Desigualdades de oportunidades educacionais reveladas pelo ENEM no estado do Rio de Janeiro
Alda Pinto da Silva Mestranda em Políticas Sociais pela UENF
E-mail: [email protected]
Marlon Gomes Ney Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF
E-mail: [email protected]
Rodrigo da Costa Caetano Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF
E-mail: [email protected]
Resumo: No trabalho analisar-se-á como as desigualdades de oportunidades educacionais incidem nas disparidades socioeconômicas no estado do Rio de Janeiro. A evolução histórica mostra que a origem das desigualdades no Brasil possui múltiplas causas, entretanto, fatores educacionais possuem maior efeito nas heterogeneidades socioeconômicas. Utilizando os microdados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2007, para um estudo de caso do estado do Rio de Janeiro, evidencia-se que as desigualdades de oportunidades geradas na infância e adolescência têm fortemente influenciado no acesso ao mercado de trabalho e universidades. Foi observado que o ensino básico tem se destacado como um sistema segmentado em extratos socioeconômicos, tendendo a reproduzir elevados níveis de concentração de renda. Palavras-chave: educação, desigualdade, renda, Rio de Janeiro. Abstract: The paper examines the influence of educational inequality opportunity on socioeconomic disparities in the Rio de Janeiro state. The historical development shows that the origin of inequality in Brazil has multiple causes, however, educational factors have a greater effect on the socioeconomic heterogeneity. Using microdata from the National Secondary Education Examination (ENEM) 2007, for a case study of the Rio de Janeiro state, it was evident that inequality opportunity arising in childhood and adolescence have influenced the access to the labor market and universities. It was observed that basic education is tending to reproduce high levels of income concentration. Key Words: education, inequality, income, Rio de Janeiro.
1-Introdução
As desigualdades socioeconômicas assumem destaque na sociedade brasileira ao
serem uns dos assuntos mais debatidos, o que pode ser comprovado pelo grande número de
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estudos dedicados ao tema, os quais procuram não apenas demonstrar a desigualdade
presente, mas delinear a origem, o avanço e as consequências de um processo que aflige a
população brasileira. A concentração de renda no Brasil origina-se ao longo dos três séculos
de colonização portuguesa no país. Ney (2002) enfatiza que a desigualdade é um estigma da
sociedade brasileira, e que está relacionada com a economia colonial, da qual a base era o
trabalho escravo e a enorme concentração fundiária.
As primeiras pesquisas sobre desigualdade de renda baseadas em dados
representativos da população, porém, foram elaboradas apenas a partir dos anos de 1970 por
Fishlow (1973) e Langoni (1973), que através do Censo Demográfico, ainda do final da
década de 1960, traçaram os primeiros panoramas sobre as desigualdades socioeconômicas
presentes no território brasileiro. Posteriormente, pesquisadores como Barros e Mendonça
(1995), Ramos e Vieira (2001), Hoffmann (2000), e Ferreira (2000), entre outros,
continuaram os estudos sobre o tema.
As pesquisas realizadas no âmbito das desigualdades têm atribuído a alguns fatores
como concentração fundiária, disparidades regionais, desigualdades de oportunidades
educacionais e a discriminação por cor como os principais geradores da concentração de
renda. No entanto, a literatura tem atribuído às desigualdades de oportunidades educacionais o
fator primordial das disparidades socioeconômicas no Brasil.
O objetivo do trabalho é demonstrar, através de um estudo de caso no estado do Rio de
Janeiro, como as desigualdades de oportunidades educacionais influenciam no acesso ao
mercado de trabalho e ingresso nas universidades, tendendo a reproduzir os elevados níveis de
concentração de renda.
Utilizando os microdados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2007,
disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP), almeja-se traçar, por meio do questionário socioeconômico e das notas obtidas pelos
alunos, um panorama da qualidade da educação básica presente em todo estado fluminense.
Demonstrar-se-á que o ensino básico nas escolas tem se destacado como um sistema
segmentado em extratos socioeconômicos, sendo ainda influenciado pelo dualismo na
qualidade do ensino público versus privado. Assim, se perceberá que as desigualdades
educacionais possuem grande potencial de ser transformar em futuras disparidades de
rendimentos no mercado de trabalho.
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2- Desigualdades de oportunidades educacionais: uma visão sociológica sobre o tema.
Estudos têm afirmado que as heterogeneidades educacionais são um dos principais
geradores da concentração de renda no Brasil. Marteleto (2004) compreende que uma maior
igualdade de oportunidade educacional é de grande importância para a atenuação das
desigualdades socioeconômicas de gerações presentes e futuras, para tanto, a autora percebe
que o estudo da educação básica é ponto central dessa discussão, visto que a desigualdade de
oportunidade educacional brasileira se manifesta nos primeiros anos de estudo.
Durkheim (1955) define educação como:
... a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontrem ainda preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine. (p. 41).
Para o autor, a educação tem variado com o decorrer de seu meio e tempo. Na Idade
Média a formação educacional era cristã; na Renascença ela possuía caráter literário; hoje o
lugar que antes a arte dominava a ciência ocupa. Se nas antigas cidades gregas e também
latinas a educação era, antes de tudo, a subordinação do indivíduo à coletividade, nos dias de
hoje a educação esforça-se em fazer do indivíduo um sujeito autômono (DURKHEIN, 1955).
