Depressão e
Comportamentos Suicidários
Carlos Braz Saraiva
Professor de Psiquiatria da FMUC Chefe de Serviço de Psiquiatria do CHUC
Depressão
Perguntas inevitáveis
• Depressão ou depressões? • Doenças do humor ou dos afectos? • Doenças de hoje ou de sempre? • Tristeza é doença? • Luto é doença?
Depressão
• Doença frequentemente não diagnosticada em fases iniciais, uma das mais incapacitantes no século XXI (OMS)
• Interacção complexa entre genes e ambiente:
– Factores neurobiológicos / genéticos
– Sociais
– Culturais
A principal complicação é o suicídio
• Suicídio como 2ª causa de morte entre os 20-35 anos em que >50% dos suicidas estavam deprimidos
• Suicídio como uma tragédia individual e um problema de saúde pública (OMS), principalmente do adulto tardio e do idoso em Portugal
• Cerca de 10% dos deprimidos graves que foram internados suicidam-se no futuro
Sintomas (DSM-5, 2013)
• Critérios simplificados:
5 ou mais sintomas ( de entre 9 ) durante pelo menos 2 semanas:
• Humor depressivo*
• Anedonia*
* um destes sintomas nucleares tem que
estar obrigatoriamente presente
• Perda de peso
• Insónia ou hipersónia
• Agitação ou inibição
• Fadiga
• Sentimentos de culpa ou de auto-desvalorização
• Desconcentração ou indecisão
• Ideias de morte ou de suicídio
Sintomas biológicos
• “Desvio funcional depressivo”:
• Variação diurna do humor (melhora para a tarde)
• Alterações do apetite (usualmente perda)
• Perda de peso
• Diminuição da libido
• NOTA: São os sintomas biológicos que “aproximam” os dois deprimidos,
o esquimó da Gronelândia e o maori das Ilhas Samoa
Sintomas iniciais comuns
• Sensação de que o sono não é reparador: – insónia inicial – insónia terminal (clássica na depressão
endógena) – sono leve (pode não haver sono δ, delta) – acordar cansado –hipersónia (em certos casos atípicos)
• Cortex pré-frontal (hipoperfusão)
• Amígdala (hiperactividade)
• Hipocampo (menos neurogénese, perda de volume)
Neuroplasticidade do cérebro
Compreender e explicar pela fenomenologia (principais dicotomias)
• Endógena vs. exógena / psicógena / reativa • Unipolar vs. bipolar • Major vs. minor
e ainda • Psicótica vs. neurótica • Primária vs. secundária • Inibida vs. agitada • Sazonal vs. não sazonal
Depressões graves
• Psicóticas ou com componente psicótico
(10% dos casos)
• Ideias deliróides (delirantes) congruentes com o humor depressivo: – culpa
– hipocondríacas
– ruína
– niilistas (versão extrema: Síndrome de Cotard, “estou a apodrecer, estou morto”)
– perseguição (menos frequentes)
Epidemiologia da depressão
PORTUGAL • 8 % para a população em geral • 22% em cuidados primários, incluindo major e minor (Gusmão, 2005; Caldas-de-Almeida et al., 2010)
Curso e prognóstico
• Frequente durar de 1 a 8 meses
• Em 20% dos casos os sintomas podem durar 2 anos
• 30% recorrências a 10 anos
• 60% recorrências a 20 anos
Semple & Smyth, 2009, Oxford Handbook of Psychiatry
Comorbilidade
• Em 2/3 dos casos há comorbilidade, principalmente com:
– Perturbações da Ansiedade
– Consumo de Substâncias
– Alcoolismo
– Perturbações da Personalidade
Diagnóstico diferencial
• Outras perturbações do humor
• Perturbações de ansiedade (Obsessivo-Compulsivo, Pânico e Fobias, Stresse Pós-Traumático, etc.)
• Alcoolismo e outras drogas (Opióides, Cannabinóides, etc.)
• Esquizofrenia (certas formas juvenis)
• Distúrbios alimentares (Anorexia, Bulimia, etc.)
• Doenças endócrinas (Hipotiroidismo, Diabetes, etc.)
• Doenças neurológicas (Demência, D. Parkinson, etc.)
• Doenças infecciosas (Sífilis, HIV, tuberculose, etc.)
• Doenças inflamatórias (Lúpus, etc.)
• Doenças oncológicas (Cancro do pâncreas, etc.)
Etiologia
• Genética
– história familiar de depressão ou suicídio (mais evidente nas depressões bipolares) / gene transportador da 5HT (17q11.1-12)
• Desenvolvimento na infância
– experiências abandónicas ocorridas na infância
– maus tratos, abuso sexual ou violação
• Personalidade
– Neuroticismo (labilidade), vulnerabilidades ao stresse, etc.
