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Consumo Ético: Uma Avaliação Do Campo E Proposta De Estudos

Marcos Ferreira Santos

RESUMO

Este artigo visa apresentar um panorama dos estudos acerca do consumo ético, a partir de um

viés crítico. Para tanto, o artigo inicia-se com uma revisão teórica onde são apresentados os

conceitos de marketing, comportamento do consumidor, ética e sua relação com a

responsabilidade social. A discussão do conceito de marketing é feita contrapondo-se a

definição normal clássica do funcionalismo americano a outras definições com viés crítico. As

discussões dos conceitos de comportamento do consumidor e ética são feitas a partir de uma

abordagem panorâmica, privilegiando-se uma visão do desenvolvimento do campo, permeada

com considerações a partir do viés crítico. A discussão do conceito de consumo ético é feita

buscando apresentar possibilidades e tendências do campo. O artigo conclui-se com uma

síntese do panorama apresentado, algumas considerações finais acerca de pesquisas realizadas

e a sugestão de linhas de estudo e pesquisa futuras.

Introdução

Este artigo trata da questão do consumo ético, um campo da área do comportamento do

consumidor contemplado por um crescente número de trabalhos. (PEREIRA E AYROSA,

2004; HARRISON, NEWHOLM E SHAW, 2005; PORTILHO, 2005; CANCLINI, 2006;

BELINKY, 2007; DOWBOR, 2007; LAZZARINI, 2007; BAUMAN, 2008; ROCHA, 2008;

AYROSA ET AL, 2009)

A questão do consumo ético e seus desdobramentos perpassa várias áreas do conhecimento,

partindo da área do conhecimento da mercadologia, no qual o comportamento do consumidor

tradicionalmente está inserido e pelas áreas do conhecimento que contribuem para o

comportamento do consumidor, como economia, antropologia, sociologia, psicologia,

demografia, entre outras. (GIGLIO, 2004; MEIRELES ET AL, 2006)

Propõe-se a fazer uma revisão teorias que contribuem para a compreensão da área do

comportamento do consumidor sendo elas: teoria econômica, teoria comportamental, teoria de

motivação e teorias sociais (GIGLIO, 2004; MEIRELES ET AL, 2006) e formar o conceito de

consumo ético aplicado a realidade brasileira, a partir da teoria crítica, derivada da abordagem

social. (HARRISON, NEWHOLM e SHAW, 2005; PORTILHO, 2005; HACKLEY, 2009)

Nas sessões a seguir serão apresentados conceitos de: marketing, privilegiando o viés crítico,

tão pouco comum à produção brasileira; conceito de comportamento do consumidor,

apresentando um panorama de diferentes escolas e compreensões do consumo; a inter-relação

da ética, mercadologia, consumo e responsabilidade social e, por fim, o conceito de consumo

ético. Ao final, faz-se uma breve síntese do campo, a partir de um viés crítico e propõem-se

linhas de estudo e pesquisa.

Referencial Teórico

Mello (2006) afirma que a produção acadêmica brasileira é subordinada à escola americana, a

partir de um panorama de uma pesquisa realizada entre 1990 e 2005, com 527 artigos

analisados. A grande totalidade dos artigos publicados é de artigos positivistas, ligados ao

mainstream marketing, ou seja, à escola americana. Este problema se deve em primeira

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instância à colonização do conhecimento, que o autor articula pelos conceitos de matriz

colonialista (HALL, 2003 apud MELLO, 2006) e dominação cultural (MARTIN-

BARBERO, 2003 apud MELLO, 2006).

Este artigo tem sua relevância dada pela tentativa de mapear e explorar o campo do consumo

ético, um campo relativamente novo do comportamento do consumidor. Mello (2006) propõe

o questionamento se a academia não precisava de um olhar mais humanizado, abrangente e

interdisciplinar sobre o marketing. Para o autor, seria necessário um processo de

descolonização que abrisse a possibilidade da utilização de novas abordagens para a

interpretação do marketing.

Seguindo uma orientação paradigmática crítica (MORGAN, 1980) e aplicada à realidade

brasileira este artigo se propõe a ampliar o conhecimento acerca do consumo ético no Brasil

ao realizar um breve panorama da produção brasileira e internacional relevante sobre o tema,

panorama este que pode ser de grande auxílio para estudiosos do tema.

Marketing

O Marketing, ou mercadologia, tem várias definições. A definição clássica de Kotler (1998, p.

27) é: ―MARKETING é um processo social e gerencial pelo qual indivíduos e grupos obtêm o

que necessitam e desejam através da criação, oferta e troca de produtos de valor com outros‖.

Enfocando-se neste processo de troca Boone e Kurtz (1998, p. 7) explicam:

―A essência do marketing é o processo de troca, em que duas ou mais pessoas se dão

algo de valor, com o objetivo de satisfazer necessidades recíprocas. O marketing tem

sido descrito como o processo de criar e resolver relações de troca‖.

