Transcript

Anotaes - EM2 - at 10.08- Prof. Claudio L. B. de Godoy - Direito Civil I.doc

Prezado Aluno,

O servio de anotaes fornecido ao aluno em carter separado e autnomo em relao s aulas, mediante a disponibilizao por meio digital na pgina virtual do Curso Marcato. A continuidade e a gratuidade do servio esto sujeitas poltica do Curso, o qual poder passar a exigir prestaes em separado por parte do aluno.

As anotaes de aula tm apenas o escopo de propiciar ao aluno um norte para os seus estudos. O Curso Marcato envidou esforos para que as notas transmitam o apanhado geral da matria dada em classe. No obstante, dado o carter subjetivo inerente tomada de apontamentos, o Curso e os professores no se responsabilizam pelas informaes jurdicas, filosficas, tcnicas e outras de demais naturezas que sejam expressas por meio desse servio. Logo, a aquisio das notas pelos alunos atravs dos meios postos a sua disposio pelo Curso indica a anuncia aos termos ora expressos.

Bons Estudos!sumrio

51- Contratos

51.1- Requisitos de validade dos contratos

51.1.1- Capacidade

61.1.2- Objeto

61.1.3- Forma

61.2- Elemento bsico do plano de existncia do negcio jurdico

71.3- Formao contratual

71.3.1- Formas de declarao da vontade

71.3.1.1- Expressa

71.3.1.2- Tcita

81.3.1.3- Silncio

91.3.2- Momento em que as declaraes de vontade se encontram

91.3.2.1- Negociaes preliminares

131.3.2.2- Proposta contratual

161.3.2.3- Aceitao

171.3.2.3- Aceitao (continuao)

191.3.3- Lugar da formao do contrato

201.4- Interpretao dos contratos

201.4.1- Critrio subjetivo e objetivo de interpretao das declaraes de vontade

211.4.2- Da hierarquia entre os critrios interpretativos

221.4.3- Interpretao restritiva

221.5- Classificao dos contratos

231.5.1- Contratos tpicos ou atpicos/ nominados ou inominados

241.5.2- Contratos consensuais, formais ou reais

251.5.3- Contratos onerosos ou gratuitos (benficos)

251.5.4- Contratos bilaterais ou unilaterais

261.5.5- Contratos comutativos ou aleatrios

291.5- Classificao dos contratos (continuao)

291.5.6- Contratos instantneos e contratos de durao

301.5.7- Contratos empresariais X contratos existenciais

301.5.8- Contratos relacionais ou cativos

301.6- Contratos de adeso

301.6.1- Conceito

311.6.2- Da natureza contratual

321.6.3- Enzo Roppo e a ideologia do contrato de adeso

321.6.4- Das regras que visam ao restabelecimento do equilbrio nos contratos de adeso

331.7- Contratos preliminares (art. 462 a 466, do CC)

331.7.1- Contratos preliminares X negociaes preliminares

341.7.2- Contratos que no admitem a forma preliminar

341.7.3- Requisitos dos contratos preliminares

351.7.4- Efeitos do contrato preliminar

361.8- Circulao dos contratos

371.9- Institutos contratuais que afetam terceiros

371.9.1- Estipulao em favor de terceiro (art. 436 a 438)

381.9.2- Promessa de fato de terceiro (art. 439 e 440)

391.9.3- Contrato com pessoa a declarar (art. 467 a 471)

411.10- Vcios redibitrios e evico

421.10- Vcios redibitrios e evico (continuao)

421.10.1- Vcios redibitrios (art. 441 e ss)

421.10.1.1- Da aplicao do regime dos vcios redibitrios s alienaes em hasta pblica

431.10.1.2- Da disciplina dos vcios redibitrios no CC e no CDC

441.10.1.3- Das alternativas que se abrem ao adquirente do bem para responsabilizao do alienante

471.10.1.4- Do prazo para tomada de previdncias pelo adquirente

491.10.1.5- Da garantia convencional

501.10.2- Evico (art. 447 e ss)

501.10.2.1- Definio

511.10.2.2- Da clusula exoneratria de responsabilidade do alienante

521.10.2.3- Da indenizao na evico

541.10.2.3- Da indenizao na evico (continuao)

551.10.2.4- Como e de quem cobrar esse ressarcimento?

571.11- Extino dos contraltos: a dissoluo

581.11.1- Resilio

581.11.1.1- Distrato (resilio bilateral)

581.11.1.2- Resilio unilateral

601.11.2- Resoluo

611.11.2.1- Resoluo por inadimplemento

611.11.2.1.1- Clusula resolutiva

631.11.2.1.2- Exceo do contrato no cumprido

631.11.2.2- Resoluo por onerosidade excessiva

641.11.2.2.1- Da evoluo do tema no direito alemo e francs

651.11.2.2.2- Da opo do legislador ptrio

671.11.2.2.3- Alterao das circunstncias

671.11.2.2.4- Requisitos para a incidncia, nas relaes paritrias, da teoria da alterao das circunstncias

701.11.2.2.5- possvel aplicar-se a soluo de reviso do contrato ao CC?

722- Contratos em espcie

722.1- Alterao no tratamento do tema pelo novo CC

722.1.1- Alteraes pontuais em contratos conhecidos

732.1.2- Insero de novos contratos no texto do CC

732.1.3- Unificao dos tipos contratuais civis e comerciais

742.2- Compra e venda (art. 481 e ss)

742.2.1- Origem histrica

752.2.2- Definio e caractersticas

762.2.3- Elementos

762.2.3.1- Objeto

792.2.3.1- Objeto (continuao)

812.2.3.2- Preo

862.2.3.3- Consentimento

922.2.4- Das clusulas especiais compra e venda

922.2.4.1- Retrovenda

922.2.4.2- Venda a contento e a venda sujeita a prova

932.2.4.3- Preempo ou preferncia

932.2.4.4- Compra e venda com reserva de domnio

942.2.4.5- Venda sobre documentos ou venda contra documentos

952.3- Contrato estimatrio

972.4- Contrato de doao

982.5- Contratos comerciais

982.5.1- Contrato de comisso

992.5.2- Contratos de agncia e distribuio

1022.5.3- Contrato de corretagem

1042.5.4- Contrato de transporte

106NDICE REMISSIVO

1- Contratos1.1- Requisitos de validade dos contratos

Vimos a principiologia dos contratos e, agora, temos de examinar o tema relativo formao dos contratos. Contudo, antes de tratar desse tema, a rigor, deveramos fazer o exame dos requisitos dos contratos. Acontece que essa matria se volta parte geral, porque os requisitos de validade dos contratos so os mesmos requisitos dos negcios jurdicos tratados na parte geral. Por isso, vamos fazer apenas uma breve anlise do tema atinente aos requisitos para, ento, tratarmos da formao dos contratos especificamente.1.1.1- Capacidade

O primeiro dos requisitos de validade a capacidade e vamos estudar isso na parte geral. No entanto, devemos distinguir a legitimidade (ou legitimao, a depender do autor estudado) de capacidade, pois esses so conceitos distintos.

A legitimidade pressupe que algum seja capaz de praticar um determinado negcio jurdico com determinadas pessoas. Nota-se que a legitimidade melhor se aprecia pela negativa. Ou seja, podemos definir legitimidade ao respondermos pergunta: quando falta legitimidade? Falta legitimidade quando uma pessoa capaz no pode praticar determinado negcio jurdico com determinada pessoa. , na verdade, um impedimento de carter relacional.

O exemplo mais tpico de falta de legitimao o impedimento matrimonial. Ex.: Eu sou capaz, minha irm capaz, mas no podemos nos casar, porque a lei impe uma barreira intransponvel para a prtica daquele negcio jurdico.

Isso, no campo dos contratos, acontece de maneira muito freqente. A ttulo de exemplo, o artigo 497 estabelece que o tutor no pode comprar os bens do tutelado. Tal impedimento se justifica em virtude de sua situao relacional, pois o tutor deve velar e cuidar do patrimnio do tutelado. Art. 497. Sob pena de nulidade, no podem ser comprados, ainda que em hasta pblica:

I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados sua guarda ou administrao;

[...]

O artigo 1.749 coloca os impedimentos do tutor e diz que o tutor no pode, por instrumento particular, adquirir bens do tutelado. Lendo esse dispositivo, tem-se a impresso, a contrario sensu, de que, por instrumento pblico, isso seria possvel. Contudo, isso no verdade, porque o artigo 497 deixa clara a falta de legitimidade (que alguns autores chamam de falta de legitimao). Art. 1.749. Ainda com a autorizao judicial, no pode o tutor, sob pena de nulidade:

I - adquirir por si, ou por interposta pessoa, mediante contrato particular, bens mveis ou imveis pertencentes ao menor;

[...]

s vezes, a falta de legitimao no chega a ser um impedimento, mas apenas uma barreira (uma restrio). Ex.: nos termos do artigo 496, o ascendente pode vender os bens para quem quiser da forma que quiser, mas, se quiser vender para o descendente, ele tem uma restrio de legitimidade. Isso porque ele s pode vender com anuncia dos demais herdeiros.Art. 496. anulvel a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cnjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Pargrafo nico. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cnjuge se o regime de bens for o da separao obrigatria.

1.1.2- Objeto

Com relao ao objeto, no vamos fazer nenhuma observao, porque no h nada de peculiar. Vale lembrar que o objeto, para ser lcito, tem que ser possvel, do ponto de vista fsico e do ponto de vista jurdico.

A ttulo de exemplo, o artigo 426 estabelece um exemplo de ilicitude do objeto, ao determinar a impossibilidade jurdica relativa ao pacta corvina.

Art. 426. No pode ser objeto de contrato a herana de pessoa viva.

1.1.3- Forma

O terceiro requisito de validade excepcional, porque a forma do negcio jurdico nem sempre exigida como requisito de validade. Vamos analisar essa matria de forma mais apurada quando estudarmos a classificao dos contratos. Por ora, cumpre salientar que a regra quanto forma nos negcios jurdicos o informalismo. Ou seja, como regra, o negcio jurdico pode ser feito de qualquer forma e essa mesma regra vale, sem tirar nem pr, para os contratos, que so espcie de negcios jurdicos.

Ento, como regra, os contratos no exigem forma especial. Contudo, o legislador, por vezes, exige a chamada forma substancial, que requisito do negcio jurdico. Ele faz isso, porque considera que alguns negcios jurdicos so mais importantes, e exige uma formalidade para chamar a ateno das partes para a importncia do ato que esto realizando. Alm disso, exige-se a forma para minimizar a possibilidade de vcio da vontade e tambm para facilitar a prova do negcio jurdico. Assim, para comprov-los, basta exibir o instrumento dessa formalidade.