Bernard Lahire (1997) considera que o comportamento de uma criança se torna
inexplicável fora das relações sociais a que pertencem, tais como as relações intrafamiliares
(caracterizado pela interação entre pais e filhos). A criança encontra a sua modalidade de ação
em função da configuração das relações de interdependência no seio do qual ela está
introduzida, ou seja, suas condutas são “apoiadas” nas ações dos adultos, que representam
significados e exemplos às crianças. Essas associações são produtos de uma socialização
passada, e também da forma com ela vem se mobilizando e se atualizando. Para o autor, cada
traço que um indivíduo possui não é seu, antes corresponde a algo que acontece entre ele e
alguma outra coisa (ou pessoa).
O mais íntimo, particular ou mesmo singular da personalidade ou do comportamento
que um indivíduo possui só pode ser entendido quando é reconstruído o tecido de imbricações
sociais que a pessoa possui com o outro. Assim, os comportamentos escolares são explicados
e compreendidos à luz da restauração das redes de interligações e dependências familiares,
nas quais se elabora os esquemas de percepção das relações sociais (LAHIRE, 1997).
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Pode-se relacionar a abordagem de Lahire com as idéias de Consorte (1959), que
destaca que a convivência de um indivíduo com a sua família e com os membros do grupo
social ao qual pertence é maior e mais intensa que a sua convivência no âmbito escolar.
Muitas das formas linguísticas e textuais utilizadas no trato diário e nos trabalhos escolares,
por exemplo, são provenientes dos hábitos adquiridos em seu meio. Lahire (1997) enfatiza
que para a existência da consonância de uma criança com o universo escolar não basta que ela
esteja rodeada de bens culturais, sociais e econômicos; para que haja realmente uma
socialização são previamente necessárias condições específicas que possibilitem a transmissão
e a assimilação dos legados sociais.
Em seu estudo sobre o sucesso escolar nos meios populares, Lahire (1997) privilegia
alguns traços pertinentes à leitura sociológica que, como descrito acima, seriam
imprescindíveis para sua transmissão, tais como: 1)- as formas familiares da cultura escrita,
2)- a ordem moral doméstica, 3)- as formas de autoridade familiar, 4)- as formas familiares de
investimento pedagógico e 5)- as condições e disposições econômicas, para analisar a
influência do regimento familiar na vida estudantil de um indivíduo. Para o supracitado autor,
fracasso ou sucesso no meio educacional podem ser apreendidos como o resultado de uma
menor ou maior contradição dos ambientes em que vivem os educandos.
Lahire (1997) considera, no primeiro traço mencionado acima, que a familiaridade
com a leitura pode conduzir às práticas que serão de grande valor quando a criança atinge a
idade escolar. Quando conhece histórias escritas e interpretadas por seus pais, através da
interação familiar, a criança acumula estruturas textuais que deverão ser utilizadas
futuramente em suas leituras e produções escritas.
Nesse contexto, o segundo e terceiro traço evidenciados por Lahire (1997) denotam a
importância de uma configuração familiar, na qual a ordem moral e o exercício da autoridade
são intrínsecos, já que os pais têm a oportunidade de socializar os seus filhos em consonância
aos ideais requeridos pela escola e, consequentemente, pela sociedade. O quarto traço
demonstrado se constrói a partir da forma que alguns pais enxergam a escolaridade como a
finalidade essencial da vida dos filhos e ao sacrificam recursos para que os mesmos cheguem
aonde eles não chegaram, ascendendo na escala social e fazendo desse ato uma forma de
investimento pedagógico.
Quanto ao último traço, Lahire (1997) considera que para cultura escrita e ordem
moral surgirem são necessárias condições econômicas de existência específicas. Apesar de o
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autor afirmar que as condições econômicas não são suficientes para assegurar o rendimento
escolar, um bom emprego oferece a estabilidade e a tranqüilidade fundamentais às atividades
cognitivas cotidianas, que dependem de uma regularidade doméstica, privilégio muito grande
para um grupo bem seletivo da sociedade. O autor enfatiza:
A estabilidade profissional do chefe da família permite, claro, sair da gestão do cotidiano “no dia-a-dia”, mas também oferecer os fundamentos de uma regularidade doméstica de conjunto: regularidade das atividades e dos horários familiares, limites temporais estruturados e estruturantes. (p. 24)
Bourdieu (1998), por sua vez, evidencia a possibilidade da escola excluir os mais
pobres, produzindo e reproduzindo as desigualdades sociais, porquanto seleciona as culturas e
decide o tipo de conhecimento a ser impresso nos alunos. O julgamento escolar vai muito
além da avaliação dos resultados obtidos, antes é realizada pela escola uma apreciação moral
e cultural dos alunos. Desenvolvem melhor as competências os indivíduos que estão mais
habituados às regras estabelecidas pela cultura escolar, baseada nas relações de escrita,
disciplina e regularidade. O resultado é que os efeitos sobre a escolaridade de um indivíduo
variam segundo a capacidade familiar de proporcionar meios que facilitem a realização dos
objetivos que lhe são fixados.