A troca mencionada pelos autores é sim uma relação comercial, onde se dá a satisfação de

uma necessidade ou desejo através de um processo de troca, freqüentemente baseado em

papel moeda. De acordo com Alvesson (1998) esta definição ampla e imprecisa encoraja a

colonização do marketing em diversas esferas da vida econômica e social. No entanto,

caracterizado o lado pragmático e funcional do marketing, é importante notar a centralidade

deste conceito que focaliza a atividade mercadológica, em qualquer uma de suas variações, ao

aspecto econômico.

Muitas definições podem ser encontradas acerca do que é marketing. Basicamente o

marketing lida com a satisfação do que define como ―desejos e necessidades‖. Embora

questionados em sua definição por autores da Teoria Crítica (ALVESSON, 1998;

HACKLEY, 2009), enquanto estes dois últimos conceitos forem considerados válidos pelo

campo do saber da mercadologia, sempre haverá alguma ação de cunho mercadológico

visando à satisfação do cliente a partir de um foco econômico e funcional. Pela legitimidade

que alcançou no mainstream da administração, o marketing não pode ser desprezado,

enquanto campo do saber constituído, mesmo que sendo questionado em seus próprios

conceitos constituintes.

Comportamento do Consumidor

De acordo com Barbosa e Campbell (2006) Sócrates e Platão já discutiam o consumo e seu

impacto na natureza humana. Durante a idade média o consumo de vício chegou a ser

condenado em pecado, por Santo Agostinho. Já no final do século XVII passou a ser

considerada uma relação positiva entre o aumento do consumo e o crescimento econômico.

Posteriormente Adam Smith viria a defender o consumo e sua relação com a prosperidade

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das nações. No século XX, enquanto Weber considerava o consumo uma ameaça à ética

capitalista protestante, Durkheim identificava o consumo como uma anomia social, inclinando

a sociedade para o viés individualista.

Com o fim da II Guerra Mundial, houve o surgimento da geração do baby boom a partir de

1946, com o acréscimo de 4 milhões de bebês por ano, que geraram aproximadamente 76

milhões de novos consumidores 19 anos depois nos EUA. Foi nesta época que o marketing

incorporou definitivamente métodos científicos quantitativos e a abordagem behaviorista. Na

esteira do movimento behaviorista os estudos de comportamento do consumidor organizaram-

se e adquiriram status no campo do marketing. (WILKIE E MOORE, 2003)

Segundo Kotler (1998) a finalidade do marketing é atender e satisfazer às necessidades e

desejos dos consumidores. Na visão deste autor, a área de comportamento do consumidor

estuda como os indivíduos, grupos e organizações selecionam, compram, usam e dispõem de

bens, serviços, idéias ou experiências para satisfazer as suas necessidades e desejos. Para

Giglio (2004), na área de comportamento do consumidor os pesquisadores observam os fatos

(o consumo) e o sujeito dos fatos (o consumidor) para criar as teorias. Como se trata de uma

ciência social pode haver erros, novas descobertas ou transformações sociais ao longo do

tempo que invalidem as teorias vigentes.

Giglio (2004, p. 38) afirma que:

Partir do consumidor significa recolher informações sobre seu comportamento e

criar explicações sobre suas expectativas, bem como previsões sobre seu

comportamento futuro. São essas criações que permitem o planejamento e a

execução de ações de marketing.

As definições apresentadas acima não escondem seu viés normativo, de cunho positivista. No

entanto há autores como Canclini (2006, p.60) que propõe outro tipo de definição de

consumo:

(...) o consumo é o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a

apropriação e os usos dos produtos. Esta caracterização ajuda a enxergar os atos

pelos quais consumimos como algo mais do que simples exercícios de gostos,

caprichos e compras irrefletidas, segundo os julgamentos moralistas, ou atitudes

individuais, tal como costumam ser explorados pelas pesquisas de mercado.

Para Rocha (2008) o consumo é estruturante, como uma dinâmica que formata uma ampla

cultura comunicacional. Consumir engloba todo um conjunto de processos e fenômenos

socioculturais complexos, mutáveis dentro dos quais estão contidos os diferentes usos de bens

e serviços. Essa estrutura comunicacional também é utilizada como um mecanismo de

dominação, no sentido de controlar a interpretação coletiva de diferentes tipos de textos. Por

um lado há um viés que considera que o consumidor está sendo progressivamente

transformado em mercadoria (que consome à outras mercadorias) enquanto por outro lado há

propostas como as de Canclini (2006) que propõe a noção de consumo engajado no exercício

da cidadania.

