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    Revista Eletrnica do Programa de Ps-Graduao em Museologia e Patrimnio PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 1 2011 117

    Preservao do patrimnio histrico no Brasil: estratgiasPreservation of Brazils historical heritage: strategies

    Antnio Carlos de Carvalho*

    Resumo: Este trabalho trata de Patrimnio Histrico no Brasil considerando aimportncia da histria local que acertadamente uma referncia na poltica depreservao do Patrimnio Histrico Cultural, o que implica abordar a questo dasregies histricas !com sua definio !e o plano poltico da descentralizao voltadopara o entendimento de preservao dessas regies. Foi mencionado o valor dalegislao a respeito da salvaguarda dos bens culturais no Brasil !as Constituies,de 1934 e de 1937, e do Decreto-Lei 25/1937, principal instrumento jurdico usado athoje pelo IPHAN, com o objetivo de articular o tema de patrimnio com culturanacional e o projeto de descentralizao do poder do Estado como uma tendncianatural das democracias modernas. O novo perodo sobre a trajetria do patrimnioocorre com a Constituio de 1988 que , sem dvida, a nova fase cultural brasileirado ponto de vista legal, quando aborda os bens imateriais pela primeira vez. Esteartigo s enfoca, entretanto, os bens materiais.Palavras-chave: Patrimnio histrico; descentralizao; regies histricas; bensculturais

    Abstract: This work deals with Heritage in Brazil, considering the importance of localhistory which rightly is a reference in the policy of preserving the Cultural Heritage,which means addressing the issue of historical regions! with its definition and politicaldecentralization toward the understanding of conservation of these regions. Mentioned

    the value of legislation concerning the safeguarding of cultural property in Brazil!

    theConstitutions of 1934 and 1937, and Decree-Law 25/1937, the main legal instrumentstill used by IPHAN, in order to articulate the theme equity in national culture anddesign of decentralization of state power as a natural tendency in moderndemocracies. The new period of the trajectory of the assets occurs with the 1988Constitution which is undoubtedly the new phase of Brazilian cultural legal standpoint,when intangible property deals first. This article only focuses, however, the materialgoods.Keywords: Cultural heritage, decentralization, historical regions, cultural goods

    1 Patrimnio historico e sua legislao

    O tema da Preservao de Patrimnio Histrico no Brasil abrange dois

    perodos distintos: o que vai de 1937 a 1970 e de 1970 a 1980, e implica, para ser

    analisado, uma viso poltica da legislao produzida sobre patrimnio histrico e

    artstico nacional. O instituto do tombamento foi estabelecido pelo Decreto-Lei Federal

    n 25, de 30 de novembro de 1937, poca ditatorial de Getlio Vargas, que organiza e

    d proteo ao patrimnio histrico e artstico nacional, cujo idealizador foi Rodrigo de

    Mello Franco de Andrade.

    *Doutor em Histria; Unirio.

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    O Decreto-Lei Federal n 25 a primeira norma jurdica de que se dispe

    objetivamente sobre patrimnio, faz referncia acerca da limitao administrativa ao

    direito de propriedade e define patrimnio histrico e artstico da Unio como conjunto

    de bens mveis e imveis existentes no Pas e cuja conservao seja de interessepblico, quer por seu excepcional valor arqueolgico ou etnogrfico, bibliogrfico ou

    artstico (BRASIL, 1937). Trata-se de Lei federal determinando o sujeito de controle

    do patrimnio histrico. O instituto do tombamento surge para dar ao Estado o direito

    de proceder ao tombamento de bens de particulares.

    As polticas pblicas de preservao de bem cultural dizem respeito ao conceito

    de patrimnio adotado pelo Estado, em tempo do Estado Novo. Mrio de Andrade, em

    1936, elaborou um anteprojeto cujo objeto era a criao de um servio para defender e

    conservar o patrimnio artstico nacional, o que, em sua essncia, j revelava a

    preocupao do artista modernista de 1922 com a defesa de bens culturais de

    identidade nacional. Embora esse anteprojeto no tenha sido aprovado, ele no

    perdeu o valor de documento para contextualizar a histria de patrimnio nacional.

