Download - Conhecimento Religioso
Universidade Federal do Pará – UFPAInstituto de Letras e Comunicação – ILCFaculdade de Comunicação – FACOM
Curso de graduação em Comunicação Social
George Luiz Miranda da Silva
Hojodrines Rodrigues de Lima
Jobson Murilo Barbosa Marinho
José Ricardo Valente Mendes
Lidyane Braga Albim
Maria Jessica Rodrigues de Lima
Sérgio do Espírito Santo Ferreira Júnior
TIPOS DE CONHECIMENTO:
O Conhecimento Religioso
BELÉM/PA
2013
George Luiz Miranda
Hojodrines Rodrigues de Lima
Jobson Murilo Barbosa Marinho
José Ricardo Valente Mendes
Lidyane Braga Albim
Maria Jessica Rodrigues de Lima
Sérgio do Espírito Santo Ferreira Júnior
TIPOS DE CONHECIMENTO:
O Conhecimento Religioso
Texto apresentado à disciplina Metodologia e
Elaboração de Projetos, ministrada pela Prof.ª
Esp. Rosa Cardoso, para obtenção parcial de nota
no curso de graduação em Comunicação Social –
Habilitação em Jornalismo, da Universidade
Federal do Pará – UFPA.
BELÉM/PA
2013
Definição
Baseado em verdades consideradas indiscutíveis, o Conhecimento Religioso – ou
teológico – apóia-se em doutrinas sagradas, por terem sido reveladas pelo sobrenatural. É um
conhecimento sistemático do mundo – contém origem, significado, finalidade e destino –
como obra de um criador divino. Suas evidências não podem ser comprovadas, pois ficam
implícitas no campo da fé. Ou seja, a confiança que os indivíduos depositam no
Conhecimento Religioso torna-se um ato de fé e a visão de mundo é interpretada como
decorrente do ato de um criador divino.
Religiosidade, Sagrado e Religião
Excetuada das atividades ligadas diretamente à sobrevivência do ser humano, a
religião é uma das atividades culturais mais antigas da humanidade e existe em todas as
culturas. Isso se deve ao fato de sermos simplesmente humanos, diferentes das outras espécies
de seres da natureza e favorecidos de consciência. No entanto, o homem percebe que não é o
criador das coisas da natureza, já que esta é algo que nasce independente da ação humana.
Isso leva o indivíduo a crer em forças superiores a força humana. Daí surge a crença na(s)
divindade(s).
O homem, como ser consciente, irá descobrir a morte. O ser humano é capaz de
associar o presente com o passado e o futuro, por meio do tempo e da memória. Ou seja, ele é
consciente de que um dia nasceu e poderá desaparecer, isto é, morrer. Ainda assim, o
indivíduo não está conformado com a ideia de término com a morte e passará a pensar para
onde irá depois que morrer. Deste modo, passa a crer numa vida futura.
Como uma qualidade do indivíduo, a religiosidade é caracterizada pela disposição ou
tendência do mesmo, para prosseguir a sua própria religião ou a integrar-se às coisas sagradas.
A crença em divindades e em vida após a morte caracteriza o centro da religiosidade e nos
leva a entender a essência do sagrado.
O sagrado é a experiência da presença de um poder ou de uma força sobrenatural que
habita algum ser (planta, animal, humano) ou coisas (objetos, elementos da natureza, etc.). É
caracterizado pela prática simbólica da diferença entre os seres, superioridade de alguns sobre
outros, do poder de algum sobre outro.
Esta superioridade e poder são sentidos pelo indivíduo como espantosos, admiráveis,
misteriosos, desejáveis e temidos. O ser potente possui uma qualidade específica, que pode
ser boa ou má (pode trazer benefícios ou malefícios) e que o separa ou distingue de todos os
outros seres.
Com a sacralização há a ruptura qualitativa entre o humano e o sobrenatural, pois o ser
superior é dotado de uma força sobrehumana e o homem se julga incapaz de realizá-la.
Todavia, o sagrado faz nascer amor, devoção, ódio, admiração e respeito (como
temor). A partir daí surge o sentimento religioso e a experiência da religião. Contudo, a
religião presume a diferença entre o natural e o sobrenatural e surge para religar o “sentimento
de separação entre os humanos e o sagrado, mesmo que este habite nos humanos e na
natureza”. (CHAUÍ, 2008, p.253).
