Em uma escola de Londres, Erebos, um misterioso jogo de computador, é a nova sensação entre os alunos. Cópias piratas circulam de forma clandestina, aumentando assim o número de fãs e a mítica do game. Mas as regras de Erebos são extremamente rígidas. Cada pessoa tem apenas uma oportunidade e deve jogar sempre sozinha, não comentando com ninguém. Quem viola essas instruções ou deixa de cumprir suas missões é eliminado e não pode iniciar outro jogo. O mais estranho, no entanto, é que Erebos impõe missões a serem realizadas não no mundo virtual, e sim no real. Como se não bastasse, Erebos parece saber bastante sobre seus jogadores e começa a manipular suas vidas. Logo, chega a vez de Nick receber sua cópia. Aos 16 anos, o rapaz se torna obcecado pelo game. Até que recebe uma ordem impensável. Ao se recusar, o menino é banido. E passa a tentar descobrir mais sobre Erebos, em um outro, mas nem por isso menos perigoso, jogo de gato e rato. Ficção e realidade se confundem de maneira intrigante… Quem será o vencedor?
Começa sempre à noite. À noite eu alimento meus planos comescuridão. Se existe algo que eu possua em abundância é aescuridão.Elaéochãoondefloresceráoquequerocultivar.
Desdesempre,quandomeperguntavam,eupreferianoiteaodiaeoporãoaojardim.Apenasapósopôrdosolminhasmutiladascriaturasdeideiasousamsairdeseusrefúgiospara respirar o ar gélido. Elas esperam que eu dê aos seus corpos deformados algumabelezagrotesca.Umaiscatemdeserbelaparaqueapresasópercebaoanzolquandoelejárepousanofundodacarne.Minhaspresas.Euquaseasqueroabraçarsemconhecê-las.Decertamaneira,eufareiisso.Nósseremosum,nomeuespírito.
Eunãoprecisoprocuraraescuridão, elaestá sempreaomeuredor, euaexalocomominharespiração.Comoosuordomeucorpo.Entretanto,aspessoasmeevitam,e issoébom.Elas seesgueiramàminhavolta, sussurrando,desconfortáveis,amedrontadas.Elasachamqueéofedorqueasmantémafastadas,maseusei,éaescuridão.
1
JásãotrêsedezenemsinaldeColin.Nickquicavaaboladebasquetesobreoasfalto,pegando-aumavezcomamãodireita,outracomaesquerda,eentãocomadireitadenovo.Ouvia-seumestrondobreveemelódicocadavezqueabolatocavaochão.Eleseesforçavaparamanteroritmo.Sómaisvinte—eentão,seColinnãochegar,Nickiráparaotreinosozinho.
Cinco,seis.NãoeradofeitiodeColinfaltarsemdarexplicação.Elesabiabem como as pessoas eram cortadas rapidamente do time do treinadorBetthany. O celular de Colin também estava desligado, ele com certezahaviaseesquecidodecarregarabateria.Dez,onze.Masesquecertambémobasquete, seuscolegas, seu time?Dezoito.Dezenove.Vinte.NadadoColin.Nickdeuumsuspiroecolocouabolaembaixodobraço.Tudobem,hojeamaioriadascestasficariafinalmenteporsuaprópriaconta.
O treino foipuxadíssimoedeixouNickencharcadode suor apósduashoras. Com as pernas doloridas, Nick foi mancando para debaixo dochuveiro, pôs-se debaixo do jato d’água e fechou os olhos. Colin nãoapareceumais, e Betthany, como esperado, ficou louco, descontando suaraiva inteiramenteemNick,comose fosseeleoculpadopelaausênciadeColin.
Nick passou o xampu na cabeça e lavou seu cabelo — aos olhos dotreinadorBetthany—demasiadamentelongo,prendendo-oemseguidaemumatrançacomumelástico.Elefoioúltimoadeixaroginásio,láforajáeranoite.Enquantodesciaasescadasrolantesemdireçãoaometrô,Nicktirouseucelulardobolsoedigitouocódigodediscagemrápidasoboqualele
haviaarmazenadoonúmerodeColin.Apósosegundotoque,acaixapostalatendeueNickdesligousemdeixarrecado.
Suamãe estava deitada no sofá lendo uma de suas revistas de cortes decabeloenquantoassistiaàtelevisão.
