitos, etc., o que consubstancia a chamada “visão
do mundo” (do escritor que também é do seu grupo social, na maior parte das vezes).
Relatos calcados na realidade vivida ou em fatos ficcionais criados pelo autor
têm sempre embasamento na própria experiência e visão do mundo do mesmo (que em última
instância também é do seu grupo social). Há, entretanto, casos em que o autor sofre uma espécie
de “cooptação orgânica” e assume integralmente uma “visão do mundo” de outra classe social.
Assim na Literatura quando ocorre uma composição do entorno, caracterizando
o cenário (seja ele rural, urbano, natural, etc.) e sendo o enredo do texto ficcional ou não,
naturalmente ocorre a impregnação de componentes da ideologia do autor, escritor ou literato.
Não há neutralidade possível. Os personagens vão expressar sentimentos, idéias, inspirações,
juízo de valores, conceituações, etc., embutidos na visão do mundo perpassada. É preciso sempre
entender que a “visão do mundo” é uma dimensão política que impulsiona à prática social e, como
tal, representa uma força histórica real, concreta. Neste sentido, “visão do mundo”, de acordo
com Goldmann:
[...] é precisamente esse conjunto de aspirações, de sentimentos edeidéias que reúne os membros de um grupo (mais freqüentemente, deuma classe social) e os opõem aos outros grupos.Goldmann (1979, p.19).
Isso significa que a “visão do mundo” está inserida no que comumente chamamos
de Ideologia. Dentro desta premissa, o espaço deixa de ser entendido apenas como objeto, como
se faz na perspectiva naturalista ou, por outro lado, como uma produção material da sociedade,
numa visão coisificada, mas passa a ser entendido como parte inerente do processo social.
Com isso, compreendemos que o conjunto dos discursos que expressam uma
determinada “visão do mundo” emana concepções, idéias e valores que uma dada sociedade ou
grupo social, num determinado momento, concebe acerca do seu meio e tece relações com ele,
caracterizando o que denominamos de “pensamento geográfico”.
Nestes termos, de acordo com Moraes (apud Antonio Filho, 1995), o chamado
“pensamento geográfico” tem uma abrangência tal que unifica os mais variados discursos, com
fundamentação não somente nas diversas “concepções” historicamente ligadas à Geografia, mas
também, nas reflexões originadas de outros saberes, cujo sentido tenha relação com os conteúdos
dos temas produzidos pela consciência do espaço. Isso implica, inclusive, numa abertura ao
conhecimento tradicional-popular, porque faz parte também do acervo histórico produzido
socialmente no contexto de formação cultural de uma sociedade ou de um grupo social. Então
assim, presentes em contextos discursivos, os mais diversificados, além dos estritamente ligados
á Geografia, abrangendo desde a pesquisa cientifica ao texto jornalístico, passando pela Literatura,
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a ensaísta, o pensamento político, etc.
Quanto à Literatura, nos apoiamos no que nos afirma Sevcenzo:
[...] não é uma ferramenta com que se engendrem idéias ou fantasiassomente para a instrução ou deleite do público. É um ritual complexoque, se devidamente conduzido, tem o poder de construir e modelarsimbolicamente o mundo, como os demiurgos da lenda grega o fazi-am. Sevcenko (1983, p.233).
Neste sentido, o fato da Geografia buscar nos textos literários fontes de
interpretação e “leitura” sobre determinado espaço social ou natural, significa também, entre outras
coisas, numa “maneira simples e sugestiva” de estudo, proporcionando o lúdico ao que seria ou
poderia ser, um texto técnico e muitas vezes desinteressante para o leitor leigo. É um geógrafo,
talvez pioneiro no Brasil em abordar o tema, Segismundo (1949, p. 329) que escreve: “É nos livros
dos romancistas, que melhor poderemos conhecer certas particularidades da flora e da fauna, e
as características de determinados grupos étnicos”.
Um outro autor, Carl Sauer e seus discípulos, primeiramente em Berkekey, nos
Estados Unidos, disperso por várias universidades, denominada Escola de Berkekey (1925-1975),
desempenhou papel fundamental na geografia cultural. Essa linha de pensamento nos apresenta
o interesse pelas obras humanas que se inscrevem na superfície terrestre e imprimem uma
expressão característica destas. A área cultural constitui assim um conjunto de formas
independentes e se diferencia funcionalmente de outras áreas.
Segundo Wagner e Mikesell:
A geografia cultural, como todas as subdivisões da Geografia, deveestar “ligada a Terra. Os aspectos da Terra, em particular aquelesproduzidos ou modificados pela ação humana, são de grandesignificado. O estudo destes aspectos geográficos resultantes da açãodo homem considera as diferenças entre as comunidades humanasque as criam ou criaram, e se referem aos modos especiais de vida decada uma como culturas.Wagner e Mikesell in Côrrea & Rosendahl (2003, p. 27).
II – A LITERATURA COMO FONTE DE APRENDIZAGEM GEOGRÁFICA
A Literatura poderá ser uma fonte de aprendizagem geográfica, isto porque, nesse
mundo em constante movimento e em transformações, por meio das linguagens literárias e
geográficas encontramos diversas interações.
Existem bons livros e textos literários (aí incluídos, entrevistas, artigos, relatos
de viagens, etc.) que podem ser utilizados pelo professor (em especial o de Geografia), no sentido
de embasar ou subsidiar idéias e conceitos geográficos. Obras como Os Sertões, de Euclides da
Cunha, Grande Sertão Veredas, de João Guimarães Rosa, O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo,
O Turista Aprendiz, de Mário de Andrade, Cidades Mortas, de Monteiro Lobato, São Bernardo, de
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Graciliano Ramos, Mad Maria, de Márcio de Souza, para citar alguns, são exemplos de bons livros
que podem perfeitamente ser usados na aprendizagem da Geografia.
Entretanto, entendemos que o professor deve ter alguns parâmetros para, com
segurança, adentrar neste tipo e ensino, sem cometer o equivoco de expor idéias sem o devido
crivo crítico.
Em primeiro lugar, deve o professor entender que nem em ciência nem em
literatura ficcional existe posicionamento de neutralidade. No caso do trabalho científico, nos
valemos de Capra, que escreve:
Os modelos que os cientistas observam na natureza estão intimamenterelacionados como os modelos de sua mente com seus conceitos,pensamentos, valores [...]. Embora muitas de suas detalhadaspesquisas não dependem explicitamente do seu sistema de valores,o paradigma maior dentro do qual essas pesquisas são levadas aefeito nunca está isento de valores. Capra (1986, p.81-82).
Essas observações são igualmente válidas para os textos literários. Como
explica Siches (1968, p.666), no contexto da Sociologia da Linguagem que: “Toda linguagem leva
implícita uma interpretação do mundo e de certo modo contém juízos éticos que exercem sua
influência sobre a vida social”.
Entende-se, desta forma, que o texto literário como forma de linguagem, busca
sempre interpretar o mundo (mesmo no sentido simbólico, ficcional e subjetivo) e apresenta,
explicitado ou não, valores e idéias de grupos sociais, em geral dominantes em sua ideologia.
O professor deve entender que o texto literário, mesmo quando retratam cenários
ou temas pretéritos, trazem embutida a visão de mundo do grupo ou da classe social ao qual o
autor pertence. Sobre o assunto, Sevcenko (op.cit. p. 20), escreve que:
Afinal, todo escritor possui uma espécie de liberdade condicional decriação, uma vez que os seus temas, motivos, valores, normas ourevoltas são fornecidos ou sugeridos pela sociedade e seu tempo – édestes que eles falam.
Isso tudo significa que ao trabalhar um texto literário, o professor deve ter sempre
em mente que o autor estudado expressa em sua linguagem, em geral, a ideologia do grupo
social dominante e que ele (o autor) é um elemento representativo. Se condicionarmos essa
afirmativa é porque há exceções. O chamado “intelectual orgânico” Gramsciano, representa um
exemplo de autor que adota, perfeitamente, a visão do mundo de outra classe social.
Com todas essas condicionantes expostas acima, o professor tem a possibilidade
de trabalhar um texto de maneira mais rica, na medida em que, com o prévio estudo sobre o autor
e seu tempo, pode estabelecer as influências sofridas em suas obras e conseqüentemente em
seu discurso.
A leitura geográfica das fontes literárias, mesmo ficcionais, nos fornece inúmeros
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exemplos, nos quais a idéia da espacialidade e a interação deste parâmetro com os fenômenos
sociais, econômicos e culturais, conseguem realizar uma síntese perfeita.
Na leitura de Os Sertões, de Euclides da Cunha, por exemplo, encontraremos
majestosas narrativas de cunho geográfico, em particular nos dois primeiros livros (A Terra e O
Homem). A descrição “cinematográfica” dos cenários e dos fenômenos físicos que assolam os
sertões nordestinos, de clima semi-árido, até a formação do homem sertanejo, apresenta uma
elaboração didática impar. Perpassa a Geografia ao longo do texto, favorecendo uma leitura rica
tanto ao docente como ao discente.
O livro Cidades Mortas, de Monteiro Lobato é outro exemplo, no qual o professor
pode explorar. Unindo os aspectos geográficos e históricos, somos contemplados com a descrição
fidedigna do Vale Histórico das Cidades Mortas da Região da Serra da Bocaina e outros “causos”.
Esse livro possibilita ao aluno, mesmo das séries iniciais do ciclo II do ensino fundamental, uma
visão bastante interessante daquele subespaço “deprimido” e de sua rica herança histórica.
Dependendo do interesse do professor e do estímulo dado ao aluno, as obras
literárias podem servir igualmente para moldar os propalados estudos em conjunto. Neste caso,
várias disciplinas escolares e evidentemente vários docentes, proporcionariam ao aluno uma visão
mais abrangente de determinado tema.
REFLEXÕES FINAIS
A Literatura como fonte de informações geográficas, começa a ser valorizada
pelos docentes como um meio eficaz de aprendizagem. Evidentemente, está implicitado que
uma pesquisa e o conhecimento prévio de conteúdos e autores, ajudam a definir os mais
interessantes textos/livros, considerando o público alvo e os objetivos da proposta pedagógica.
