Download - Convivências #2
casa tomadaconvivências #2
apresentação3
Essa temporada de Ateliê Aberto foi acompanhada por um Ate-
liê Teórico, uma tentativa de que a prática e a teoria sobre a prá-
tica convivessem e dialogassem intimamente nesses dois me-
ses de processo.
O Ateliê Teórico – por ser a primeira edição com este for-
mato ou por inexperiência de suas integrantes ou por qualquer
outro motivo – ficou procurando (e não encontrando) seu lu-
gar no processo da Casa Tomada, uma metodologia, uma ma-
neira de atuar que fosse coerente com o processo aberto que
a Casa propõe.
Por fim, como sugestão das próprias diretoras da Casa, o Ate-
liê Teórico se incumbiu de produzir um texto, sobre algum as-
pecto do processo do Ateliê Aberto #2, para ser publicado na
Convivências #2, a revista que seria feita ao fim e sobre o Ate-
liê Aberto #2.
Nós, do Ateliê Teórico, frente a essa proposta, ficamos com
vontade de produzir um texto que fosse, em algum aspecto,
uma troca (entre nós e os artistas do Ateliê), e não apenas um
recorte descritivo do processo vivido na Casa.
Porque vivência, troca e processo parecem ser a tônica des-
sa experiência de residência.
Depois de dias indo à Casa, acompanhando pedaços do tra-
balho dos artistas, conversando com eles ou acompanhando
conversas entre eles, conversando com as outras pessoas da Ca-
sa, percebemos que a conversa em si era uma possibilidade de
ferramenta, uma forma de abordar questões que surgiram re-
correntemente nos diálogos da Casa.
Dúvidas, crises, ideias, sensações, velhas questões, novas
questões, o processo vivido, o processo de trabalho, a residên-
cia, o transformar-se, o permanecer, a exposição final, os cader-
nos de anotação, o processo aberto.
Tudo era conversado. E toda essa conversa era, também, o
processo vivido no Ateliê Aberto #2.
_ Tábata Makowski é formada em
Letras/USP e Cinema/FAAP. É no
Teatro, porém, que está a maioria
de suas realizações.
_ Atualmente, é integrante
do Coletivo Urbano de Teatro,
grupo de artistas que têm a
cidade – os movimentos, os
sons, a arquitetura, a vida na
metrópole, as relações humanas
estabelecidas – como ponto
de partida para investigações
e intervenções artísticas; e
que, neste momento, estão
estudando a questão teatro/
performance no teatro pós-
dramático. O Coletivo possui dois
trabalhos, dos quais é codiretora
e dramaturga: CIDADE(S) – cartão
postal em 4 atos e Jornada/4 atos.
E então, de repente, o conteúdo era forma e as conversas se
transformaram em conteúdo para a publicação.
Gravamos três conversas; mais de três horas de material. Os
temas das conversas foram previamente elencados: a residên-
cia; o processo; o processo aberto; os encontros; o blog; os ca-
dernos; a exposição; a publicação.
O texto que apresentamos aqui, portanto, é um recorte des-
sas conversas. E um recorte em certo sentido autoral, já que fo-
mos nós, do Ateliê Teórico, que decidimos quais fragmentos co-
locar e como ordená-los.
É uma produção construída a partir de material documental
(as conversas gravadas), mas que, em última análise, é ficcional
(construção nossa) – o que, no nosso ponto de vista, é muito ri-
co, porque revela o fato de esse texto ser um olhar sobre a Casa,
uma possibilidade, uma verdade e não um discurso hegemônico.
E isso vai direto ao encontro da proposta da Casa – vários
artistas com seus vários processos. Várias pessoas. Convivendo.
Carolina Mendonça e Tábata Makowski
_ Carolina Mendonça é artista do
sexo feminino de vinte e cinco
anos paulistana filha de gaúcho
formada em artes cênicas na
ECA-USP 2008, onde realizou
trabalho de conclusão de curso
baseado em estudos sobre
espaço. Criou obras variadas em
intervenção urbana, instalação,
performance e fotografia.
_ Entre estes trabalhos
artísticos destacam-se a
vídeoperformance Paisagem
com Homem e Mulher filmada na
Rodovia Fernão Dias entre BH-
SP (2009); a performance Muro
em Diagonal | Metaforas Espaciais
com Experiência Concreta, na
Verbo 2009 da Galeria Vermelho;
e uma instalação urbana, o
Projeto Colunas (2008).
_ Já Expôs a série fotográfica
Habitat, MAC- SP (2009) e
participou da Verbo 2007 com a
instalação Vending Machine.
_ Atualmente faz do caminhar
sua estética e prática diária.
Buscando compreender o que é
ser latino-americano.
5
residência7
Eu vejo isso daqui como uma passagem.
Lógico que você pode finalizar coisas. Mas, para mim, quando
você se propõe a fazer uma residência artística é mais para você
ter um tipo de experiência e não para chegar a determinado lu-
gar. É pelo momento. Então, quando eu penso numa exposição
depois de uma residência, para mim é muito… porque exposi-
ção eu poderia fazer lá no meu ateliê, sabe? Não mudaria nada.
O legal de uma residência é você se deslocar do seu ambien-
te, das suas coisas, e ir para outro ambiente que pode gerar coi-
sas, pode gerar mudanças em você pessoalmente e no seu tra-
balho também.
Acho que isso é legal, ter essa abertura e ter um pouco esse
tempo de conviver com as pessoas, trocar ideias. Se ficar muito
focado em “tenho que fazer esse projeto” acaba não sobrando
muito tempo para isso.
9
Partimos de uma premissa histórica pessoal
para a construção de uma carga imagética que
decorre da expectativa formada a respeito de
um lugar nunca antes visitado.
A imaginação vem pautada por desejos,
por objetivos, por medos, por encantos, mui-
tas vezes sem controle, mas nem por isso me-
nos edificada.
Adentramos o espaço desconhecido em bus-
ca do que fora antes concebido, lançando mão
de ações em prol do que gostaríamos de realizar
ali dentro. Eis que somos envolvidos pela expe-
riência, que vem transformar o castelo de ideias
em um caderno de escolhas. Passamos então a
caminhar entre anotações de descobertas e des-
confortos, alternando surpresas e frustrações.
Inúmeros tracejados atribuem à imagem
uma realidade que se define pelo desenho de
uma história atravessada por razões de traba-
lho assim como de intimidade. Nos tornamos
ao mesmo tempo agentes e receptores das
mudanças decorrentes deste trajeto, que em-
bora sejam percebidas diferentemente por ca-
da um que o vivencia, guardam em comum o
receptáculo de todas as experiências sensíveis
ali depositadas.
Percebendo o caminho percorrido até ago-
ra, vemos a importância do surgimento deste
terreno de convergência qual podemos cha-
mar de encontros, que por sua vez só se torna
possível a partir da desconstrução conjunta do
ideal de indivíduo.
DOS ENCONTROSpor Luísa Horta
_ Luísa Horta iniciou seu
contato com as artes através
do circo. Durante cinco anos
participou de espetáculos e
de atividades ligadas à arte
educação. Paralelamente ao
circo transitou pelo teatro e
pela dança contemporânea,
como produtora e também
como intérprete.
_ No cinema atuou no longa
Mulher à Tarde, de Afonso
Uchoa, que recebeu Menção
Honrosa na 13a Mostra de
Cinema de Tiradentes. Na
área de direção de arte
integrou o projeto Entre…
do Coletivo Acaso, que
resultou em um espetáculo
de improvisação.
_ Há dois anos estuda
na Universidade Federal
de Minas Gerais, onde
divide sua formação
entre as Artes Gráficas e a
Fotografia. Tem como foco o
desenvolvimento de projetos
autorais, investigando a foto
como performance, o livro
enquanto objeto, investindo
no cruzamento de linguagens
como integração das várias
facetas de sua formação.
