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  • Ie ne fay rien sans

    Gayet (Montaigne, Des livres)

    Ex Libris Jos Mindlin

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    A EMANCIPAO DOS

    PARECER

    C. B. Ottoni.

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    BIO DE J A N E I R O .

    TypographiaPEESEVEKANArua rio Hospici, n. 91.

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    A EMANCIPAO

    DOS

    PARECER

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    C. B. Ottoni.

    RIO DE JANEIRO. '

    TypographiaPERSEVEBANA,rua do Hospioio a. 91.

    1871 .

  • ADVERTNCIA.

    As opinies affirmadas neste escripto teem sido por mim sustentadas, bem que mais succinta-mente, em correspondncias de jornaes.

    Em to grave questo parece-me que ningum deve furtar-se responsabilidade do que diz ou escreve. Essa responsabilidade, eu a assumo presentemente.

    Rio de Janeiro, 15 de Julho de 1871.

    om.

  • [.

    H A / A O HE OHOEM.

    Uma injustia do Sr. Conselheiro Sayo Lo-bato Ministro da Justia compellio-me a exter-nar meu parecer sobre a questo do dia ; e d'ahi a necessidade de publicar esta memria.

    S. Ex. pretendendo conciliar a sua posio ac-tual de emancipador com as proposies absolu-tas que avanara em 1867 em defesa da escra-vido , declarou em dous discursos que n'a-quella primeira epocha a sua voz se unira dos liberaes que faziam opposio ao gabinete ds 3 de Agosto ; que como elles S. Ex. s nega-ra ento a opportunidade em relao guerra; e que esse motivo cessou presentemente.

  • 6

    S. Ex. no concluio, mas em suas premis-sas se contm a concluso, que os taes liberaes que um concurso desgraado de circumstancias collocara a seu lado, esto hoje condemnados a apoiar o seu ministrio.

    Um d'esses condemnados sou eu, que venho appellar da sentena.

    No verdade que o Sr. Conselheiro Sayo Lobato combatesse a ida emancipadora somen-te pela inopportunidade em relao guerra: leiam-se os seus discursos. S. Ex. pedia sesso secreta, na qual a ssembla protestaria que nunca havia de desfechar sobre a lavoura se-melhante golpe. S. Ex. fez sua a opinio do Visconde de Cayr que dizia : Nenhum esforo humano curar este mal; s da Divina Providen-cia pde vir o remdio.

    No tambm verdade que a opposio libe-ral acompanhasse a S. Ex. em taes manifes-taes.

    Minha censura recahia unicamente na pre-cipitao com que em to grave matria, no estudada, no debatida, no iniciada entre ns, o Governo Imperial assumira perante o estran-geiro compromissos solemnes. Nunca me pro-nunciei contra a ida em si, como o Sr. Con-selheiro Sayo Lobato.

  • Como S. Ex. eu tinha n'esse tempo a aspi-rao a uma cadeira no Senado: mas no me sorria conquistal-a cortejando o obscurantismo, lisongeando cegamente o interesse dos senhores de escravos, liberaes e conservadores.

    N'essa occasio, como em outras , exhibi provas de que no sacrificava minhas opinies, nem meu caracter a aspiraes pessoaes.

    E tendo sabido em todas as situaes conser-var-me, graas a Deus, n'esta attitude, de-me que o Sr. Ministro da Justia me quizesse per-filar a seu lado.

    V^nho, pois, imprensa com as minhas opinies de 1867 e 1868, desenvolvidas pelo estudo posterior, venho com a emoo que as circumstancias presentes determinam, venho com a dedicao que professo ao futuro do meu paiz, venho pronunciar-me em votao no-minal a respeito da questo do dia.

  • II.

    A P O L T I C A D A COROA.

    Esta publicao tambm um protesto. A observao do modo porque tem cor-

    rido os debates relativos emanciparo of-ferece a cada momento novas demonstraes da inconvenincia da interveno direcla e ini-ciativa do Imperador.

    Que se ponha a questo nestes termos nin-gum o deve extranhar depois que o Sr. Vis-conde de Itaborahy, presidente do conselho de ministros, disse no levado que Sua Magestade Imperial reina, governa e administra.

    Esta palavra foi proferida em aparte e nunca depois desenvolvida ou commentada por S. Ex.

    E' palavra digna de srio estudo.

  • Fallaria S. Ex. como publicista, porque julgasse harmnica a doutrina com o systema do governo ou porque enchergasse a faculdade na lei fundamental? Isto no se pde suppr de sua illustrao: se pretendesse S. Ex. esta-belecer direito, replicaria quando o Sr. Visconde de S. Vicente refutou o administra.

    Seria um dito leviano e mal pensado ! Crl-o fora injustia a seu caracter.

    Ponderem e meditem o aparte do Sr. Vis-conde de Itaborahy, e s lhe acharo este sentido razovel foi um grito de angustia. Monarchis-ta de convico S. Ex. receiou explcando-se prejudicar o prestigio da Instituio: mas es-pirito recto, tolhido em sua aco, vendo j a esterilidade do seu ministrio, quiz repartir a responsabilidade moral com quem de direito!

    Reina, governa c administra ! Ha pouco recordou o Sr. Conselheiro Paulino

    de Souza a attitude do seu ministrio em 1870 na questo do elemento servil. Apresentado o Pa-recer da Commisso especial, S. Ex. declarara por si e por seus collegas que o Governo acei-tava a ida do arrolamento dos escravos e a faculdade para libertar os da Nao. Nada mais sensato: passassem estas duas medidas, fossem executadas com firmeza, e teramos

  • - 10

    hoje a questo adiantada e esclarecida. Porque pois o ministrio que tinha Cmara unanime, que n'esta mesma questo teve grande maioria, no cuidou de realizar a sua ida? donde lhe veio a falta de fora?

    E' da maior notoriedade : regeitando o projec-to da Commisso, os ministros cahiram da graa, e nas altas regies fugia-lhes o terreno embaixo dos ps.

    Hoje um membro do 16 de Julho traz o mesmissimo projecto da Commisso do anno passado : mas para que uma proposta nova, se a ida fundamental a mesma e a accessorias se podiam emendar na discusso ? E' que no se quer a iniciativa da Cmara, sim a do Mor-narcha, para que se continue a dizer na Fu-ropa que Sua Magestade Imperial o nico brasileiro inimigo da escravido!

    Se do lado do poder #se pe assim a

    questo, no podem extranhar que n'esse ter-reno a aceitemos.

    As discusses da imprensa, depois da pro-posta do Governo, offerecem observaes an-logas : quem as tem acompanhado, lhes ter reconhecido estas duas feies carecteriscas.

    1." Ningum defende a escravido: reconhe-cem hoje todos a necessidade de medidas que

  • - 11 1 dentro de um prazo mais ou menos limitado extirpem o cancro social: versa a divergncia

    ' sobre a escolha dos meios mais ou menos di-1 rectos, mais ou menos eficazes, mais ou menos perigosos.

    2.* Paira sobre todos os estudos um prejul-gamento, uma coao moral c politica que tolhe e constvange o livre exame, c que bem pde viciar a soluo.

    Um ou outro protesto que surge pela simples conservao do statu quo, so excepes que no refutam a minha primeira assero ; e d'esses no me occuparei, limitando-me a p^dir a Deus que os esclarea. Entretanto, o que pre-tende a grande maioria dos interessados que reclamam contra o projecto ministerial ? Que-rem garantias de segurana para s suas fa-mlias, de ordem e de paz para seus estabele-cimentos ruaes, de^espeito propriedade, em-bora illigitima, adquirida em boa f e con-sagrada pela legislao.

    Em frente d'estes interesses toma a palavra na imprensa o gabinete, representado pelo pseudnimo Guarda constitucional.

    Ha, sem duvida, alguma cousa de grotesco na posio do ministrio a defender-se em pu-blicaes a pedido no Jornal do Commercio,

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    disfarando-se com um pseudnimo; mas os artigos da Guarda constitucional tem o cunho semi-official to patente, que cumpre aceitar o facto.

    No lano insinuaes ao escriptor a que me refiro: se algum chamou assalariada a sua hbil penna, certo no farei minha a in-juria. Presumo, ao contrario, que quem es-creve o prprio ministrio ou algum seu amigo, que o sustenta pelos mais nobres mo-tivos : o que somente claro, o que ningum ignora que sahe o dinheiro para as publica-es dos fundos secretos.

    Accusado por abuso igual, o Sr. Conselheiro Zacarias, disse r ' Sempre assim se fez ; a nica difierena que ns confessamos e os outros negavam. "

    Esto hoje no poder os que negavam, mas igora provavelmente ho de rir-se da minha ingnua censura, e no afirmar nem negar...

    Pois sim, fiquemos n'isso. Volto these principal d'este capitulo, a coac-

    o que tolhe o livre exame. E seja voz oficial ' a que assignale o facto : em artigo ministerial li, alis sem sorpresa, estas palavras dirigidas aos deputados dissidentes do ministrio :

    - Se querem permanecer conservadores, no

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    continuando a excitar os mos imundos revo-lucionrios e o desrespeito " coroa. Ainda mesmo que o Imperante tenha opinio definitiva a res-peito da questo, no sentido da soluo proposta, entende-se sempre que a tem por conselho e sob a responsabilidade de seus ministros. E demais, o Imperante no um autmato ; sua misso summamente elevada ; apreciando a opinio feita no paiz, frma e profere um juizo, e realmente n'esse juizo que consiste a pol-tica imparcial da coroa. "

    E' notrio que o problema da emancipao foi estudado e debatido no Conselho d'estado por iniciativa de Sua Magestade o Imperador. Estudo que conduzio ao projecto apresentado s cmaras pelo ministrio actual, baseado sobre a ida da libertao dos nascidos desde a data da lei.

    Mas esses pareceres do Conselho d'estado se conservam em rigoroso segredo, bem que no haja no paiz outros estudos officiaes ! E' anomalia que com razo extranhou um corres-pondente da Reforma nos seguintes termos : "Questo social de tanto alcance no para ser resolvida entre os resposteiros de palcio, e imposta a soluo ao paiz, por mais santo que seja o principio."

  • 14

    Uma cmara unanimemente ministerial requi-sitou do governo, por officio do 1. de Junho de 1870, remessa de cpias dos projectos qut sobre a questo houvessem sido submeltidos ao Conselho d'estado nos annos de 1867 e 1868.

    E em resposta disse o Ministro da Justia em officio da mesma data, o do Imprio em 28 do mesmo mez, que em seus archivos no existia trabalho ou projeclo algum sobre semelhant matria.

    Entretanto aquelles debates secretos foram impressos s escondidas, como contrabando, e a alguns poucos deputados, mais do peito, se tem feito presente de um exemplar.

    A Gommisso especial da Cmara, relator o Sr. Conselheiro Teixeira Jnior, disse em seu parecer de 15 de Agosto de 1870 :

    " . . . sob caracter confidencial e com recom-mendao reiterada da maior reserva (os griphos so do parecer) foi mostrada commisso por um dos dignos membros da gabinete uma c-pia de quatro actas das sesses do Conselho d'estado, e do ultimo projecto alli examinado.

    " N'estas condies, pois a commisso no pde revellar nenhuma das opinies exaradas n'esses documentos.

    " Nem ella daria esta explicao, se no oc-

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    corresse o facto de haver-se declarado cmara em sesso de 21 de Julho que taes documentos j lhe tinham sido remettidos."

    O ultimo gripho do author d'esta memria que edifica o paiz, accrescentando a seguinte informao: at hoje os trabalhos do Conselho atestado no foram publicados nem remettidos s cmaras l! I

    E somos uma nao livre, dizem, regida por um governo representativo !