—Hojesóvaitercachorro-quente—disseela,malNickhaviabatidoaporta. — Estou esgotada. Você pode pegar uma aspirina para mim nacozinha?
Nickjogousuabolsadobasquetenocantoecolocouumcomprimidodeaspirina em um copo com água. Cachorro-quente, que ótimo. Ele estavamortodefome.
—Meupainãoestáemcasa?—Não,elevaichegarmaistarde.Éaniversáriodeumcolegadele.Sem muitas esperanças, Nick examinou a geladeira procurando algo
maispalatávelquesalsicha—orestodapizzadeontem,porexemplo—,masnãoencontrounada.
—OquevocêachadoqueaconteceucomSamLawrence?—gritouamãe,dasala.—Loucura,né?
SamLawrence? O nome não lhe era estranho, mas ele não conseguiarelacioná-loanenhumapessoa.Semprequeeleestavacansadocomohoje,as informações codificadas de suamãe lhe irritavam consideravelmente.Ele lhe serviuo coquetel contradorde cabeça e ficou seperguntando senãodeveriatambémtomarumcomprimido.
—Vocêestava láquandoeleso levaram?Asra.Gillingermecontouahistória hoje, enquanto eu pintava suas mechas. Ela trabalha na mesmaempresaqueamãedoSam.
—Diga-meumacoisa:SamLawrenceestudanaminhaescola?Amãeofitoucomardedesaprovação.—Maséclaro!Apenasduassériesabaixodasua.Elefoisuspensodas
aulas.Vocênãoficousabendodaconfusãotoda?Não, Nick não sabia de nada,mas suamãe fez questão de lhe contar
detalhadamenteoocorrido.— Encontraram armas no armário dele! Armas! Parece que eram um
revólveredoiscanivetes.Ondeéqueumgarotodequinzeanosarrumaumrevólver?Vocêpodemedizer?
—Não—disseNick,contandoaverdade.Oescândalotodo,comoamãeochamou,lhepassoudespercebido.Elepensounosmassacresnasescolasamericanase sentiuumagito involuntário. Seráqueexistiamesmogentetão doente ao seu redor? Ele sentiu o dedo coçar para ligar para Colin,talvez ele soubesse mais a respeito, mas ele nem atendeu, aquelepreguiçoso. Talvez tenha sido melhor, pois provavelmente sua mãeexageroudenovoeotaldoLawrencesótinhaconsigoumapistoladeáguaeumafacadecozinha.
— É triste como tudo pode dar errado enquanto os filhos estãocrescendo—disseamãe,encarando-ocomaqueleolhardequemdizmeufofinho,meupequeno,meubebê,vocênãofariaumacoisadessas,nãoé?
EraessaaexpressãoquefaziaNicksempreponderarseelenãodeveriasemudarparaacasadoirmão.
—Vocêestavadoenteontem?DevetersidopragadoBetthany!—Não. Está tudo bem.—Os olhos avermelhados de Colin fixavam a
parededocorredordaescolaaoladodacabeçadeNick.—Temcerteza?Vocêestácomumacarahorrível.—Tenho.Eunãodorminadinhananoitepassada.RapidamenteoolhardeColindirigiu-se ao rostodeNick,paradepois
voltarafixar-senaparede.Nickconteveumsuspiroderaiva.FaltadesononuncahaviadeixadoColindessejeito.
—Vocêestavanarua?Colinsacudiuacabeça,suastrançasrastafáribalançaramparaláepara
cá.—Certo.Massetiversidoseupaiquemaisumavez…—Nãofoimeupai,estábem?—Colinesquivou-sedeNickefoiparaa
saladeaula.Noentanto,elenãosesentounoseulugar,esimcaminhouemdireçãoaDaneAlex,sentadospertoda janela, totalmente interessadonaconversadeles.
DaneAlex?Nickpiscouosolhossemacreditar.Aquelesdoiseramtão
sem-graçaqueoColincostumavachamá-losde“irmãstricoteiras”.Airmãtricoteira 1 (Dan) era um nanico que dava a impressão de querercompensar isso com seu traseiro particularmente gordo, que ele faziaquestãodecoçar. Jáa irmãtricoteira2(Alex)mudavaacordorosto,emvelocidade digna de recorde, do branco-papel para vermelho-sangue nomesmoinstanteemquealguémsedirigiaaele.Todavez.
