A libertação do mal com a ajuda da política: um estudo etnográfico na
Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) do Centro de Campinas-SP
Mestrando Saulo Inácio da Silva1
GT 34 - Gênero, fundamentalismos, intolerância religiosa e violências.
RESUMO:
Através dessa etnografia tive a intenção de compreender quem seria o demônio, outro ator social que difere dos valores dos membros da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD). Usarei dessa nomenclatura demônio baseada em elementos da teologia neopentecostal, como a batalha espiritual. Tal duelo de forças não se restringe somente as igrejas, mas acaba por se dirigir à política (mundo profano ou secular), onde esses políticos de Cristo devem combater o homossexualismo, miséria, corrupção, eutanásia, direitos das minorias, feminismo e etc. Desta forma analisei essa ação como característica de um possível neofundamentalismo brasileiro. Porém é importante frisar que não há atos de violência física (apenas violência simbólica) por parte dos membros da instituição religiosa. Analisei através dessa etnografia a relação do outro como o demônio, o causador de males à sociedade brasileira. Procurei nesse relato entender o que é a política para a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD), que aqui analisei através de uma etnografia na sede regional da Igreja no Centro de Campinas-SP.
Palavras-chave: IMPD. Neofundamentalismo. Batalha espiritual. Etnografia
1 Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas) e mestrando no PPGSS em Ciências da Religião na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Desenvolve pesquisa relacionada à relação entre religião neopentecostal, dominação carismática e política, especificamente, sobre a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD). Bolsista da CAPES. Email: [email protected].
Introdução
Através dessa etnografia participativa, sem entrevistas, tive a intenção de
compreender quem seria o demônio, um ator social que difere dos ideais, valores e
comportamentos dos membros da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) do
Centro de Campinas-SP. Portanto realizei uma etnografia a fim de compreender tais
ações na instituição religiosa. Portanto tentei compreender se o diferente (o outro)
tratar-se-ia de um sujeito com características demoníacas. A pesquisa de campo foi
realizada na sede regional da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) no município
de Campinas-SP, localizada em Rua General Osório esquina com Rua Irmã
Serafina, 1287, Centro. Onde frequentei 4 cultos durante 4 domingos dos meses de
abril de 2014 (dias 13/04/2014 e 27/04/2014) e maio (18/05/2014 e 25/05/2014),
cultos matinais das 10:20 hs as 12:20 hs.
Objetivo do relato etnográfico e problemática
Para esse relato etnográfico teve-se a intenção de analisar se tais ações de
negação do outro teriam influências num movimento chamado
"neofundamentalismo". Desta forma a pesquisa de campo teve em segundo
momento investigar como os membros reagem aos discursos neofundamentalistas
proliferados pelos sacerdotes da instituição religiosa neopentecostal, que em muitos
casos levam a negação do outro. Desta forma tais discursos tendem a negar o outro.
Portanto procurou-se nesse relato entender não o que a política deve ser, mas o que
ela é para um determinado grupo (KUSCHNIR, 2007,p.166).
1.Quem é o outro no (neo)fundamentalismo ?
No fundamentalismo clássico protestante, surgido nos Estados Unidos, de
meados do século XIX e começo do século XX, o outro era visto como o inimigo.
Esse outro era todo aquele que não compartilhava dos valores cristãos. Podemos de
forma simples encaixar como o outro: homossexuais, católicos, comunistas,
feministas e entre outros. Contudo esse fundamentalismo era ligado a um literalismo
bíblico e um afastamento do mundo (mídia, política e etc) como argumenta Ivo
Pedro Oro (1996). Já na década de 70, surge uma nova corrente, agora ligada à
entrada na mídia e na politica, ou seja, um fundamentalismo engajado na politica.
Esse novo movimento seria uma reformulação do fundamentalismo, mas agora de
forma a combater todos os outros. Foi chamado de neofundamentalismo por Pace e
Stefani (2002). No Brasil o neofundamentalismo é um fenômeno atual, é frequente
dentro de igrejas neopentecostais e pentecostais, onde há uma indicação de
candidatos políticos por essas igrejas. É o famoso esquema irmão vota em irmão.
Contudo podemos compreender a espera de uma mensagem da instituição aos
membros, para que assim, esses membros elejam os candidatos indicados pela
igreja. Nesse caso, o voto no candidato indicativo pela igreja é o tipo de voto correto.