    O Estado Novo j se autoproclamava guardio dos ideais nacionais, do

    incremento e da defesa da produo nacional. A intelectualidade brasileira, na poca,

    buscava os fundamentos que dessem especificidade nao brasileira. Foi a etapa da

    redescoberta do Brasil, de sua histria, geografia, lngua, literatura, etnia, economia,sade, poltica, cultura; enfim, de tudo que explicasse a realidade do nosso pas.

    Patrimnio, determinismo, evolucionismo e darwinismo social tornaram-se

    mecanismos de explicao(DE LUCA, 1999).

    Do Decreto-Lei n 25 (BRASIL, 1937) vem a evidncia da restrio do direito

    de propriedade, como consequncia do ato de tombar. O tombamento, como ao do

    Estado por decreto, no chega a absorver a vontade da populao, nem cria

    mecanismos internos ao seu discurso de proteo da convivncia harmnica entre um

    bem cultural de expresso do colonizado europeu e os colonizados em processo de

    busca de identidade nacional, em tempo de busca de identidade nacional, mas j

    oferece meios importantes para no apagar ou rasurar um patrimnio que se vai

    tornando referncia para o homem brasileiro.

    O instituto do tombamento encontrado no Decreto-Lei n 25/1937,

    complementado, em 1941, pelo Decreto-Lei n 3.866 (BRASIL, 1941) que dispe

    sobre o cancelamento do tombamento pelo Presidente da Repblica e, em 1975, pela

    Lei n 6.292 (BRASIL, 1975), que introduz homologao ministerial no procedimentodo tombamento, est vigente no Brasil h mais de 50 anos e nunca foi

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    substancialmente alterado por norma posterior, exceto em relao s leis

    mencionadas que, basicamente, o complementaram. Desde sua edio, o decreto

    vem sendo utilizado pela administrao pblica para efetivar os tombamentos federais.

    Na Constituio Federal de 1988 tambm se encontram preceitos

    relacionados ao instituto do tombamento: em seus artigos 5, XXIII e 170, III, a funo

    social da propriedade destacada, por isso se pode entender que a propriedade

    tombada visa a garantir a proteo ao patrimnio histrico e cultural do pas. O art.

    216 preceitua taxativamente quais as formas de cultura que podem ser alcanadas

    pelo instituto do tombamento; e, dentre outros, o artigo 30, inciso IX que dispe da

    competncia para promover a proteo do patrimnio histrico-cultural local (BRASIL,

    1988).Portanto, a poltica de preservao do patrimnio cultural e natural da

    humanidade instituda pela UNESCO (1946) e, mais tarde, a Conveno de 1972 e

    suas determinaes colaboraram indiretamente com o tombamento das nossas

    cidades histricas. A UNESCO, em 1968, incluiu a cidade de Ouro Preto na lista de

    Patrimnio da Humanidade.

    relevante considerar que as inmeras Cartas Intencionais sobre o

    Patrimnio Histrico, as Convenes da UNESCO, de 1972, a ideia de Patrimnio da

    Humanidade, a Misso da UNESCO, de 1967, chefiada por Michel Parent (1984),

    foram decisivas para que o conceito de patrimnio fosse ampliado.

    verdade que muitos pases fizeram esforos considerveis para a proteo

    dos monumentos da humanidade, e, na atualidade, no h povo algum que no esteja

    orgulhoso do seu patrimnio histrico e que no afirme a importncia dele na vida

    cultural. A singularidade da UNESCO est na sua vocao de zelar pela conservao

    e proteo do patrimnio mundial.