1.2- Elemento bsico do plano de existncia do negcio jurdico

Cumpre destacar que, faltando requisito de validade, o contrato invlido. Ademais, como vimos na parte geral, h um plano lgico no negcio jurdico que precede validade. Estamos falando do plano da existncia. Ora, para que um negcio jurdico seja ou no considerado vlido, ele precisa existir. Portanto, necessrio avaliar o caso de existncia do negcio jurdico (e dos contratos).

O elemento bsico de existncia do negcio jurdico a declarao de vontade. Veja que a regularidade da manifestao de vontade j diz respeito validade do negcio, mas a existncia de uma declarao de vontade o que subordina a prpria existncia do negcio jurdico. Ex.: uma senhora morreu e um sujeito com um documento falso alienou todos os seus bens. Nesse caso, o negcio no nem invlido, inexistente.

Vale notar que o nulo pode gerar alguns efeitos, ainda que indiretos, como, por exemplo, a converso substancial (artigo 170). Em outras palavras, o que nulo possvel converter em algo vlido e o que inexistente no.

Art. 170. Se, porm, o negcio jurdico nulo contiver os requisitos de outro, subsistir este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.

1.3- Formao contratual

1.3.1- Formas de declarao da vontade

O contrato, como j vimos, resulta de um acordo de vontades. E, para que se chegue a esse acordo, a vontade contratual precisa ser declarada. Essa vontade declarada dar ensejo ao contrato quando se encontrar com a outra manifestao de vontade contratual. Portanto, a formao contratual depende da declarao de vontade que, por sua vez, pode se manifestar das seguintes maneiras:

1.3.1.1- Expressa

Isso tambm um ensinamento que extramos da parte geral. importante no confundir a declarao de vontade expressa com declarao de vontade escrita, porque possvel ter uma declarao de vontade expressa verbal. Logo, aqui a caracterstica especial a explicitude, seja ou no verbal.

Ex: algum afirma que vai doar os culos para outrem e esse outro diz que aceita. Como se trata de bem mvel de pequeno valor, possvel a doao verbal. Veremos que, ainda que o contrato verse sobre bem mvel, se este for de valor alto, a declarao de vontade precisa ser expressa na forma escrita, ainda que no seja de forma pblica.

1.3.1.2- Tcita

Ex.: uma pessoa doa os culos para a outra, mas essa outra pessoa no diz nada e leva os culos embora. Ora, essa uma manifestao de vontade tcita, inexpressa. Isso significa que essa uma manifestao de vontade que se evidencia pelo comportamento do indivduo. Por isso, dizemos que ela uma declarao inexpressa, mas no menos declarao de vontade.

Ex.: Os herdeiros aceitam a herana de maneira tcita, comportando-se como donos dos bens da herana.

Ex.: H muitos contratos de consumo de massa que se formam por declaraes tcitas. o caso do transporte coletivo. Para contrat-lo, faz-se um mero gesto. O mesmo se d em relao quelas compras em mquinas, as quais so feitas pelo comportamento.

Por isso, fala-se em comportamento concludente XE "comportamento concludente" . Ressalte-se que comportamento concludente nada mais que a declarao de vontade tcita inferida da atuao e, em razo disso, tais negcios so chamados de negcios de atuao XE "negcios de atuao" .

1.3.1.3- Silncio

Como regra, o silncio no uma declarao de vontade, pois em direito no tem essa histria de que quem cala consente. Excepcionalmente, porm, o silncio poder ser tomado como declarao de vontade. Vejamos em que hipteses isso acontece:i) quando a lei assim disser

Ex.: possvel que algum tenha interesse em saber se o herdeiro aceitou ou no a herana. Imaginemos que um credor notifique o herdeiro para que, no prazo de 30 dias, diga se aceitou ou recusou a herana. Decorrido esse prazo, se o herdeiro se mantiver inerte, a lei considera como contedo desse silncio que o sujeito aceitou a herana. Note que a lei quem determina que o silncio manifeste uma declarao de vontade.

Ex.: a doao pura, em que o doador estabelece um prazo para aceitao, tambm caso em que o silncio interpretado como declarao de vontade. Assim, se o donatrio ficar silente, isso significa que ele aceitou.

ii) se as partes assim estabelecerem

Isso muito comum. Ex.: entabulamos um contrato e, nele, estabelecemos que a renovao pode se dar pelo silncio. Logo, se ningum disser nada, o contrato estar renovado.

iii) De acordo com os usos do lugar da celebrao do contrato ou de acordo com as circunstncias do caso concreto (Artigo 111, do CC)

Art. 111. O silncio importa anuncia, quando as circunstncias ou os usos o autorizarem, e no for necessria a declarao de vontade expressa.

Isso novidade na esfera do direito positivo. Ora, quando os usos indicam que o silncio deve ser tomado como declarao de vontade? Ex.: presidente de uma assemblia qualquer diz que quem estiver de acordo com determinada deciso deve permanecer como est. Se todos se mantiverem em silncio, haver concordncia.

No apenas os usos, mas tambm as circunstncias do caso podem levar a que o silncio seja considerado declarao de vontade. Isso o que a doutrina chama de silncio circunstanciado XE "silncio circunstanciado" . Isso acontece quando o trato negocial impuser uma manifestao expressa que a parte, porm, omite. A resposta do ordenamento tomar aquela omisso como aquilo que deveria ter sido dito de forma expressa e no foi. Exemplo disso se d na compra e venda. Vejamos.

Talvez a grande alterao da matria relativa aos bens se refere s pertenas, as quais so uma espcie de bem acessrio que no segue a sorte do principal (artigos 93 e 94, do CC). Art. 93. So pertenas os bens que, no constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao servio ou ao aformoseamento de outro.

Art. 94. Os negcios jurdicos que dizem respeito ao bem principal no abrangem as pertenas, salvo se o contrrio resultar da lei, da manifestao de vontade, ou das circunstncias do caso.

Ex.: vou comprar um carro usado e, ao examinar o veculo, observo que h um aparelho de som montado pelo proprietrio do automvel. Encantado com aquela aparelhagem, comeo a elogiar o aparelho de som ao proprietrio. Ao ouvir tais elogios, o proprietrio simplesmente fica quieto. Em seguida, ambos combinam a venda do carro, mas o comprador observa que o vendedor retirou o aparelho. Diante da indignao do comprador, o vendedor alega que o som pertena e que no acompanha a coisa principal. Isso est certo? De fato a pertena no segue a sorte do principal, porm o comprador ficou horas elogiando o aparelho e a boa-f impunha que o vendedor avisasse que ficaria com o som para si. Como o sujeito silenciou quando as circunstncias exigiam que ele falasse, o silncio vai ser tomado como declarao de vontade e, portanto, a pertena vai acompanhar o bem.

1.3.2- Momento em que as declaraes de vontade se encontram

Por qualquer dessas formas, o contrato se consuma, como regra, quando essas declaraes de vontade se encontram. Frisamos que isso se d como regra, porque a lei pode impor que esse encontro de vontades se consubstancie em uma condio especial. Ex.: s vezes, a lei exige que algum entregue alguma coisa para outra pessoa para que o contrato se consume. Isso ocorre nos chamados contratos reais.

O que devemos analisar agora o momento em que esse encontro de vontades se d. Sobre o tema, o CC trata do mecanismo da proposta e contraproposta contratual (artigos 427 e ss). 1.3.2.1- Negociaes preliminares

Antes de tratarmos desse assunto, devemos trabalhar com um fenmeno que, s vezes, acontece (e, em particular, nos grandes contratos) e que precede formao do contrato, preparando-o de acordo com a boa-f contratual. Estamos falando das negociaes preliminares.

Em primeiro lugar, devemos ressaltar que contrato preliminar no se confunde com a negociao preliminar, porque o contrato preliminar j um contrato, cuja obrigao contratual contratar de modo definitivo. Em outras palavras, quem celebra contrato preliminar se obriga a uma manifestao de vontade, a um contrato definitivo. Aqui estamos falando de outra coisa, estamos falando de uma negociao que pode levar a um contrato.

Ademais, importante lembrar que nem todo contrato tem negociao anterior. Como exemplo, citemos os contratos instantneos, aplicveis a contratos de menor valor, os quais no tm prvia negociao.

Contudo, quando um contrato passar por essa fase de negociaes preliminares, bom ter cuidado de observar que, embora ainda no haja contrato (e pode nem haver no futuro se a negociao for infrutfera), as partes j tm especial dever de conduta, o qual marcado pela incidncia da boa-f objetiva. Desse modo, as partes j tm o dever de comportamento tico, sob pena de responsabilidade civil, embora ainda no haja contrato.i) deveres anexos

a) dever de informao

As partes j tm, durante as negociaes, o dever de informao. No semestre passado, vimos dois exemplos de situaes em que h dever de informao. Citamos, a propsito, o caso do cliente que pretende contratar um advogado para ingressar em juzo. Ou, ainda, um corretor de plano de sade que, antes de vend-lo, deve informar.

b) dever de lealdade ou de correo

A quebra do dever de lealdade pode se dar na hiptese de rompimento injustificado das negociaes preliminares (chamadas tambm de tratativas). H um exemplo do direito de famlia relativo aos esponsais (rompimento de noivado).

Ex.: sujeito quer vender um culos por R$ 100. Ele e o interessado na compra comeam a negociar o valor e a forma de pagamento. Se aquele que pretendia comprar diz, no dia seguinte, que no quer comprar, ele no cometeu nada ilcito.

Suponhamos agora que, h 7 meses, duas pessoas esto negociando um contrato de incorporao para construo de um shopping. Para tanto, so feitas inmeras reunies e, inclusive, h uma troca de minutas. Na fase final, quando estavam quase para fechar o contrato, um dos interessados desiste de celebrar o contrato porque sua esposa mandou que o fizesse. O sujeito faz isso acreditando que pode abrir mo da negociao, mesmo estando ela no estgio em que est e sob o simples argumento de que a mulher dele no deixa. Veja que o sujeito faz isso munido de boa-f subjetiva, pois ele foi sincero. Ora, ele simplesmente poderia trazer o argumento de que ele perdeu todo o dinheiro investido na bolsa de valores. Mas ele francamente disse que est rompendo as negociaes, porque a mulher no o deixa celebrar o contrato. Nesse caso, h uma causa injustificada para o rompimento, porque todo o comportamento praticado durante tantos meses levou a outra parte expectativa de que celebrariam um contrato. Veja a clara distino entre boa-f objetiva e subjetiva nesse exemplo. Em razo da quebra do dever de correo, houve a prtica de um ilcito.