A interessante perspectiva teórica de Rocha (2008, p. 122) é a de ―uma perspectiva teórica

que concebe o consumo como privilegiado campo de constituição da subjetividade e a

imagem como partícipe de uma inédita articulação do imaginário e da sociabilidade da

atualidade‖. A partir deste ponto a autora propõe a noção de imagética do consumo, que

insere o consumo em uma rede midiática, rizomática e dinâmica. O consumo está inserido

dentro de um campo limítrofe cultural, fluído e limítrofe entre diferentes campos. Outro ponto

seria uma análise mais profunda do gosto, propondo que o mesmo tenha um caráter pessoal,

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individual e subjetivo e outro caráter mais aberto de formação de identidade onde misturamos

um pouco de nós ao nosso gosto e o mundo se torna um mundo de experiências sensíveis na

forma de objetos e pessoas. No limite a autora propõe que o ato de consumir assume uma

natureza metanarrativa, ou seja, consumir seria consumir um modo de consumir.

Quanto à relevância da área de estudos sobre comportamento do consumidor, esta ―...é de

fundamental importância para os profissionais de marketing, por permitir que se compreenda

a geração de valor para o consumidor, dado o seu propósito central de satisfação das

necessidades e desejos dos clientes‖. (MEIRELES et al, 2006, p. 14). Ainda para os mesmos

autores, compreender as necessidades e desejos dos consumidores possibilita aos profissionais

de marketing não cometerem o viés chamado de ―miopia de marketing‖, pois é possível

pensar como os próprios consumidores.

Dada a complexidade e história da área do comportamento do consumidor, existem várias

abordagens metodológicas que foram (ou ainda são) utilizadas ao longo do tempo: teoria da

racionalidade econômica, teoria comportamental, teoria psicanalítica, teorias sociais ou

antropológicas e teoria cognitivista. (MEIRELES et al, 2006)

A teoria da racionalidade econômica tem sua origem na teoria da consciência do final do

século XIX, segundo a qual o ser humano se distingue pela sua capacidade de consciência e

raciocínio. Com ela aparecem as primeiras pesquisas acerca do comportamento do

consumidor, no campo da microeconomia. Como esta teoria é baseada em princípios do

utilitarismo, o homem tem infinitos desejos, mas as possibilidades de satisfazê-los são

limitadas. Logo, o comportamento do consumidor é visto como egoísta; suas escolhas são

orientadas pelo princípio do maior benefício ao menor custo possível. O uso contínuo de um

bem, sendo ele tanto produto quanto serviço faz com que a satisfação em relação a ele

decresça à medida que quantidades adicionais vão sendo consumidas, o que é chamado de

taxa de utilidade marginal. As limitações desta abordagem estão no fato de sua visão

positivista e normativa de aspecto prescritivo tem pouco interesse pelo foco descritivo. Outro

problema é o foco nas características do produto e não nas características do consumidor. Por

fim, não há sustentação lógica e factível para a afirmação de que o ser humano é racional e

tem consciência de suas necessidades e das formas de satisfazê-las. (GIGLIO, 2004;

MEIRELES et al, 2006)

A teoria comportamental, baseada no campo da psicologia, surgiu como uma alternativa para

a compreensão de fatores cognitivos, motivacionais e emocionais que fazem parte do processo

de escolha e decisão de compra. Ela segue uma linha positivista, tendo entre suas principais

influências o trabalho de Frederick B. Skinner e sua teoria do condicionamento. Sua premissa

é a de que um comportamento pode ser incrementado se for sucedido por uma recompensa.

Outro ponto observado por Skinner é o de que todo comportamento tem uma freqüência de

repetição que se mantém razoavelmente constante, que pode ser condicionado por estímulos

reforçadores e que com a repetição o ser humano cria hábitos e deixa de questioná-los. A

influência no comportamento é estudada a partir da análise de como os estímulos de

marketing presentes no ambiente de consumo levam o consumidor a aprender, produzir

comportamentos específicos e reações positivas e negativas em relação aos produtos

disponíveis. No entanto esta teoria tem um caráter reducionista e centrado no presente, não

levando em conta a liberdade de escolha, nem implicações mais amplas, calcadas nas

interações sociais, nem estuda de fato a subjetividade do consumidor no momento da compra.

(GIGLIO, 2004; MEIRELES et al, 2006)

A teoria psicanalítica, pautada na psicanálise, procura estudar os processos subjetivos que

acontecem no momento da compra. Segundo esta abordagem os comportamentos expressos

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na consciência são uma visão distorcida de desejos recalcados do inconsciente, ou seja, o

consumidor projeta seus desejos, expectativas, angústias e conflitos no ato do consumo,

encontrando uma satisfação parcial. Para esta corrente os profissionais de marketing devem

suspender os modelos explicativos temporariamente para estarem mais abertos aos estímulos

que recebem dos consumidores. Atrelar conceitos e imagens aos produtos com o intuito de

aumentar o consumo pode ser associado a esta técnica. A principal dificuldade desta

abordagem está em seu foco no inconsciente, sem fornecer instrumentos de avaliação

tornando mais difícil sua transformação em modelos aplicáveis nas situações de consumo.