    Tomando Sua Magestade Imperial a iniciativa sob a responsabilidade de seus ministros, como disse no Senado o Sr. Conselheiro Zacarias, fi-xou logo a opportunidade em que devia agi-tar-se a questo (depois da guerra), e annun-eiou a sua deciso aos paizes estrangeiros.

    E' j manifesto que d'este pronunciamento resultou coaco moral para a nao, que na-turalmente no deseja passar por uma horda selvagem, incapaz de acompanhar as idas ge-nerosas do seu bemfeitor 1

    E todavia at ento nem mesmo o Conselho d'estado linha sido ouvido !

    A questo da opportunidade est hoje preju-dicada, porque, no ponto a que chegaram as cousas, se faz necessrio resolver o problema; mas fique consignado que a deciso partio do

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    poder absoluto, que nos rege sem nenhum cor-rectivo real e efficaz; v a quem toca a gloria ou a responsabilidade moral (a esta ningum se subtrahe) da audaz iniciativa.

    Ouvido em segredo o Conselho d'estado, ficou resolvido nas altas regies, no j a opportu-nidade, mas o modo, liberdade dos ventres.

    Diz o inspirado escriptor ministerial e no-trio, que Sua Magestade Imperial tem opinio definitiva a respeito da questo, no sentido da soluo proposta. Que o Imperante apreciando a opinio feita no paiz forma e profere um juizo, e realmente viesse juizo que consiste a poltica da Coroa.

    Assim com effeito suecedeu, mas com uma differena ; as opinies que Sua Magestade Im-perial ouvio e apreciou para proferir um juizo que a politica da coroa, no foram as opi-nies do paiz, e somente as do Conselho dis-tado, que no a nao.

    Se esta agora chamada a pronunciar-se como lhe negam conhecimento dos estudos offi-ciaes cm que se basea a soluo proposta?

    Que a questo da opportunidade, hoje pre-judicada, fosse discutida em segredo pelos con-selheiros da coroa, comprehende-se, por isso mesmo que a bulha e publicidade a prejudi-

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    cariam; o abuso foi o annuncio prvio para a Europa.

    Mas quanto soluo prefervel, no devia haver poltica da coroa, emquanto o parlamento no se pronunciasse. Entretanto Sua Magestade Im-perial partio para a Europa, nos diz o minis-trio, tendo proferido o seu juizo, firmado a sua politica, que uma opinio definitiva a res-peito da questo no sentido da soluo proposta.

    Tal o prejulgamento e coaco moral de que fallei.

    Negar-se-ha coaco? Pretender-se-ha que os partidos estudam e consultam livremente?

    No faam disto questo politica, diz o mi-nistrio,, uma reforma social. Mas como, se a politica da coroa, que tudo a ella subor-dina ? Como, se o partido conservador sabe que ha de largar o poder se lhe resistir ?

    No me refiro a ambies mesquinhas e in-dividuaes; supponho uma ida que confia, con-tinuando no poder, fazer prosperar o paiz, mas que tem de retirar-se diante de uma politica da coroa, formulada entre os reposteiros, sem ter ouvido os representantes da nao.

    claramente esta a situao. O ministrio de 16 de Julho foi demittido porque resistio, ainda que s com a inrcia, politica da coroa ; o de 29

    2

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    de Setembro cahio porque no soube realizal-a; o actual ahi est ameaando a cmara conser-servadora com um programma liberal : submet-tei-vos ; seno, muda-se a politica!

    Que no tem outro valor os liberalismos mi-nisteriaes, basta para proval-o a nomeao do Sr. Sayo Lobato, e a sua attitude na discusso da reforma judiciaria : nem isto argumento ai hominem, S. Ex. um Jiomem-principio : cha-mal-o para executar serio programma liberal, fora insulto ao senso commum. S. Ex., porm, subio ao ministrio, porque e s porque, depois de senador e conselheiro d'estado, converteu-se para a politica emancipadora formulada entre os resposteiros: esta a tristssima e patentis-sima verdade.

    Por outra parte os dissidentes, os fieis do 16 de Julho, esto ou no coactos? Querem resistir, mas hesitam diante da ameaa de uma politica liberal, e desfazem-se em protestos de adheso politica a um Gabinete, no qual no tm e no podem ter confiana alguma.

    Porque todas estas anomalias ? porque o Governo no disse s cmaras " Estudae a op-portunidade, e resolvei sobre o melhor meio de abolir a escravido. "

    Diz-lhe: "J se estudou c dentro dos reps-

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    teiros; votai a liberdade dos ventres, com ser-vio forado at 21 annos, ou uma pequena indemnisao. "

    Mas se um deputado, se um cidado, se uma associao lembrar systema diverso e preferivel, assentado em outra base ?

    Diro: " Nada, a politica imparcial da Coroa quer os ventres livres. "

    Estavam escriptas as reflexes precedentes, quando me vieram s mos dous documentos importantes, ,o folheto impresso em segredo pela typographia nacional, contendo as actas do Conselho d'estado, em que foi debatida a questo, e o Parecer da Commisso especial nomeada este anno pela Cmara temporria.

    E' o parecer pea digna do mais srio es-tudo, mas no pde ser bem apreciado, sem a confrontao com o relatrio da Commisso do anno passado e os trabalhos do Conselho d'estado de que deplorvel continue o Go-verno a fazer mysterio! (*)

    No relatrio da Commisso actual encontro duas proposies que confirmam virtualmente o que tenho escripto, a saber: que a iniciativa

    (*) Estava no prelo este escripto, quando li a noticia de ter o Governo mandado Cmara os trabalhos do Conselho d'estado; provvel que se publiquem.

    S agora conhece a Cmara esses estudos; os emancipa-dores francezes o possuem desde 1867!

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    inconveniente do poder irresponsvel exerce coaco moral, que prejudica o livre exame, e pde viciar a soluo.

    Entre os motivos que combatem todo o addia-mento da questo, menciona o parecer " espe-cialmente a urgncia resultante de ter ella sido, desde alguns annos, trazida com a maior solemni-dade para a tela parlamentar. "

    Ora, sabido que o aodamento em agitar questo to grave, quando se reconhecia a impossibilidade de resolvel-a, proveio da ini-ciativa do Monarcha, que a gloria da empreza fascinou. . .

    Havia tido a ida o Sr. Visconde de S. Vi-cente, que reservadamente offerecera seus pro-jectos considerao de Sua Magestade Imperial, em data de 23 de Janeiro de 1866.

    Nenhum seguimento teve esta iniciativa, parece que nem o ministrio d'ento entrou na confidencia, no se pedio conselhos, a falia do throno d'esse anno nada disse ao parla-mento. Era lembrana de um brasileiro; no foi tomada em considerao. . .

    Em Agosto seguinte porm, chega s impe-riaes mos uma carta da Junta Franceza de emancipao, com assignaturas de Broglie, Gui-sot, Laboulaye, MonfAlembert, etc.: que hori-

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    sonte de gloria para o monarcha, que resol-vesse o delicado problema! que aureola de ovaes, de louvores, de considerao! Logo, sem estudo algum, sem ao menos ouvir sobre a proposta do Sr. S. Vicente o Conselho d is -tado que s foi convocado em 1867 uma carta official, em nome de Sua Magestade Imperial, escripta poucos dias depois de recebida a dos sbios rancezes, prometteu-lhes que apenas melhoradas as penosas circunstancias de ento (a guerra do ParaguayJ, o Governo Imperial consi-deraria como objecto de primeira importncia a emancipao dos escravos, que no passa de questo de frma e de opportunidade.

    O poder executivo podia prometter que usa-ria da iniciativa que lhe compete, mas no tinha o direito de dar por decidida a ida ca-pital, proclamando que a emancipao dos es-cravos s questo de frma e opportunidade. No podia assumir perante o estrangeiro tal com-promisso, antes de qualquer pronunciamento da representao nacional.

    E qual a origem do abuso? sem duvida a omnipotencia de facto do poder moderador, poder sem correctivo e sem contraste desde que, dominado o corpo eleitoral, ficou o par-lamento avassallado.

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    Pondo a questo n'estes termos, eu espero que no me enredem com as filagranas da coroa coberta ou descoberta. O presidente do conselho responsvel pelo excesso de poder, de-clarou ha pouco no Senado que n'esta ques-to Sua Magestade Imperial tomara a iniciativa com a responsabilidade de seus ministros; mas se a estes pertence exclusivamente a res-ponsabilidade legal e politica, moral ningum se sublrahe, e a essa que eu me estou refe-rindo.

    Este julgamento da questo pelo poder, que nico real e effectivu no Imprio, faz pairar sobre todos os debates manifesta coaco e cons-trangimento.

    " Um Pedro II, diz ainda o parecer, procla-mou a liberdade dos ndios, outro Pedro II realisar a da raa africana. "

    Sempre a preoccupao da gloria imperial! No se trata de saber que serie de medidas

    nos impor menores sacrifcios; previamen-te condemnado se acha todo o systema, que tende a preparar uma soluo para d'aqui a alguns annos, porque poder no caber o proso no reinado actual!

    Ora, em que pese ao author do parecer, im-porta mais salvar algumas vidas ou alguma

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    parcella da ameaada fortuna publica, do que a feliz coincidncia dos dous Pedros Segundos !

    Entretanto so inteis todos os esforos para assentar a deliberao em outras bases : a pro-posta do Governo ha de ser votada, porque o Imperador quer.

    Nas palestras os Srs. Deputados, quer minis-teriaes quer dissidentes, no fazem mysterio d'esta situao : "o ministrio pde transigir, dizem elles, sobre todos os pontos, menos so-bre a liberdade dos ventres com servio forado a\ 21 annos, porque isto o que ficou assentado artes do embarque de Sua Magestade o Impe-rador.

    0 Imperador quer, a Nao deve curvar a cabea: j nos disseram de Londres: " Sua Magestade o Imperador j se pronunciou ; s resla que os Brasileiros cumpram o seu dever I "

  • III.

    POPULAO ESCRAVA E SEU MOVIMENTO

    No tenho estudos prprios sobre a estatitisca da nossa populao escrava, cujo algarismo o primeiro elemento a determinar, quando se trata de extinguir a escravido.

    Parece que o medico prudente antes de pres- * crever os medicamentos indaga no somente da natureza, mas da intensidade da doena. 0 mesmo remdio que cura uma ligeira irritao no debella a inflammao aggravada: nem somente a dose que muitas vezes o pratico tem de mudar, mas a formula, e at o systema de medicao.

    O modo porque se extinguio a escravido em uma colnia ingleza ou franceza que possuia

  • 25

    40 a 50 mil escravos no ensina cousa alguma a quem tem de arcar com milhes d'elles, pela maior parte agglomerados em uma circumscrip-o limitada.

    Saber quantos escravos possumos, sua clas-sificao por sexos e idades, seu movimento, se cresce ou descresce, em que proporo, qual a tendncia dos senhores revelada pelo numero de manumisses individuaes, e outras questes connexas, so conhecimentos que muito auxilia-riam a soluo do problema.

    J deplorei que o ministrio de 16 de Julho? tendo proclamado em pleno parlamento a con-conveniencia de comear pelo arrolamento geral, e libertao dos escravos do Estado, no reali-zasse essa ida em 1870, tendo comsigo uma grande maioria da Cmara.

    Foi a confiana da Coroa que para isso lhe fal-tou, porque Sua Magestade Imperial queria me-dida mais decisiva: e bem se sabe que alcance tem entre ns estas palavras: o Imperador quer!