Mas essa violao no se d apenas pelo rompimento injustificado das negociaes. Tambm falta lealdade quando algum inicia uma negociao de um contrato que sabe que nunca vai celebrar. Suponhamos que um indivduo vai a uma loja de carros importados, bem vestido, sabendo que no vai comprar o veculo. Ele pergunta o preo de uma Ferrari e comea a negociar, pedindo ao vendedor que o deixe fazer um test drive. O sujeito no pretende comprar o carro, ele s faz isso para satisfazer o sonho de seu filho, que quer dar uma volta no veculo. Depois de dar uma volta com o carro, o sujeito fala que no tem interesse em comprar o automvel. Nesse caso, tambm h violao do dever de correo.

c) Dever de proteo/ cuidado

Na fase das tratativas, h um especial dever de cuidado com o outro. Contudo, cumpre observar que, a rigor, todos ns temos dever de cuidado. Ento, o que h de diferente aqui que, embora no haja contrato, h um especial contato entre as pessoas que esto negociando. Isso o que a doutrina chama de contato social qualificado XE "contato social qualificado" . Portanto, as partes que esto desenvolvendo uma tratativa contratual no tm aquele dever de cuidado comum que a todos afeta. Elas tm um dever de cuidado especial em razo desse contato que esto estabelecendo.

Vejamos um exemplo de um mesmo dever de cuidado revelado em uma relao comum e em uma relao de tratativas. Ex.: sujeito convida as pessoas para jantar em sua casa. No dia do jantar, a empregada encerou o cho da casa. Em razo do dever de cuidado, o anfitrio tem que avisar os convidados que o cho est encerado. Mas outra coisa seria se o cho de uma loja estivesse encerado. Nesse segundo caso, o vendedor deve colocar diversos avisos de que o cho est escorregadio. Veja que h um mesmo dever de cuidado gerado pelo mesmo fato (encerar o cho), mas h um especial dever de proteo por parte do vendedor, porque ele tem um contato especial com as pessoas que ingressam na loja.

d) Dever de sigilo

O dever de sigilo, que tambm pode ser um dever contratual, j nasce antes e, particularmente, na fase de tratativas. Isso porque possvel que, durante as tratativas, as partes troquem informaes sigilosas que so necessrias para a negociao. Em ateno boa-f, tais informaes trocadas no podem ser reveladas.

ii) conseqncia do descumprimento dos deveres anexos

Qual a conseqncia pelo descumprimento de um desses deveres anexos? No exemplo da incorporao do shopping, em que o sujeito encerra as tratativas de modo injustificado, estaramos diante de hiptese de abuso de direito, por desconformidade com a boa-f objetiva (artigo 187). Veja que, como conseqncia desse ilcito, o outro sujeito no pode obrig-lo a contratar. Isso porque a coativa contratao s seria possvel se o sujeito tivesse se obrigado a contratar por meio de um contrato preliminar. Logo, nesse caso, a conseqncia indenizatria, como nos esponsais.

Art. 187. Tambm comete ato ilcito o titular de um direito que, ao exerc-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econmico ou social, pela boa-f ou pelos bons costumes.

Aqui surge um outro problema: qual exatamente a indenizao? A indenizao do prejuzo causado pela conduta indevida, mas corresponde aos danos experimentados nessa fase das tratativas. Tomemos novamente o exemplo do rompimento injustificado das tratativas. Naquele caso, a mulher poderia exigir do sujeito que rompeu as negociaes aquele lucro que obteria se celebrasse o contrato de incorporao do shopping (como lucros cessantes)? No! A indenizao corresponde quilo que a doutrina chama de interesses negativos XE "interesses negativos" , ou seja, ela se refere apenas aos danos experimentados pelas tratativas. Logo, a mulher seria indenizada pelas despesas com viagens para reunies, contratao de engenheiros para fazer projetos, etc.

Note que, se o contrato j tivesse sido celebrado ou se fosse feito um contrato preliminar, o rompimento, de fato, autorizaria o pedido de lucros cessantes (o chamado interesse positivo XE "interesses positivos" ). Entende-se que a nica possibilidade em que ela poderia pedir lucros cessantes fora dessas hipteses seria a situao em que se comprovasse que ela deixou de celebrar um contrato com outrem por causa das tratativas. Nesse caso, ela receber lucros cessantes, mas aqueles relativos ao contrato que deixou de celebrar com o terceiro e no os relativos ao negcio que celebraria com aquele que rompeu as negociaes (porque aqui no h contrato).

iii) da natureza da responsabilidade oriunda das tratativas

Qual a natureza da responsabilidade que surge em razo das tratativas? Essa pergunta diz respeito quela distino entre responsabilidade contratual e extracontratual. Ressalte-se que h uma tendncia da responsabilidade civil superao da dicotomia entre responsabilidade contratual e extracontratual para surgir uma responsabilidade legal (e o exemplo disso vem do CDC). Contudo, nosso sistema ainda faz uma srie de distines dogmticas entre a responsabilidade contratual e extracontratual.

Como exemplo, podemos lembrar da questo do nus da prova. Como regra, o nus da prova todo da vtima, pois ela tem que provar o dano que sofreu, o nexo de causalidade com a conduta do agente e a culpa. Por outro lado, no caso de responsabilidade contratual, a vtima do dano deve apenas provar que sofreu um dano em razo do inadimplemento e, ento, passa-se quele que descumpriu a obrigao o nus de comprovar que houve uma justificativa para o inadimplemento.

Outra distino importante se refere mora. Na responsabilidade contratual, deve-se verificar se havia uma prestao lquida, certa, etc. Na responsabilidade extracontratual, a responsabilidade imediata. Alis, como ns vimos, essa uma hiptese em que no se exige liquidez para a responsabilizao.

Por fim, devemos lembrar que, nos contratos benficos, a parte s responde por dolo ou culpa grave. Essa uma distino irrelevante no campo extracontratual.

Portanto, apesar da tendncia do sistema, ainda necessrio distinguir a responsabilidade contratual da extracontratual. Prevalece o entendimento de que a responsabilidade aqui seja extracontratual, justamente porque ainda no h contrato. Mais recentemente, alguns autores tm defendido que a responsabilidade seja contratual, ou seja, aplica-se todo o regramento contratual, embora no haja ainda contrato. A isso se chama de responsabilidade estendida XE "responsabilidade estendida" .

Alguns autores sustentam que aqui no d para fazer um encaixe perfeito em qualquer das duas disciplinas de responsabilidade, porque, na verdade, tudo depende do tipo de dever descumprido (o professor se filia a essa corrente).

No caso do rompimento injustificado das tratativas, a vtima ter um nus de comprovar o prejuzo sofrido, semelhante ao nus da responsabilidade extracontratual. Em contrapartida, a quebra do dever de sigilo far com que a questo do nus da prova seja tratada da mesma forma que na responsabilidade contratual. Nessa segunda hiptese, a vtima simplesmente comprova que houve quebra do sigilo. Por outro lado, quem quebrou o sigilo vai ter que comprovar que no foi ele quem fez isso ou que havia justificativa para tanto.

1.3.2.2- Proposta contratual

Vamos, agora, tratar propriamente do regramento da formao contratual, tema que vem disciplinado nos artigos 427 a 435, do CC. O CC trata, nessa parte, desse jogo bsico de proposta contratual e aceitao contratual.

Vamos comear pelo exame da proposta que a declarao de vontade da oferta da contratao e que traz como conseqncia fundamental a vinculao do proponente proposta que fez.

Em primeiro lugar, devemos lembrar que, se ouvirmos falar em policitao XE "policitao" ou policitante XE "policitante" , se est falando em proponente. Alm disso, devemos ressaltar que uma proposta s pode ser considerada proposta se ela contiver tudo aquilo que o contrato precisa ter. Portanto, cuidado para no confundir oferta com convite a oferta ou proposta com convite a propor. Proposta dizer a algum: voc quer comprar meu culos por 100 reais vista?. Nesse caso, basta que a pessoa diga sim para que o contrato esteja aperfeioado. Coisa diversa dizer voc quer comprar meu culos?. Ora, isso no proposta, um convite a que a pessoa a quem se ofertou faa uma proposta pela compra.

E mais! Para que a proposta seja considerada proposta, com os efeitos que suscita, ela deve ser, alm de completa, sria. Ou seja, deve vir revestida de circunstncias que indicam a real vontade do proponente de fazer uma proposta. Durante essa aula mesmo, o professor deu vrios exemplos de propostas, mas isso no se pode levar como proposta, porque no foi feito de forma sria.

Se a proposta for sria e completa, ela obrigatria para quem a faz. E ser obrigatria para quem a faz significa dizer que, como regra, a proposta feita irrevogvel.

H excees a essa regra, quer dizer, h determinadas hipteses em que a proposta deixa de ser obrigatria para quem a formulou. Isso o que veremos a partir de agora. Trata-se de matria disciplinada nos artigos 427 e 428, do CC.

Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrrio no resultar dos termos dela, da natureza do negcio, ou das circunstncias do caso.

Art. 428. Deixa de ser obrigatria a proposta:

I - se, feita sem prazo a pessoa presente, no foi imediatamente aceita. Considera-se tambm presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicao semelhante;

II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;

III - se, feita a pessoa ausente, no tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado;

IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratao do proponente.

i) a proposta deixa de ser obrigatria para quem a fez quando nela j haja uma reserva, qual seja, uma ressalva quanto a possibilidade de arrependimento

Nessa hiptese, o proponente, ao fazer a proposta, se reserva no direito de arrepender-se da proposta feita. Aqui cabe fazer uma ressalva, porque h uma hiptese que o CC permite e que o CDC probe. Trata-se da proposta feita por oferta pblica, de que trata o artigo 429, do CC.

Art. 429. A oferta ao pblico equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrrio resultar das circunstncias ou dos usos.

Pargrafo nico. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgao, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada.

A oferta pblica uma proposta pblica, feita a um universo indistinto/annimo de pessoas. Ex.: ao invs de fazer a proposta individualizada para algum comprar os culos, faz-se um anncio da venda no jornal. Veja que no pelo fato de a oferta ser pblica que se afasta a exigncia de ela ser completa. Isso porque, se no for completa, no ser oferta e, sim, convite oferta.

O CC permite que haja uma ressalva de arrependimento tanto na proposta individualizada quanto na oferta pblica. Contudo, quando se trata de oferta pblica, em especial, podemos estar diante de uma oferta relativa a uma relao de consumo. E, em que pese o CC autorize a ressalva de arrependimento, o CDC, no artigo 35, a probe. Portanto, se a oferta se der em relao de consumo, essa reserva sobre a vinculatividade da proposta no se aplica s relaes consumeiristas (quer a proposta seja individualizada, quer seja pblica).