É difícil traçar um limite. O que eu mudei por causa do perío-
do de residência… O trabalho está sempre em mudança.
Para uns é mais visível do que para outros. Mas eu acredito
que, a partir do momento em que a gente se propõe a ir para
um lugar com a intenção de criar e não simplesmente para ex-
por algo que já estava pronto, a gente se propõe a estar aberta
à possibilidade de algumas influências e isso vai gerar alguma
mudança no trabalho.
Acho que a mudança pode ser imediata ou ficar meio hiber-
nando para um momento posterior. Fechar um ciclo para de-
pois partir de novos pontos.
Rosana Mariotto, professora e artista
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A residência não mudou meu trabalho, mas me fez pensar
outras coisas, buscar outras coisas. Me fez arriscar, me interessar
por certas técnicas que eu não me interessaria. Não sei o que
eu vou fazer com isso, mas me abriu para outras possibilidades.
Na verdade, me deu muita vontade de trabalhar coletivamen-
te, voltar a trabalhar coletivamente. Várias coisas surgiram, con-
versando. Mas eu estou fechando um ciclo. Depois eu vejo o que
faço com isso. O que mais ficou foi trabalhar com um coletivo. Vo-
cê sair dos seus conflitos, das paranóias do seu trabalho.
Aqui é um coletivo que funciona bem; você se expõe en-
quanto indivíduo para escutar o coletivo, outras perspectivas.
Às vezes me vejo muito presa nos meus conflitos. Agora consi-
go visualizar melhor o que estou fazendo, deixar umas coisas de
lado, para depois.
A gente não decide a hora em que as coisas vão mudar, elas
mudam por elas mesmas.
Tata Amaral, cineasta
13
processos15
O que é esse ‘processo’ sobre o qual a gente está falando?
É o processo de fazer a obra ou é o trabalho de concepção?
A gente pensou duas coisas sobre essa questão do processo.
A primeira, seria a concepção do trabalho mesmo, o proces-
so de criação do trabalho, de ver de onde o trabalho vem, ver
trabalhos anteriores, quais as referências para o trabalho atual.
A outra é o processo de feitura.
Que eu acho que não é tão interessante.
Porque é só o trabalho na matéria.
Acho que todo mundo já tem uma noção de como um tra-
balho é feito.
Por isso não sei se interessa falar sobre isso.
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PROCESSO ABERTO
Essa situação de parecer que o processo está em aberto e, na
verdade, ele não estar.
Nem um pouco.
Eu estava pensando: onde é o espaço do processo?
Na sua cabeça.
Pois é.
Para mim o processo é muito mental e o processo físico só se dá
quando já tem alguma ideia na cabeça. Aí sim ele se dá no espaço.
_ Erica Ferrari, 28, vive e
trabalha em São Paulo.
Graduada em Artes Plásticas
pela ECA-USP em 2008,
participa individualmente e
com o grupo Hóspede de
mostras desde o ano de 2005.
_ Individualmente, expôs na
Galeria Emma Thomas e na
Galeria Baró em 2009. Para
2010 prepara-se para o 61º
Salão de Abril em Fortaleza
e a exposição individual no
Palácio das Artes (MG). Em
sua pesquisa, tem como
interesse a paisagem e os
instrumentos de passagem e
contenção que condicionam
a vivência urbana, utilizando
referências materiais e formais
do mobiliário doméstico.
_ Das atividades realizadas com
o grupo Hóspede, se destacam
o projeto Laboratório Hotel –
formação de centro de estudo
e residência no Largo da
Batata (SP) – patrocinado pela
Secretaria de Estado da Cultura
em 2007, além das seleções em
iniciativas como o Programa de
Exposições do Centro Cultural
São Paulo e a Temporada de
Projetos do Paço das Artes.
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blog21
Você pode ter um blog, se conscientizar dessa plataforma e de-
senvolver um conteúdo para isso. Outra coisa é saber: O que é
essa transmissão do processo? O que é essa exposição? O que
ela significa?
Essa coisa da Casa, de ser tudo aberto, de estar tudo no
blog... Para as pessoas que estão aqui o processo está mais
aberto do para quem vê só o blog.
O blog funciona pra mostrar o que aconteceu ou o que a
gente quer mostrar.
É uma comunicação, um jornal, não é 24h. É a imagem que
você está dando de você mesmo.
É como uma vitrine: você põe as peças... e as pessoas veem.
Eu já botei umas coisas no blog, mas, de uns tempos pra cá,
eu não vejo muito sentido, acho meio solto. O blog não é mi-
nha linguagem.
No blog estão escolhas que eu fiz. Eu quis colocar uma ima-
gem e não outra, um texto e não outro. É um lugar público tan-
to quanto um lugar expositivo. São coisas que eu quero colocar
lá para as pessoas verem. A partir disso estou construindo uma
imagem sobre mim.
Quem é que acessa o blog?
Várias pessoas que não são do ambiente de arte veem o blog. É
Marcio Harum, curador
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uma maneira de acessar outras pessoas que não vão a exposição.
Eu vi o blog do Ateliê Aberto #1.
Eu não sei se não achava legal o que via ou o estar exposto.
De alguma forma a gente não tem tanta noção dessas ferra-
mentas, do poder das redes de relacionamento. Tem muito ain-
da para experimentar, para entender como se apropriar, como
se utilizar disso.
O blog da Casa Tomada parece que é uma ferramenta a fa-
vor do processo. Um acompanhante do processo. A gente fa-
la que o importante é a vivência e o processo. O blog acompa-
nhou o que foi o processo da casa.
Acompanhou?
O blog existe para olhar para a casa, como uma tentativa de
exteriorizar o processo.
E por que não aconteceu isso?
Porque o processo de trabalho é individual.
O blog não é meu processo, é como uma notinha do jornal.
Sabe quando tem uma notinha? É isso que eu coloco lá. Tem uma
esfera pública de meu pensamento e que não é a exposição.
Gabriel Bá, quadrinista
A Clarissa falou uma coisa interessante aquele dia: as redes
de comunicação são subutilizadas. Quem acessa um blog aces-
sa de um jeito conformado. Tem a opção de comentar, mas
quem comenta?
O blog é uma informação fragmentada; a pessoa faz o que
quiser com a informação e nada retorna para eu me construir
com o que a pessoa achou.
As pessoas não têm noção de que, de repente, podem inter-
ferir no processo de um artista. Se as pessoas comentassem, co-
locassem no blog o que pensassem... de maneira livre...
Eduardo Brandão, galerista
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cadernos
Normalmente eu tenho vários cadernos.
Eu, normalmente, tenho 4 cadernos.
Eu usava 4 cadernos também.
Eu não gosto de caderno.
Eu uso vários cadernos.
Eu tenho muitos papeizinhos também.
Eu, por exemplo, tenho vários cadernos ao mesmo tempo.
Mas agora eu só estou com um. Por causa da Casa Tomada. Por-
que eles me deram esse e eu acabei concentrando.
Eu tenho me questionado por que eu vou deixar meu ca-
derno na Casa.
Eu aceitei no começo, mas agora está me incomodando.
Porque o processo vai ficar aqui. E o meu processo?
E a fotocópia?
Eu já pensei na fotocópia, mas é diferente.
O caderno é do artista, eu acho. Se eu quiser fazer qualquer
coisa com ele depois...
O meu caderno tem 5 páginas, 4 figuras. O resto é branco.
O meu eu uso bastante.
Esse caderno não é um caderno real. Não é o meu caderno
normal, é outro caderno.
Resolvi escrever sobre minha angústia em
São Paulo. Aqui, estou me sentindo perdida – ou
extraviada. Minha criação está indo pra um lado
muito clichê. Atualmente preciso me afastar das
pessoas do meu ateliê. Existe uma pressão de
certezas, de acertar o ponto e saber aonde que-
ro chegar. Me percebo num buraco negro e que
até agora fui para um lugar que não é o meu.