    Assim no me causou sorpreza a condemnao da estatstica, fulminada pelo parecer da Com-misso da Cmara, n'estes termos :

    " O projecto est to previdentemente ela-" borado, que, primeiro, no preciso tal " estatstica, segundo, so pequenos os sacri-

  • 2(5 -' ficios pecunirios que impe ao thesouro. na-" cional. ,

    ' As providencias relativas actual escra-" varia (sem gravar, note-se bem, sem gravar " os senhores de escravos) custam bem pouco " fazenda publica, porquanto as manumis-" soes propostas, ou nascem de disposies de " direito, ou de concurso de associaes, ou " de particulares, ou finalmente de um fundo " de emancipao do estado servil, para o qual " [afora as loterias) s concorrem capites pro-" venientes do citado estado servil, taes como " a taxa, o imposto sobre transmisso, as multas " comminadas por esta lei, e outras semelhantes " origens, em nenhuma das quaes ha o mnimo " concurso do thesouro. "

    Ponhamos de parte a inexactido de que as loterias, a taxa dos escravos, o imposto sobre transmisso, as multas e outros semelhantes encargos no importam o mnimo concurso do the-souro !

    O argumento da Commisso este: no pre-cisamos de estatstica, porque no temos de remir os actuaes escravos; s libertamos os que nascerem, e sejam quantos forem l. ..

    Oh! ento no se cuidar de saber se esses orphos so tratados e educados, se ha ou no

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    abuso nos registos dos nascimentos, se ha meio de asylar os que forem abandonados ? Ou para todas estas providencias indifferente o nu-mero e a estatstica ?

    Consolar-me-hei do desgosto que causam as palavras da Commisso, transcrevendo as do veneravel Sr. Visconde de Abaet no Conselho d'estado:

    " Por uma infelicidade que nunca se poder ' deplorar demasiadamente a estatstica que ' a base das indagaes d'esta ordem e de muitas ' outras que indispensvel fazer-se para to-' mar-se com acerto a maior parte das medidas ' relativas ao governo do Estado, ainda se acha ' entre ns muito atrasada. E' uma triste ne-' cessidade n'este caso recorrer estatstica conje-' ctural. "

    Curvo-me essa necessidade, procurando es-colher entre as avaliaes approximadas que temos da populao escrava: so ellas citadas na obra do Br. Dr. Perdigo Malheiro, no Re-latrio de anno passado, e nos pareceres do Conselho d'estado.

    Diversos cidados apreciando as informaes que lhes foi possvel colligir, fixaram diversa-mente o algarismo da escravatura: e sendo provvel que os enganos commettidos no o

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    fossem na mesma direco, e em grande parte se compensassem, tenho por approximao ra-zovel o termo mdio de todas. Fizeram ava-liaes os seguintes senhores: Senador Souza Franco 1.800,000 Dr. .T. Norberto 1.609,000 Senador Pompo 1.750,000 S. F. Soares 1.400,000 Dr. C. Mendes 1.150,000 Estatistica da secretaria do Imprio. 1.191,000 Termo mdio das seis 1.483,000

    Aceito pois a estimao da Commisso espe-cial, em 1.500,000.

    Para conhecer o movimento d'esta populao, de obvia vantagem indagar a quanto se elevava ella em 1851, quando foi extincto o trafego africano, porque desde ento no rece-beu contribuio alguma do exterior. Pedirei este segundo algarismo ao Sr. Visconde de baet. que no Conselho d'estado o avaliou com grande proficincia.

    Somou S. Ex.: O arrolamento de 1819 1.930,000 Augmento de 10 % que de regra. 193,000 Importados desde 1842 at 1851,

    segundo as estatsticas inglezas. . 325,615 Numero existente em 1851 . . . . 2.-448,615

  • - 29

    Suppondo que a importao desde 1819 at 1841 fosse apenas suficiente para compensar o excesso dos bitos sobre os nascimentos em todo o prazo.

    A verosimilhana da hypothese e a appro-ximao do calculo parece confirmada pela opi-nio muito autorisada do fallecido Senador Cn-dido Baptista, que em 1850 avaliava a populao escrava em 2.500,000 almas.

    Calculando com estes extremos, 1.500,000 hoje, 2.500,000 ha 20 annos, encontro a taxa da diminuio - 0,02522, ou pouco mais de 2 % %.

    Acredito que se pde adoptar com segurana esta taxa, como representante da diminuio gradual da escravatura entre ns, por causas naturaes.

    O Sr. Visconde de Abaet suppoz um depere-cimento muito mais lento, porque adoptou uma taxa mdia das Antilhas inglezas. Mas o resul-tado que sahe dos nossos dados mais segu-ro; nas colnias inglezas outro era o clima, e a massa da escravatura incomparavelmente me-nor, cerca de 700,000 repartidos por 19 col-nias, ou em termo mdio menos de 40,000 em cada uma.

    E' facto reconhecido e explicado pela phy-

  • - 30

    siologia, que a mortalidade da raa africana superior da raa caucasea, mesmo em identidade de circumstancias. Michel Levy cita estatsticas de New-York, annos depois de extin-cta a escravido dispondo as duas raas dos mesmos meios e recursos, e sendo no emtantp a mortalidade dos brancos 1,44 % e dos negros 2,72 %.

    A condio do captiveiro exagera ainda a mortalidade e diminue a fecundidade, em toda a parte; a verdade est no principio citado pela Commisso: " no captiveiro nem os animaes se perpetuam; definham e morrem; lei e lio da Providencia. "

    Pelo ultimo censo da Corte, o excesso dos bitos sobre os nascimentos citado pelo Sr. Conselheiro Teixeira Jnior de 1,8 % mas esta escravatura consta quasi toda de escravos do servio domstico, em geral melhor alimen-tados, vestidos, agasalhados, dispondo de mais tempo e recursos para pensar os filhos e exe-cutando trabalhos mais leves do que os dos estabelecimentos ruraes, onde sem duvida al-guma ha muito maior desequilibro entre a re-produco e a mortalidade.

    Circumstancia que confirma o resultado supra diminuio annual de 2,5 %.

  • - 31 -

    Corroboro-o tambm com a observao prpria e de quantos conhecem a nossa lavoura, e tm notado a mui grande mortalidade, maxime das crianas.

    0 Sr. Visconde do Rio-Branco julga muito mais forte ainda a diminuio annual, pois affirmou no Conselho d'estado que " pelo excesso dos bitos sobre os nascimentos a populao escrava do Brasil estaria extincta pelo seu movi-mento natural sem contar as manumisses indi-viduaes, em cerca de trs quartos de sculo. " Proposio alis que nenhum calculo confirma.

    A lei geral do progresso ascendente a lei dos livres; a dos captivos em* toda a parte o gradual deperecimento.

    O nico exemplo notvel em contrario, o dos Estados-Unidos, um facto que confrange o corao a quem o tem sensvel; proveio da organisao de uma vasta industria, a de crear e de vender escravos; montaram-se estabeleci-mentos cuja produco era de crioulos, como em outros de novilhas, de ptros e de porcos. Eram excellentemente tratados, para que a fa-zenda no perdesse do valor; os que vingavam eram vendidos, como gado; se alguns fugiam batia-se o mato com ces farejadores!!! Atroz especulao.

  • 32

    Ainda me lembro da triste impresso cau-sada n'esta Corte em 1858, por um folheto, em que o Sr. Dr. L. Werneck dava noticia (1) d'essas fazendas de criao de escravos.

    Merecem censura, certo, os senhores que entre ns deixavam morrer mingua de cui-dados as suas crias, e s as pensam melhor de-pois que sentiram escassez de braos ; mas cada um tratava apenas das necessidades da sua industria, e nem o descuido anterior, nem o desvelo depois da cholera tem o caracter odiosissimo d'aquella industria sui generis, im-minentemente Yankee; no estou longe de crer que o cataclismo em que se abysmou o frueto de cobia to cynica foi castigo da Providencia.

    A excepo, pois, confirma a regra; e a regra que toda a populao escrava tende a extinguir-se pelo excesso dos bitos sobre os nascimentos.

    Com a reduco de 2 % em quantos annos se extinguiria a escravatura?

    Nunca, a resposta do calculo se se considera a proporcionalidade, como lei rigorosa do decreci-mento, mas esta lei no passa de approximao e offerecendo resultados satisfatrios em quanto

    (1) S. S. no approvava, nem recommendava a ida, narrava o facto.

    !

  • 33 -

    applicada aos grandes nmeros, perturba-se nos extremos da serie e afasta-se da realidade. Cal-culando pois somente at a reduco do numero actual dcima parte, com os 2 % % seriam precisos 91 annos.

    Entretanto temos segunda verba de reduco nas manumisses individuaes, que no muni-cpio neutro, segundo estatstica oicial, foram em 1870 de 2,4% da populao escrava, tendo passado de 5% nos dous annos anteriores, suppondo numero igual de captivos.

    E' certo que estes algarismos se referem a uma pequena fraco da escravatura do Brasil (50,092) ; mas a esperana de que to nobre movimento se generalise assenta em slidos fundamentos. Em primeiro lugar a ida mar-cha, a opinio se esclarece sobre os verda-deiros interesses do futuro, o sentimento christo se desenvolve, o pensamento humani-trio, agitado pela discusso, vibrado pelas pr-prias peripcias da crise que comea, consoli-da-se e vulta.

    Mobilitate viget, ac vires acquir eundo ou, para citar Musa Brasileira,

    Mobil vigora, c fora adquire andando. Demais, cumpre animar e premiar o movi-

    3

  • - 34 -

    mento: se os ouropeis da monarchia ainda tem valor no podem ter melhor applicao: faam Commendadores, Gra-cruzes, Condes, mesmo alguns Duques os que libertarem certo numero de escravos : algum seja por decreto declarado benemrito da ptria, outro isento de impostos directos, etc.

    No se dir que seja impossivel conservar as manumisses na altura da porcentagem reali-sada em 1870 no municipio neutro, quasi 2,5%. Comeam a ser freqentes os factos de testamentos que libertam 20, 50, 100 escravos e os dotam.

    O progresso da opinio n'este sentido tem sido notvel.

    O Sr. Perdigo Malheiro, em nota sua obra, pag. 116 a 118, cita nominalmente sete ou oito individuos que n'estes ltimos 6 annos libertaram gratuitamente mais de 300 escravos. Os jornaes deram no ha muito tempo noticia de uma senhora fallecida em Minas, que em testamento deu alforria a cerca de 100, doan-do-lhes terras em que trabalhassem. Do-se todos os dias factos semilhantes pelo interior.

    O impulso pois est dado, e o primeiro dos meios de auxilial-o, inspirar aos interesses creados em boa f, confiana no amparo das leis.

  • 35 Accrescente-se as animaes directas e indi-rectas, as honras, os prmios, a propaganda, os exemplos, e no tenho duvida que a ida humanitria dar grandes passos.

    Entretanto avaliarei somente em 2 % % a re-duco procedente d'esta nobre origem.

    As duas reduces, uma fatal como a morte, outra consoladora comeada sob to felizes aus-pcios, sommam 5% ao anno, e continuando esta taxa, a escravatura independentemente de toda e qualquer medida legislativa, se reduzi-ria em 13 annos metade, em 22 annos a menos de um tero do algarismo actual, tor-nando relativamente fcil qualquer soluo.

  • IV. i

    EMANCIPAO GRADUAL; FUNDO DE EMANCIPAO.

    Os negrophilos inglezes. . . . no lhes applico este epitheto, porque menosprese a feio hu-manitria que pde offerecer a sua propaganda em favor da liberdade dos negros.