Quanto à religião, de acordo com a etmologia da palavra, significa "vínculo, ligação".
É o vínculo entre o profano e o sagrado, ou seja, a ligação entre a natureza e as divindades.
A religião é um processo relacional desenvolvido entre o homem e os poderes por ele
considerados sobrehumanos, no qual se estabelece uma dependência ou uma relação de
dependência. O ser humano irá expressar essa relação por meio de emoções como confiança e
temor, e também por meio de ações (cultos ou atividades pré-estabelecidas, rituais ou reuniões
solenes e festividades).
A maioria das religiões busca mostrar por meio de simbologia o vínculo entre o
homem e Deus. No judaísmo, por exemplo, fala-se da Arca da Aliança e do arco-íris como
símbolo e sinal, respectivamente, da aliança entre Deus (YHWH) e a humanidade.
“Por meio da sacralização e consagração, a religião cria a ideia de espaço sagrado”.
(CHAUÍ, 2008, p.254). São exemplos de locais sagrados: o céu, o monte Olimpo (Grécia), o
muro das Lamentações (Israel) e a cidade de Meca (Arábia Saudita).
A religião é a demonstração de que a consciência humana registra a sua relação com o
sobrenatural, expressando a sua convicção nos poderes que lhes são transcendentes. Esta
transcendência é tão forte que se sobressai na cultura humana.
Muitas pessoas cometem equívoco ao confundirem religião com sistema religiosos. O
sistema religioso a institucionalização da religião e do sagrado. Os templos, congregações,
igrejas e centros religiosos não são a religião, mas sim um sistema religioso, já que a religião
é um processo pessoal.
A relação do criador cósmico com a criatura deixa uma relação subentendida ao ser
humano. E é esta relação que é verdadeiramente a religião.
Aspectos do Conhecimento Religioso à Luz da Filosofia
O conhecimento religioso pressupõe muitos processos intelectivo-culturais, que se
relacionam com o desenvolvimento da percepção humana do mundo que o circunda e de si
mesmo enquanto individual e coletivo, em cuja base está a fé. E partindo dos já citados pontos
da religiosidade, do sagrado e da religião, deve-se ressaltar os aspectos componentes desse
tipo de conhecimento, bem como as suas funções sociais, pois a sua configuração abrange os
vários domínios de que se ocupa não só a religião, mas também a filosofia.
Dentre esses aspectos, o de imediata caracterização é o estabelecimento da relação
entre o homem e o divino, que se pode condensar na figura de um nume ou mesmo de forças
ou energias, cujo poder aja sobre os vários âmbitos da realidade. Mas para além da figura
divina representada ou exemplificada, uma noção importante se desenvolve para caracterizar
a natureza dessas divindades, pois, de acordo com Andrade (s/d, p. 72), a sua existência e
domínio são plenos, porque se constituem como algo absoluto, de que toda a realidade é
provinda, além de serem propiciadores da capacidade intelectiva do homem, de modo que
todo o conhecimento e sua apreensão perpassam pela intuição e inspiração divinas. Além
disso, no rito religioso e na elaboração do relacionamento com o deus, busca-se um
estreitamento entre o ser divino absoluto o espírito do homem, em uma introspecção
transcendental.
Outro ainda é o caráter que o conhecimento religioso assume, tanto em forma mística
ou mais metafísica, como oriundo da revelação ou iluminação. De modo que só é dado ao
homem conhecer a natureza, ele próprio e o deus, quando a divindade possibilita isso,
mediante alguns processos de que participa a fé. O conhecimento, portanto não vem do
exercício da racionalidade do homem, antes é fruto da manifestação divina; são verdades
dogmáticas, verdades plenas da fé, em que o homem deve crer por serem de origem superior,
pois “o que se revela é a vontade do deus, na qual o crente confia e cujos desígnios ele
cumpre” (CHAUÍ, 2012, p. 320).