Com tudo isso, podemos entender que o texto literário está dentro das concepções
do chamado “pensamento geográfico”, isto é, um discurso produzido pela consciência de
espacialidade.
Para o professor, o texto literário tem a vantagem de unir o lúdico e a informação
embasada em conceitos técnicos. Muitas vezes, o entendimento de um fenômeno é muito melhor
“digerido” através de um texto literário do que de um texto cientifico. Isto é um fato.
Há, entretanto, a necessidade do professor entender que todo discurso literário
ou técnico/cientifico traz embutido, valores e juízos que devem ser trabalhados, sempre em razão
do processo histórico e do espaço geográfico no qual foi concebido.
Desta maneira, acreditamos que a literatura regionalista é a que mais se ajusta,
nas pretensões pedagógicas, de utilizar o discurso literário como fonte de informações geográficas.
A proximidade com determinada realidade é circunscrita a um determinado espaço, a literatura
regional apresenta características próprias e traduz com mais propriedade, uma experiência
vivenciada por grupos sociais com os quais podemos nos identificar.
Nesse sentido é por meio da linguagem ou das linguagens que o homem tem se
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expressado, no transcorrer da História, registrando o resultado de suas idéias, emoções e
inquietações em livros científicos ou filosóficos, nas artes plásticas, na música, na literatura –
enfim, nas obras que constituem o rico acervo cientifico-cultural.
Consideramos a possibilidade enriquecedora de complementação, da relação
Geografia-Literatura, como veículo de educação e formação de docentes e discentes, que possam
se posicionar de maneira critica, responsável e participante, nas diferentes situações sociais as
quais estão inseridos. O conhecimento das dimensões sociais, materiais e culturais, colaboram
na construção da noção de identidade nacional e pessoal, gerando o sentimento de pertinência e
conseqüentemente contribuindo para a melhoria do meio social.
Esse trabalho visa juntar-se às outras contribuições e, como tal, abre-se à
apreciação crítica.
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Zelu opangiwa.Ninguém nasce ensinadoZambézia CentralIdiomas: Etxuabo/ Língua Portuguesa
INTRODUÇÃO: A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NOS DIAS ATUAIS
Segundo Libâneo (2003) deve-se levar em conta para a formação de professores
um apanhado de estudos considerados no contexto social, econômico, político e cultural no qual
ele está inserido, visto que o exercício profissional docente está sempre relacionado aos fins e às
práticas do sistema escolar mais amplo e ao contexto social.
Nesse contexto, merece atenção os chamados “velhos problemas” em relação à
formação de professores, que evidenciam desarticulações em diferentes níveis, sendo considerado
como o mais preocupante deles, a desarticulação entre teoria e prática, entre o discurso e a ação,
o que se configura de grande gravidade no tocante às questões raciais no Brasil.
Sendo assim, vale ressaltar a importância da formação desses profissionais na
construção de um currículo que contemple as novas demandas da sociedade brasileira, hoje
voltadas para a promoção da equidade social e a atenção para a diversidade cultural. A conseqüência
imediata disso é a necessidade de construção teórica de um currículo crítico (APPLE, 1982;
GIROUX, 1986; FREIRE & SHOR, 1997), que possibilite ao professor o resgate da cultura que o
aluno é portador e não se limite apenas a prescrever o que deve ser ensinado.
Este referencial sugere e faz emergir novas e complexas demandas para
professores. A inclusão da História e Cultura Africana e Afro-brasileira no currículo lhes remete
inicialmente ao desafio da necessidade de análise permanente de como as fronteiras raciais e
étnicas vão sendo produzidas no interior de nossos currículos e de nossas práticas pedagógicas,
principalmente em um país onde o mito da democracia racial é tão forte.
Isso leva-nos à assunção da importância da reflexão, na atualidade, acerca da
cultura afro-brasileira e africana no âmbito das nossas preocupações como investigadoras e neste
trabalho, conforme apresentaremos a seguir.
FORMAÇÃO DE PROFESSORES COM BASE NA LEI10639/03: CULTURA AFRICANA E O LEGADO DE
EDUARDO MONDLANE NOS DIAS ATUAIS.
SILVA, Nilce da; FERREIRA, Cléa Maria da Silva (FE/USP)
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A LEI 10639/03: O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO- BRASILEIRA E
AFRICANA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
A Lei 10639/03 que altera Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
e estabelece obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação
Básica e o Parecer Nº 1/04 do CNE que estabelece as Diretrizes Curriculares das Relações
Étnico-Raciais, vem exigindo modalidades de atualização continuada para educadores, tanto para
repertório informativo específico como para formação de excelência na matéria, conforme almeja
a regulamentação.
Segundo Munanga (2005) a formação de professores que não tiveram em sua
base de formação a história da África, a cultura do negro no Brasil e a própria história do negro de
um modo geral se constitui no problema crucial das novas leis que implementaram o ensino da
disciplina nas escolas. E isso não simplesmente por causa da falta de conhecimento teórico,
mas, principalmente, porque o estudo dessa temática implica no enfrentamento e derrubada do
mito da democracia racial que paira sobre o imaginário da grande maioria dos professores.
Na cidade de São Paulo, por meio das coordenadorias regionais da Secretaria
Municipal de Educação, sabe-se que em relação à formação continuada algumas iniciativas têm
sido tomadas, apesar de tímidas e isoladas. E, quanto à formação inicial, realizada pelos cursos
de pedagogia e demais licenciaturas na Universidade de São Paulo (USP), porém, desde a
promulgação da lei em 2003, pouco tem sido feito para sua operacionalização.
Tal situação leva ao questionamento do fato de que as reformas educativas
expressam consenso em considerar que a formação geral de qualidade dos alunos depende de
uma formação de qualidade dos professores. E, nesta direção, inúmeros estudiosos (Alarcão,
2003; Contreras, 2002; Martins, 2000; Pimenta, 1999; Nóvoa, 1999; Bueno et alli, 1998; Catani,
1997; Brzezinski, 1996; Zabalza, 1994; Zeichener, 1993; Schön, 1992; Sampaio, 1991; Chevallard,
1991; Giroux, 1988) admitem que a formação docente é um ponto nevrálgico e toda reforma de
ensino que pretende produzir efeitos duradouros e que, sem a sua adequada solução, qualquer
mudança estará limitada, quando muito, a resultados efêmeros. Acredita-se que o sucesso ou o
fracasso das reformas dependerão, em última instância, do nível de convencimento e transformação
dos docentes.
Neste contexto e tendo em vista a natureza deste trabalho, optamos pela seguinte
composição no âmbito da metodologia de pesquisa: “estudo de caso” e “pesquisa bibliográfica/
documental”.
“VOZES DA USP” – UM ESTUDO DE CASO EXPLORATÓRIO - E O LEGADO DE
EDUARDO MONDLANE- ANÁLISE DOCUMENTAL E BIBLIOGRÁFICA
O “estudo de caso”, com caráter exploratório, cujo principal instrumento de coleta
de dados foi a entrevista semi-estruturada - ao qual nos reportamos neste trabalho – foi realizado
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durante o mês de junho de 2006 na Faculdade de Educação da USP junto a dez alunos de
licenciatura e dez graduandos de Pedagogia – “vozes da USP” - todos em fase de conclusão dos
cursos e teve como objetivo verificar qual a percepção que estes alunos têm acerca da proposta
contida na Lei 10639/03.
O perfil destes alunos apresenta algumas especificidades: são jovens entre 23 e
28 anos, em sua maioria mulheres; brancos; pertencentes à classe média; que já têm relativa
experiência em sala de aula como estagiários e auxiliares de classe; e têm pretensões de dar
continuidade aos estudos em nível de mestrado e doutorado na mesma área de sua formação.
Dentre os questionamos realizados com estes, destacamos os seguintes dados: 1- Quando
perguntados sobre conhecimento da Lei 10639/03 e grande foi a surpresa, quando 25% afirmou
desconhecê-la; 40% afirmou conhecê-la vagamente e através de jornais e revistas e locais de
trabalho; e apenas 35% disse ter tomado conhecimento e participado de discussões acerca da
mesma, apesar de ter sido fora da universidade. 2- Ao referirem-se à necessidade ou não de
disciplinas que contemplem a cultura Afro-brasileira e Africana nos currículos todos foram unânimes
em concordar e 70% dos mesmos foram além da questão da dificuldade que porventura irão
sentir quando assumirem alguma classe se não estiverem devidamente preparados para tratar
de forma pedagogicamente adequada às questões raciais dentro da escola, afirmando que até
como formação de cidadãos brasileiros é necessário que se conheça de maneira equânime a
história daqueles que foram responsáveis pela construção da nossa sociedade, atribuindo seu
devido valor. 3- Com relação à “ausência” desta temática na USP, 10% dos entrevistados afirmam
que a mesma não contempla a temática de formação em questão, pois não atende a população
afro-descendente; 15% a situação à falta de preparo dos professores; 18% à inexistência de
legislação específica; 27% atribuíram à ausência de órgãos que supervisionem a USP nesta direção
e 30% argumentaram que se trata de uma barreira de ordem burocrática e ideológica da
universidade que prioriza outros temas de estudo. Diferentes estudos corroboram com os dados
obtidos neste estudo de caso exploratório. Destacamos: Munanga (2005), Assis e Canen (2004),
Pinto (2003), Gomes (2003), Silva e Pinto (2001), Silva (2001), Pinto (1999), Silva (1984).
