CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOSEVENTO: Audiência Pública N°: 001343/01 DATA: 14/11/01INÍCIO: 14:36 TÉRMINO: 17:38 DURAÇÃO: 03:02TEMPO DE GRAVAÇÃO: 03:06 PÁGINAS: 75 QUARTOS: 19REVISORES: LUCI, PAULO DOMINGOS, MONICA, VÍCTOR, ROSA ARAGÃOSUPERVISÃO: SEM SUPERVISÃOCONCATENAÇÃO: YOKO
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
WILSON SALLES DAMAZIO – Coordenador-Geral Central de Polícias do Departamento dePolícia FederalJORGE ATÍLIO SILVA IULIANELLI – Representante da KOINONIA — Presença Ecumênica eServiço do Rio de JaneiroERALDO JOSÉ DE SOUZA – Diretor do Pólo Sindical do Submédio São FranciscoCLEUSA PEREIRA DO NASCIMENTO – Prefeita de Salgueiro, Estado de PernambucoROBERTO LUCIANO TENÓRIO DO AMARAL– Vigário-Geral, representante da Diocese deFloresta, Estado de Pernambuco
SUMÁRIO: Discussão, avaliação e indicação de estratégias e alternativas para superação daviolência e desintegração social no Submédio São Francisco, polígono da maconha.
OBSERVAÇÕES
Há oradores não identificados.Há intervenções inaudíveis.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Declaro aberta esta reunião
de audiência pública, que tem por finalidade avaliar a situação de violência e
desintegração social no Submédio São Francisco, Polígono da Maconha; indicar
estratégias para sua superação; oferecer alternativas aos jovens da região.
Dou boas-vindas ao povo da região: ao Sr. Prefeito, ao Padre Roberto,
também ao Deputado Gonzaga Patriota, pernambucano da gema, que, sempre que
possível, está combatendo o bom combate das grandes causas da população; ao
Deputado Fernando Ferro, grande colaborador da CPI do Narcotráfico e profundo
conhecedor daquela localidade.
Informo a todos que o requerimento para esta audiência pública se justifica,
em face dos novos problemas que surgem agora, principalmente uma série de
homicídios sucessivos, sobre os quais vamos aqui discutir, que atingem
principalmente aos jovens. Isso tudo está ligado ao narcotráfico.
A CPI do Narcotráfico, mesmo encerrada há mais de um ano, continua a
apresentar resultados. Foi o início de um grande trabalho de moralização que é
preciso se fazer neste País.
Mais uma vez parabenizo o Deputado Moroni Torgan, aqui presente e um dos
depoentes nesta audiência, por seu relatório e por todo o trabalho em benefício da
população brasileira.
Convido para fazerem parte da Mesa o Sr. Deputado Moroni Torgan, Relator-
Geral da CPI do Narcotráfico; Dr. Wilson Salles Damazio, Coordenador-Geral
Central de Polícia, do Departamento da Polícia Federal; Dr. Jorge Atílio Silva
Iulianelli, representante da KOINONIA, Presidência Ecumênica a Serviço do Rio de
Janeiro, professor de Sociologia e estudioso dos problemas da região; Sra. Cleusa
Pereira do Nascimento, Prefeita de Salgueiro, uma das cidades visitadas pela CPI
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do Narcotráfico — ainda guardo a recordação daquele povo bom e preocupado;
Vigário-Geral Roberto Luciano Tenório do Amaral, representante da Diocese de
Floresta, Estado de Pernambuco; Sr. Eraldo José de Souza, Diretor do Pólo Sindical
do Submédio São Francisco, uma das mais importantes lideranças daquela região.
Conforme o art. 256, § 2º, do Regimento Interno, cada expositor disporá de
quinze minutos para sua explanação. Após as exposições, será concedida a palavra
aos Deputados presentes, respeitada a ordem de inscrição. Cada Deputado inscrito
terá o prazo de três minutos.
Esclareço ainda que esta reunião está sendo gravada para posterior
transcrição. Por isso, solicito a todos que falem ao microfone.
Concedo a palavra ao primeiro expositor, Deputado Moroni Torgan, ex-
Relator-Geral da CPI do Narcotráfico. S.Exa. dispõe de até quinze minutos para sua
exposição.
O SR. DEPUTADO MORONI TORGAN – Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Parlamentares, demais autoridades presentes, Dr. Damazio, meu irmão e colega.
Em primeiro lugar quero dizer que o grande sucesso da CPI do Narcotráfico
se deveu à união de seus membros. Não tivemos nenhuma pessoa agindo
individualmente naquela CPI. Foi um trabalho coletivo. E em razão disso, obtivemos
sucesso. Ali não havia Partido ou outra bandeira que não fosse livrar ou, pelo
menos, minimizar o problema das drogas no País.
Fico pensando sobre o Polígono, que está se expandindo para Bahia, Piauí,
parte do Ceará, Maranhão, em razão das ações repressivas feitas em alguns
momentos.
A luta contra o narcotráfico é interessante. Se fossem oferecidas condições à
Polícia Federal para atuar regularmente na região do Polígono seria um grande
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sucesso. No início da operação, é possível ter algum sucesso e interditar o plantio.
Mas é difícil deter os cabeças. Quando eles vêem o helicóptero na região já sabem
que a Polícia Federal está presente. Por isso é complicado. É preciso ter um
helicóptero na região. E não que a Polícia Federal, de forma alguma, esteja com má
vontade ou coisa parecida. Pelo que eu saiba, sua verba está totalmente cortada, o
que não permite esse tipo de operação constantemente. Agora, é necessário se
refazer algumas coisas.
Sei que a Polícia Federal não pode se manifestar em muitas questões. Mas
eu posso. Sou Delegado da Polícia Federal — é a minha profissão — mas estou
Deputado e posso falar sobre fatos que, muitas vezes, não são abordados.
Nós, que estivemos na CPI, assim como os Deputados Padre Roque e
Fernando Ferro, que tiveram grande desempenho, recebemos apoio de todos os
Partidos.
Não sei se V.Exa. se lembra, Deputado Padre Roque, de quando vimos
aquela Operação Mandacaru, a qual achamos uma piada, infelizmente. Dez dias
antes da operação, o General Cardoso foi à televisão dizer que dentro de dez dias
eles iam fazer uma operação para fechar o Polígono da Maconha. Foi quase como
dizer: daqui a dez dias, não apareça mais ninguém na região, porque vamos fechar
o Polígono. Nunca vi um negócio desse. Se quero pegar os bandidos, não posso
dizer que estou indo para lá. Vou para a região, fecho o cerco e pego os traficantes.
Se eu digo isso é como se eu estivesse dizendo: vai todo mundo embora, para não
me dar problema.
Fico a imaginar que foram gastos sete milhões de reais na realização da
Operação Mandacaru, sem grandes conseqüências. Os traficantes simplesmente
esperaram o Exército sair para voltar a fazer o que faziam antes.
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Por exemplo, uma operação da Polícia Federal num setor desses deve custar
— o Dr. Damazio pode até confirmar — cerca de 150 mil reais. Uma operação que
fique alguns dias naquela região deve custar isso. Talvez com 1,5 a 2 milhões daria
para manter uma operação constante no Polígono da Maconha. Isso já evitaria o
plantio.
De vez em quando eu me sinto, para resolver o problema da maconha, como
os americanos querem solucionar o problema da cocaína. Eles estão preocupados
com o plantio e não com a lavagem de dinheiro. No caso, é preciso união do
Judiciário, Ministério Público e Polícia.
Digo aos senhores que o Leonardo Dias Mendonça, um dos maiores
traficantes de cocaína no Brasil, foi preso com avião, com a quadrilha inteira, mas
não ficou nem dois meses na cadeia. Foi liberado. Não adianta a Polícia fazer um
trabalho que não tenha continuidade no Judiciário ou, por qualquer meandro
judiciário ir por água abaixo.
Por que estou dizendo isso? Porque nessas últimas operações, se não me
engano, foram destruídos mais de 300 mil pés de maconha. Mas eu já soube
inclusive de apreensões no próprio Polígono que chegaram a três milhões de pés.
Eu fico pensando onde vamos vender tudo isso. Para três milhões de pé de
maconha é preciso um mercado de pelo menos um milhão de quilo, o que daria mil
toneladas. Vender essa quantidade de maconha não é fácil. Não é só o mercado de
Fortaleza, Salvador, Pernambuco que vai dar conta disso. É preciso um mercado
organizado e, ao mesmo tempo, os financistas deste mercado.
Eu me lembro de que quando lá estivemos com a CPI do Narcotráfico, vimos
que a parte menor do tráfico ficava no Polígono, e os cabeças à beira-mar. Eles
cuidavam à beira-mar, apesar de no Polígono ter algum comprometimento da Polícia
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e de alguns políticos. Deixo isso bem claro. Não vamos generalizar, porque conheço
excelentes representantes daquela região. Mas alguns também estão envolvidos e
conseqüentemente nas outras áreas, no Legislativo, Executivo, Judiciário e
Ministério Público.
Não consigo entender o clima de medo que percebi no Polígono. Hoje já
diminuiu, porque houve ocupação das estradas, o que minorou um pouco o medo.
O grande problema é chegar ao financista que mora à beira-mar. Esse é o
grande problema do Polígono, porque ele garante o plantio, a distribuição, enfim,
toda a veia do narcotráfico na região, que é o dinheiro.
Acredito ser difícil até para a Polícia Federal conseguir isso, porque ela vai
precisar quebrar sigilos, do Ministério Público e Judiciário juntos, para poder realizar
grande operação nesse sentido.
Sei que grandes traficantes que lá atuavam agora têm padaria no Recife.
Inclusive há pessoas que detinha a distribuição de pães por possuir uma pequena
padaria.
Vou citar um exemplo interessante. Gosto de dar nome aos bois, porque só
teoria não é suficiente.
Certo sujeito fugiu da CPI do Narcotráfico quando esteve na região: o nome
dele é Cláudio Couto Cruz. Temos aqui seu nome, endereço, CPF, tudo. Ele tinha o
esquema da padaria e mais trinta veículos que faziam a distribuição de pão em toda
a região. Devia ser a única padaria do sertão de Pernambuco. Nunca vi uma padaria
fazer distribuição para tanta cidade. Dá a impressão de que nenhuma cidade do
interior de Pernambuco tinha padaria, porque aquele sujeito fazia distribuição de pão
para todo mundo. O que indicava mais isso aí? Indicava que o pão dele era
diferente. Não era pão, porque a farinha de trigo era diferente.
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O que aconteceu? Como em Salgueiro ele ficou muito manjado, agora possui
duas padarias em Recife, inclusive na Praia de Boa Viagem. E continua com o
sistema de distribuição de pães. Diz que tem uma frota de veículos para distribuir
pães.
Enquanto não pegarmos pessoas como o Cláudio, não adianta ficar correndo
atrás de roçado. Temos de prender as pessoas que financiam o narcotráfico, que o
fazem funcionar. Talvez nem seja o cabeça, mas grande intermediário.
Precisamos ir para cima disso e começar a desmontar esse esquema. Daí
desmonta o Polígono. Há aquela imagem de que o Polígono é impossível, porque se
a Polícia ficar muito tempo, também será corrompida pelo pessoal. O agricultor que
vai tentar plantar o próprio narcotráfico o intimida e não o deixa plantar. Ah, vamos
acabar com o folclore.
A verdade é que se o Poder Judiciário e o Ministério Público quiserem acabar
com o Polígono, acabam. Mas tem que se unir e não pode ter rabo preso na mão de
nenhum deles. Se tiver rabo preso, começa a morcegar o negócio, a não ter verba
para o operação e outras coisas. Não entendo isso.
As histórias do Polígono geraram folclore, mas está acabando. E inclusive
está legal, porque o maior plantio agora está localizado nas ilhas do São Francisco.
Não entendo o fato de a Polícia não ter verba. Dão sete milhões para uma
operação que não chega a nenhum resultado. Agora, não dão duzentos, trezentos
mil para a Polícia fazer a operação. São questões que eu gostaria de entender. Se
com dois milhões de reais dá para manter uma operação permanente nesse setor,
eles não teriam mais como plantar.
E agora perguntam: terminaria o problema? Talvez ali sim. Mas se não pegar
aquele que está na Praia de Boa Viagem, à beira-mar, só vão transferir. Vão sair dali
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e fazer um polígono no Piauí, na Bahia, em Goiás, Tocantins. Eles só vão mudar de
local.
Ao mesmo tempo em que é importante a ação de erradicação da maconha,
também o é a do dinheiro do tráfico. Se não houver isso, eles vão continuar com o
poder. Se eles não tiverem dinheiro, como vão subornar alguém? Não existe
suborno sem dinheiro. Qual o poder que vão ter se todo mundo agir contra eles?
Nenhum. Ninguém mais no roçado vai ter receio a não ser o de participar do
programa dos traficantes. Temos de deixar bem claro isso: tem jeito de resolver o
problema do Polígono? Tem sim. É preciso uma ação integrada entre Polícia,
Ministério Público, Judiciário e outras autoridades.
O plantador de maconha precisa de cultura substituta? Precisa. Mas essa é a
parte fácil do negócio. Substituir a cultura é a parte fácil. Estão fazendo nas ilhas do
São Francisco e no Polígono irrigado. Ou seja: estamos com projeto de irrigação
para também irrigar maconha. É um absurdo!
A ação de transferência de cultura é fácil. Sair da cultura da maconha para
outra é fácil se não mais houver o poder do traficante, da corrupção no local. Daí fica
fácil.
Agora, tenta transferir cultura, convencer o agricultor de que é melhor plantar
mamão, tomate, uva se o capanga do cabeça chegar lá na terra dele e dizer: se tu
não plantares maconha, vamos acertar com sua família. Daí o agricultor procura o
policial, o Promotor ou o Juiz e nada acontece. O que ele vai pensar? Que o
traficante tem mais poder do que as autoridades. Então, ele tem que obedecer a
quem? À Justiça ou ao traficante? Ele vai querer obedecer ao traficante. Portanto,
temos de encerrar esse processo.
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Precisamos fazer uma operação mãos dadas e mãos limpas no sertão.
Temos certeza de que vamos conseguir. Como se consegue isso? Com a quebra de
sigilo bancário.
A autoridade que ganhou dinheiro, que não tem fonte, está trabalhando com o
narcotráfico lá. Se não houver fonte lícita para o dinheiro existente na sua conta,
vamos começar a colocar autoridade na cadeia.
Se começarmos a colocar na cadeia autoridade que não tem fonte lícita de
dinheiro na sua conta duvido que o agricultor não passe a plantar, na próxima
semana, tomate, mamão, o que quer que seja na sua área. É isso o que temos que
saber — e o Deputado Padre Roque já bateu três vezes e, quando bate a terceira, é
porque o meu tempo terminou.
Muitas vezes, fazemos esforço sem que dê resultado. Creio que manter uma
operação da Polícia Federal lá é ótimo. Por exemplo, manter um helicóptero lá para
acabar com esse problema. Não esperem verba de fora para resolver, porque os
Estados Unidos não querem saber da maconha do Nordeste, porque ela não chega
até eles. Tenho até minhas dúvidas. Acredito que alguma parte chega até lá, mas
eles não sabem. Tenho as minhas dúvidas se, por meio do porto, não vai alguma
coisa para eles. Se bem que teoricamente é mais fácil sair do México, porque fica
muito mais perto para eles. O problema é que há muita maconha e não estou vendo
um mercado tão grande, porque os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo são
abastecidos pelo Paraguai e não pelo Polígono lá de cima. Vem uma ou outra carga
do Polígono, quando o negócio está muito recrudescido no Paraguai. O Polígono
abastece alguma coisa do Rio de Janeiro e dificilmente chega a São Paulo. Já a
parte do Sul, do Rio para baixo, é abastecida com a maconha pelo Paraguai, porque
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lá estão localizados os plantios. E sabemos o nome e endereço de todo mundo que
planta naquele país, mas infelizmente nada acontece.
Quero dizer ao Deputado Padre Roque e às demais autoridades que estamos
à disposição de todos e vamos fazer um trabalho muito forte nesse sentido com a
Comissão Permanente de Combate ao Crime Organizado. Poderemos, então,
cobrar dessas instituições um combate regular ao crime organizado, porque o que
estamos fazendo agora pode minimizar um pouco. A CPI do Narcotráfico minimizou
um pouco, mas, daqui a um ano, estará tudo igual de novo. Ou se faz um combate
permanente ou, então, não adianta.