Preciso achar algum elo afetivo entre minha arte
e a cidade, ela que está me “inspirando”.
Tenho pesquisado sobre São Paulo. O cinza,
a dureza, os muros, as pessoas. Tudo que qual-
quer um que não seja daqui certamente pesqui-
saria ou perceberia. A cidade se conclui sempre a
partir desse mesmo olhar. A aspereza das artérias
e becos, do universo urbano, está por toda parte.
Achava – porque agora tenho dúvidas – que gos-
taria muito de trabalhar aqui. Escrever nos muros.
Me comunicar com as pessoas. Estabelecer um
diálogo, quase anônimo, quase coletivo.
Tenho dois assuntos em questão aqui em São
Paulo. O primeiro e mais imediato: trato da dua-
lidade entre ser um indivíduo específico e tam-
bém, em algumas situações constantes, em per-
tencer à massa. O que isso quer dizer? São Pau-
lo é constituída pela mistura de povos e culturas.
Eu não sou daqui. Me sinto única nas minhas ra-
ízes, particularidades e ações. Por outro lado, es-
tou vivendo numa cidade onde existe uma imen-
sa aglomeração de pessoas e um caos em busca
de seu desenho de urbe. Quando a cidade me
coloca em situações nas quais preciso trabalhar
para o bom funcionamento de São Paulo, funcio-
namento que ela necessita e exige para si mes-
ma, me transformo em massa. Viro mais um nes-
se volume. Sou um mecanismo pré-educado de
organização que funciona em relação ao fluxo do
momento. Por exemplo, se preciso deixar os ou-
tros fragmentos da massa (outros indivíduos) sa-
írem do vagão do metrô para depois eu entrar,
obedeço os avisos escritos na porta. Se preciso
andar pela direita na fila indiana para o fluxo an-
dar mais ágil, obedeço. E por aí vai.
O segundo tema tem a ver com as cores
(branco, preto e cinza), os muros, as grades, os
chãos e as paredes de São Paulo. Aspectos ób-
vios de se perceber a partir de um olhar estran-
geiro. Nesse âmbito externo, onde a cidade es-
tá dada para mim, tenho trabalhado o desenho
(frotagens de muros e ruas). Busco também al-
go tridimensional, porém acho que nesse as-
pecto o buraco negro está mais fundo.
Há algum tempo venho me interessando
em trabalhar o espaço tridimensional. Sair do
plano e abraçar o espaço 3D. Não sei se isso
tem me atrapalhando neste lugar, a maior cida-
de do país. Sempre resolvi meus trabalhos com
fotografias e obtive sucesso. Essa passagem de
um suporte para o outro está me frustrando.
Não possuo controle da técnica.
Tenho me sentindo uma artista atrasada.
Queria ter mais certeza, ter o pertencimento da
minha arte. Essa angústia leva-me ao desabafo
e ele ilustra a minha busca de descobrir a rela-
ção entre o meu trabalho de antes e o de ago-
ra. (Talvez nem haja relação.) Sempre falei das
relações existentes entre as pessoas, memória,
fotografia... Quando achar a resposta, escrevo.
SãO PAULO, 28 DE ABRIL, 2010por Caroline Valansi
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31
Quando eu penso que isso vai ser visto por outra pessoa, já
muda o que vou escrever.
No meu, tudo o que eu quero eu boto. Não penso se vão ler.
Esse caderno eu comecei fazendo como se fosse o blog. As
imagens que eu punha no blog, eu punha no caderno. Depois...
Eu não sei o que faria com um caderno público. Eu acho mui-
to esquisito o que é da intimidade passar para a esfera pública.
Eu penso como um espaço de investigação e, como espaço
de investigação, é onde registro pistas do que estou construin-
do. Eu assumi desde o princípio que ia ser isso. Não estou fazen-
do minhas anotações mais profundas e íntimas.
Eu gosto muito de escrever, mas não fico escrevendo divaga-
ções muito subjetivas. Coisas de diário. Essa parte eu não escre-
vo. Mas tudo que é de trabalho eu coloco ali.
Eu sei que eu comecei a escrever para a pessoa que vai ler
meu caderno. Que pode existir ou não. Agora eu estou gostan-
do de escrever para essa pessoa. Essa situação me levou a isso:
eu escrevo para uma pessoa que eu não sei como levar em con-
sideração porque eu nem sei se ela existe.
Eu, por exemplo, tenho vários cadernos ao mesmo tempo e
todos são misturados; têm de tudo, desde a lista do supermer-
Solange Farkas, curadora
cado até uma frase que eu vi na rua. É uma bagunça. E uma ba-
gunça bem banal, que me ajuda a fazer as coisas.
Publicar essa banalidade não faz sentido. Tem sentido pra
mim, mas não pra quem vai ler.
Então você fez seleção.
Já que o caderno vai ser quase que uma interface, que vai
passar pela instância pública da web, não faz sentido publicar
sobre o chuchu no supermercado.
Eu colo nota de supermercado, das coisas que comprei, o
preço dos materiais, os telefones dos caras, o mapa para onde
eu estou indo, desenho de ideias.
Estou anotando banalidades que eu acho importantes, que
fazem parte do meu processo.
Só vai ser um objeto de fetiche, de repente.
Eu gosto de caderno, de ver caderno de outras pessoas, de
outros artistas. Uma anotação, um desenho, às vezes nem é um
trabalho finalizado, faz você entender algo sobre o artista.
De repente, através de um comentário de um preço que ele
pagou no chuchu você percebe alguma coisa no trabalho dele.
Eu acho bonito, já fiz muito. Mas eu penso muito rápido; e
não consigo colocar no caderno.
_ Clara Crocodilo nasceu
em 1987, vive e trabalha em
São Paulo. Atualmente é
graduanda em Artes Plásticas
pela ECA-USP.
_ Em 2008 mudou-se para
Paris onde realizou um
intercâmbio de estudos de
um ano na Université Paris VIII.
Em 2010 prepara trabalhos
para o 61º Salão de Abril em
Fortaleza, para uma coletiva
em Novo Hamburgo, bem
como para a exposição dos
formandos em Artes Plásticas
da ECA-USP.
_ Sua pesquisa se empenha,
principalmente, em
discutir o território no qual
a arte é informada pela
vida. Seu trabalho busca
refletir de maneira crítica
sobre a condição da vida
contemporânea, conjugando
a esse interesse um discurso
poeticamente expressivo.
Quanto ao suporte, suas
obras se caracterizam por
transitarem livremente
entre diversas linguagens,
como desenho, vídeo,
instalações, intervenções
espaciais e urbanas.
33
encontros35
Encontro é sempre uma surpresa.
Cada pessoa que veio analisou o trabalho com suas próprias
referências, com suas próprias histórias de vida, com tudo o que
a influencia.
Essa possibilidade de diferentes olhares é muito rica.
Tiveram uns encontros mais legais... mais pertinentes. Tive-
ram alguns que ficaram soltos... fora de contexto.
Porque também depende do interesse de cada um.
Cada pessoa se identificou e aproveitou mais de algumas vi-
sitas que de outras.
É delicado esse assunto.
Claro que alguém que não é das artes plásticas pode ter con-
tribuição ativa no nosso trabalho; mas, no geral, acontece al-
go em via contrária – a gente conhece mais o trabalho da pes-
soa em vez de a pessoa conhecer e questionar nosso trabalho.
É isso que é interessante: a gente conhecer pessoas de ou-
tras áreas; a gente descobrir outros terrenos.
Sair um pouco do “apenas” artes plásticas.
Às vezes, uma pessoa de outra área pode ver outra coisa no
seu trabalho, algo que alguém das artes plásticas não veria.
É bom virem pessoas de outras áreas e é bom entender que,
às vezes, não faz muito sentido mostrar o trabalho para alguém.