Outro ponto está em sua indiferença às implicações sociais e culturais do consumo. (GIGLIO,

2004; MEIRELES et al, 2006)

As teorias sociais e antropológicas enfocam o consumo como um aspecto social, pensado a

partir de suas condições históricas, sociais e culturais. Dividem-se em duas vertentes: a

marxista e outra sobre os hábitos de consumo das sociedades. Seu mérito está na análise da

dinâmica social e cultural que rege os processos de consumo, ou seja, como um processo de

significação social que proporciona referências para a construção da identidade social dos

consumidores. Também há o viés crítico, cujo vertente encontra-se no projeto de Marx e que

foi refinado pela escola de Frankfurt. No entanto, estas teorias apresentam grandes

dificuldades para serem operacionalizadas, ou seja, na construção de modelos fundamentados

que podem ser aplicados. (GIGLIO, 2004; MEIRELES et al, 2006)

A teoria cognitivista integra produto, consumidor e ambiente considerando o consumo como

um processo de decisão. Levando em conta o consumo como resultante de informações

provenientes do meio ambiente, da cultura e do indivíduo levando em conta percepção,

motivação, aprendizagem, memória, atitudes, valores, personalidade, bem como influência do

grupo, família, cultura e classe social, assim como os localizados no ambiente no momento da

compra. Por ser a abordagem dominante, normativa e pautada em conceitos positivistas,

talvez sua grande limitação seja a falta de um viés crítico claro. (MEIRELES et al, 2006;

HACKLEY, 2009)

Para Rocha (2008) o consumo é estruturante, como uma dinâmica que formata uma ampla

cultura comunicacional. Consumir engloba todo um conjunto de processos e fenômenos

socioculturais complexos, mutáveis dentro dos quais estão contidos os diferentes usos de bens

e serviços. Essa estrutura comunicacional também é utilizada como um mecanismo de

dominação, no sentido de controlar a interpretação coletiva de diferentes tipos de textos. Por

um lado há um viés que considera que o consumidor está sendo progressivamente

transformado em mercadoria (que consome a outras mercadorias) enquanto por outro lado há

propostas como as de Canclini (2005) apud Rocha (2008) que propõe a noção de consumo

engajado no exercício da cidadania. A interessante perspectiva teórica de Rocha (2008, p.

122) é a de ―uma perspectiva teórica que concebe o consumo como privilegiado campo de

constituição da subjetividade e a imagem como partícipe de uma inédita articulação do

imaginário e da sociabilidade da atualidade‖.

Como contraponto às teorias apresentadas anterior e derivando da abordagem social, Hackley

(2009) propõe que a afirmação do marketing de que possui uma compreensão privilegiada dos

consumidores, seus desejos, necessidades, motivações e aspirações é problemática. Seguindo

a linha crítica do marketing, o autor faz o questionamento de que mesmo quando são

compreendidos, podem os consumidores ser controlados? A linha crítica do comportamento

do consumidor trabalha então contrapondo a visão de que as técnicas de marketing podem

influenciar seu comportamento de forma eficiente e evidenciando os mecanismos de

influência e dominação aos quais consumidores são expostos. No centro da crítica ao modelo

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do comportamento do consumidor ensinado na escola está o ataque a racionalidade do

consumidor. Para os autores que seguem a linha crítica de comportamento do consumidor no

fundo a racionalidade do consumidor é profundamente subjetiva, o que tornaria este modelo

inválido. Um modelo de estudos para o comportamento do consumidor mais aplicável seria,

na visão do marketing crítico, mais interpretativo.

No pós-modernismo o foco da pesquisa se deslocou do ato da compra para o ato do consumo.

Há um interesse em realizar experiências com o consumidor e os pesquisadores que adotaram

esse viés são conhecidos como experimentalistas, pós-modernistas ou interpretativistas. A

pesquisa interpretativista é qualitativa e se utiliza de métodos qualitativos como a etnografia,

semiótica e entrevistas pessoais. Seus resultados são altamente subjetivos e únicos, uma vez

que a interpretação do pesquisador influi neles e não podem ser generalizados para grandes

populações, a não ser por inferência (SCHIFFMAN e KANUK, 2000).

Ética, mercadologia, responsabilidade social e consumo

A ética é uma área da filosofia que estuda a moral e valores. O interesse na ética, julgamentos

de valor e moral já existe a um tempo considerável. Aristóteles identificou elementos da

virtude como justiça, coragem, temperança, magnificência, magnanimidade, liberalidade,

gentileza, prudência e sabedoria. O imperador Justiniano, na Roma antiga, foi o primeiro a

incorporar a ética no sistema legal e Napoleão estabeleceu um código com trinta e seis

estatutos com base no conceito de que todos os cidadãos, independentemente de seu berço ou

estatura social, deveriam ser tratados de forma justa. (YÜCEL et al., 2009)

De acordo com Thiry-Cherques (1999) há duas barreiras as serem superadas no debate acerca

de ética nas organizações: distinguir juízos sobre fatos e juízos sobre valores. O autor ensina

também que há três estratos de percepção sobre a moralidade: a ética, que procura dar a

―razão de‖, diferenciando o que seria a conduta certa e conduta errada; em seguida, os juízos

derivados de percepção transcendente, que seriam juízos cujo argumento está além da razão,

normalmente ligados ao divino; por fim os sentimentos morais, que refletiriam a conduta

preferível e a conduta detestável, pautados em opiniões, crenças e ideologias. No plano da

ética, há uma discussão que se alonga por 25 séculos, que o dilema entre o que é certo e

errado seja resolvido por um processo lógico ou princípio teórico.

