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    ISSN 0080-2107

    Corrupo nas organizaes privadas: anlise da percepo moral segundo gnero, idade e grau de instruo

    Renato Almeida dos SantosArnoldo Jose de Hoyos GuevaraMaria Cristina Sanches Amorim

    A corrupo organizacional um fenmeno de natureza sistmica, pode ser abordada de muitas formas e, entre essas, na ptica da literatura sobre compliance, entendida como a reflexo sobre as causas e a mitigao da corrupo, bem como sobre os instrumentos para a promoo de ambientes ticos. Na base da compliance est a percepo moral do indivduo quando exposto aos dilemas ticos. O objetivo no presente trabalho avaliar o impacto do nvel de instru-o, da idade e do gnero na percepo moral nas organizaes. Para essa finalidade, so utilizados dados secundrios, cedidos pela ICTS Global, empresa internacional especializada em reduo de riscos ao patrimnio, reputao, informaes e vida humana. Realizam--se anlises estatsticas exploratrias procurando as relaes entre as variveis indicadoras do ndice de anlise de aderncia tica empresarial (AAEE) da ICTS Global. Trata-se de anlise descritiva baseada em amostra no probabilstica por convenincia, realizada entre os anos de 2004 e 2008, com funcionrios e candidatos de 74 empresas privadas situadas no Brasil; o nmero final de indivduos pesquisados totalizou 7.574. Os resultados indicam que a varivel instruo exerce maior influncia nos indicadores de percepo moral: quanto menor o grau de instruo, menor a percepo do que errado. Na anlise detalhada dos indicadores de percepo moral, os resultados mostram diferenas comparativas interessan-tes conforme os perfis dos profissionais e as variveis analisadas (gnero, idade e grau de instruo).

    Palavras-chave: compliance, tica nas organizaes, governana.

    Recebido em 16/setembro/2010Aprovado em 23/julho/2012

    Sistema de Avaliao: Double Blind ReviewEditor Cientfico: Nicolau Reinhard

    DOI: 10.5700/rausp1073

    RES

    UM

    O

    Renato Almeida dos Santos, Advogado, MBA em Gesto de Pessoas pela Escola Brasileira de Administrao Pblica e de Empresas da Fundao Getulio Vargas, Mestre e Doutorando em Administrao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (CEP 05015-901 So Paulo/SP, Brasil), Executivo da empresa ICTS Global.E-mail: [email protected]:Pontifcia Universidade Catlica de So PauloRua Ministro Godoy, 969 4 andar05015-901 So Paulo SP

    Arnoldo Jose de Hoyos Guevara, PhD pela University California, Berkeley, Ps-Doutor pela University Oxford, Reino Unido, Responsvel pelo Ncleo de Estudos do Futuro da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (CEP 05015-901 So Paulo/SP, Brasil), Representante do Projeto Millennium e dos ICIM no Brasil.E-mail: [email protected]

    Maria Cristina Sanches Amorim, Economista pela Universidade de So Paulo, Doutora em Cincias Sociais pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, Responsvel pelo Ncleo de Pesquisas de Regulao Econmica e Estratgias Empresariais da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (CEP 05015-901 So Paulo/SP, Brasil).E-mail: [email protected]

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    Renato Almeida dos Santos, Arnoldo Jose de Hoyos Guevara e Maria Cristina Sanches Amorim

    1. Introduo

    O combate corrupo por meio de boas prticas de gover-nana corporativa tem sido associado noo de responsabilida-de social empresarial. O dcimo princpio do Pacto Global das Naes Unidas estabelece que as empresas devem combater a corrupo em todas as suas formas, inclusive extorso e propina (CGU, 2009, p.6). Reduzir os riscos relacionados s condutas antiticas dos profissionais aumenta a competitividade das em-presas, pois a gesto dos riscos preserva a imagem corporativa interna e externa, diminui a probabilidade de fraudes internas e gera ambiente mais seguro. A corrupo, em suas diversas formas, compromete o desenvolvimento do mercado e reduz possibilidades de lucratividade consistente no longo prazo.

    O uso de instrumentos como cdigo de tica e de conduta, canal de denncia, desenvolvimento de controles internos, procedimentos internos de divulgao de temas relacionados corrupo, anlise de aderncia tica dos profissionais e parcei-ros comerciais crescentemente utilizado pelas organizaes na busca de diferenciais no mercado (CHERMAN e TOMEI, 2005). Adicionalmente, o Artigo 404 da Lei norte-americana Sarbanes-Oxley, de 2002, aponta para o mesmo caminho, e as empresas norte-americanas so obrigadas a segui-la em qualquer parte do mundo. A adequao das organizaes aos comportamentos ticos dos profissionais e candidatos e a identificao, a mitigao, a anlise das consequncias e a preveno das atitudes inadequadas uma tarefa difcil para as organizaes, mas, ainda assim, necessria.