As noções de forma e matéria de que o deus se constitui também são características
que fazem parte do discurso das inferências desse tipo de conhecimento, pois a relação do
homem com o exterior se molda a como o deus está inserido ou não no mundo físico. De
acordo com Chauí (2012, p 326), os objetos e seres sagrados e divinos podem ser imanentes
ou transcendentes ao mundo, à realidade que o ser humano percebe. O caráter da imanência,
muito relacionado com o panteísmo (crença apregoa a existência da divindade em toda a
natureza, que é a própria divindade), explica que as deidades são seres que se identificam com
os existentes no mundo tangível, de modo que se assemelha (não na imagem ou na aparência,
antes nos princípios regedores do universo) e subsiste neles. A transcendência divina consiste
na separação dos deuses do mundo dos humanos, pela qual eles vivem em outro, sagrado, e do
qual governam todos os homens; nesse tipo de crença, a manifestação divina ocorre segundo a
aparição do próprio deus, material ou imaterialmente, ao homem, a quem fala e propaga a sua
mensagem. A relação nesse caso é importante porque se vai operar um processo subjetivo que
é muito forte, quando o próprio deus for o emissor de um vaticínio ou palavra sacra, pois a
tendência à crença nela é potencializada.
E uma das implicações diretas desse último aspecto é a manutenção e difusão da lei
divina na religião e na sociedade. E a propósito desse processo, Chauí afirma:
“A vontade divina pode tornar-se parcialmente conhecida dos humanos sob a forma
de leis, isto é, decretos, mandamentos, ordenamentos, comandos emanados da
divindade. Assim como a ordem do mundo decorre dos decretos divinos, isto é, da
lei ordenadora à qual nenhum ser escapa, também o mundo humano está submetido
a mandamentos divinos, dos quais os mais conhecidos, na cultura ocidental, são os
Dez Mandamentos, dados por Jeová a Moisés. Também são de origem divina as
Doze Tábuas da Lei que fundaram a república romana, como eram de origem divina
as leis gregas explicitadas na Ilíada e na Odisseia de Homero, bem como nas
tragédias.” (2012, p. 321)
Assim, os muitos postulados provindos da esfera divina são decretos objeto de
reverência, temor e obediência, e são transmitidos por meio da escrita ou da oralidade,
cristalizando-se como ordenanças, promessas ou ensinamento do deus para o homem,
passando a integrar o ideário religioso coletivo.
A partir da análise desses aspectos, cabe explanar, ainda que rapidamente, a respeito
das funções que se encontram no conhecimento religioso, que são os processos que advêm da
mistificação do mundo e da simbolização, inerentes à religião, é possível destacar, de acordo
com Chauí (2012, p. 328), as seguintes funções que essa espécie de conhecimento possui: a da
explicação das origens e da realidade, pois um dos seus propósitos primeiros é de clarificar
como se originou tudo, desde os deuses, perpassando pela natureza, até os sentimentos do
homem, mediante a ação sobrenatural do absoluto, que rege e ordena a realidade; a
justificação da ordem estabelecida entre os homens, pois também irá propor valores que
vigerão no meio social, além de estabelecer normas para a vida moral do homem e legitimar a
hierarquização social, por meio da afirmação da existência de hierarquia das criaturas e das
instituições; além do fornecimento de perspectivas de vida após a morte, sendo esse um fator
demasiado relevante, pois vai dar sentido ajudar a superar o tabu da morte, fornecendo como
que um consolo aos adoradores do deus, pois lhes possibilita viver no mesmo plano e estado
da deidade ou ainda a libertação das penas terrenas.
De fato todas essas asserções são inerentes tanto ao rito quanto aos sentimentos e
convicções envolvidos da religião. E todas elas têm uma natureza metafísica, ainda que não se
caracterize como tal, bastante forte, de que se pode aprender, conforma a afirmação, que,
“como doutrinas práticas, fundamentadas na revelação, os dogmas religiosos cuidam de dar
explicações adequadas aos problemas de ordem metafísica suscitados no homem a respeito da
essência da natureza e da significação da existência” (ANDRADE, s/d, p. 84). Pretende, pois,
essa modalidade de conhecimento uma reelaboração da realidade e das relações entre os entes
que a compõem, buscando no divinal os pressupostos com os quais se elucidem e por meio do
qual se dissipem todas as dúvidas e incertezas que o homem nutre em seu espírito.