Em relação à questão do Polígono, temos que ter opções para o trabalhador
rural, mas temos que ter, na minha opinião, o principal: uma análise financeira da
quebra de sigilo de várias pessoas para se fazer um trabalho muito grande em cima
disso e descobrir quem são os financistas. O dinheiro vai ter que parar na mão dos
financistas de algum jeito. O único jeito de descobrir esse rastro é por meio do setor
financeiro. Não existe outro jeito, porque ele nunca vai ter uma grama de droga perto
dele. A grama de droga mais perto dele deve ficar uns dez quilômetros ou mais. O
que ele vai ter perto dele é o dinheiro, fruto daquele tráfico. Se chegarmos nele,
começaremos a desmontar não só o Polígono, mas outros futuros polígonos que
poderão existir.
Tenho certeza de que os outros irão colaborar e ainda expressar o sentimento
da região, mas que não consideremos um horror a região do Polígono, porque há
muita gente boa que mora lá e quer viver naquela região novamente com liberdade e
tranqüilidade para poder criar seus filhos e sustentar sua família decentemente. Eles
só fazem alguma coisa errada quando não encontram mais opção nem apoio nas
autoridades. Quando as autoridades não dão opção e apoio necessário, quem
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acaba dando é o financista do narcotráfico, que usa os testas-de-ferro na região
para representá-lo.
Agradeço ao Presidente, Deputado Padre Roque, a paciência. Infelizmente,
estamos sempre viajando, mas quero ficar até o final desta reunião para ouvir todos
os pronunciamentos que são por demais importantes. Tenho certeza de que depois
tanto o Deputado Padre Roque quanto os Deputados Fernando Ferro e Gonzaga
Patriota me passarão as informações mais importantes.
Se houver alguma pergunta específica, quero dizer que estou à disposição de
todos, porque não vou ter tempo para ficar até o final dos pronunciamentos.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Agradeço ao Deputado
Moroni Torgan a participação, que, de fato, com a sua proverbial veemência e
contundência, colocou bem o dedo na ferida. Começamos, dessa forma, a
encaminhar, a meu ver, as soluções possíveis. Se houver alguma pergunta
específica dos Deputados ao Deputado Moroni Torgan — se V.Exa. tiver que sair,
será uma lástima para nós. Gostaríamos de contar com sua experiência, seu
conhecimento e sua contundência principalmente para que possamos aventar
algumas possibilidades de solução.
O SR. DEPUTADO MORONI TORGAN – Sr. Presidente, Deputado Padre
Roque, quero dizer que estarei à disposição de V.Exa. para estudar todos os
depoimentos, a fim de chegarmos a algumas soluções.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Esse é o espírito do velho
guerreiro Torgan.
Passo a palavra ao Sr. Wilson Salles Damazio, Coordenador-Geral Central do
Departamento de Polícia Federal, que disporá de quinze minutos.
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O SR. WILSON SALLES DAMAZIO – Sr. Presidente, Deputado Padre
Roque, demais componentes da Mesa, Sra. Cleusa Pereira do Nascimento, Prefeita
de Salgueiro, Srs. Deputados presentes, Deputados Fernando Ferro e Gonzaga
Patriota, nossos conterrâneos pernambucanos, demais autoridades presentes,
senhoras e senhores convidados, inicialmente, quero dizer da minha satisfação de
estar aqui nesta Casa discutindo um assunto tão importante para o meu Estado, já
que sou de Olinda. Peço vênia pela ausência do Dr. Agílio Monteiro Filho, que, neste
momento, está no Ministério da Justiça assistindo à posse do novo Ministro da
Justiça.
Apresentando-me rapidamente, quero dizer que sou Delegado da Polícia
Federal, iniciei a minha carreira como agente da Polícia Civil do Estado de
Pernambuco e, logo em seguida, agente da Polícia Federal, naquele mesmo Estado.
Fui Delegado de Entorpecentes da Polícia Federal, fui Superintendente da Polícia
Federal em Pernambuco, passei por outros Estados e hoje sou Coordenador-Geral
Central de Polícia, cuja missão é coordenar todas as operações policiais da Polícia
Federal, inclusive a repressão aos plantios de maconha na região do Polígono.
A competência do DPF, como todos já conhecem, é constitucional para
prevenir e reprimir o tráfico de drogas em todo o País. Quando se trata de plantio de
maconha e outros tipos de drogas, a nossa competência não é delegada. Compete
exclusivamente à Polícia fazer essa repressão. Quando o tráfico é doméstico, há
possibilidade de fazermos convênios com as Polícias Estaduais, mas todo convênio
reza que a Polícia Federal é a única responsável pela repressão aos plantios,
apesar de haver uma grande colaboração das Polícias Militar e Civil. Realmente,
essa responsabilidade é da Polícia Federal.
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Desde que iniciamos, como policiais em Pernambuco, a nossa preocupação tem
sido com esse tipo de problema. Quando Delegado de Entorpecentes no Estado, vi
que a solução para o problema do plantio da maconha, pelo menos sob a ótica da
repressão, seria a operação cíclica, a fim de acompanharmos o ciclo produtivo da
planta. Tentamos implantar essa operação naquela época, nos idos de 1990.
Tivemos bastante dificuldade, mas mesmo assim, dentro daquilo que estava à nossa
disposição, procuramos fazer. Mais tarde, em 1995, após dar um giro pelo País,
voltei a Pernambuco e assumi a Superintendência. Tentei implantar, de uma vez por
todas, esse tipo de operativo: as operações cíclicas, a fim de acompanharmos o
ciclo produtivo da planta, o que até hoje tem sido feito, bem ou mal.
Como Coordenador-Geral, há quase dois anos, não deixei nem um ciclo de
produção sem que houvesse a repressão da Polícia Federal. Com ou sem dinheiro,
estivemos presentes no sertão pernambucano e agora também nos Estados da
Bahia e Maranhão. Com recursos próprios, a Polícia Federal tem procurado reprimir
os plantios de maconha no sertão pernambucano e nesses outros dois Estados.
O que de mais importante vejo em tudo isso para o combate à praga
chamada plantio de maconha no Nordeste é justamente o que o nosso ilustre
Deputado Moroni Torgan falou: combater os financiadores. A Polícia Federal vem
fazendo isso através de um trabalho de inteligência policial, além da repressão feita
com helicópteros, com barcos e por terra. A Polícia Federal chega ao local e acaba
com a plantação, mas depois de duas, três ou quatro semanas eles plantam
novamente e, quando estão para colher, a Polícia volta e reprime, causando-lhes
grande prejuízo. Assim, temos feito operações de inteligência policial por meio das
quais pegamos as pessoas realmente importantes, que são os financiadores da
atividade criminosa. Temos tido sucesso através de estratégias montadas e, às
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vezes, não acho muito bom falar sobre elas, já que estamos numa audiência pública.
Não convém falar sobre os métodos como a Polícia Federal opera, mas posso
atestar que são bastante eficazes.
Paralelamente, temos as operações de polícia judiciária, ou seja, a
responsabilização criminal daqueles que, direta ou indiretamente, estão envolvidos
com a atividade criminosa no Polígono da Maconha. É a feitura dos inquéritos
policiais, o cumprimento dos mandados de prisão, onde há, como bem falou o
Deputado Moroni Torgan, as quebras de sigilo bancário, telefônico e fiscal. Temos
tido relativo sucesso também com as operações de polícia judiciária.
Até hoje, o grande feito para nós, da Polícia Federal, naquela região, foi
realmente a implantação da delegacia de Polícia Federal em Salgueiro. Foi uma luta
muito grande para conseguirmos implantar uma pequena delegacia naquele
Município. Tínhamos essa idéia desde 1990 e em 1995 conseguimos, a duras
penas, montar um posto avançado da Polícia Federal em Salgueiro, com o apoio de
Parlamentares da região e da própria Prefeita, que está aqui ao meu lado, e que,
tirando minguados recursos da sua Prefeitura, conseguimos comprar colchões e
algumas mesas. Através da Divisão de Entorpecentes, conseguimos alguns
recursos para melhorar um prédio do DNOCS, que teve uma parte gentilmente
cedida pelo nosso amigo Gaspar, de Pernambuco. E a Polícia Federal se instalou.
No ano passado, conseguimos criá-la formalmente, através de ato do Sr.
Ministro, e instalamos a Delegacia de Polícia Federal em Salgueiro. O efetivo policial
lá existente ainda não é o ideal, mas estamos trabalhando para melhorar. É duro
trazer pessoas para trabalhar naquela região, que é muito perigosa. As pessoas
querem ir um pouquinho mais — mais quinhentos quilômetros — para qualquer lado.
Pode ser o Ceará, o Rio Grande do Norte, Alagoas ou Pernambuco, onde o nosso
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pessoal quer trabalhar, mas levá-los para Salgueiro realmente é uma dificuldade.
Tivemos que tirar colegas do seio de sua família, em Pernambuco, e removê-los
para Salgueiro, como é o caso do João Evangelista, aqui presente, policial que é o
chefe de operações daquela delegacia e que tem feito um excelente trabalho.
Colegas tiveram que deixar sua família em Recife para trabalhar em Salgueiro.
O trabalho da Polícia Federal naquela região é lucrativo e não sei por que
toda essa dificuldade em conseguirmos recursos. As apreensões de entorpecentes
não geram recursos, porque não vão ser leiloados, mas, ao ser tirados de
circulação, a saúde pública do País deixa de ser acionada. Quando se chega a tirar,
por ano, uma faixa de 3 milhões de pés de maconha, estamos tirando do mercado
consumidor algo em torno de mil toneladas da droga. Mil toneladas de maconha
deixam de ir para o mercado consumidor através do trabalho que a Polícia Federal
tem feito. Estou apenas apresentando dados da Polícia Federal, porque infelizmente
ainda não temos os dados das outras polícias. Estamos criando um sistema nacional
de dados de repressão a entorpecentes que englobará o trabalho das outras polícias
também.
Em razão da repressão, a saúde pública deixa de ser acionada e, portanto, os
governos federal, estadual e municipal deixam de gastar. Os bens apreendidos com
os traficantes são leiloados e o dinheiro é revertido para o combate ao próprio
tráfico, as atividades de prevenção e de reinserção social dos usuários. No meu
entendimento, a atividade da Polícia Federal de se colocar à frente do narcotráfico é
lucrativa para o Estado e chegaria a dizer que somos auto-financiáveis. Porém é
lógico que precisamos do capital inicial para trabalhar.
Gostaria de mostrar rapidamente, através dos slides, as nossas estatísticas
para que os senhores tenham uma idéia do que é o trabalho da Polícia Federal hoje.
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Estes dados são nacionais: temos 12 mil inquéritos instaurados em 6 anos; 32
toneladas de apreendidas e 441 toneladas de maconha (maconha pronta e não in
natura). Se esta última fosse considerada, seriam dados astronômicos.
(Não identificado) – São 441 toneladas prensadas?
O SR. WILSON SALLES DAMAZIO – Não. São 441 toneladas de maconha
pronta para o consumo apreendidas em todo o Brasil nos últimos 6 anos e 14.249
traficantes indiciados.
Aqui temos os dados relativos à erradicação da maconha in natura em todo o
Brasil. Em 2001, já estamos com 3 milhões de pés de maconha e certamente
ultrapassaremos a cifra do ano passado, que foi de 3 milhões 699 mil pés. Como já
disse, isso significa mais de mil toneladas da droga fora do mercado consumidor em
apenas um ano.
Estes dados são apenas de Pernambuco. É relevante frisar que um pé da
erva produz aproximadamente 400 gramas da maconha pronta para o consumo.
Tanto no ano passado como neste ano, houve uma redução muito grande no
tocante aos pés erradicados justamente por conta da ação efetiva da Polícia Federal
no sertão. Há 5 ou 6 anos, um quilo da erva na região produtora chegava a 5 ou 10
reais; hoje o preço da droga é de 400 reais. Quem entende de economia sabe que é
a lei da oferta e da procura: se não existe o produto, o preço sobe, e maconha
atualmente está difícil na região. Mesmo assim, conseguimos erradicar até hoje, em
Pernambuco, 1 milhão e 50 mil pés. Com mais 300 mil da última operação,
encerrada na segunda-feira, chegaremos a 1 milhão 300 mil ou 1 milhão 400 mil
neste ano de 2001.
Aqui é a área produtiva, que é a Região Nordeste, como todos sabem.
Também temos um grande mal, que é a importação da erva que serve às regiões
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Sul e Sudeste, vinda do Paraguai. Estamos fazendo um trabalho muito importante e,
das 441 toneladas de maconha pronta para o consumo apreendidas, pelo menos
80% é oriunda do Paraguai.
Aqui demonstramos algumas operações que fizemos tanto na região do
Polígono como em algumas áreas onde foram encontrados plantios de maconha,
mas principalmente Bahia, Maranhão e Pernambuco.
Este é um quadro sintético comparativo da apreensão de drogas no Brasil nos
últimos 6 anos.
No triênio 1996/1997/1998, chegamos à cifra de 96 toneladas de maconha e
cocaína. No último triênio, correspondente aos anos de 1999, 2000 e 2001, já na
administração do atual Diretor-Geral, Dr. Agílio Monteiro Filho, chegamos a 377
toneladas.
Muitos perguntam o que aconteceu para que a apreensão tivesse sido tão
maior e se o tráfico aumentou. Não sei se o tráfico aumentou; sei apenas que a
Polícia está mais eficiente no que se refere a seu trabalho. Atualmente, a Polícia
trabalha com os setores de inteligência e com as forças-tarefas. Além disso, houve a
concentração de esforços não apenas por parte da Polícia Federal como por parte
das Polícias de todo o Brasil.
Fui alertado a respeito do tempo que me resta para concluir a exposição; por
isso estou avançando.
Volto a dizer que os dados de que disponho referem-se apenas à Polícia
Federal. Então, atribuo a cifra tão elevada à competência da Polícia no
desenvolvimento de seu trabalho.
Como pessoa que se estabeleceu no local por algum tempo, temos algumas
alternativas para a região que consideramos de grande importância. Uma das
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sugestões é aumentar o efetivo policial na delegacia do DPF em Salgueiro, com
remoções a cada dezoito meses. De fato, o trabalho naquele local é árduo e, após
um ano e meio de exercício da profissão naquela região, o profissional está
cansado; é preciso retirá-lo de lá e trocá-lo por outra pessoa. Cabe ao DPF adotar
tal política, como o vem fazendo.
Outra alternativa é a construção de sede própria para a delegacia do DPF em
Salgueiro. Com relação a isso, estamos conversando com a Prefeita da cidade, que
é a Profa. Cleusa, para que consigamos uma área de terra melhor do que aquela
que atualmente ocupamos, a fim de construirmos uma delegacia modelo naquele
Município — afinal, a região merece. É preciso também adquirir novos
equipamentos. Temos de colocar à disposição da Delegacia do DPF em Salgueiro
ao menos um helicóptero e um pequeno avião ou ultraleve. Por meio do Pró-
Amazônia/PROMOTEC, projeto aprovado pelos Srs. Parlamentares, a Polícia
Federal já está investindo nesse sentido. Hoje o DPF incorporou à sua frota um
avião zero quilômetro; daqui a dez dias, chegará outro avião e sete helicópteros
estão sendo adquiridos, isto é, foram solicitados por meio do Programa Pró-
Amazônia/PROMOTEC. Com certeza, dentro de breve espaço de tempo, teremos
um helicóptero full time na região do polígono, o que em muito facilitará a repressão
ao narcotráfico no local.
Outra sugestão é a instalação de um NEPOM, Núcleo Especial de Polícia
Marítima, para a fiscalização do Rio São Francisco e de suas ilhas. O NEPOM
consiste em uma frota de barcos que conseguimos colocar em determinados portos
de capitais ou em locais onde há grande movimentação de operações por rios ou
mares. Também é nossa intenção instalar uma unidade do NEPOM em Salgueiro,
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na região do Polígono, pois será feita uma fiscalização mais efetiva das ilhas, que é
onde ocorre maior incidência de plantio de maconha.