Tendo em vista esta situação, o grupo de pesquisa, ensino e extensão
Acolhendo Alunos em Situação Escolar – www.projetoacolhendo.org – apoiado pelo CNPq e
FAPESP, a partir de 2002, e ainda, por meio de parceria com a Faculdade de Educação da
Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique – no âmbito do edital ProAfrica (2005), inicia uma
série de atividades que procuram reduzir esta “ausência” no âmbito da USP. Dentre elas, para fins
deste trabalho, destacamos pesquisa com caráter documental/bibliográfica realizada em torno do
“herói” moçambicano Eduardo Mondlane nas seguintes fontes: 1- Relatório sobre metas de
desenvolvimento do Milênio. Maputo, 2005. 2- Análise de Pobreza e Impacto Social (PSIA): admissão
e retenção no ensino primário: o impacto das propinas escolares. Maputo, 2005. 3- Plano de
Acção para Redução da Pobreza Absoluta em Moçambique. Maputo, 2001. 4- DEVELOPMENT
PROGRAMME - UNDP. Relatório Nacional de Desenvolviment Humano de Moçambique, 2000.
Maputo. 5- Ministério da Educação. Plano curricular do ensino básico: objetivos, política, estrutura
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e plano de estudos. Maputo: MINED/ INDE, 1999. E ainda, dois livros “História de Moçambique” e
“Datas e documentos da história de Moçambique”, editados pela Frente de Libertação de
Moçambique (FRELIMO), sendo que o primeiro data de 1972 e o outro, 1975. Ambos são formados
pelos mais diferentes tipos de documentos: cartas, fotografias, relatos autobiográficos de seus
líderes, estatutos, panfletos, discursos, atas de reunião, dentre outros.
Por meio de fichamentos, análise e tratamento destas fontes, constatamos: 1-
Mondlane é considerado herói moçambicano por força do trabalho de divulgação da FRELIMO. 2-
É possível conhecer a história de um país ao percorremos a construção da história de seus heróis
nacionais, assim como dos países envolvidos na mesma. 3- Mondlane defendia as bases
moçambicanidade por meio da luta de libertação numa dimensão cultural, assim como, armada,
e opunha-se a qualquer forma de discriminação e à promoção das desigualdades sociais e entre
os povos. 4- Mondlane inspirou-se em um dos maiores poetas da humanidade: Craveirinha. 5- O
povo moçambicano se encontra explorado e em situação de miséria generalizada semelhante à
época da colonização portuguesa, contra a qual Mondlane tanto lutou. 8- Os desejos de “liberdade”
propagados por Mondlane não se concretizaram em Moçambique no século XXI. 9- Suas
memoráveis palavras de ordem “E a luta continua!” continuam válidas nas fronteiras que fazem o
país chamado Moçambique. 10- As informações obtidas através destas fontes, até onde
investigamos, não têm sido divulgados no âmbito da formação de professores de ensino básico –
seja na USP ou nas oficinas promovidas pelas coordenadorias de ensino da cidade de São Paulo.
Apresentados alguns dos dados coletados até o momento, fazemos as seguintes
considerações, distantes de serem finais, tendo em vista a natureza do objeto de estudo em
questão.
CONSIDERAÇÕES “FINAIS”
Dos dados coletados até o momento, verificamos a tendência em afirmar que existe
uma enorme distância entre os modelos de formação vigentes e os modelos que a realidade atual
exige, evidenciando cada vez mais a necessidade dos cursos de formação de professores sofrerem
significativas alterações para estar em consonância com as demandas sociais tanto na cidade de
São Paulo, como nos demais estados da federação.
Além disto, as mesmas informações corroboram com o estudo de Sampaio (1991)
sobre a USP a Universidade de São Paulo. Para ele, esta universidade tem uma história diferente
das demais instituições do país, na medida em que faz parte da resistência da elite paulista ao
governo central do Rio de Janeiro e desde o seu surgimento em 1934, foi dotada de orientação
própria e grande autonomia. Na verdade ela era uma instituição criada pelas elites e para essa
mesma elite, com o propósito de se dedicar basicamente aos altos estudos e à pesquisa, ficando
a formação docente relegada. Na verdade, desde o início, a preocupação da universidade era
formar bacharéis - que muitas vezes por uma mera questão de necessidade e praticidade, visto
que a profissão docente, apesar de pouco valorizada, sempre serviu de válvula de escape para os
que não conseguiam emprego em suas áreas – recorriam às licenciaturas para garantir a
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empregabilidade.
Com o passar dos anos e a massificação que o ensino superior tem experimentado
na última década (CASTRO, 2001), houve uma mudança, pouco significativa na verdade, na sua
configuração, principalmente com o acesso de alunos oriundos de camadas menos privilegiadas
da sociedade, mesmo que em número irrisórios, pois não houve aumento significativo de vagas,
visto que algumas instituições públicas que concentram determinados cursos tradicionais (direito,
medicina, engenharia, arquitetura, odontologia, etc) acolhem um público de considerável capital
social e/ou escolar e têm demonstrado sérias dificuldades para expandir suas matrículas, porque
se o fizessem teriam de incorporar outro tipo de público, destituídos de distinção social. (MAR-
TINS, 2000).
Ainda segundo este estudioso, a tradição da educação superior brasileira não é
universalista. Mais do que em outros países, ela ainda permanece com fortes traços elitistas. Se
o fenômeno da elitização, no início, se identificava pelo reduzido número de instituições e de
vagas, a evolução do sistema, decorrente da dinâmica social e do aumento das possibilidades de
acesso da população às oportunidades educacionais mais avançadas, introduziu, paulatinamente,
novos mecanismos de discriminação e distinção social [...] e ou de sucateamento destas instituições
públicas.
É possível que o destino da Lei 10639/03, seja o mesmo de muitas outras que
procuram minimizar a dívida social para com os afro-descentes e para com a África como um
todo, já que, nosso país é pródigo em leis que se transformam em “letra morta”. E a situação se
torna mais preocupante quando se trata de temática tão “problemática”, já que temos vivido sob a
égide da democracia racial e são muitos os que concordavam com os nossos currículos, livros e
procedimentos didáticos racializados e eurocêntricos.
Os desafios são muitos para a superação dessas dificuldades e o papel das
universidades e agências nacionais e estaduais de fomento é central, tendo em vista os entraves
que as hostes acadêmicas têm colocado para assumir uma ética na produção de conhecimentos
que reflitam um novo compromisso com a teoria, como um espaço muito mais amplo de trocas,
não apenas através da racionalidade, embora balizados por ela.
À luz dos dados coletados e dos autores aqui citados, reconhece-se que a temática
sobre afro-brasileiros e África enfrenta a falta de preparo acumulada pela descontinuidade histórica
na Escola, sobretudo como política de ação educativa. Falta produzir conhecimento e integrá-lo
aos demais assuntos pedagógicos apresentados para reflexão. A conseqüência evidente se serve
de abordagens genéricas que provocam excesso de questões assim que o assunto entra em
discussão. A organização desse conhecimento, intelectual e emocionalmente, tem fontes de
conhecimento bem concretas no material de apoio, no foco sobre o comportamento dos educadores
e alunos e na qualidade da formação.
A pesquisa bibliográfica e documental que fizemos acerca de Mondlane poderia se
constituir como uma das modalidades possíveis para a produção de conhecimento acerca do
continente Africano com o intuito de redimensionar as ações educativas em relação a conteúdos,
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metodologias, recursos didáticos e práticas avaliativas que valorizem e difundam os conhecimentos
oriundos da matriz cultural negro-africana e africana e, principalmente, ao tratamento adequado
das questões raciais em sala de aula.
Ou seja, as pesquisas realizadas neste campo do saber poderão contribuir para se
combater as lacunas sofridas nas referências históricas da comunidade de origem africana no
Brasil, para que se promova a construção de construção de uma auto-imagem digna de respeito
e estima.
Em suma, constatamos, ainda que preliminarmente, que a ancestralidade africana
milenar nos é ocultada em sala de aula, nos livros didáticos, na universidade, no curso de formação
de professores e no cotidiano das nossas vidas.
Pouco ou nada, nós brasileiros, conhecemos sobre África e o conhecimento que
tem sido veiculado nas diferentes instâncias sociais tem sido causa para o riso e o deboche, já
que é fruto de discurso eurocentrista que nos têm condenado à condição de objetos,e não sujeitos
da história. E ainda, distorções que ajudaram a fixar noções desgastadas da identidade “negra”
relacionada a “aptidões naturais” como: lúdico, esporte, música, dança, mas nunca referentes às
atividades relacionadas ao domínio intelectual, científico, econômico ou técnico. Ao mesmo tempo
em que, nessa visão simplista, o desenvolvimento político social e econômico africanos nunca
nos são apresentados, assim como, as tecnologias de mineração e metalurgia,a domesticação
dos animais, a agricultura nunca são citados; e menos ainda, os conhecimentos de medicina,
matemática, astronomia, metalurgia, engenharia dos quais inúmeras sociedades africanas
tradicionais eram portadoras antes da devastação colonial (SILVA, 1984).
Nesta direção, segundo a citada autora, no que tange à metalurgia, destacamos
que, na tecnologia ligada à engenharia podemos citar as ruínas de Monomatapa, cidade-estado
localizado no antigo reino de Zimbábue, fronteira com Moçambique - pois a construção da capital
desta sociedade é uma verdadeira façanha de engenharia: o muro que circundava a cidade de 10
mil habitantes, tinha 250 metros de extensão e quinze mil toneladas de granito, com dois metros
de espessura;cada metro continha 4.500 blocos de granito.
Não só este muro, mas muitos centros civilizatórios na África foram destruídos
como resultado da brutal colonização, colaborando para a construção/ manutenção da imagem
da África como sendo um continente de bárbaros e selvagens.
Deste modo, e para finalizar este trabalho, em concordância com Matsinhe (2001)
e Silva (1984), apontamos a possibilidade de que, ao conhecermos a história da África, antes da
chegada dos colonizadores, poderemos colaborar para com a destruição de concepções
distorcidas, jocosas e preconceituosas, bastante fortes na sociedade brasileira, tal como
explicitamos ao longo deste texto. E assim, finalizamos este trabalho com o poema de Craveirinha,
e perguntamo-nos até quando ele continuará a refletir a vida de milhões de crianças abaixo da
linha do Equador:
“Menino gordo comprou um balão
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e assoprouassoprou com força o balão amarelo.Menino gordo assoprouassoprouassoprouo balão inchouinchoue rebentou!Meninos magros apanharam os restose fizeram balõezinhos.”