Religião e Mitologia
Alguns usam os termos mito e mitologia para ilustrar histórias de uma ou mais
religiões como algo falso ou duvidoso. Enquanto quase todos os dicionários incluem essa
definição, mito nem sempre significa que uma história é falsa, tampouco verdadeira. O termo
é constantemente utilizado nesse sentido de descrever religiões criadas pelas sociedades
antigas, cujos ritos estão quase extintos. Muitas pessoas não consideram as histórias sobre a
origem e acontecidos, como contadores de mitos; eles veem seus textos sagrados como
possuindo verdades religiosas, inspiradas divinamente, mas não repassadas em linguagens
humanas. Outros separam suas crenças de histórias similares de outras culturas e se referem a
estas como história. Essas pessoas se opõem ao uso da palavra “mito” para descrever suas
crenças.
Para o propósito desse texto, a palavra mitologia é usada para se referir a histórias,
que, enquanto podem ou não serem factuais, revelam verdades fundamentais e pensamentos
sobre a natureza humana, através do frequente uso de arquétipos. Também é necessário frisar
que as histórias discutidas expressam pontos de vista e crenças de um país, um período no
tempo, cultura e/ou religião a qual lhes deu à luz. Uma pessoa pode falar de mitologia judaica,
mitologia cristã ou mesmo mitologia islâmica, cada uma descrevendo os elementos míticos
nessas religiões, sem se referir à veracidade sobre a sua história.
Podemos então concordar que a religião, enquanto um sistema que institui uma relação
com o divino, que liga a humanidade e a divindade, acaba por se transformar numa instituição
que regula o modo como o homem utiliza o sagrado para se aproximar (ou não) do divino.
A mitologia, naturalmente, refere o conjunto dos mitos, unidos por uma cultura. A que
nos interessa é a "cultura religiosa" ou a "cultura da divindade", se é que lhe podemos dar esse
nome. Interessam-nos os mitos religiosos que respondem a questões fundamentais da
existência humana e da realidade, dando uma razão aos porquês, enquanto define os cosmos.
Assim, temos os mitos religiosos dos gregos e, por semelhança, dos romanos unidos na
mitologia greco-romana, mesmo sabendo que, a partir de certa data, esses mitos passaram a
ser encarados não como expressão religiosa, mas como expressão de verdades transmitidas
através de aventuras fantásticas, tradicionalmente associadas a deuses. Temos também a
mitologia nórdica, ameríndia, maia ou aborígene, entre muitas outras, cujos mitos revelam o
pensamento religioso e cultural. E temos a mitologia judaico-cristã, onde o mito surge
frequentemente como ponto de fé, como se não fosse a Bíblia a detentora da verdade
histórica.
Na verdade, os mitos religiosos surgem frequentemente nas mitologias em diferentes
seções, de acordo com a sua temática. De um modo muito geral, podemos encontrar três tipos
de mitos religiosos, respondendo a diferentes questões: mitos sobre um ou mais deuses; mitos
sobre o mundo; mitos sobre o homem.
Com estes três tipos de mitos, a mitologia religiosa de uma comunidade consegue
explicar não só a existência do mundo e do homem, como o seu aspecto, as corretas relações
entre os seres (ou pelo menos a razão das atuais relações), a diferença entre o Bem e o Mal
(ou entre o moral e imoral), as relações a estabelecer com os deuses e as suas consequências.
As cerimônias religiosas, também chamadas de ritos, seguem determinadas regras, um
padrão de ações, a que se chama ritual. E o conjunto destes ritos, no seu padrão ritual, é
chamado de culto, palavra cuja origem latina, cultivare, significa cultivar, tanto os campos
como o espírito. E o culto, com as sua cerimônias rituais, reflete a tradição e os costumes.
Conhecimento Religioso e Arte
A arte como conhecemos hoje teve seus primórdios influenciados pela religião.
Surgida de um processo que nasceu no interior dos cultos e para servi-los, passou pela criação
da linguagem, a instituição do trabalho e da própria religião, a sociabilização através da vida
em comunidade, o estabelecimento do poder religioso como autoridade, a sacralização e a
ritualização da vida (nascer, morrer / plantar, colher, etc.).
Instituída na forma mecânica (artesanato, agricultura, costura), a arte posteriormente
tornou-se um elemento de culto. Pinturas, esculturas, danças e músicas eram chamadas
fetiches, sendo vistas como a encarnação dos próprios deuses nelas, e os artistas, chamados
feiticeiros por as manipularem.
