(DES) ENCONTROS ENTRE O ALUNO-JOVEM E O LIVRO DIDÁTICO DE EJA: UM
ESTUDO DOS GÊNEROS TEXTUAIS DA ÁREA DE LINGUA MATERNA
Autora: Edneide Maria de Lima- UNEAL
Co-autora: Divanir Maria de Lima- UNEAL
Agência Financiadora: Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de Alagoas-FAPEAL
RESUMO: O trabalho apresenta os resultados parciais de uma pesquisa sobre o Livro Didático (LD)
na Educação de Jovens e Adultos atentando para as escolhas da autoria quanto aos gêneros textuais na área de língua materna e o atendimento às necessidades dos jovens-alunos. O estudo sustenta-se em
Bakhtin (2000), Marcuschi (2002, 2003, 2005), Souza (1998), entre outros. A abordagem
metodológica consistiu na análise documental, inicialmente com o mapeamento dos gêneros textuais
constituintes do LD, procedendo à análise do conteúdo das mensagens implícitas ou explícitas nos gêneros mapeados, observando se estes estão ou não atendendo as necessidades das juventudes da
EJA. Os resultados preliminares indicam uma prevalência dos gêneros poéticos clássicos que são
típicos da escrita, cujas informações são em sua maioria singulares, os quais podem não estar atendendo as expectativas dos jovens-alunos.
Palavras-chave: Livro didático. Gênero textual. Educação de Jovens e adultos. Juventudes.
Considerações iniciais
O estudo que dá origem ao presente texto é resultante de uma pesquisa em andamento,
que investiga “O olhar sobre as juventudes na Educação de Jovens e Adultos: uma análise dos
gêneros textuais do Livro Didático de Língua Portuguesa da rede municipal de Santana do
Ipanema/AL”, realizada no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica-PIBIC
vinculado a Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL e financiado pela Fundação de
Amparo a Pesquisa de Alagoas - FAPEAL.
O recorte aqui apresentado, traz os resultados preliminares da coleta realizada a partir
da pesquisa documental em que o Livro Didático (LD) de Língua Materna (LM) é tomado
como documento público, pois permitirá investigar, através do mapeamento dos gêneros
textuais que o constitui, se o universo textual do jovem/aluno da EJA está ou não presente na
intenção da autoria, atentando para o que o LD “tem a dizer” enquanto “ser falante”,
(CORAZZA,2001), em diálogo (ou não) com o universo juvenil.
O trabalho sustenta-se nos aportes de pesquisa qualitativa (LÜDKE & ANDRÉ, 2007),
e como técnica de análise dos dados a Análise de Conteúdo. (BARDIN, 2009).
Sobre os gêneros textuais...
Quando se trata de gêneros textuais, está-se vislumbrando algo presente na vida de
todas as pessoas, visto que é através de textos que os seres humanos se comunicam. Segundo
Marcuschi (2005, p. 24) o texto é “[...] uma entidade concreta realizada materialmente e
corporificada em algum gênero textual [...]”, ou seja, os seres humanos e as atividades que
realizam estão permeados por textos, por linguagens.
Sabemos que da maneira como o homem produz tecnologia, ele produz a linguagem,
e, ao produzi-la, cria possibilidades de abstrair o mundo exterior. Em outras palavras, os
gêneros são entendidos como realizações linguísticas definidas por propriedades sócio-
comunicativas. “Não são modelos definidos em um contexto discursivo, mas eventos textuais
altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos”. (MARCURSHI, 2005, p. 19).