Segundo o mesmo autor, os indivíduos já chegam à escola com certas características
sociais herdadas. Fazendo parte da primeira categoria, o capital econômico que é explicado
pelo conjunto bens e serviços que o indivíduo possui. Por sua vez, ele dá acesso ao capital
social, que determina o conjunto de influências que o indivíduo ou a família detém em
determinado campo social, podendo ser utilizado como uma peça chave para a transmissão de
determinado comportamento social.
Por fim, há o capital cultural que é definido pelo conjunto de investimentos em cultura
(como livros, visitas a museus etc.) herdados. Ele é entendido como um recurso social que
pode gerar distinção dentro de uma sociedade, onde o direito de posse dos diferentes recursos
é um privilégio para poucos. Desse modo, quanto maior for o volume de capital cultural,
social e econômico detido por uma pessoa, maior será sua chance de ter um bom rendimento
dentro do universo escolar. Nogueira e Nogueira (2002, p. 22) chegam a expressar que: “O
capital econômico e o social funcionariam, na verdade, na maior parte das vezes, apenas
como meios auxiliares na acumulação do capital cultural”.
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Os estudos de Bourdieu (1998) propõem uma análise dos capitais a partir de um
estudo conjunto dos fatores, pois nenhuma das variáveis desempenharia um papel
preponderante. De qualquer forma, seriam os indivíduos provenientes de famílias mais ricas
que tendem a chegar à escola em melhores condições, já que o investimento feito por seus
pais, além de lhes proporcionar as melhores escolas, garante acesso aos livros, à
aprendizagem de novas línguas como o inglês e o francês, ao teatro e a viagens, recursos que
os levam a desenvolver melhor sua capacidade de inserção dentro do universo escolar, bem
como suas habilidades. Como consequência, a sociedade gera desigualdades de oportunidades
educacionais entre alunos de baixa e alta renda.
Gentili (2009) observa um quadro educacional na América Latina que confirma as
teorias até aqui descritas. Para o autor, foi permitido nos países latinos um contexto diferente
de cobertura educacional. Apesar de a educação ter conseguido se estender para setores que
antes se encontravam excluídos, a persistência da desigualdade e de injustiças sociais que
caracterizaram seu desenvolvimento limitou o potencial democratizante da expansão. Da
infância até a adolescência, as condições socioeconômicas interferem de um jeito intenso nas
oportunidades educacionais. O ciclo que vem desde o nascimento até o ingresso no mercado
de trabalho torna-se conturbado. Nesse sentido, a próxima seção mostrará como as
desigualdades de oportunidades educacionais contribuem para reproduzir o alto nível de
desigualdade de renda existente em todo o Brasil.
3-Desigualdades socioeconômicas no Brasil
O Brasil é caracterizado por profundas desigualdades sociais. Elas chegam a ser tão
elevadas que a parcela da renda total apropriada por 1% mais rico (12,8%) é quase a mesma
recebida pela metade mais pobre da população brasileira, que detém cerca de 14% da renda
total (HOFFMANN E NEY, 2008). Para Ferreira (2000), a evolução da desigualdade
brasileira até o final do século XX não era favorável. O índice mais utilizado para medir o
grau de concentração de renda presente em uma sociedade é o Gini1, que varia de 0, perfeita
igualdade, a 1, máxima desigualdade. Durante a década de 1960 e 70, seu valor cresceu no
Brasil de 0,54 a 0,57. Durante os anos 80, ele se manteve quase estável, mas voltou a crescer
1O Índice de Gini mede o grau de distribuição da renda (ou em alguns casos os gastos com o consumo) entre os indivíduos em uma economia.
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com a hiperinflação no final da década até chegar a 0,62. Com a queda da inflação, após o
Plano Real ele caiu um pouco, chegando a 0,58 ao final da década de 1990.
No entanto, ao longo dos últimos anos houve uma queda dos índices de pobreza
devido à diminuição das desigualdades. Segundo Barros et al. (2007, p. 12), “entre 2001 e
2005, o coeficiente de Gini declinou 4,6%, guiado por uma taxa de crescimento da renda dos
10% mais pobres...”. Contudo, Fontes et al.(2010) afirmam que o índice de Gini do Brasil
ainda é muito alto e o país encerrou o ano de 2009 com o seu valor em cerca de 0,53, o que
coloca o país entre os países mais desiguais do mundo, estando próximo aos índices das
nações mais pobres da África Subsaariana, da América Latina e do Caribe. O índice aceitável
de países desenvolvidos, como os europeus, gira em torno de 0,25 a 0,3.
Para Barros et al. (2001) o maior dilema brasileiro seria sua enorme concentração de
renda, e levando em conta somente os países em desenvolvimento, o Brasil estaria entre as
nações que detém as melhores condições de combater a pobreza pela redução da desigualdade
que se faz presente na sociedade.