    Entretanto Moreau de Jonns , um dos escrip-tores mais lidos e citados sobre este assumpto, escreveu as seguintes palavras, que o Sr. Vis-conde do Rio Branco citou complacentemente no Conselho d'estado:

    " . . . . se procurarem na Inglaterra os motivos " da grande propaganda, duvidoso que se " achem outros que no sejam um vasto sys " tema de politica commercial, abraando o

  • - 37

    " futuro das duas ndias em suas previses, " e os dous hemispherios em seus designios. "

    Os negrophilos inglezes.... chamo-os assim, porque sem descer ao exame de nossas pecu-liares circumstancias, tendo elles emancipado em cada uma de suas colnias 40 ou 50 mil escravos, cujas desordens em nenhum caso af-fectariam de perto a metrpole, caprichosamente querem impr-nos a mesma soluo, quando aqui a triste instituio da escravido est en-laada em toda a nossa sociedade, e mani-festamente impossivel extinguil-a de chofre, sem abalos violentos, cujo menor mal seria a bancar-rota do thesouro.

    Os negrophilos inglezes continuam a acon-selhar-nos a abolio simultnea e immediata da escravido, medida que ningum no Brasil julga possvel. Eu desejara submetter-lhes a se-guinte observao:

    Beconhecida a equidade da indemnisao (e elles Inglezes a reconheceram nas suas colnias), ha um meio fcil de conseguirem o seu deside-ratum, fazerem presente ao Governo do Brasil, que est to pobre, elles que so to ricos, da quantia necessria. O parecer avalia 1,500,000 escravos a 800$000, ou 1 milho e 200 mil con-tos: so 120 milhes esterlinos, com os quaes

  • 38

    a Inglaterra tornaria radiante a sinceridade da sua propaganda.

    Excluda por impraticvel a simples aboli-o, restam trs systemas, cada um dos quaes tem por si algumas opinies.

    1.' A fixao de um praso alm do qual todos fiquem livres, sem indemnisao.

    2. A emancipao gradual e progressiva, por meio de um fundo de amortizao, esta-belecendo-se regras de preferencia.

    3. libertao dos que nascerem. O primeiro d'estes systemas tem por si a

    opinio de proprietrios de escravaturas nu-merosas, e foi recommenclado na representa-o dos Fazendeiros do Bananal.

    Mas as razes que contra elle adduz o Pa-recer da Commisso especial da Cmara, me parecem procedentes Grande seria o risco das impaciencias pela terminao do praso, que no poderia ser mui curto : e quando tudo se passasse regularmente o dia da libertao simultnea de um milho de indivduos, em-brutecidos pela escravido, seria um dia de cataclysma, em que no se pde pensar tran-quillamente:

    Do segundo methodo a Commisso especial no se occupou: e o pouco que disse do

  • 39 -

    ?undo de emancipao foi subordinado a fixa-o do praso fatal, em verdade inconveniente.

    i: Estudemos pois este segundo methodo, eman-cipao gradual, sem separar cnjuges nem trun-ar famlias e estabelecendo regras de preferencias

    ,i5 'de excluses. Deixando para depois o modo e os recursos

    pecunirios, vejamos as vantagens e os inconve-nientes da ida.

    1.* Vantagem. Respeita completamente a propriedade existente; porque no exige mu-dana alguma no modo de ser da instituio.

    2.4 Inspira a todos esperana que deve ser origem de tranquillidade e segurana.

    3.a Refora as garantias da paz, podendo dar preferencias aos bem comportados, e excluir os desobedientes ou desordeiros.

    4.a Conserva no estado actual as relaes entre o senhor e o escravo, at que a este chegue a vez da manumisso.

    5.a Aparta os livres dos escravos e permitte no separar cnjuges nem truncar famlias.

    6.a Deixa livre a aco da authoridade contra os vadios, para obrigal-os a contractar servi-os, sem perigo de ir anarchisar os estabele-cimentos ruraes.

    7." Facilita a installaco successiva dasfami-

  • - 40 -

    lias, e a educao dos menores segundo os desejos e as faculdades dos pes.

    Em contra-posio a estas vantagens, quaes so os inconvenientes do methodo ? Nenhum deixa de os ter e graves: mas quaes so os males causados pela emancipao gradual, que os outros methodos no ameacem em muito mau larga escala ?

    Procurei-os consciensiosamente nos relatrios das Commisses especiaes do passado e d'este anno, nos pareceres . do Conselho d'estado, na obra do Sr. Dr. Perdigo Malheiro, e na po-lemica dos jornaes.

    S encontrei duas objeces. Eis a primeira copiada ipsis verbis do recente parecer da Com-misso :

    " Provocaria os grandes perigos de bandos e ' acervos de escravos annualmente entregues ' em estado livre e sem preparo sociedade; ' levaria a imprudentes, demasiadas manumis-' soes ; tornaria impossvel a extinco do cap-' tiveiro em escala gradual, pois estas scenas ' de ms de servos diariamente libertados tor-' nariam impraticvel a conservao da msti-' tuio, contra cuja desigualdade mais que ' nunca se insurgiriam ento os mseros que ' a sorte desprotegesse "

  • - 4 1 -1 Em primeiro lugar notarei, respondendo, que no ha methodo de extinguir a escravido que escape aos perigos mencionados. O sys-tema do projecto os offereceria em escala maior, se contra as minhas previses pudesse ser exe-cutado sem perturbao.

    Proval-o-hei com algarismos. A proporo dos nascimentos que na popu-

    lao livre costuma ser de 2,7 % e mais, a Commisso do anno passado reduzio-a a 2,3% para a populao escrava, e avaliada esta em 1.500,000 a primeira turma de nascidos, ditos livres, seria de 34,500, dos quaes poderiam chegar aos 21 annos uns 22,000, reduzindo os clculos da Commisso do anno passado para a avaliao da d'este anno, que parece prefervel.

    Eis ahi bandos de 20,000 e mais escravos lanados nepentinamente na sociedade, sem pre-paro algum, e sem escolha. No se negar que o servio forado do projecto escravido de facto.

    Perder este facto o seu caracter e os seus inconvenientes, porque em vez de o supportar-mos ns hoje, o preparamos para nossos filhos ?

    A emancipao gradual, attendendo-se mor-talidade e as manumisses espontneas poderia

  • - 42

    contentar-se com muito menor numero cada. anno como hei demostrar ainda n'este capitulo.

    Com a differenca, que em um caso ha es-colha, pde-se dar preferencia s famlias, aos que celebrarem contractos de locao de ser-vios, etc, e no outro caso (o do projecto) cada m de indivduos embrutecidos pelo capti-veiro de facto em que jazeram at a maiori-dade, cahir desapiedada sobre a sociedade, com todos os seus perigos.

    A escolha e as preferencias dariam aco s authoridades para impedir a vadiao, e ir aos poucos organisando o trabalho livre. E' uma das vantagens da libertao gradual e pro-gressiva.

    A 2.a e ultima objeco a da escassez dos recursos pecunirios. Formule-a tambm a Commisso especial da Cmara:

    " Fundo de emancipao, j a proposta do " Governo cautelosamente creou. Se no so s " estas as verbas de que elle houvesse de compr-se, seria mister recorrer em larga es-"" cala a novos tributos, ou para satisfazer esta nova necessidade, ou para encher a lacuna " deixada no oramento por esta outra appli-'' cao dada a tributos j existentes.

    " E ento que succeder ? Ou, cortando na

  • 43 -

    carne, a imaginada alcavala produzir som-ma altssima ; ou, por seno poder tributar

    ,: convenientemente, o producto d'esse fundo ' avultar pouco.

    " Por outro lado, sendo enorme o algaris-' mo annual do fundo, representaria enorme ;< gravame dos contribuintes. " E nem ao menos se occupou a Commisso

    de orar o fundo decretado ! Em todo o trabalho do Conselho d'estado

    se nota a mesma lacuna : o fundo de emanci-pao parece ter sido escripto no projecto, uni-camente para' que no parea que os grandes reformadores reportam-se unicamente morte, para que lhes resolva o problema.

    Os Conselheiros d'estado que sustentaram a medida, nada disseram do seu resultado pratico. O Sr. Torres Homem que a combateu disse : " ainda que suba o fundo proposto a cem contos annuaes, ser nada, ser gotta d'agua no oceano. " E ningum lhe fez objeco alguma; d'onde se v que o Conselho d'estado presu-mia no elevar o fundo de emancipao, que propunha, nem a cem contos !

    Um apologista do systema do projecto, co-nhecendo-lhe este lado fraco, procurou escoral-o com a seguinte avaliao do fundo proposto :

  • - 44 -m , -A A 626:000 Taxa de escravos nas cidades Impostos ereraes de transmisso de pro-

    priedade escrava 5,00:00 6 loterias annuaes 120:000 Quotas das assemblas provinciaes 400:000

    Total 6,146:000 Sendo este oramento visivelmente inaceit-

    vel, faz-se preciso estudar as verbas do projecto ministerial. No darei estimao minha, porque pela intima connexo que tem o quantum do fun-do com as idas que sustento, poderia ter ten-dncia para exageral-o. Pedi ao meu amigo o Sr. Dr. Tavares Bastos o obsquio de instituir este exame, e transcrevo textualmente as suas palavras.

    1. Taxa de escravos. S no municpio da corte se cobra:

    O termo mdio da arrecadao nos trs exerccios de 1867 1870 foi 633:699*409

    Para 1872 1873 orou-se em. . . . 626:000*000

    2. J ai pontos tjeraes sobre transmisso de propriedade de escravos. S na corte se cobram, igualmente: a chamada meia-siza, hoje fundida na verbatrans-' misso de propriedade :

    No ultimo balano publicado, o do exerccio de 1867 1868, em que vem discriminada, produziu a meia-siza de escravos 143:271*647

  • 45

    Em um exerccio anterior, o de 18641865, rendera, segundo o res-pectivo balano 166:531*076

    3. a) Producto de seis loterias annuaes isentas de irn-postos. Comquanto possa o Governo dar novo plano a estas loterias especiaes, com o intuito de augmentar o rendimento liquido, calculemol-o em 120:000*00

    3. b) Um dcimo das (loterias) que forem concedi Ias d'ora em diante para correrem na capital do Imprio. Actualmente, alm dos 16 % sobre os prmios, per-cebe o Thesouro 20 % ( ,/s ) do producto das lote-rias extrahidas no Imprio. No municpio da capital, rendeu-lhe este imposto, no exerccio de 1867 1868, a somma de. 784:800*000

    Se do producto de todas as loterias que correrem na corte (o projecto impe somente sobre as que forem a"ora em diante concedidas, mas deve ser ampliado), deduzir-se 4/io para o fundo de emancipao, ter-se-ha um rendimento de metade da somma supra, ou 392:400*000

    5. a) Quotas marcadas nos oramentos municipaes. Nenhum contm actualmente semilhante verba. Cal-culemos, porm:

    Que 50 dos municpios no Imprio votem d'ora avante, com essa appli-cao, 5:000*000 250:000*000

    Que 100 votem 2:000*000 200:000*000 Que 150 limitem-se a 1:000*000, ab-

    stendo-se todos os demais, ou 150:000*000 600:000*000

  • - 46

    5. b) E provinciaes.-Muitas das provncias (pa-rece que metade d'ellas) votaram, nos ltimos annos, quotas de 10:000*000 a 20:000*000. Calculemos, porm:

    Que as do Rio de Janeiro. Bahia, Pernambuco, Minas, S. Paulo. Rio Grande do Sul, Par, votem 50:000*000 cada uma, ou todas 7 350:000*000

    Que seis das 13 restantes. Maranho. Cear, Alagoas, Parahyba, Sergipe, Paran, possam consignar 40:000*000 240:000*009

    E as demais 20:000*000 somente . . 140:000*000

    Acresceriam ao fundo de emanci-pao mais 730:0005000

    A quota de cada provncia poderia consistir em applicar a esse fundo, imitando o exemplo do Go-verno geral, toda a renda proveniente dos escravos. Fora esta converso mui suave para a do Espirito Santo, por exemplo, onde em 1869 a meia-siza pro-duzio somente 18:800*000, no causando isto grande desequilbrio no oramento: para a de Alagoas, onde essa mesma renda foi orada para o exerccio cor-rente em 20:824*004, a que tambm poderia ajuntar a de exportao de escravos estimada em 7:550*000. Assim outras, podendo mesmo todas dobrarem as taxas de taes impostos sem grande danino das transaces. Mas algumas, a do Rio de Janeiro, por exemplo, poder de prompto votar ao resgate dos captivos os 252:910*000, que a lei do oramento do corrente exerccio inscreve na verba meia-siza de escravos? Podel-o-hao a Bahia e Pernambuco onde

  • 47

    essa e a renda da exportao de escravos montam igualmente a algumas centenas de contos? Se o fizerem, e devem de fazel-o, devem mesmo elevar as taxas de taes impostos para dar-lhes essa appli-caao exclusiva, no ha duvidar que a parte pro-vincial do fundo de emancipao eleve-se a um algarismo considervel, o duplo do que acima cal-culamos.