É um apoio direto as ações da igreja, no que cerne a libertação dos problemas de
ordem demoníacas na sociedade brasileira (ou seja problemas fora das portas da
igreja). Segundo pesquisas de Lívia Reis Santos (2013) acerca do eleitorado
pentecostal, fica claro que os pentecostais não são alienados, na verdade, acabam
por votar num candidato indicado pela igreja a fim de garantir a manutenção da
ordem na igreja. Como parte do funcionamento da igreja, entendem que a
obediência a um líder deve ser seguida à risca; portanto, aceitam a indicação do
voto, não como cegos, mas como membros que colaboram para a coesão da
instituição. Ou seja, o voto é uma adesão à instituição, nas palavras da autora.
Portanto esses candidatos não são alienados, sabem muito bem o motivo de terem
votado no candidato indicado pela instituição. Em alguns casos, como no caso da
Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD), o uso da dominação carismática pelo
Apóstolo Valdemiro Santiago influencia os votos dos membros da igreja.
Nas últimas décadas o movimento fundamentalista tem articulado religião
e política como uma forma de fazer valer os valores cristãos a partir de sua
concepção teológica. É dessa maneira que é possível compreender a sua
forma mais atual: o neofundamentalismo (PANASIEWICZ, 2008, p.7).
1.1 O primeiro contato
Era uma igreja comum como todas que eu já havia frequentado antes, porém,
havia um cartaz com palavras que incentivavam os membros a tirarem seus títulos
de eleitores. No cartaz continha o passo a passo de como tirar o título de eleitor. A
informação estava localizada na entrada e na saída da igreja. A igreja utilizava
dessa ferramenta na intenção de direcionar os membros a elegerem representantes
da igreja. Compreendi que o duelo contra o mal, não se tratava de ser apenas no
espaço do templo, mas dirigia-se até o cenário profano da política. Segundo Costa
(2013), o crente-eleitor apenas espera ordem do pastor/ missionário /apóstolo a fim
de definir em quem ele deverá votar na próxima eleição.
Portanto compreendi que a participação na política é de suma importância
aos membros da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) do Centro de Campinas.
Os crentes sofrem estímulos da instituição para que possam retirar seus títulos de
eleitores e votarem nos membros da igreja. Desta forma podem contribuir para a
eleição de representantes da igreja, que esperam trazer de volta os verdadeiros
valores cristãos à sociedade brasileira. Analisei através dessa etnografia, uma
suposta ação política por parte da instituição religiosa embasada em eliminar o outro
o demônio, o causador de males à sociedade. Esses fiéis acreditam que somente
esses candidatos teriam a capacidade de limpar a sociedade de males como o
homossexualismo2, corrupção, miséria, corrupção, comunismo, eutanásia,
casamento homoafetivo, liberação das drogas e entre outros. Assim como, também,
conseguir incentivos públicos para a construção de novas igrejas.
É importante frisar que os políticos conservadores militantes de hoje só
passaram a fazerem parte de uma frente parlamentar evangélica - FPE, a partir de
2 Tais igrejas usam esse termo no pejorativo, de forma a enxergar a homossexualidade não como
outra orientação sexual, mas sim como uma doença ou uma incorporação de uma entidade maligna que influencia o sujeito a ser de outra forma. Desta forma se usa o termo homossexualismo, como tratando o sujeito como endemoniado ou doente espiritualmente.. Tais demônios não contribuem para a uma plena vida cristã. Ou seja essa outra identidade de gênero não seria cristã. Tal influencia do maligno deve ser limpa. Assim acreditam que para tal limpeza, deve se começar pela sociedade via os políticos de Cristo (explicaremos melhor adiante).
2003. Ela se apresenta como associação civil de natureza não-governamental,
fomentada no Congresso nacional, constituída por deputados federais e senadores.
A FPE promove reuniões, cultos regulares e a conferência anual Conferência
Nacional de Parlamentares Evangélicos. O partido com o maior contingente de
políticos evangélicos na FPE é o Partido Social Cristão (PSC), ao qual sua principal
bandeira é o compromisso com a família cristã (COSTA, 2013).