A questão da discussão ética é simples, porque transcorre dentro de premissas e pode ser

avaliada racionalmente. Já os princípios de valor baseados em julgamentos transcendentes ou

sentimentos morais são mais complexos. Quando submetidos ao escrutínio lógico e despidos

de fundamentações do divino e de argumentos de violência simbólica ou de fato, muito pouco

sobra. O autor indica que a maioria das pessoas adere a princípios de valor e os confunde com

ética, o que é preocupante. A ética lida com a liberdade de escolher e impor um julgamento

prévio aos atos morais a anula. (THIRY-CHERQUES, 1999)

A evidência apresentada por Buchanan e Badham (2008) em seus estudos sugere que a

maioria dos gestores (80%) não vê a política como algo antiético e usará meios políticos para

alcançar seus objetivos. Velasquez et al (1983 apud BUCHANAN e BADHAM, 2008)

propõe 3 sistemas éticos normativos para distinguir comportamentos éticos em atos políticos,

sendo estes a teoria utilitarista, a teoria dos direitos e a teoria da justiça.

Os sistemas éticos normativos procuram encontrar uma resposta para pergunta moral do que

deve ser feito. As abordagens normativas podem ser classificadas em teleológica, que se

concentra nas conseqüências das ações ou comportamentos e deontológica, que se concentra

nas ações e comportamentos específicos a um indivíduo. Para os deontológicos, o principal

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problema é determinar o melhor conjunto de regras pelas quais se deve viver. Teleológicos

acreditam que se deve avaliar as conseqüências de seus atos e são divididos em egoístas, que

afirmam que uma pessoa deve escolher ações que resultam no máximo de benefício para si e

utilitaristas, que acreditam no máximo de benefício para a coletividade e não o indivíduo.

(SCHIFFMAN E KANUK, 2000; YÜCEL et al., 2009)

A problematização do utilitarismo para Thiry-Cherques (2002) encontra-se na questão de

quem determina o que é bom para indivíduo e para a coletividade. Outro ponto é a questão de

que argumentar que o ser humano é naturalmente benevolente e pensará também na

necessidade do próximo é problemática. Outras questões estão na despersonalização do

individuo, o sacrifício das minorias e o egoísmo excêntrico. No campo da política está a

questão de que o pensamento da maioria nem sempre pode ser considerado ético com fim.

Cateora e Graham (2005 apud YÜCEL et al. 2009) propõe, a partir de uma ótica utilitarista

algumas questões-guia para conduta como: A ação otimiza o bem estar de todos ou beneficia

a todos os constituintes? A ação respeita aos direitos dos indivíduos envolvidos? A ação

respeita os cânones da justiça e igualdade para todas as partes envolvidas?

A teoria da justiça julga o comportamento em se os benefícios e custos decorrentes da ação

são distribuídos de forma justa, igual e imparcial. As regras devem ser aplicadas de forma

consistente, os que estão em circunstâncias similares devem ser tratados igualmente e os

indivíduos não podem ser considerados responsáveis por circunstâncias fora de seu controle.

(BUCHANAN e BADHAM, 2008).

Uma das reflexões acerca da ética no marketing se encontra no campo do conhecimento do

consumidor. Yücel et al. (2009) sugerem que o processo de decisão do marketing pode ser

influenciado por diferentes abordagens éticas. Os críticos se preocupam com a possibilidade

de que os estudos de comportamento do consumidor possam ser usados por profissionais de

marketing antiéticos para explorar vulnerabilidades humanas no ato da compra ou do

consumo. O conhecimento aprofundado do comportamento de um consumidor pode dar uma

vantagem injusta à empresa, argumentam. (SCHIFFMAN E KANUK, 2000)

Faria e Sauerbron (2008) afirmam que não há uma abordagem única para a ética empresarial,

mas sim três:

1. Ética empresarial — abordagem ética ou normativa;

2. Empresa e sociedade — abordagem social ou contratual;

3. Gestão de temas sociais — abordagem gerencial ou estratégica.

A abordagem normativa, ou ética se baseia no argumento de que as atividades empresariais

estão sujeitas ao julgamento moral. Neste caso, a responsabilidade social da empresa está

diretamente ligada a responsabilidade moral. Os comportamentos e valores dos indivíduos

assim como as políticas, as práticas e os valores das empresas são analisados. (FARIA e

SAUERBRON, 2008)

A abordagem contratual privilegia os interesses de diferentes grupos de atores sociais com os

quais a empresa se relaciona e os conflitos e disputas de poder decorrentes deles. A proposta

desta abordagem substitui o termo abordagem social pelo termo abordagem pública o que

enfatiza o seu enfoque sócio político. (FARIA e SAUERBRON, 2008)

A abordagem estratégica é representada pela escola de gestão de temas sociais e tem foco na

produção de ferramentas de gestão para melhorar o desempenho social e ético das empresas.