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DISEÑO DEL PROGRAMA DE FORMACIÓN.
El programa de formación del profesorado en género aborda y se sustenta en el
reconocimiento de los elementos de la cultura (nivel macroestructural), de los contextos de
interacción (nivel mesoestructural) y de la propia experiencia (nivel microestrucural), relacionados
con las concepciones patriarcales que se movilizan en los contextos educativos.
El desarrollo del programa de formación está orientado de acuerdo con las fases
consecutivas de la práctica docente planteadas por Colás (2004:287) la renovación de la práctica
docente en cuestión de género en los centros escolares exige, a nuestro entender, tres fases
consecutivas: 1) Sensibilización y visualización de las prácticas pedagógicas transmisoras de los
estereotipos de género en las instituciones escolares por parte del profesorado, 2) formación del
profesorado para la transformación de prácticas sexistas y por último, 3) expansión y diseminación
de buenas prácticas educativas basadas en la equidad de género. En este mismo sentido Crawford
y Chaffin, (1997:121) señalan que los sistemas de género operan en tres niveles: en el plano
sociocultural, en el plano interactivo y a un nivel personal.
El estudio de género en el programa de formación aborda las fases consecutivas
de la práctica docente en pedagogía de género a partir de las siguientes definiciones:
a) La fase sensibilización y visualización de las prácticas pedagógicas transmisoras
de los estereotipos de género en las instituciones escolares por parte del profesorado, como una
forma de adquisición de los conocimientos científicos que permita al profesorado en formación
comprender la relación género - poder; y en consecuencia, asumir de manera crítica las formas
de aprendizaje que moviliza la institución educativa.
b) La fase formación del profesorado para la transformación de prácticas sexistas,
posibilita establecer una relación entre la problemática de género y poder con las estructuras
educativas y a su vez, redefinir la función del profesorado con respecto a ella. Esta dialogicidad
promueve en la fase mesoestructural diseñar y experimentar herramientas didácticas para la
evaluación y aprendizaje de las nociones de género y poder y a su vez reflexionar sobre las
concepciones de género-poder tanto en el profesorado en formación como en los niños y niñas.
c) La fase expansión y diseminación de buenas prácticas educativas basadas en
la equidad de género, demanda la utilización de procesos de investigación acción que potencien el
estudio de las relaciones género y poder en la experiencia cotidiana y su articulación con las
manifestaciones de las mismas en niveles más amplios de la esfera cultural, escolar y personal,
de tal manera que fije las bases para que el profesorado en formación se inquiete por mantener
LA FORMACIÓN DEL PROFESORADO DESDE LAPERSPECTIVA DE GÉNERO
MUÑOZ, Lucy Mar Bolaños
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una dinámica permanente entre la investigación y el perfeccionamiento de la profesión. Esta fase,
se materializa en una intervención educativa para percibir una realidad latente en las y los
estudiantes preescolares frente a sus concepciones de género y poder desde muy temprana
edad, analizar las estrategias pedagógicas implementadas a partir del cuento, participar con un
grupo de maestras en formación en un proyecto específico de intervención en el aula, adquirir
experiencia en el campo de la didáctica, valorar de manera crítica cada una de las estrategias
implementadas, validar teorías y métodos a partir de la temática y sobre todo experimentar y
controlar experiencias de actuación pedagógica.
Otra de las claves del programa es el valor de la interacción sujeto-contexto. La
acción o intervención formativa parte del presupuesto que “el funcionamiento mental y el marco
sociocultural sean entendidos como momentos dialécticos que interactúan, o aspectos de una
unidad de análisis más completa: la acción humana” (Wertsch, 1997:52). Por tanto, en el programa
de formación un ambiente ecológico se concibe, según Bronfenbrenner (2002), como una
disposición seriada de estructuras concéntricas en las que cada una está contenida en la siguiente.
Estas estructuras se denominan macro, meso y micro.
En el programa la acción no se lleva a cabo de manera aislada por el individuo o por
el colectivo, aunque hay momentos individuales y sociales en todas las acciones propuestas, se
busca que a través de los grupos de discusión se pongan de manifiesto las ideas que sobre el
tema se manejan a nivel individual para generar, en relación con los otros/otras, una dinámica de
interacción entre el marco sociocultural de la relación género-poder y las concepciones de cada
individuo.
Por razones similares, una explicación de las concepciones de género en relación
con el poder no se puede derivar del estudio del funcionamiento mental de los sujetos o del marco
sociocultural, aisladamente considerados sino, de su interacción. Para el desarrollo del programa
la acción proporciona el contexto en el que el individuo y la sociedad se interrelacionan
El eje temático del programa centra en el currículo la relación género – poder, este
contenido se fundamenta en la comprensión del sistema de géneros, ya que el género no es sólo
un sistema de organización de las identidades, sino que es un sistema de poder. De ahí, surge la
necesidad de transformar la naturaleza misma del poder y su relación con lo masculino, a través
de la visibilización y concienciación de las estructuras internas de género que configuran una
sociedad desigual en género.
Para ello, se proponen acciones que permitan visualizar las concepciones de género-
poder como formas de actitud hacia el otro y en relación con su propia expresión, puesto que se
considera que “nuestro discurso, o sea todos nuestros enunciados,…están llenos de palabras
ajenas de diferente grado de “alteridad” o de asimilación, de diferente grado de concienciación y
de manifestación” (Bajtin, 1982:279). En el programa se estudian las marcas de género y poder
de la cultura que a través del discurso propio se manifiestan y que nos servirán para la concienciación
en la problemática.
De cara a esta finalidad y considerando que “las voces a las que se ve expuesto un
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hablante en la vida social determinan algunos de los aspectos fundamentales de la manera en que
la realidad se ve representada en el habla interna” (Wertsch, 2001:237), formar al profesorado
visibilizando la problemática existente en la relación género-poder es una forma de construir nuevas
representaciones del género y el poder. Las cuales implican la formación de mujeres más
autónomas, capaces de decidir por sí mismas y de reconocer sus propios intereses y deseos al
enfrentar la realidad.
A continuación presentamos la estructura del programa de formación, la cual se
organiza a partir de tres niveles así, el nivel macroestructural hace referencia al imaginario social
sobre género y poder y a la consecuente permanencia de significados y patrones estables a nivel
cultural (como los estereotipos de género), que constituyen la base sobre la que los sujetos pueden
articular la propia existencia partiendo de códigos y categorías de identidad asignados por la
sociedad. En suma, este módulo incluye las representaciones sobre el género establecidas a
nivel cultural y social.
El nivel mesoestructural hace alusión a los escenarios educativos y a las creencias
sobre género y el poder que se gestan y reproducen a nivel institucional, es decir, las organizaciones
educativas como tales suscitan desde sus prácticas y discursos los aprendizajes de género y
poder a nivel interpersonal.
Y, el nivel microestuctural alberga procesos intrapersonales en los que se
desencadenan una serie de discursos, significados concretos, roles, valores, formas determinadas
de organización social, normas de participación y de conductas legitimadas a nivel social que son
determinantes para la consolidación de la identidad de género.
La figura siguiente muestra la estructura del programa de formación.
Propuestas de Acción
Nive les d e Form aci ón
Pro duct osO bje tivosF orm ativo s
Mac roe stru ctur al
Mic roes truc tura l
Me soes truc tura l
M apa s C onc ept uale s
An ális is d e Ca so
H isto rias de V ida
ID ENT IFICAR E INT ERPRETAR LAS CON CEPC IONES
IND IVIDU ALES DE GÉNER O EN LOS PR OCES OS INTERPERS ONALES.
IDE NT IFIC AR L AS CO NCEP CIONES DE GÉNER O-PODER E N LA
RE ALIDA D PR ÓXIMA
IDENTIFICA R LAS CON CEPC IONES
D E GÉ NERO Y POD ER EN LAS P ROD UCCIONES
CU LT URALES.
HERRAMIENTAS
DIDÁCTICAS
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Figura 1: Estructura del programa de formación en género.
El diseño curricular del programa se estructura a partir de una serie de
procedimientos didácticos en cada nivel de formación. Los cuales permiten obtener unas
producciones que a su vez son consideradas para la evaluación del impacto formativo. Así, la
apropiación es valorada a partir de las cosmovisiones culturales de género, la privilegiación se
evalúa a partir de los procesos discursivos y la reintegración se expresa en las proyecciones
educativas del profesorado.
METODOLOGÍA
En esta investigación se articulan técnicas cualitativas y cuantitativas para el análisis
de los datos a fin de responder a nuestros intentos por comprender y explicar los fenómenos
estudiados y sobre todo para alcanzar resultados estables que nos permitan proponer un modelo
de formación inicial del profesorado.
La recogida de datos va destinada a identificar, antes y después del desarrollo del
programa, las características de las cosmovisiones culturales, los procesos discursivos y las
proyecciones pedagógicas en la relación género-poder del profesorado en los tres niveles de
formación (cultural-macroestructural, contextual-mesoestructural y personal-microestructural) y
en la evaluación de impacto del programa.
Las técnicas empleadas, concretamente los mapas conceptuales (nivel
macroestructural), el análisis de caso (nivel mesoestructural), las historias de vida (nivel
microestructural) y los proyectos (evaluación de impacto) ofrecen material en el que se manifiestan
concepciones y significados de una cultura en general, de los contextos en particular y su incidencia
en la internalización que hace el profesorado sobre la relación género – poder a través de las
interacciones culturales, contextuales y personales. En esta misma línea, las propuestas de
investigación que realiza el profesorado en formación nos permite valorar el impacto del programa
a través de las propuestas de intervención pedagógica articuladas a la relación género-poder.