Sugerimos também que sejam disponibilizados recursos orçamentários e
financeiros para diligências da delegacia de Salgueiro. Tal ação também compete ao
DPF. Estamos trabalhando para que, no próximo ano, realmente não ocorra a crise
que houve neste ano. Para se ter uma idéia da situação, a Polícia Federal está a
zero para o custeio de suas ações; tal dinheiro seria utilizado para o pagamento de
combustível, aluguéis e telefones. Algumas Superintendências da Polícia Federal
tiveram o telefone cortado. Estamos trabalhando junto ao Ministério do Planejamento
para conseguirmos verba suplementar. Nesse sentido, existe projeto de lei em
tramitação na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização;
pedimos 145 milhões de reais para terminar o ano, mas o Governo acenou com a
possibilidade de liberação de 75 milhões de reais. Caso esse valor chegue até o final
do mês de novembro, ficaremos bastante felizes; de tal forma, conseguiremos pagar
nossas dívidas e intensificar ainda mais as operações no final do ano.
Outra alternativa é intensificar a fiscalização das rodovias. Isso está a cargo
da Polícia Rodoviária e da Polícia Militar. Precisamos também incrementar o
policiamento ostensivo da região, o que é responsabilidade da Polícia Militar.
Quanto à prevenção e repressão dos abusos dos movimentos sociais da
região, cabe um parêntese. Quando ocorrem movimentos e reivindicações
desordenadas no sertão, como a interdição de rodovias e saques, todo o
policiamento preventivo é chamado para atender àquela situação; dessa forma, já
que o policiamento está voltado para a repressão desse tipo de movimento social, os
assaltantes de bancos, os traficantes e os ladrões ficam à vontade. Refiro-me
basicamente aos casos do MST e aos saques. Não sou contra tais movimentos e
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considero justas as reivindicações. Entretanto, considero que a situação deve ser
ordenada. Não é preciso praticar crimes para que determinada pretensão seja
atendida pelo Governo.
Outra sugestão é o cumprimento, por parte dos bancos da região, dos
ditames da Lei nº 7.102. Ou seja, sugerimos que os bancos realmente invistam em
segurança na região. De fato, é muito fácil chegar a determinado banco e fazer um
assalto; não há praticamente nada para coibir isso. A Polícia Federal está
intensificando a fiscalização nesse sentido.
Sugerimos também o cumprimento, por parte dos bancos da região, da
Circular nº 2.852 do Banco Central. Trata-se justamente de regulamentação dos
movimentos financeiros acima de dez mil reais. O cumprimento de tal circular em
muito facilitará os trabalhos da Polícia Federal e a COAFI no que se refere às
investigações sobre lavagem de dinheiro.
A manutenção de magistrados e promotores em todos os Municípios é outra
sugestão que apresentamos. Enfrentamos muitos problemas por falta de juízes e
promotores nos Municípios do Polígono. Nesse sentido, propomos também a criação
de vagas de promotores e promotorias especializadas — refiro-me a promotorias
penais ou de entorpecentes. Cabe ao Tribunal de Justiça e à Procuradoria-Geral do
Estado o cumprimento de tal sugestão.
Propomos que seja realizada a reunião anual do CONAD, Conselho Nacional
Antidrogas, na região. Seria muito importante que todos os integrantes do Conselho
Nacional Antidrogas se reunissem naquela região para conhecer a realidade do
Polígono. De igual sorte, propomos a realização de reunião semestral do CONEN,
Conselho Estadual de Entorpecentes. Refiro-me ao Conselho do Estado de
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Pernambuco. Além disso, propomos a criação dos CONENs nos Municípios do
Polígono.
Sugerimos a lotação de delegados de Polícia de carreira em todos os
Municípios, o que é de iniciativa da Secretaria de Defesa Social.
Outra alternativa é a construção de penitenciárias, humanizando o
cumprimento da pena e melhorando a segurança dos estabelecimentos. Tal
iniciativa é de competência do Ministério da Justiça e das Secretarias de Justiça
Estaduais.
O incremento das atividades do INCRA com relação à demarcação e
individualização das terras particulares da região é outra ação que deve ser tomada
para facilitar o trabalho. Afinal, poderá ser verificado o cadastro da terra onde for
encontrado o plantio da maconha; mesmo que a pessoa não seja presa em
flagrante, ela poderá ser posteriormente responsabilizada e ter seu imóvel
expropriado. A demarcação e a fiscalização das terras públicas também é algo
relevante. Para se ter idéia, há plantio de maconha em terras públicas da região.
Isso ocorre justamente porque não há demarcação ou fiscalização.
Também deve ser feita a demarcação da Ilha de Assunção e Cabrobó, o que
se constitui em grande problema atual. Índios se misturam a bandidos, o que é algo
terrível. Quando a Polícia chega, o portão da Ilha é fechado e dizem que não se
pode entrar, pois se trata de terra indígena. O problema é que, lá dentro, há
assaltantes, traficantes de maconha e plantadores. A demarcação em muito facilitará
o trabalho da polícia. Nesse sentido, também é necessário o cadastramento ou o
recadastramento das comunidades silvícolas e de seus membros. Ou seja, é preciso
saber quem realmente é índio e quem é bandido.
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O incremento dos programas sociais na região é outra alternativa a ser
adotada. Refiro-me a programas como o Bolsa-Renda, o Bolsa-Escola ou a cesta
básica, que estão a cargo dos Governos Federal e Estadual.
Sugerimos como alternativa também a criação de um pólo industrial em
Salgueiro, aproveitando a vocação natural da região e o baixo valor da mão-de-obra.
Isso significa criar indústrias para aquilo que se produz na região — lógico que à
exceção da maconha. Falo sobre o tomate, a cebola e outras frutas. Salgueiro está
quinhentos quilômetros de distância das principais Capitais do Nordeste; por isso
seria um bom incentivo para a região a criação de um pólo industrial.
Dar andamento ao projeto da Transnordestina é outra sugestão que
oferecemos. Não sei em que estágio se encontra o projeto, mas isso é muito
relevante para a região. Também é importante para a região a transposição das
águas do Rio São Francisco e o incremento dos projetos ligados à obtenção de
água, como açudes, barragens, perfuração de poços, chapéu de couro etc.
A manutenção do preço mínimo dos produtos agrícolas da região é outro
ponto importante. Subsidiar a agricultura familiar, melhorar as vias de escoamento
da produção e incentivar a formação de cooperativas são iniciativas que em muito
auxiliarão a região e o trabalho da polícia.
A instalação de uma unidade da EMATER na região, melhorar os ensinos
fundamental e médio gratuitos, criar escolas agrícolas, criar núcleos de
universidades públicas na região, construir centros poliesportivos, dinamizar o
programa de merenda escolar, difundir e incentivar a contratação de estagiários
pelas entidades públicas e privadas também são outras iniciativas.
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Estamos vendo isso aqui em Brasília e concluímos que está dando certo em
quase todo o Brasil. Então, o jovem, que é a proposta dessa reunião, terá condições
de estudar e trabalhar ao mesmo tempo.
O programa de expropriação de terras está indo muito bem. No ano de 2001,
foi julgado um processo que já se encontra em grau de recurso. Em emissões
provisórias não são entregues títulos, mas o INCRA já criou três assentamentos em
áreas expropriadas provisoriamente. Vários projetos já se encontram em tramitação;
27 emissões já foram deferidas, restando treze para apreciação judicial. Como são
emissões provisórias, ainda não foram entregues os títulos. Foram realizadas 26
emissões decorrentes de processos da Delegacia de Salgueiro.
Dentro do tempo que me foi disponibilizado, é isso que tenho a falar. É lógico
que o assunto é palpitante e, se mais tempo tivéssemos, poderíamos discutir com
mais profundidade o assunto.
Agradeço a oportunidade e estou à disposição de todos para eventuais
perguntas.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Agradecemos ao Dr. Wilson
Salles Damazio, que de fato teve um tempo bastante generoso, mas, de qualquer
forma, trouxe, além do aspecto específico, praticamente um programa
socioeconômico para a região. É bom ver que o problema não está ligado
especificamente à criminalização do plantio da maconha, mas à solução social. É
muito bom ver o Dr. Wilson Salles Damazio se preocupar com isso.
Concedo agora a palavra ao Dr. Jorge Atílio Silva Iulianelli, representante da
KOINONIA, Presença Ecumênica e Serviço do Rio de Janeiro, que também terá 15
minutos de tempo.
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O SR. JORGE ATÍLIO SILVA IULIANELLI – Primeiramente, agradeço pelo
convite para estar participando dessa audiência pública.
A KOINONIA, Presença Ecumênica e Serviço, tem assessorado movimentos
sociais naquela região nos últimos 15 anos. A partir de 97, após o assassinato de
uma liderança camponesa, Fulgêncio Manoel da Silva, temos empreendido uma
pesquisa sobre as relações do narcoplantio e do narconegócio com a reprodução da
vida camponesa na região. Isso nos tem levado a uma série de descobertas terríveis
e, ao mesmo tempo, faz com que tenhamos de pensar na questão da presença do
narconegócio no Brasil para além da questão da repressão, porque se trata também
de uma questão produtiva.
As análises sobre o narcoplantio como uma face produtiva são muito recentes
e rarefeitas no campo das ciências sociais. Alguns pesquisadores aqui no Brasil têm
dado início a isso, como a Profa. Ana Maria Mota Ribeiro, da Universidade Federal
Fluminense, e o Prof. Argemiro Procópio, da Universidade de Brasília. Temos
identificado que surge uma nova face da violência no campo e essa face é do
narconegócio, porque ele tem um elemento produtivo evidente, mas que nunca é
discutido, que é o fato de ser uma atividade camponesa, que é a atividade da
agricultura. No caso específico do narcotráfico, a atividade do agrobusiness. A
estrutura de produção que o narcoplantio possui é a mesma estrutura de qualquer
atividade agroindustrial. A exploração camponesa que o capitalismo submete todos
os camponeses envolvidos com a agroindústria é a mesma que se dá também nas
atividades do narcoagronegócio. Então, é necessário que se discuta um pouco mais
a presença da agroindústria e a da violência estrutural que sofre o campesinato
brasileiro para que entendamos o que é narcoplantio.
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Outro elemento que leva a pensar o narcoplantio como agroindústria,
favorecido a partir dessa abordagem, é que, ao tratar o narcoplantio como
agronegócio, entendemos melhor a rede do crime organizado envolvida nisso. Não
podemos falar de enriquecimento ilícito sem atividade produtiva ilícita e sem
lucratividade ilícita. Então, na verdade, isso é uma grande rede.
Outro elemento é que a agroindústria é uma atividade planejada com muito
cuidado. Então, quando se fala que o plantio da maconha faz parte de um
narcoagronegócio, estamos dizendo que o plantio da maconha é algo planejado
dentro da rede do crime organizado e que, portanto, não se trata de um fenômeno
apenas nordestino, mas de um fenômeno nacional. Temos uma rede produtiva
estruturada no País, a qual precisa ser investigada pela polícia. Não é objetivo das
ciências sociais fazerem essa investigação, mas acho que as ciências sociais
podem ajudar, indicando isso. Existe uma rede produtiva de ilícito que envolve
também o plantio da maconha e essa face é equivalente à agroindústria no
narconegócio.
A investigação mais recente que fizemos foi sobre os efeitos do narcoplantio
sobre a juventude na região do polígono da maconha. Precisamos de algumas
observações preliminares até por algumas coisas que foram faladas anteriormente.
A primeira observação preliminar é a seguinte: em 1997, quando esta Casa
estabeleceu uma Comissão Parlamentar para investigar o polígono da maconha, foi
identificado como polígono da maconha a região que afetava os Estados da Bahia,
Pernambuco e Ceará. Durante o ano de 1997 a Polícia Federal já fazia as chamadas
ações Asa Branca, mas que eram dirigidas especificamente para a região do
Submédio São Francisco.
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Quando a Operação Mandacaru iniciou sua consideração sobre o polígono da
maconha, era estritamente sobre alguns Municípios do Estado do Pernambuco. Isso
já equivale pelo menos a uma diferença de opinião entre o que os Parlamentares
indicavam em 1997 e o tratamento policial efetivo oferecido para esta questão. Isso
também implica considerações sobre efeitos das operações, porque, quando se diz
que houve migração do plantio em função da repressão, supõe-se que não havia
plantio em áreas que antes já havia plantio, segundo as informações de 1997.
Por exemplo, Bahia e Ceará já eram áreas nas quais havia o plantio da
maconha desde essa época. O caso do Maranhão é ainda pior, porque desde os
anos 70, segundo a própria Polícia Federal, este é um Estado tradicional no plantio
da maconha. Embora a área de Pernambuco tenha sido considerada a de maior
produtividade de maconha durante os anos 80, desde os anos 70, o Maranhão,
Pernambuco, a Bahia e o Ceará são as áreas tradicionais desse plantio que
abastecem o Nordeste e Centro-Oeste.
Uma segunda observação é sobre os dados citados pelo Dr. Wilson sobre a
apreensão e erradicação dos pés de maconha. Na Colômbia, quando há apreensão,
estima-se que somente 10% da produção são apreendidos. Portanto, restam 90%.
Se observarmos os dados oferecidos e aplicarmos essa estimativa, notaremos que,
se 1 milhão de pés foram apreendidos, existirão pelo menos 9 milhões de pés não
apreendidos, perfazendo, assim, pelo menos 3 mil e 600 toneladas em circulação.
Sem dúvida, existe um mercado consumidor atendido por essa produção. Se existe
produção, existe consumo.
Dadas essas duas questões preliminares, observamos que, em termos de
produção das relações sociais camponeses, a atividade laboral juvenil sempre foi
ingrediente desse processo. Sempre tivemos jovens participando da atividade
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produtiva camponesa em todo o Brasil, mas, particularmente, em todo o Nordeste e
naquela região, até porque é região marcadamente de pequena produção familiar na
qual a participação de jovens é elemento quase que natural na produção da família
camponesa. Esta família produz para sua subsistência.
Ouvi um camponês dizer que seus filhos eram seus braços e suas pernas. A
força juvenil de trabalho é parte da força de trabalho camponesa em geral na região.
Isso se reproduz no plantio de maconha, onde há a presença de jovens plantadores.
Mas eles são também absorvidos como mão-de-obra de vigilância. Significa que
temos mão-de-obra juvenil armada, para atender às necessidades do plantio de
maconha. Este é um elemento que intensifica a violência na região.
O Submédio São Francisco, região do cangaço, a região do Antônio
Conselheiro, a região do coronelismo, há pelo menos cem anos, caracteriza-se por
grandes fenômenos de violência e também construiu um movimento social cheio de
novidades. Refiro-me ao Movimento Sindical Camponês de Atingidos de Barragem
que teve conquista inédita no final dos anos 80. Foi o primeiro reassentamento de
camponeses que ia ser afetado por uma barragem em área irrigada em todo o
mundo. Até 1986, os camponeses no mundo inteiro não conseguiram ser realocados
em área irrigada. A primeira conquista foi feita pelos camponeses do Submédio São
Francisco, que, dada a mobilização, conseguiram que o Banco Mundial modificasse
uma política para o financiamento de construção de barragens. Havia necessidade
de que os governos, que recebessem esses empréstimos, dotassem parte do
orçamento para o realocamento das famílias em áreas em que pudessem produzir
tanto quanto produziam antes ou em melhor condição.
Estamos em 2001 e esse reassentamento iniciou-se em 1986. Após quinze
anos, apenas metade dos reassentamentos irrigados estão funcionando. Isso
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implicou tremenda ociosidade, tanto para as famílias quanto para os filhos dessas
famílias durante o citado período. Tal fato, agregado à falta de investimento para a
pequena produção no País e em especial para a pequena produção nordestina,
implicou enorme exército de reserva para o narcoplantio na região. Há mão-de-obra
ociosa, que precisa de atividade laboral e uma atividade laboral ilícita que precisa de
mão-de-obra. Esta equação dá resultado bastante explosivo. Junta-se a isso a
violência tradicional, colocam-se armas nas mãos desses jovens e tem-se o
incremento da violência na região a partir dos anos 80, praticamente uma situação
de guerra.
Pernambuco tem um dos maiores índices de violência no País e, se se
avaliarem as taxas de homicídio de jovens, Floresta, uma das cidades centrais do
polígono da maconha, segundo dados do Sistema Único de Saúde, tem o maior
índice nacional de homicídio de jovens entre 15 a 24 anos, até 1999. Este índice é
maior do que os índices das cidades de São Paulo.