    2 Patrimnio e cultura

    As exigncias econmicas decorrentes da expanso da espcie humana

    ameaam apagar os vestgios das civilizaes passadas, e, ao mesmo tempo, o

    progresso tecnolgico cria medidas particularmente eficazes, para que sejam

    conhecidas as riquezas culturais e para assegurar sua conservao.

    Passa-se a lutar, desta forma, pela manuteno do patrimnio histrico de

    uma maneira descentralizada. A ideia de descentralizao fortalece-se atravs da

    realizao do Compromisso de Salvador (COMPROMISSO..., [1971]) que se ateve

    necessidade dela. Justifica-se a descentralizao por causa das diferenas sociais,

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    econmicas e culturais das diversas regies do nosso pas e da grande escassez de

    recursos financeiros destinados poltica de preservao cultural.

    A proposta da criao de regies histricas como fator de descentralizao

    impediria, de certa maneira, o enfraquecimento da socializao do patrimnio e

    aumentaria a viso do local histrico como noo de cidade-documento. Os

    municpios integrados por regio viabilizariam as funes propostas para o patrimnio:

    mais nitidez para a leitura do territrio nacional e, com isso, uma resistncia maior ao

    processo de globalizao; retomada da imagem de outrora e recuperao das

    culturas, que se constiturampor fora de economia colonial, resultante da ocupao

    da terra descoberta pelos portugueses, como, por exemplo, a regio do garimpo e da

    cana de acar.

    Por outro lado, a histria local passa por uma renovao com o conhecimento

    da realidade local, que a acertada e autntica medida inserida na poltica de

    preservao do Patrimnio Histrico Cultural deu incio a uma nova era do processo

    poltico histrico-cultural.

    Pela histria local e regional passa a autntica definio da identidade e da

    diversidade cultural de cada comunidade que se fortalece e resiste s influncias

    externas; o enfraquecimento do peso esmagador da padronizao cultural; a

    revalorizao histrica da cultura. Constitui-se, sem dvida, com a proposta dessas

    regies, a base do plano poltico da descentralizao. A dificuldade ainda a

    tendncia centralizadora que se manifesta no fato de haver pouca legislao voltada

    para elas.

    A cidade histrica de Paraty, por causa de seu imponente conjunto histrico-

    arquitetnico, um referencial para um projeto de poltica de descentralizao,

    envolvendo os municpios como locais histricos, no campo da preservao do

    patrimnio nacional: cultural e natural.Cresce a idia de observar o patrimnio como documento, principalmente nos

    anos de 1980. Os locais histricos deixam de ser imagens idealizadas, constituem-se

    lugares socialmente produzidos, e as comunidades reconhecem neles uma linguagem

    de identificao.

    Em 1970, quando ocorre a criao do Programa de Cidades Histricas,

    decorrente das influncias da UNESCO e das Cartas Internacionais, inicia-se uma nova

    fase quanto s polticas pblicas de preservao. A partir da fica mais claro compreender

    a importncia dos valores socioeconmicos como funes do Patrimnio Histrico.

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    A Carta Constitucional de 1988 foi um grande avano, pois retoma

    pressupostos sugeridos por Mrio de Andrade, em 1936, e por Alosio Magalhes, nos

    anos 1980, quando ambos, em momentos distintos, observavam que a ao em

    defesa do patrimnioindepende da ao de tombamento.

    No Anteprojeto de Mrio de Andrade, verifica-se a importncia da definio de

    obra de arte patrimonial aliada ao enunciado de oito categorias de arte !arqueolgica,

    amerndia, popular, histrica, erudita nacional, erudita estrangeira. Desse anteprojeto

    j se depreende a definio e a finalidade do Servio de Patrimnio Artstico Nacional

    !SPAN !, a composio do seu conselho consultivo por historiadores, etngrafos,

    msicos, pintores, escultores, arquitetos, arquelogos, gravadores, artesos e

    escritores.