A través de estas elaboraciones discursivas se perciben las cosmovisiones
culturales, los procesos discursivos y las proyecciones educativas que sobre la relación género-
poder maneja el profesorado en formación. En este sentido, es válido considerar, (Colás, 2001a:29)
la necesidad de aplicar metodologías novedosas y específicas que no disponen aún de suficiente
calado a nivel científico por su carácter incipiente para la validación de un programa de formación
inicial del profesorado desde la perspectiva de género. En esta línea, recientes trabajos como el
de Rebollo y otras (2001) ponen de manifiesto que la mayor parte de los estudios de género se
resuelven fundamentalmente mediante la utilización de la metodología clásica, concretada en el
uso de métodos descriptivos.
Además, se ha abordado una metodología cualitativa de corte narrativo porque nos
permite indagar sobre las formas, cualitativamente diferentes, en que las personas experimentan,
conceptualizan y perciben el mundo que les rodea. Así como también, nos permite revelar las
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representaciones propias que cada persona elabora para dar sentido a experiencias vitales a
través de su propia identidad de género, al mismo tiempo que, favorece la identificación de los
significados y patrones asociados a cada contexto social privilegiado y elaborado por la persona.
En este orden de ideas, las historias de vida, los conceptos de género-poder y las
percepciones de la realidad de género-poder en contextos educativos constituyen la base de la
identidad personal y profesional del profesorado en formación. Podemos considerar que las
experiencias de vida configuran al profesorado y condicionan lo que hacen en su práctica. Por ello,
el uso de este tipo de metodología aporta la posibilidad de comprender las formas cualitativamente
distintas en que los y las profesionales de la educación experimentan, perciben y comprenden la
realidad, lo cual implica, a su vez, una manera determinada de definir lo que son.
LOS OBJETIVOS DE LA INVESTIGACIÓN SON:
- Diseñar un programa de formación del profesorado desde la perspectiva
de género basado en la investigación acción.
- Experimentar modelos de formación inicial del profesorado basados en la
investigación acción.
- Evaluar el Impacto Pedagógico del Programa de Formación en Género.
La idiosincrasia de esta investigación hace necesaria la conjugación de diseños de
investigación procedentes de enfoques metodológicos distintos. Lo que conlleva a la elaboración
de un diseño complejo en el que se articulan estudios procedentes del enfoque positivista,
interpretativo y crítico.
El enfoque positivista está presente en la comprobación del efecto o impacto del
programa de formación. En este sentido se adopta el diseño de un grupo intrasujeto multitratamiento
con tres variables independientes y se utiliza el SPSS para el análisis de los datos.
El diseño interpretativo está presente en la conceptualización y acopio de datos de
las variables dependientes capturados a través de narraciones, discursos e historias de vida. Las
variables por tanto no están precisamente operativizadas sino que se construyen de forma inductiva
a través del análisis del discurso y para ello, se utiliza el Atlas-ti.
El enfoque crítico es el eje metodológico que articula la información formativa y por
tanto los tratamientos.
La integración en un único diseño de estos enfoques metodológicos se visualiza en
la siguiente figura.
RESULTADOS
1. COSMOVISIÓN CULTURAL DE GÉNERO-PODER DEL PROFESORADO.
Los cambios que produce el programa de formación del profesorado en género en
cuanto a las cosmovisiones culturales son diferentes en todos los niveles de formación.
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La cosmovisión cultural hace referencia a los significados sobre la relación género-
poder compartidos por todos los miembros de una misma sociedad y cultura. Esta categoría
alude a la articulación y estructura de la cosmovisión de género desarrollada por los sujetos en la
percepción e internalización del discurso cultural de género-poder.
En los datos iniciales el nivel macroestructural registra el polimorfismo legitimador
más alto (84,2%) y el nivel meso- el polimorfismo de resistencia más alto (36,8%), lo cuál está
relacionado con las estructuras mentales que exigen cada uno de los niveles de formación, mientras
para interactuar con el nivel macro- se requiere de procesos de pensamiento superiores, el nivel
meso- demanda estructuras menos elaboradas. Este resultado sugiere que el profesorado es
más proclive a percibir discriminación de género en contextos particulares (nivel mesoestructural)
que manifestarlos a través de estructuras conceptuales (nivel macro). De igual manera, por tratarse
de contextos más cercanos, el profesorado está más implicado en la problemática de género-
poder en los contextos personales (nivel micro), le siguen los particulares (nivel meso) y por
último los culturales (nivel macro).
Así mismo, en el nivel macroestructural al trabajar a partir del desarrollo de la
adquisición de elementos teórico-conceptuales y propiciar que el profesorado estuviese en contacto
con textos que abordan la problemática se logra que no se registren casos en polimorfismo
legitimador. Estos resultados muestran que a través del nivel macro- se asegura una mejora más
rápida en los procesos de pensamiento acerca de la relación género-poder en el contexto cultural.
En los resultados finales el nivel macro y meso tienen el mismo porcentaje (15,8%)
en polimorfismos de resistencia, en el nivel microestructural se registra el 26,3% y ningún caso en
la evaluación de impacto, estos datos y el porcentaje que se registra en polimorfismo de proyecto,
84,2% en el nivel macro y meso, 100% en la evaluación de impacto y 68,4% en el nivel micro; nos
permiten afirmar que la incorporación de polimorfismos de proyecto en el nivel microestructural
implica ineternalización de los mismos, por lo tanto podemos concluir que este es un proceso
más complejo y que no se resuelve completamente en un curso universitario.
La internalización de la relación género-poder no es un proceso de copia de la
realidad externa en un plano interior ya existente; es más, es un proceso en cuyo seno se desarrolla
un plano interno de la conciencia de género-poder que proviene de los otros. Por lo tanto, una
buena forma de iniciar el programa para futuras aplicaciones es colocar la realidad interna (nivel
microestructural) en un plano externo en virtud de su naturaleza social-transaccional; en este
sentido se hace visible el dominio de las formas semióticas externas que sobre la relación género-
poder estamos manejando en el plano interno; después de este proceso el profesorado en formación
estaría más sensible a la percepción de la realidad de género-poder en contextos particulares
(nivel mesoestructural) y finalmente la revisión de las teorías sobre género-poder potenciarían la
estructuración de conceptos (nivel macroestructural) más elaborados sobre la relación género-
poder.
En consecuencia, un programa de formación del profesorado en género, por lo
menos cuando es trabajado con mujeres, es conveniente iniciar por la fase microestructural,
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continuar con la mesoestructural y finalizar con la macroestructural. Esto se explica a la luz de la
existencia de estructuras de pensamiento desarrolladas previamente sobre la relación género-
poder, las características que demuestran las estudiantes en sus procesos de pensamiento sobre
género-poder, el tiempo que tarda la incorporación de los mismos en cada fase y la implicación.
Mientras que el nivel macro-, meso- y evaluación de impacto potencian la implicación
externa es decir que la interpretación de la realidad de género –poder se efectúa con referencia
exterior al sujeto, en el nivel micro- la implicación es interna, con referencia interior y personal al
sujeto, el nivel macro- y la evaluación de impacto potencian un escenario de la relación género-
poder complejo en un 68,4%, el nivel micro- registra el más bajo porcentaje 63,2% y el nivel meso-
registra el más alto 89,5%, estos datos nos proponen que los contextos de actividad de cada nivel
de formación del programa activa procesos mentales diferentes en el profesorado para interactuar
con la temática de género-poder.
La comprensión de la relación género-poder pasa por la utilización que hacen las
estudiantes de la expresión de la misma y tal como nos muestran los resultados algunos contextos
permiten mayor fluidez y el profesorado logra incorporar relaciones y asociaciones de tipo causal
entre los diferentes grupos de significados de género-poder en mayor cantidad en contextos
concretos como los interpersonales (nivel micro-) y escolares (nivel meso-) que en contextos
culturales (nivel macro-) que exigen un nivel de elaboración de procesos de pensamiento más
complejos.
Teniendo en cuenta que la motivación es un elemento clave en el desarrollo de
procesos de aprendizaje significativos y en consecuencia que el profesorado presenta una
implicación interna en el nivel micro- del 100%, le sigue el nivel meso (57,9%) y finalmente el nivel
macro (10,5%), entonces, estos datos nos colocan una vez más frente a una dinámica de
implicación que nos sugiere ahora una interpretación tanto afectiva como cognitiva frente a la
secuencia de desarrollo del programa de formación. Si el profesorado en formación se siente más
implicado a nivel interno en la fase microestructural quiere decir que tendría mayor disposición
para adentrarse en su interpretación, los resultados colocan el nivel mesoestructural como la
segunda posibilidad en términos de implicación interna y al nivel macroestructural como la tercera
posibilidad. Considerando los elementos cognitivos, la internalización de la relación género-poder
desde las teorías feministas es un proceso complejo que requiere una transformación de las
estructuras de pensamiento que se han desarrollado desde el patriarcado, se sugiere que para
futuras aplicaciones el programa de formación se desarrolle con la secuencia microestructural,
meso y macro.
En virtud de la relación que existe entre lenguaje y pensamiento resulta interesante
observar que las estudiantes realizan más enlaces sobre el discurso de género-poder a través de
una expresión dinámica en el nivel micro- y en nivel meso- debido a que exigen estructuras men-
tales concretas. En este sentido, proponemos que antes de enfrentar el trabajo con herramientas
culturales, aportadas por el nivel macro-, que exigen que el profesorado haya desarrollado una
serie de habilidades para el pensamiento complejo, bien puede iniciarse pasando de la
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autocomprensión (nivel microestructural) a la comprensión del contexto (nivel meso) y finalmente
a la comprensión cultural de la problemática (nivel macro). De acuerdo con Vygotsky, el desarrollo
de los conceptos científicos tiene un significado primordial para la evolución de los procesos
psicológicos superiores, porque estos conceptos implican necesariamente que se realicen de
manera consciente y, en consecuencia, bajo control voluntario. Es así como, el contexto cultural y
en general el trabajo con las teorías desarrollado desde el nivel macroestructural modifica de
manera significativa los procesos de pensamiento sobre la relación género-poder del profesorado.