Será que Colin pretende candidatar-se ao posto de irmã tricoteiranúmero3comosoutrosdois?
—Nãoestouentendendo—murmurouNick.—Falandosozinho?—Jamieapareceuatrásdele,deuumtapinhaem
seuombroelargouamochilaesfarrapadapelasaladeaula.ElesorriuparaNick, mostrando-lhe os dentes mais tortos que se podiam encontrar naescola.
— Falar sozinho é um mau sinal. É um dos primeiros sintomas deesquizofrenia.Vocêjáestáouvindovozestambém?
—Quebesteira!—NickdeuumempurrãozinhoamigávelemJamie.—Mas,veja,Colinestátodoamigodasirmãstricoteiras.
Eleolhoumaisumavezostrêseficouperplexo.Nãoeraamizadeaquilo,esimsubmissão.Colinestavaagoracomumolharsuplicantejamaisvisto.Involuntariamente,Nickseaproximoualgunspassos.
—Eunãoentendo,qualoproblemadevocêmedarmaisalgumasdicas?—eleouviuseuamigodizer.
— Não dá. E pare de agir assim, você mesmo sabe — disse Dan,cruzando os braços sobre sua barriga.Na gravata de seu uniforme haviagrudadoumrestodagemadoovodocafédamanhã.
—Ah,vai,nãoénadademaisdedurar.Eeunãovoucaguetarvocê.EnquantoAlexolhavaDancomumardesconfiado,suasatisfaçãocoma
situaçãoestavaestampadademaneiraóbviaemseurosto.—Esqueça—insistiuDan.—Nãosejatãopresunçoso.Vamosvercomo
sesainessa.—Aomenos…—Não!Caleessaboca,Colin!Logo,logo.DaquiapoucoColinvaisegurarDanpelosombrosefazê-lo
voarpelocorredor.Daquiapouco.Noentanto,Colinapenasabaixouacabeçaeolhouparaapontadosseus
sapatos.Haviaalgumacoisaerradaaí.Nickcaminhounadireçãoda janelaese
juntouaostrês.—Eaí,oqueestáhavendocomvocês?—Estáprecisandodealgo?—perguntouDanagressivamente.Nickpassouoolharentreeleeosoutrosdois.—Devocê,não—respondeu.—SódoColin.—Vocêestácego?Eleestáconversandocomagente.NessemomentoNickficouatésemar.Comoéqueelelhefalavadaquela
maneira?—Ah,émesmo,Dan?—perguntouelevagarosamente.—Esobreoque
elepoderiaconversarcomvocê?Sobreestampasdetricô?Colinlhelançouumolharrápidocomseusolhosnegros,massemdizer
umapalavra.Seasuapelenãofossetãoescura,Nickpoderiajurarqueeletinhaficadovermelho.
Não pode ser! Será que Colin está escondendo algo que o Dan saiba?Seráqueeleoestáchantageando?
—Colin—Nickfaloualto—,JamieeeuvamosnosencontrardepoisdaaulacomumpessoalnoCamdenLock.Vocêvem?
DemorouumtempoatéColinresponder.—Aindanão sei—disseele comoolhar concentradona janela.—É
melhornãocontarcomigo.DaneAlextrocaramumolharrepletodesignificadosquecausoucerto
desconfortonoestômagodeNick.—Oqueéqueestáacontecendoaqui,hein?—Eleagarrouseuamigo
peloombro.—Colin,oqueestáhavendo?FoioDan,aquelerolhadepoço,quetirouamãodoNickdoombrodo
Colin.—Nadaqueteinteresse.Nadaquevocêváentender.
Àsseisemeia,aLinhaNorteestavacheiaaténãocabermaisgenteempé.
Nick e Jamie, a caminho do cinema, iam imprensados entre pessoascansadas e suadas. Pelo menos Nick conseguia se projetar para foradaquelamassaerespirararfresco,enquantoJamieeradesesperadamenteencurraladoporumengravatadoeumasenhoradeseiosfartos.
— E digo mais, tem alguma coisa errada aí — insistiu Nick. — DantratouNick comoumofficeboy.E amimcomoumacriança.Dapróximavez…—Nicksedeteve.