    A busca pela aderncia entre a tica individual e a coletiva denominada compliance, termo anglo-saxo originrio do verbo to comply, que significa agir de acordo com uma regra, um pedido ou um comando. Compliance o dever de cumprir, de estar em conformidade e fazer cumprir regulamentos internos e externos impostos s atividades da instituio (MORAIS, 2005). Discutir compliance exige compreender a natureza e a dinmica da corrupo nas organizaes.

    A conduta de acordo com a regra (compliance) ou a corrupta possuem vrias causas e so influenciadas pelas circunstncias. Na raiz da conduta corrupta ou da compliance est a percepo moral, a compreenso do indivduo sobre o significado de sua atitude ante a moral e as regras organizacionais.

    Como pressuposto, a corrupo nas organizaes sis-tmica. O subsistema de corrupo complexo e de difcil desarticulao. Para uma ideia geral da abrangncia, Nielsen (2003) identificou 12 pontos dignos de nota: existe um subsistema de reciprocidade, destrutivo e parasita,

    de ganho mtuo nas redes exclusivas de corrupo; extorso por funcionrios pblicos um problema muito

    maior que suborno, uma vez que indica uma possvel fragi-lidade na estrutura estatal;

    comportamentos de corrupo parasita podem envolver comportamentos produtivos, o que serve para apoiar ainda mais o subsistema de corrupo;

    armadilhas pequenas do cotidano e violaes ticas podem cooptar reformadores em potencial, alm de ser usadas como armas contra eles;

    muitos dos agentes da rede de corrupo, pessoal e indi- vidualmente, podem ser muito agradveis, generosos, di- vertidos, inteligentes e, at mesmo, corajosos, enquan- to, ao mesmo tempo, podem tambm ser parasitas e destru- tivos;

    leis socialmente populares, mas no realistas, so aprovadas para gerar popularidade poltica e oportunidades de extorso ou suborno;

    h conexes de corrupo entre os partidos polticos e a po-lcia e as ramificaes do governo responsveis por autuar, julgar e legislar;

    h conexes de corrupo entre os partidos polticos e os relatos de potenciais ces de guarda (vigilantes) e institui-es de pesquisa, como as auditorias, a mdia jornalstica, as universidades e associaes profissionais;

    exigncias de grandes financiamentos de campanha envolvem candidatos da reforma e/ou seus familiares e correligionrios em relaes problemticas de financiamento;

    participao na corrupo de ganho mtuo oferecida a reformadores potencialmente eficazes;

    conflitos com incentivos dos principais agentes do setor p- blico resultam em equvocos nos regulamentos/regras e relaxamento na superviso, e isso no o mesmo que desre-gulamentao ou retirada do controle governamental;

    programas de resgate nacionais e/ou internacionais ser- vem para manter o sistema corrupto, enquanto, ao mesmo tempo, foram medidas de austeridade para a classe mdia e a baixa.

    Apresenta-se o histrico do debate sobre corrupo e das trs geraes de pesquisa sobre o tema, nos quais se ressal- tam as dificuldades tericas e prticas de conceituar e me- dir corrupo. A discusso sobre compliance, por sua vez, expressa o empenho de autores e gestores em impedir a corrup- o e promover atitudes ticas nas organizaes e, por esse motivo, apesar dos limites metodolgicos, procuram avanar no entendimento das causas do problema, entre elas a percep-o moral.

    Os dados disponveis para a pesquisa aqui relatada sobre percepo moral apontavam para a necessidade de entender as relaes entre gnero, nvel de instruo, idade e percepo moral. Realizou-se pesquisa quantitativa como estratgia de primeira abordagem ao fenmeno da percepo moral, descrita no tpico Metodologia. Pesquisas qualitativas futuras podero avanar no entendimento das variveis isoladas, bem como suas relaes com a cultura organizacional.

    Utilizaram-se as expresses tica e moral como sinnimos. Dadas as limitaes quanto ao tamanho do presente artigo, no se discutiu tica como tema especfico, privilegiaram-se a apresentao e a anlise dos dados.

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    Corrupo nas organizaes privadas: anlise da perCepo moral segundo gnero, idade e grau de instruo

    2. Corrupo: ConCeItos, IndICadores e pesquIsa

    A corrupo era tratada na literatura acadmica com brevi-dade, fornecia material para anedotas e cochichos sociais, mas no era vista como problema a enfrentar por meio de polticas e reformas especficas (SPECK, 2000), mas considerada um lubrificante da economia, cuja existncia era benfica. Quando muito, economistas (LEFF, 1964) observavam a corrupo como possvel causa de alguns prejuzos para a eficcia eco-nmica, todavia, como fato de pouco impacto na ordem das coisas, no era digna de estudo e muito menos de interveno.

    Na perspectiva da literatura utilizada neste estudo, a cor-rupo deve ser encarada como um dos principais problemas organizacionais. A sociedade comea a ver a corrupo como um entrave para o desenvolvimento sustentvel, reconhecendo que provoca ineficincia, incentivos errados para os investimen-tos econmicos e desestmulo populao na busca p


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