Nesse contexto, o artista ou artífice, artesão, não possuía vontade própria para produzir
suas artes, pois elas estavam inseridas no ritual de culto aos deuses e, portanto, eram
determinadas pelas autoridades religiosas.
Além disso, recebiam educação especial para serem iniciados nas técnicas e segredos
das artes com o intuito de torná-los mais que fabricantes de objetos para o culto, mas,
também, oficiantes dele, já que a matéria-prima e a ciência de como usá-los provinha dos
deuses e era um dom humano usado para eles.
Tempos depois, mesmo com a desvinculação de um trabalho do outro, o detentor da
autoridade religiosa somente realizava as cerimônias (cultos), os artistas e suas artes ainda
serviam a religião através da criação e produção de joias, vestuários, templos, catedrais,
estátuas, gravuras, etc., encomendados pelos oficiantes dos cultos. E, esses estabeleciam as
regras para a fabricação, forma e cor, de tudo.
Séculos mais tarde, a arte conseguiu a autonomia da religião, mas, passou a submeter-
se á autoridade política que encomendava dos artistas edifícios, mobiliários, joias, entre
outros.
Só aconteceu uma real autonomia das artes da religião e da política, quando o modo de
produção capitalista interveio nas relações existentes até então, tornando-as laicas e jogando-
as no mercado. Assim, depois de desvencilhada do valor de culto e da autoridade política, a
arte foi aprisionada pelo valor de mercado.
Religião na contemporaneidade: os meios de comunicação como púlpito para a difusão
do conhecimento religioso
Contrariando a racionalidade a respeito do sobrenatural proveniente do iluminismo,
vemos que na pós-modernidade as questões relativas à espiritualidade continuam a repercutir,
por exemplo, por meio dos best sellers com personagens angélicos ou diabólicos ou pela
mídia que exibe diferentes religiões buscando responder às dúvidas da sociedade acerca do
mundo espiritual.
Porém, ainda que no século XXI as questões acerca do sobrenatural continuem a ser
debatidas, a religião na pós-modernidade teve a sua incumbência de explicar o mundo
descaracterizada. Agora diversas instituições com diferentes explicações de mundo coexistem
numa mesma sociedade, e o indivíduo adere àquela que mais corresponde aos seus anseios
particulares. Como explica o filósofo e mestre em Ciência da Religião Luther King Santana:
“Com o fim da função da religião como ordenadora do cosmos, entramos numa situação de
pluralismo onde todas as instituições podem explicar e fundamentar a realidade”
(SANTANA, 2005 p. 54). Assim, a religião na pós-modernidade responde às necessidades
individuais, e não mais a explicações genéricas orientadas a toda a sociedade.
Em meio a esse pluralismo de instituições (religiosas ou não) que podem elucidar a
compreensão das coisas ou mesmo do sobrenatural, as religiões passam a utilizar os meios de
comunicação para divulgar o conhecimento religioso, muitas vezes usando estratégias de
persuasão e marketing tal como uma empresa que busca vender um produto.
Para melhor exemplificar essa relação entre mídia e difusão do conhecimento religioso
na pós-modernidade, usarei como exemplo o segmento cristão no Brasil, em especial o
evangélico, nas suas relações com os sistemas de telecomunicação (rádio e televisão).
O início das transmissões de programas evangélicos no Brasil se deu em 1940, e a
Igreja Adventista do Sétimo Dia foi a pioneira a nível nacional, transmitindo no rádio o
programa A voz da profecia. Nas décadas posteriores, a difusão midiática do segmento
evangélico se fortaleceu ainda mais. Alguns fatores podem ser citados como facilitadores
desse fortalecimento da participação evangélica na mídia, como: 1) o fim da ditadura militar,
que abriu espaço para bancadas evangélicas no governo e facilitou a concessão de canais de
rádio e TV para esses grupos; 2) o fortalecimento da TV, que se tornou um dos maiores
veículos de comunicação do país; 3) A substituição dos programas religiosos importados dos
EUA por programas nacionais e 4) O aumento da população evangélica no Brasil, o que
justificou um aumento de mídia especializada para este grupo.