Oqueeleiriafazerdapróximavez?DarumsocononarizdoDan?—Dapróximavezeuvoumostraraelescomoéqueé—terminousua
frase.Jamiedeudeombros,paraummovimentomaiornãohaviaespaço.—Euachoquevocêestátirandoconclusõesprecipitadas—dissecom
calma.—TalvezColinqueiraqueoDanlheensineespanhol.Eledáaulasdeapoioparamuitagente.
—Não,nãofoiisso.Vocêdeviatê-losouvido.—Entãoeledeveestartramandoalgumacoisa—osorrisodeJamiefoi
se estendendo até osmolares.—Ele está sacaneandoosdois, entendeu?QuenemdaquelavezquandoeleconvenceuoAlexdequeMichelleestavaafimdele.Issofoidiversãoparasemanas!
Contra sua vontade, Nick teve que rir. Colin fora tão convincente queAlex ficou perseguindo a acanhada Michelle. Obviamente acabaramsabendo de tudo e Alex ficou alguns dias sem mudar de cor. Ele ficoupermanentementevermelhovivo.
—Isso foihádoisanos,nessaépocanós tínhamossócatorzeanos—disseNick.—Eissoeraretardamentodecriança.
Asportasdovagãoseabriramealgumaspessoasdesceram,enquantomuitasmaisembarcaram.UmajovemdesaltoaltopisounopédeNickcomtodo o seu peso e a dor espantou todos os pensamentos sobre ocomportamentoestranhodeColinduranteosminutosseguintes.
Sómaistarde,quandoelesestavamsentadosnaescurasaladecinemaeas propagandas passavam na tela gigantesca, voltou à mente de Nick aimagem de Colin ao lado dos dois esquisitões. O olhar solicitamentebrilhantedeAlex,osorrisosuperiordeDan.OconstrangimentodeColin.
Aquilonãosetratavadeaulasdeapoio,nãomesmo.
Durante todoo finalde semanaColinnãodeu sinaldevidae,mesmonasegunda-feira,elesófaloucomNickoestritamentenecessário,parecendoestarsempredesaída.Emumdosintervalos,Nickoobservouenquantoelepassavaalgoàsescondidaspara Jerome.Algo fino,deplásticoespelhado.Jerome parecia pouco interessado enquanto Colin falava sem parar,gesticulandofreneticamenteedepoisdesaparecendodenovo.
—Ei,Jerome—Nickfoiemsuadireção,nitidamentedebomhumor.—Dizaí,oquequeoColinacaboudelhedar?
Eledeudeombros—Nadademais.—Ah,memostreaí.PorummomentopareceuqueJeromefossecolocaramãonobolsodo
casacoantesdepensaremalgomelhor.—Porquetantointeresse?—Nada,não.Sócuriosidademesmo.—Nãoénadaimportante.E,aliás,pergunteaoColin.—DisseJerome,
juntando-se a umas pessoas que discutiam os últimos resultados dofutebol.
Nickpegou seus livros de inglês do armário e caminhou até a sala deaula, onde seu olhar, como sempre, se dirigia primeiro a Emily. Eladesenhava concentrada e de cabeça baixa. Seus cabelos escuros pendiamsobreopapel.
Ele desviou o olhar e dirigiu-se até a carteira de Colin — mas nelasentava-secomoumreiairmãtricoteiraAlex.EleeColin,comascabeçaspróximasumaàoutra,cochichavam.
—Váse…—murmurouNicksinistramente.Nodiaseguinte,Colinnãofoiàescola.
—Podehaverqualquercoisaportrásdisso.Ei,normalmenteeuquesouodesconfiadodenósdois!—Jamiebateuaportadoarmáriocomosefosse
para afirmar algo. — Você já pensou se Colin por acaso não estáapaixonado? Quando é assim, a maioria enlouquece— Jamie imitou umolharinsano.—PorGloria,porexemplo,quemsabe?OuporBrynne.Não,não,elaécaidinhaporvocê,Nick,seuheróidamulherada.
Nickouviusemprestarmuitaatenção,porquemaisadiantenocorredor,emfrenteaosbanheiros,haviadoisgarotosdasétimasérie:Dennise…umoutrocujonomeNickesqueceucompletamente.Dequalquerforma,Dennisfalavacomooutro freneticamente, colocando-lhealgobemdiantedoseurosto:umpacotinhofinoequadrado.AvisãopareceumuitofamiliaraNick.Ooutrosorriuesumiucomoobjetodiscretamenteemseubolso.