    4. Multas impostas em virtude da lei.

    6. Subscripes, legados e doaes.

    Nao ha" contar com rendimentos to problemticos.

    Resumindo:

    1. 633:000*000 2... / 166:000*000 3. a) 120:000*000 3 / 6 ; 392:400*000 4. * 5." a) 600:000*000 5. b) 730:000*000 6. *

    2,641:400*000 Suppondo que se dobrem as taxas

    dos 1. e 2., e as bases marcadas para o rendimento de que trata o 3., acresceriam 1,311:400*000

    3,952:400*000

  • - 48

    Ser sufficiente esta consignao ? eis a ques-to que naturalmente surge do que fica exposto.

    Provei no capitulo precedente que e iacil com medidas indirectas elevar a 5 % a taxa da reduco annual ; e assim a diminuio da massa da populao escrava seria to rpida que cada anno passado tornaria mais fcil qualquer soluo.

    Se a isto se deve limitar este anno o Poder Legislativo, questo de opportunidade em que muito podem divergir os pareceres. Mas se se resolve accelerar o processo com alguma me-dida directa, cumpre reforar o fundo de eman-cipao.

    At que limite ? eu no creio que se deva ir alm de 1 % do total sommado aos 5 % de mortalidade e manumisses individuaes: os 6 reduziriam a populao escrava em 10 annos a me-tade : que mais pressa pde desejar-se ?

    Avaliada a escravatura em um milho e du-sentos mil contos, o nosso 1 % deve subir a 12.000:000$000 annuaes : um maximum.

    Pois bem, eis o que lembro. Podendo a consignao proposta pelo Governo produzir mais de u. %, imponha-se sobre toda a escra-tura M % ad valorem.

    De um lado a ida emancipadora, de outro

  • 49 -

    os interesses creados sombra da lei escripta, disse mui bem o Parecer:

    " Devem ceder os antagonistas da- Insti-" tuio algum tanto do que invocam ao direito " natural, cedendo os seus contrrios um pouco " do que a razo politica lhes inspira.

    " Se uns e outros se conservassem acastel-" lados em arraiaes oppostos, toda a conciliao " seria impraticvel.. .

    " O acertado que uns e outros conquis-" tem, uns e outros cedam . . . "

    Bem: os senhores de escravos devem estar convencidos de que j agora impossivel sus-tentar o statu quo; e pois que a encetada revoluo do trabalho os ameaa de grandes perturbaes e prejuizos (no se pode isto negar em boa f) porqu no convidal-os a um sa-crifcio, relativamente mdico, e que resolve o problema com inteiro e completo reconheci-mento do actual direito positivo ?

    Um fundo de 1 % ad valorem emanciparia 1 % de escravatura, e j mostrei que isso basta.

    Impor sobre os rendimentos de um capital rendoso est nas regras da economia politica; e o respeito propriedade escrava nasce uni-camente de que ella representa um capital productivo.

  • - 50 -

    Do excesso do rendimento liquido sobre o juro corrente se deduza pois % % e tcr-se-na no 1 / anno o fundo de 12 a 13 mil contos.

    S>b a epigraphe Chronica Parlamentar publica-se todos os dias um escripto no Jornal do Commercio, que merece atteno, unica-mente pelo cunho semi-oficial que apresenta. No instituo estudo algum da questo especial, acompanha as evolues da politica, e a quantos combatem o projecto do ministrio declara egoistas, esclavocratas, ignorantes, e no sei o que mais.

    Uma das raras vezes que o escriptor semi-oficial desceu das generalidades, escreveu que a emancipao gradual como a quiz realizar a Inglaterra, seria muito mais funesta.

    Ha n'isto deplorvel confuso, ha falta de estudo da historia, sem duvida porque sobre todo o problema paira a coaco da politica da coroa que (j se nos disse da parte do mi-nistrio) quer a soluo contida na -proposta.

    A emancipao gradual ingleza foi funesta e no pde realizar-se, porque quizeram graduar a liberdade, no o numero de individuos liber-tados. Meia liberdade, direitos ao escravo con-tra o senhor, interveno diria da authoridade nas relaes entre ambos, familias mixtas, pes*

  • 51

    captivos e filhos livres, meio captiveiro dos li-bertos, tudo isso so elementos de desorganisa-o e de anarchia, e taes so alguns dos defei-tos do projecto ministerial, de que depois me oecuparei.

    Liberte-se, porm, cada anno certo numero, sem separar cnjuges, nem truncar familias: liberdade inteira a esses, conservao no statu quo dos restantes.

    Por estes meios pde-se antes do fim do s-culo extinguir a escravido como se amortisa um capital.

    Qualquer plano, comtudo, n'este sentido ou em outro, esta prejudicado pela politica, da Coroa que, disse o ministrio pelo seu rgo na im-prensa, formulou-se no sentido da proposta antes da partida de Sua Magestade o Imperador.

    Tal a coaco, que j assignalei, que tolhe o livre exame, e que provavelmente ha de vi-ciar a soluo do problema.

    Como seria lanado e arrecadado o imposto ad valorem? O meio de evitar os abusos, a que a medida naturalmente est sujeita, seria o seguinte:

    Abaixo de um limite fixado na lei, cada pro-prietrio arbitre o valor de cada escravo, no acto da matricula; e seja esse o preo feito para a ma-

  • 52

    numisso. Mas sobre esse preo declarado recaia a taxa ad valorem, que no deve exceptuar idade, sexo, estado, nem molstia ou sade.

    O escravo no arrolado ficar livre; os que fos-sem avaliados em pouco para lesar o imposto, po~\ deriam ser manumittidos pelo baixo preo; os que o exagerassem no seriam preferidos e pagariam muito tempo taxa desproporciouada. Taes os cor-rectivos.

    No seria certamente desarrazoado lanar tambm um imposto sobre os salrios dos que se fossem libertando, obrigando-os a celebrar contractos de locao de servios, e respon-dendo os amos pelo imposto.

    Alm do resultado material, este imposto pro-duziria benefcios moraes, impedindo a ociosi-dade, e robusteceria o fundo de amortisao, enfraquecido annualmente pela diminuio suc-cessiva da massa de populao escrava que para elle contribuiria.

    No reduzo a projecto estas bases, porque seria isso sem resultado nem utilidade, no me cabendo iniciativa oficial.

    Aponto-as porm para tirar minha critica o caracter de pura declamao.

    Tem-se dito muito contra a aggravaco dos en-C O *

    cargos da lavoura: mas impossivel resolver sem

  • 53

    sacrifcios o problema que Sua Magestade Imperial lanou no tapete da discusso; e a quem se hade pedir sacrifcios antes do que aos senhores de escravos? Estes sujeitando-se ao imposto, evitaro mal maior: embalal-os com a espe-jana da simples conservao do statu quo seria entreter uma illuso de perigosas conseqncias.

    Deve decretar-se desde j o fundo de amor-tisao, ou limitar-se o Corpo Legislativo este anno a medidas indirectas e preparatrias ?

    E' o objecto do capitulo seguinte.

  • V.

    OPPORTUNIDADE.

    Exposto em these geral o methodo para re-solver o problema com a minima perturbao econmica, occorre esta questo : convm de-cretar um systema completo, ou iniciar uma serie de medidas successivas ? Segundo o Sr. Visconde de Abaet o que a prudncia aconse-lha :

    1. Decretar a libertao dos escravos da Nao, redusindo a muito menos o praso de 5 annos, que o Sr. Visconde de S. Vicente propuzera.

    2." Libertar depois os escravos dos conventos. S. Ex. accrescentou : " Sou de opinio que a

  • 55 -

    emancipao 'dos escravos dos conventos no deve ficar dependente de contractos entre o Governo e as Ordens claustraes, mas deve ser determinada por lei, como a dos escravos da Nao.

    3 / Marcar mais tarde um praso, alm do qual ficassem livres os que nascessem.

    Em suas concluses, disse o nobre Conse-lheiro d'estado : " estas medidas no devem ser " apresentadas simultaneamente. "

    Os Srs. Visconde de Itaborahy e Euzebio de Queiroz queriam o praso destinado a medidas preparatrias e de segurana ; no opinaram, como disse' a Commisso, pela decretao imine-diata da liberdade dos ventres.

    O fallecido Marquez de Olinda com quanto combatesse com vigor' a emancipao gradual, estabeleceu preceitos e regras que vem em abono das opinies sustentadas n'esta memria, Dizia :

    " Quando deve ter lugar a abolio? Minha " resposta : quando ' for possivel decretal-a " para todos os escravos indistinctamente. E " quando ser isso possivel? Bespondo : quan-" do o numero dos escravos se achar to reduzido " em conseqncia das alforrias e do curso natu-" ral das mortes que se possa executar esse acto

  • 5o

    " sem maior abalo na agricultura e sem maior " estremecimento nos senhores.

    Lisongeio-me de haver indicado o meio pra-tico de obter rapidamente a reduco desejada pelo parecer citado.

    O ministrio de 16 de Julho, em presena do projecto de 1870 declarou que's lhe parecia opporluno decretar ento o arrolamento da popu-lao escrava e a libertao dos escravos de Nao.

    Ha outros pareceres em sentido anlogo: a maior parte, se no todos, reconhecem a necessidade de no precipitar uma soluo. E o pronunciamento da Opinio Publica n'este sentido no pde ser mais expressivo.

    No se pde comtudo desconhecer que na situao actual das cousas ser de ms conse-qncias o silencio do Corpo Legislativo por mais um anno. \

    Se as intelligencias dos nossos estadistas func-cionassem livremente, cumpriria pedir-lhes conj instncia que tomassem uma resoluo : os que porm, como eu, condemnam a base do projecto ministerial e a esto vendo apadrinhada pelo pres-tigio damonarohia, no podem deixar de fazer vo-tos para que a protelao na Cmara surta effeito.

    O ministrio no cede da decretao da liberdade dos ventres, porque essa a politica

  • I

    da Coroa; d'ahi a coaco moral, de que tenho fallado.