Porque talvez esse alguém não se aproxime daquilo do jeito
que estamos acostumados.
Cada visita me fez olhar meu trabalho; pensar, em relação ao
meu trabalho, o que ela estava falando. Eu tenho olhado meu
trabalho através das falas de cada visita.
Para mim, o que é mais intenso nem é o que vem, mas eu
me colocando diante de várias pessoas, eu falando sobre o meu
próprio trabalho. Como apresentei para cada um. Toda vez ter
que falar e toda vez falar diferente, tendo que ser clara. Foi um
exercício de entender o que falar, de entender como falar cada
coisa que pensei ou fiz.
A cada visita, foi um novo jeito de apresentar o trabalho e,
37
39
consequentemente, um novo olhar sobre.
Penso que tem a ver com diálogo, com abertura para o di-
álogo. Quando a pessoa vem aberta para a possibilidade de
construção desse diálogo, fica mais interessante.
Tem a ver com criarmos estratégias para que o diálogo acon-
teça – como eu posso falar do meu próprio trabalho de forma
que se construa um diálogo, de forma que quem está ouvindo
entenda, para eu poder ouvir o que o outro realmente pensa, o
que o outro tem a dizer.
Essa prática, sobretudo para o artista, de ter que falar sobre
o trabalho é muito importante. Você tem que verbalizar certas
coisas que não são lineares, que não são lógicas na sua cabeça;
você tem que fazer outra pessoa entender minimamente o que
Nino Cais, artista
41
Silvia Mecozzi, artista
43
você está pensando. É um processo de tradução, em certo sen-
tido. Porque é um campo abstrato, a que você nem tem aces-
so direito, e você tem que colocar para outra pessoa de manei-
ra que ela entenda. E que faça algum sentido ou que faça rever-
berar, da mesma maneira que reverbera em você.
Cada vez que falo e escuto, volto para o trabalho com uma
visão diferente.
O trabalho vai se construindo à medida que se fala sobre ele.
É um processo de mão dupla.
Eu falo, a pessoa ouve e me dá uma nova resposta para o
trabalho.
Nessa história de estar em grupo, sempre as mesmas pesso-
as, vão se construindo coisas no diálogo; uma esfera do diálogo.
_ Carlota Mazon, inicia o
curso de Artes Plásticas na
FAAP em 2002. Ganha bolsa
de dois anos referente a Anual
de Arte. Frequenta aulas
de desenho de Lucia Koch
e realiza o projeto final de
bacharelado Circuitos com sua
orientação. Cursa Licenciatura
orientada por Thiago Honório.
_ Em 2008 vai para Espanha
onde faz pós-graduação em
Arte Pública na Universidad
Politécnica de Valencia.
Durante este período participa
da coletiva no Centro Cultural
CaRevolta no bairro de
Valencia. Faz workshops e
se comunica com artistas da
América Latina e da Espanha.
Ganha bolsa para um Curso de
Verão nas Ilhas Canárias.
_ Em 2009 faz parte da III
Mostra do Ciclo de Exposições
do CCSP e é selecionada para
o Rumos Artes Visuais.
_ Neste ano participa do
ateliê aberto Casa Tomada
e trabalha na 29ª Bienal de
São Paulo, onde acompanha
um grupo de universitários.
Vive em São Paulo.
Clarissa Diniz, idealizadora da revista Tatuí
45
A cada diálogo e a cada reunião vai aumentando o meu conhe-
cimento sobre o meu trabalho e o trabalho do outro.
São muito importantes esses vínculos que vão se construin-
do na prática dos diálogos.
O diálogo não é só com os convidados; é, principalmente,
com a gente.
Diferente dessas pessoas que vêm aqui e veem um recorte,
uma parte do processo, a gente participa de tudo e vai absor-
vendo, absorvendo...
São legais os dois momentos do diálogo. O diálogo com a
pessoa estrangeira, para quem preciso explicar tudo em dez mi-
nutos para que ela entenda o que estou fazendo; e o diálogo
com quem já está aqui e pra quem não preciso me explicar tan-
to. É legal ter esses diferentes níveis de compreensão.
Marcelo Tas, artista e comunicador
Houve o incômodo: com a prerrogativa de
uma ‘exposição’, de finalizar um processo de
trabalho, de formalizar obras, de iluminar, de li-
dar com um espaço expositivo, de atender às
demandas apresentadas. Necessidade de que
houvesse a almejada troca com os outros artis-
tas, a pesquisa artística, a exposição pessoal e
do trabalho a convidados da Casa e leitores do
blog, a adaptação a uma cidade estrangeira, a
geração de produtos. Neste contexto de ‘Ateliê
Aberto’, o que é relevante?
A imersão do artista em uma residência,
cujo perfil define-se como um espaço de re-
flexão, é um momento de transformação e re-
visão de seu trabalho e de seu próprio lugar
na formatação contemporânea de produção
de arte. Uma ocasião em que há a possibili-
dade de se forjar um espaço de diálogo hori-
zontal (compartilhado entre indivíduos em um
momento de vida similar), de questionamento
mútuo, de tentativas fora do eixo galeria/insti-
tuição. Para tanto, se faz necessário a autocrí-
tica, a constante revisão dos posicionamentos
tomados e a abertura a novos direcionamen-
tos, em uma tentativa de extrapolar a réplica a
modelos engessados e cultivar de fato algo es-
timulante para todos os envolvidos.
Uma residência artística é um momento
(pensar sobre a pesquisa que se desenvolve e
sobre o processo de trabalho se torna mais im-
portante do que chegar a um produto final).
Uma passagem na qual resultados sempre se-
rão alcançados. Através de um tipo de experi-
ência de deslocamento e revisão, há mudanças
pessoais e no trabalho se houver abertura pa-
ra tal. Neste contexto, um projeto não precisa
necessariamente ser levado a cabo, ele pode
se transformar, se modificar a partir do que es-
tá sendo experienciado ou ser finalizado e ge-
rar novas inquietações. Assim, qual é o interes-
se sobre o processo de trabalho de um artista?
Ou de sete artistas jovens?
A visualização do processo pode ser tão sig-
nificativo que se torne elucidador de uma obra,
que lhe agregue relevância e o faça compre-
ensível, que potencialize os conceitos envolvi-
dos no trabalho. Ou pode ser uma curiosidade,
eventualmente encantadora.
O chamado ‘processo’ de um artista pode
ser abordado como o da feitura da obra (que
envolve a materialização) e o de concepção da
obra (que envolve o conceito, as referências, os
trabalhos anteriores). Obviamente não são as-
pectos autônomos, mas que se retroalimen-
tam. No entanto, o espaço real deste ‘proces-
so de trabalho’ é mental. Como transmitir es-
se espaço não palpável? Talvez conversando e
formando uma malha de apoio visual e textu-
al isso seja minimamente possível. O comparti-
lhamento com os outros em tal situação privi-
legiada pode abrir perspectivas que extrapo-
lem as de cada indivíduo envolvido.
NOTA SOBRE A POSSIBILIDADEpor Erica Ferrari
47
exposição49
O que falamos sobre a exposição é que podia ser mais um
open studio, ao invés de uma exposição com obras prontas. Ser
uma data em que a Casa abre para as pessoas, mas nós conti-
nuamos trabalhando.
Algumas obras vão estar prontas e outras não, porque esta-
mos em um processo de mudança.
O que eu vejo é que essa conversa surgiu da impossibilida-
de de fazer.
E aí veio essa ideia do open studio.
Estávamos incomodados porque cada um estava muito con-
centrado nessa pressão psicológica de ter que ter um trabalho
pronto para uma exposição para daqui dois meses.
As pessoas mudaram de cidade ou estão mudando o traba-
lho, estão arriscando coisas novas. Ficarem concentradas na ex-
posição acabava fazendo com que não fosse aproveitado o es-
paço de diálogo que é possível aqui.