— Talvez Colin esteja doidinho pela fofa da Emily Carver — Jamiecontinuousupondo.—Eletentadetudocomela,entãonãoédeseadmiraroseumauhumor.Oupelanossafavorita:Helen!—Jamiedeuumfortetapanotraseirodacorpulentameninaquetentavaesquivar-sedeleparaentrarnasaladeaula.
Helen virou-se e lhe deu um golpe que o lançoumetade do corredorparafrente.
—Tireamão,seubabaca—resmungou.Apósalgunssegundosdesusto,Jamieatacounovamente.—Podedeixar,apesardeissosermuitodifícilnocasodasuaaparência.
Eusouloucoporespinhasebanha.—Deixe-aempaz—disseNick.Jamieficouperplexo.— O que é que está acontecendo com você? Você agora é do
Greenpeace?Salvemasmorsasetal?Nick não respondeu. As piadas de Jamie à custa deHelen sempre lhe
fizeramsentir comosealguémestivesse soltando fogosdeartifício sobrebarrisdepólvora.
NatelevisãoestavapassandoOsSimpsons.Nickestavasentadonosofácomsuacalçadecorridacomendoraviólimornodiretodalata.Suamãeaindanãohaviachegado.Eladeviatersaídocompressa,arrumandodenovosuascoisas de qualquer jeito, pois metade da sua “caixa de ferramentas”encontrava-seespalhadapelochãodasala.Aoentraremcasa,Nickhavia
pisadoemumbóbiequaseseespatifounochão.Quemãemaisbagunceira.Seupaironcavanoquartoehaviapenduradoaplacade“Porfavor,não
perturbe—estourecuperandoforças”naporta.AlataderavióliestavavaziaeHomertinhaacabadodebaterseucarro
numaárvore.Nickbocejou.Ele jáconheciaocapítuloe,alémdisso, tinhaqueirmesmoparaotreinodebasquete.Semmuitavontade,elearrumousuabolsa.TalvezpelomenosColinapareçahoje,jáqueeleperdeuoúltimotreino. Em todo caso, ligar para ele e lembrá-lo não iria fazer mal. Nicktentoutrêsvezes,masapenasacaixapostalatendeueColinsóaouviaumaveznavidaeoutranamorte.
—Quemnão levao jogo a sérionão temnadaoque fazerno time!—ogritodeBetthanypreencheu semesforçoo ginásio.Osmembrosdo timesignificativamentedesfalcadoolhavam,embaraçados,parabaixo.Betthanyestava gritando comaspessoas erradas, pois essas vieramparao treino.Maseleseramoitoemvezdedezessete.Comoito jogadoresnãosepodeformarumtime,nãoeraprecisonempensaremsubstituiçãodejogadores.Colinobviamentenãofoi,masJerometambémfaltou.Estranho.
—Oqueaconteceucomesses fracassados?Estão todosdoentes?Seráqueaepidemiaderetardamentoagudoestásealastrandopelaregião?
—NickdesejavaqueembreveBetthanyficassesemvoz.—Seforpraeleficarsempredeescândalo,dapróximavezeutambém
nãovenho—eleresmungou,tendoquepagarcomvinteecincoflexões.No caminho para casa, Nick ligou mais duas vezes para Colin, sem
sucesso.Quedroga!Por que é que ele estava tão inquieto? Só porque Colin estava agindo
como um louco? “Não”, concluiu após refletir brevemente. Como loucoestaria bem.Mas pelo visto, Colin havia apagadoNick totalmente de suavida de um dia para o outro. Ele devia pelo menos lhe ter explicado oporquê.
Ao chegar em casa, Nick correu para seu quarto e se jogou nacambaleantecadeiragiratóriajuntoàescrivaninha.Eleligouocomputadoreabriuoprogramadee-mails.
De:NickDunmore<[email protected]>Para:ColinHarris<[email protected]>Assunto:Tátudobemcomvocê?Eaícara!Vocêtádoenteoutemalgoerrado?Euteofendioualgodotipo?Sesim,nãofoiminhaintenção.Emeconta,oqueéqueháentrevocêeoDan?Aquelecaraémuitoestranho,enósqueéramostãounidos…Vocêvaipraescolaamanhã?Sevocêestácomproblemas,vamosconversar.Agentesevê.Nick
Ele clicouemenviar, depois abriuonavegadore entrounobate-papodogrupo do basquete. Mas não havia ninguém lá, então ele foi para odeviantART.BuscouEmily.Checouseelahaviapostadoalgummangánovooualgumpoemanapágina.Elaeraincrivelmentetalentosa.