La articulación de relaciones entre la teoría sobre género-poder (asimilación) se da
en mayor medida en el nivel mesoestructural dada la proximidad del profesorado con los contextos
escolares y la existencia del compromiso laboral que demanda este contexto y en menor escala
en los contextos interpersonales (microrestructural) por una parte, debido a la dificultad para ar-
ticular procesos de pensamiento elaborados tendientes a la transformación de la realidad de género-
poder, a la interpretación de contextos personales más ligados a procesos mentales concretos y
por otra parte, porque la incorporación de la teoría implica necesariamente asumir cambios de
vida y este es un proceso que desestabiliza, no obstante proponemos que la importancia de
preparar al profesorado desde el nivel microestructural está más relacionado con la idea de
mediación vigotskiana (Vygotski:2000:133) donde el profesorado (mediador) debe estar en
capacidad para actuar en la zona de desarrollo próximo. Que para nuestro caso no es otra cosa
que la distancia entre el desarrollo de una identidad de género unida a la cultura patriarcal y la
identidad desde la propuesta del feminismo. El nivel real de desarrollo de identidades de género se
ha construido en interacción con la cultura, pero el nivel de desarrollo potencial, determinado a
través de la modificación de la identidad de género, por ser un proceso que debemos construir de
manera artificial, se requiere hacerlo bajo la guía de un adulto/adulta o en colaboración con otro/
otra compañero/ra más capaz. Es por eso, que el proceso debe iniciar por el cambio del profesorado
para que esté en capacidad de realizar la acción mediada con niños y niñas.
En este sentido, la transformación de la información sobre la relación género-poder
agenciada por el patriarcado sólo es posible a través de la mediación educativa intencionada para
el desarrollo teórico-conceptual de la relación género-poder desde bases socioculturales y
feministas.
La identificación por parte de los sujetos de la existencia de mecanismos de
regulación de los contextos culturales, educativos y personales vinculadas con la relación género-
poder a través de situaciones puntuales como sinónimo de desarrollo de estructuras mentales
elaboradas en el nivel macro-, meso- y evaluación de impacto alcanza un 89,5% de actitud mental
consciente, en el nivel microestructural las estudiantes presentan un 63,2% en actitud mental
consciente, lo cual nos pone en consideración al 36,8% que en el nivel micro no desarrolla esta
habilidad, de allí que pensemos que se requiere de un trabajo más intenso en el contexto personal.
Ahora, vamos a referirnos a los cronotopos de género, es decir, las relaciones
espacio-temporales del género, que se constituyen en los centros organizadores de las relaciones
humanas. A través de ellos se enlazan y desenlazan las interacciones y discurren las valoraciones
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que se da a cada género. La materialización cronotópica del género se constituye en la principal
fuente de sostenimiento de la desigualdad entre hombres y mujeres. El movimiento que tiene la
concepción de género de acuerdo con cada cultura proporciona los modos de actuación en el
tiempo y en el espacio. La utilización del tiempo y el espacio están íntimamente relacionados con
la forma de vida de las personas.
Transferidos a la educación los cronotopos y la visión sociocultural de los mismos,
tienen diversas manifestaciones según se materialicen a través de un tipo de contexto u otro, así
en los contextos culturales (nivel macro-) se presenta mayor dificultad para asumir una visión
crítica en las relaciones cronótopicas, en los escolares (nivel meso-) y en las propuestas de
intervención (evaluación de impacto) se presenta una alta relación entre aparición de relaciones
cronotópicas y una visión crítica de las mismas. Sin embargo, en el contexto interpersonal (nivel
micro) aunque aparecen relaciones cronotópicas no están unidas a una visión crítica.
De donde se deriva que la posición que asume el profesorado frente a la identidad
de género a partir de su manifestación cronotópica está relacionada con la internalización de
dicha relación en términos de la posibilidad de aplicación porque “la internalización de las formas
culturales de conducta implica la reconstrucción de la actividad psicológica en base a las
operaciones con signos” (Vygotski:2000:94). Es decir, que la utilización de una diversidad de
contextos de actividad mediata en el transcurso del programa no sólo permite que el profesorado
exponga una serie de marcas relacionadas con la asignación de espacios públicos y privados en
la cultura patriarcal, sino que facilita la realización de operaciones con signos que recrean la
relación género-poder y ese es un paso importante para revisar las cosmovisiones culturales de
género-poder en el profesorado. Por ello, cuando se trata de la articulación de una visión crítica de
género a la propia vida se hace compleja la aplicación.
En términos generales se puede afirmar que la cosmovisión cultural de la relación
género-poder se ha modificado en todas sus dimensiones, en consecuencia, el programa de
formación transforma esta área. Esto se sustenta en que “el uso de medios artificiales, la transición
a la actividad mediata, cambia fundamentalmente todas las funciones psicológicas, al tiempo que
el uso de herramientas ensancha de modo ilimitado la serie de actividades dentro de las que
operan las nuevas funciones psicológicas” (Vygotski:2000:92).
En el nivel meso- se presenta la mayor cantidad de utilización de cronotopos y
también la correspondencia más alta de una visión sociocultural de los mismos, le sigue la
evaluación de impacto, el nivel micro- y por último el nivel macro-. En este sentido, los cronotopos
permiten valorar las formas como los sujetos conciben la relación género-poder en los diferentes
contextos. En este sentido, los cronotopos se convierten en indicadores de la comprensión de la
relación género-poder.
Los datos anteriores dan cuenta las modificaciones empíricas de la cosmovisión
de género del profesorado. Sin embargo, al plantearnos la existencia de diferencias estadísticamente
significativas en cuanto a la apropiación que hace el profesorado de las diferentes dimensiones y
sus correspondientes categorías de la variable cosmovisión de género-poder en los niveles de
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formación y en la evaluación de impacto tenemos los siguientes resultado: los polimorfismos de
género-poder presentan diferencias significativas en los niveles macro-, meso- y micro-,la
implicación presenta diferencias significativas en cuanto a su apropiación en el nivel macro, el
escenario presenta diferencias significativas en cuanto a su apropiación en el nivel meso-, la
expresión muestra diferencias significativas en cuanto a su desarrollo en el nivel meso y micro, la
percepción de género tiene diferencias significativas en cuanto a su apropiación en todos los
niveles de formación y en la evaluación de impacto, la actitud mental en la relación género-poder
es estadísticamente significativa su desarrollo en los niveles macro-, meso- y evaluación de
impacto, los cronotopos visión sociocultural de: tareas diferenciales según el género presenta
diferencias estadísticamente significativas en cuanto a su utilización en los niveles macro-, meso-
y micro-, distribución del poder según el género la diferencia en su apropiación es estadísticamente
significativa en el nivel meso-, poder violencia en los arquetipos de género la diferencia en cuanto
a su desarrollo es estadísticamente significativa en los niveles macro-, meso- y micro, relación
entre poder y género masculino muestra diferencias estadísticamente significativas en su
apropiación en los niveles macro-, meso- y micro-, y manifestaciones del poder según el género
tiene diferencias significativas en cuanto a su apropiación en los niveles macro- y micro-.
DERIVACIONES PEDAGÓGICAS.
La mediación pedagógica en género requiere utilizar diferentes contextos de
actividad a fin de activar procesos de pensamiento diversos para interactuar con la realidad de
género-poder.
Las cosmovisiones de género al construirse a partir de interacciones en diversos
contextos en su orden macro-, meso- y micro-, requieren para su deconstrucción el proceso
contrario, micro-, meso- y macro.
La utilización de cronotopos genéricos para valorar el reconocimiento y la
comprensión que tienen los sujetos sobre la relación género-poder se perfila como una herramienta
potente en el contexto escolar.
2. PROCESOS DISCURSIVOS DEL PROFESORADO EN LA RELACIÓN
GÉNERO-PODER.
Los cambios que produce el programa de formación del profesorado en género en
cuanto a los procesos discursivos son diferentes en todos los niveles de formación.
La búsqueda de elementos a través del área de interés procesos discursivos en la
relación género-poder tiene como propósito revisar la participación del lenguaje de género-poder
en los contextos de interacción cultural, institucional, personal y en las proyecciones educativas
del profesorado. En este sentido, hemos encontrado que el profesorado mantiene un tono formal,
serio y estable en todos los contextos utilizados, adecuando los discursos a las exigencias del
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contexto de actividad y demostrando alto grado de aceptación e implicación con la temática.
La mediación realizada en los niveles macroestructural y mesoestructual
transforman de manera significativa la equivalencia, es decir, la utilización de formas discursivas
que podemos valorar como rígidas, negociadoras o flexibles y que están relacionadas con el
establecimiento de significados compartidos o no entre los sujetos y la cultura acerca de la relación
género-poder en los discursos; se ha pasado de formas discursivas opresoras a equivalencia
negociadora y armonizadora. De acuerdo con los datos finales, podemos afirmar que los discursos
utilizados en el contexto escolar (nivel meso), las relaciones interpersonales (nivel micro), las
propuestas de intervención (evaluación de impacto) y el contexto cultural (nivel macro) las
estudiantes establecen relaciones horizontales y discursivas desde el punto de vista feminista, en
consecuencia, los textos son flexibles y dialógicos. Lo que demuestra un cambio en el acercamiento
discursivo que hacen las estudiantes de acuerdo con las teorías feministas sobre la relación
género-poder después de la aplicación del programa.
En consecuencia, “las formas de la lengua las asumimos tan sólo en las formas de
los enunciados y junto con ellas. Las formas de la lengua y las formas típicas de los enunciados
llegan a nuestra experiencia y a nuestra conciencia conjuntamente y en una estrecha relación
mutua” (Bajtin, 1982:268).
Siguiendo esta misma línea, hemos encontrado que las transformaciones
discursivas son más efectivas en el nivel macro-, dado que exigen la utilización de procesos de
pensamiento descontextualizado y en consecuencia, las estudiantes harán un mayor esfuerzo
por plantear interacciones específicas acerca del tema género-poder.