Henriques (2001) concorda com Barros (2001), pois para o autor a má distribuição dos
rendimentos é o principal determinante da pobreza no Brasil, com um efeito substancialmente
maior do que a insuficiência de renda:
...que os principais determinantes da pobreza observada no Brasil estão associados, sobretudo, à desigualdade na distribuição de recursos, e não propriamente à escassez de recursos. Isso significa que o Brasil, tanto em termos absolutos como em relação aos diversos países do mundo, não pode ser considerado um país pobre, mas, sem dúvida alguma, deve ser considerado um país extremamente injusto. (HENRIQUES 2001, p. 17)
Barros e Mendonça (1995) desenvolveram um método o qual permite a análise dos
processos de produção e reprodução da desigualdade de renda por meio de uma sequência de
“corridas”, entendidas como sucessivas trajetórias de vida, de geração em geração. Cada
“corrida” (trajetória de vida de uma geração) é constituída, segundo os autores, primeiro pela
etapa da preparação e, posteriormente, pela fase de competição, que corresponde ao momento
em que as pessoas estão competindo no mercado de trabalho. O problema é que, na primeira
fase, o volume de recursos de cada participante para se preparar para o mercado de trabalho
depende do desempenho dos seus antepassados nas “corridas” anteriores (BARROS E
MENDONÇA, 1995).
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A primeira etapa da “corrida” é representada pela fase escolar, que compreende a fase
que percorre a infância e a adolescência, na qual os indivíduos acumulam o capital humano na
intenção de obterem maiores níveis de renda futuramente. Nela os participantes contam com
três tipos de recursos: habilidades inatas, recursos públicos e recursos privados para utilizá-los
em prol do aprimoramento do seu nível de preparação. As habilidades inatas,
concomitantemente com recursos públicos e privados, podem conferir a alguns competidores
uma corrida mais rápida, pois eles são heterogêneos em suas características de recursos
privados e nos acessos aos recursos públicos de qualidade. O resultado será a desigualdade de
condições para a etapa da competição.
A segunda etapa, representada pela competição no mercado de trabalho, é apresentada
por Barros e Mendonça (1995) como “desigualdade de resultados”. Nela o prêmio (salário) é
proporcional ao hiato entre o tempo máximo e o tempo reportado de chegada2. Pode-se
configurar que a “desigualdade de resultados é formada de dois componentes: aquele que
advém das diferenças individuais em preparação e aquele não relacionado a diferenças em
preparação” (p. 6). O primeiro componente pode ser considerado desejável, caso não ocorra
desigualdade de oportunidade, pelo fato que toda diferença de resultados se dariam devido às
diferenças individuais de cada pessoa. Em outras palavras, quando as diferenças de
preparação são contraídas em circunstâncias marcadas pela igualdade de oportunidades, elas
podem ser apreciadas como justas, na medida em que não criam desigualdade, mas apenas
revelam as diferenças de habilidades.
Caso esta desigualdade seja considerada indesejável, intervenções e mudanças devem ser feitas na etapa de preparação, de forma a reduzir a heterogeneidade entre os participantes quanto a sua preparação, isto é, reduzir a desigualdade de condições. (BARROS e MENDONÇA, 1995, p.6)
Langoni (1973), valendo-se dos microdados do Censo Demográfico de 1970,
equalizou as variáveis de rendimentos, abrangendo nelas as de sexo, escolaridade, idade,
posição na ocupação, região e setor de atividade. As estimativas alcançadas revelaram que a
variável de maior efeito na conformação da renda é a escolaridade.
Hoje os estudos de Ricardo Paes de Barros têm confirmado os estudos de Langoni
realizado ainda na década de 1970. O autor confirma em seus estudos que a educação é a
2 Segundo os autores denomina-se tempo real de chegada, o tempo que demora a chegar caso a competição seja justa. No entanto, se ela não for igualitária o tempo reportado pode deferir na chegada por dois motivos: segmentação e discriminação.
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variável de maior efeito na conformação da renda. Barros et al. (2002) deixam claro que a
heterogeneidade educacional brasileira é um dos principais determinantes da elevada
desigualdade de renda presente na sociedade. De acordo com os autores: “a desigualdade
entre os níveis de escolaridade dos indivíduos representa a principal fonte da desigualdade
salarial brasileira.” (p .03).
Segundo Fontes et al. (2010, p. 03), somente “oportunidades iguais nivelam o campo
de jogo e todo mundo tem, em princípio, o potencial para alcançar os resultados de suas
escolhas”. Para Casassus (2007), a desigualdade de renda “tem um impacto notório no acesso
e na permanência da educação. À medida que os sistemas educacionais vão se expandindo,
pode-se pensar que a brecha da desigualdade na educação vai diminuir.” (p. 38).
Ney (2006), em sua tese de doutorado, denota que:
... a educação é sem dúvida um dos principais determinantes da renda dos indivíduos, constituindo um caminho clássico de ascensão social. Independente das divergências sobre seu papel na redução da desigualdade, há consenso de que a promoção do ensino básico no país é condição necessária para o exercício pleno da cidadania e para a participação adequada das pessoas em uma economia moderna. Além disso, a educação é um determinante significativo do nível de produtividade e rendimento do trabalho...(p. 11)
Assim, de acordo com a literatura citada, a tarefa de reduzir as disparidades de
rendimentos depende e demanda, impreterivelmente, a concepção de políticas eficazes que
permitam a redução das desigualdades educacionais, proporcionando maior igualdade de
oportunidade no ingresso e estímulo à permanência dos jovens nas escolas.
4- Rio de Janeiro: desigualdades de oportunidades reveladas pelo ENEM.