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou servios recusar cumprimento oferta, apresentao ou publicidade, o consumidor poder, alternativamente e sua livre escolha:

I - exigir o cumprimento forado da obrigao, nos termos da oferta, apresentao ou publicidade;

II - aceitar outro produto ou prestao de servio equivalente;

III - rescindir o contrato, com direito restituio de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

ii) a proposta deixa de ser obrigatria para quem a formulou em funo da natureza do negcio

Eventualmente, em razo do tipo de negcio, possvel que se admita que, por essncia, haja sempre a possibilidade de arrependimento. Isso depende da comprovao de que, naquela espcie de proposta, aquilo seja habitual.

iii) a proposta deixa de ser obrigatria conforme as circunstncias do caso

O que so essas circunstncias do caso que indicam que a proposta deixe de ser obrigatria? O artigo 428 nos ajuda a resolver parte do problema, porque ele traz hipteses de circunstncias do caso que podem fazer com que a proposta deixe de ser obrigatria. Contudo, o artigo 428 no esgota essas circunstncias.

Ex.: oferta pblica feita por algum que dispe em estoque aquilo que se oferta. Pressupe-se, nesse caso, que a oferta est limitada ao tamanho do estoque. Logo, acabando o estoque, a proposta deixa de ser obrigatria. So as circunstncias daquele tipo de caso que fazem com que, de forma lgica, se conclua pela reserva em razo do tamanho do estoque.

Contudo, se for uma relao de consumo, o CDC, pelo imperativo do dever de informao, exige que o estoque seja tambm informado. Tanto isso verdade que nos anncios de venda de carro vemos que se identifica o tipo de unidade sobre o qual recai a promoo e quantas unidades a concessionria tem no estoque. Claro que o estoque um limite implcito, mas, nas relaes de consumo, se deve informar esse limite. Ex.: se o sujeito de outra cidade e assina o jornal de So Paulo, vendo uma oferta extraordinria, ele provavelmente no vai se interessar se souber que s h dois veculos no estoque.

Vejamos as hipteses previstas no artigo 428 que exemplificam as circunstncias do caso que podem levar desvinculao do proponente. Note-se que esse artigo trabalha com hipteses em que as propostas so feitas com prazo de aceitao ou sem prazo. Alm disso, o dispositivo trata de situaes em que a proposta feita entre presentes e ausentes.

A regra a de que, se a proposta foi feita com prazo, uma vez passado o prazo, evidentemente aquele proponente est desvinculado da proposta feita. O que temos para examinar que, quando essa proposta feita com prazo feita a uma pessoa ausente, haver um regramento prprio para saber quando a resposta foi dada. Basta imaginar a comunicao por carta. Se a pessoa responde carta de proposta, aceitando-a no prazo, quando se considera que o prazo para resposta? Quando a pessoa respondeu? Quando a resposta chegou ao proponente? Depois veremos essa hiptese, o que vale dizer, por ora, que decorrido o prazo, o proponente se desvincula.

As questes surgem quanto proposta feita sem prazo determinado. At quando o proponente estar vinculado proposta que fez? Nesse caso, precisamos diferenciar se a proposta foi feita a uma pessoa presente ou ausente. Se a proposta sem prazo foi feita a uma pessoa presente, entende-se que a resposta tem que ser imediata. Logo, se no vier resposta imediata, o proponente deixa de estar obrigado pela proposta que fez.

Por outro lado, se a proposta feita sem prazo a uma pessoa ausente, no possvel imaginar uma resposta espontnea. Isso porque, necessariamente, haver um tempo a ser cumprido: o tempo para a proposta chegar ao ausente, ser deliberada e voltar. de novo a hiptese de um prazo moral previsto na parte geral. No semestre passado, vimos essa questo quando tratamos das obrigaes sem prazo que no poderiam ser exigidas vista. Inclusive, vimos o exemplo da construo da casa.

Portanto, o proponente ficar vinculado por um prazo razovel para que, diante das circunstncias do caso, a proposta chegue ao ausente e ele possa deliberar e devolver a resposta.

Ainda h um problema a examinar, que a exata noo de algum que seja ausente ou presente. Imaginemos que essa aula fosse de videoconferncia e uma sala em Santos estivesse assistindo aula. Se o professor propusesse para um dos alunos da classe de Santos, haveria uma proposta entre presentes ou ausentes? Certamente entre presentes. Isso porque o conceito de presente ou ausente no fsico, ou seja, no de presena fsica. Assim, ele se define por um critrio de sincronismo ou imediatidade da comunicao, para o qual, hoje em dia, no se exige presena fsica.

Isso nos remete ao problema dessas novas formas de comunicao, como a prpria videoconferncia. Alis, o prprio CC velho no tinha sido insensvel a tais evolues, pois foram promovidas algumas alteraes ao longo da vigncia do CC. Nesse sentido, falava-se que a comunicao por telefone era uma comunicao sincrnica entre presentes.

O novo CC, no artigo 428, I, alargou essa hiptese para qualquer meio de comunicao semelhante. Hoje muito comum que esse outro meio seja o email virtual, por exemplo, que traz a questo dos contratos eletrnicos. Note que contratos eletrnicos, para esse fim que estamos a examinar, so contratos comuns (compra e venda, etc) que apenas so consumados pelo meio virtual. importante no confundir esses contratos comuns com contratos tpicos da relao virtual (ex.: contrato com provedor, contrato de hospedagem de uma pgina na web). Aqui o legislador no est tratando desses contratos, mas, sim, de contratos comuns feitos atravs da comunicao virtual. Estas so comunicaes no pessoais do ponto de vista fsico, mas que implicam em uma comunicao imediata.

A comunicao telemtica, via computador, entre presentes ou ausentes? Nem sempre h como fazer um encaixe perfeito, porque no h como alegar de maneira peremptria se o contrato feito de modo virtual se d entre presentes ou ausentes. Ex.: email uma comunicao entre presentes ou ausentes? Veja que o email no tem nenhuma diferena em relao carta, com exceo da rapidez. Portanto, o proponente faz a proposta, envia aos destinatrios, os quais abriro o email, tomando conhecimento da proposta. Em seguida, os destinatrios vo analisar a proposta e responder. Desse modo, por mais rpido que o email seja, no h aqui uma comunicao sincrnica, da mesma forma como se d com a carta. Logo, essa uma comunicao entre ausentes.

Assim, em uma proposta feita por email e sem prazo, o proponente vai ficar vinculado por um prazo moral/ razovel para que a pessoa tome conhecimento, delibere e responda. Por bvio, esse prazo moral ser muito mais curto do que se a proposta fosse feita pelo correio comum.

Suponhamos, agora, que o sujeito est fazendo a proposta por MSN ou por algum chat de bate papo, em que a comunicao feita de forma automtica, s vezes at por webcam. Nesse caso, quando ambos esto online, a comunicao sincrnica, embora fisicamente distante. Desse modo, podemos dizer que a comunicao entre presentes. Por isso, dissemos que a resposta a nossa pergunta inicial no era exata.

A ns, o que importa que o proponente est vinculado proposta enquanto durar o prazo ou, quando no houver um prazo, de modo imediato (entre presentes) ou por prazo razovel (entre ausentes).

1.3.2.3- Aceitao

Como regra, a resposta positiva proposta, que consuma o contrato, aquilo que se chama de aceitao. Portanto, a aceitao da proposta a manifestao de vontade daquele que se chama de oblato XE "oblato" .

A aceitao, para ser aceitao, deve se revestir de alguns requisitos, tal como a proposta. Fundamentalmente, o requisito bsico da aceitao ser pura e simples, incondicionada, ou seja, sem qualquer alterao em relao proposta. Em outras palavras, a aceitao sim e ponto. Ex.: a pessoa pergunta: quer comprar o culos por 100 reais?. O oblato responde simplesmente: Sim. Pronto, o contrato est feito. Por outro lado, se a pessoa disser que aceita comprar, mas no por R$ 100 e, sim, por 90, isso no aceitao.

1.3.2.3- Aceitao (continuao)

Falta analisarmos a manifestao de vontade que vai marcar o momento em que o oblato se torna aceitante. Cumpre notar que no exato instante da aceitao que o contrato se aperfeioa (a no ser que exija forma especial).

A aceitao, para ser assim considerada, deve ser pura e simples, ou seja, a aceitao com ressalvas no aceitao. Ex.: Imaginemos que o sujeito oferea um culos por R$ 100, com pagamento vista e o outro responde proposta dizendo que quer comprar o culos, mas no com pagamento vista e, sim, parcelado. Ora, isso no aceitao. Trata-se daquilo que vulgarmente se chama de contra-proposta, mas, na verdade, uma nova proposta.

Portanto, se o oblato altera de qualquer maneira as condies da proposta oferecida, ainda que a pretexto de aceitar a proposta, isso no ser uma aceitao e, sim, uma nova proposta. A manifestao do oblato deve ser simplesmente um sim, sem qualquer ressalva. Ao falarmos em sim no queremos dizer que a aceitao deve ser expressa, porque vimos que pode haver aceitao tcita. Assim, quando dizemos que o oblato deve dizer sim, significa dizer que ele deve aceitar sem ressalvas.

A aceitao revogvel? Vimos na aula passada que a proposta pode ser revogvel, desde que a revogao chegue antes ou junto com a proposta e desde que no se trate de relao de consumo. Aqui ocorre o mesmo, isto , a revogao da aceitao somente ser possvel se ela chegar antes ou junto com a aceitao.

Ressalte-se que a aceitao deve ser oportuna, tempestiva, isto , deve ter sido manifestada no prazo. O problema definir qual o prazo para aceitar. Em boa medida, j analisamos isso na aula passada quando falamos da proposta. Isso porque o prazo para a resposta depende de a proposta ter sido oferecida com prazo ou sem prazo e de ter sido feita a uma pessoa presente ou ausente. Assim, se a proposta for feita a uma pessoa presente e sem prazo, a aceitao deve ser manifestada imediatamente. Por outro lado, se a proposta for feita sem prazo a uma pessoa ausente, a aceitao deve ser manifestada em um prazo razovel.

Isso j examinamos na aula passada. O que falta examinar o que est no art. 434, que trata da situao relativa proposta feita entre pessoas ausentes e, particularmente, na hiptese em que haja prazo. Claro que isso tambm se aplica proposta feita ao ausente sem prazo, mas a idia da razoabilidade deixa essa ltima hiptese mais malevel.

Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitao expedida, exceto:

I - no caso do artigo antecedente;

II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;

III - se ela no chegar no prazo convencionado.

Surge a questo sobre qual o exato momento em que o contrato se considera aperfeioado quando h aceitao distncia. Isso porque h diversas fases entre o momento em que a proposta chega ao oblato e respondida por ele e o instante em que recebida a notcia da aceitao pelo proponente. E entre essas fases questiona-se em qual delas se considera aperfeioado o contrato. H quatro teorias sobre o tema.

A primeira teoria a teoria da informao ou cognio. Por essa teoria, nessa situao que acabamos de mencionar, o contrato se considera aperfeioado somente no momento em que a aceitao conhecida pelo proponente. Contudo, a crtica feita a essa teoria que fica muito ao sabor das circunstncias a identificao do momento do aperfeioamento, porque no se sabe quando o proponente conhece a aceitao da proposta.