    Antes de Mrio de Andrade, apenas iniciativas isoladas e particulares

    marcaram as intervenes pioneiras na preservao de algum tipo de patrimnio

    brasileiro. As suas formulaes tinham caractersticas que ainda se mantm atuais e

    que, inclusive, s foram sistematizadas cinquenta anos mais tarde.

    O IPHAN, assim que foi criado, enfrentou o desafio de estimular a

    participao social na preservao cultural, o desafio ideolgico de identificar um

    patrimnio cultural brasileiro e o desafio administrativo de manter uma estrutura

    eficiente.

    Nos anos de 1970, quando o modelo econmico entrou em crise e o Governo

    Federal no conseguiu frear o processo inflacionrio e o endividamento externo,

    ocorreu uma queda na eficincia das polticas pblicas, o que gerou uma progressiva

    mobilizao social. Em termos de poltica de preservao, surge a necessidade de

    modernizar o conceito de preservao.

    Desse contexto histrico destacam-se as ideias de descentralizao e

    influncia internacional da UNESCO. So exemplos da ideia de descentralizao o

    Programa de Cidades Histricas e o seu aproveitamento turstico.

    O Centro Nacional de Referncia Cultural !CNRC ! foi apoiado inicialmente

    pelo Ministrio da Indstria e Comrcio, e no pelo Ministrio da Educao e Cultura

    que permanecia, ainda, operacionalmente tradicionalista.

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    A fuso do CNRC e do PRCH ao IPHAN trouxe o entendimento da cultura

    como um processo de continuidade e diversidade. O entendimento de patrimnio

    cultural foi sendo refeito, e, por consequncia, uma paisagem rural ganhou o alcance

    de valor cultural a ser preservado tal qual j se dava com um monumento isolado.

    A Carta de Veneza de 1964, depois reforada pela Declarao de Amsterd,

    do Conselho da Europa de 1975, quando trata da Conservao Integrada atravs de

    um relacionamento com o Planejamento Urbano e Regional, o denominado Patrimnio

    Integral, a referncia histrica da abrangncia do novo entendimento de patrimnio

    cultural.

    Dois fatores foram responsveis pelo novo enfoque poltico. O primeiro fator

    foi a constatao da inviabilidade de preservao do monumento isolado, frente aocrescente aumento demogrfico urbano, com suas descaracterizaes agressivas e

    com a renovao do acervo edificado. O segundo diz respeito nfase maior

    valorizao do bem cultural de sentido social, diga-se popular, frente quele de origem

    erudita, de valor esttico ou histrico, at ento tido como o de maior ou exclusiva

    importncia.

    Desde 1937 vrios ncleos e centros de valor paisagstico, urbanstico e

    arquitetnico foram tombados. Como tais ncleos ou stios localizavam-se em reas,

    econmica e socialmente marginalizadas, em uma primeira fase, entre 1950 e 1960,

    os problemas que neles se apresentavam como mais srios eram, principalmente, os

    de manuteno das edificaes mal conservadas, muitas vezes dificilmente usadas.

    Somente no final dos anos 1960 e incio dos anos 1970, o IPHAN comeou a

    elaborar planos urbanos, ou regionais, que incorporassem tais stios. Os planos nem

    sempre resultaram em medidas objetivas, em legislao municipal. Se em alguns

    ncleos, por exemplo Paraty, alcanou-se a promulgao pela municipalidade da lei

    do uso do solo, em outros stios como Ouro Preto, tal medida no foi alcanada pelaCmara local

    A legislao do patrimnio histrico e artstico nacional refletem o contexto

    poltico. Do Decreto-Lei n25/1937 (BRASIL, 1937) vieram a fundamentao das

    normas de preservao e o instituto de tombamento como mecanismo de controle do

    Estado Novo.