    Se fora aceita a base proposta, em substi-tuio dos ventres livres, seria opportuno decretar desde j o arrolamento da populao escrava, a declarao do valor de ada um no acto da matricula, a imposio da taxa ad valorem.

    E a par d'esta, medidas indirectas e prprias para animar e desenvolver o movimento das manumisses individuaes.

    <

    Abstenho-me, porque seria intil, de redigir um projecto por artigos; por pouco que um tal projecto difrisse das idas de outro que haja sido opposto ao do Governo, dir-me-hiam logo os oppositores no se* entendem.

    Queixou-se o defensor semp-oficial do gabi-nete que as multiplices representaes contra o projecto se acham em divergncia quanto ao alvitre preferivel; ou que, combatendo a ida proposta, no lembram outras.

    Entretanto, nada mais curial do que a abs-teno dos que apenas reclamam, nada mais natural do que a divergncia entre os que acaso tentam a iniciativa de medidas.

    Se a proposta desorganisa o trabalho, se sacrifica a produco, se barata a segurana

  • 58

    e paz das familias ; o que ha de mais simples do que reclamar cada uma das classes affec-tadas pelos perigos previstos, e invocar a sabedoria do Corpo Legislativo?

    Se em sua affiico tenta cada um lembrar o seu expediente, hade por fora verificar-se o quot capita, tot sententias; mas isso no pde embaraar os Bepresentantes da Nao.

    Em um ponto so unanimes as represen-taes ; a condemnao do projecto minis-terial : estudem, pois, os Srs. Deputados as objeces offerecidas; esse o seu dever.

    No se deixem coagir pela historieta da poltica imparcial da Coroa, nem intimidar pela figa do programma de reformas libcraes.

    A questo sem duvida a de mais alcance que a actual legislatura chamada a resolver.

    E pois que deliberei unir a minha fraca voz s dos que reclamam contra o projecto ministerial, devo occupar-me especialmente em assignalar os seus inconvenientes.

  • VI.

    LIBERDADE DOS V E N T R E S .

    0 parecer do Sr. Salles Torres Homem no Conselho d'estado comeou pelas seguintes re-flexes repassadas de bom senso:

    " Nas grandes reformas em que, por assim " dizer, se altera uma antiga ordem de cousas " pelos seus fundamentos, o maior inimigo que " encontra o legislador a lgica.

    " Esta quer todas as conseqncias rigorosas " dos seus principios, entretanto que as condi-" es praticas do meio social em que vai ope-" rar-se a reforma as no admitte em toda essa " extenso. E' foroso conciliar o rigor dos prin-" cipios com os interesses legtimos e respeitveis " que elles encontram em sua applicao e evitar

  • 60

    " os azares de uma soluo radical e inexoravel-" mente lgica. "

    Estas observaes que o illustre Conselheiro d'estado applicou ida da emancipao geral e simultnea, no menos se adaptam ao pensa-mento que o Governo adoptou para base da sua proposta.

    A deliberao foi filha de um sillogismo, cuja concludencia fascina. Se ningum mais nascer captivo, e visto que no ha supprimento do exterior, a escravido ficar limitada ge-rao presente; e a sua extinco infallivel em praso no longo.

    A lgica irresistvel. Ainda mais: no s a cabea mas o corao

    tem de que lisongear-se com semilhante ida: arrebata a imaginao o pensamento de livrar do futuro captiveiro a entes que existem no seio de Deus, que no conhecem ainda as mi-srias da humanidade.

    A liberdade dos ventres! ningum mais nasce escravo! bonito.

    Mas no basta.... Esses que ho de nascer livres no tero de exercer unicamente a func-o do nascer: tem de ser pensados, alimenta-dos e educados at que possam ser cidados em nossa sociedade. Ficam a cargo dos senho-

  • - 61 -

    res das mes, que sero indemnisados ou com 600$000 ou com os servios at 21 annos de idade.

    Eallarei depois da indemnisao e da servido: antes, apreciemos o rigor lgico da medida.

    Bobespierre tambm era lgico quando dizia: percam-se as colnias mas salvem-se os princpios. E se fosse possivel decretarsejam mortos e enterrados ao nascer os filhos das escravas o decreto seria efficacissimo para reduzir a escra-vatura res unius cetatio.

    Mas, deixando extremos, o principionin-gum mais nasce escravo- primeira vista des-lumbra pela sua aco decisiva, applicado porm s nossas circumstancias no resiste ao exame.

    Depende a sua realizao de bem combina-das providencias, para que os nascidos livres no sejam sacrificados falta de tratamento, para que se submetiam ao trabalho forado a que ficam obrigados, para que recebam alguma educao que os prepare para a maioridade, para que o contacto dos livres com os captivos no insubordine a estes, e no corrompa aquel-les.

    Tudo o que sendo possivel em certos limites numricos, comtudo entre ns, vista a concen-trao da escravatura, vista a pouca densidade

  • 62

    da populao rural livre, vistas as distancias entre os ncleos ou povoaes, vistos os perigos da interveno continua da authoridade entre o senhor e o escravo em proteco dos libertos, torna-se verdadeira utopia.

    Nada se vio de semelhante em nenhum dos paizes que emanciparam negros, porque nenhum d'elles tinha massa de populao escrava concentrada como a nossa.

    Os 300,000 que os Francezes emanciparam estavam divididos por 20 e tantas colnias em em distantes mares.

    Os 700,000 dos Inglezes pertenciam a 19 co-lnias diversas, com territrios e governos se-parados.

    Cada um dos Estados do norte, na America, linha apenas algumas dezenas de milhares, quando libertaram os ventres.

    Fl-o a Pensylvania em 1780, e no excedia a populao escrava a 500,000, cm toda a Unio Americana :

    Nova-York em 1790 : o total era 697,897 em todos os Estados:

    New-Jersey em 1804: tinham os Estados-Uni-dos, todos, 893,041.

    Extraio estes algarismos do livro do Sr. Dr. Perdigo Malheiro.

  • 63 -

    Nenhum d!esses Estados tinha a dcima parte da populao escrava que ns temos.

    E n'esta matria o numero tudo, porque o numero quem limita a possibilidade de criar os libertos, de educal-os, de os policiar, de os obrigar ao trabalho.

    Antes de apreciar mais de perto os efeitos prticos da medida proposta, farei uma refle-xo sobre o espirito do projecto. Bem consi-derado o complexo das medidas propostas, desenham a politica imperial com feies nota-velmente odiosas e anti-humanitarias.

    O Governo proclama a liberdade das geraes vindouras, e diz actual: para vs no ha esperanas!

    Uma das provas de que este o caracter da reforma emprehendida, est na nenhuma im-portncia dada pelos Conselheiros d'estado e por quem os consultava, ao fundo de emancipao ; ponto de que tratei no capitulo precedente.

    Segunda prova so os discursos do Sr. Con-selheiro Sayo Lobato, depois que o cortesa-nismo o converteu para a emancipao (servi-lismo proclamando a liberdade disse o Sr. A. Figueira). Eis o transumpto d'esses discursos:

    Vede, diz aos fazendeiros, que trabalhamos no vosso interesse: os demagogos querem a simples

  • - 6 4 -

    abolio, e o governo proclamando a liberdade dot ventres conserva em vosso beneficio a escravatura* actual. Quem me fizer a injustia de duvidar da minha imparciliadade, queira reler os dis-cursos do Sr. Ministro da Justia, no Senado e na Cmara: achar n'elles este pensamento, por mil modos paraphraseado socegai; nada' queremos fazer em favor dos actuaes escravos, s--mente dos que tm de nascer.

    Conciliai, se podeis, Srs. da Commisso es-1 pecial, um programma to profundamente injusto e odioso com as palavras de S. Lucas e com aquellas vossas apo.strophes: Creatura do mesmo Creador ? oriundo da mesma slirpe ? remido coiA' o mesmo divino sangue ? >

    Ponho de parte a inconvenincia e os peri-gos de se lanar o desespero nas almas, em que a philantropia imperial tinha inoculado a esperana. Mas pergunto: so somente "os-nascituros, os que " devem ler no cdigo saro-santo: rehabUitao do escravo e liberdade hu-mana ? "

    Portanto, propor a libertao dos ventres/ sem nenhuma providencia sisuda em favor escravatura existente, incorrer em todos anathemas, que a Commisso complacentemente colligio no seu arrasoado.

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    Mas deixarei as vistas geraes da questo, para apreciar especialmente o beneficio pro-mettido aos futuros ingnuos e sociedade, que ter de os acolher em seu seio.

    Pelo tratamento e creao dos que nascerem offerece o projecto aos senhores das mes, sua opo, ou um titulo de 600#000 a 6 % que se extinguira em 30 annos, ou os servios at 21 annos dos que tanto viverem.

    Ser sufficiente a indemnisao ? Segundo a taboa de Montferrand, chegam a

    oito annos 69,2 % das crianas que nascem cada anno; mas isto em populao branca, livre e gozando dos commodos da civilisao.

    Em Frana, segundo Duvillard, a porcenta-gem 56 %. Em Northampton na Inglaterra 50 %. Em Carlisle 65.

    Citando estes algarismos o Sr. Conselheiro Teixeira Jnior accrescenta : " Entre ns facto averiguado na raa escrava que 50 % dos nas-cidos no chegam a oito annos. "

    No sei como foi averiguado. o facto; mas basta a igualdade com a taxa de Northampton, para mostrar a sua inexactido.

    Conheo os nossos districtos ruraes, e no receio affirmar que presentemente apezar do melhor tratamento da escravatura depois que

  • 66

    escassearam os braos ainda no chegam a 8 annos mais de 25 ou 30 %. E suppondo que continue este estado de cousas, por cada um que chegar a 8 annos, tero morrido dous ou trs antes d'essa idade ; por todo o tratamento, curativo, alimentao, vesturio d'essas trs ou, quatro crianas, uma por 8 annos, outra por 5, 2 ou 4 annos, e pelas perdas dos servios das mes, offerece o governo 6003000 em um titulo de 6 % perituro ao fim de 30 annos! No ha um s fazendeiro que se julgue in-demnis ido : sejam ouvidos, e ho de dizer o mesmo todos e cada um.

    Um defensor do ministrio allega com rid-cula complacncia que os juros de 6 % em 30 annos sommam 1:080;?000 ! Podia capitalisar os juros semestralmente e acharia a somma de 3:5343960 ! Os melhores argumentos em defeza do projecto so como este.

    De 8 para 21 annos a mortalidade muito menor, pois de 100 que nascem (na Europa) 69 apenas chegam aos 8 annos, e d'estes 63 vo aos 21.

    De sorte que a escassez de escravos adoles-centes o que prova grande mortalidade na infncia.

    facto incontestado, que emquanto era baixo

  • 67

    o preo dos escravos, raras crias vingavam nas fazendas. Viajava-se pelos municipi s de Pi-rahy, Vassouras, Valena, Parahyba do Sul, lobservando os eitos do servio . . . quasi tudo africanos. Notava-se uma exccpo (e no havia muitas outras) de uma grande fazenda cujo proprietrio orpho se educava em paiz estran-geiro ; essa povoava-se notavelmente de criou-los : porque? por contrato, uma parte dos que vin-gavam pertencia ao administrador : sempre o interesse.

    Em todas as palestras entre fazendeiros se ouvia este calculo: " Compra-se um negro por 300-P000 : colhe no anno 100 arrobas de caf, que produzem liquido pelo menos o seu custo: d'ahi emdiante tudo lucro : no vale a pena aturar as crias que s depois de 16 annos daro igual servio. "

    E em conseqncia as negras pejadas e as que amamentavam no eram dispensadas da enxada: duras fadigas impediam em umas o regular desenvolvimento do feto, em outras minguavam a secreo do leite, em quasi todas geravam o desmazelo pelo tratamento dos filhos, e d'ahi as doenas e morte s pobres creanas.