Tais dados permanecem sendo incrementados. Em 2001, a Cidade de
Petrolândia teve, segundo a delegacia local, entre janeiro e agosto deste ano,
dezesseis assassinatos, número que corresponde ao da periferia da Cidade de São
Paulo. Esse índice corresponde ao de São Paulo, que possui situação de anomia
muito pior do que daquela região, onde um dos efeitos do plantio da maconha e do
fato de a juventude estar armada é justamente os jovens estarem sendo
assassinados pela imprudência governamental em relação ao desenvolvimento
local.
Falando sobre a violência impetrada contra os jovens, tratamos da discussão
sobre as estratégicas e desenvolvimento regional. Não adianta discutirmos as
estratégias para a repressão ao plantio da maconha e sua erradicação. Precisamos
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discutir quais as estratégias para o desenvolvimento daquela região e o que se
pretende fazer, a fim de que aquelas famílias camponesas tenham condições de
produzir o que é ilícito e não o ilícito.
A outra questão é: por que o pequeno produtor aceita plantar maconha?
Qualquer plantio é trabalho e aprendemos desde cedo que o trabalho dignifica o ser
humano. Participar de uma atividade laboral, qualquer que seja, não é ato ilegal.
Como para o camponês nordestino ilegalidade é sempre algo imoral, ele jamais
entra em algo ilegal, porque é imoral, porque vai contra os seus brios, vai contra o
seu orgulho, mas pode participar do plantio, porque o plantio é trabalho e o trabalho
não é ilegal.
Há um depoimento muito interessante de um camponês que disse: “Eu estou
trabalhando. Se a Polícia me pegar, vou ter problema e não vou poder mais
trabalhar com isso, porque a comunidade não vai mais me aceitar”. Só a detenção é
que transforma esse trabalho em imoral. Até a detenção, trata-se apenas de
trabalho, não há imoralidade.
O camponês resolveu muito bem essa questão, do ponto de vista do
envolvimento, que o justifica e, de certa forma, não coíbe o seu ato de plantar. Ele
planta maconha, porque precisa ganhar dinheiro. Na região, em qualquer tipo de
plantio, o subcontratado recebe diária de sete reais; no plantio de maconha recebe
cinqüenta reais. Logo, não importa se é moral ou imoral. Interessa que é um
incentivo pecuniário extremamente alto, que permite a alguém sustentar sua família
e também a economia local.
Na Cidade de Floresta, há camponeses que dizem: “Os bares da cidade de
Floresta funcionavam melhor antes da Operação Mandacaru, porque as pessoas
tinham dinheiro, para ir aos bares tomar cerveja, comer carne de bode, etc.” Ou seja,
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a pessoa que planta pode não ser o traficante, nem estar diretamente vinculado ao
processo, mas tem dinheiro para ir ao bar, o que não podia fazer quando ganhava
sete reais, se ganhava, em alguma cultura lícita.
Do ponto de vista financeiro, pensar na substituição do plantio, inclui também
pensar em como vamos recompensar esse camponês que passa do plantio da
maconha para uma cultura lícita. Qual a recompensa que ele vai receber? Como ele
vai deixar de receber cinqüenta reais, será que vai passar a receber os sete reais
que qualquer um recebe? Se assim for, plantar maconha é melhor. Essa mudança
não se pode pautar apenas na repressão. A repressão é necessária, mas temos de
pensar em ações de prevenção e de recompensa.
Do ponto de vista educacional, quais as ações de prevenção para a
construção de alternativas de geração de renda e de oportunidade de acesso ao
mercado de trabalho para a juventude daquela região?
Embora, o consumo seja extremamente pequeno na região, temos de pensar
em tratamento, porque existem consumidores. Como ficam esses consumidores?
Temos de pensar até mesmo em discutir nacionalmente a legalização de algumas
atividades laborais camponesas como o plantio da maconha. Embora em outra
ocasião, na época do assassinato do Fulgêncio, eu tenha dito: “Eu acho um absurdo
pensar em legalização”, quando ouvi os camponeses do Conselho Latino-Americano
de Camponeses e participei do Congresso Latino-Americano de Organizações
Camponesas, entendi ser necessário, sim, pensar na legalização do plantio da
cocaína, porque o camponês boliviano e o camponês do altiplano peruano não estão
praticando uma atividade ilegal, mas uma atividade tradicional.
Donald Pearson investigou nos anos de 1950 aquela região e verificou que já
havia plantio da cannabis , embora, segundo ele, não se tratasse da cannabis
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sativa, mas não sei se se trata de plantio tradicional. Apesar de esse produto estar
agregado à narcoindústria, ao agronarconegócio e ao narcoempresariado, considero
o seu plantio atividade tradicional.
Se quisermos exercer com competência alguma repressão, ela terá de ir
muito além da detenção do pequeno camponês, muito além da erradicação do pé de
maconha. Deve-se fazer investigação muito mais profunda sobre o processo de
enriquecimento com o ilícito neste País. Talvez esse ilícito não envolva o Vereador
local, o Prefeito local, mas deverá envolver políticos muito mais poderosos, porque o
narcotráfico gera 400 bilhões de dólares anuais no mundo. Se é verdade que o quilo
da maconha prensada custa 240 reais — este é o preço que os informantes nos
deram na roça — e, se é verdade que temos três milhões de toneladas colhidas,
basta multiplicar 240 reais por três milhões e veremos que não é pouco dinheiro,
muito dinheiro para aquela região. Onde está esse dinheiro? Não está nos bancos
da região, uma vez que as contas investigadas não comprovaram essa quantia.
Esse dinheiro está em algum lugar deste País ou fora dele. Por isso, a investigação
deverá ser muito mais séria.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Gonzaga Patriota) – A Comissão de Direitos
Humanos agradece a contribuição do Dr. Jorge Atílio Silva Iulianelli e passa a
palavra ao Dr. Wilson Salles Damazio para responder à sua pergunta.
O SR. WILSON SALLES DAMAZIO – Inicialmente, parabenizo o Dr. Atílio
pela brilhante palestra e pelos palpitantes temas levantados que carecem de muita
discussão. É pena o tempo ser curto para trabalharmos certos assuntos.
Após as operações, notamos não só o incremento da produção em certas
áreas, como também a migração de plantadores. No Maranhão, já havia plantio de
cannabis, mas era feito pelos índios, era mais cultural. O tráfico não era tão intenso.
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Com a repressão contundente na área do polígono, alguns plantadores migraram
para lá, levando inclusive suas técnicas. A técnica do polígono é bem mais
avançada do que a do Maranhão. A Polícia Federal também observou que essa
migração promoveu o desenvolvimento dessas áreas. Hoje, até no Amazonas, há
plantio de maconha. Há quinze anos, só havia plantio de cocaína no Equador,
considerada a coca brasileira. Houve intenso combate por parte da Polícia Federal
equatoriana e, hoje, graças a Deus, o plantio no Equador é insignificante, mais do
pessoal da região mesmo, apenas para mascar, etc. Com a maconha acontecia o
mesmo. Hoje, já estamos preocupados com a migração. Por isso, a Polícia Federal
está atenta. Temos um programa que utiliza ultraleves na localização de lavouras. A
nossa proposta é usar um ultraleve em cada superintendência regional, para facilitar
a localização das plantações.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Gonzaga Patriota) – Dr. Damazio, logo
depois da fala dos três expositores, teremos debates de apenas dois ou três
Deputados para as réplicas e as tréplicas. Como sei que V.Sa. quer anotar a fala da
Prefeita Cleusa, em Pernambuco, eu pediria sua permissão, para que ela pudesse
falar agora.
O SR. WILSON SALLES DAMAZIO – Pois não, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE(Deputado Gonzaga Patriota) – A sua inscrição para a
réplica e a tréplica deverá ser a primeira.
Assim sendo, a Mesa passa a palavra à Prefeita Cleusa Pereira do
Nascimento, do Município de Salgueiro, Pernambuco, que disporá de quinze
minutos.
A SRA. CLEUSA PEREIRA DO NASCIMENTO – Sr. Presidente, senhores
componentes da Mesa e demais assistentes, eu me apresento muito mais na
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qualidade de professora e agente pastoral do que como Prefeita. Isso é o que faz
parte da minha natureza. Estou Prefeita pela segunda vez e conheço o Dr. Damazio
desde a outra gestão.
Na gestão passada, eu estava preocupada, porque descobri naquele
momento a gravidade dessa questão para Salgueiro. Voltei à Prefeitura, naquele
momento — não sei se há tempo para relatar — eu fui procurada por pessoas
estranhas que, sabendo da minha ligação com a Igreja, queriam investir em
Salgueiro, na filantropia. Queriam Prefeituras sérias e sabiam que a minha era séria.
Por sorte, eu não estava lá neste dia. O meu auxiliar disse que era interessante que
o desconhecido conversasse com o Padre, porque eu trabalhava sempre em comum
com a Igreja. O vigário estava na Itália, o coadjutor disse que esperasse a volta do
vigário. Essa pessoa abriu a possibilidade, de imediato, sem submeter à entidade
que ele representava, de me ajudar com 40 mil dólares, naquela época de inflação
alta. Esta quantia dava para fazer algo pelos meus pequenos.
O pessoal pediu o endereço dele e tentamos, na volta, rastrear de onde
vinha. O endereço que tínhamos era de uma refinaria de Macau. Por todas as
formas, tentamos chegar a essa pessoa e não conseguimos.
Certa ocorrência em Salgueiro, noticiada nos jornais, levou-nos à conclusão
de que se tratava de alguém que, seguindo o método do Rio, queria-se insinuar
dentro da sociedade, com a aceitação de todos. Mas, graças a Deus, houve
eficiência no trato da questão e esta pessoa não pôde continuar em Salgueiro. Isto
significa por que não se tenha desenvolvido muito a questão por lá.
Dói-me chamar Salgueiro de centro do polígono da maconha. Meu povo é tão
bom, tão simples, tão trabalhador, tão resistente! Viver ali é um exercício diário de
resistência e, se formos atrás das estatísticas, os financiadores não são de
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Salgueiro. É verdade que hoje alguns jovens já aprenderam a história e tomaram o
gosto do dinheiro fácil. Mas, na verdade, poucos são os que são realmente de lá.
Foi-me proposto analisar um pouco os efeitos da ação do Governo, depois da
Operação Mandacaru. Quero dizer o que mudou, o que resta e fazer algumas
sugestões que temos para enfrentar a situação. A operação resultou no que já foi
dito pelos antecessores, afastando os financiadores do plantio da maconha. Hoje,
não identificamos determinadas personalidades na localidade, mas há quem ficou,
mas não vou dizer quem. A ação da polícia no combate ao tráfico continua, não foi
algo de momento. Constantemente, somos chamados a testemunhar a incineração
de material. Também tem feito alguma ação educativa, indo às escolas a convite da
rede escolar para discutir o assunto.
E o que ficou? Ficou como apanágio desta história toda que o Projeto Moxotó-
Pajeú daria o necessário embasamento econômico, para as pessoas não sentirem o
vazio que a produção rentável da maconha deixaria. Não é verdade que se chegou a
isso. Nas descrições, nas audiências que se tem feito, é tudo muito fácil para fazer o
financiamento. Mas na prática não o é.
Quero mostrar, como ilustração — talvez alguns dos senhores já tenham visto
na televisão —, um artesão que se chama Zé do Mestre. É uma pessoa, realmente,
muito ligada à cultura do povo, à vontade de agregar. O general Alberto Cardoso
está no sítio do artesão que dizia que, antes de morrer, queria passar sua
habilidade para os outros, porque, enquanto eles trabalham no artesanato, resistem
ao tempo de seca, não se estão envolvendo em atividades ilícitas etc. Portanto, ele
pleiteou um ateliê, na zona rural, junto da escola, para passar o seu saber para os
seus. Há algum tempo, eu soube de que isto iria sair e ele estava vibrando com a
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notícia. E até hoje não saiu. É algo muito simples, muito pequeno e agregador
daquelas comunidades locais.
A questão da violência nas estradas. Se é verdade que nas grandes estradas
melhorou essa situação, podemos dizer que a violência derivou para as estradas
vicinais. Se não são os carros que estão sendo assaltados, sabemos que é o pobre
que vai receber nos bancos os benefícios de uma bolsa ou de uma aposentadoria,
etc.
Temos um índice pequeno de denúncias, porque o povo tem o medo de ir à
delegacia e contar os fatos ocorridos. Meu pai, que tem 91 anos e é muito
desaforado, foi assaltado no meio da rua por dois pivetes e foi denunciá-los. Todos
que trabalham com ele, na vendinha de peles, perguntam se não tem medo. Ele
responde que tudo o disse foi que eram uns cabras safados, que ele está com 91
anos, trabalha e eles, moços desse jeito, não querem trabalhar. Esta é a visão de
um homem idoso.
Mas há pessoas que me denunciam o ocorrido, mas quando eu lhes digo que
é preciso ir à polícia, dizem que não podem.
Abro um parêntese para dizer que uma das decepções em relação à CPI é a
história de que em Salgueiro, nós, como Comissão de Direitos Humanos da
Paróquia, estimulamos muitas denúncias anônimas, dizendo que denunciem, que
estão seguros e que quem irá assumir será a Comissão de Direitos Humanos. Este é
um recado do Padre Reni para V.Exa., Deputado Fernando Ferro e para os outros
Deputados.
Estavam lá os nomes e os fatos que foram denunciados; entregamos em
envelope fechado, para garantir aquilo que tínhamos assegurado a eles. Entretanto,
não voltou para nós o teor das denúncias. Não queremos saber quem são as
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pessoas, mas o que foi denunciado de fato, se eram fatos substanciais ou se eram
fatos fantasiosos. Portanto, estamos ainda cobrando esses pontos.
No âmbito da violência, ainda denunciamos a agiotagem. Há um grupo
pequeno de pessoas que praticam agiotagem realmente criminosa com todas as
letras, inclusive com apreensão de cartões de benefício, para as pessoas que
precisam comprar aqui ou ali. O cartão fica preso, como no tempo da seca de 1932
ou na de 1977, quando havia os barracões, matavam-se as pessoas, que ficavam
sempre presas dessa situação. Hoje, é um barracão mais moderno.
O que ficou para nós, que hoje somos os gestores desses Municípios? Essa
grande preocupação e a certeza de que nenhum Município sozinho, por mais apoio
que tenha do Poder Estadual ou mesmo Federal, poderá enfrentar essa questão. É
necessário grande apoio da sociedade e que nós, gestores, nos demos as mãos.
Daí porque, estamos no Submédio São Francisco constituindo um consórcio de oito
Municípios inicialmente. Este número está sendo elevado para onze e há mais três
pretendendo incluírem-se nesse consórcio. Todos são Municípios inseridos nessa
famigerada área da maconha. Como se não bastasse a seca, ainda vem o
narcotráfico.
Estamos realizando, hoje, uma reunião, em Cabrobó, com uma consultoria do
INCRA e da FAO, elaborando propostas de âmbito regional, a fim de termos forças
para lutarmos por elas. O foco da discussão é dar horizontes aos jovens e aos
velhos. Eu sou idosa e me incluo entre eles. Vamos continuar assistindo, pedindo a
experiência de um e de outro, mas muitos não mudam mais. É preciso colocarmos
novos valores para os jovens .
Como fazer isso sem ter simplesmente uma atitude moralista? Não fume, não
faça isso, não faça aquilo. Volto à minha origem, sou professora, e penso que temos
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de lutar, para termos políticas que assegurem escolas rurais que, de fato, sejam
elementos para a transformação. É horrível viver na zona rural, sem energia, sem
lazer, sem água, sem nenhum atrativo. O que resta para ele que está sem trabalho?
E por lá ele aprendeu que trabalhar significa trabalhar a terra. E se não chove o que
ele faz? Devemos refletir e criar uma escola que fuja desses padrões, uma escola
que se calque nessa realidade, sem ser travada por legislações que não permitem
criar, que não permitem acrescentar.
Temos desde cedo refletir sobre o trabalho porque, como disse o professor,
trabalhar faz parte da cultura da nossa cultura. O pai se orgulha de que o filho
trabalhe, não digam que eu esteja defendendo que o menino seja explorado no
trabalho desde cedo, não. Mas é preciso que a escola lhe mostre as várias formas
de trabalhar. Há trabalho e trabalhos. Trabalhos criativos que ele desenvolverá como
pessoa humana e que serão úteis a uma coletividade. Trabalhos que seja sondagem
de suas aptidões.