Cleber Baleeiro (2013) cita que para os fundamentalistas os direitos humanos
estão submetidos às leis de Deus. Se analisarmos as ações da Frente Parlamentar
Evangélica (FPE), vemos a afirmação de visões moralistas cristãs contra minorias,
como o movimento LGBTT, os movimentos feministas, o movimento pró-aborto, os
movimentos em defesa das religiões de matriz africana e etc. Portanto, de acordo
Leandro Seawright Alonso (2013), o ambiente político brasileiro seria uma terra de
demônios a ser combatidos. O neofundamentalismo no Brasil vive sob uma batalha
espiritual, uma luta acirrada entre os anjos compostos pelos políticos de Cristo (irei
explicar abaixo o porquê do termo) e a banda de demônios composta por minorias
que procuraram conquistar direitos.
1.2 Pastores-curandeiros e Políticos de Cristo
Nos cultos dominicais que acompanhei abria-se espaço para pedir a cura
física e espiritual, no caso da prosperidade financeira era de forma discreta, já que
nesse dia não se tratava especificamente disso. Domingo é o dia de clamar ao
Senhor por renovação das forças, por intermédio do Espírito Santo (SANTOS;
DANTAS, 2012, p.11). Os pastores-curandeiros3 realizavam uma libertação das
forças negativas, como passagens por arcos, imposição das mãos do pastor sobre
os membros ou mesmo a passagem do suor do pastor coletado por toalhinhas, que
3 Usou-se esse termo para referir-se a magia na instituição religiosa, que se destaca através de ações de curas espirituais, característica principal da instituição, de acordo com BITUN (2007). Desta forma esses pastores lidam com atos mágicos, focados principalmente na cura física. Um exemplo de atos mágicos para fins de cura física seria o hábito de usar o suor do pastor, que teria poderes mágicos, como já citado na pesquisa, sendo portanto transferido o poder de cura (suor) as toalhinhas e, por fim, passadas em membros enfermos que em muitos casos não podem se dirigir aos cultos. Portanto optou-se por usar pastores-curandeiros em lugar de sacerdotes ou até mágicos.
devem ser passadas nos membros doentes. Os cultos que acompanhei ocorriam no
domingo de manhã, numa sessão direta com o mesmo pastor. Portanto analisou-se
nesses cultos o duelo do bem versus o mal, que segundo Ricardo Mariano (2005) é
a principal característica do movimento neopentecostal. É importante frisar que não
havia exorcismo, como é comum em instituições como a Igreja Universal do Reino
de Deus (IURD).
1.2.2 - O suor e a libertação do mal
Em vários momentos ficou claro que a magia é bastante comum na Igreja
Mundial do Poder de Deus (IMPD) do Centro de Campinas. Em inúmeras vezes o
pastor enxugou o suor de sua testa e entregou a membros da igreja, pedindo para
passarem em pessoas enfermas. Em muitos casos, os membros pediam toalhinhas
da igreja para coletar o suor do pastor. Portanto tal suor era capaz de curar tais
energias que duelam com o mal, e que causa inúmeros problemas como doenças
físicas ou até psicológicas. Para Ricardo Mariano (2005), essa batalha espiritual que
é característica do neopentecostalismo, é também característica do pentecostalismo,
contudo ocorre com mais força nas igrejas neopentecostais, como na Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD), através de entrevistas com entidades e os
exorcismos. Na Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) esses exorcismo são raros
(BITUN, 2007), pois o ponto central aqui são as curas físicas. Mas da mesma forma
há uma demonstração visível de um duelo de forças. Tal duelo de forças não se
restringe somente a igrejas, mas acaba por espreitar para o mundo profano da
política. Não há diretamente um grande medo de que o contato com o outro possa
trazer males físicos e espirituais, mas, contudo há ressalvas dos membros a
respeitos de indivíduos com valores não-cristãos. Analisou-se que os membros
possuem receio desse outro, mas não há uma guerra física ao outro. Apenas
ressalvas.
Com efeito, a IMPD herdou da IURD o uso de fetiches(...). No entanto, um
em particular chama a atenção: o lenço ungido ou a toalinha que é
utilizada quotidianamente com o fito de obtenção de cura, associada ao
carisma ou o mana [força divina] do apóstolo Valdemiro Santiago e de
seus franqueados, ensejando a crença popular na magia e a prática
mágica dos especialistas da instituição, mas sobretudo, evidenciando a
existência efetiva da magia nesse nicho neopentecostal. (LOPES, 2013,
p.3).
1.2.3 Pastores Imitadores do Apóstolo Valdemiro Santiago
Nesses quatro domingos tive a sensação que já havia visto de longa data o
bispo/pastor4 responsável pelo culto, mas na verdade tratava-se de ações em
mimetismo ao bom humor, carisma e desenvoltura do Apóstolo Valdemiro Santiago.