Bakhtin (1997, p. 280), o precursor do estudo dos gêneros, afirma que “cada esfera de
utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que
denominamos gêneros do discurso”. Ao complementar e ao mesmo tempo fazer uma releitura
de Bakhtin, Marcuschi (2002, p. 21) declara que:
Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para
referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que
apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos,
propriedades funcionais, estilo e composição característica. (grifos do original )
Os gêneros textuais, portanto, estão presentes nas práticas cotidianas dos indivíduos e,
de acordo com Marcuschi (2002, p. 19), “contribuem para ordenar e estabilizar as atividades
comunicativas do dia-a-dia”. Desse modo, acreditamos que o jovem-aluno da EJA, talvez até
de modo inconsciente, lida em seu cotidiano com inúmeros eventos textuais nas mais diversas
esferas da comunicação social que lhe permitem o acesso ao mundo letrado. Ou seja, os
estudantes interagem socialmente com uma grande variedade de gêneros aliados às práticas de
letramento, como os gêneros produzidos na esfera do mundo tecnológico. Um exemplo é o
scrap – uma evolução digital do bilhete, criada e utilizada no Orkut, os textos postados no
facebook, a troca de e-mails, a twitteratura1 que está cada vez mais reivindicando seu lugar na
história literária, os estilos musicais como o da obra de Gabriel o Pensador, que obedecem a
um preciso e peculiar padrão rítmico, poderiam ser facilmente abordados em uma atividade
que, por exemplo, utilizasse a linguagem do hip hop que oferece um leque de opções para os
estudos em sala de aula. Estes são alguns dos gêneros que permeiam o universo cultural do
mundo dos jovens sejam eles das salas de EJA ou não, são os textos considerados “não
escolares”, mas que estão diretamente ligados ao contexto dos alunos-jovens e podem
proporcionar maior motivação na aprendizagem, devido ao reconhecimento de dado gênero.
1 A Twitteratura aborda um novo meio de publicação literária na internet. Em até 140 caracteres, autores brasileiros têm
divulgado seus textos literários no microblog Twitter, criado em 2006.
Olhares iniciais sobre o objeto de pesquisa
Os LDs analisados são parte de uma coleção composta por 04 (quatro) livros
fornecidos pelo Programa Nacional do Livro Didático para Educação de Jovens e Adultos-
PNLD/EJA, sendo organizados em quatro volumes que atendem a EJA nas séries finais do
ensino fundamental - 2º Segmento da EJA, e cada exemplar é formado por sete disciplinas,
trazendo a estruturação dos capítulos em blocos de unidades repleto de subtemas na sua
grande maioria constituída por gêneros textuais poéticos que circulam na esfera escolar.
Trabalhar com jovens na EJA se configura um constante ensinar e aprender aportado
no diálogo onde os jovens/alunos e adultos/professores potencializam e ampliam os saberes e
experiências anteriores somadas as novas aprendizagens.
[...] O diálogo entre saberes escolares e não escolares não ocorre naturalmente. Há a
necessidade de viabilizar encontros que permitam que os jovens entrem em um
processo de apropriação e reconfiguração de seus saberes anteriores. A escola é,
para eles, um espaço importante tanto para viverem suas juventudes, quanto para ampliarem seus saberes e referências culturais. Resta questionar se essa instituição e
os agentes educativos que dela fazem parte estão conscientes da importante
dimensão que exercem na vida desses jovens. (REIS, 2012, p.640-642):
Sinalizações da pesquisa
Na análise do LD, percebe-se implicitamente o isolamento dos conteúdos dentro das
unidades e, já é verificado a fragmentação contrariando o princípio da interdisciplinaridade
próprio da integração a que se propõe o livro. Nessa organização curricular estão
estabelecidas as fronteiras entre uma discussão e outra e, ai cabe questionar: Onde estão os
estudos dos gêneros emergentes2, onde estão os gêneros da oralidade?
O gráfico abaixo, a partir do mapeamento, nos traz um panorama da diversidade
textual presente no livro no que diz respeito aos gêneros da área de LM.