Amanhã, estarei em Conceição das Crioulas com oitenta pessoas fazendo
oficinas de cerâmicas e de trabalhos com caroá, uma cactácea da nossa região. Não
mais pegando o gancho da sua cultura, mas querendo fazer melhor e vendo a
possibilidade de aquilo ali ser fonte de renda. Também estamos estudando a
comercialização do produto no mercado. Não adianta o jovem fazer as panelas, as
tecelagens, se não terá para quem vendê-las. Há uma assessoria que leva esses
produtos às feiras. Eles já estiveram no Recife; já fizeram uma amostra de seus
trabalhos no Pará; já estão com a possibilidade de vendas para a Itália, inclusive
com a preocupação em relação à ecologia. As tintas que usamos vêm de vegetais
da região. Essa ligação, esse contato leva-o a amar a natureza que vê apenas
como espinhos e coisas hostis. É com essa escola que sonhamos; ela é bem
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diferente das tradicionais escolas agrícolas que vemos por aí. Nossa escola seria
criada para dar respostas a essas necessidades. Seus cursos podem ser
temporários e modificados, conforme os novos aprendizado. Enquanto o Ministério
não reconhece isso, fazemos no movimento popular, arrumamos formas de fazer
assim.
Entretanto, aproveito para dizer de que o FAT tem sido de valor para nós,
mas vemos que muitas vezes se apresenta uma demanda que não é satisfeita. Ou
o curso que nos oferecem são de três ou cinco dias e não profissionalizam ninguém.
Precisamos de cursos que assegurem melhor aproveitamento para essa juventude.
É interessante demais acompanharmos um trabalho e ver que eles não estão
desprovidos de motivos para viver, mas simplesmente é preciso acender essa
chama. É preciso que, a partir desta escola também, contemplemos o lazer e o
esporte. Esta turma está na época em que os hormônios estão modificando toda a
sua estrutura, precisam de atividade. Se não a encontram para onde canalizarão sua
energia? Vão exatamente para onde sua fantasia puder ser satisfeita.
É preciso que todo e qualquer programa com a juventude — acho que vocês
já estão me chamando a velha da juventude — se faça ao lado dos pais, ao lado da
família, porque, se o menino está dentro de um programa onde tudo está muito bem,
tem alimentos, lazer, etc., e em casa ele vê o pai e a mãe se batendo e
desrespeitando um ao outro... Não é só a maconha que nós temos lá, o índice de
alcoolismo é de espantar. Notem bem: também temos um registro alto de pessoas
com doenças neurológicas que podem estar relacionadas ao álcool.
É preciso uma escola que aponte para a família a responsabilidade de dar
felicidade a esse menino. Foram o pai e a mãe que convocaram esse menino, esse
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jovem ao mundo e juntos devem fazer isso, não desenhando o futuro para ele, mas
fazendo com que ele próprio queira ser autor do seu destino.
Quero também registrar um importante ponto, na área do Município, onde
mais acontece a incidência de maconha, há necessidade de o quanto antes as
glebas de Conceição das Crioulas, que já foram reconhecidas pelo Ministério da
Cultura, através da Fundação Zumbi dos Palmares, sejam, de fato, expropriadas,
atendendo as benfeitorias, para que não fique na mão do povo um título que não
signifique a posse real da terra. Aquela é uma comunidade remanescente de
quilombos, cuja história é marcadamente de mulheres.
Quanto à segurança é preciso haver a repressão, mas depois de termos todo
esse aparato que aponta para o futuro. Não é prendendo simplesmente que
resolveremos essa questão. Os presídios estão lotados e, às vezes, os detentos
saem deles mais especializados na técnica de esconder e passar a maconha. É
preciso que tenhamos número suficiente de policiais para efetuar essas ações,
policiais com boa formação que saibam abordar notadamente os jovens.
Esse ano, a Campanha da Fraternidade volta-se para as drogas e fizemos
seminários em todas as escolas sobre o assunto. Levamos policiais, promotores,
juízes e, quando menos esperávamos, apareceu um jovenzinho lá no meio, acho
que até com medo de falar. Disse que era interessante termos sempre as
autoridades por perto, para aconselhar, para nos apoiarmos nelas e não apenas
para chutar as pessoas quando estas erram. Portanto, a boa formação no sentido de
saber abordar e conquistar — não se trata de passar a mão na cabeça — precisa
ser incluída nos cursos de formação das polícias. Finalmente, que os policiais sejam
bem remunerados, para que também se sintam recompensados do estresse da
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profissão, porque realmente temos muitos policiais de qualidade expondo sua vida
nessas tarefas.
Por fim, nós nos comprometemos, o quanto antes, — de acordo com o seu
pedido e tendo as dimensões do terreno, para que a delegacia se efetive em sua
casa — a ceder esse terreno para que a delegacia nele se instale.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Agradecemos à Profa.
Cleusa Pereira do Nascimento, Prefeita de Salgueiro, a exposição.
Passamos imediatamente a palavra ao Vigário-Geral da Diocese de Floresta
de Pernambuco, Pe. Roberto Luciano Tenório do Amaral, para suas considerações.
Pedimos aos últimos oradores que cumpram o tempo estabelecido, senão
acabaremos ficando sem público.
O SR. ROBERTO LUCIANO TENÓRIO DO AMARAL – Na nossa região,
especificamente na Diocese de Floresta, composta por treze Municípios,
percebemos uma clara cultura da violência.
O Dr. Wilson mencionou a guerra dos coronéis e o cangaço, que fez com que
surgissem as guerras entre as famílias. Esperamos, no próximo dia 24, celebrar um
ano sem mortes, devido ao trabalho realizado sobre a cultura de paz.
Os coronéis contribuíram muito para a violência; o cangaço também deu sua
contribuição e hoje, fazemos muito pouco contra ela. Nossa juventude fica dispersa,
sem escola e trabalho.
Para os senhores terem uma idéia, há doze anos, o Ministério da Educação
destinou um milhão e meio de reais para a construção de uma escola na cidade de
Belém do São Francisco. Esse mesmo Ministério disponibilizou, neste ano, 2
milhões e 600 mil para a construção de outra escola, sem que a de Belém tenha
entrado em funcionamento.
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Outro problema da região são as seis nações indígenas, que vivem um
conflito interno e externo. Também já foi abordada a proibição de se entrar nessas
áreas.
Um fato que agravou a destruição da região foi a construção da Barragem de
Itaparica, cujos projetos, iniciados há quinze anos, não foram concluídos; os que
foram fogem por completo à cultura da nossa gente e ao manejo da monocultura da
cebola.
Já se falou muito de maconha; acredito que nossa gente tem razão para
plantá-la. Um dia de serviço plantando cebola custa 7 reais; plantando maconha, 20
reais. Um saco de cebola com vinte quilos é vendido entre 3 a 5 reais, enquanto um
quilo de maconha alcança entre 200 a 400 reais. Então, esta seria a opção por uma
melhoria de vida. Além disso, falta uma política agrícola.
Muito se falou em repressão àqueles que plantam maconha. Ela é necessária,
porém com uma polícia equipada, bem-paga e preparada. Temos uma Polícia Militar
incapaz, malpreparada e malpaga. São policiais que encurralam as famílias em
certas áreas. Dentre elas, temos pessoas boas, as que plantam maconha, as que
matam e assaltam. Infelizmente, quando o policial chega, ele não quer saber se é
criança ou inocente; ele aplica maus-tratos, tortura pessoas e as leva à morte.
Nossas cadeias são feitas para, no máximo, trinta pessoas, mas acabam
aglomerando oitenta a noventa. Diante da guerra dos coronéis, das famílias, do
cangaço, e dos projetos inconcluídos da CHESF, que durante quinze anos pagou
dois salários e meio aos trabalhadores, restou-lhes tão-somente o plantio da
maconha.
É preciso reprimir o plantio da maconha, mas é necessário dar condição de
vida e trabalho a essa gente. Vivemos uma grande contradição: no rio São Francisco
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há bastante água, mas se andarmos um quilômetro na sua margem, encontraremos
centenas de pessoas que passam sede e não têm como preparar sua comida por
falta de água. Também falta uma política para nossa gente.
Fiz um pequeno histórico sobre a violência policial que estamos vivendo. Na
região que compreende os Municípios em volta da Diocese de Floresta, como Belém
do São Francisco, Orocó, Cabrobó e Carnaubeira da Penha, passando por
Petrolândia, vive-se uma espécie de estado de sítio, em que as garantias individuais
e o respeito à vida são totalmente ignorados pela polícia, especialmente pelo ex-
Serviço Especial de Inteligência. Hoje, temos a CIOSAC, que, segundo os
moradores, anda com uma pá, para cavar a sepultara de suas próprias vítimas.
Devido à gravidade da situação, foi criado um grupo de direitos humanos pela
administração municipal de Cabrobó. Em Diocese de Floresta, também foi criado um
Conselho de Defesa Social, para defender os direitos de nossa gente e lutar contra a
cultura da violência.
Entretanto, não temos condições de fazê-lo sozinhos. Precisamos do apoio
dos diversos órgãos do Governo Federal e do Estado, para realizar um trabalho
diferente com aquele povo torturado e esquecido.
Eram estas as minhas palavras.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Agradeço ao Padre Roberto
Luciano as palavras candentes, que refletem a sensibilidade do pastor que vive a
realidade no meio do povo.
Pedimos que seu depoimento completo seja entregue à Comissão, a fim de
que seja registrado nos Anais.
Passo a palavra ao Dr. Eraldo José de Souza, Diretor do Pólo Sindical do
Submédio São Francisco.
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O SR. ERALDO JOSÉ DE SOUZA – Em primeiro lugar, cumprimento todos
os companheiros da Mesa, os Deputados Gonzaga Patriota e Fernando Ferro e os
demais participantes desta audiência.
É um prazer voltar a esta Casa para discutir o tema. O Deputado Fernando
Ferro participou da Comissão do Narcotráfico, que nos deu importantes informações.
Estamos aqui para retratar um pouco nossa região. Alguns companheiros já
falaram sobre a morte do companheiro Fulgêncio, líder sindical que defendia o
reassentamento e combatia o envolvimento de alguns jovens com o narcotráfico.
Cinco dias após a entrega do relatório da primeira Subcomissão do Narcotráfico, que
se reuniu em Cabrobó, o companheiro foi assassinado a mando do tráfico. Foi
comprovado que o menino foi contratado exatamente para matar nosso
companheiro; foi uma morte planejada. O menino foi preso mas, como era menor,
passou três anos na cadeia e já saiu. Cometeu outro delito e, segundo informações,
agora está preso na Bahia.
Nós, do Pólo Sindical, assistimos ao aumento da violência, principalmente no
último ano. De 1997 para cá, houve todo esse rolo, a briga das famílias, que o padre
citou. O Pólo Sindical percorre a área de quinze Municípios e viaja muito.
Foi mencionada a Operação Asa Branca, um pouco mais séria que a
Mandacaru. Esta, na verdade, foi uma brincadeira para gastar dinheiro. Éramos
abordados cinqüenta vezes na estrada, mas, a vinte metros, aconteciam os assaltos
de carro, e era aquela brincadeira de denunciar.
Ora, os bandidos estão lá. Só o Pólo Sindical teve três carros perdidos,
assaltados mesmo, fora o consórcio que trabalhava conosco. Em um mês, roubaram
21 carros na empresa que dava assistência técnica, e suspeitávamos que alguém da
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Polícia Militar estava facilitando essa ação. Transportavam maconha nas
ambulâncias do projeto, e estas passavam pelas barreiras policiais.
Outro grande problema é o medo de denunciar. No projeto Fulgêncio, antigo
Projeto Caraíbas — depois que o companheiro foi assassinado, mudou-se o nome
—, o pessoal nos dizia que não adiantava denunciar. Se alguém matasse e eu fosse
contar, antes de eu chegar em casa o matador já saberia. Isso aconteceu em Santa
Maria da Boa Vista. As pessoas foram denunciar o fato e, ao chegar em casa, o
bandido estava lá para ameaçá-las.
Suspeitava-se que Fulgêncio abria a boca, porque ele viajava muito, era do
MAB, sempre estava por aqui. É claro que ele denunciava e, por isso, foi vítima.
Temos vários outros companheiros, inclusive o Vice-Prefeito de Santa Maria da Boa
Vista, ameaçados de morte. Ele já saiu do projeto, está morando na cidade e é um
dos próximos a serem assassinados. Esse é o quadro.
O Nordeste teve Antônio Conselheiro e aquela história toda; o sertão teve
Lampião e o cangaço. Com essa briga de família, o assalto a carro à mão armada,
seguido de morte, e a não-punição, temos certeza de que vários políticos fortes da
região, se não estão envolvidos, são coniventes, porque, até nas horas em que se
discute a violência na região, eles não comparecem. Além disso, os grupos que os
apóiam estão envolvidos com o tráfico.
Para resolver a situação, não basta cortar a maconha. Outro fato que
questionamos é que os aviões rapidamente a identificam e pegam o trabalhador;
outras vezes, ele corre, mas o dono da roça nunca é preso.
Essa operação está falha. Se a roça tem nome e dono, por que essa pessoa
não é incriminada? É preciso ver o que está acontecendo. A maconha existe; há
uma circulação de recursos. Quando a operação Asa Branca esteve na área, os
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bancos deixaram praticamente de funcionar; parou a circulação de dinheiro,
sumiram os carros importados. Quando a operação saiu, eles voltaram.
Estamos de acordo em que é preciso combater o tráfico, com polícia
preparada, mas não o cidadão.
Num determinado momento, pedimos policiamento para o Projeto Fulgêncio,
para prender os bandidos. Hoje, são poucos os que criam bodes na região. Só os
bandidos o fazem, porque deles ninguém tem coragem de roubar. Mas o cidadão
não pode criar uma ovelha dentro do projeto, porque a roubam. Dávamos o nome do
ladrão, mas nunca acontecia nada. A pessoa denunciava e era entregue no outro
dia.
A verdade é que há um despreparo generalizado. Sabe-se mas não se
prende. Os bandidos têm força política na região, bancam Vereadores e Deputados
e têm uma vinculação muito forte.
Na campanha passada, o próprio Deputado Fernando Ferro, eu e a outra
companheira estávamos dentro do projeto fazendo um comício-relâmpago e fomos
desafiados — eles chegam ao ponto de desafiar o cidadão.
No projeto, o que está funcionando agora e fez com que a situação
melhorasse um pouco é o Disque-Denúncia. Já aconteceram algumas prisões e
punições. É generalizada a questão de se identificar o crime, mas o povo não quer
denunciar porque será entregue no outro dia. Então, ultimamente, a situação tem
melhorado um pouco. Também se identifica e se corta a maconha, mas ninguém é
preso.
Quero me reportar à recente violência em Petrolândia, que passou a ter um
dos mais altos índices nacionais, com dezesseis assassinatos em praticamente seis
meses. Isso tem uma causa social: o processo de indenização que o Governo
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Federal estabeleceu na cidade, onde deveria estar gastando 40 mil reais no
assentamento dos sem-terra, já quase concluído. Ele usou esse dinheiro para pagar
o direito do trabalhador de ficar sem terra e sem casa e poder até entrar para o
crime; a cidade passou a ser violenta exatamente por isso.
Grande parte do envolvimento dos jovens dos projetos no narcotráfico tem a
ver, em primeiro lugar, com a falta de responsabilidade dos governos, que passaram
quinze anos arrastando um projeto que deveria ser concluído em dois. Então, o
menino que foi para lá com três anos fez dezoito sem ter atividade, e muitos
entraram para o crime.
O caso do Fulgêncio é um grande exemplo. Ele foi assassinado pelo filho de
uma reassentada, que entrou para o crime. Ele, inclusive, brigou para essa mulher
entrar no projeto, porque a CHESF não queria deixar. Sou testemunha de que ele
brigou para reassentar a mãe do rapaz que o assassinou. Ele não agiu pela cabeça
dele, mas pela do crime, e está comprovado que o grupo continua cometendo
assassinatos.