Ou mesmo o campo que tem para experimentar, que é a
melhor parte de estar nesse ambiente, onde você não tem tan-
to uma pressão externa de exposição.
Por isso pensamos em continuar esse processo que está
aqui, agora; estaremos trabalhando, discutindo…
Seria alguma coisa como “abertura do ateliê”, mas… não sei.
Já chama Ateliê Aberto, então open studio não dá. Encerramen-
to do Ateliê Aberto talvez... A gente ficou meio sem palavras,
mas a ideia era que as pessoas viessem visitar, conversar com a
gente, quem se interessar. Essa seria a mudança.
As pessoas poderiam vir várias vezes, porque o trabalho es-
tará sendo feito. Pode ser que um dia o trabalho fique pronto, e
aí vamos conversar sobre ele, se ele vai mudar de lugar, por que
o trabalho já está “pronto”.
Queremos criar um ambiente aberto ao diálogo, o que mui-
tas vezes não acontece numa exposição.
Vamos colocar a explanação do processo de concepção e
vamos continuar fazendo os trabalhos. Às vezes nem precisa
51
de conversa, a pessoa olha e diz “olha, esse trabalho veio dis-
so, disso e disso”.
Vamos pensar o espaço de exposição sem esquecer que é
uma casa. Então, a iluminação, por exemplo, é a da casa. Vamos
criar um espaço dentro disso.
As pessoas vão ocupando esses espaços de exposição des-
de agora, à medida que forem encontrando soluções para expor
seus trabalhos, sem ter tanta rigidez. Um pouco os lugares de tra-
balho já foram assim, se fazendo. Você vai achando seu espaço.
A ideia também é complementar o espaço de trabalho de
cada um com indicações de referências pertinentes ao proces-
so de construção do trabalho, intra e extra arte. Mais o portfólio
para o visitante ter uma base de onde vem o desenvolvimento
dessa nova etapa do trabalho de cada um.
Discutimos muito a relação do nome Exposição. Não quería-
mos criar uma expectativa de uma coisa que não vai acontecer.
Parece melhor e mais sincero com o processo de cada um a gen-
te fazer esse ‘Ateliê Aberto’. Ampliar essa possibilidade de estar
com os trabalhos. Queremos divulgar isso, para que as pessoas ve-
nham com esse olhar, sabendo que a gente está aqui para trocar.
Mas esse formato não é um open studio. Porque tem vocês
trabalhando aqui em baixo, mas, no andar de cima, tem traba-
lhos que vocês montaram. Esse formato para mim é a exposição
de alguma coisa. Então é o que? Exposição + Open Studio? Mas
vocês vão montar essas referências para serem vistas, é um ti-
po de exposição, porque só open studio não é. Acho que é um
meio termo. Então, o que é isso?
Uma coisa que vocês têm que pensar é se vocês não estão
nessa recusa de expor, arriscando uma oportunidade de exer-
cício, inclusive. De exercitar pensar o espaço de uma maneira
interessante. O que vocês estão querendo com esse despoja-
mento? Talvez existam maneiras de construir esse despojamen-
to aproveitando a situação de uma maneira mais ativa.
Muito dessa decisão de não fazer uma exposição propria-
mente dita vem de querer aproveitar a Casa e as experiências
que tivemos aqui, incorporar isso no processo final, que seria a
exposição. Porque aqui é um lugar onde podemos experimen-
tar algumas coisas, e não só apresentar a obra finalizada.
Antes de começar esta breve especulação
sobre as relações de hospitalidade que se esta-
belecem entre agentes culturais no âmbito das
artes visuais, devo sugerir a quem busque res-
postas claras e categóricas, consideradas racio-
nais, confiáveis e operáveis, que pule este texto.
A hospitalidade, ou a aceitação do outro em
nosso país, em nosso museu, em nossa casa, em
nossa publicação, representa um perigo a ser
medido e tem por finalidade atender ao impe-
rativo ético de hospedar. Ao selecionarmos nos-
sos hóspedes por sua origem, currículo, idioma,
filiação ideológica, idade, carta de recomenda-
ção ou quaisquer outros critérios que nos pare-
çam relevantes, buscamos nos isentar da possi-
bilidade de estar abrigando elementos indese-
jáveis. No entanto, hospitalidade e hostilidade
têm a mesma raiz etimológica [1].
A necessidade de proveito mútuo entre hós-
pede e hospedador nunca foi oculta, mas é par-
te da noção arquetípica de hospitalidade que a
hierarquia não seja mencionada entre os parti-
cipantes dessa relação de trocas. Para que a re-
cepção do Outro seja vista como hospitaleira,
ela deve afigurar-se desinteressada. Ainda as-
sim, entende-se implicitamente que aquele que
é recebido deve conhecer e respeitar a língua,
as leis e os costumes do dono da casa, cuidan-
do para não tornar-se um parasita. Convém, ali-
ás, que o recebedor da benesse questione seus
próprios costumes e leve os questionamentos a
seu lugar de origem. Ocasionalmente admite-se
que hóspede aporte sugestões e ações que aju-
dem a revitalizar a casa que o recepciona como
contrapartida à hospitalidade. Dos donos da ca-
sa espera-se a hospitalidade anfitriã como de-
monstração de boa conduta social, sem a qual a
hostilidade se descortinaria.
As relações de hospitalidade entre artistas,
patronos e público variam ao longo da história
ocidental. Os artistas medievais estavam a servi-
ço do poder político e religioso, com o propósi-
to de plasmar a ideologia dominante em obje-
tos e, portanto, não eram hóspedes, eram clara-
mente serventes com mais ou com menos pres-
tígio. Dos artistas geômetras e anatomistas do
assim chamado “Renascimento” esperava-se,
frequentemente, que tivessem alguma autono-
mia intelectual: quanto maior a capacidade de
o hóspede produzir conhecimento, maior o sta-
DEVANEIO SOBRE A HOSPITALIDADEpor Wiliam Toledo*
* Mais conhecido como Billy, integrou o grupo do Ateliê Aberto #2 participando do projeto como assistente da artista Erica Ferrari
tus dos donos da casa, desde que, é claro, não
houvessem abusos heréticos vindos a público.
Foi durante o que a história econômica denomi-
na como “primeira revolução industrial”, ao final
do século XVIII, que surgiram os museus abertos
à visitação pública na Europa. Se antes as cole-
ções de arte eram exclusivamente privadas (da
igreja, dos nobres e dos burgueses), a nova e es-
petacular instituição [2] museal precisava ajudar
a legitimar o ideal iluminista dando boas vindas
à classe trabalhadora para exibir-lhe seus tro-
féus da “alta cultura”. Paralelamente ao início da
progressiva subdivisão científico-classificatória,
que proporciona a criação de museus cada vez
mais especializados a partir do século XIX , ocor-
re a ruptura ordenatória entre artes aplicadas e
uma arte supostamente pura, que não se vincu-
la à utilidade imediata e quer situar-se no cam-
po do livre exercício estético: uma arte que diz
não se interessar em ser hóspede nem serviçal
do poder, mas depende da hospedagem nos
salões, na imprensa e no comércio para se legi-
timar. Um grupo de jovens artistas e intelectuais
que criou seu próprio salão não oficial (para hos-
pedar a si e seus pares) recebeu de um jornalis-
[1] Hospes, em latim, significaria, literalmente, “convidado-se-
nhor” por derivação de hosti–pet-s. O sentido primitivo de
hostis é “convidado” e denotava uma relação de troca iguali-
tária e compensatória que previa doação, recebimento e re-
tribuição. Esta relação instituída perde importância no siste-
ma posteriormente estabelecido no mundo romano. Quan-
do as sociedades primitivas adquirem o sentido de nação, as
relações interpessoais deste tipo desaparecem, restando a
distinção entre o que está dentro e o que está fora da civitas.