Surge, ento, a teoria da recepo, a qual prev que o contrato se considera aperfeioado to logo a aceitao seja recebida pelo proponente, ainda que no haja necessidade de que o proponente tome conhecimento da aceitao da proposta. Essa uma mitigao da primeira teoria, mas com a mesma crtica (embora tambm mitigada), porque preciso identificar o momento em que o proponente recebe a aceitao.

Por isso, pensou-se em uma terceira teoria, que a teoria da declarao ou agnio. O foco do legislador que adota essa teoria (que nem o caso do legislador brasileiro) de que o contrato se considera aperfeioado logo que o oblato declara sua aceitao. Aqui a crtica que se faz a mesma da primeira teoria, ou seja, muito incerto o momento exato em que o oblato declara sua aceitao.

Assim, criou-se a quarta teoria, que a adotada no direito brasileiro. De acordo com ela, mais seguro definir o momento em que o oblato expede a aceitao e no o momento em que ele declara a aceitao. Essa a teoria da expedio, manifesta no caput do artigo 434.

Ressalte-se que a esta regra o prprio CC levanta algumas excees, que esto nos incisos do prprio art. 434. Tais excees inclusive colocam em xeque a tese de que a teoria da expedio a adotada por nosso ordenamento. Vejamos as hipteses

i) havendo retratao da aceitao (inciso I)

Se houver retratao da aceitao, essa revogao tem eficcia desde que ela chegue junto ou antes da aceitao. Portanto, na hiptese de revogao, o momento importante a se verificar no o da expedio e, sim, o da recepo. Teoricamente, o contrato j se consideraria aperfeioado com a expedio da aceitao, mas como houve revogao da aceitao, deve-se verificar o que chegou antes, deslocando-se o momento do aperfeioamento do contrato para a recepo. Isso porque, se a revogao chegar antes da aceitao, no h contrato.

Art. 433. Considera-se inexistente a aceitao, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratao do aceitante.

ii) se o proponente se comprometeu a receber a resposta (inciso II) e se a resposta no chegou no prazo convencionado (inciso III)

O inciso II acaba se confundindo com o inciso III, pois, conforme destaca Bevilqua, o inciso III uma superfetao do inciso II. Veja que o inciso II diz que no vigorar a teoria da expedio se o proponente tiver se comprometido a receber a resposta e o inciso III diz que no vigora a teoria da expedio se a proposta no chegar no prazo convencionado. De acordo com Clvis Bevilqua, no h distino entre tais hipteses (essa discusso j vem desde o CC velho). Para Carvalho Santos h uma tnue diferena, porque no inciso II o sujeito se comprometeu a esperar a resposta, mas no estabeleceu o prazo (o prazo razovel). J no inciso III h um prazo dentro do qual a resposta pode chegar.

O professor concorda com a idia de que no precisaria haver distino. Logo, no tendo chegado a resposta no momento devido (o que vai variar a depender de ser o prazo ajustado ou no) e se o problema de chegada da resposta no prazo, de novo a teoria adotada a da recepo e no a da expedio. Com uma ressalva que est no art. 430 que tpica da boa-f objetiva, no sentido de que o proponente obrigado a avisar o aceitante (dever de lealdade) de que, embora o aceitante tenha aceito a proposta, no houve contrato, porque a resposta chegou fora do prazo (sob pena de compor perdas e danos).

Art. 430. Se a aceitao, por circunstncia imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este comunic-lo- imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos.

1.3.3- Lugar da formao do contrato

Art. 435. Reputar-se- celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.

A definio do lugar da formao do contrato no algo irrelevante, porque o lugar da formao do contrato pode e frequentemente adotado para definir a lei aplicada quando houver conflito. Ademais, o lugar da formao do contrato pode ser til, por exemplo, para definir a regra adotada quanto capacidade dos contratantes.

Isso no vai gerar qualquer problema se as partes estiverem fisicamente presentes. Mas quando a comunicao no sincrnica ou mesmo sendo sincrnica no se estabelece no mesmo espao fsico (como ocorre por telefone, por exemplo), onde se considera aperfeioado o contrato? Ex.: sujeito est em So Paulo e fala com outro em Manaus por telefone. Nesse caso, o contrato se encontra celebrado em SP ou Manaus, se por telefone a comunicao sincrnica? De acordo com o art. 435, considera-se que o local de formao do contrato de onde partiu a proposta. Assim, uma vez aceita a proposta, o lugar onde se aperfeioa o contrato o local de onde a proposta partiu.

Se isso mais fcil nas hipteses de comunicao sincrnica, a questo se torna mais difcil nas hipteses de comunicao virtual, nos chamados contratos eletrnicos. Vale ressaltar que contratos eletrnicos para essa finalidade que estamos a examinar no so contratos eletrnicos tpicos do mundo virtual, como contratos de hospedagem dos sites. Esses ltimos so contratos de prestao de servios, isto , no so tecnicamente um contrato eletrnico. Para a finalidade que estamos mencionando, o contrato eletrnico o contrato comum (qualquer que seja ele, nominado ou inominado, tpico ou atpico), mas cujo meio de aperfeioamento telemtico (virtual). Portanto, nos contratos eletrnicos, no importa o tipo de contrato, o que importa que seu veculo virtual.

Em relao aos contratos eletrnicos h uma certa dificuldade, porque a comunicao pelo computador envolve uma srie de fases ocorridas em locais distintos. Ex.: Eu posso acessar meu computador por meio de um provedor americano, em uma viagem na Europa, para me comunicar com um sujeito que est em Manaus, sendo que eu moro em So Paulo. Aqui nasce uma questo tcnica, que identificar o lugar, pois, no mundo virtual, a noo fsica de lugar que temos foi totalmente dissipada.

Parece mais razovel que, se o domiclio virtual do proponente em So Paulo, o local de onde partiu a proposta seja So Paulo, mesmo que o sujeito fisicamente esteja em outro lugar. O que no parece razovel que, s porque o sujeito acessou a internet em Portugal pelo provedor americano, o lugar de formao de contrato fosse Portugal ou os EUA.

1.4- Interpretao dos contratos

Isso importante analisar j na parte geral porque o problema de interpretao do negcio jurdico antes de ser um problema de interpretao contratual. Interpretar buscar o real alcance de uma manifestao de vontade, s que aqui essa interpretao se refere a uma manifestao de vontade contratual.

errado afirmar que a interpretao se d apenas sobre declaraes obscuras, porque a interpretao se d sobre qualquer manifestao de vontade. Por bvio, a diferena que ela ser mais ou menos abrangente a depender da clareza da declarao.

1.4.1- Critrio subjetivo e objetivo de interpretao das declaraes de vontade

O critrio histrico de interpretao sempre foi prioritariamente subjetivo, ou seja, procurar identificar a vontade do declarante. , alis, o que se continha no nico artigo de interpretao que havia na parte geral do CC velho (art. 85), o qual previa que se deveria ater mais vontade do declarante do que ao sentido literal da linguagem.

Art. 85- Nas declaraes de vontade se atender mais sua inteno que ao sentido literal da linguagem.

Transportado isso ao contrato, o que sempre se buscou foi aquilo que se chamou de inteno comum dos contratantes. O que novo que, em primeiro lugar, o novo CC manteve, na parte geral, uma regra geral de interpretao que veicula um critrio subjetivo de interpretao. Nesse sentido, o art. 112 reproduz o velho art. 85 com duas palavras que fazem toda a diferena do mundo. Isso porque o art. 112 diz que a interpretao das declaraes de vontade deve se ater mais inteno nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. Portanto, o critrio ainda a busca da vontade, apenas que a vontade procurada no a vontade ntima do declarante. Desse modo, busca-se sua vontade a partir daquilo que ele tenha mais ou menos manifestado na declarao.

Art. 112. Nas declaraes de vontade se atender mais inteno nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Esse ainda um critrio subjetivo, porque ainda se busca a vontade, mas se busca identificar o sentido da declarao naquela vontade que foi externada. Portanto, h uma nova concepo de busca da vontade, ainda que fundada tambm no critrio subjetivo de interpretao.

S que, ao lado disso, hoje, o prprio CC explicita um critrio diferente de interpretao e que, em boa medida, j foi mencionado no 1 semestre. Trata-se do critrio objetivo de interpretao explicitado no art. 113 da parte geral.

Art. 113. Os negcios jurdicos devem ser interpretados conforme a boa-f e os usos do lugar de sua celebrao.

Esse dispositivo diz que a interpretao deve considerar e levar em conta os usos, mas, alm disso, deve ser uma interpretao feita conforme a boa-f (sem dvida, conforme a boa-f objetiva). Cumpre notar que a boa-f objetiva tem inmeros papis no sistema, e agora j estudamos todos quando vimos o princpio contratual da boa-f objetiva. Aqui, a boa-f objetiva tem uma funo genrica que ser usada como regra de interpretao.

De acordo com esse critrio objetivo, no se procura a inteno comum dos contratantes. Assim, o intrprete se situa no contrato, verificando qual a clusula que deve interpretar, e se vira de costas aos contratantes (metaforicamente) pensando no que quereriam dizer contratantes em uma situao como essa. Ou seja, os intrpretes no passam nem perto de qual seria a inteno comum dos contratantes naquele caso. Eles analisam o que se costuma convencionar naquele tipo de situao.

Sempre na doutrina se pensou em outras alternativas interpretativas que no o critrio subjetivo. Nesse sentido, usava-se, por exemplo, o princpio da conservao dos contratos. De acordo com esse princpio, se houver duas formas de interpretar, vai se escolher aquela que vai melhor preservar o contrato. Ora, esse no deixa de ser um critrio objetivo de interpretao, ainda que seja um princpio interpretativo implcito. Com o advento do novo CC, agora h um critrio objetivo de interpretao explcito no art. 113.

1.4.2- Da hierarquia entre os critrios interpretativos

Diante dessa possvel escolha de um critrio interpretativo, h uma hierarquia ou o intrprete livre na escolha do critrio a ser adotado? ainda hbito dizer que, prioritariamente, a interpretao deve se dar de maneira subjetiva, ou seja, por um critrio subjetivo. De acordo com esse entendimento, apenas se infrutfera for a interpretao por esse critrio que o juiz se vale de um critrio objetivo.

Qual o fundamento para entreviso dessa hierarquia? A vontade. Veja, o contrato uma manifestao de liberdade, um espao de autonomia constitucionalmente garantido. Ento, por fora dessa inspirao constitucional que o contrato tem como instrumento da livre iniciativa, se chega concluso de que a interpretao deve buscar a vontade, que a fora motriz do contrato.

Esse argumento, no entanto, no convence. Em primeiro lugar porque, embora seja verdade que o contrato, do ponto de vista da vontade, tem amparo constitucional, a boa-f objetiva tambm o tem. Isso porque ela se funda na idia de solidariedade, a qual tambm encontra respaldo na constituio.