4.1- A base de dados
A pesquisa utiliza como base de informações os microdados da edição de 2007 do
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) do estado do Rio de Janeiro. O exame possui um
caráter nacional e é elaborado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Ele serve para avaliar o desempenho dos alunos após
os 11 anos de escolarização básica, perfazendo da 1ª série do Ensino Fundamental até o 3º ano
do Ensino Médio.
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A prova do ENEM da edição de 2007 contemplou 63 questões de múltipla escolha e
uma prova de redação, abrangendo todo o conteúdo programático do ciclo básico da educação
brasileira. Também foi aplicado um questionário socioeconômico, entregue na inscrição e
recolhido no dia da realização do exame. A edição do ENEM 2007 teve a participação de
235.125 estudantes no estado do Rio de Janeiro, na qual 159.452 estudantes fizeram a prova e
responderam o questionário socioeconômico. O questionário socioeconômico permite analisar
a qualidade da educação básica recebida pelos alunos conforme suas condições
socioeconômicas, de experiência de trabalho, percepções sobre a escola, suas crenças, valores
e expectativas, ou seja, todo um quadro de disposições ao âmbito educacional que tanto
Lahire como Bourdieu enfatizam como sendo primordiais para um bom desempenho escolar.
Entende-se que a variável a ser utilizada na pesquisa é o resultado da prova objetiva,
pois esta abrange todo o conteúdo da escolaridade básica e ainda é corrigida por meio de
processo automatizado de leitura ótica de cartão resposta, estando menos sujeitas às
interferências de quem as corrige. As notas obtidas no teste serão relacionas com informações
contidas no questionário socioeconômico, tais como nível de renda familiar, escolaridade da
mãe e do pai, posição ocupacional dos pais, tipo de trabalho dos pais e dos alunos (se estes
trabalharem), número de moradores no domicílio, tipo de instituição que estudou etc. Dessa
forma, o universo amostral da pesquisa corresponde aos 159.452 estudantes que, além de
realizarem a prova, responderam o questionário socioeconômico.
A avaliação de desempenho dos estudantes, de acordo com a classificação do INEP, é
a seguinte: o total de pontos obtidos nas 63 questões de igual valor é colocado em uma escala
de 0 a 100 para depois ser classificado em três faixas de desempenho (notas): insuficiente a
regular, compreendendo as notas maiores ou iguais a 0 e menores ou iguais a 40; de regular a
bom, abrangendo notas superiores a 40 e menores ou iguais a 70; de bom a excelente,
correspondendo às notas superiores a 70.
Entretanto, Ney et al. (2010) demonstram que os dados do ENEM apresentam algumas
limitações que precisam ser consideradas nas estimativas:
a) a perspectiva de cursar uma faculdade motiva os alunos a dedicarem mais tempo
ao estudo no Ensino Médio, influenciando positivamente o seu processo formativo. Os
resultados do ENEM, portanto, tendem a superestimar a qualidade da educação básica
adquirida;
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b) em provas elaboradas com questões de “múltipla escolha” (múltiplas opções para
uma simples escolha) há sempre a probabilidade de acerto por alunos que não sabem
resolvê-la, ou seja, podem responder corretamente através de uma simples escolha
aleatória, mais conhecida como “chute”.
c) um dos grandes desafios das provas nacionais, em um país com a diversidade do
Brasil, é evitar referenciais culturais que possam privilegiar determinados grupos sociais
em detrimento de outros, evitando vieses tendenciosos sociais, culturais e regionais.
4.2 – Desempenho dos participantes do ENEM no estado do Rio de Janeiro.
Apesar de o Brasil ter apresentado uma expansão significativa da oferta do ensino
básico na ultima década, o sistema educacional brasileiro tem demonstrado um baixo
desempenho no que se refere à qualidade do ensino. E o estado do Rio de Janeiro tem
acompanhado essa tendência. Gentili (2009) enfatiza que a escola universalizou-se, todavia
não ampliou seu status de bem comum e de um direito social. Para o autor, apesar de hoje
existirem mais oportunidades de acesso à escola, as redes de exclusão educacional se
tornaram mais difusas e complexas, existindo negações das oportunidades para aqueles que,
mesmo estando dentro do sistema, continuam sem seu direito de fato.
O sistema educacional presente no estado fluminense demonstra ser completamente
heterogêneo quando se compara os resultados obtidos na avaliação do ENEM entre diferentes
extratos de renda da população. A análise da figura 1, que relaciona a renda familiar com a
nota obtida no exame, mostra uma correlação muito forte entre as duas variáveis: quanto
maior a renda familiar, melhor é o desempenho do individuo. Ao observar a figura é notável o
crescimento proporcional das notas, de bom a excelente, ao nível de renda familiar.
De acordo com a figura 1, mais de 40,0% dos alunos com renda familiar menor ou
igual a 1 Salário Mínimo (S.M.) tiveram desempenho de insuficiente a regular. Observa-se
que, em sua maioria, as notas de alunos nessa faixa de renda se concentram nos níveis de
regular a bom, ou seja, 54%. Menos de 5,0% conseguiram o melhor desempenho (bom a
excelente), que abrange as notas alcançadas acima de 70%. O contraste é notável quando são
comparadas às notas dos estudantes com renda familiar acima de 10 S.M.: apenas 3,6%
tiraram notas de insuficiente a regular e 67,3% tiveram um desempenho de bom a excelente.