Assim, a difusão do conhecimento religioso ganha maiores proporções, não mais se
limitando às paredes do templo religioso, mas entrando nos lares da audiência através dos
meios de comunicação de massa, especialmente o rádio e a televisão. Como explica Sidnei
Budke:
“De fato, as inúmeras expressões de fé atuantes no Brasil transparecem não se
contentar mais com suas reuniões, missas e cultos semanais, enfim, encontros
restritos aos seus membros. A pós-modernidade, juntamente com o avanço da
tecnologia, aponta a mídia como o caminho de sucesso para qualquer mercado,
empreendimento e programação” (BUDKE, 2005 p. 44)
Para ter uma ideia do tamanho da difusão de mensagens religiosas que a mídia
proporciona, podemos usar as estatísticas. Segundo o Ibope, os níveis de audiência dos
programas religiosos, apesar de distantes dos níveis atingidos pelas novelas exibidas em
horário nobre na Rede Globo, alcançam uma parcela de público fiel e considerável. Um
programa como o Show da fé, exibido em horário nobre na Rede Bandeirantes, já chegou à
audiência de 320 mil aparelhos eletrônicos recebendo o sinal. No caso da Igreja Internacional
da Graça de Deus (responsável pelo programa Show da fé), esse número corresponde a 20
vezes mais pessoas em relação ao número de frequentadores dos seus templos (BUDKE, 2005
p. 49). Assim, a mídia se configura como um novo púlpito para a difusão do conhecimento
teológico.
A princípio, as religiões usavam os suportes midiáticos com o único propósito de
transmitir a sua espiritualidade ao público. Porém, com o passar do tempo, o foco vai
mudando da transmissão de um credo para ocupar-se também de fatores mercadológicos
como a audiência, o número de adeptos à mensagem pregada e o estimulo ao consumo de
bens simbólicos e materiais produzidos pelas redes de comunicação religiosas.
Essa lógica voltada ao mercado traz á linguagem e estrutura das religiões na pós-
modernidade um caráter mais empresarial. Os meios de comunicações são usados não só para
conseguir a adesão de fiéis, mas também para conseguir clientes.
Além de denominações, líderes religiosos e igrejas autônomas, surgem também no
“mercado” religioso as chamadas Mídias Empresarial-Religiosas (MER’s), que se situam na
interseção entre os campos empresarial e o religioso. Usando estratégias de marketing, as
MER’s produzem bens simbólicos que visam atender aos interesses e necessidades
individuais da audiência. Esses bens são direcionados não a uma denominação religiosa
específica, mas a todas que compartilham de pensamentos e linguagens semelhantes.
A exemplo dos evangélicos, é comum que a linguagem empregada no conteúdo de
produtos como CDs, livros, DVDs, programas de rádio e TV não seja identificada como de
uma denominação específica, mas de todas as denominações que se proclamam como
protestantes. Essa linguagem que identifica os produtos advindos da mídia evangélica como
comuns a todos os protestantes, também é genérica o suficiente para abarcar as necessidades
individuais do público com mensagens que se aplicam quase que igualmente a uma grande
parcela dos fiéis.
Diante do exposto, percebe-se que a mídia tem um papel importante para a
compreensão da difusão do conhecimento religioso na pós-modernidade, bem como das
consequências dessa difusão em campos sociais como o econômico e o político.
Religião na contemporaneidade: conhecimento religioso e política
A Constituição Brasileira de 1988 é clara quanto à laicidade do Estado que impede (ao
menos na teoria) o beneficiamento de credos religiosos, sem exceção. Pode-se observar o Art.
19.
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência
ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
(BRASIL, 1988)
Em tese, seria a garantia de neutralidade do Estado brasileiro quanto aos aspectos de
cunho religioso. No entanto, é cada vez mais presente a influência das religiões nas decisões
do governo, em especial os pentecostais e evangélicos, cuja denominação abarca pentecostais
e protestantes históricos. O sociólogo Ricardo Mariano, da Pontifícia Universidade Católica
do Rio grande do Sul (PUC-RS), durante o 34º Encontro Anual da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), realizado na cidade de Caxambu-
MG, no período de 25 a 29 de outubro de 2010, defendeu que a democracia do país deve
“levar em consideração a participação e presença desses grupos (eleitorado pentecostal) na
política partidária nacional, nas alianças e barganhas que fazem com candidatos, partidos e
governantes”.