● O humor: em determinados momentos o bispo/pastor comentava de sua
vida no nordeste, contava histórias jocosas de seus familiares, exemplo: como suas
irmãs alisavam os cabelos e dos odores que saiam dos cabelos queimados, não
havia chapinhas naquela época, assim ele diziam com todo o bom humor. O pastor
contou que ganhou uma pizza e que os obreiros haviam comido, e queria saber
quem foi. O pastor chegava até a fazer dramatizações, muito bem humoradas na
intenção de pregar e de falar sobre as campanhas da igreja. Essas ações levavam
os fiéis às gargalhadas.
● O pastor nos meio das ovelhas: em determinados momentos observei o
pastor conversando tranquilamente no meio do culto com membros. E adiante pude
perceber que ele caminhava livremente. Sempre conversando com os fiéis. Em
vários momentos o pastor chamava carinhosamente as senhoras de minha mãe e os
senhores de meu pai. Havia uma reciprocidade por parte de todos. Não havia a
quantidade de abraços como no caso do Apóstolo Valdemiro Santiago.
1.2.4 Limpeza espiritual
4 Refiro desta forma, pois não ficou claro o cargo hierárquico do sacerdote. Contudo em muitas vezes
era denominado como pastor pelos membros. Mas em outros casos por conta de sua liderança, aproximava-se de um cargo mais elevado como bispo. Por fim não foi definida sua titulação.
No dia 27/04 a igreja utilizou de arcos na intenção de combater os demônios;
quem passava pelos arcos era limpo do mal, ao redor do arco havia pastores e
obreiros profundamente em contato com o Espírito santo, intercedendo com
orações. Passei pelos arcos como todos os membros e pude notar a fé dos
membros e a intercessão dos pastores e obreiros. Como no mesmo dia pude
perceber os gritos de vitória dos membros ao serem revelados pelo pastor que a
Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) havia conseguido um espaço num canal, e
que nesse caso não seria prejudicada pela outra igreja. Essa outra igreja nunca é
citada, mas fica às claras que se trata da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
Observei que os membros ficaram eloquentes com a noticia. Reparei que uma
jovem olhou-me de forma preocupada, pois eu não estava na mesma energia que
eles.
(...) uma peculiaridade de bastante relevo nos cultos neopentecostais que
tange a magia, mas que é salientada sobretudo nos ritos de cura, é a
questão etiológica de seu diagnóstico naquilo que concerne às mazelas de
um modo geral, e em relação às doenças que acometem o homem, de
modo particular. Assim, atribui aos demônios toda a sorte de infortúnios,
seja na área afetiva, econômica, e, ainda mais em relação à saúde
(LOPES, 2013, p.3).
Portanto compreendi que haveria duas formas de eliminar os elementos
malignos. Através de atos de curas mágicas, como puder presenciar. Mas pude
compreender que a política é fundamental como forma de “exorcizar” tais demônios
que andam sobre a sociedade brasileira. Compreendi que a magia nos cultos age
sob influência do Espírito santo (LOPES, 2013). Assim como pude compreender que
cada político da igreja também age também sobre a influência do Espirito santo.
Portanto o combate ao mal é realizado dentro da igreja pelos pastores da igreja e na
sociedade é combatido de forma política pelos representantes da instituição. O que
denominamos de O Político de Cristo , Segundo Leonildo Silveira Campos (2002)..
1.3 O "politico de Cristo" e as primeiras características
Dei origem a minha jornada etnográfica num domingo calorento do dia
13/04/2014. Na espera do culto algo me chamou a atenção, novamente um objeto
ligado à política, não era o cartaz, dessa vez era um cavalete. O cavalete continha a
foto de um pastor eleito vereador de Campinas. O cavalete ficava num ponto onde
não havia como não contemplar sua foto e anotar as informações sobre os dias que
o pastor estaria em seu escritório para receber o povo. Contudo logo surge um
homem de meia idade de cabelos grisalhos de origem humilde, justificado pelas
roupas simples que ele usava. O homem puxa papo para saber se sou novo na
igreja, eu apenas disse que estava fazendo uma visita e que era de outra
denominação evangélica. O papo foi simples, não quis continuar o papo, pois não
haveriam entrevistas na pesquisa. Contudo tive que retribuir a educação e perguntar
se ele frequentava a igreja ou era visitante (nessa pesquisa foquei em ser visitante e
apenas observar, para entender melhor as ações políticas dos religiosos) como eu.
