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FÓRUM

Criacionismo e Evolucionismo

O falso dilema evolução versus criação já foielucidado há muitos anos. Foi entre as décadas detrinta e quarenta do século passado, quandoTheodozius Dobzhansky, Ernest Mayr, Stebbins eoutros grandes biólogos, reuniram-se e estabeleceramas bases da atual Teoria da Evolução. O termo teoriaàs vezes tem uma conotação pejorativa: “Isso nãopassa de teoria”, dizem as pessoas, como se a teoriafosse inferior aum fato. Sobre isso Stephen J. Gould,diz: “As teorias são estruturas que explicam einterpretam os fatos”.

Atualmente a evolução dos seres vivos é umfato incontestável, aceito por todos os biólogos.

A noção de um mundo dinâmico, em partemitológica, sobre a origem dos seres vivos já existiaem Anaximandro (séc. Vl aC.) e Empédocles (séc. Va.C). De acordo com Anaximandro, os homens eramcomo peixes; com o tempo foram perdendo a pele depeixe e passaram à vida terrestre. Empédocles,considerado por alguns como o pai da evolução, diziaque as plantas surgiram da terra, e destas os animais,que apareceriam como órgãos e partes separadas quese uniriam ao acaso. A maioria desses conglomeradoseram aberrações que acabavam sendo eliminadas.Mas alguns desses conglomerados eram bemsucedidos e sobreviviam. Eis aí uma primeira idéia desobrevivência dosmais aptos.

Xenófanes, que viveu no século Vl e parte doséculo V, foi o primeiro a reconhecer os fósseis comorestos de animais queviveram umdia.

No séc. 1V a.C. viveu outro grande filósofo:Aristóteles, que notou haver uma gradação completana natureza; o estágio mais baixo e o inorgãnico.Deste surgepor metamorfose o orgânico, formadoportrês estágios: vegetais, vegetais animais (esponjas e asanêmonas do mar) e animais. Podemos considerarAristóteles como o pai das árvores genealógicas,embora ela fosse uma linha reta, sem ramos e nãoincluisse os fósseis, já descritos por Xenófanes. Doismil anos separam Aristóteles de Lamarck, um grandeinjustiçado, lembrado mais por seus erros do que porseus acertos. Além de apresentar uma interessanteteoria para a evolução da vida em sua obraPhilosophie Zoologique, teve a coragem de publicá-laem 1809, uma época totalmente despreparada paraaceitar essas idéias.

Darwin, justamente considerado o pai daEvolução, publicou sua obra On the origin ofspeciesem 1859, causando o segundo grande abalo na visãodo homem sobre si mesmo, defendendo a idéia de queos seres humanos são umaparte da natureza e não algoà parte danatureza. Nicolau Copémico, emmeados doséculo XVI, com sua visão heliocêntrica do Universo,retirou a Terra do centro de todas as coisas celestiais.Essa foi a primeira grande revolução intelectual.Pode-se imaginar o impacto que essa descoberta

Lenita Crespo Ruiz Ferraz de Sampaio*

causou. Porém nada revolucionou mais o mundo eproduziu mais discussões do que a teoria da SeleçãoNatural de Darwin. Apesar do advento dessa novamaneira de explicar a origem do homem, isso nãoimpediu que se continuasse a considerar a “natureza”do ser humano como algo especial, por suasqualidades como inteligência, espiritualidade ejulgamento moral.

Os processos evolutivos são mecanicistas eimpessoais e por isso dificeis de serem aceitos pelosque acreditam que as coisas existem com umpropósito (F inalismo).

Spencer aplicou o conceito de seleção naturalao Darvvinismo Social, fato que irritou Darwin. Osdarwinistas sociais do final do seculo dezenove einício do séculovinte encontraram na “lei” da seleçãonatural justificativa para a luta de classes, acompetição econômica desenfreada, o capitalismo e oimperialismo.

Os dois pontos básicos de “A origem dasespécies” são que todos os organismos são produtosmodificados de ancestrais comuns, e que omecanismo da evolução é o da seleção natural dasvariações hereditárias. O problema de Darwin foijustificar as variações hereditárias, pois desconheciaos trabalhos de Mendel e a explicação para a herançaaceita na época era a mistura de sangue, que nãocomprovava as diferenças entre os seres.