Diante das evidências, percebe-se que tanto a teoria de Bourdieu quanto a teoria de Lahire se
enquadram perfeitamente no panorama educacional presente no estado do Rio de Janeiro.
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Figura 1- Distribuição percentual dos participantes, segundo o nível de renda familiar em
salários mínimos (S.M.) e conceito na prova objetiva. ENEM, RJ, 2007.
Fonte: Elaboração dos autores.
A desigualdade presente no meio educacional ganhou algumas características
específicas no Rio de Janeiro. Gentili (2009) demonstra que à medida que se aumenta a
escolaridade e acesso dos mais pobres à educação, as condições de permanência dos mais
ricos também crescem. No entanto, o que pode ser observado é que os extratos mais ricos
passam pelo sistema escolar com melhores condições, acarretando em desigualdades de
resultados.
Ricardo Paes de Barros e Bernard Lahire concordam que o sucesso ou fracasso escolar
dos filhos está intrinsecamente ligado ao nível de escolaridade dos pais. Vale ressaltar que
Lahire (1997) não considera a escolaridade como um traço pertinente à leitura sociológica,
mas podemos observar que este requisito perpassa por todos os traços. Os autores consideram
que pais com maiores níveis educacionais exercem controle direto na escolaridade dos filhos,
sancionando e controlando as atividades do dia-a-dia e vendo a educação não como ônus e
sim como investimento em seus filhos.
Diante da verificação de concordância entre ambos os autores, a figura 2 demonstra a
relação existente entre o nível de escolaridade da mãe e o conceito na prova objetiva. Nota-se
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que as notas dos alunos com mães com baixa escolaridade são bem mais baixas quando
comparadas com os das mães que possuem o Ensino Superior completo. Menos de 10% dos
estudantes com mães com escolaridade até 8ª série do Ensino Fundamental conseguiram
desempenho de bom a excelente; já os estudantes cujas mães concluíram o Ensino Superior o
rendimento de bom a excelente cresce para 70%. A proporção de alunos com notas de
insuficiente a regular, ao contrário, cai sistematicamente de 40,3% para 3,8%. A estatística
demonstra, novamente, as disparidades existentes entre a qualidade da educação básica
recebida pelas diferentes classes sociais, o que reforça a tendência da influência
socioeconômica familiar no desempenho dos alunos concluintes do Ensino Médio brasileiro.
Figura 2- Diferença percentual entre nível de escolaridade da mãe e o conceito na prova
objetiva no estado do Rio de Janeiro ENEM, 2007.
Fonte: Elaboração dos autores.
O resultado apresentado referente ao desempenho do estado do Rio de Janeiro reforça
os estudos de Barros et alli (2001), que avaliam o efeito da escolaridade dos pais no nível de
escolaridade dos filhos, desconsiderando a qualidade da educação recebida. De acordo com a
pesquisa, um ano a mais na escolaridade dos pais tende a elevar a escolaridade dos filhos em
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torno de 0,3 anos de estudo. Fica evidente que os resultados alcançados pelos pais em
“corridas” anteriores influenciam fortemente na fase de preparação do filho para o mercado de
trabalho e no sucesso educacional das pessoas ainda em idade escolar, tanto no que se refere
ao nível de escolaridade, quanto na qualidade da educação básica recebida.
A ordem familiar sancionada, principalmente pela mãe, revela grande influência no
desempenho dos estudantes. A existência de uma ordem moral é de grande valia, pois ao ver
os pais estudando ou manuseando livros os filhos são incentivados a uma boa conduta dentro
e fora da escola. O estímulo à execução correta das tarefas escolares, por exemplo, garante
regularidade às disposições escolares. Sendo assim, a teoria de Lahire, ao enfatizar que os pais
exercem grande influência para o meio educacional, vem corroborar com a explicação da
relação entre escolaridade da mãe e o desempenho dos filhos.
Além da condição socioeconômica da família, outro aspecto da desigualdade de
oportunidade educacional observado é a grande diferença na qualidade da educação oferecida
pelas escolas públicas e particulares da rede de ensino básico no estado do Rio de Janeiro.
Famílias com renda mais elevadas optam por colocar seus filhos em instituições privadas de
ensino, justamente por considerá-las de melhor qualidade. Os dados do ENEM confirmam a
hipótese de uma enorme diferença entre a qualidade do ensino público e particular, mas o
desempenho relativamente bom da rede federal rejeita a hipótese de que as deficiências do
ensino público se devem ao simples fato de ser público.
Ao observar a figura 3 podemos notar que quanto maior é a renda familiar maior é a
proporção de alunos estudando em instituições particulares de ensino. Entre as famílias com
renda mensal acima de 10 S.M., 81% dos participantes do ENEM estudaram em instituições
particulares, ao passo que a proporção dos que frequentaram instituições estaduais descresse
para cerca de 8%. Todavia, entre famílias com renda mensal de até 1 S.M., cerca de 94% dos
participantes estudaram em instituições estaduais de ensino e apenas 3,1% estudaram em
instituições particulares.
Um fato marcante da análise dessa figura é a avaliação das escolas federais, visto que
elas são caracterizadas como centros de excelência no estado do Rio de Janeiro. Nota-se que
quanto maior a renda familiar maior é a inserção de alunos nessas instituições, visto que a
porcentagem sobe de 0,6%, entre as famílias com renda até 1 S.M., para 9,2%, entre as
famílias com renda entre 5 e 10 S.M.