Ele encontrou dois esboços novos que salvou no disco rígido, e umbrevetextonoblog.Antesdeler,hesitou.Eletinhasempredeultrapassarumabarreirainvisível,poissabiaqueotextonãoeraparaele.Emilyhaviase esforçado para permanecer anônima, mas tinha amigas muitofofoqueiras.
Ele afugentou esse pensamento. Aqui, nesta página, ele estava pertodela.Comosepudessetocá-lanoescuro.
Noblog,Emilyescreveuquesuacabeçaestavavazia.Elaqueriairparaocampo, para longe dessa Londresmassacrante.Nick sentiu suas palavrascomoumapunhalada.EraimpensávelqueEmilydeixasseacidade,avidadele.Eleleuotextomaisumavezantesdefecharapágina.
Mais uma vez Nick olhou os e-mails. Nem uma palavra de Colin. Etambémnenhumtweet,hádiasjá.Nicksuspirou,bateuomousecomforçasobreaescrivaninhaedesligouocomputador.
Química era um castigo do destino. Com crescente desespero, Nick sedebruçavasobreolivroetentavaentenderodeverqueasra.Ganterlheshaviaempurradoparaestaaula.SeaomenosumCnofinaldoanobastasse.MasabaixodeBnãoseconseguianadae,naverdade,teriadeserumA.Asfaculdadesdemedicinanãoaceitamqueméruimemquímica.
Eleolhouparacima.ÀsuafrenteestavasentadaEmily,suatrançanegracaía sobreas costas.Nãoeramdessas costasestreitasde sílfide, e simascostas de uma nadadora. Assim como suas pernas, que eram longas efirmes e…Ele sacudiu a cabeça, comoquepara forçar seus pensamentosparaolugarcerto.Droga.Quantosmolsmesmotinham19gramasdeCH4?
Logobateuosinal,indicandoofinaldaaula.Sendoumdosúltimos,Nickentregou sua folha, convencido de que a sra. Ganter não ficaria nadasatisfeita.Emilyjátinhasaído;Nicksaiuautomaticamenteprocurandoporelaeaencontrou,de fato,apenasalgunsmetrosà frentenocorredor.Elaconversava com Rashid, cujo enorme nariz projetava uma sombra emformatodebiconaparede.Nickseaproximoualgunspassos,comosefosseprocuraralgumacoisaemseufichário.
— Não vai contar pra ninguém, entendeu? — Rashid segurava algodiantedela,umpacotinhofino,embrulhadoemjornal.Tambémquadrado.—Éimportante.Vocêvaificarboquiaberta,ésimplesmenteincrível.
OceticismonorostodeEmilydiziatudo.—Eunãotenhotempoparaessasabobrinhas.Nickpermaneciaumpoucode ladoobservandooquadrodeavisosdo
clubedexadrez.—Que“nãotemtempo”oquê?Tomeaqui,tentesó!Olhandodelado,NickconseguiuverqueRashidseguravaumpacotinho
embrulhadoem jornaldiantedeEmily,maselanãoopegou.Eladeuumpassoparatrásefoiembora.
—Dê issoaoutrapessoa—gritouelaparaRashid,voltandoacabeçaparatrás.
“Isso, dê para mim”, pensou Nick. O que é que estava acontecendo?Como assim ninguém falava sobre esse pacotinho que estava circulandoporaí?Eporquediaboseleaindanãotinhaum?Logoelequesempresabiadetudo!
Nick observava Rashid, que, com o pacotinho enfiado no bolso docasaco,arrastavaospéspelocorredor.AgoraelesedirigiaaBrynne,queacabaradesedespedirdeumaamiga;elefaloucomela,tirouopacotinhodobolso…
—Paraondeéquevocêestáolhandoassimavoado?—Umamãobateucom força no ombro de Nick. Jamie. — Como foi a aula pavorosa dequímica?