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Essa abordagem tem uma visão utilitarista de que o que é bom para a sociedade é bom para a

empresa. O raciocínio é se focar nas oportunidades que tragam vantagens competitivas,

atendendo aos objetivos estratégicos da organização. (FARIA e SAUERBRON, 2008)

A crítica feita à abordagem estratégica é a falta de neutralidade desta área que surgiu nos

EUA com a premissa de que o foco da estratégia é o de adaptar a empresa ao ambiente

externo. Este campo do saber é visto como criador e legitimador de uma visão de mundo que

reflete o caráter hegemônico da academia americana. O termo stakeholder foi apropriado

pela responsabilidade social empresarial para prescrever como as organizações podem ser

mais efetivas por meio da análise sistemática dos públicos de interesse. (FARIA e

SAUERBRON, 2008)

―Começa-se também a introduzir, em algumas organizações, a questão da

responsabilidade social corporativa, que, junto com o consumo sustentável, poderá significar um novo paradigma de atuação para as organizações de consumidores. Se

antes buscava-se a afirmação de direitos (à informação, de receber produtos

saudáveis e seguros, de proteção contra práticas abusivas e serem indenizados, entre

outros), agora introduz-se a consciência de que o consumo vai além do produto, ele

também premia uma empresa e os seus valores éticos e práticas representados por

ela, acompanhando a evolução da cidadania.‖ (LAZZARINI, 2007, p. 56)

Como o tema em questão ainda é recente na literatura de estudos organizacionais, conforme

demonstram Pardini et al.(2007), tal conceito ainda necessita de mais consistência teórica e

validação empírica para diferentes dimensões. Para Carrol (1998), o conceito de

responsabilidade social deve envolver as dimensões: econômica, legal, ética e filantrópica,

numa concepção que abrange acionistas, funcionários e sociedade como um todo, deste modo,

os consumidores enquanto atores sociais estão envolvidos neste processo.

Alguns autores também trabalham com a noção de marketing social, como Pringle e

Thompson (2000, p. 3) que ensinam que ―o Marketing para Causas Sociais (MCS) pode ser

definido como uma ferramenta estratégica de marketing para e de posicionamento que associa

uma empresa ou marca a uma questão ou causa social relevante, em benefício mútuo‖. Para

estes autores um programa de MCS pode ser desenvolvido por meio de uma aliança

estratégica entre uma empresa e uma organização voluntária ou beneficente, ou diretamente

em benefício da causa social em si.

―Responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela relação

ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona

e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento

sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as

gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das

desigualdades sociais.‖ (INSTITUTO ETHOS, 2008, p. 5)

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ethos (2008) em parceria com o Instituto Akatu e Ibope

Inteligência, que realizou um total de 1.333 entrevistas indicou que as práticas de

responsabilidade social empresarial haviam sido incorporadas ou estão atualmente em fase de

adoção por 79% das empresas pesquisadas. Luo e Bhattacharya (2006) afirmam que a

responsabilidade social tem, ao longo desta década, ganho importância no portfólio dos

programas de marketing das empresas modernas; 90% das 500 maiores empresas do mundo

indicadas pela revista Fortune têm iniciativas de RSC.

―As preocupações com as questões sociais e ambientais ocupam um lugar de destaque na

contemporaneidade‖ (CARRIERI et al, 2006, p. 1). Conforme demonstrado por Schiffman e

Kanuk (2000), após um inicio lento na década de 70 e 80, um espetacular crescimento do

segmento de consumidores que se preocupam com a proteção e preservação do meio ambiente

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foi notório nos anos 90. Tal fato, para Carrieri et al. (2006), ocorreu devido a queda da

qualidade de vida de uma parte significativa da população, remetendo também as

organizações a assumirem uma postura mais responsável em relação à sociedade e ao meio

ambiente.

Consumo Ético

De acordo com Harrison, Newholm e Shaw (2005) há 7 fatores externos que influenciam o

crescimento dos comportamentos de consumo éticos, sendo eles:

1. A globalização dos mercados e o enfraquecimento dos governos nacionais;

2. O crescimento de marcas e corporações multinacionais;

3. O crescimento de grupos atuantes de pressão;

4. Os efeitos sociais e ambientais do avanço tecnológico;

5. Uma mudança no poder de mercado para o consumidor;

6. A efetividade de campanhas de marketing;

7. O crescimento de um movimento mais amplo de responsabilidade social.

Para Harrison, Newholm e Shaw (2005) o consumo ético é uma expressão muito ampla que

abarca desde investimento ético (a compra ética de ações e investimento em fundos de ações

éticos) a compra de produtos sustentáveis e boicotes de consumidores a políticas ambientais

de compra corporativa.