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Figura 3- Diferença percentual dos participantes do ENEM pela renda familiar e a
dependência administrativa escolar, Rio de Janeiro, 2007.
Fonte: Elaboração dos autores.
A figura 4 demonstra as diferenças, em porcentagem de resultados, entre alunos das
redes públicas e particulares de ensino no estado do Rio de Janeiro. Fica evidente o contraste
entre as instituições: alunos com condições socioeconômicas baixas e oriundos de instituições
públicas possuem um desempenho mais fraco em relação ao grupo de indivíduos mais ricos e
que tiveram acesso ao ensino em instituições particulares. A figura 4 mostra que apenas 5,9%
dos alunos provenientes de escolas estaduais conseguiram desempenho de bom a excelente.
Nota-se que a maioria desses estudantes, mais de 57%, concentra-se na faixa de desempenho
regular a bom, o que demonstra uma profunda desigualdade em relação aos estudantes
provenientes de escolas particulares: cerca de 51% dos estudantes de escolas privadas
obtiveram desempenho de bom a excelente, ao passo que apenas 6% tiveram desempenho de
insuficiente a regular.
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Figura 4- Diferença percentual entre alunos que estudaram somente em escola pública e particular em
relação ao desempenho dos estudantes, ENEM 2007.
Fonte: Elaboração dos autores.
Os resultados das instituições federais evidenciam um quadro diferenciado das demais
redes de ensino no estado do Rio de Janeiro. Visto como centros de excelência em educação e
marcado pelo ensino técnico profissionalizante, alunos oriundos dessas instituições
apresentam desempenho acima da média. Mais de 73% dos alunos tiveram desempenho de
bom a excelente e menos de 2% tiveram desempenho de insuficiente a regular, o que
demonstra que instituições públicas podem apresentar bom desempenho desde que os recursos
sejam alocados corretamente em prol da educação.
A respeito das informações contidas na figura 4 acerca do panorama educacional do
estado do Rio de Janeiro, podemos fazer um paralelo com a pesquisa feita por Pablo Gentili
(2009). O autor enfatiza que a América Latina possui um sistema escolar partido. Longe de
democratizar o acesso à educação, ele dirige os sujeitos aos circuitos que melhor se adéquam
as marcas e estigmas que cada um detém e que definem o tamanho do direito e das
oportunidades de cada indivíduo. Todos possuem o mesmo direito à educação, no entanto,
nem todos utilizam o seu direito à escola, razão pela qual os resultados são tão desiguais.
Dessa forma, como nem todo jovem se beneficia da expansão do ensino, até porque os
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acessos não são equânimes, essa desigualdade pode aumentar pela qualidade diferenciada da
mão-de-obra que ingressa no mercado de trabalho e, dada a relação entre renda e educação,
produzir futuras desigualdades de rendimentos.
Os estudos de Consorte, Lahire, Bourdieu e Barros afirmam que, entre os fatores
externos que influenciam nas decisões e resultados que cada indivíduo assume em sua vida, o
trabalho se destaca como uns dos principais componentes externos que influenciam no
rendimento escolar. Muitas vezes a renda que os pais possuem não é suficiente para garantir
uma vida confortável, por isso muitos estudantes optam por estudar e trabalhar ao mesmo
tempo para complementar a renda familiar. A figura 5 comprova que estudantes trabalhadores
tiveram um desempenho substancialmente inferior ao dos que apenas estudaram durante o
Ensino Médio. Os microdados do ENEM demonstram que o tipo de instituição de ensino
também está intrinsecamente ligado ao trabalho, no estado do Rio de Janeiro cerca de ¼ dos
estudantes das instituições estaduais de ensino trabalharam durante todo o Ensino Médio, ao
passo que a proporção entre os estudantes oriundos de instituições privadas é de apenas 8,2%.
Figura 5- Distribuição percentual entre conceito dos estudantes prova objetiva e tempo de
trabalho, ENEM, RJ, 2007.
Fonte: Elaboração dos autores.
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Depois de já ter demonstrado as diferenças de resultados entre as instituições
particulares e públicas (figura 4), o quadro demonstrativo da figura 5 ratifica que cerca de
14% dos estudantes que não trabalharam tiveram desempenho de bom a excelente e 58%
tiveram um desempenho de regular a bom. Entretanto, dos estudantes que trabalharam durante
todo o ciclo do Ensino Médio, 32,5% tiveram desempenho de insuficiente a regular e mais de
60% apresentaram um desempenho de regular a bom. A diferença de resultados fica ainda
mais clara quando se compara as notas de bom a excelente. Apenas 7% dos estudantes que
trabalharam todo o tempo conseguiram notas nesse nível de classificação, proporção que sobe
para o dobro entre os que não tinham trabalhado, comprovando que fatores externos como
trabalho tendem a prejudicar o rendimento escolar do individuo. Apesar da diferença
significativa de resultados, a relação entre trabalho e desempenho dos estudantes parece ser
mais fraca do que entre as demais variáveis até aqui utilizadas.
Gentili (2009, p. 1064) afirma que “os sistemas nacionais de educação tenderam a
crescer no contexto de uma intensa dinâmica de segmentação e diferenciação institucionais”.