Com as descobertas do século passado noestudo da morfologia comparada, embriologiadescritiva, paleontologia, biogeografia, genética ebiologia molecular foi comprovada a “TeoriaSintética da Evolução”, formulada entre 1930 e 1940,graças principalmente ao grande, humilde e queridoprofessor Dobzhansky, de quem tive a honra de seraluna na disciplina de Genética e Evolução, durante oano de 1955, no então curso de História Natural daFaculdade de Filosofiada Universidade de São Paulo.Um dos mais importantes geneticistas do mundo,ajudou a formar e desenvolver grupos de pesquisa quetrabalhavam em cooperação com universidadesamericanas. Era uma pessoa afável, de cabelosbrancos, rosto rosado, gostava de conversar com osalunos em seuportuguês corretíssimo, com deliciososotaque americano. Vinha à Faculdade de bonde ouônibus, como os alunos e alguns professores daépoca. Ninguém diria que ali estava uma das maisimportantes figuras da Ciência.

Qualquer pessoa, com um nível razoável deinformação não desconhece a explicação atual para aorigem e a evolução da vida. Esse é o paradigma atual.Ele pode ser mudado? Claro que sim, pois a Ciência e'

Rev. Fac. Cíênc. Méd. Sorocaba, v.8, n.1. p.32-33, 2006* Docente do Departamento de Morfologia CCMB/PUC-SP.

Recebido em 27/01/06. Aceitopara publicação 07/02/06

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viva, e portanto mutável. Verdades hoje, podem sermodificadas com novas descobertas. Mas o queafirmamos agora e está comprovado é verdadeiro.Atualmente faltam alguns detalhes, como fósseisintermediários na linhagem humana e na de muitosanimais e plantas. Mas com estudos mais intensos,cada vez mais completas ficam essas genealogias.Além disso estudos cromossômicos e a biologiamolecular tem contribuído para comprovar a relaçãoe a distância entre os seres.

O maior impacto produzido pelos termosevolução e seleção natural foi, sem dúvida, o impactoreligioso, por ser incompatível com suas crenças.Críticas por motivos religiosos começaram quandoDarwin ainda era vivo, em 1874. Charles Hodge,teólogo protestante americano, publicou What isDarwinísm?, uma das mais fortes críticas,considerando a obra mais atéia que a de Lamarck.Para ele o desenho complexo do olho humano só podeter sido planejado pelo Criador, como o desenho deum relógio demonstra a existência do relojoeiro,portanto a negação do desenho divino na naturezaequivale à negação da existência de Deus. Outrosteólogos como A.H. Strong (Systematic Theology),concluem , pelo contrário, que a existência e a criaçãosão compatíveis com a evolução e outros processosnaturais. Em 1950 o culto papa Pio XII, em suaencíclica Humani Generís reconhece que a evoluçãobiológica é compativel com a fé cristã, embora para acriação da alma seja necessária a intervenção divina.O papa João Paulo Il, em discurso em 1981 naAcademia Pontifícia de Ciências disse que é um errousar a Bíblia como um tratado de astronomia,geologia e biologia. A Bíblia não pretende ensinarcomo se formou o firmamento, mas sim como chegara0 ceu.

É portanto espantoso e chega a ser ridículaessa discussão que ressurge em pleno século XXI. Aexistência de Deus não pode ser comprovada, assimcom o a vida após a morte. Esse e' o grande Mistério.Para crermos nisso temos que ter fé. E esse é um domdivino.Não é Ciência, é Religião.

No que diz respeito aos deuses, há aquelesque negam a própria existência da DivindadeSuprema; outros dizem que ela existe, mas não sepreocupa, não interfere nempremedita coisa alguma.Um terceiro grupo atribui-lhe existência ativa epremeditada só para assuntos transcendentes ecelestiais, não para tudo o que acontece na Terra. Umquarto grupo admite a interferência divina tanto naTerra comno Céu,mas só em geral e não a respeito decada individuo. Um quinto grupo, ao qualpertenciam Ulisses e Sócrates, é o dos que bradam:“Não dou um só passo sem o vosso conhecimento”.(Epicteto, filósofoestóico grego, 50 d.C).

BIBLIOGRAFIA1. Ayala FJ. La teoria de la evolución: de Darwin a los últimosavances de la genética.Madrid: Temasde Hoy, 2001.2. DarwinC. A origem das espécies. SãoPaulo: Hcmus, 1979.3. Freire-Maia N. Criação e Evolução, Deus, o acaso e anecessidade. SãoPaulo:Vozes, 1986.4. Futuyma DJ. Biologia evolutiva. Ribeirão Preto: SBG-CNPq,1993.5. Lcwin R. Evoluçãohumana. São Paulo:Atheneu, 1999.6. Epicteto apud SalingerJD. Franny andZooey. 1970.

"We know accurately only when we know little; with knowledgedoubt increases. "

Goethe

"That which is sure is not sure. As things are, they shall notJremain. '

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Bertolt Brecht

Rev. Fac. Ciênc. Med. Sorocaba, v8, n.l. p.32-33, 2006


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