Quanto ao problema policial, há um mês e pouco, um sobrinho do
companheiro Fulgêncio, vinha de moto do projeto para Cabrobó, há cerca de 60
quilômetros de distância. Como estava de chinelo, foi abordado por uma blitz da
Polícia Militar, que o perturbou muito. Ele foi à cidade porque ia comprar uma peça
para irrigação. Na loja em Cabrobó, comentou que iria denunciar a humilhação por
que tinha passado. O rapaz da loja aconselhou-o a não fazê-lo, mas não sabe se ele
o fez ou não. A verdade é que o rapaz nunca mais voltou ao projeto e, oito dias
depois, o pessoal o encontrou assassinado, ao lado da BR, entre Cabrobó e Orocó.
Não podemos dizer que foi a Polícia, mas também não podemos dizer que não foi. A
verdade é que ele não voltou para o projeto e foi assassinado.
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Essa violência é do narcotráfico? É, mas temos que ver os dois lados: o
narcotráfico e o policiamento. A verdade é que este deveria ser mais bem-preparado
e bem-pago.
Em Petrolândia, havia um maluquinho com um revólver de brinquedo no
orelhão. Era um vizinho de Itaparica, no Município de Jatobá, que todo dia ia levar
leite. Chamaram um policial, que, em vez de fazer o trabalho de prevenção, matou o
rapaz. O que é isso? Falta de preparo psicológico. Era um rapaz de 14 anos que até
maluco era, com um revólver de brinquedo.
Concluo com estas propostas. Para combater o tráfico da maconha, não
basta cortar os pés da planta; é preciso renovar. O projeto Asa Branca, do qual a
Prefeita falou, e o Projeto Mandacaru, de Xingó e Pajeú, por intermédio do Banco do
Nordeste, é só promessa. Passamos dois anos dentro do Banco do Nordeste, mas a
burocracia nos impede de chegar ao crédito. A campanha vai lá, anuncia gastos de
8 milhões, diz que o Banco do Nordeste tem uma solução. Realizam-se debates,
cria-se uma associação, apresenta-se um projeto. Num dia, falta uma vírgula; no
seguinte, falta outra; passam-se dois anos e o resultado não satisfaz.
Para se resolver o problema do narcotráfico na região, no Brasil ou no mundo,
há que existir uma política social séria. Se há 1 milhão, não digam que há dez.
Inclusive reivindicamos um posto da Polícia Federal, em audiência, por
intermédio do Deputado Fernando Ferro. Pedimos que fosse no trevo, onde está a
Polícia Rodoviária hoje; terminou indo para Salgueiro, que já é alguma coisa.
Nós, do Pólo Sindical, no momento do assassinato de Fulgêncio, chegamos a
defender, junto ao Ministério da Justiça, em documento, a criação urgente de um
Departamento da Polícia Federal na área. Isso já avançou, mas é preciso dar-lhe
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condições de trabalho. Temos cidades do lado de Pernambuco onde a Polícia
encosta o carro porque não tem gasolina para andar.
Nossos projetos estão andando porque os convênios com a CHESF
compraram um carro, usado por toda a área. Ultimamente, houve uma melhora no
lado de Pernambuco, mas os bandidos cruzam para a Bahia. Os assaltos
continuam, além de Santa Maria e Curaçá. Diminuíram um pouco, mas não
acabaram.
O padre acabou de me informar que estão se expandindo para a área de Arco
Verde e Custódia. É exatamente o que disse a Prefeita: saíram das BRs mas foram
para as estradas vicinais, onde a população anda. Nossos companheiros que vão
receber salário ou aposentadoria são roubados nos ônibus. Então, não terminou.
Isso só será combatido com políticas sociais permanentes e sérias. Elas
podem até ser feitas pelo Banco do Nordeste, mas quando diminuir a burocracia,
para que possamos fazer uma proposta séria e ser atendidos de imediato.
Na verdade, o que reina na região é o medo. Lá se mata, o povo vê mas não
pode denunciar, senão morre também, principalmente no Projeto Fulgêncio.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Agradecemos ao Sr. Eraldo
José de Souza suas palavras contundentes.
O companheiro falou dos fatos e também da ferida. A solução não é
meramente combater o narcotráfico ou especificamente a plantação da maconha,
mas enfrentar, com políticas sociais e econômicas, uma realidade que exige muito
mais que uma mera intervenção da Polícia.
Uma questão que ficou muito clara em diversos relatos é um problema do
Brasil inteiro: a falta de preparo da Polícia, tanto a civil quanto a militar. Salva-se,
honrosamente, graças a Deus, em grande parte, a Polícia Federal, nosso grande
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farol de esperança — esperamos que ela se mantenha imune à corrupção e
principalmente à prepotência.
Agradecemos aos seis expositores as intervenções.
Registro a presença da Dra. Erilda Balduino, membro do Conselho Federal da
OAB e sua acompanhante, que chegaram neste momento. Agradecemos às duas a
presença. É muito importante que vocês assumam essa causa com determinação.
Do contrário, nosso Judiciário vai afundar cada vez mais, como foi dito aqui em
tantas oportunidades.
Passamos, agora, a palavra aos Srs. Deputados. O primeiro inscrito é o
Deputado Fernando Ferro, autor do requerimento de realização desta audiência
pública.
O SR. DEPUTADO FERNANDO FERRO – Boa tarde, Sr. Presidente,
senhores debatedores, senhoras e senhores presentes.
Voltamos a falar de um tema que nos preocupa não pelo delito local, pelo
descumprimento da lei, pelo império da ilegalidade, pelo triunfo do mal, digamos
assim, mas porque diz respeito à democracia.
Neste País não se cumpre a lei e as autoridades não têm condições de
exercer sua responsabilidade. Esse é o caldo de cultura que está crescendo
exatamente para destruir a ordem democrática e o estado de direito. É preocupante
o que estamos vendo nas periferias das cidades de algumas regiões.
Esse problema é de conhecimento público; já se tem um diagnóstico razoável
dessa realidade. Temos insistido nisso há muito tempo e todos os integrantes da
Mesa conhecem o problema. As pessoas que estão aqui correm risco de vida; as
pessoas que foram lá, também.
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Na semana passada, estive em Santa Maria da Boa Vista e recebi um recado
de um rapaz para ir com “algum esquema”, porque eles disseram que eu havia
trazido a Polícia Federal para a área, prejudicando o trabalho. É esse tipo de
comportamento que predomina.
O que me preocupa, Prefeita Cleusa — companheira que conhece a região —
é que esse assunto é tabu no nosso Estado. Tivemos audiência com o Governador e
com Secretários e provocamos os Parlamentares. A dificuldade em tratar esse
assunto me constrange, porque existem Deputados donos da região. Fora o meu
amigo Deputado Gonzaga Patriota e eu, que não sou de lá mas acompanho o
problema desde antes do mandato, como sindicalista e engenheiro da CHESF.
Conheço aquela realidade dos tempos em que podíamos andar de noite naquelas
bonitas estradas, na década de 80, vendo a lua e as estrelas. Hoje, não faço mais
isso; se não estiver “com esquema”, não posso ver estrela nem lua.
O que me preocupa é o silêncio de pessoas influentes da política do nosso
Estado sobre o problema. A quem interessa esse silêncio, Prefeita? Muitas delas
vão a enterros de pessoas assassinadas. Alguns vão para o enterro da família que
mata e da outra que vinga, para fazer política dos dois lados.
É esse tipo de comportamento que alimenta a impunidade. É preocupante
essa ordem constituída e a mistura do crime com as malhas da legalidade. Não sei
aonde vamos chegar se não houver vontade de se debater isso. Cada vez que falo
do assunto, mais me enfronho nele e me comprometo.
Sou um cidadão brasileiro. Acredito na Justiça e na legalidade. É nossa
obrigação enfrentar o problema, apesar de todo o medo. Eu também tenho, mas não
aceito a ameaça a sindicalistas, trabalhadores e religiosos, por falarem nesse
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assunto. Não podemos participar dessa cortina de silêncio. É uma vergonha que
está destruindo aquela região.
Há um enorme potencial de agricultura e turismo na beira do rio, naquela
região linda e rica, que está sendo marginalizada. Há potencialidades
impressionantes naquela região, que está sendo destruída por causa do acúmulo
dessa desordem.
Em nossas audiências com o Vice-Presidente da República, Dr. Marco
Maciel, do Estado de Pernambuco, já alertamos S.Exa. para o problema. A própria
saída da delegacia da Polícia Federal foi um pleito que levamos a ele. Não posso
deixar de reconhecer que ele se somou ao nosso esforço nesse sentido.
Em visita à Polícia Federal, constatei — o Dr. Damazio poderá confirmar —
que alguns agentes foram infectados por leishmaniose, por conta da localização da
delegacia. Tem de haver uma atenção para isso, além do risco de vida que correm
numa região perigosíssima como aquela.
Como essas coisas acontecem nos sertões do Nordeste, as pessoas em
Brasília nem sabem disso. Os poderosos não vão a essas regiões; passam por lá de
avião, nas comemorações. Há uma insensibilidade e um desconhecimento do
assunto. Precisamos manter nosso esforço no sentido de denunciar, para que a
situação comece a mudar.
Depois do meu desabafo, quero fazer algumas perguntas. Não sei se a
Polícia Federal tem algum tipo de articulação com a inteligência financeira do País,
ou seja, a Receita Federal. Se esse trabalho não for feito em conjunto, vamos
perder a principal parte do combate nessa área. A inteligência financeira deveria, de
algum modo, participar dessas operações, que têm de ser cotidianas. Não podem
ser periódicas, como a Operação Asa Branca, só desencadeada quando a CPI do
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Narcotráfico chamou a atenção para a área, inclusive gastando milhões, quando a
Polícia Federal usaria apenas 5% ou 10% daquele montante. Foi mais uma
operação de mídia. Se analisarmos a relação custo/benefício da operação, ele é
baixíssimo.
Esta é a primeira questão: tem de haver uma operação permanente de
inteligência financeira na região. Quero saber se há alguma articulação nesse
sentido, já que a sugerimos na CPI do Narcotráfico.
Não sei se o Atílio ou o Padre podem nos informar qual é o perfil da
população carcerária que temos hoje na região. É um indicador claro de quem está
causando a situação. As cadeias estão cheias de quem? São jovens pobres? Em
que condições? Quem são essas figuras?
Talvez a Prefeita possa responder à minha última pergunta. É visível que há
um impacto financeiro da repressão no Município. Qual é o tamanho dessa
economia subterrânea? Alguns que vivem na legalidade reclamam que uma
operação como essa traz prejuízos financeiros evidentes, pois aumenta a crise e
acarreta outros fatores.
É esta a discussão que o Atílio propôs: ou se cria um substitutivo financeiro
para isso ou vamos ter de enfrentar a situação. Não me sinto muito à vontade para
fazê-la, porque sou contra a medida, mas estou tentado, cada vez mais, a ouvir o
assunto. Ela envolve a penalização, a modificação da gradação dos delitos do
narcotráfico e a própria descriminalização ou legalização dessas atividades para fins
científicos e comerciais. Além disso, há a questão cultural. Vamos ter de agir sem
cinismo, hipocrisia ou demagogia.
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Se não oferecermos alternativas econômicas, então preparemos uma
Superpolícia Federal para fazer uma política de guerra e execuções, com eliminação
física, porque não há outro jeito de combater essas pessoas.
Essa é a realidade social. Se o Governo não criar alternativas, terá de
implantar formas mais violentas de um Estado de guerra, de confronto. A região já
dispõe de indicadores de uma guerra civil. Temos o exemplo de quarenta anos da
Colômbia.
Por enquanto, os delitos estão restritos a grupos familiares, desarticulados e
desorganizados. Não sabemos aonde vai chegar a evolução da crise social, do
comprometimento da rede do Estado na região, daqui a quinze anos, por exemplo.
Temos de enfrentar o problema com responsabilidade. Por enquanto, vamos
andar com medo e nos preparar. Eu, que nunca usei uma arma, já recebi várias
sugestões nesse sentido. Vou terminar fazendo um curso de tiro e usar colete salva-
vidas para andar na região. Caso contrário, podemos ser vítimas do processo,
porque eles têm capacidade de fogo, se quiserem. A Polícia Militar já travou
combates de fogo na caatinga, dez minutos de tiro de AR-15. É uma guerra, um
estado de combate, confrontos seriíssimos que já existem na região.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Agradecemos ao Deputado
Fernando Ferro a intervenção.
Concedo a palavra ao Deputado Gonzaga Patriota, por três minutos.
O SR. DEPUTADO GONZAGA PATRIOTA – Sr. Presidente, quero saudar o
Jorge, a Prefeita Cleusa, meu amigo Damazio, Padre Roberto, Eraldo e minha
amiga Hilda, que já saiu.
Fico feliz em ouvir pessoas que conhecem o problema e convivem com ele
diuturnamente.
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Faço meu o desejo de Cleusa de que a região não fique conhecida como o
Polígono da Maconha ou Polígono da Legalidade. Isso não existe. Praticamente
nasci ali, já que cheguei menino à região. Vivo ali e encontro o companheiro
Fernando Ferro semanalmente. Conheço e vi nascer todo aquele pessoal. Fui
contador e advogado de pessoas mais idosas em Cabrobó e Belém do São
Francisco. Tive escritório também em Floresta, Petrolina e Salgueiro, que me adotou
aos quinze anos de idade.
Não posso me conformar em ver crescer a violência ali, exatamente por falta
de uma ação. É importante o fortalecimento da Polícia Federal, não apenas no
âmbito do Polígono da Maconha. Teríamos de ter vinte mil homens capacitados,
uma superestrutura. Essa Polícia é muito respeitada, querida e honrada.
Paralelamente, é preciso uma parceria com as outras polícias para fazer o
trabalho de repressão, além de um Poder Judiciário instalado e forte. Quando
advoguei na região, nunca ouvi falar na corrupção de um oficial de justiça, quanto
menos de um juiz de direito. Hoje, ouço isso com tristeza, como advogado.
Precisamos também ter um percentual do Orçamento da União. Faço parte,
há onze anos, da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização
da União, e não vejo recursos para a segurança pública.
A Operação Mandacaru foi uma farsa. Se 10% dos 7 milhões que disseram
ter gasto tivessem ido para as mãos da Polícia Federal, e desta para a sociedade, a
Igreja, as ONGs e as Prefeituras, teríamos feito bem mais, até porque avisaram que
iam. Tenho um colega advogado muito conhecido, chamado Faustino, de Salgueiro,
que me disse: “Estou há oito dias sem dormir, telefonando e tirando o pessoal...”
Como advogado, eu também tiraria o meu constituinte para não ser preso naquela
operação malfeita e desgraçada, que passou por ali.
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O problema é falta de integração social. Vejo aqui um documento
importantíssimo, que não conhecia. Não sei se os Deputados vão lê-lo ou se a
Comissão vai tomar conhecimento dele. Vou registrá-lo nos Anais da Câmara,
porque não acredito que o Deputado Fernando Ferro o faça.
Existem “n” documentos feitos pela Igreja, por Prefeituras e outras
instituições. Como fazer essa integração? Existe, agora, um consórcio dos Prefeitos,
acompanhados pelos Vereadores e Secretários da região. A Igreja, os sindicatos, o
Pólo Sindical, as ONGs e as fundações estiveram presentes a todas as reuniões,
para fazer parte dessa integração.
Falou-se do plantio de maconha. Temos de começar a fazer a política
agrícola no sul do Pará; vamos olhar o problema do Paraná e de São Paulo, mas
vamos levar um pouco para aquela região, não um projeto feito num mês, como a
Operação Mandacaru. Depois que ela saiu de lá, o Banco do Nordeste pegou os
documentos de algumas propriedades e os carimbou como hipotecas. Emprestou
dinheiro para a compra de cabras, o plantio de palmas e a construção de cercas,
mas todo o dinheiro foi usado para plantar maconha. Sei onde é. A Polícia Federal
sabe, foi lá e erradicou essa maconha. Não houve educação, integração,
participação e ajuda, para que isso acontecesse.
O Ministro da Reforma Agrária, Raul Jungmann — que está fazendo
campanha para Deputado Federal – levou dinheiro para pagar terras aos Benvindos
e aos Gonçalves, enquanto as terras ocupadas de outros são pagas com Títulos da
Dívida Agrária, que não valem nada, pois o Governo não os reconhece. Que política
é esta, que pega terras de duas famílias em guerra e as paga em dinheiro?
Deputado Padre Roque, isso vai incentivar outras pessoas a lutarem para receber o
dinheiro por suas terras e sair para outras regiões, onde continuarão em guerra.