Portilho (2005) ensina que até a década de 70 havia um consenso de que a crise ambiental é

baseada crescimento demográfico da população, principalmente em países em

desenvolvimento. Após a Conferência de Estocolmo esta noção foi questionada com o

surgimento do argumento que os grandes responsáveis eram os países desenvolvidos e seu

modo de consumo.

De acordo com Thayra e Ribeiro (2007) o consumo humano não se limita à manutenção

fisiológica da vida, como fazem os demais seres vivos do ecossistema terrestre. Para os

humanos o consumo ele se confunde com desejos e necessidades que são alimentados pelos

contextos sócio-culturais nos quais os homens encontram-se. Diversos autores (BELINKY,

2007; DOWBOR, 2007) chamam a atenção para a relação do consumo com a degradação do

planeta:

―O primeiro ponto é que o consumidor irresponsável leva ao colapso do planeta,

pois estamos exterminando a vida nos mares, destruindo o solo agrícola, exaurindo

os lençóis subterrâneos de água para irrigação, gerando um caos climático planetário

através do desperdício energético e assim por diante. Não é sustentável e seremos

vistos pelas gerações futuras como genocidas da vida na Terra.‖ (DOWBOR, 2007,

p. 28)

De acordo com Portilho (2005) a mudança no debate ambiental passa pela mudança

paradigmática que estrutura e organiza a sociedade que passa da produção para o consumo.

Neste novo viés, o nível e estilo de consumo tornam-se formadores da identidade cultural,

logo um meio privilegiado para análise e compreensão das sociedades contemporâneas.

Page 10: Consumo Ético - Uma Avaliação do Campo e Proposta de Estudos

O surgimento do conceito de um consumo verde e, logo, um consumidor verde passa pelo

surgimento na década de 70 do ambientalismo público; a ambientalização do setor

empresarial na década de 80 e, já na década de 90, do surgimento da preocupação com o

impacto ambiental de estilos de vida e consumo. Logo, o ato de ir às compras passou a ser

considerado em seu impacto ambiental. (PORTILHO, 2005)

Para atender as demandas desse mercado de consumo responsável, os profissionais do

marketing, segundo Schiffman e Kanuk (2000, p. 442), ―reprojetaram produtos e embalagens,

tanto por iniciativa própria quanto em resposta à pressão do público, e apressaram-se para

anunciar essas melhoras nos rótulos das embalagens e nas propagandas em geral."

Essas empresas fizeram e ainda fazem uso de argumentos ecológicos para se firmarem frente

a esses consumidores. Tais argumentos são definidos por Pereira e Ayrosa (2004, p.2), como

um ―estímulo mercadológico que forneça informações sobre a produção ecologicamente

correta de determinado produto, ao qual (ou a que) ele associe uma marca ou empresa, e que

tenha a intenção de alterar o comportamento, ou a atitude do consumidor".

De acordo com Portilho (2005, p. 3) O consumidor verde é ―aquele que, além da variável

qualidade/preço, inclui em seu ―poder de escolha‖, a variável ambiental, preferindo produtos

que não agridam ou sejam percebidos como não-agressivos ao meio ambiente‖. Ainda para a

autora a estratégia de consumo verde é uma transferência da atividade de regulamentação do

Estado para o mercado e do Estado para o cidadão, através de suas escolhas de consumo.

Há uma visão do campo dominante da academia que o consumidor, quando informado

adequadamente acerca dos bens que consome, terá atitudes e comportamentos

ambientalmente benignos. No entanto, possuir o conhecimento não necessariamente reflete

práticas ambientalmente corretas. Outro fator importante a ser considerado é a grande

quantidade de informações, muitas vezes especializadas, que dificulta o julgamento correto da

parte do consumidor. A ser considerado também é o custo da produção ambientalmente

correta, que repassado para o consumidor torna certos produtos em média mais caros.

(PORTILHO, 2005)

Para Canclini (2006) a adoção de práticas de consumo responsável pela ―massa‖ pode ser

problemática devido à dispersão da identidade dos grupos de consumo em um mundo

globalizado, a influência midiática controlada pelas elites ou mesmo a falta de politização das

mesmas. No entanto, Thayra e Ribeiro (2007) e Jacobi (2007) argumentam que o consumo

responsável necessita do apoio de políticas governamentais para se tornar uma realidade e ser

adotado pelos consumidores. Por este motivo, questionamos se de fato há representatividade

dos argumentos ecológicos, geralmente projetados em seus produtos pelas empresas verdes,

no ato da compra, ou seja, se apesar da conscientização que as pesquisas indicam, existem

outras variáveis que se sobrepõem. (PEREIRA e AYROSA, 2009)

De acordo com Portilho (2005) os cidadãos foram reduzidos a condição de consumidores,

consumindo muitas vezes sem se preocuparem com as conseqüências de seu consumo. Este é

um resultado da invasão do mercado em uma gama de esferas de vida e da conseqüente

mistura de valores de mercado com valores cívicos. Se o cidadão é reduzido à consumidor

espera-se que ele cumpra seu papel cívico ―votando com a carteira‖, o que indica que o

exercício desta nova cidadania fica circunscrito aos que estão inclusos no mercado de

trabalho.