Através de um desenvolvimento cujas condições exatas são
desconhecidas, a palavra hostis assume tom de “hostil” e daí
em diante passa a designar “inimigo”.
O sufixo -pet alterna-se com -pot ou –pat. Em indo-euro-
peu significava originalmente ”ele mesmo” (himself), mas
que, por referir-se também à representatividade de uma ca-
sa, clã ou tribo, passou a designar “mestre/senhor/chefe/
amo”. Este sufixo subsistiu no latim adquirindo significação
de domínio, o que originou as palavras modernas “poder”,
“potente”, “potestade” e “posse”.
Emile Benveniste (1973) Indo-European language and society.
Faber & Faber Ltd. London. pp. 72-83.
[2] Entendo instituição como um padrão de controle, ou seja,
uma programação da conduta individual imposta por setores
da sociedade ao indivíduo e dotada de historicidade e mora-
lidade. Sendo resultado da ação de inúmeros indivíduos que
agregam-lhe significados ao longo do tempo ela não é imu-
tável. No decorrer da história o museu adquire o status de ins-
tituição social tornando-se um sistema organizacional com
funções sociais consideradas relevantes pela sociedade e pe-
los seus membros ou o que Marilena Chauí denomina como
“(...) uma ação social, uma prática social fundada no reconhe-
cimento público de sua legitimidade e de suas atribuições (...)”.
Importa ressaltar a distinção entre instituição social e organi-
zação social, sendo a segunda baseada na divisão racional e
econômica do trabalho, instrumento voltado para a realiza-
ção de tarefas, otimização de meios e uso racional de tecno-
logias destinadas ao alcance de metas estabelecidas e que, ao
contrário da instituição social, não precisa se questionar sobre
“(...)sua própria existência, sua função, seu lugar no interior da lu-
ta de classes” . Assim os atuais museus se assemelham, cada vez
mais, às organizações com as quais se associam ou competem.
55
ta o apelido pejorativo de “Impressionistas” em
1874 e conseguiu ter suas pinturas incorporadas
ao Musée du Luxembourg dezenove anos mais
tarde, inaugurando, assim, o senso de urgência
dos museus de arte em acolher o novo e apri-
morar sua função “civilizatória”, “educativa” que
conhecemos hoje.
A voracidade do capitalismo impõe a subs-
tituição contínua de produtos e a criação de
novas necessidades de consumo, e nada mais
apropriado do que cultivar a livre iniciativa ar-
tística como propaganda da liberdade individu-
al e como aumento da oferta de produtos cul-
turais “autônomos” dentre os quais se pode pin-
çar os que convém hospedar. Não é casualida-
de que mesmo aqueles que honestamente não
pretendiam se tornar hóspedes do sistema te-
nham sido acolhidos por ele quando demons-
trado o potencial comercial do setor iconoclasta
da arte de vanguarda. O capitalismo pode se dar
ao luxo de escolher seus “adversários”.
Como vemos no esboço caricatural traçado
até aqui, os produtores e promotores de artes
visuais já se dão conta, desde longa data, da
tensão entre seus objetivos e os do Outro. Em
resposta a esta situação temos, em um pólo, as
novas instituições artísticas que precisam de-
monstrar seu caráter democrático ao hospedar
quem grita insatisfeito à sua porta [3] mas que,
apesar da vocação pública, estão imersas no li-
beralismo econômico e tornaram-se reféns do
capital corporativo que entrou pela porta dos
fundos, levou casa como suvenir, e agora exige
resultados de bilheteria. Em outro pólo estão
as iniciativas não-oficiais que repelem a coop-
tação e permanecem numa semi-invisibilida-
de. Entre os dois extremos há uma imensa ga-
ma de procedimentos que negociam, migram,
tangenciam-se e se entrecruzam.
Nos Estados Unidos, por exemplo, tanto as
cooperativas de artistas dos anos 1950 quan-
to o movimento de espaços alternativos de fi-
nais dos anos 1960 buscavam sua autodeter-
minação, mas as cooperativas tinham, primor-
dialmente, objetivos parecidos com os das ga-
lerias comerciais, e os espaços alternativos de-
sejavam ser hospedadores mais abrangentes,
controlando de modo autônomo a produção
e distribuição da arte que não se enquadrava
nos interesses do circuito expositivo oficial e
comercial, criando o que Chin Tao Wu [4] cha-
ma de stablishment do anti-stablishment, ou
seja, desembocando na imitação de museus
e galerias comerciais que eram incapazes de
dar uma resposta rigorosa à questão do poder,
inclusive de seu próprio poder em relação ao
mundo da arte (e que,em alguns casos, rece-
biam assistência institucional).
Enquanto pessoas com formação suficien-
te para perceber o próprio desejo de insurgên-
cia pretendiam fundar um poder artístico para-
lelo, a instituição debatia-se na tentativa de ser
novamente hospedada pela atenção do públi-
co e repensava a museologia para incluir expe-
rimentos artísticos, eventos de entretenimento
cultural, colóquios, aulas, etc.
Hoje, examinando os limites e possibilida-
des da produção artística em perspectiva his-
tórica, ainda permanece a necessidade de
questionamento sobre a efetividade e o grau
de senso de realidade dos objetivos de promo-
tores das artes visuais, sejam eles institucionais
ou não, e sua relevância para o debate público.
[3] Não se trata de um fenômeno exclusivamente local, mas
pode-se citar, a título de ilustração, a polêmica envolvendo
o pixo e a 29ª Bienal de Arte de São Paulo.
[4] Chin Tao Wu é autora do livro Privatização da Cultura –
A intervenção corporativa nas artes desde os anos 80, Boitem-
po Editorial
57
publicação59
A publicação já tem um formato, ela já existe como publicação.
Igual à anterior.
Ela vai continuar existindo. Acho que não pode mudar. Ela
tem uma especificidade de tamanho, para compor a série. Não
é como um caderninho que cada vez vai ser de um jeito, é uma
publicação da Casa que vai além do Ateliê. Não sei por que vo-
cês estão discutindo isso.
Encarar as coisas assim tão separadamente, não faz sentido.
“O artista faz o objeto e o teórico escreve a crítica”. Nós não es-
tamos interessados nessa separação tão clara. Acho que tudo
aqui diz respeito a todos.
Acho que é isso, não é para fazer um livro de artista. É uma
publicação, com um determinado formato.
O nome Convivências me remete diretamente ao Ateliê Aber-
to. A convivência que acontece entre os artistas.
_ Caroline Valansi (1979)
vive e trabalha no Rio de
Janeiro, individualmente e
com o coletivo OPAVIVARÁ!.
Graduada em Cinema, faz
mestrado em Arte e Filosofia
(PUC-RIO). Os principais temas
em sua produção artística
são as relações humanas,
com ênfase no tempo, na
impermanência das coisas, na
subjetividade, nas raízes, na
memória e na afetividade.
_ Frequentou cursos no Ateliê
da Imagem, Escola de Artes
Visuais do Parque Lage e no
Ateliê do prof. Charles Watson.
Obteve Menção-honrosa de
fotografia na Mostra Latino
America de Artistas Jovens
(Buenos Aires, 2004).
_ Suas principais exposições
individuais foram: Memórias
Inventadas em Costuras Simples
(CCJE, RJ, 2009) e Confluências
(Galeria Maria Martins, RJ,
2004). Entre suas coletivas se
destacam: 2 em 1 (Cavalariças da
EAV do Parque Lage, RJ, 2009);
Bienal do Triângulo (Uberlândia,
2007). E em 2010 participou da
Residência Artística – Interações
Florestais Terra UNA.
Vocês deveriam fazer o trabalho de vocês ou estar mais pre-
ocupados com isso, menos com a revista.