O homem disse que frequentava a aproximadamente 2 anos. Num intervalo de
espera ao fim do culto das 8:00 horas, que iria demorar muito tempo devido a santa
ceia que estava acontecendo nesse domingo, surge um homem bem vestido com
um impecável terno preto, falando com o povo e andando no meio deles. Conclui
que se tratava de um político, um candidato populista.
O sujeito andava livremente e cumprimentava homens, mulheres, jovens
(nesse dia havia poucos, apenas o grupo de jovens da própria igreja) e crianças. O
homem passou por mim e cumprimentou-me educadamente como fez com os
demais. O membro que estava ao meu lado, intercedeu quebrando o gelo, "Esse é
o Pastor Jeziel Silva5 !Ele é vereador aqui em Campinas, é representante da igreja!".
Eu apenas concordei e balancei a cabeça em sinal de entendimento e respeito. O
pastor dirigiu-se à saída da igreja de forma modesta. Observei que alguns membros
conversavam com o homem alto, mulato e de aproximadamente seus 45 anos. O
5 Disponível em : http://www.campinas.sp.leg.br/institucional/vereadores/jeziel-severino-da-silva. Acesso em: 3 ago. 2016.
candidato era conhecido e respeitado pelos membros da igreja. Tratava-se de um
Político de Cristo. Seu nome era Pastor Jeziel Silva (PP).
Segundo Costa (2013) devemos compreender que existem dois tipos de
políticos evangélicos no cenário político brasileiro: o político evangélico que
representava candidatos na época da República Velha (1889-1930), aos quais não
tinham tanta expressividade e de certa forma eram minorias que não representavam
diretamente a igreja; e os políticos de Cristo, esses últimos possuem enorme
expressividade e desenvolveram-se a partir da promulgação da Constituição de
1988, a principal característica entrelaçada a esse atores, é ao fato de serem
escolhidos, eleitos e afastados da igreja que comanda sua ação política.
Mediante a leitura e interpretação da comunicação “Os políticos de Cristo –
uma análise do comportamento político de protestantes históricos e pentecostais no
Brasil”, de Leonildo Silveira Campos (2002), compreende-se que existem dois tipos
ideais (o autor usa a metodologia e o vocabulário de Max Weber para fazer suas
considerações) de políticos de origem protestante no cenário político brasileiro: o
político evangélico e o político de Cristo.
O político evangélico, que representava candidatos na época da República
Velha(1889-1930). , os quais não tinham tanta expressividade e de certa forma eram
minorias que não representavam diretamente a igreja.
Já os políticos de Cristo possuem hoje enorme expressividade e se
desenvolveram a partir da promulgação da Constituição de 1988, como exemplo há
a participação política da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) na política
nacional. Para o político de Cristo só importa atuar num partido que traga chances
reais de o fazer eleito (BAPTISTA, 2007). Contudo é importante frisar que esses
candidatos tendem a escolher partidos de direita. Somente esse sujeito seria
capacitado, segundo interpretação particular de uma igreja, para estabelecer a paz e
a prosperidade aos fiéis e, por extensão, à sociedade. Ele tem a função de expulsar
os demônios da sociedade. Saulo Baptista (2007) lembra que muitos parlamentares
evangélicos, hoje, usam bandeiras em comum, independentemente de partido
político, para trabalhar dentro de um viés que facilite a defesa da família, da moral e
da religião cristã, objetivando o poder e a visibilidade dos líderes religiosos de suas
respectivas igrejas. Herança que vem desde os trabalhos da Assembleia Nacional
Constituinte (1987), na qual os deputados evangélicos erguiam bandeiras em
comum, como o combate do mal e a defesa dos costumes tradicionais cristãos.
Apareceram as ‘bancadas evangélicas’, formadas pelos “políticos de Cristo” de
origem pentecostal, possibilitando reforçar o velho sonho sectário: eleger um
Presidente da República evangélico. Trata-se, porém, de um sonho com lastro
messiânico-milenarista, no qual há sempre o “salvador da pátria”, no caso, um
“político de Cristo”, o qual iniciará uma “nova estirpe” (CAMPOS, 2002, p. 7).