No entanto, há ações políticas com reflexos na esfera do consumo, como as organizações de

defesa de consumidor, boicotes, economia solidária, redes e cooperativas de consumidores

Page 11: Consumo Ético - Uma Avaliação do Campo e Proposta de Estudos

que procuram recuperar espaços perdidos e contrapor o mercado. Considerado por este lado, o

consumo não pode ser considerado como uma atividade despolitizada. Este pensamento se

contrapõe às noções de que os consumidores são irracionais e alienados ou que atuam

somente a partir de uma racionalidade econômica, o que abre espaço para ser o ator social

crítico, ou consumidor crítico. (PORTILHO, 2005)

Portilho (2005, p. 8) afirma:

(...) o consumo pode se tornar uma transação politizada, na medida em que

incorpora a consciência das relações de poder envolvidas nas relações de produção e

promove ações coletivas na esfera pública. Assim, uma das respostas políticas para a percepção da exploração nas relações de consumo pode ser a tentativa de evitar a

exploração aumentando a proporção de consumo realizado fora do mercado

convencional ou implementando ações de protesto e boicotes.

Tal afirmação é secundada por Canclini (2006, p. 37) ao afirmar que:

Ao repensar a cidadania em conexão com o consumo e como estratégia política,

procuro um marco conceitual em que possam ser consideradas conjuntamente as

atividades do consumo cultural que configuram uma dimensão da cidadania, e

transcender a abordagem atomizada como que sua análise agora é renovada.

Logo, em um mundo onde os valores da cidadania estão sendo colonizados pelo mercado, a

prática do consumo torna-se uma dimensão da cidadania. Uma vez que a cidadania passa a ser

considerada a partir do consumo, deve-se também levar em conta a questão ética.

Conclusão

Neste artigo foi apresentado um breve panorama de estudos da área de consumo ético, um

tema emergente com várias possibilidades de pesquisa. Considerando que o consumo

perpassa a questão da formação e afirmação da identidade de uma pessoa (BARBOSA e

CAMPBELL, 2006; CAMPBELL, 2006; THAYRA e RIBEIRO, 2007) a relevância deste

tema se dá pela necessidade de se resgatar os valores cívicos no ato de consumo (PORTILHO,

2005; CANCLINI, 2006) e pela ameaça da degradação ao planeta causada pelo mesmo

(BELINKY, 2007; DOWBOR, 2007).

O viés crítico deste artigo se dá pela preocupação em descobrir como humanos podem ligar

pensamento e ação (práxis) como meios de transcender sua realidade (MORGAN, 1980).

Repensar tanto o campo quanto as práticas de marketing a partir de outras óticas, superando a

ótica capitalista faz-se necessário para que se possa ultrapassar o caráter colonialista com o

qual a academia mundial em geral e a brasileira em particular, está formando as novas

gerações de administradores (ALVESSON, 1998; HACKLEY, 2009).

Um estudo recente (SANTOS ET AL, 2009) indicou que a adoção de práticas sócio-

ambientalmente responsáveis não se constituem como fator de decisão para a compra do

consumidor de um grupo de jovens universitários do interior capixaba, que têm na qualidade e

no preço seus maiores motivadores de comportamento para a escolha. Neste estudo foi

observada ainda, uma postura crítica dos entrevistados em relação à divulgação de tais

práticas pelas empresas, uma vez que gera desconfiança nos consumidores sobre a verdadeira

intenção das empresas ao divulgarem tais ações. Isso é interpretado por alguns consumidores

como ações que buscam apenas o aumento das vendas ou ainda, gerar diferenciais para a

escolha do consumidor e não se constituem em práticas incorporadas de preocupação pela

empresa, não sendo valores desta.

Page 12: Consumo Ético - Uma Avaliação do Campo e Proposta de Estudos

Tal constatação vai de encontro aos argumentos de Lazzarini (2007) que afirma que a

utilização ―marqueteira‖ e superficial do termo pode gerar confusão e, por fim, desacreditar o

conceito aos olhos do consumidor. Esta pode ser uma ameaça para a expansão do campo de

consumo ético, uma vez que pode desacreditar o mesmo.

Por fim, sugerem-se pesquisas acerca dos seguintes temas:

1. A influência dos argumentos de consumo ético no comportamento de compra do

consumidor;

2. Desenvolvimento e lançamento de produtos de consumo ético no mercado brasileiro;

3. A influência das práticas éticas na formação e manutenção da imagem e das marcas de

uma empresa.

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