A segunda observao de que, se verdade que o contrato tem amparo, em seu ponto de partida, na vontade, tambm verdade que, hoje, a vontade no a fora jurgena exclusiva do contrato. A propsito, importante notar que fora motriz uma coisa, fora jurgena achar que a vontade a fora nica de produo de efeitos do contrato, o que no verdade. Como j afirmamos, o dogma da vontade no absoluto, porque se juntam vontade exigncias extrnsecas do sistema (normativas). Ento, hoje, defender uma hierarquia entre os critrios de interpretao demonstra um apego ao dogma da vontade.

H um terceiro motivo, que mais simples e at pragmtico. Interpretar um processo de elaborao mental. Quando algum vai interpretar, o que acontece que no existe um processo compartimentvel, ou seja, o crebro no diz pra ele prprio: olha, vamos usar apenas o critrio subjetivo. Ao contrrio, na interpretao tudo acontece ao mesmo tempo, at que, ao final do raciocnio, se encontre a melhor forma de interpretao. Portanto, a operao de interpretao no fragmentvel e, sendo assim, no se pode enxergar hierarquia entre os critrios. Todavia, o professor ressalta que essa tese defendida por ele minoritria.

1.4.3- Interpretao restritiva

O novo CC, que foi menos econmico que o velho em termos de interpretao, trouxe mais duas regras interpretativas. Na parte geral, ele trouxe uma regra no art. 114, que, na verdade, j era um princpio implicitamente reconhecido.

Art. 114. Os negcios jurdicos benficos e a renncia interpretam-se estritamente.

Contratos benficos so aqueles que s geram benefcios para uma das partes e desvantagens para a outra (ex.: doao pura e renncia). claro que esses contratos s podem ser interpretados de forma restritiva, porque no se pode interpretar ampliativamente uma liberalidade.

Cumpre lembrar que, feita a interpretao, ela pode ser restritiva, ampliativa ou declarativa. Quando se considera que a norma disse menos do que queria, se interpreta de forma ampliativa. Ao passo que quando se considera que disse mais do que queria, se interpreta de forma restritiva.

Entre os contratos benficos, sempre se deve interpretar de forma restritiva. A inspirao dessa regra de que h na liberalidade um equilbrio prprio. Ou seja, embora no haja prestao e contraprestao, h um equilbrio, no sentido de que a liberalidade feita vai at um certo limite. Portanto, no uma idia de equilbrio econmico e, sim, de um equilbrio relacional.

Essa idia tambm serve de amparo a outra regra de interpretao prevista no art. 423. Essa regra lembra muito o art. 47, do CDC, o qual prev que, nos contratos de consumo, havendo dvida a interpretao deve se dar pr-consumidor.

Art. 423. Quando houver no contrato de adeso clusulas ambguas ou contraditrias, dever-se- adotar a interpretao mais favorvel ao aderente.

Art. 47. As clusulas contratuais sero interpretadas de maneira mais favorvel ao consumidor.

Ainda no estudamos contrato de adeso, mas, por ora, cabe dizer que o contrato se considera de adeso por uma falta de negociao prvia das clusulas. Isso significa que a proposta feita em bloco, de modo que o aderente simplesmente aceita ou no aceita. Outra observao que os contratos de adeso no so prprios apenas das relaes de consumo.

Por causa da adeso, h um desequilbrio intrnseco ao contrato e em posio desequilibrada, de maneira natural, est o aderente. Em razo disso, a lei interfere para reequilibrar a relao. a lei fazendo um papel de pndulo, trazendo uma regra parcial para um contrato que parcial, isto , a lei procura mitigar o desequilbrio de um contrato que j nasce desequilibrado.

1.5- Classificao dos contratos

Faamos uma advertncia. A matria relativa classificao dos contratos , em si, muito fcil. Contudo, classificar contratos tem e revela importncia mais frente nos diversos institutos contratuais. Alis, acabamos de ver um exemplo disso, j que, em matria de interpretao, devemos saber se um contrato benfico ou no. Ademais, estudaremos a teoria da impreviso (art. 478), em que veremos a necessidade de identificao de uma srie de contratos (como contrato instantneo e contrato de durao). Portanto, apesar de simples, essa uma matria de importncia em razo de seus reflexos.

Art. 478. Nos contratos de execuo continuada ou diferida, se a prestao de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinrios e imprevisveis, poder o devedor pedir a resoluo do contrato. Os efeitos da sentena que a decretar retroagiro data da citao.

A segunda advertncia a mesma que fizemos quando classificamos obrigaes: no se podem misturar classificaes! A classificao adota um critrio e, uma vez alterado o critrio, os grupos se alteram totalmente.

1.5.1- Contratos tpicos ou atpicos/ nominados ou inominados

O CC, no art. 425, explicita essa distino, determinando que lcito s partes estipular contratos atpicos.

Art. 425. lcito s partes estipular contratos atpicos, observadas as normas gerais fixadas neste Cdigo.

O critrio dessa classificao a existncia ou no de um prvio quadro, ou seja, de um prvio arcabouo normativo a respeito do contrato firmado. Veremos que h determinadas figuras contratuais que a lei previamente conhece e que previamente estipula. E, mais do que isso, trata-se de figuras que a lei previamente disciplina, ainda que a disciplina no seja cogente, isto , ainda que, em regra, as partes possam estabelecer em contrrio. Ex.: compra e venda, doao, comodato, mtuo, locao, mandato, depsito, etc.

Estes so contratos tpicos no sentido de que a lei os conhece, reconhece e disciplina, em regra, de forma dispositiva. Cumpre adiantar que h alguns contratos tpicos que trazem regras cogentes, como a locao.

A importncia dessa distino que se o contrato tpico e eventualmente omisso/ lacunoso, a interpretao desse contrato fica muito mais fcil por conta do socorro lei. Isso porque h uma prvia disciplina normativa sobre aquele tipo de contrato, como regras sobre o preo e sobre a coisa, por exemplo. Portanto, a existncia de uma disciplina prvia facilita o suprimento das lacunas, a integrao de tais contratos e, mais do que isso, sua interpretao.

Por outro lado, embora sejam possveis os contratos atpicos, as partes devem tomar mais cuidado, porque, se houver eventuais lacunas, as partes no podero se valer de regras apriorsticas conhecidas. Logo, nos contratos atpicos, necessrio se voltar aos princpios dos contratos, analogia com outras figuras conhecidas, etc.

Vale ressaltar que no existe direito real atpico, os direitos reais so tpicos, porque eles so oponveis erga omnes. Embora essa seja uma tendncia do direito contratual, ela no se equipara ao direito real. O direito real, por sua publicidade inerente, suscita uma eficcia erga omnes, o que leva necessidade de que se conheam os direitos reais existentes, bem como seus titulares. Por isso, os direitos reais so tpicos e pblicos. Ademais, em razo disso que os direitos reais devem se encontrar na lei (no apenas no CC, mas tambm em leis extravagantes). J no direito dos contratos, a prpria lei reconhece a possibilidade de entabulao de contratos atpicos.

1.5.2- Contratos consensuais, formais ou reais

Os contratos podem ser consensuais, formais ou reais. O critrio aqui se refere a como se aperfeioam os contratos.

Em regra, como j vimos, os contratos so consensuais, o que significa dizer que, em regra, os contratos podem ser feitos de qualquer forma e se aperfeioam simplesmente pelo consenso.

Porm, pelos motivos que ns j examinamos e que, de novo, nos remetem parte geral, por vezes o legislador exige formas especiais, as quais so requisitos de validade dos contratos. Nesses casos, o contrato no pode ser feito de qualquer forma, isto , ele s pode ser feito por aquela ou aquelas formas. Alis, importante ressaltar que o contrato formal no necessariamente tem forma nica, ele apenas exige uma forma prevista em lei. Ex.: transmisso de direito imobilirio que ultrapassa 30 salrios mnimos exige forma pblica; Ex.: doao de bem mvel que no seja de pequeno valor s pode ser feito por escrito.

O problema que h uma classificao, que vem desde o direito romano, a qual identifica os chamados contratos reais. De acordo com essa distino, os contratos reais so aqueles que somente se aperfeioam com a entrega da coisa. So, normalmente, contratos que geram uma obrigao de restituir. Ex.: comodato, depsito, mtuo, etc. Nesses casos, o contrato s se aperfeioa com a entrega da coisa. No caso do depsito, por exemplo, o contrato s se aperfeioa com a entrega da coisa depositada.

Quanto aos chamados contratos reais, o problema que o legislador traz para o momento do aperfeioamento do contrato uma matria afeta a sua execuo. Ex.: as partes lavram perante o tabelio uma escritura pblica de mtuo pela qual um se obriga a emprestar R$ 10.000 ao outro. Aqui ainda no h contrato, pois haver contrato s depois de se entregar o dinheiro. Isso porque esse tipo de contrato no se aperfeioa s com o consenso e, sim, com a entrega da coisa. Por isso, se a parte no entregar o dinheiro, teoricamente nada se pode fazer, porque ainda no h contrato. Em outras palavras, no h ao para exigir que se cumpra a palavra dada, porque a palavra externada revela um consenso, mas no constitui contrato. A parte at teria direito a perdas e danos, mas no com fundamento no contrato, e, sim, em razo da responsabilidade pr-contratual (interesses negativos). Ora, mas no isso que a parte quer, o que a parte quer a execuo especfica daquela prestao.

Esse o problema criado por essa classificao e o professor entende que ela bem que poderia j ter sido abolida de nosso sistema. Essa entrega da coisa deveria se referir ao momento da execuo do contrato, porque deixar isso para o momento do aperfeioamento do contrato impede que a parte tenha algum instrumento para faz-lo cumprir. Cumpre notar que, s vezes, no h propriamente como provar a existncia de um pr-contrato. Em nosso exemplo a prova fica mais fcil, porque falamos que havia escritura pblica. Ademais, no haveria, tecnicamente, um pr-contrato, porque o pr-contrato se caracteriza por ser um contrato em que as partes se obrigam prestao especfica de declarar sua vontade de forma definitiva. Portanto, reconhecer a responsabilidade pr-contratual seria uma sada alternativa apenas.

1.5.3- Contratos onerosos ou gratuitos (benficos)

O critrio de distino nessa classificao no tem nada a ver com o nascimento do contrato. Pelo contrrio, essa classificao avalia se, nascido o contrato, ele s gera vantagem para uma das partes ou para ambas. Se houver repartio de nus e bnus, o contrato oneroso. Caso contrrio, o contrato ser gratuito.

H casos em que o contrato s gera desvantagem para uma parte e vantagem para outra. Ex.: doao pura.