La utilización de contextos de actividad diferentes como el cultural, (nivel macro-),
escolar (nivel meso-) e interpersonal (nivel micro-) modifican la equivalencia discursiva frente a la
relación género poder de opresora, es decir, se va de una estructura discursiva marcada por
relaciones de dominación y jerarquía patriarcal a negociadora y armonizadora, es decir, a estructuras
más flexibles y dialógicas. En este orden de ideas, los cambios en la utilización de nuevas
equivalencias discursivas reflejan la aparición de cambios en las funciones psicológicas de las
estudiantes.
La ontogénesis, o creencias y representaciones discursivas sobre el desarrollo
cultural de la relación género-poder utilizadas por el profesorado en los textos de género-poder
tiene una manifestación bastante diferente dependiendo del nivel de formación y del contexto de
actividad utilizado, en el contexto escolar (nivel meso-) y en el contexto cultural (nivel macro-) la
mayor tendencia se encuentra en la dimensión estructural –institucional (47,4% y 57,9%
respectivamente), en el contexto interpersonal (nivel micro) la ontogénesis es biográfico-personal
(42,1%) y en las propuestas de intervención (evaluación de impacto) es emergente (89,5%).
Teniendo en cuenta que cada uno de los contextos utilizados exige al profesorado
formas discursivas diferentes, se concluye que las voces a las que se ve expuesto un hablante en
la vida social determinan algunos de los aspectos fundamentales de la manera en que la realidad
se ve representada en el habla interna, es así como para referir los contextos escolares y culturales
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se recurre a la ontogénesis estructural-institucional, por el contrario, en el contexto interpersonal
predomina la ontogénesis biográfico-personal, en las proyecciones educativas la ontogénesis es
emergente. En este orden de ideas, podemos afirmar que la utilización de diversos contextos de
actividad en el programa de formación también permite la recurrencia a diferentes formas de
expresar la ontogénesis de género-poder. En este orden de ideas, lo que el profesorado está
mostrando realmente es una capacidad nueva, otorgada por el programa de formación, para
comprender la multiplicidad de elementos que intervienen en la construcción de la identidad de
género.
El profesorado realiza un mayor esfuerzo discursivo por la reducción de la distancia
entre su propia voz y las voces feministas y socioculturales durante los contextos escolares
expresados a través del nivel meso- pretest donde el 36,8% utiliza equifonía Competente. La
aparición durante la segunda aplicación de una equifonía sórica en un 73,71% en el nivel meso- y
un 64,8% en nivel macro muestra una evidente transformación en la equifonía que asumen los
sujetos antes y después del trabajo con el programa de formación en las fases mesoestructural y
macroestructural.
Los datos también nos sugieren que los cambios en la distancia entre teorías
patriarcales y feministas que asumen las estudiantes en el nivel macro- son más eficaces puesto
que se pasa de un 78,9% de equifonía distante a una total desaparición de la misma. Mientras que
en el nivel meso- se va de un 57,9% a un 10,5% de equifonía distante. Por estas razones, en todo
enunciado, en un examen más detenido realizado en las condiciones concretas de la comunicación
discursiva, podemos descubrir toda una serie de discursos ajenos, semicultos o implícitos y con
diferente grado de otredad (Bajtin, 1982:283). Por eso los enunciados del profesorado revelan una
especie de surcos que representan ecos lejanos y apenas perceptibles de los cambios de sujetos
discursivos, de los matices dialógicos y de las marcas limítrofes sumamente debilitadas de los
enunciados que llegaron a ser permeables para la expresividad de la relación género-poder. Esto
explica, que la utilización de diferentes contextos de actividad mediata en los niveles de formación
del programa: nivel macro- contexto cultural, nivel meso- contexto escolar, nivel micro-contexto
interpersonal y evaluación de impacto- propuestas de intervención aportan desde formas discursivas
diversas acercamientos a las voces feministas reflejadas en la equifonía sórica.
De acuerdo con los resultados, proponemos que un programa de formación del
profesorado debe utilizar contextos diversos para lograr una apropiación teórica de fundamentos
feministas, puesto que los niveles de formación del profesorado contribuyen en diferentes grados
con la reducción de creencias sustentadas en voces normatizadas al establecimiento de una
diversidad de creencias plurales y renovadas sobre la relación género-poder.
Los datos que aparecen en los referentes discursivos de voces paradójicas (26,3%
en el nivel macro-, 10,5% en el nivel meso-, 47,4% en el nivel micro- y 36,8% en la evaluación de
impacto) nos proponen que el profesorado se encuentra en un estado de movilización de los
referentes discursivos de tal manera que se reflejan choques con los anteriores. El porcentaje
más alto de dificultad en la incorporación de nuevos referentes discursivos está en el nivel micro-
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, lo cual explica la dificultad que existe para la transformación de nuestra identidad personal de
género-poder.
El trabajo pedagógico realizado desde el programa de formación contribuye de
manera eficaz para que las estudiantes cambien de modelos discursivos estereotipados a modelos
discursivos alternativos, a causa de que “la acción mediada es siempre social ya que involucra
herramientas culturales de un ámbito sociocultural y, en segundo lugar, la acción mediada suele
ser interpsíquica, o social, porque involucra a dos o más personas que actúan juntas en el contexto
inmediato” (Wertsch, 1999:276-277). No obstante, en el nivel micro se registra el porcentaje más
bajo de incorporación de expresiones que ayuden a deconstruir el imaginario social establecido.
Lo hemos atribuido, por una parte, a la dificultad para asumir los cambios en relación con la
temática género / poder de manera personal, y por otra parte, a la utilización de formas discursivas
y procesos de pensamientos más contextuales y unidos a la vida del profesorado. Es decir, a la
presencia de un escenario real-personal de utilización del lenguaje.
Los resultados nos muestran que los contextos de actividad que se han utilizado en
el desarrollo del programa permiten a las estudiantes obtener nuevas formas de percibir a través
de los discursos la filogénesis de la relación género-poder, se va de una consideración de criterios
patriarcales a considerar su origen ligado a criterios experienciales y culturales (teórico-ideológicos).
Es así, como los niveles macro-, meso- y evaluación de impacto orientan hacia criterios teórico-
ideológicos, mientras que el nivel micro- lo hace hacia criterios experienciales. En este sentido,
podemos afirmar que la utilización de diversos contextos de actividad mediata contribuye a la
exposición de la relación género-poder desde criterios diferentes.
Los porcentajes finales que manifiestan la filogénesis bajo criterios experienciales
(nivel macro 42,1%, nivel meso 31,6% y evaluación de impacto 26,3%) nos demuestran la dificultad
en la incorporación de las teorías feministas a procesos discursivos culturales e institucionales. El
21,1% registrado como filogénesis orientada por criterios teórico-ideológicos da cuenta de la
dificultad para incorporar teorías feministas a contextos personales.
En cuanto a la interacción de los resultados de los procesos discursivos de género
se puede observar una mejora significativa que en términos de la conciencia de género que se
refleja en una utilización del discurso teórico-ideológico más acentuada y una referencia a la realidad
de género-poder desde una posición crítica en relación con la cultura patriarcal.
Los datos anteriores dan cuenta de las modificaciones empíricas de los procesos
discursivos del profesorado. Sin embargo, al plantearnos la existencia de diferencias
estadísticamente significativas en cuanto a la apropiación que hace el profesorado de las diferentes
dimensiones y sus correspondientes categorías de la variable procesos discursivos en la relación
género-poder en los niveles de formación y en la evaluación de impacto tenemos los siguientes
resultado: los estilos discursivos muestran una apropiación estadísticamente diferente en el nivel
meso-, la equivalencia de género-poder tiene un desarrollo estadísticamente diferente en los
niveles macro- y meso-, la ontogénesis presenta un desarrollo estadísticamente diferente en el
nivel macro- y en la evaluación de impacto, la equifonía muestra una incorporación estadísticamente
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diferente en los niveles macro-, meso-, y evaluación de impacto, los referentes discursivos muestran
diferencias estadísticamente significativas en cuanto a su apropiación en los niveles macro-, meso-
y evaluación de impacto, los modelos discursivos tienen diferencias estadísticamente significativas
en cuanto a su apropiación en los niveles macro-, meso- y evaluación de impacto, la filogénesis
muestra diferencias estadísticamente significativas en cuanto a su apropiación en los niveles
macro-, micro- y evaluación de impacto.
DERIVACIONES PEDAGÓGICAS.
La transformación de la relación género-poder desde la educación exige realizar
una mediación intencionada donde es fundamental la utilización de diversos contextos de actividad
mediata a fin de propiciar cambios a nivel interpersonal, escolar y cultural.
El trabajo con elementos teórico-ideológicos de la relación género-poder permite
que el profesorado conciba propuestas de cambio para las instituciones educativas, por lo tanto
es importante desarrollar formas de apropiación teórica que den luces sobre este aspecto.
Por fuera de la escolarización no se desarrollan formas teórico-conceptuales con
las que abordar la problemática de género, en consecuencia es una tarea de la escuela dotar a los
sujetos de herramientas que les permita apreciar y concebir cambios en su entorno.
3. PROYECCIONES EDUCATIVAS DEL PROFESORADO.
Los cambios que produce el programa de formación del profesorado en género en
cuanto a las proyecciones educativas son diferentes en todos los niveles de formación.
Las proyecciones educativas se refieren a la forma como el profesorado
descontextualiza las voces y creencias, lenguajes, prácticas, etc. que ha aprendido durante el
programa de formación y las traslada a otros contextos educativos al servicio de la transformación
de la relación género-poder desde una visión sociocultural, feminista y unida a procesos de
investigación. Dado que existe la posibilidad de realizar proyecciones educativas desde cualquier
nivel de formación esta área de interés ha sido revisada durante toda la aplicación del programa.