Não estamos decidindo a publicação, nós já decidimos. O
que estamos fazendo aqui é uma conversa de conteúdo da re-
vista. Achamos que seria interessante, já que aqui é uma resi-
dência, um ateliê, o conteúdo da revista ser essas conversas. In-
clusive essa discussão, agora, é conteúdo.
Acho que tem uma questão que é: o que é o trabalho de vo-
cês? Essa é uma questão que surgiu desde que começou a con-
versa sobre fazer uma exposição. O trabalho de vocês é pensar
a exposição, ou é pensar a exposição e a publicação?
Eu acho que não importa. A gente tem essa mente pragmá-
tica que quer catalogar tudo. Não importa; eu estou aqui, eu sou
o meu trabalho. O que eu fizer é o meu trabalho. Se é a publi-
cação, pode ser… Quantas pessoas vão vir aqui pessoalmente?
61
63
A primeira relação entre as duas palavras
me parece que se dá pela diferença, já que
uma está atrelada à matemática, à razão e ao
número. Enquanto a segunda, pode ser rela-
cionada ao afetivo, ao desejo e ao erro.
O desentendimento, o desconforto pare-
ce que vem da tentativa de entender a relação
da diferença, porque aqui a Escala Doméstica
é proposta como campo ou espaço de traba-
lho. As relações se criam dentro deste espaço
que é casa, ateliê, estúdio de música, de foto-
grafia, sala, cozinha, quintal, banheiro, escada...
Uma casa, em grande escala, mesclada que se
insinua como espaço para ser “tomado” - mas
nunca chega a este ponto e sim o contrário
ocorre - somos tomados por ela [1].
Um corpo de tensão se instala. Uma tensão
já conhecida, comum, porém surpreendente,
porque não se esperava. Uma tensão que pro-
picia a discussão e o questionamento das con-
dições de uso, de convivência. Afinal, que con-
dições são estas? Se entendemos que todo es-
paço está cheio de possibilidades, podemos
concluir que uma realidade incômoda parece
propor, de antemão, a busca de outras saídas.
ESCALA DOMÉSTICApor Carlota Mazon
[1] Podemos fazer uma clara alusão ao conto de Cortázar,
entre outras, se entendemos a casa que ele descreve como
sendo nosso corpo. Porém, como aceitar a apatia dos per-
sonagens que deixam sua casa ser tomada? E, por outro la-
do, como entender, essa estrutura “arquitetada” que se ins-
taura no espaço?
CORTÁZAR, Julio. “Casa Tomada” in: Bestiário, 1986, Rio de
Janeiro: Nova Fronteira.
100 pessoas? O que fica é a publicação.
Não vai ser só um catálogo que “ah, tem uns desenhos”. Não,
tem ideias, tem trocas. Tem pensamentos visuais, tem pensa-
mentos textuais.
E se tem toda essa história de valorizar o processo, então a
publicação também é o momento congelado de um pensa-
mento que surgiu aqui. E que diz respeito a nós mesmos.
E essas nossas conversas são também o processo.
_ Rodrigo Castro é artista
visual, formado em 2006 pela
Faculdade Santa Marcelina
(SP), possui uma produção
contemporânea com diversas
mídias como o vídeo, a
instalação, a performance
e a pintura. Dentro de suas
criações artísticas muitas
vezes utiliza objetos banais do
cotidiano para criar situações
incomuns e ressignificar as
relações do próprio artista
com os objetos.
_ Já participou em diversas
mostras e festivais, entre
elas, a mostra de vídeo
CONTAINER Art sob curadoria
de Lucas Bambozzi e Cao
Guimarães no Parque Villa
Lobos (SP, 2008). Em 2010
participou da mostra Paradas
em Movimento: Wonderland –
Ações e Paradoxos no Centro
Cultural São Paulo. Além da
individual Narcissus na Galeria
de Arte Copasa (BH, 2008).
Atualmente participa do projeto
do site www.filmaholix.de, do
Up-and-comming International
Film Festival Hannover,
Alemanha, sob curadoria de
Solange Farkas.
65
O cristianismo e o comunismo morreram, ainda assim, há um
ranço que permanece nas bocas contemporâneas toda vez que
ousam falar as palavras que uma vez comandaram os modos de
pensar e agir destes modelos ideológicos. Algumas até as engo-
lem antes de. Porque uma vez ditas, sobejam os embaraçosos
pedidos de desculpas. Falharam! (Os modelos, ou – nós – os se-
guidores destes modelos?) É por isso que já não se pode ceder
ao amor, ao engajamento e à utopia.
A necessidade de declarar o fim nem sempre significa depa-
rar-se com o fim de fato. Mas de tentar antecipá-lo numa atitude
desesperada por mudança. É menos doído assegurar a mentira
do “eu não te amo mais” do que lidar com o amor diariamente
desafiado pela relação (aparentemente) fadada ao fracasso. Pa-
ra sobrevivermos aos amores, nós os chamamos -ex; e aos per-
calços da história, fica mais bonito falarmos em pós-.
A criação dos pós-, sobretudo nos dias contemporâneos, me
pego pensando, mais parece remédio paliativo para controlar a
ansiedade coletiva frente à ausência de transformações profun-
das – até por que essa mesma coletividade se convenceu (ou foi
convencida, não sei ao certo) de que as mudanças virão a des-
peito de sua responsabilidade –, do que (re)ajustes das formas
de pensar e agir diante dos acontecimentos históricos.
Nessa vida de pós-pós-tudo, ninguém mais admite o ranço
(depois de tanto pós- cria-se também o distanciamento históri-
co. Refugiados de modo cientificista na arte, já não há quem ou-
se voltar a falar em amor, engajamento e utopia (?).
“O discurso do ‘fim’ não
significa que ‘tudo acabou’,
mas exorta a uma mudança
no discurso, já que o objeto
mudou e não se ajusta
mais aos seus antigos
enquadramentos.”Hans Belting em
O fim da história da arte
A UTOPIA COMO LUGAR POSSíVEL; OU, PEQUENO DICIONÁRIO DE PALAVRAS PROIBIDAS (NO DISCURSO DA ARTE CONTEMPORâNEA)por Ana Luisa Lima
Do amor
A despeito disso, sei que há, em Pernambuco, pelo menos, dois
corações deveras piegas: que acreditam no amor como meio,
no engajamento como forma e na utopia como meta. Desde
2006, a revista TaTuí não é outra coisa senão uma construção di-
ária de utopias. O lugar (im)possível sempre foi (e é) demarcado
para além de nossa possibilidade; o amor, a força motor de nos-
sos esforços; e o engajamento, a maneira de fazer que se juntem
a nós outros corações – talvez não assumidos, mas igualmente
piegas – que, de alguma forma, se dedicam ao projeto.
Há quatro anos atrás, o fanzine TaTuí era o lugar (im)possível
que precisava ser construído. Não havia em Recife (e continua
não havendo), um espaço onde pudessem convergir encon-
tros e interlocuções de ideias acerca das artes visuais, em que as
vozes fossem plurais e de valores equidistantes a despeito de su-
as origens/formações.
(1) TaTuí, revista de arte independen-
te com versões online e impressa, sur-
ge em 2006 no Recife-PE como fanzi-
ne e atualmente encontra-se em seu
oitavo número. Editada pelas pesqui-
sadoras Ana Luisa Lima e Clarissa Di-
niz, a publicação se debruça sobre de-
bates pertinentes à recente produção
artística, em especial, a brasileira. Con-
ta com colaboração de artistas, críti-
cos, curadores, pesquisadores, edu-
cadores e escritores de diversas par-
tes do Brasil. Suas edições – que já ti-
veram lançamentos em Pernambu-
co, Paraíba, Rio Grande do Norte, Mi-
nas Gerais, Distrito Federal, São Paulo
e Rio de Janeiro – são nacionalmen-
te distribuídas em livrarias, bancas de
revista e instituições culturais. A revis-
ta tem sido convidada a participar de
eventos e debates tais como o SPA das
Artes (Recife-PE), Seminário Interna-
cional do Museu da Vale (Vila Velha-
ES), Fora do Eixo (Brasília-DF) e Bienal
do Livro (Recife-PE). Hoje contando
com múltiplas fontes de financiamen-
to como a Prefeitura do Recife, o Go-
verno do Estado de Pernambuco e a
FUNARTE (MinC), todo conteúdo pro-
duzido pela TaTuí está disponível em
www.revistatatui.com
67
(2) Tainá Azeredo e Thereza Farkas,
idealizadoras e coordenadoras da Ca-
sa Tomada.