H alguns autores que fazem uma distino que no tem qualquer eficcia, porque esses contratos so tratados como contratos benficos. Trata-se dos chamados contratos desinteressados XE "contratos desinteressados" . Os autores que tratam dessa distino reconhecem que esses no so contratos onerosos, e que a eles se aplicaria a disciplina dos contratos gratuitos. Ento para que essa distino? De qualquer forma, nos ditos contratos desinteressados haveria para uma parte vantagem e, para a outra, no chegaria a haver uma diminuio patrimonial. Ex.: prestao de servios gratuita. Nesse caso, aquele que recebe o favor tem uma vantagem, mas quem presta o servio no tem, propriamente, uma diminuio patrimonial.

O mais importante notar que, ainda que se adote essa terminologia, para os contratos desinteressados se aplica a disciplina dos contratos benficos.

H alguns reflexos dessa distino. Em primeiro lugar, j vimos que, se o contrato gratuito, a interpretao deve ser restritiva. Mas mais importante do que isso o reflexo previsto no art. 392.

Art. 392. Nos contratos benficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem no favorea. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as excees previstas em lei.

Esse artigo vem desde o CC velho, com a ressalva de que a responsabilidade em geral no mais por culpa apenas (pode haver responsabilidade por risco). Nos contratos benficos, aquele que est fazendo a liberalidade s responde por dolo ou por culpa grave (que ao dolo se equipara).

Isso foi um problema serssimo no transporte gratuito. Isso porque, caso se admitisse que o transporte gratuito (feito por cortesia) um contrato, esse seria um contrato benfico. Sendo contrato benfico, o transportador s responderia por dolo. Ex.: imaginemos que o sujeito pega carona com um amigo e sofre um acidente. Nesse caso, ele s teria direito indenizao contra o amigo se comprovasse o dolo. O CC resolveu esse problema, afirmando que esse transporte por cortesia no contrato e, portanto, no se aplica essa disciplina, tal a importncia dessa distino.

1.5.4- Contratos bilaterais ou unilaterais

J fizemos referncia a esse problema em nossa primeira aula sobre os contratos para no confundirmos o chamado contrato unilateral com o momento do nascimento do contrato. Como vimos, todo contrato nasce bilateral (ou plurilateral, a depender do critrio adotado). No entanto, no estamos falando disso, pois a base dessa classificao tem em vista um contrato j aperfeioado e produzindo efeitos. Logo, essa classificao se coloca no plano da eficcia dos contratos.

A questo saber se, nessa produo de efeitos, o contrato gera prestao a ser cumprida por uma das partes ou por ambas as partes. Se, nascido o contrato, ambas tm prestao a cumprir, ento o contrato bilateral. E mais! Se a prestao de uma das partes for a causa da prestao da outra (o que nem sempre acontece), esse contrato ser chamado bilateral sinalagmtico. Ex.: o vendedor vende por causa do preo e o comprador compra por causa da entrega da coisa. As prestaes so recprocas e uma causa da outra. Contudo, o contrato pode ser bilateral sem ser sinalagmtico. Ex.: doao impura.

J o contrato unilateral aquele que, depois de nascido, tem prestao a ser cumprida por uma das partes apenas. Ex.: mtuo. Depois de nascido o mtuo, s h prestao a cumprir pelo muturio, que pagar o emprstimo. A prestao que tem o mutuante de entregar a coisa uma obrigao que foi trazida para o momento de nascimento do contrato.

Claro que tambm aqui alguns autores inventaram um meio termo, identificando aquilo que chamam de contratos bilaterais imperfeitos (que na opinio do professor so contratos unilaterais). Apesar de serem contratos unilaterais, pode haver, ocasionalmente, prestao a cumprir por aquele que normalmente no tem prestao a cumprir. Por isso, tais autores identificam um terceiro tipo de contrato nessa classificao. Ex.: empresto um carro para o amigo. Esse amigo tem a obrigao de devolver e conservar o carro. Veja que esse um contrato unilateral, porque a entrega da coisa por mim necessria para a configurao do contrato. Ocorre que, nesse caso, se surgir uma despesa extraordinria que nada tenha a ver com o uso normal do carro, esta ser do comodante. Logo, se o comodatrio pagar por essas despesas, elas devero ser ressarcidas pelo comodante. Nesse caso, ele passa a ter uma obrigao a cumprir. No entanto, essa uma situao eventual e no caracteriza o comodato como contrato bilateral imperfeito.

Havia quem sustentasse que justamente a teoria da impreviso (que vamos estudar frente) no se aplicasse aos contratos unilaterais, apenas aos contratos bilaterais. Contudo, sustentar essa tese tirar da teoria da impreviso uma de suas aplicaes mais costumeiras, qual seja, problemas havidos nos contratos de mtuo em razo da alterao das circunstncias. Portanto, caso se adote essa idia, se estaria reduzindo enormemente a aplicao dessa importante teoria.

O CC acabou com esse problema, porque disse claramente no art. 480 que a teoria da impreviso tambm se aplica aos contratos unilaterais. De qualquer maneira, ainda remanesce a importncia dessa distino para esse fim da aplicao da teoria da impreviso. Isso porque as circunstncias so alteradas de um modo ou de outro se o contrato unilateral ou bilateral. Assim, se o contrato bilateral, a conseqncia a resoluo do contrato. J se o contrato unilateral, a conseqncia a reviso do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigaes couberem a apenas uma das partes, poder ela pleitear que a sua prestao seja reduzida, ou alterado o modo de execut-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

1.5.5- Contratos comutativos ou aleatrios

Ateno! Essa uma classificao apenas aplicvel aos contratos bilaterais. O CC, a partir do art. 458, se destinou a regrar de modo particular os contratos aleatrios.

Nos contratos bilaterais, sejam eles comutativos ou aleatrios, ambas as partes tm prestao a cumprir. A diferena que nos contratos comutativos, ambas as partes conhecem a sua prpria prestao e a prestao do outro (elas j esto previamente delimitadas). Ex.: compra e venda com preo j determinado. Nesse contrato, o comprador sabe que vai receber o carro e que vai pagar R$ 30.000 reais, e vice versa. Ou seja, as duas prestaes devidas so conhecidas.

O contrato aleatrio quando uma ou ambas as prestaes no so previamente conhecidas ou quanto a sua existncia ou quanto a sua extenso. Isso depende de onde esteja a lea.

A compra e venda, por exemplo, pode ser comutativa ou aleatria. Ex.: compra e venda de safra, compra e venda da pesca de determinado dia, semana ou ms. Quando o sujeito acorda que vai comprar aquilo que o pescador pescar em um dia determinado, pode acontecer que o pescador no pesque nada, pesque pouco ou pesque muito. Em qualquer dessas hipteses, o comprador deve pagar o preo. Isso porque a lea est na existncia da obrigao do pescador.

A lea bastante ampla, mas possvel que se retire a lea da existncia da coisa e passe-se a sua extenso. Ex.: compro sua pesca se voc pescar algo.

Aqui no contrato aleatrio o risco da natureza do contrato. A lea est na causa do contrato: ou na existncia da prestao ou na extenso da prestao. importante notar que a lea pode se dar para uma ou para ambas as prestaes.

O exemplo mais tpico de contrato aleatrio o seguro, que, tecnicamente, no um contrato aleatrio. Isso porque o seguro no um contrato individualizado entre o segurado e a seguradora. Nesse contrato, em geral, os segurados formam um fundo e a seguradora tem como obrigao gerir esse fundo. Mas, se considerarmos o contrato de seguro do ponto de vista individual, veremos que ele um contrato aleatrio. Ex.: pode-se contratar um seguro de acidentes do veculo por um ano. O segurado paga o prmio e quer receber a indenizao securitria pelo sinistro, que o evento coberto. Veja que o sujeito pode pagar um ano de prmio sem precisar pagar o seguro nunca, como pode acontecer de o sujeito pagar o prmio em um ms apenas e j ter de receber a indenizao no ms seguinte. A lea se d aqui em ambas as prestaes.

A importncia dessa distino variada. Em primeiro lugar, porque as regras dos art. 458 e 459 ainda trazem um problema muito srio e at hoje mal resolvido. H, ainda hoje, uma tendncia em afirmar que no se aplica a teoria da impreviso nos contratos aleatrios. Isso porque se defende que nos contratos aleatrios o risco a alma do negcio. Veremos isso adiante, mas cabe adiantar que hoje h uma posio que parece melhor, a qual diz que, nos contratos aleatrios, o risco se coloca em condies razoveis e tem a ver com aquilo que foi pactuado (ou seja, com os riscos prprios do negcio). Cabe acrescentar que, mesmo admitindo a aplicao da teoria da impreviso aos contratos aleatrios, devemos entender que ela se aplica em limites muito mais restritos do que nos contratos comutativos.

Art. 458. Se o contrato for aleatrio, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de no virem a existir um dos contratantes assuma, ter o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte no tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avenado venha a existir.

Art. 459. Se for aleatrio, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, ter tambm direito o alienante a todo o preo, desde que de sua parte no tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior esperada.

Pargrafo nico. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienao no haver, e o alienante restituir o preo recebido.1.5- Classificao dos contratos (continuao)

1.5.6- Contratos instantneos e contratos de durao

O critrio bsico dessa distino est no tempo que eventualmente existe entre a contratao e a execuo do contrato. Em algumas hipteses, a execuo dos contratos se d de forma imediata. Nesse caso, diz-se que a contratao instantnea, eis que entre a contratao e a execuo no h decurso de tempo relevante.

Por outro lado, no caso dos contratos de durao, entre a contratao e a execuo h intermediao de um tempo relevante. Cumpre notar que o contrato de durao poder ser de duas espcies: contrato de execuo diferida e contrato de trato sucessivo.

O contrato de execuo diferida aquele em que a prestao vai se dar em data determinada. Ex.: compromisso de compra e venda em que o preo ser pago em 10 parcelas ou em uma nica parcela, desde que protrada no tempo.

J os contratos de trato sucessivo so aqueles em que o tempo entre a contratao e a execuo se renova. Ou seja, estes so contratos em que a prestao se renova medida que o tempo passa. Ex.: locao.

De qualquer modo, tanto os contratos de execuo diferida quanto os contratos de trato sucessivo so espcies do gnero contratos de durao, o qual se ope ao contrato instantneo.

Essa distino tem diversas importncias. Em primeiro lugar, essa distino encontra relevncia quanto aos efeitos da resoluo do contrato. Nesse passo, particularmente importante distinguir os contratos de trato sucessivo. Isso porque as partes, uma vez resolvido o contrato, so repostas no estado em que antes se encontravam, o que no acontece no contrato de trato sucessivo. Ex.: no caso de locao, havendo despejo, os aluguis pagos pelo inquilino no so devolvidos, porque eles correspondem ao tempo de ocupao. Veja que no compromisso de compra e venda, tambm houve tempo de ocupao, mas o valor pago pelo promitente comprador no corresponde ao tempo de ocupao do imvel. Nesse caso, at possvel pensar-se em indenizao pela ocupao indevida, mas as partes retornam ao estado em que estavam, sendo devolvido o valor pago.