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Não tenho nenhuma pergunta. Estou feliz em ter ouvido a Cleusa; o Dr. Jorge
Atílio; o Dr. Damazio, a quem conheço há muito tempo; o Padre, curto e grosso; o
Eraldo, cujo trabalho conheço; e o Deputado Fernando Ferro.
Sugiro que mobilizemos o Congresso Nacional para aprovar uma das
propostas que tramitam no sentido de passar para a segurança pública um pequeno
percentual da arrecadação da União, como se fez com a educação e a saúde. O
Governo não pode dizer que não tem dinheiro para fazer a política de reforma
agrária, pelo menos naquela região, porque paga 60 bilhões por ano de juros da
dívida interna, enquanto a dívida externa subiu de 100 para 600 bilhões de reais em
sete anos. Tem recursos, sim; o que não tem é vontade política.
A discussão não pode acabar aqui. A Prefeita veio de Salgueiro; o Padre, de
Floresta; o sindicalista, de Petrolândia; esse outro do Rio de Janeiro; o Dr. Damazio
tem o que fazer e está aqui também; assim como eu, o Deputado Fernando Ferro e
tantos outros, nesta véspera de feriado, para apurar os fatos, gravar os depoimentos
e depois passá-los para o papel; se o Governo não tomar conhecimento deles e não
fizer nada, é absurdo. Noutro dia, a Prefeita não vem; não vou deixar que ela venha,
nem o Padre.
Temos a responsabilidade de divulgar o que aconteceu e de cobrar do
Governo uma política, não a que o Ministro Jungmann está querendo implantar, de
dar dinheiro aos Benvindos e aos Gonçalves por terras em que foi plantada
maconha, infringindo a lei que fizemos aqui. Essas terras têm de ser desapropriadas
para reforma agrária, sem nenhum pagamento aos donos – e nelas foi plantada
maconha. Isso não vamos suportar.
Quero parabenizar a todos pelo trabalho realizado, principalmente ao Padre
Roque, que vem coordenando nossas atividades.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Deputado Gonzaga Patriota,
a CPI do Narcotráfico sugeriu que as terras, assim como todos os bens de
narcotraficantes, fossem arrestadas, não simplesmente desapropriadas. É arresto
mesmo, imediato, sem caução na Justiça, sem chance. Essa é a única forma de
mexer na estrutura do crime.
Tive o prazer de visitar aquela região em diversas oportunidades, desde a
década de 70. Andei por Floresta, Cabrobó, Salgueiro, Itaparica e pela represa em
Petrolândia. Estive inclusive numa grande mobilização, em 1978, quando se tentou
desapropriar, sem valor, a terra da antiga cidade de Petrolândia, agora submersa.
Mostramos grande resistência.
Desde aquela época, tenho claro o potencial da região, como disse o
Deputado Fernando Ferro, inclusive para o turismo. Estive lá para cima, depois da
área indígena – Carnaubeira da Penha –, no meio das montanhas, uma terra
belíssima, com grande potencial turístico. No entanto, ela continua como em 1978:
quem manda é o bico do 38, a garrucha ou, então, o fuzil automático.
O SR. DEPUTADO GONZAGA PATRIOTA – Antes fosse a garrucha.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Antes fosse a garrucha.
De qualquer maneira, quero agradecer aos Deputados Fernando Ferro e
Gonzaga Patriota a intervenção.
Concedo novamente a palavra ao Deputado Fernando Ferro.
O SR. DEPUTADO FERNANDO FERRO – Sr. Presidente, a Sra. Cleusa
Pereira, Prefeita de Salgueiro, fez-me uma cobrança em relação às denúncias que
nos foram feitas durante a passagem da CPI do Narcotráfico por aquela região.
Recebemos diversas cartas e documentos. Lamentavelmente, o grosso das
denúncias eram pessoais e não davam condições de investigação. Ficamos em
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dúvida porque há casos, inclusive, de disputas políticas da região, para se investigar
internamente.
Encaminhamos alguns indícios ao Ministério Público e apresentamos um
relatório ao Ministério da Justiça e às autoridades, inclusive à Secretaria de
Segurança. Outros documentos serviram para depoimentos reservados que
tomamos e nos trouxeram algumas informações. Posso assegurar que não pudemos
usar 90% delas porque lhes faltava consistência, e seria irresponsabilidade
comprometer pessoas sem segurança.
Parte dessas denúncias consta, inclusive, do relatório da CPI. Posso depois
fazer um extrato disso para encaminhar aos senhores. Vai fazer parte, como disse o
Deputado Moroni Torgan, de uma referência desta Comissão Permanente de
Combate ao Narcotráfico, que é conseqüência da CPI. Trata-se de uma Comissão
que pretendemos criar para cobrar isso, caso contrário cairá no esquecimento, não
daremos continuidade ao trabalho e logo será exigida outra CPI.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Agradeço a participação de
V.Exa.
Passarei a palavra aos expositores para responderem a algumas questões e
já fazerem suas considerações finais, aos quais solicito o máximo de brevidade
possível. Infelizmente estamos com o tempo avançado e também com a sala quase
vazia, porque hoje é véspera de feriado e muitos viajam. Eu, particularmente, não
tenho esse problema, porque só viajarei amanhã. De qualquer maneira, outras
pessoas devem estar se preparando para viajar, e não queremos prejudicar
ninguém.
Com a palavra o Dr. Wilson Salles Damazio.
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O SR. WILSON SALLES DAMAZIO – Sr. Presidente, responderei
rapidamente às perguntas, porque a hora já se aproxima.
O Dr. Jorge Atílio questionou sobre o incremento após as operações cíclicas.
Realmente, depois da intensificação das operações nos últimos cinco anos na região
do Polígono, começaram a surgir novos plantios em outras regiões. Mas a coisa
ainda não é tão significativa. E onde já havia plantios, como é o caso do Maranhão,
aumentou também um pouco, em virtude da migração de plantadores de
Pernambuco. Mas isso tudo já alvo de investigação da Polícia Federal. Antigamente,
essa operação cíclica só havia em Pernambuco, agora não, já temos na Bahia e no
Maranhão.
A estimativa que o senhor fez da apreensão de 10% não se aplica no caso da
erradicação. É o inverso disso. Temos dados seguros de que pelo menos 90% dos
plantios de maconha são erradicados por ocasião dessas operações que fazemos:
toda a área é varrida com helicópteros e ultraleves, além de operações terrestres e
fluviais. Então, se sobra alguma coisa, não é a mais do que 10%. Graças a Deus,
conseguimos inverter essa situação no caso do plantio da maconha.
(Intervenção inaudível.)
O SR. WILSON SALLES DAMAZIO – Essa estimativa da cocaína é um
pouco precária, porque não sei o que se está produzindo do outro lado. A cocaína é
produzida na Bolívia, no Peru e mais na Colômbia. Então, não sei o que está sendo
produzido, mas sei que houve o incremento das apreensões por conta dos
investimentos que estamos fazendo na própria Polícia, nos métodos de
investigação, nos equipamentos que estamos comprando, na formação dos homens.
Então, realmente tem havido apreensão em grande escala, mas credito isso à
própria Polícia, à reciclagem dos nossos homens.
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O aumento do preço diminui o consumo, é lógico. Falei em 400 reais em
Pernambuco na penúltima operação, que teve um atraso, infelizmente, de 15 ou 20
dias por falta de recursos, por falta de dinheiro até para comprar combustível para o
helicóptero. Nessa ocasião, realmente, uma parte foi colhida. Se houve oferta, o
preço baixou, mas chegou a 400 reais no final do ano passado, começo deste ano.
Não sei se o João Evangelista, que é da região, pode atestar isso.
O SR. JOÃO EVANGELISTA – Com o atraso da operação, eles colheram
parte da maconha.
O SR. WILSON SALLES DAMAZIO – Houve a colheita de uma pequena
parte.
A nocividade da atividade inviabiliza qualquer forma de legalização,
principalmente no mundo globalizado em que vivemos. Poderíamos ficar tranqüilos,
deixar passar a cocaína que não é consumida no País, que vai direto para o exterior.
O fato é que assinamos convênios e acordos internacionais em que nos obrigamos a
reprimir o tráfico. Já temos o tabaco e o álcool, se a cocaína for legalizada não sei
onde iremos chegar.
A Profa. Cleusa sugeriu a aplicação de um projeto para esportes na região.
Durante minha exposição, até me referi sobre os centros poliesportivos. Temos um
belo exemplo na sua cidade, o Manoel Tobias, não é?
A SRA. CLEUSA PEREIRA DO NASCIMENTO – Ele é filho do meu diretor
de esportes.
O SR. WILSON SALLES DAMAZIO – Pois é, o melhor jogador de futsal do
Brasil...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Quem é?
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O SR. WILSON SALLES DAMAZIO – Manoel Tobias, o melhor jogador de
futsal do mundo é nascido em Salgueiro.
Em relação ao problema dos cartões que estão sendo apreendidos por
comerciantes, acho que isso deve ser levado ao conhecimento da Polícia Federal,
porque podemos puxar para a competência do Governo Federal. Esses cartões são
projeto do Governo, há interesse da União em que dê certo. Se pessoas
inescrupulosas estão fazendo isso, há o interesse da União e a competência da
Polícia Federal para agir.
A outra alternativa seria voltarem aqueles caminhões da antiga COBAL, atual
CONAB. Na época do pagamento, poderíamos mandar aqueles caminhões, com
preços mais razoáveis dos produtos para incentivar o comércio. É lógico que o
caminhão terá de ser escoltado, para evitar saques. É apenas uma idéia.
O Vigário Tenório referiu-se à prisão de plantadores. Isso não tem ocorrido.
Quem menos prendemos hoje são os plantadores. Por quê? Porque a hora de
prender o plantador é justamente quando se faz a operação com helicópteros. E os
plantadores não são bobos, fogem assim que ouvem o barulho do helicóptero.
Posteriormente, eles são responsabilizados e indiciados. Quando é decretada a
prisão preventiva, um ou outro será preso.
As prisões importantes estão sendo feitas com base no trabalho de
inteligência que eu citei. São vários escritórios de inteligência policial montados na
região, onde apreendemos a mercadoria quando está sendo transportada e
prendemos todas as pessoas que estão trabalhando no ciclo de produção,
transporte, encomenda, financiamento. Então, há significativas prisões. Não
podemos mais dizer que apenas o pé inchado está sendo preso por causa do plantio
de maconha.
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Lamento não haver ninguém da Polícia Militar de Pernambuco assistindo a
este debate ou até participando dele, porque graves denúncias foram feitas em
relação ao trabalho daquela instituição. Temos trabalhado com um grupo, sobretudo
na região de Salgueiro, e o trabalho tem dado certo. Mas ouvi nesta Comissão
denúncias até sobre ações do CIOSAC. Acho que isso tem de ser levado ao
Governador, ao Comandante da PM e ao Secretário de Segurança para que
resolvam esse problema. A Polícia Federal não tem competência legal para agir em
todas as áreas, nem pessoal suficiente. Mas a nossa proposta é melhorar aquela
delegacia e destinar a ela pessoal suficiente. Temos de fazer aquilo que o Deputado
Fernando Ferro disse, partir para cima dos bandidos. A nossa proposta é essa.
O Sr. Eraldo José fez uma pergunta em relação a Mandacaru e Asa Branca.
Quando eu estava em Pernambuco participei da Operação Asa Branca, com custo
baixíssimo e resultados excelentes. E das operações normais, cíclicas da Polícia
Federal.
Peço a todos que continuem confiando na Polícia, mesmo na Polícia Militar e
na Polícia Civil. Quem tiver alguma denúncia e achar difícil fazê-la na região, leve-a
aos superiores em Recife.
Quanto à prisão dos proprietários de plantio, estamos fazendo com o trabalho
de inteligência.
Temos um projeto para a Polícia Preventiva Federal. Peço aos Deputados
presentes para, por favor, analisarem com carinho esse projeto. Queremos criar seis
mil cargos de uma carreira chamada Polícia Preventiva, dentro da própria carreira da
Polícia Federal. Seria um policial fardado para trabalhar principalmente nos portos,
aeroportos e fronteiras, além de policiar regiões como Salgueiro, Marabá, Bico do
Papagaio. Se eu fizer uma proposta de 6 mil agentes de Polícia Federal, a União
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não suporta. Mas, no caso da Polícia Preventiva, será um agente de nível médio,
como era o policial federal antes. Só que haverá um recrutamento bem-feito e uma
formação. Serão mais 6 mil homens. E os policiais que sairão da área de aeroporto,
porto e fronteiras vão trabalhar com investigação, no combate ao crime financeiro, à
lavagem de dinheiro. Trabalhamos nisso junto com a COAFI. Temos uma divisão de
combate ao crime organizado de inquéritos especiais...
(Não identificado) – Lá na região?
O SR. WILSON SALLES DAMAZIO – Não, temos uma central em Brasília
que desloca, se o caso for importante, delegados especiais para o local. Então, esse
trabalho que está sendo feito no Polígono pode perfeitamente redundar numa força-
tarefa para a região.
Sobre Inteligência Financeira já falei.
População carcerária. Com relação à Polícia Federal, há pessoas importantes
presas. Não vamos esperar também que nesse tráfico de maconha sejam presos
Deputados, Senadores, autos comerciantes etc. Há um pouco de ficção nisso.
Qualquer um que tiver 20, 30, 50, 100 mil reais e quiser se aventurar nesse negócio
pode se dar bem. Foi assim desde o escândalo da mandioca, quando os bancos
fecharam o crédito para os microagricultores da região. O plantador de maconha
chegou, conversou com o primeiro, o segundo viu que deu certo, o terceiro também
e gerou esse boom. Quando abrimos os olhos — refiro-me a todos nós, Polícia,
Justiça e Governo — o sertão estava verde, mas de maconha. Mas, graças a Deus,
isso está sob controle hoje.
Sobre a legalização já falei.
Polígono versus Colômbia. Tenho o compromisso de não deixar que o
Polígono se transforme numa Colômbia. Ainda tenho algum tempo aí pela frente
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para trabalhar nisso. Sei qual é a realidade da Colômbia e não quero jamais que o
Polígono viva a mesma realidade. Mas precisamos de ações do Governo Estadual,
da Polícia Militar e da Polícia Civil. É fácil trabalhar em Recife, em Jaboatão. É
preciso mandar gente também para trabalhar na região do Polígono.
Basicamente era isso que eu queria falar.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Mais alguém deseja fazer
uso da palavra?
Com a palavra a Prefeita de Salgueiro, Sra. Cleusa Pereira.
A SRA. CLEUSA PEREIRA DO NASCIMENTO – Quero responder um pouco
ao Deputado Fernando Ferro. Não vou falar sobre os encarcerados da Polícia
Militar. Acho que sobre o assunto o professor aqui ao lado deve ter dados mais
precisos. Mas na minha visita à cadeia de Salgueiros verifiquei que lá dentro se
encontram mais jovens e pobres.
O Impacto Financeiro. No mês de junho fui procurada por uma jornalista que
me perguntou: “Como é que a senhora está governando sem o dinheiro da
maconha?” Respondi-lhe que nunca governei com o dinheiro da maconha. Tanto
que na campanha eleitoral chegaram a dizer, referindo-se a mim, que “quando essa
velha chega no Governo some o dinheiro do fumo”. Mas acontece que, na verdade,
estamos sofrendo depressão econômica por não termos uma atividade alternativa.
Estamos muito interessados na discussão. Inclusive, a Igreja está tentando nos
ajudar. Estamos formando uma ONG para constituir um centro de
ovinocaprinocultura voltado à educação e já a inserção no mercado e dali gerar tudo
o mais que o produto — bode — da região pode gerar.
A título de comprovação do que são capazes, atiraram nos helicópteros da
Polícia Federal e atingiram um militar. O pior de tudo isso é vermos as nossas
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jovens, meninas de 13, 14 anos, prostituídas, servindo de aviãozinho para Fortaleza
e para outros lugares. É outra conseqüência muito grave do narcotráfico.
Obrigada por me permitirem externar esses fatos, que constrangem mas que
precisam ser enfrentadas.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Agradecemos à Sra. Cleusa
Pereira, nossa querida Prefeita de Salgueiro.
Passo a palavra ao Dr. Jorge Atílio, que deseja dar uma palavra final.