• Factores circunstanciais
– acontecimentos de vida negativos, falta de suporte familiar / social, desemprego
Causas iatrogénicas de depressão
• Neuroléticos
• Corticosteróides
• Anti-inflamatórios não esteróides (Ibuprofeno…)
• Antibióticos (Ampicilina, Griseofulvina, Nitrofurantoína, Estreptomicina,Tetraciclinas…)
• Β – Bloqueantes (propanolol…)
• Antiepiléticos (carbamazepina…)
• Contraceptivos orais
• Digitálicos • …
Humor, comportamento e neurotransmissores
Dopamina Motivação
Prazer
Recompensa
Noradrenalina Alerta
Energia Interesse
Humor
Serotonina Obsessões
Compulsões
Ansiedade
Atenção
Quadros clínicos afins (I)
• Distimia (Perturbação Depressiva Persistente ) - sintomas depressivos ligeiros ( > 2) em >50% dos dias, persistentes no tempo
(> 2 anos) : – alterações do apetite, sono, astenia, baixa auto-estima,
desconcentração ou indecisão, desesperança, choro – Prevalência: 5% – Mais frequente nas Mulheres – 25% “cronificam” – Curso menos grave que outros quadros depressivos – Tratamento: IMAOs, ISRS, Tricíclicos ou Tetracíclicos e Psicoterapia
• Depressão dupla - Depressão Major em quadro de Distimia (para o DSM-5 a
Perturbação Depressiva Persistente inclui Depressão Major Crónica e Distimia prévia)
Quadros clínicos afins (II)
• Perturbação afetiva sazonal (Seasonal afective disorder) SAD – hipersónia, fadiga, apetência para doces no Inverno (falta de luz), mais frequente nas mulheres 5:1
• Ciclotimia - >2 anos com numerosos episódios de sintomas hipomaníacos e depressivos (que não preenchem os critérios para fazer o diagnóstico de depressão major)
• Distúrbio de ajustamento / adaptação com humor depressivo - consequente a stress identificável, com sintomas emocionais (choro, desespero, etc.) que se desenvolvem nos 3 meses seguintes (e não ultrapassam os 6 meses após a eliminação desse stress)
• Perturbação disfórica pré-menstrual – elevados níveis de ansiedade, irritabilidade e labilidade emocional
Tratamento psicofarmacológico da
depressão
Como actuam os antidepressivos
• Inibem a recaptação pré-sináptica da 5HT, NA, DA
• Actividade antagonista da inibição dos receptores 5HT ou NA, o que aumenta a libertação dos NT
• Inibem a monoamina oxidase, reduzindo a degradação dos NT
• Aumentam a disponibilidade dos precursores dos NT (triptofano)
Antidepressivos em Portugal
IRSN
Venlafaxina
Milnacipran
Duloxetina
ADT
Clomipramina
Imipramina
Amitriptilina
Trimipramina
Dotiepina
Nortriptilina
Tianeptina
IMAO
Moclobemida
Pirlindol
IRND
Reboxetina
Bupropiona
Agonistas
Mt1 Mt2
Agomelatina
ISRS
Fluvoxamina
Paroxetina
Fluoxetina
Sertralina
Citalopram
Escitalopram
Atípicos
Antagonistas
5HT2 etc Trazodona
Mirtazapina
Mianserina
Maprotilina
Efeitos colaterais adversos
• 1 ª GERAÇÃO
(Tricíclicos)
• Boca seca / xerostomia
• Obstipação
• Retenção urinária
• Visão turva ...
• 2 ª GERAÇÃO
(ISRS)
• Náuseas
• Vómitos
• Taquicardia / agitação
• Perda da libido ...
Regras básicas
• Subir doses gradualmente
• Preferencialmente toma única
• Preferencialmente toma à noite
• Manter a dose terapêutica durante 1 ano
• Descontinuação lenta
• NOTA: Nalgumas situações é necessário prolongar o tempo de medicação
Depressão resistente (alguns passos possíveis)