    A anlise dos resultados da aplicabilidade do decreto de 1937 leva a constatar

    certo abandono dos bens tombados, cuja justificativa pode ser o fato de esses bens seencontrarem em reas economicamente desprestigiadas. Depois, de 1950 a 1960, a

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    ao dessa poltica diminuiu, porque se vivia um momento de crescimento industrial e,

    portanto, o patrimnio de interesse era o produto das fbricas. As cidades de

    importncia cultural, como Ouro Preto, Paraty, Mariana e Olinda tornaram-se, com a

    construo de estradas federais, mercadorias das empresas de nibus interestaduais,para o desenvolvimento do turismo interno.

    Consta-se a falta de planejamento para a restaurao de edificaes, dentro da

    concepo da SPHAN, patrimnio histrico e artstico. H um descompasso entre o

    habitante de baixa renda dessas edificaes e as determinaes, nem sempre

    objetivas, fixadas pelo Servio Nacional de Preservao pressionado pela UNESCO.

    Ainda quanto legislao, observa-se que o interesse pela salvaguarda dos

    bens culturais no Brasil j estava nas Constituies de 1934 e de 1937. A de 1934declarou que as obras de arte no poderiam sair mais do Brasil e introduziu o

    abrandamento do direito de propriedade nas localidades histricas de Minas Gerais.

    Tal disposio foi sancionada na Constituio de 1937, tornando primordial, ou

    decisiva, para a proteo do patrimnio brasileiro, na medida em que submeteu o

    instituto da propriedade privada ao interesse coletivo, portanto com a ingerncia do

    Estado.

    Tal entendimento jurdico, que gerou os processos de tombamentos, veio do

    Decreto-Lei 25/1937, principal instrumento jurdico usado at hoje pelo IPHAN, criado

    em 1936, quando Gustavo Capanema era Ministro da Educao e Sade no governo

    de Getlio Vargas.

    O exame da legislao dos dois perodos serve de referncia para o projeto de

    descentralizao do poder do Estado como uma tendncia natural das democracias

    modernas e, portanto, se tem uma viso da problemtica em questo distanciada da

    legislao da preservao do patrimnio.

    A pesquisa da documentao relativa poltica de preservao, referente a1964, 1975, 1976, permite afirmar que o marco de inovao a Carta de Veneza, de

    1964. Os stios urbanos e rurais, obras modestas, mas de importncia cultural,

    igualaram-se, em valor cultural, aos monumentos. A vizinhanadesses stios tornou-

    se objeto de preservao. Infere-se da anlise dessa Carta uma concepo mais

    abrangente de monumento que escapa do sentido restritivo atribudo pela Histria dos

    grandes eventos como, por exemplo, a descoberta da Amrica ou o Grito do Ipiranga

    no Brasil.

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    A inovao da Declarao de Amsterd, em 1975, est na proposta da

    preservao integrada ao planejamento do uso do solo e ao planejamento urbano e

    regional; valorizao do bem de representao popular frente quele de origem

    erudita, de valor esttico ou histrico, considerado de maior importncia. Assim,ncleos urbanos, cidades histricas, conjuntos arquitetnicos ou urbansticos

    passaram a ter a mesma proteo que era concedida s obras eruditas.

    Da Recomendao da UNESCO, de 1976, aprovada em Nairobi, o destaque

    a vinculao com a poltica habitacional, ou de uso do solo, com o desenvolvimento,

    como o crescimento da populao. Da, para o sucesso dessa inovao tornar-se

    prtica afirmativa, as instncias administrativas devem considerar a populao

    integrada aos stios histricos e estes, vida contempornea.

    Do Encontro de Governadores, em Braslia, 1970, e em Salvador, 1971, vem a

    semente do programa de recuperao das cidades histricas: um programa

    descentralizador, que no deixou de gerar certo desconforto com a canalizao de

    recursos para capelas de fazendas, de usineiros, na regio nordeste. Pode-se atribuir o

    fato de o programa no ter se realizado plenamente no s falta de polticas

    especficas, mas tambm certa indiferena com a sabida relao ntima entre o bem

    cultural e a histria de um povo.