Los datos recogidos en pretest del nivel macro- y del meso- nos muestran que el
100% y el 94,7% respectivamente, no realizan propuestas educativas, lo que está muy relacionado
con el desconocimiento que tiene el profesorado en formación sobre la problemática. De donde
derivamos la importancia de aplicar un programa de formación en género que permita conocer la
problemática y realizar propuestas educativas para erradicar cualquier tipo de discriminación
negativa en razón del género.
En el nivel mesoestructural por estar ligado a los contextos escolares el profesorado
hace propuestas con orientación concreta lo que nos muestra que por requerir procesos
psicológicos elementales para referir los contextos la visualización de la problemática es más
cercana. Además, es importante ofrecer al profesorado interacción con este nivel ya que
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afectivamente está más unido a él por ser el espacio futuro de su ejercicio profesional.
En los mapas conceptuales las propuestas educativas son en un 84,2% de
orientación abstracta, en acuerdo con los planteamientos vigotskianos, esto se debe a que los
mapas exigen el desarrollo de conceptos científicos sobre la relación género-poder, lo cual está
vinculado a la evolución de los procesos psicológicos superiores, porque el desarrollo de los
conceptos de género-poder implican necesariamente que se realicen de manera consciente y, en
consecuencia, bajo control voluntario. La dificultad que genera la articulación de abstracciones
como las conceptualizaciones de género-poder a actuaciones concretas como las proyecciones
educativas nos sugiere la importancia de trabajar en el programa de formación la relación
investigación –docencia, aspecto que se aborda de manera puntual tanto en el nivel mesoestructural
como en la evaluación de impacto.
En razón de la exigencia de procesos mentales superiores en el desarrollo de los
conceptos sobre género-poder, en el nivel macroestructural el estudiantado se orienta hacia la
realización de propuestas sociales (84,2%) que tienden a trasladar la descontextualización de las
formas de pensamiento abstractas a la descontextualización de las propuestas educativas.
Sin embargo, para explicar el 57,9% de orientación abstracta en el nivel micro-
debemos recurrir a otras argumentaciones porque aquí la abstracción significa dificultad para
incorporar (apropiación) al contexto personal elementos culturales como son las teorías feministas,
es decir, que ocurre un proceso inverso, aquí se pide ir de lo concreto (formas de pensamiento
naturales) a formas de pensamiento elaboradas (privilegiación) que permitan proyecciones
concretas (reintegración) de acuerdo con las teorías feministas. En este sentido, podemos concluir
que la internalización de teorías feministas y socioculturales es un proceso complejo y mucho
más cuando se trata de la aplicación a la transformación del contexto personal.
La presencia en el nivel micro- del 31,6% de las estudiantes en la realización de
propuestas sociales nos coloca ante un elemento clave para comprender una de las dificultades
de la incorporación de un paradigma feminista en la formación del profesorado y es iniciar por
desmontar la enseñanza que hemos recibido las mujeres de ser sólo a partir de los otros. Es
decir, que las voces a las que hemos sido expuestas las mujeres en la vida social determinan las
tendencias con que representamos la realidad en el habla interna.
Las orientaciones de las propuestas educativas, en el nivel mesoestructural y en
la evaluación de impacto son concretas e institucionales, mientras que en el nivel macroestructural
las propuestas son sociales y abstractas, en el nivel microestructural son abstractas y personales,
nos remiten a la validación de los contextos de actividad utilizados en el desarrollo del programa
de formación del profesorado dado que facilita que las estudiantes se acerquen a la problemática
de género-poder desde diferentes perspectivas y potencien su comprensión.
Vamos a considerar que en el desarrollo de la identidad de género participan no
sólo los componentes cognitivos (nivel macroestructural) sino que juegan un papel básico los
componentes afectivos (nivel microestructural) y las aplicaciones que el profesorado realiza de lo
aprendido como el enlace entre cognición y afectividad (nivel mesoestructural), para afirmar que
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el programa de formación favorece la implicación del profesorado en la transformación de las
identidades de género personal, institucional y cultural.
El programa de formación del profesorado en género al buscar a través de los
diferentes niveles de aplicación escenarios culturales, institucionales y personales de manifestación
de la identidad de género ha colocado condiciones externas de vida al servicio de explicaciones de
una forma altamente compleja de la conciencia humana como es la identidad de género.
En este sentido, la recurrencia a diversos tipos de propuestas valida la utilización
de diferentes contextos para la recolección de datos y pone de relieve la importancia de cada una
de las fases del programa de formación frente a la posibilidad de permitir al profesorado considerar
diversas formas de mejora frente de la relación género-poder.
El nivel macroestructural remite a la formulación de propuestas sociales en un
84,2%, es decir, que el manejo de conceptualizaciones favorece en el profesorado una de las
tendencias que ofrece el modelo de formación crítico que es el compromiso ético y social de
búsqueda de prácticas educativas y sociales más justas y democráticas donde el profesorado es
activista político y sujeto comprometido con su tiempo. El nivel microestructural presenta un 31,6%
de propuestas sociales lo que nos está ofreciendo información sobre la transferencia que hacen
las estudiantes de elaboraciones teóricas a la transformación social de la identidad de género-
poder.
Al no aparecer propuestas personales en el nivel macroestructural y en la evaluación
de impacto, ni propuestas institucionales en el nivel microestructural podemos concluir que la
apropiación de teorías para hacer propuestas a partir de la identidad de género-poder implica
tanto la apropiación de lenguajes sociales de género-poder como la utilización de géneros
discursivos. Puesto que las formas discursivas que demanda el nivel micro- no permiten la
escenificación de propuestas institucionales y las formas discursivas propias del nivel macro- y la
evaluación de impacto no permiten referir propuestas personales.
El nivel mesoestructural es el contexto de actividad mediata más flexible porque
tanto a nivel de la apropiación de los lenguajes sociales de género-poder como de la expresión de
los mismos a través del género discursivo que exige posibilita la aparición de propuestas sociales,
institucionales y personales.
La diversidad de las proyecciones educativas están relacionadas con la existencia
de heterogeneidad del pensamiento verbal, demostrado a través de los diferentes instrumentos,
donde los datos nos permiten concluir que en toda cultura y en todo individuo, no existe sólo una
forma homogénea de pensamiento, sino diferentes tipos de pensamiento verbal.
En la diversidad de resultados que se originan en las proyecciones educativas
podemos percibir una interacción entre el funcionamiento mental (orientación de las propuestas
educativas) y el marco sociocultural (el alcance de las propuestas educativas). Es decir, la
realización de las proyecciones educativas involucra la apropiación a través de la incorporación
de teorías feministas, la privilegiación o traslado al contexto educativo y al servicio de la
transformación de la relación género-poder las teorías sociocultural, feminista y los procesos de
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investigación. En este sentido, el profesorado realiza las propuestas teniendo en cuenta la sociedad,
aunque existan momentos individuales y sociales en su elaboración.
En cuanto a la proyección educativa y propósitos del sujeto discursivo los datos
nos ponen de manifiesto un significativo avance en términos de la elaboración de propuestas cuya
intención es transformar la realidad de género – poder que se vivencia en los contextos personales,
sociales e institucionales.
Los datos anteriores dan cuenta de las modificaciones empíricas de las proyecciones
educativas del profesorado. No obstante, al plantearnos la existencia de diferencias estadísticamente
significativas en cuanto a la apropiación que hace el profesorado de las diferentes dimensiones y
sus correspondientes categorías de la variable proyecciones educativas en los niveles de formación
y en la evaluación de impacto tenemos los siguientes resultado: la orientación de las propuestas
educativas tiene diferencias estadísticamente significativas en cuanto a su utilización en el nivel
meso- y en la evaluación de impacto, las propuesta educativas en función de su alcance se
presentan diferencias estadísticamente significativas en cuanto a su utilización en el nivel meso-
y en la evaluación de impacto.
DERIVACIONES PEDAGÓGICAS.
La formación del profesorado en pedagogía de género a partir de la articulación
investigación-docencia permite que el profesorado se implique en el proceso en tanto al transferir
los conocimientos del plano teórico al práctico está en constante valoración y transformación de
prácticas sexistas.
La formación en género permite colocar el lenguaje de la educación es el lenguaje
de la creación de la cultura y por lo tanto permite transformar las relaciones entre los sujetos al
servicio de relaciones de equidad.
La articulación de procesos de investigación en la formación del profesorado en
género permite que mientras se aprende a investigar se profundice en la temática y se adquieran
experiencias en el contexto escolar que hacen el aprendizaje significativo y en consecuencia
garantizan su aplicación en experiencias futuras.
La formación del profesorado en género a partir de procesos de investigación permite
sensibilizarse frente a la problemática escolar y realizar propuestas para su transformación.
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HOJA DE VIDA
Bolaños Muñoz, Lucy Mar. Licenciada en Literatura e Idiomas de la Universidad
Santiago de Cali, especialista en Desarrollo Intelectual de la misma universidad en convenio con
la Fundación Alberto Merani, con estudios de maestría en Lenguaje y educación de la Universidad
del Valle y doctora en Investigación educativa de la Universidad de Sevilla (España).
Actualmente es profesora de la Universidad Santiago de Cali, ha ejercido la docencia
en diversos niveles educativos como preescolar, primaria, bachillerato, universitarios de pregrado,
especialización y maestría. Tiene un artículo publicado en el libro Mujer y desarrollo en el siglo XXI:
Voces para la igualdad, coordinado por Rebollo M. y Mercado I. un artículo sobre Formación del
profesorado y Webquest en la revista Comunicación y Pedagogía y un libro publicado por la Edito-
rial USC titulado La formación del profesorado desde la perspectiva de género.
Realiza un proyecto de investigación en género que va desde la formación del
profesorado, la caracterización de la identidad de género en niñas y niños preescolares, el diseño
de estrategias pedagógicas para la enseñanza de las nociones género, poder y empoderamiento
hasta el diseño y aplicación de unidades didácticas para el aprendizaje de la noción cuerpo en la
construcción de la identidad de género a partir del arte, en un proyecto titulado “cuerpo e identidad
de género: una construcción desde el arte.