1. Diagnóstico está correto?
2. Doses estão corretas?
3. Há adesão ao tratamento?
Mudar de antidepressivo (outro grupo)
Associação de antidepressivos
Juntar estabilizador
Juntar T4
Juntar triptofano
Eletroconvulsivoterapia (ECT) em casos especiais
Comportamentos Suicidários
Suicídio seg. Shneidman
• “O suicídio é um acto consciente de auto-aniquilação melhor compreendido como uma doença multidimensional num indivíduo carente que acredita ser o suicídio a melhor solução para resolver um problema”
• “O suicídio é um drama da mente…quase sempre relacionado com a dor psicológica, a dor das emoções negativas – a chamada psychache”
Shneidman, 1985 Shneidman, 2001
Cenário suicida (adapt. a partir de Shneidman)
• Dor psicológica + • Perda da auto-estima + • Constrição da mente + • Isolamento + • Desesperança + • Fuga
E. Shneidman (1918-2009)
Ideação passiva de morte
Ideação activa de morte
Plano suicida intenção
Acto suicida
DO
ENÇ
A P
SIQU
IÁTR
ICA
Genética Ideação suicida
SUICÍDIO: comportamento complexo e multideterminado, o mais intrigante acto do ser humano
Doença
física
Psico social
Cognitivo
Traumas
Demografia
Circunstâncias
SUICÍDIO
90% padecem de doença mental
Sexo
Stress Diátese
Doença mental Álcool/Drogas Stress familiar Stress social
Genes Vulnerabilidade Neurobiologia
Noradrenalina Serotonina
Adapt. Amsel & Mann, 2001
COMPORTAMENTO SUICIDÁRIO
Modelo Stress-Diátese
Alguns factores de risco do suicídio em Portugal (síntese)
• Homem
• Divorciado, viúvo
• Adulto tardio ou idoso
• Ao sul de Santarém
• Isolado
• Modelos suicidas
• Genética
• Maio a Agosto
• Desemprego
• Ruína financeira
• Acontecimentos de vida negativos
• Problemas afectivos
• Doença crónica grave
• Desesperança-desespero
TRÍADE COGNITIVA ESQUEMAS DISTORÇÕES
Cognitivismo
“Eu não presto” “O mundo lá fora é perigoso e hostil” “O futuro não trará nada de bom”
Padrões de comportamento Crenças
Erros de interpretação e avaliação Pensamento dicotómico Maximização dos negativos Condicionalismos
Beck
Teoria dos modos (Beck, 1996), desenvolvida por Rudd (2006)
CULPA 3 VERGONHA 4
DESESPERO 2
“FARDO” 5
DISTRESS 1
1. “Não aguento mais” 2. “Não consigo mudar isto” 3. “Fiz montes de asneiras” 4. “Sinto nojo de mim” 5. “A minha família fica melhor sem mim”
“gatilhos” internos “gatilhos” externos
Esquemas mentais comuns
• “O melhor é desaparecer de vez...”
FUGA
• “Já não tenho forças, vou desistir...”
EXAUSTÃO
• “Sinto-me um inútil, já não presto...”
CULPA
• “Não vou dar mais trabalho a ninguém...”
SACRIFÍCIO
• “Ainda hão-de se arrepender…”
HOSTILIDADE / VINGANÇA
Atenção a…
Álcool ou “drogas” + Depressão (humor e afectos) + Impulsividade + Perfeccionismo + Perturbação da identidade + Solidão + Dores ou doença física crónica
• Deprimidos
• Alcoólicos
• Toxicodependentes
• Esquizofrénicos (primeiros anos)
• Distúrbios de personalidade (graves)
• Indivíduos pós tentativa de suicídio, principalmente se a desesperança persiste
Doentes mais em risco
SUICIDA PARASSUICIDA
Homem Mulher
> 45 anos < 25 anos
Intenção suicida Intenção manipulativa
Corda, tóxicos, arma fogo, etc. Psicofármacos, cortes
Premeditado Impulsivo
Problemas crónicos Problemas reagudizados
Isolamento Estilo de vida caótico
Saraiva, 2006
Suicídio vs Parassuicídio
SUICIDA PARASSUICIDA
Depressão > 50% casos Depressão < 50% casos
Alcoolismo crónico Perturbação da personalidade
Má saúde física Razoável saúde física
Todas as classes sociais Classes sociais baixas
A sul de Santarém Em todo o país
Maio a Agosto Todas as estações do ano
Taxa 10 / 100 mil habit. /ano Taxa 300 / 100 mil habit. /ano
Saraiva, 2006
Suicídio vs Parassuicídio
Acontecimentos traumáticos na infância
(e.g. Educação sem pai/mãe, maus tratos, abuso sexual/violação)
Sem amigo confidente na infância/adolescência
Múltiplas vulnerabilidades durante o desenvolvimento
(e.g Hipóxia neonatal, enurese nocturna, alterações da marcha/fala)
Recorrentes (>2 comportamentos)
Sentir
Tempo Poder
“Quem sou eu?”
Saraiva, 1997, 1999, 2006
Tripla patologia
4 “Grandes Perigos” e 4 “Traços Problemáticos”
Depressão Solidão
Drogas Agressividade
Impulsividade Perfeccionismo
Baixa auto-estima Pert. identidade
Shaffer et al., 1996; Gould et al., 1998; Field et al., 2001; Orbach & Iohan-Barak, 2009
Exemplos de narrativas de rejeições
• “Nasci por acaso”
• “A minha mãe quis matar-se grávida de mim”
• “Vinha roxo, o meu pai virou as costas”
• “Fui abandonada pela minha mãe”
• “A minha mãe disse-me que mais valia ter morrido”
• “O meu pai quis que a minha mãe abortasse”
• “A minha mãe disse que eu era feia”
• “Ela lamenta-se que eu dei muito trabalho a nascer”
etc, etc...
Cenário frequente (comorbilidade)
• Perturbação de ajustamento/depressão
+
• Perturbação da personalidade (B>C>A)
+
• Consumo de substâncias (álcool, drogas, tabaco, café…)
+
• Perturbação do controlo do impulso
Baixar a tensão emocional
Identificação grupal
Anti-dissociação
Anti-despersonalização
Auto-estimulação
Manipulação
Busca dos limites do “self”
Auto-punição
Comportamento adictivo
Reforço negativo
Expressão sexual
Anti -desrealização
A pele como uma tela para pintar