    A leitura da Declarao, aprovada na Conferncia de Bogot, em 1978, serve

    tambm como argumento para defender o reconhecimento da constituio do espao

    habitado em regies histricas pela via da cultura. O conceito de cultura, neste artigo,

    limita-se sua contextualizao, ao seu uso no discurso desenvolvido pela palavra

    dessa Declarao. A limitao obriga a aceitar que a cultura d visibilidade ao

    humana na paisagem entendida como espao.

    Com a vontade de no deixar sem respostas questes to complexas, oportuna

    a recorrncia ao romance O Levantado do cho, de Jos Saramago, publicado em 1980,que comea a narrativa sobre a saga dos alentejanos, no latifndio de Monte Lavre, da

    seguinte maneira: O que mais h na terra, paisagem. Por muito que do resto lhe falte, a

    paisagem sempre sobrou [...] de tanto existir, no se acabou ainda (SARAMAGO, 1989).

    Adiante, o narrador apresenta as cores da paisagem pelas pocas dos anos ! verde,

    amarelo, cor de barro !, complementa: Mas isso depende do que no cho se plantou e

    cultiva, ou ainda no, ou no j, ou do que por simples natureza nasceu, sem mo de

    gente, e s vem a morrer porque chegou o seu ltimo fim [...]. E como se respondesse a

    quem busca uma definio para cultura relacionada a patrimnio, vem a pista: No tal ocaso do trigo, que ainda com alguma vida cortado (SARAMAGO,1989, p. 11).

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    3 Consideraes finais

    E, como concluso do histrico da poltica de preservao, um dos problemas

    em tal assunto enfrentado a noo de espao, que, se fundamentado na relao da

    Histria com a Geografia, se percebe essa noo contida no gnero espacialidade,

    assim como territrio e regio.

    Espacialidade , por definio, uma rea indeterminada que existe antes da

    ao poltica e social do homem, em sua materialidade fsica, como se pode defender

    recorrendo-se historiografia do sculo XX. Portanto, cabe falar na passagem do

    espao fsico, em Geografia, para o espao social e poltico. Cabe tambm lembrar

    que o uso dos conceitos !paisagem, territrio e regio !transitam pela Geografia e

    pela Histria.

    Regio, termo usado na proposta de regies histricas, como decorrncia do

    estudo da descentralizao, exige explicao e definio. Portanto, faz-se necessrio

    apontar a relativa homogeneidade, economicamente produtiva, ou a lgica interna

    como seus possveis elementos de identidade. Entretanto, o critrio mais adequado

    de ordem cultural, considerando as vantagens e atribuies das regies histricas.

    Para firmar o entendimento adotado do conceito em pauta, infere-se que a

    regio histrica um territrio caracterizado por prticas culturais que lhe doespecificidade e se refletem como comportamentos das pessoas que o habitam.

    A proposta da criao de regies histricas, como fator de descentralizao,

    realmente pode ser uma soluo para a socializao do patrimnio nacional aliada

    noo de cidade-documento. Os municpios integrados por regio , de certa forma,

    um mecanismo de resistncia ao processo de globalizao. A retomada da imagem de

    outrora dos centros histricos e a recuperao das atividades culturais podem

    contribuir para a consolidao de identidade nacional.

    Reafirma-se, assim, que a histria local passa por uma renovao com o

    conhecimento da realidade local. A acertada e autntica medida inserida na poltica de

    preservao do Patrimnio Histrico Cultural instaura uma nova era no processo

    poltico histrico-cultural. A recuperao da histria local e regional, sem dvida, um

    procedimento de preservao da identidade e da diversidade cultural de cada

    comunidade

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    RefernciasBRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF:Senado, 1988. 140 p.

    BRASIL. Decreto-Lei n 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteo do patrimnio

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    Data de recebimento: 02.07.2011Data de aceite: 28.08.2011


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