(3) O encontro fazia parte da agenda
de encontros promovidos pelo pro-
grama de residência ateliê aberto #2.
(4) Os quatro dias na Casa Tomada me
possibilitaram belos encontros com:
Carlota Mazon, Carolina Mendonça,
Caroline Valansi, Clara Crocodilo, Erica
Ferrari, Habacuque Lima, Josefa Perei-
ra, Luísa Horta, Mayra Martins, Maya-
na Redin, Rodrigo Castro, Rosana Ma-
riotto, Tábata Makowski, Tainá Azere-
do, Thais Graciotti, Thereza Farkas e
William Lima.
(5) Dos grandes modelos, só restou
soberano o capitalismo.
A cada novo projeto (edição dos números impressos e revis-
ta online), o lugar (im)possível se restabelece. Lançamo-nos ao
desafio não só da captação de recursos, de engajamento dos
(novos) colaboradores, de projetos editoriais mais aprofunda-
dos (sem deixar de ser experimentais), como também de am-
pliar a acessibilidade aos conteúdos e possibilidade de trocas di-
versas através de encontros interpessoais.
Do engajamento
Nesse sentido, a TaTuí, hoje, não se trata, apenas, de uma revista.
É um projeto coletivo (apesar de ter suas ações catalisadas pe-
las editoras) articulado por uma rede de colaboradores que ao
fomentar encontros para debates e oficinas, promove também,
trocas simbólicas e de afeto. Tais trocas, por sua vez, alicerçam a
possibilidade de novos lugares a serem construídos...
Através dessa rede, chegamos à Casa Tomada(SP). Para mi-
nha surpresa e alegria, descobri que por trás deste projeto há
também dois corações – será que posso dizê-los piegas? Por-
que não foi de outro jeito que, senão com amor, fomos rece-
bidas. Tínhamos sido convidadas para uma tarde de debate e,
quando nos demos conta, já estávamos envolvidas pelo afeto.
Não à toa, continuei frequentando a Casa nos quatro dias
que se seguiram. Uma vez ali acolhida, passei a desejar as tro-
cas – e foram muitas. Era caminhar pelos cômodos do sobrado
e não tardava encontrar preciosidades em forma de gente. Nes-
ses poucos dias, meu repertório se ampliou enriquecidamente:
sobre música, teatro, dança, arquitetura, cinema... Foram deba-
tes sobre arte, política, coletivos, subjetividade, editais e políti-
cas públicas, publicações de arte, processos criativos, poesia...
Naqueles dias lá, entendi que, pelos pavimentos, os encon-
tros edificam e potencializam o projeto Casa Tomada. Assim,
os artistas e pesquisadores residentes, convidados das mais di-
versas áreas de atuação e visitantes espontâneos, alimentam a
si mesmos e fazem alimentar os desejos de criação individu-
ais e coletivos.
Daí, se pode imaginar que não havia outro jeito que não fos-
se o me render ao engajamento. A Casa Tomada, à semelhança
da TaTuí, se (re)pensa e se (re)faz a cada novo projeto do programa
de residência ateliê aberto; tanto quanto, costura, com afeto, sua
rede de colaboradores para construir seus lugares (im)possíveis.
Da utopia
Sem os grandes modelos ideológicos, ficou um lugar por ali,
adiante, ainda por ser demarcado e construído: sem palavras de
ordem, ou pílulas teóricas anti-ansiedade coletiva.
_ Josefa Pereira nasceu em
Vitória da Conquista (BA) mas
chegando em São Paulo ainda
bebê cresceu entre os bairros
da Mooca, Vila Prudente e
Tatuapé. E é também nos
extremos da periferia leste
desta cidade que hoje atua
como artista orientadora de
grupos de dança.
_ Começou a dançar ainda
pequena. Se formou em balé
clássico na Escola Municipal
de Bailado, passou por
alguns estúdios de dança
da cidade e se graduou em
performance e dança no
curso de Comunicação das
Artes do Corpo (PUC-SP).
_ Seu interesse criativo
começa a delinear um
campo de investigação
que utliza-se de recursos
das artes visuais e da
performance para explorar as
relações do corpo que dança
como um corpo que se move
em construção simbólica
com diferentes espaços e
inspira-se na invenção de
jogos e regras colaborativas
para formar conteúdos
expressivos.
69
71
agradecimentosAlessandra Mattavelli
Antonio Paulino do Santos
Simone Ayoub
Carolina Mucin
Pedro Marques
Ana Luisa Lima
Beco da Arte
Clarissa Diniz
Eduardo Brandão
Gabriel Bá
Lucas Bambozzi
Marcelo Tas
Marcio Harum
Nino Cais
Ronaldo Entler
Rosana Mariotto
Silvia Mecozzi
Solange Farkas
Tata Amaral
Claudia Azeredo
Pedro Farkas
equipe EQUIPE DA CASA TOMADA
direção Tainá Azeredo e Thereza Farkas.
produção Maya Mecozzi
conselho Habacuque Lima
CONVIVêNCIAS #2
textos Carolina Mendonça e Tábata Makowski
projeto gráfico Lila Botter
impressão e acabamento Mattavelli
73
índice remissivo de imagens
CApA: Carlota Mazon
pG. 6 E 7: Clara Crocodilo
pG. 8: Caroline Valansi (acima);
Josefa Pereira (abaixo)
pG. 9: Erica Ferrari
pG. 13: Carlota Mazon
pG. 16: Caroline Valansi
pG. 17: Rodrigo Castro
pG. 19: Rodrigo Castro
pG. 20 E 21: Josefa Pereira
pG. 26 E 26: Josefa Pereira
pG. 28 E 29: Clara Crocodilo
pG. 30 E 31: Clara Crocodilo
pG. 33: Josefa Pereira
pG. 34 E 35: Luísa Horta
pG. 37: Caroline Valansi
pG. 38 E 39: Josefa Pereira
pG. 40: Josefa Pereira
pG. 48 E 49: Caroline Valansi
pG. 51: Luísa Horta
pG. 52: Josefa Pereira
pG. 53: Caroline Valansi
pG. 56: Josefa Pereira
pG. 58 E 59: Luísa Horta
pG. 60 E 61: Josefa Pereira
pG. 62 E 63: Carlota Mazon
pG. 65: Caroline Valansi
pG. 67: Josefa Pereira
pG. 69: Carlota Mazon
pG. 70 E 71: Clara Crocodilo
pG. EM pApEl vEGETAl: Caroline Valansi
Rodrigo Castro
APAGA A LUZ
Videoperformance, 2010
Flipbook: para assistir, segure com o
polegar esquerdo na marcação ao
lado e folheie rapidamente as páginas.
A Casa Tomada é um espaço reservado
para práticas, investigações e reflexões
de caráter artístico. O projeto surgiu
da vontade de construir um espaço que
fosse um ponto de convergência entre
as diversas áreas de atuação das artes.
Focado em todo o processo de produção
e não somente no produto final, o Ateliê
Aberto tem como proposta incentivar
a discussão e o desenvolvimento de
trabalhos motivados pela vivência
compartilhada na Casa, além de discutir
o hibridismo de linguagens nos processos
artísticos contemporâneos.
www.casatomada.com.br