Essa distino nos efeitos da resoluo se d, porque, no contrato de trato sucessivo, o tempo decorrido foi gerando uma prestao que foi bem paga, eis que ela se renovava medida que o tempo ia passando.

Outra conseqncia importante se refere teoria da impreviso. Isso porque o art. 478, do CC, estabeleceu claramente a incidncia da teoria da impreviso aos contratos de durao.

Art. 478. Nos contratos de execuo continuada ou diferida, se a prestao de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinrios e imprevisveis, poder o devedor pedir a resoluo do contrato. Os efeitos da sentena que a decretar retroagiro data da citao.

Ao longo de nosso estudo, percebemos que todas essas classificaes no so complicadas, a questo toda se d em relao s conseqncias da derivadas. Vejamos, ainda, mais duas classificaes importantes.

1.5.7- Contratos empresariais X contratos existenciais

O professor prefere a denominao no empresariais e, dentro dessa classificao, os contratos existenciais. De qualquer forma, vale observar que essa uma classificao nova que vem sendo tratada pela doutrina e pertinente.

importante notar o que j vem acontecendo muito costumeiramente na propriedade, eis que hoje os contratos se multiplicaram tal como as manifestaes do direito de propriedade. Nesse sentido, vemos que h tratamentos diferenciados para a propriedade, isto , h tratamento diverso para a propriedade urbana e rural, para a propriedade comercial, para a propriedade produtiva, etc. Isso o que tambm acontece no contrato. Ex.: no se pode tratar um contrato de aquisio de casa prpria da mesma forma que um contrato de parceria.

Ou seja, no possvel que a todos os contratos se apliquem as mesmas regras. Basta pensar no contrato de consumo, para o qual h inmeras previses diferenciadas no CDC com as quais no estamos acostumados a lidar. Portanto, mesmo os princpios e a interferncia do estado vo se dar de modo diverso, de acordo com o tipo de contrato. Ser que a impreviso examinada pelo juiz em uma parceria entre a Esso e a Shell vai ser a mesma que a aplicada a um contrato de consumo? Claro que no!

1.5.8- Contratos relacionais ou cativos

Para alguns autores, esses contratos relacionais ou cativos no precisariam nem de uma categorizao autnoma e poderiam ser includos entre os contratos de durao, porque estes so contratos de longa durao. No entanto, os contratos relacionais tm uma caracterstica muito prpria, qual seja, o tempo desses contratos se refere causa contratual. Em outras palavras, um longo tempo exatamente o que as partes querem.

Desse modo, nos contratos relacionais h um tempo que indeterminado e que tende a se protrair, mas aqui de maneira extensa. Esse um contrato que tem suas ocorrncias ao longo do tempo, amoldando os direitos das partes. Ex.: quem contrata o seguro sade no quer contrat-lo por um ano e, sim, para a vida toda. Da mesma forma, a assinatura de TV a cabo ou jornal so contratos de longa durao.

Eles so denominados contratos relacionais, porque so contratos em que h necessidade de uma especial confiana que se gera ao contratante. Portanto, aqui incide de maneira muito especial o princpio da boa-f objetiva. Isso porque, exatamente em virtude da longa durao e dessa cativao que deve existir em relao ao contratante, preciso especial dever de cooperao/ de cuidado, j que as partes permanecero vinculadas entre si por um longo tempo e natural que as coisas mudem. Logo, encontraremos uma especial preocupao com a boa-f objetiva nesses contratos.

1.6- Contratos de adeso

1.6.1- Conceito

J no estamos mais tratando de uma classificao e, sim, da categoria dos contratos de adeso. Mas por que estamos estudando os contratos de adeso na matria relativa ao CC e no ao CDC? Porque claro que o fenmeno do contrato de adeso no exclusivo de contratos de consumo. Ex.: os fornecedores de insumo da Volkswagen contratam com a empresa por meio de contrato de adeso.

Contrato de adeso aquele cujas condies (clusulas) gerais so impostas sem a possibilidade de prvia discusso.

bem verdade que o CDC nos ajuda, porque ele define o contrato de adeso no art. 54. De acordo com esse conceito, o contrato de adeso aquele em que no h possibilidade de as partes e, particularmente, de o aderente discutir as clusulas do contrato. Assim, se o aderente quiser, ele adere, caso contrrio ele simplesmente no contrata.

Art. 54. Contrato de adeso aquele cujas clusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou servios, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu contedo. [...]

Essas condies gerais s vezes so impostas pelo prprio poder pblico, como ocorre nos servios concedidos, como fornecimento de gua e luz. s vezes, essa imposio acontece porque uma das partes detm monoplio naquele setor da atividade econmica. E, outras vezes, a imposio se d por um desequilbrio de foras. Nesse sentido, Orlando Gomes diferenciava contratos de adeso de contratos por adeso. De acordo com essa distino, o contrato por adeso seria aquele em que no haveria um monoplio como razo da imposio das clusulas gerais. Contudo, o art. 54, do CDC no faz essa distino e o professor entende que ela j est superada.

1.6.2- Da natureza contratual

Muitos j recusaram a natureza contratual aos contratos de adeso, pois sustentavam que aqui no haveria vontade contratual propriamente dita. Alis, muitos autores identificaram nessa ocorrncia aquilo que, retomando o direito romano, seria chamado de quase contratos ou relaes contratuais de fato. Em que pese esse entendimento, aqui parece haver uma dupla vontade, ainda que limitada e no raro limitada para as duas partes. claro que o aderente tem uma vontade limitada, porque ele no pode discutir previamente as condies do contrato, as quais vm em bloco, de modo que ele adere ou no quele bloco. Contudo, claro que ele manifesta sua vontade ao aderir.

A prpria parte que impe as condies manifesta uma vontade que limitada. Claro que quem se lana no mercado ao fornecimento de massa faz isso por que quer, isto , no exerccio da livre iniciativa constitucionalmente garantida. Por outro lado, ao fazer isso, ela tambm se submete ao dever de contratar. Logo, quem se lana no fornecimento de massa, quer na relao de consumo, quer na relao entre profissionais, se coloca em situao de oferta permanente e fica obrigado a contratar, a menos que haja causa justificvel para no faz-lo. Isso o que dispe o art. 39, II, do CDC.

Art. 39. vedado ao fornecedor de produtos ou servios, dentre outras prticas abusivas:

[...]

II - recusar atendimento s demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

[...]

Portanto, em ambos os casos, embora de maneira diversa, a vontade limitada, de modo que esse um contrato, ainda que com peculiaridades.

Ressalte-se, ademais, que, embora as condies gerais do contrato no sejam negociveis, algumas clusulas no gerais so passiveis de negociao. Ex.: se eu for comprar uma TV ou se for tomar um emprstimo no banco, o contrato certamente ser de adeso, porque a Philips ou o Bradesco no vo contratar pessoalmente cada clusula comigo. Mas pode ser pessoalmente negociado o preo e o prazo do pagamento. No caso do banco, possvel negociar at os juros. Desse modo, h uma possibilidade de estrita negociao no que diz respeito s clusulas especiais, mas certamente no em relao s clusulas gerais.

1.6.3- Enzo Roppo e a ideologia do contrato de adeso

H um autor italiano chamado Enzo Roppo que, em sua clssica obra O contrato, diz uma coisa perfeita sobre o contrato de adeso, que ele denomina de ideologia do contrato de adeso. Para ele, na verdade o contrato de adeso tem um lado bom e um lado ruim. Ele diz que o fenmeno do contrato de adeso de um lado um imperativo de ordem econmica, isto , no d para ser diferente no mercado de massa. J imaginou quanto custaria para essas empresas contratar individualmente com cada consumidor, discutindo as clusulas, mexendo aqui e ali? Esse custo iria recair sobre os prprios consumidores. Sob esse aspecto, o contrato de adeso bom para o consumidor, porque otimiza custos. E mesmo quando h discusso do contrato em juzo, h uma facilitao por meio do contrato de adeso, porque seria difcil discutir cada clusula de cada um dos contratos.

Contudo, se de um lado isso bom porque resolve o imperativo de ordem econmica, o contrato de adeso traz um problema srio que a fragilizao da posio jurdica do aderente. Veja, esse aspecto negativo existe tanto quando o aderente consumidor quanto quando no , porque pode haver o contrato de adeso entre profissionais. exatamente por conta da fragilizao da situao do aderente que o estado legislador e o estado juiz interferem para assegurar um reequilbrio que a situao de fragilidade do aderente reclama. Em outras palavras, nesses contratos de adeso h um desequilbrio intrnseco, pois ele um contrato que j nasce desequilibrado pelo prprio fenmeno da adeso, j que o aderente no pode discutir as condies do contrato. Em razo disso, o estado interfere para reequilibrar uma relao que j nasce desequilibrada. importante ressaltar que isso acontece no s no CDC, mas tambm no CC.

1.6.4- Das regras que visam ao restabelecimento do equilbrio nos contratos de adeso

Estudamos a interpretao dos contratos e vimos o art. 423, que repete uma previso semelhante do CDC, a provar que o fenmeno da adeso um s (envolvendo a relao de consumo ou no). Desse modo, mesmo em uma relao civil que no seja de consumo a interpretao em um contrato de adeso parcial, porque esta parcialidade que a legislao determina cumpre um papel de pndulo, isto , de reequilibrar uma relao que nasceu desequilibrada.

Art. 423. Quando houver no contrato de adeso clusulas ambguas ou contraditrias, dever-se- adotar a interpretao mais favorvel ao aderente.

O art. 424 de novo repete uma norma que j encontramos no CDC. Alis, ambos os dispositivos do CC so novos, pois no estavam no CC de 1916.

Art. 424. Nos contratos de adeso, so nulas as clusulas que estipulem a renncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negcio.

Imaginemos que sejam convencionadas clusulas de renncia ao direito de indenizao, clusulas limitativas de indenizao, clusulas de renncia de reteno a benfeitoria (com exceo do contrato de locao, que tem regras prprias). Se tais clusulas forem convencionadas em um contrato de adeso, elas sero nulas. O que a nulidade dessa clusula de renncia dos contratos de adeso? uma sano quilo que tambm no CC se considera ser uma clusula abusiva. Nesse sentido, importante notar que o fenmeno das clusulas abusivas tambm no restrito ao CDC, porque no CC h exemplos de abusividade.

O que no h no CC uma organizao das clusulas abusivas, ao contrrio do que ocorre no CDC, que sempre as pune com a nulidade. Veremos que, por vezes, o CC no impe a nulidade. o que ocorre, por exemplo, com a clusula penal abusiva, em que o juiz poder simplesmente reduzir o valor. Por outro lado, aqui no art. 424 fala-se expressamente em nulidade d


Top Related