    Quantos cresciam? no ha estatitiscas que o digam; mas se dos expostos da corte s vinga-

  • - 68

    vam 9 a 10 % como ento provou no Senado o Sr. Visconde de Abaet, dos nascidos na es-cravido no escapavam certamente mais de 5 %.

    A alta dos preos, e os estragos do cholera-morbus foram causa de salvar-se maior numero, mas ainda hoje duvido que a proporo exceda de 30 %.

    Destrua-se o interesse, e volveremos mor-talidade nas creanas de 95 %. realmente um meio ejficaz de libertar as geraes futuras, condemnal-as a uma morte certa.

    Baptisados, vo para o co ! . .. a mais de um abolicionista j ouvi Antes mortos do que ca-ptivos.

    Ser opinio prpria dos espiritos fortes, mas no corforme s aspiraes da humanidade. Os missionrios, que vo aos povos brbaros re-mir creanas condemnadas morte, no tm em vista somente baptisal-as, mas creal-as para que meream mais tarde o co por suas vir-tudes; o que torna sublime a misso dos redemptores.

    Que differena e contraste entre aquellas santas perigrinaes e a secca indiferena com que o que chamam a politica imparcial da coroa dispe as cousas, para que no vinguem os in-

  • 69

    dividuos que podiam complicar o problema da libertao !

    E pois fora de duvida que a mesquinhez da indemnisao pecuniria ser causa mortis de uma immensa maioria dos que nascerem. .

    Os servios at 21 annos, se fosse possivel contar com elles, compensariam a creao ; mas chimerica a esperana. Sem anarchia, o senhor no poder estabelecer differena en-tre os seus crioulos de 15 annos que a lei declara livres, e os parceiros e irmos d'elles de 17 que so captivos; dar-lhes-ha o mesmo leito, o mesmo alimento, os mesmos trabalhos, as mesmas penalidades; e que homem declarado li-vre pela lei se sujeitar a este nivellamento com os escravos? Ho de exasperar o senhor para que os expilla, ho de insubordinar os outros, ho de fugir, ho de ser insolentes e preguiosos ; rarissimos acabaro a sua tarefa aos 21 annos.

    Policia, dizem, autoridades, prises, coero legal : no sabem o que dizem. Tive o traba-lho de sommar as turmas de nascidos cada anno, calculadas pelo Sr. Conselheiro Teixeira Jnior, e procurar, segundo as regras da mor-talidade que S. Ex. adoptou, qual seria o es-tado das cousas em 1,900 no dominio da lei, se votada este anno.

  • 70

    Tomei da tabeli que acompanha o relatrio, as turmas de nascidos em cada anno, desde 1872 at 1899 inclusive; para a idade que teria em 1900 cada uma d'essas turmas calcu-lei a sobrevivncia pela taboa de Montferrand; e classificando depois as 28 turmas em trez grupos obtive os seguintes resultados:

    Haveria ento, segundo as estatsticas de S. Ex., 73,339 crianas livres de 1 a 10 annos, precisando da vigilncia das authoridades para serem bem tratadas ; haveria 177,468 crioulos de 11 a 20 annos, para serem contidos no tra-balho forado ; haveria 193,118 emancipados de 21 a 28 annos, que seria preciso policiar e obrigar a trabalhar. Tudo simultaneamente, em 1900: descontei a mortalidade anterior. Que meios e que policia bastam para tanto?

    Se no estado ordinrio das cousas fora de-sarrasoado contar com taes resultados, absurdo espera-los em meio da agitao de espiritos produzida pelo progresso da ida emancipadora.

    Ainda reduzindo a metade esses algarismos, porque o Sr. Conselheiro Teixeira Jnior exa-gerou a populao e a taxa das sobrevivencias, o absurdo no desapparece.

    Ningum tem f, portanto nas indemni-saces offerecidas: no a tem os mesmos de-

  • 71

    fensores da proposta; clamam pelo ventre livre porque nos estudos secretos do Conselho de estado alguns chefes dos dous partidos se compometteram por essa ida sob a presso dos enthusiasmos imperiaes, enlhusismos que eslo impedindo o livre exame.

    E no havendo indemnisao efficaz, volve-remos hecatombe primitiva das crianas: salvar-se-ho 5, e sero 95 sacrifiecadas s gloriosas ovaes que Sua Magestade Imperial foi colher na Europa I

    Para applacar os dolos antigos se degolavam de uma vez 100 bois, 100 porcos, 100 car-neiros ; no ficava flego vivo; ns civilisados, para que o Pedro II Brasileiro no seja so-menos na historia ao Pedro II Portuguez, immolaremos, em vez das suovetaurilia , heca-tombes de victimas humanas!

    Demos porm, para no deixar de examinar a questo por todas as faces, que as indem-nisaes offerecidas so efficazes, caso em que ser necessariamente preferida a da servido at a maioridade, porque o titulo de 600$000 apenas corresponder aos servios de 2 ou 3 annos.

    Sem duvida foi essa a inteno do projecto, para poupar ao Governo o embarao que lhe

  • 72

    causaria um grande numero de meninos de annos que lhe fossem entregues.

    Qual ser, porm, a sorte e condio d'esses libertos? Quefer-se-ha que o fazendeiro lhes crie uma existncia diversa da dos escravos, * anloga ao tratamento que se d aos colonos europeus? Mas uma tal distinco, continuando no captiveiro os pes, as mes e os tios, lan-ar nos nimos de todos um fermento de odw e de inveja, que pde ser origem das maiores calamidades.

    A industria agricola exige dos seus servidores varias percias, que no se adquirem sem no-viciado e aprendizagem; com os mais velhos aprendem os crioulos adolescentes. Que influen-cia tero os mestres captivos sobre os wprm-dizes livres?

    Juntos no eito, se o escravo insolente ou pre-guioso soffre castigo immediato, e o liberto apenas ameaado de uma queixa ao inspectof de quarteiro; quem ser capaz de manter disciplina em uma propriedade rural?

    Em todas as situaes, em todos os trabalhos, o fazendeiro s poder, se puder, conservar em ordem o seu estabelecimento, nivelando a con-dio e tratamento de uns e outros.

    Moraro nas mesmas ou iguaes senzalas, co-

  • 73

    mero do mesmo caldeiro, tero a roupa da tamina, sero sujeitos s mesmas penalidades, executaro os mesmos trabalhos.

    E nem ha que admirar, porque os senhores dos escravos entre ns no so deshumanos, a sorte d'elles muito melhor que a dos jorna-leiros na culta e negrophila Europa.

    Mas a conseqncia do exposto que at os 21 annos a liberdade ser puramente nominal: os infelizes sero at a maioridade captivosde facto.

    E aos 21 annos sahiro das senzalas, igno-rantes, embrutecidos, inados de todos os vicios da escravido, odiando o trabalho, porque at alli lhes foi.imposto; e viro exercer direitos politicos, eleger, serem eleitos, alistar-se no numero dos cidados!

    Que bello corpo eleitoral se nos prepara! Observe-se que estou argumentando sobre a

    supposio de que a lei se executa sem pertur-baes, que os ingnuos se sugeitam ao tra-balho forado, que os pes escravos de filhos livres se armam de resignao christ, suppo-sies estas por demais arbitrarias.

    Ainda assim, comtudo, que futuro espera a nossa sociedade, lanando-se em seu seio to grande numero de analphabetos, sahidos na vspera de embrutecedora escravido? E' assim

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    que se hade formar a nao livre cujas mara-vilhas faro esquecer o trabalho escravo? | . Eu no dou peso ao direito de propriedade

    sobre os que ho de nascer; liberte-os todos o Governo, sem indemnisao, se pde e quer fundar em cada municpio um hospicio de ma-ternidade para pensar-lhes a infncia, e esta-belecimnetos prprios para educal-os.

    Mas deixal-os captivos de facto at 21 annos, e sendo maiores, j incapazes de aprender, cal-lejados no vicio, aborrecendo o trabalho, lan-al-os na sociedade com direitos iguaes aos de nossos filhos!... Os Srs. ministros pensaram acaso n'esse futuro quando aceitaram o programma do fructo livre dos ventres captivos?

    Suppondo a existncia de 1 a milhes de es-? cravos adoptando a proporo de nascimentos que recentemente verificou a commisso do censo da cidade, 1:39,44 teremos a produco annual de 38,000 cidados ao gosto do projecto ministerial: e comquanto este algarismo tenha de seguir progresso decrescente, por causa da mortalidade, comtudo passados os 21 annos, receber a sociedade cada mez, cada dia, con-sidervel supprimento dos tristes representantes da civilisao sui generis, que nos offerece a politica imparcial da eora!

  • - 75 -

    Mal pde prever-se, qual deve ser o resul-tado da admisso no seio da ptria de um tal elemento, mil vezes peior do que a escravido.

    Ser uma guerra de raas? Se a politica im-perial , descontente d'este paiz que no sabe acompanhar-lhe as vistas elevadas, quizesse preparar-lhe um futuro de devastaes e de sangue, travada a luta entre os ex-senhores e os ex-escravos, no procederia com mais tino.

    Citei ha pouco o numero de crioulos j eman-cipados que segundo os clculos do Sr. Con-selheiro Teixeira Jnior existiriam em 1900, no dominio da lei: eram 193,118.

    Tal seria ento um dos elementos da nossa populao, se no presente anno fosse sancio-nada a lei proposta, e pudesse ser executada, como n'ella se contm: 193,000 homens e mu-lheres de 21 a 28 annos, analphabetos, em-brutecidos pela escravido de facto em que jazeram at a maioridade, sem meios de vida, odiando o trabalho por ter sido forado, e tendo todos tudo a ganhar, nada a perder com a subvero da sociedade existente.

    Se no isto um grande passo para o mais descabellado communismo, no ha probabili-dades n'este mundo.

    E cada anno receberiam os futuros Pyat e

  • 70

    Rocheforl nova massa recrutavel nos que che-gassem maioridade; noannoimmediato 20,616-depois 19,000, 18,000, e assim por diante. $

    V-se de todas as estatsticas, que dous ter-i os da nossa populao escrava esto agglome-radbs nas seis provincias que rodeama corte desde a Bahia at o Paran: a esta circums-cripo to limitada tocariam no comeo do sculo 128,745 dos cidados com que o pro-jecto quer felicitar a gerao seguinte.

    Ser de visionrio presumir que em 130,000 proletrios no vigor da virilidade, concentrados aqui roda d'este centro, se teria de desen-volver em larga escala a ociosidade, a vaga-bundagem, o banditismo.

    Faliam em policia, faliam em lei de locao de servios. Pouco densa como a populao do interior, que exercito policial! que dispen-dios com o emprego dos meios coercitivos! que desfalque duplo nos braos reclamados pela pro-duco! que inefficacia de aco das authori-dades!

    Depois, que terrveis meios de oppresso para o pobre povo! Massa recrutavel para o ricao do serto, que cria um Estado no Es-tado, para o Presidente que conquista uma eleio, para o Governo que quizer opprimir,

  • 77

    .eria tambm aquelle elemento grande prestimo para organisar-se um exercito, dar golpes d'es-itado Napoleo, e ageitar a comedia dos ple-i biscitos!