Gráfico 1: Visão geral do mapeamento dos gêneros textuais dos LDs da 4ª Fase do 2º segmento da EJA
2 Chamamos de emergentes, os gêneros novos dentro de novas tecnologias, particularmente na mídia eletrônica (digital). De
acordo com Tom Erickson (1997), para quem o estudo da comunicação virtual na perspectiva dos gêneros é particularmente interessante porque “a interação on-line tem o potencial de acelerar enormemente a evolução dos gêneros”, tendo em vista a natureza do meio tecnológico e os modos como se desenvolve. Esse meio propicia, ao contrário do que se imaginava, uma
“interação altamente participativa”, o que obrigará a rever algumas noções já consagradas.
Analisando os resultados de maneira global, percebemos que o LDs apresentam, para
fins de exploração em atividades de leitura, escrita e oralidade, um total de 42 gêneros. E, a
partir do mapeamento destaca-se ainda: i) uma predominância dos gêneros textuais
essencialmente literários como o poema, 07 do total de 42 textos mapeados totalizando 17%,
e os contos que somaram 04, perfazendo 10%, e apenas 01 texto é de cunho oral; ii) quanto à
tipologia textual, seguindo o modelo do gênero literário, segue-se predominando na estrutura
tipológica dos textos, a sequência narrativa, que apareceu em 21 dos textos mapeados (50%),
seguido do texto descritivo 07 (17%). Em seguida aparecem as sequências expositivas e
argumentativas (14% cada uma) e por fim, 01 texto de sequência tipológica injuntiva (5%);
iii) quanto ao domínio discursivo, isto é, por onde circulam os gêneros mapeados, não é de se
estranhar que os gêneros textuais presentes no LD de LM sejam predominantemente
escolares, os gêneros ficcional/literário 16, somam (38%) do total mapeado. Já os gêneros
produzidos e em circulação no domínio discursivo jornalístico/público são 10, totalizando
24%. Enquanto que, 02 gêneros pertencentes ao domínio interpessoal e instrucional, foi
visualizado em 06 textos, perfazendo cada um 17% do mapeamento. O quantitativo de
gêneros do domínio discursivo lazer e comercial/público, é abordado em 01 texto cada um,
totalizando somente 2%.
Algumas considerações...
Partindo deste panorama, observamos que o carro-chefe dos exemplares analisados
são os gêneros de tipologia narrativa, limitando o grau de diversidade dos gêneros detectado
nos LDs, pois apenas 20 categorias de gêneros compõem o rol de textos presentes no livro.
Se levarmos em consideração o fato de que, acessando a internet, um indivíduo terá contato
com uma quantidade inumerável de diferentes gêneros, podemos pensar que os livros
didáticos proporcionam ao jovem-aluno, no período de um ano letivo, o contato com um
baixo número de gêneros textuais.
Dada a essa pouca diversidade textual que permeia o mundo da escola, algumas
inquietações nos rodeiam: i) há uma desconexão entre o mundo da vida e mundo da escola, já
que os gêneros que neste circulam, são próprios apenas desse mundo?; ii) onde estão os textos
de circulação e uso referentes às necessidades cotidianas dos sujeitos jovens e adultos; iii)
onde e como estariam as juventudes e suas formas de ser jovem representadas nos gêneros
postos no LD?
Podemos inferir que, os “produtores do livro” ainda não reconhecem as juventudes e
seus universos culturais como elementos que devem integrar o mundo dos gêneros que
povoam o universo escolar. Faz-se necessário oportunizar a entrada de outros gêneros,
superando assim o distanciamento histórico entre a proposição do LD da EJA e o mundo dos
jovens-alunos presentes nessa modalidade de ensino, dando visibilidade às juventudes da/na
EJA, tratando-as como concretudes e ao mesmo tempo considerando suas complexidades.
Referências
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Edição revista e atualizada: Edições 70. Portugal, 2009.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 277-289.
LUDKE, M. e ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. 10 ed. São
Paulo: EPU, 2007.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO,
Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.). Gêneros
textuais e ensino.2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
REIS, R. Experiência escolar de jovens/alunos do ensino médio: os sentidos atribuídos à
escola e aos estudos. Educ. Pesqui. [online]. 2012, vol.38, n.3, pp. 637-652. ISSN 1517-
9702.