1.4 Os membros-eleitores
Pude observar atentamente aos membros da igreja e, conclui que eram na
maioria pessoas de origem humilde (classe C e D), alguns eram de origem
interiorana e, inclusive, usavam chapéus baseados na vestimenta do Apóstolo
Valdemiro Santiago. Investiguei que havia poucas pessoas de classes mais
abastadas. Eram na maioria, negros, mulatos, caboclos, brancos, magros, gordos,
baixos e senhoras de idade acompanhadas de filhos e netos, e também, famílias
com no máximo 3 filhos (sendo crianças ou pré-adolecentes). Havia poucos
adolescentes e jovens. Pude perceber que a Igreja Mundial do Poder de Deus
(IMPD) continha o público originário do pentecostalismo estadunidense do começo
do século XX ( ou seja era formada por classes menos abastadas). Por fim tratava-
se de um público extremamente carente de bens materiais, saúde, lazer, educação
entre outras questões sociais. Haviam muitos depoimentos humildes e
profundamente sinceros que pude presenciar. Portanto observei que muitos haviam
mudado de vida: recuperado de problemas de saúde, drogas, financeiros, judiciais e
etc. Esses membros iam à igreja na busca por curas e prosperidade financeira, e em
seguida enxergavam a política como forma de garantir o sucesso da igreja na
sociedade, graças a sua melhora econômica, física e espiritual. Desta forma não
haveria como não negar o voto a tal candidato. Assim como passariam a acreditar
que no templo as libertações do mal são realizadas pelo sacerdote. E Já na política,
que é um meio que está próximo de elementos malignos que podem atrapalhar sua
vida social, seria preciso o Político de Cristo. Contudo como já citado acima, muitos
acreditam que um político de Cristo representante da igreja, também, pode contribuir
para a proliferação de templos, por conseguir auxílios do governo.
2. Negação dos membros à participação popular nas ruas no dia 1º de maio,
Dia do trabalhador.
Pude compreender como o discurso do pastor da instituição possui força
capaz de proibir os membros de participarem de lutas sociais, como os eventos em
comemoração ao Dia do trabalhador (1º de Maio). Na pesquisa de campo do dia
27/04 o bispo/pastor da sede regional pede, indiretamente, que os membros não
participem das manifestações políticas no dia 1º de maio. O bispo convida os
membros a estarem presentes na igreja nessa data para orarem. Em contrapartida o
bispo/pastor lembra os fiéis que haverá nessa data a campanha das Maravilhas na
qual cada membro deve ofertar o valor de R$:153, 00, numa analogia a quantidade
de peixes que foram pescados pelos discípulos de Jesus Cristo na segunda tentativa
de apanhar peixes, presente no Evangelho de João no capítulo 21. Essa questão
estaria ligada a prosperidade. Desta forma são distribuídas bandeirinhas similares as
bandeirinhas em apoio aos trabalhadores, para que os membros participem da
campanha. Pois para os membros-eleitores não é preciso ir às ruas, já que eles
possuem um candidato representante da igreja.
3. A falta de espaços entre as mulheres e os homens na instituição religiosa
pesquisada.
Já quanto a hierarquia da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) é diferente
da igrejas protestantes tradicionais (como batistas, presbiterianos, luteranos e
demais), está estruturada da seguinte forma, o Apóstolo (Valdemiro Santiago) é o
chefe supremo, é o responsável pelo rebanho (todos os membros). Já abaixo na
hierarquia estão os bispos e bispa (só existe a Franciléia, que é esposa do Apóstolo
Valdemiro Santiago, assim na IMPD ou na maioria das igrejas neopentecostais as
mulheres só chegam a um cargo em detrimento do cargo do marido, sendo sempre
é um cargo menor, assim, como Valdemiro Santiago é o único chefe supremo, ela só
poderia ser a única Bispa do ministério). As outras mulheres só podem ser pastoras,
missionárias ou obreiras, e devem cuidar das regiões e estados brasileiros; os
pastores e pastoras cuidam dos ministérios pequenos nos bairros; e por fim os
obreiros ajudam os pastores nas atividades pastorais. São esses os responsáveis
pela instituição religiosa (SANTOS; DANTAS, 2012, p.4).