O sistema educacional interpretado a partir do resultado do ENEM no estado do Rio do
Janeiro denota que ele concedeu aos indivíduos que percorrem seu circuito um status e uma
série de oportunidades bastante heterogêneas. Alunos com baixa condição socioeconômica e
que estudaram em instituições públicas apresentaram um resultado muito abaixo dos alunos
que não precisaram trabalhar e apenas estudaram em escolas particulares, confirmando uma
insuficiência do estado em proporcionar oportunidades de mesmo nível educacional para
todos.
Para Pierre Bourdieu (1998) e Bernard Lahire (1997) um dos pontos fundamentais
para o bom desempenho escolar são os fatores de oportunidade que cada indivíduo já possui,
também representados ou identificados como requisitos ao desenvolvimento cognitivo. Lahire
(1997) demonstra em seus traços pertinentes à leitura sociológica que o incentivo à leitura, às
viagens, e ao estudo de línguas estrangeiras seria de grande valia para a vida acadêmica de um
sujeito. Já Pierre Bourdieu (1998) demonstra que o capital cultural permite o acesso aos bens
imateriais, a exemplo do ato de freqüentar teatros, cinemas e bibliotecas, importantes
predisposições e influências à rica cultura escolar. Diante da perspectiva dos autores,
tentaremos analisar, através de um estudo sobre o acesso literário (livros, revistas científicas
etc.), se estes instrumentos extra-escolares influenciam positivamente no rendimento
educacional.
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Analisando a figura 6, sobre a influência da leitura de romances e livros de ficção no
desempenho escolar, nota-se que quanto maior for o hábito de ler melhor é o rendimento dos
alunos do estado do Rio de Janeiro no ENEM; conseguiram rendimento de bom a excelente
24,6% dos estudantes que mantém leituras de romances e ficções, enquanto que 14% dos
estudantes que não desfrutam de tais literaturas alcançaram desempenho da mesma ordem
estatística. O índice de insuficiente a regular, por sua vez, decresce de 26,5% dos alunos que
não possuem o costume da leitura para de 21,7 % para alunos que lêem freqüentemente.
Figura 6 - Diferença percentual em resultados entre maior freqüência e menor freqüência de
leitura no estado do Rio de Janeiro, ENEM, 2007.
Fonte: Elaboração dos autores.
Casassus (2007) defende a igualdade em um âmbito educacional reconhecendo o
princípio de que todos os cidadãos devem possuir o mesmo acesso à educação. Para o autor
igualdade se refere ao direito de oportunidades cujas condições estão indevidamente
hierarquizadas por classes sociais: os mais ricos recebem uma qualidade de educação muito
melhor do que os mais pobres.
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Os resultados apresentados pelo ENEM (2007) no estado do Rio de Janeiro
demonstram exatamente o que Casassus evidencia para a América Latina. O estado
fluminense, apesar de se encontrar na região economicamente mais ativa do país, ratifica a
tendência prevista pelo autor. O saldo da avaliação confirma que o acesso à educação no
estado está muito diferenciado em camadas sociais; quanto melhor for a condição
socioeconômica que o indivíduo detém melhor tende a ser o seu desempenho educacional.
Assim, as enormes desigualdades de oportunidades educacionais devem resultar em elevadas
disparidades de rendimentos futuras, atualmente geradas na fase de preparação para o
mercado de trabalho.
5- Considerações Finais
A pesquisa não tem pretensão de afirmar que indivíduos de baixa condição
socioeconômica nunca poderão galgar melhores condições. Todavia, os resultados das
estimativas realizadas com os microdados do ENEM, no estado do Rio de Janeiro, elucidou a
existência de uma enorme heterogeneidade educacional condicionada pela desigualdade de
oportunidade de acesso ao ensino de boa qualidade.
É notório que o estado fluminense apresenta uma alta desigualdade na qualidade do
ensino também observada em toda a América Latina e que reproduz um nível de disparidades
de rendimentos extremamente elevado. Apesar de a escola ter expandido e alcançado todos os
extratos sociais, ela não consegue garantir o mesmo padrão educacional para toda a
população. O direito educacional no estado do Rio de Janeiro consagra um sistema desigual
de distribuição dos benefícios educacionais. Além do mais, aplica certa naturalização destas
relações heterogêneas, onde premia e castiga os indivíduos de acordo com suas características
socioeconômicas.
Dessa forma, para formação de um estado fluminense mais justo em sua distribuição
de renda, se faz necessário, antes de tudo, a concepção de uma sociedade em que o direito à
educação efetivamente se ratifique com um ideal igualitário (mais equânime) a todos. Para a
construção de uma sociedade em que as desigualdades sejam cada vez menores é essencial
prover oportunidades na formação básica para que o acesso ao mercado de trabalho e ao
ensino universitário ocorra de maneira mais justa possível. Nesse sentido, torna-se
indispensável a elaboração de políticas públicas voltadas à melhoria da qualidade do ensino
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público, principalmente municipal e estadual. Tal medida pode garantir maior número de
vagas para pessoas pobres com verdadeira igualdade de oportunidade, e sem a falácia de que
o diploma obtido no término do Ensino Médio tem sempre o mesmo valor.
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