    Seria interminvel a enumerao dos perigos a que exporia nossos filhos a libertao das crias, acompanhada do seu embrutecimento at

    ; a maioridade. Se no estou em grande erro, a analyse que

    segui, estabelece com firmesa este dilemma: A indemnisao ofTerecida pela creao ou ,

    como eu creio, insuficiente e irrisria; ou compensa os nus respectivos.

    No 1.* caso a lei far, como disse no Con-selho d'estado o Sr. Viscoude do Bio Branco, uma hecatombe de innocentes.

    No 2.' caso, a escravido de facto dos nas-cituros, e sua convivncia com os pes, mes e irmos captivos ha de insubordinar a uns, corromper a outros, desorganisar o trabalho, e depois de 21 annos lanar na sociedade cada mez 1,500 ou 2,000 proletrios perigosissimos. A aco da authoridade no ter efficacia, reparti-da por to vasto territrio e to grande massa de indivduos a vigiar.

    Devo ainda considerar as authoridades ci-tadas pelo Parecer da Commisso especial. Com-

  • 78 -

    quanto a questo por sua natureza no possa ser resolvida por authoridades, convenho em que a grande somma de illustrao que se en-contra nas citadas tornam valioso o argumento subsidirio. .

    Mas os votos apontados pela Commisso, no abonam em tudo as suas apreciaes:', menrionou as opinies dos cidados P. Malhei-ro, Cmara Leal, Silva Netto, Silva Guima-res e Tavares Bastos ; podia accrescentar a lista com os nomes de liberaes distinctos que opinaram pela mesma ida, e entre elles o Sr. Bezerra de Menezes, que em defeza d'ella publicou uma notvel memria.

    E quem condemnar, em these, a libertao de innocentes? Aventavam a ida que obi-via e nobilissima ; mas no se havia estudado a sua pralicabilidade : quantos tero de nascerl podemos garantir-lhes a vida e a educao ? guial-os at a maioridadc, para que sejam cidados teis ptria ? estudo que apenas agora comea a ser instituido.

    O Sr. P. Malheiro apontou os hospcios de maternidade, os estabelecimentos de educao o Sr. Dr. Bezerra de Menezes desenvolveu o pensamento; queira a libertao dos nascitu-ros, mas no queria nem podia querer deixal-os

  • 79

    no captiveiro de facto, que o Governo prope. Se os outros citados quizessem explicar-se,

    duvido que adoptassem a ida como est no projecto.

    E', pois, em verdade nobre o pensamento da libertao das geraes por vir: mas atroz a a condemnao d'ellas morte certa ou a capti-veiro de facto at a maioridade. E um d'estes infallivelmente o resultado da lei, em nossas peculiares circumstancias.

    Cita mais a Commisso os pareceres do Con-selho d'estado. Muito os respeito, mas releva notar como se fez alli o estudo.

    Tomou a iniciativa Sua Magestade o Imperador tendo na mo o projecto dos ventres livres, orga-nisado mysteriosamente pelo Sr. Visconde de S. Vicente, quando parece que j era, segundo uma expresso semi-official, presidente do conselho de sobresalente; e abrio o debate o Imperador, dei-xando logo ver a sua opinio feita.

    Isso significava o facto de apresentar Sua Ma-gestade Imperial para base de discusso os pro-jectos S. Vicente que por um anno haviam jazido esquecidos em alguma pasta, e sahiam a lume depois que chegou a carta dos sbios francezes.

    Sem offensa dos nobres Conselheiros d'estado posso consideral-os em coaco moral: n^o que

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    subordinassem suas intelligencias a uma mtel-ligencia que em nada lhes superior; mas tolhia-os e coagia suas conscincias o corrfpro-misso tomado perante o estrangeiro; demais a ida era humanitria, christ, nobremente con-tagiosa.

    No se podia por falta de estudos prticos apalpar as suas difficuldades; nem sabiam os conselheiros, quantos nasceriam por anno, se era possivel vigiar e garantir a sua creao e educao : era natural o acanhamento para com-bater tal pensamento.

    Mas quantas resalvas, quantos protestos, que a Commisso omittio para fazer avultar as authoridades citadas.

    Seja exemplo o Sr. Visconde de Abaet. Disse: " As medidas directas que offerecem menor nu-" mero de inconvenientes so: libertao dos es-" cravos da nao , libertao dos escravos dos " conventos; libertao dos filhos que de certa " poca em diante nascerem de ventre escravo. " Estas medidas no devem apresentar-se simultanea-" mente, mas em separado e na ordem em " que vo enumeradas. "

    E no emtanto o Parecer cita o illustre Vis-conde como favorvel ao projecto do Governo.

    O Sr. Visconde de ltaborahy abundou nas

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    mesmas idas : entendia que o problema no pde ser resolvido de um jacto, mas por mui-tos ministrios successivos : e pedia um praso prvio para medidas preparatrias e de segu-rana.

    Foi da mesma opinio o fallecido Eusebio, que entre as medidas preliminares indicou o engajamento de tropa estrangeira composta de homens brancos, to graves considerava as me-didas iniciadas.

    Onde esto as providencias preparatrias, onde a estatstica que o Sr. Visconde de Abaet jul-gava indispensvel, onde as medidas successivas pedidas por S. Ex. e pelo Sr. Visconde de Ita-borahy, onde os prazos, onde as cautelas pelo segundo recommendadas e pelo fallecido Euse-bio de Queiroz ?

    Com que conscincia, pois, so seus nomes citados em favor da proposta como est conce-bida, ao passo que negam a publicao dos pareceres ?

    Tem por si a ida do Governo, certo, votos respeitveis, do Sr. Nabuco, do Sr. S. Vicente, e outros: mas hoje que o circulo dos debates se alarga, hoje que os interesses e os direitos diversos se pronunciam, hoje que as difficuldades praticas se apalpam, que a

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    exequibilidade se estuda, que os dados secol-ligem, est por saber se SS. EEx. sustentam ou no o seu primeiro parecer. Se o modifi-cam ningum lh'o poder extranhar: se per-sistem, no pretendero o dom de infalibili-dade. Nem pela authoridade que uma questo d'estas ser resolvida.

    Dos Srs. Baro de Muritiba e Marquez de Olinda que combateram toda a proposta, a Commisso cita de leve o primeiro e no mencio-na o segundo: so citaes que no fazem conta!

    E assim truncando e viciando os pareceres do Conselho d'estado, -o ministrio persiste em sequestral-os da publicidade !

    O parecer do Sr. Conselheiro d'estado Pa-ranhos, hoje Visconde do Bio Branco, merece ser lido e estudado: no o transcreverei por ser longo, e por que j foi publicado. Na his-toria de todas as Naes que emanciparam escravos, na observao do estado do paiz, de suas aspiraes, das tendncias dos partidos S. Ex. no encontrou um s motivo que jus-tificasse a iniciativa em to momentosa questo; mas vista a carta dos sbios francezes, e a resposta de Sua Magestade Imperial, S. Ex. acreditou que esse passo exercia sobre o paiz presso e influencia decisivas.

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    Eis o que determinou o voto do Sr. Conse-lheiro Paranhos contra toda lio da historia, contra todo o estudo das circumstancias do paiz.

    - Quer-se demonstrao mais eloqente do meu thema : sobre todo este debate paira coao moral descida do Alto, que embaraa o livre exame, e pde prejudicar a soluo1!

  • C O N C L U S O .

    Estava no prelo este opusculo, quando fui procurado por uma Commisso de lavradores e negociantes, que projectavam fundar n'esta Corte uma associao destinada a defender seus inte-resses ameaados: esses cavalheiros faziam-me a honra de convidar-me para o seu Club, bem que eu no pertena a nenhuma das duas classes que se congregavam.

    A primeira reunio teve lugar Domingo 16 de Julho; e annuindo ao obsequioso convite, compareci, considerando-me scio honorrio do Club d Lavoura e do Commercio.

    O ministrio, que entra nas vistas imperiaes, e quer a todo o transe a liberdade dos ventret, hade provavelmente menosprezar essa manifes-

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    tao; e seus escriptores ho de descrever Club da Lavoura e do Commercio como uma reunio de senhores de escravos, emperrados, que no querem dar um passo no sentido da emanci-pao.

    Posso dar testemunho de que na assembla do dia 16 estavam amplamente representadas a agricultura da Provncia do Bio de Janeiro, e de parte de S. Paulo e Minas, assim como os capites dependentes da sorte d'ella; isto , as classes, o trabalho, a produco que mais con-correm para a riqueza publica; e que por iso so as que tm mais direito de ser ouvidas na questo.

    Posso dar testemunho de que n'essas classes unanime o terror que infunde a proposta do Governo Imperial.

    Que haja alguns d'esses interessados que affer-rados tradio no desejem medida alguma, de crer e eu o creio. Mas tambm inne-gavel que os Fazendeiros mais cordatos, em no pequeno numero, vo se convencendo de que necessria a transformao do trabalho, e de que devem sugeitar-se a algum sacrifcio pecu-nirio para resolver a crise com o minimo abalo qe possivel.

    E' prova do. meu asserto o convite que me

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    dirigio o Club da Lavoura e do Commercio, cujos membros bem conheciam as minhas opinies. Eu as tinha enunciado por vezes em presena de muitos scios.

    O pensamento que menos repugna aos inter-ressados, o que tenho sustentado n'esta me-mria : libertao gradual com indemnisao, esta-belecendo-se regras de preferencia, e mantido stricta-menle para os no libertados o statu quo das relaes entre o senhor e o escravo.

    Interessa-me muito a questo, no s como Brasileiro, mas por minha posio e relaes]: no possuo escravatura, mas sou ligado por con-sanginidade e por afinidade a famlias nume-rosas de agricultores das Provncias do Rio, Minas e Espirito Santo.

    So pois interesses reaes, legtimos, avulta-dos os que clamam contra o modo porque se enceta a emancipao dos escravos.

    E deplorvel, muito deplorvel, que o mi-nistrio, posto em coaco moral pela fascina-o do Imperador, no tenha a liberdade de espirito necessria para vr o abysmo de desordens que est cavando!

    Para dar ida precisa das impresses do com-mercio e da lavoura, consignarei o facto de haver sido acolhida com applausos unanimes a

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    moo que motivei em um pequeno discurso em seguida transcripto.

    Por annuncios repetidos tinham sido convo-cados os negociantes e lavradores: comparece-ram em grande numero, bem como muitas pessoas de outras classes da sociedade: os sales do Club Fluminense mal podiam conter a multido. E entretanto no appareceu o m-nimo protesto em favor da proposta do minis-trio, nem uma voz, nem um gesto, nem uma physionomia que deixasse de manifestar sympa-thia pelo pronunciamento.

    Transcreverei aqui o discurso e moo, a que me refiro, a qual foi approvada unanime-mente, e publicada a 17 nas folhas dirias.

    0 SR. CHRISTIANO OTTONI : Meus senhores, a moo que vou apresentar assembla, filha do desejo de que no se dispersem os cidados aqui reunidos sem alguma manifes-tao solemne e publicado motivo que os rene, do espirito que os anima, do pensamento que os dirige. Tomando porm esta iniciativa, penso que no ser fora de propsito comear por definir a minha posio.

    Si houvera de guiar-me unicamente pelos annuncios com que as illustres Commisses da

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    Lavoura e do Commercio convocaram a presente reunio, eu no devera comparecer, salvo como mero espectador ; porque comquanto a questo no interesse somente a esta ou aquella classe, mas a toda a nao brasileira... (Apoiados).

    Uma voz : Apciadissimo: causa de to-dos.

    O Sr. Christiano Ottoni :.. . comquanto questo seja geral, todavia a convocao se dirigio a duas cla


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