Ele defende que a participação recente e crescente de religiosos na política
(especifique-se aqui os pentecostais) é fruto dos boatos de que a Igreja Católica limitaria a
liberdade religiosa ante a Assembleia Constituinte, em 1986, o que justificou o apoio destes
grupos ao Estado laico.
Há de se destacar que alguns artigos da Constituição refletem a influência da religião
nas leis brasileiras. Eis alguns exemplos:
Art. 5º
(...) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação
legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Art. 210. ...
§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental.
Art. 226. ...
(...) § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. (BRASIL, 1988)
Alguns casos recentes comprovam a grande influência que exercem sobre o Estado. A
Igreja Católica conseguiu junto ao governo brasileiro a concessão de facilidades de visto para
a entrada de mais de um milhão de jovens, oriundos de 158 países, para entrar no Brasil sem
nenhum gasto nos dias 23 a 28 de julho deste ano, visando a participação na Jornada Mundial
da Juventude (JMC). Segundo a Igreja, a iniciativa fomentará o turismo no país.
A CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) tentou inserir o presidente do
Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Pedro Feu Rosa, no Supremo Tribunal Federal, para
ocupar a vaga deixada pelo ministro aposentado Ayres Britto. A intenção foi defender os
interesses da bancada religiosa por conta das decisões do STF quanto à aprovação da união
estável de casal gay e o aborto de fetos anencéfalos, cujos princípios vão de encontro aos
seus.
Há um terceiro exemplo a ser citado: a distribuição do Kit Anti-homofobia, criado por
ONGs pró-gays a pedido do Ministério da Educação (MEC). Ele continha cartilhas, posteres e
vídeos sobre homossexualismo. O Ministro da Educação, Fernando Haddad, chegou a
programar o inicio da distribuição nas escolas para o segundo semestre de 2011, apesar de não
ter sido aprovado por todas as comissões por conta de acusações de que o kit faria apologia à
homossexualidade ao invés de prevenir a homofobia. Por conta das pressões exercidas pela
bancada evangélica, que envolveu ameaças e protestos, a Presidenta Dilma Rousseff proibiu a
entrega do material. Dentre as sanções contra o governo, pode-se mencionar: a saída do
Ministro da Educação; CPI para apurar denúncias de irregularidades no MEC; e a obstrução
de todas as votações do plenário.
Quando houve eleições para Presidente da República em 2010, a pesquisa elaborada
pelo Datafolha mostrou que os pentecostais apoiaram muito mais o candidato do PSDB José
Serra em comparação à candidata eleita do PT Dilma Rousseff. Uma das considerações
apontadas pelo sociólogo Ricardo Mariano é a insatisfação daquele grupo em relação ao ex-
presidente Luís Inácio Lula da Silva, por este ter tido iniciativas como o plano nacional contra
a homofobia.
Referências
ANDRADE, Primo Nunes de. Filosofia e religião. In: Perspectiva filosófica e visão cosmológica: nos confins da Filosofia com a Religião e a Ciência. Primo Nunes de Andrade. Rio de Janeiro: Distribuidora Record. s/d.
BUDKE, Sidnei. Mídia e Religião: Das peregrinações ao universo das telecomunicações. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia. Volume 08, set.-dez. de 2005/ p. 43-56. <Disponível em: http://www3.est.edu.br/nepp/revista/008/ano04n3_03.pdf>
CHAUÍ, Marilena. A experiência do sagrado e a instituição da religião. In Convite à Filosofia. Marilena Chauí. 14ª ed. São Paulo: Editora Ática. 2012.
CHAUÍ, Marilena. O universo das artes. In Convite à Filosofia. Marilena Chauí. São Paulo: Editora Ática. 2008.
GONÇALO, Cláudio Manoel Nascimento; ALMEIDA, Davi Silva. A religião, a religiosidade e os sistemas religiosos. Disponível em: <http://www.ipepe.com.br/idebab.html>
SANTANA, Luther King de Andrade. Religião e Mercado: A Mídia Empresarial-Religiosa. Revista de estudos da Religião (REVER) N° 1/ p. 54-67. São Paulo: PUC, 2005. Disponível em: <http://www.pucsp.br/rever/rv1_2005/p_santana.pdf>
TERESA, Sara. A Religião, o Mito e a Mitologia. Disponível em: <http://criarmundos.do.sapo.pt/Mitologia/pesquisareligiomito002.html>