O SR. JORGE ATÍLIO SILVA IULIANELLI – Na verdade quero dirigir uma
questão ao Dr. Damazio e apresentar duas propostas de encaminhamento para os
Srs. Parlamentares.
O Dr. Damazio referiu-se ao incremento das plantações, mas deixando
transparecer que a Polícia está lançando um olhar localizado para o problema, que
deve ser enfrentado articuladamente, sob pena de se fazer afirmações muito fortes,
que podem não corresponder à realidade. Por exemplo, não concordo com a
afirmação de que o fato de o plantador de Pernambuco estar agora no Maranhão
ensinando técnicas significa apenas uma migração. Isso não poderia significar a
existência de uma rede que permite que esse plantador, impedido de continuar suas
atividades em Pernambuco, articule a técnica do plantio em outras regiões, como o
Amazonas e o Maranhão? Mais: em 1997 os Parlamentares levantaram a relação
dos plantadores de maconha com o Comando Vermelho no Rio de Janeiro. Isso
seria tremendo em termos de articulação nacional de uma rede de
agronarconegócio, de uma rede de narconegócio, como tal.
O olhar localizado impede, às vezes, a percepção de articulações que estão
por baixo de um grande negócio e que não são explicadas apenas por 100 mil reais
para uma operação imediata, mas por milhões e milhões para uma operação
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nacional. Não se trata de uma operação localizada nos Municípios de Pernambuco.
Torno a chamar a atenção para esse fato. No início da apresentação do Dr.
Damazio, apareciam os sete Estados do Nordeste e escrito: Polígono da Maconha.
Isso significa que para a Polícia Federal o Polígono está nos sete Estados?
(Não identificado) – Atingiu quatro Estados: Ceará, Bahia e Pernambuco.
O SR. JORGE ATÍLIO SILVA IULIANELLI – Esses três. E agora o Maranhão,
como uma extensão. Então, os sete Estados ali era meramente para dizer da ação
da Polícia no Nordeste.
(Intervenção inaudível.)
O SR. JORGE ATÍLIO SILVA IULIANELLI – Para todo o Nordeste e também
para o Centro-Oeste. Obrigado.
Em termos de proposta, na verdade, são duas questões. Uma está nesse
texto que estamos oferecendo e que o Deputado Gonzaga Patriota sugere que
conste nos Anais da Casa. Trata-se de um relatório preliminar da pesquisa que
estamos realizando sobre os efeitos do plantio de maconha para a juventude na
região. É uma pesquisa que tem ainda dois outros elementos para discussão: os
efeitos do plantio para a reprodução camponesa na região e para as políticas
públicas na região.
Atinentes a essa questão da juventude, há duas propostas que podem ser
encaminhadas por esta Casa. Uma junto ao Ministério de Energia e ao Grupo
Executivo para o Reassentamento de Itaparica, agora Avança Brasil, no sentido de
apresentar uma petição para a reversão da indenização que foi feita para os
agricultores que tiveram de deixar as terras que já tinham conquistados. Isso criou
uma massa de desempregados naquela região extremamente propensa a participar
das atividades do narcoplantio.
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Então, creio que é uma questão de dívida social que o próprio Governo
Federal contraiu a partir de uma indenização que não era desejada pelos
agricultores a princípio e que lhes foi imputada como a única alternativa possível.
Indenizações que chegaram ao montante de 45 mil reais por agricultor, o mesmo
que o Governo estava usando para fazer assentamento de reforma Agrária.
Portanto, é uma ação de contra-reforma agrária do Governo Federal. Acredito que
seja possível a articulação desta Casa junto ao Ministério de Energia e ao Grupo
Executivo do Reassentamento de Itaparica. Se não a própria proposta da reversão,
ao menos o questionamento de como foi possível fazer esse projeto de contra-
reforma agrária na forma como foi feito.
A segunda proposta é de que esta Casa encaminhe uma moção à SENAD
para que haja uma articulação das várias ações que se dirigem à juventude naquela
região.
Então, há ações que estão sendo propostas pela SENAD, por meio do
Ministério da Assistência Social, como a formação de agentes comunitários tendo
em vista a prevenção do uso de drogas e a prevenção do envolvimento com o
narcoplantio.
O Programa Xingó não está sendo promovido pela SENAD, mas por um
conjunto de universidades do Nordeste. Esse programa tem uma área destinada à
educação, que tem também como um dos objetivos a prevenção do uso de
entorpecentes e do envolvimento com o narcoplantio.
Há os trabalhos desenvolvidos pelas dioceses, especialmente pela de
Floresta, o trabalho desenvolvido pelo Pólo Sindical e por Koinonia, entre outros.
Então, acho que podemos sugerir pelo menos que a SENAD promova um
seminário. O Deputado Fernando Ferro e eu, juntos, numa audiência com o General
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Cardoso, sugerimos isso e, até o momento, não houve nenhuma resposta ou
encaminhamento nesse sentido.
Talvez o Deputado Fernando Ferro ou o Deputado Padre Roque, como
Presidente desta reunião, pudesse solicitar à SENAD um relatório mais minucioso
sobre o Projeto Moxotó-Pajeú, porque, até o momento, nós não temos nenhum
relatório oficial acerca desse projeto, embora isso tenha sido solicitado à SENAD por
intermédio da Dra. Heloísa, uma das assessoras do General Cardoso, que ficou de
nos disponibilizar esse relatório, o que ainda não foi feito. As únicas informações
oficiais que temos sobre o Projeto Moxotó-Pajeú são as do relatório da Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre o Narcotráfico da Assembléia Legislativa de
Pernambuco.
Aliás, a título de informação, a posição daquela Assembléia Legislativa sobre
a Operação Mandacaru é bastante divergente da opinião dos Parlamentares, aqui
expressada.
Em princípio, dados os documentos que nós tínhamos disponíveis para a
elaboração desse relatório preliminar, as opiniões que nós expressamos sobre a
Operação Mandacaru eram também divergentes. Nós afirmávamos que, do ponto de
vista das ações sociais, ela foi mais extensa e até mais eficaz do que outras
operações, como, por exemplo, a operação Asa Branca, no sentido do envolvimento,
na operação, das Prefeituras e da sociedade local. Portanto, há aí um outro conjunto
de informações a serem observadas.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Nós agradecemos ao Dr.
Jorge Atílio Silva Iulianelli.
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Concedo a palavra ao Padre Roberto, caso ainda queira fazer alguma
observação.
O SR. ROBERTO LUCIANO TENÓRIO DO AMARAL – A Diocese de
Floresta agradece e se coloca, dentro dos seus limites, à disposição da Comissão
de Direitos Humanos para ajudar.
Desejo responder, Deputado, a algo que foi dito aqui: os grupos estão
extremamente organizados e poderosos. Exemplo disso é a cidade de Belém de
São Francisco, que deveria ter, hoje, de 35 a 40 mil habitantes. Graças à CHESF e a
esses grupos organizados, nós temos 22 mil habitantes. Isso mostra o poder desses
grupos.
Desejo ainda acrescentar uma proposta às do Dr. Wilson. Seria bom que se
desse aos cidadãos residentes naquelas ilhas pertencentes à CHESF que não foram
submersas pela águas da barragem de Itaparica o título de posse das terras,
porque, não sendo eles donos das terras, que pertencem à CHESF, não conseguem
obter qualquer empréstimo nos bancos.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Agradeço ao Padre Roberto
a sua intervenção.
Concedo a palavra ao Sr. Eraldo José para as suas considerações finais.
O SR. ERALDO JOSÉ DE SOUZA – Desejo apenas reforçar que uma área
imensa da cidade de Belém, até Ibó, onde está o abrigo das famílias, está
praticamente deserta, e nas ilhas também se planta maconha, porque estão
abandonadas, já que foram tiradas para os projetos. Então, talvez a regularização
fundiária fosse a solução para redistribuir aquela terra. Concedendo-se crédito
àquelas pessoas, com certeza, vai-se tirar muita gente do mundo do crime.
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Em nome do Pólo Sindical, agradeço o convite e a oportunidade de me
manifestar neste momento.
Coloco-me à disposição de todos para colaborar no que for possível.
Reforço o pedido do Jorge Atílio: se conseguirmos, por meio desta exposição,
que esta Comissão envie algum documento sobre o Projeto de Itaparica ao
Ministério de Minas e Energia e ao GERPI, para que suspenda, de imediato, a
indenização de lotes de projetos que estão funcionando, já será grande coisa,
porque, além de terem feito o estrago de indenizar direitos de trabalhadores de
projetos que estavam em construção, eles abriram, agora, para o projeto. Nos lotes
em que há qualquer problema, eles indenizam o trabalhador e deixam o projeto sem
mais um lote. Isso é ruim porque tira uma família da terra e compromete as que
ficam, já que, no futuro, elas dividirão os custos.
Então, Deputado Fernando Ferro, que também tem conhecimento da
situação, se for editado, de imediato, algum documento nessa linha será muito bom,
porque a CHESF e o Governo Fernando Henrique Cardoso são, sim, os grandes
responsáveis pela violência existente na região, principalmente na área do
reassentamento. O envolvimento dos jovens com o tráfico e esses assassinatos que
ocorreram em Petrolândia, Jatobá e na área nada mais são do que conseqüência da
indenização da CHESF, do Governo Federal.
Então, se eles suspenderem o que estão fazendo, esse crime com o Nordeste
e com os trabalhadores, já será grande coisa. A suspensão imediata da indenização
já será algo fundamental, e, além disso, será importante batalharmos pela conclusão
dos projetos que estão faltando, que é a grande luta nossa.
Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Concedo a palavra ao
Deputado Fernando Ferro.
O SR. DEPUTADO FERNANDO FERRO – Sr. Presidente, desejo apenas
fazer uma última observação.
Antes, porém, sugiro que, se possível, a Comissão de Direitos Humanos
produza um texto desta audiência e o encaminhe aos participantes, a fim de divulgar
o evento e seu conteúdo.
Outra questão que desejo abordar diz respeito ao processo de "limpeza" da
área e à indenização proposta pela CHESF. Isso fazia parte da política de
privatização da empresa, porque os credores e as empresas multinacionais
interessadas em comprá-la exigiam que todo o passivo social do empreendimento
fosse resolvido e que toda a área fosse desocupada.
Por isso, era necessário que o GERPI — Grupo Executivo de
Reassentamento do Projeto Itaparica — tirasse toda a população ribeirinha de lá, a
fim de que qualquer compromisso assumido com ela por causa da construção da
barragem e do empreendimento hidroelétrico fosse resolvido.
A CHESF provavelmente não será privatizada durante este Governo. Muito
embora na semana passada, quando esteve com o Presidente dos Estados Unidos,
o Presidente Fernando Henrique tenha anunciado que em 2002 voltará a privatizar,
vendendo FURNAS, a ELETRONORTE e a CHESF, duvido que o faça. Mas, de
qualquer forma, existe a ameaça.
O GERPI faz parte da operação de contra-reforma agrária, exatamente para
facilitar a privatização da geração hidrelétrica da região.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Concluindo esta reunião,
podemos dizer que, quando enfrentamos um problema específico como este, de
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uma região específica, na verdade estamos mexendo em algo muito maior, porque o
problema social no nosso País é de tal ordem que impede a solução parcial de
qualquer tipo de problema.
Devo dizer ao caro amigo Eraldo José que, infelizmente, o que você pede
está muito além das nossas limitadas possibilidades, porque nós encontramos aqui
o paredão que está entre esta Casa e a outra do lado de lá, que é o Palácio do
Planalto, onde, na verdade, todas essas políticas são concebidas, paridas e
posteriormente cultivadas.
Faremos o que pudermos. Para todos os que aqui se encontram — alguns
pela primeira vez — é importante esclarecer que esta Comissão, na verdade, quer
ser o ouvido da população brasileira e, depois, a caixa de ressonância da voz dos
que aqui clamam. Mais do que isso ela não pode fazer. Nós não temos poder de
polícia. O nosso poder é a convicção de que os direitos humanos precisam e podem
ser levados a sério neste País.
Agradeço a cada um dos que hoje aqui estiveram. Faço uma menção honrosa
ao Dr. Bonfim, que, patrioticamente, permaneceu nesta reunião do começo ao fim.
Evidentemente, também prestigio o Dr. Damazio e o meu conterrâneo de Ponta
Grossa, Almeida César, que nos prestigiou durante toda a tarde, e aos demais que
aqui permaneceram. Agradeço ainda ao João Evangelista, que esteve presente
durante a nossa reunião.
Nós vamos continuar nesta luta. A CPI do Narcotráfico esteve naquela região,
e nós não nos esquecemos de Salgueiro nem das demais localidades daquela
região onde o crime impera.
O que estiver ao nosso alcance será feito. O texto será elaborado, conforme
pedido do deputado Fernando Ferro. Nós enviaremos um texto depurado para todos
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os participantes desta audiência. Tenho certeza de que ao menos um passo à frente
terá sido dado hoje, e nós ficamos felizes com esse passo.
Uma das coisas que tem funcionado neste País são as famosas missões
externas da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, com as
visitas que faz.
Há poucos dias foi-nos relatado um problema no Maranhão, onde vinte e um
meninos foram mortos com requinte de crueldade, de barbarismo. A Comissão foi lá,
chamou a atenção do País para o fato e hoje todo o País sabe da existência do
problema. Parece que ao menos os marginais arrefeceram os ânimos e não
voltaram a praticar crimes da mesma natureza.
A mesma coisa aconteceu em tantos outros locais a que fomos. No Paraná,
por exemplo, a Comissão esteve diversas vezes. Da mesma forma, estivemos no
Rio de Janeiro e em Recife, há pouco, embora com outras finalidades.
Se os senhores quiserem que a Comissão de Direitos Humanos vá a essa
região e promova lá um grande encontro, uma tarde como esta, poderemos fazê-lo.
Eu acho que isso criará um fato maior do que a presença dos senhores aqui
hoje. Todos os senhores falarão de novo e daremos ciência ao Brasil do que está
correndo lá.
O SR. DEPUTADO FERNANDO FERRO – Sr. Presidente, V.Exa. me permite
agregar a essa sua sugestão uma outra? Sugiro que convidemos a SENAD para
promover esse encontro na região, porque pelo menos haverá um comprometimento
do Poder Legislativo, por intermédio da Câmara dos Deputados, representada pela
Comissão de Direitos Humanos, e do Poder Executivo, por intermédio da SENAD,
para fazer essa discussão na região.
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Se for do agrado de V.Exa., nós poderemos formalizar esse convite à SENAD
para que possamos realizar o evento.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Desde já peço ao Secretário
que formalize essa sugestão a fim de que possamos ir lá.
Gostaríamos, inclusive, de receber uma solicitação das autoridades locais
para que pudéssemos ir àquela região, neste ano ou no início do ano que vem. É
importante que tenhamos também a manifestação do desejo da população local. A
sugestão é dada e depois, juntamente com a SENAD, vamos realizar a reunião no
local.
Concedo a palavra ao Sr. Eraldo José.
O SR. ERALDO JOSÉ DE SOUZA – Sr. Presidente, concordo com a idéia de
V.Exa.
Nós estamos à disposição para mobilizar a população e as entidades locais.
O Deputado Fernando Ferro esteve lá na hora do apagão e viu que sua visita,
embora rápida, funcionou, a região toda participou.
Se for necessário, nós faremos o documento. Poderemos fazê-lo via
Deputado Fernando Ferro, que, oficialmente, fará o pedido a V.Exa.
O SR. WILSON SALLES DAMAZIO – Paralelamente a isso, a Polícia Federal
se compromete, por meio da sua Divisão de Repressão a Entorpecentes, a fazer um
encontro jurídico na região com promotores, juízes e delegados. Isso será feito em
toda a região do Polígono.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Este final de reunião foi
muito bom, porque diversas e boas sugestões surgiram.
Eu tenho certeza de que isso causará o impacto necessário para que ao
menos consigamos rolar o problemas com menos traumatismo.
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Concedo a palavra à Sra. Cleusa Pereira.
A SRA. CLEUSA PEREIRA DO NASCIMENTO – Sr. Presidente, sugiro que
esse encontro seja feito não com o objetivo de diagnosticar o problema ou de saber
o que está acontecendo, mas de programar ações em favor da juventude.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Padre Roque) – Com certeza isso será feito.
Muito obrigado a todos pela presença.
Está encerrada a reunião.