Pelo que pude observar na etnografia, não havia pastoras e nem missionarias
presentes, as mulheres que frequentavam o espaço eram bem recebidas, iam bem
vestidas, algumas eram inclusive jovem adultas. E as demais casadas e até
solteiras. Mas muitas das mulheres eram senhoras. Havia um número pequeno de
adolescentes do sexo feminino, boa parte pertencia ao grupo de jovens da igreja,
mas não possuíam altas funções. Eles eram responsáveis pelo cuidado com os
membros e com a manutenção da igreja. Eram responsáveis em manter o pleno
funcionamento do culto. As obreiras da igreja (responsáveis pelo pleno
funcionamento) usavam uma camiseta cinza por baixo, um colete azul escuro por
cima e uma calça da mesma cor do colete. O uniforme diferenciava essas mulheres
das demais. Eram essas obreiras, na maioria, mulheres de meia idade, contudo
havia um numero mínimo de jovens adultas.
4 - O demônio é o outro?
Contudo no caso do neofundamentalismo, os causadores de catástrofes
sociais seriam, portanto os outros, já que não possuem os mesmos valores cristãos
que os neofundamentalistas acreditam serem os certos. Não existem atos de
violência física entre esses políticos de Cristo, apenas ocorrem discussões
acaloradas, que demonstram o quanto há mais brigas em Brasília (nesse caso
estamos falando de nível federal, mas em caso estadual ou municipal seriam da
mesma forma) do que reuniões pacificas com políticos de diferentes opiniões
(principalmente políticos de esquerda que defende a independência das mulheres,
os direitos dos LGBTTs e a tolerância às religiões afrobrasieliras e entre outros.
Por fim não observei nos cultos nenhum discurso que instigasse a guerra
física a esses outros. Apenas ficou clara a disputa de forças e a guerra espiritual no
mundo mágico. Já quanto em nível político ficou claro que demostram não gostarem
desses atores, contudo toleram.
Conclusão
Assim como em nós há um estranhamento diante do outro, também há na
IMPD, um eucentrismo. Porém dentro do neofundamentalismo analisado via o
neopentecostalismo (da qual há essa dualidade de forças do bem e do mal) da qual
a IMPD faz parte, compreendi que somente um representante da igreja pode
conduzir os membros a uma sociedade verdadeiramente cristã. Desta forma o
diferente, que não é cristão como eles desejam, não é aceito. Sua aceitação daria
apenas via a uma conversão, onde seriam impostas novas verdades. Esse eu da
IMPD não pode ser homossexual, ser contra o aborto e nem a favor das drogas e
etc. O outro é visto como um mal que deve ser purificado, limpo de maneira
espiritual (na igreja) e através de ações políticas que visem os direitos aos crentes a
uma sociedade enviesada nos valores cristãos.
O fundamentalismo é um assunto que gera debates, temos em mente a visão
do senso comum, no qual o fundamentalista ou neofundamentalista (como usamos
aqui) é sempre nefasto por aceitar uma ideologia que não respeita o outro, que
nunca irá ao encontro do outro. Contudo nessa pesquisa percebe-se que, sim, há
uma negação ao outro, podemos relembrar nesse momento alguns atos de violência
simbólica que lemos ou assistimos na TV, contudo não passa disso. O
neofundamentalista, assim como o fundamentalista clássico sempre negará o outro,
mas não prega uma ideologia focada na destruição do outro. Há somente um ideal
de limpeza espiritual. O demônio estaria no outro, mas apenas isso. Desta forma o
outro deverá ser limpo, para que haja uma sociedade focada num ideal cristão. Não
podemos negar o caráter de intolerância, mas devemos acrescentar que a igreja é
aberta a todos. Por fim nega-se o outro, mas não foca-se numa guerra ao outro,
contudo em alguns casos podemos ver indivíduos com tais ações de cunho violento,
contudo não seriam as bases centrais do fundamentalismo protestantes e nem do
neofundamentalismo como estudado aqui, seriam casos isolados. Desta forma o
outro sempre será perigoso. Deve sempre se ter cuidado com ele. Mas como já dito
anteriormente, é tolerado com amor, por ser também filho de Deus, como prega o
cristianismo.
Por fim o foco principal da pesquisa foi a antropologia da religião e da política,
como o leitor pode observar claramente. Desta maneira através dessa etnografia se
procurou compreender o papel da religião dentro de um grupo religioso
neopentecostal, como também a compreensão do neofundamentalismo pelo grupo.
A etnografia teve o intuito de pesquisar quem seriam esses indivíduos diferentes
(denominados aqui como o outro ou o demônio) e como a igreja compreende o
outro, em muitos casos usando da força política para exorcizá-lo. Ou seja, a única
forma de por um fim em seus direitos.
Referências
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