—Pavorosa—murmurouNick.—Vocêpensavaoquê?—Eusóqueriaouviremprimeiramão.Algumas pessoas permaneciam paradas no meio do corredor
bloqueando a vista para Brynne e Rashid; Nick se aproximou, mas atransaçãojáestavaconcluída.Rashidretirou-secomseutípicoandarlentoeBrynnedesapareceunopróximocorredor.
—Quebosta!—xingouNick.—Oqueéquehouve?—Ah,estãoescondendoalgumacoisa.NooutrodiaColindeualguma
coisa para Jerome e eles fizeram isso de maneira bizarramente secreta.Agora Rashid acabou de oferecer primeiro à Emily, que o mandou irpassear,edepoiselefoiencheraBrynne—elepassouamãopelocabelopresoparatrás.—Orestoeunãovi.Euqueriamuitosaberdoqueéqueissosetrata.
—DeCDS—disseJamiecalmamente.—Algumacópiapirata,presumo.Já vi duas vezes hoje uma pessoa puxando outra para um canto e lheempurrandoumCD.Qualoproblema,né?
CD. IssoestariadeacordocomoformatodopacotinhodeRashid.Umacópiapassandodemãoemmão,talvezmúsicasindecentes.EntãonãoédeseadmirarqueEmilynãoquisessesaberdaquilo.OpensamentoacalmouumpoucoacuriosidadedeNick,mas…seerasóumCD,porqueninguémouviafalardele?Daúltimavezqueumfilmeproibidocirculouporaí,virouo assunto do dia. Quem já o havia assistido, alongava-se em descrições,enquantoosoutrosouviammortosdeinveja.
Mas agora? Parece até brincadeira de telefone sem fio, como se umamensagem secreta estivesse circulando. Quem sabia a respeito se calava,cochichava,seisolava.
Pensativo, Nick caminhou rumo à aula de inglês. A hora seguinte foirazoavelmente chata,Nickocupava-se comseuspensamentos; apósvinteminutos, percebeu que, não só Colin, mas Jerome também havia faltado
hoje.
Uma luz quente de outono lançou-se sobre a escrivaninha, colorindo dedouradoabagunçadelivros,cadernosefolhasamassadasdeexercícios.Aredação de inglês sobre a qualNick debruçava-se haviameia hora, tinhaagoraapenastrêsfrases,sendoqueasmargenslateraisestavamcheiasderabiscosespirais,raioseondinhas.Droga,simplesmentenãoconseguiaseconcentrar,todahoraseuspensamentosperdiamofoco.
Na cozinhaeleouviaosbarulhosde suamãe trocandoas estaçõesdorádio.WhitneyHoustoncantava“IWillAlwaysLoveYou”.Oqueéqueelefezparamerecerisso?
Elejogouacanetaemcimadamesa,deuumsaltoebateuaporta.Assimnãodava,elesimplesmentenãoconseguiatiraressesCDsdacabeça.Comoassimeleaindanãotinhaum?MaisumavezeletentouligarparaoColin,mas ele— que surpresa— não atendeu. Nick deixou algumas palavrasgrosseirasnacaixapostal,foiatéonúmerodeJeromeeapertouemligar.Otelefonetocouuma,duas,trêsvezes—eentãoaligaçãofoiinterrompida.
Masquedroga isso!Nick respirou fundo.Que coisamais ridícula…Eleatirou-se em um gesto vigoroso, com o qual pretendia jogar seu celulardentro da mochila, mas se deteve repentinamente. Uma ideia lhe faziacócegas com asinhas leves como pena. Ele tinha o telefone de Emilyarmazenadotambém.
Antesquelheviessemàcabeçaváriosmotivosparanãofazerisso,elejátinhadiscado.Maisumavez lheveioaoouvidoo sinaldechamada,uma,duasvezes.
—Alô?—Emily?Er…soueu,Nick.Euquerialheperguntarumacoisa…Ésobre
hoje…naescola…—Elefechoubemosolhos,respirou.—Porcausadotrabalhodequímica?—Não. Er… por acaso eu vi que Rashid queria lhe dar alguma coisa.
Vocêpoderiamedizeroqueera?ForamalgunssegundosatéEmilyresponder.—Comoassim?
— Então, é que… Tem uma gente agindo de maneira estranha nosúltimos dias. Muitos estão faltando às aulas, você já reparou? — Bem,finalmenteeleconseguiuformarfrasesinteiras.—Eeuachoqueissotemalgoavercomessascoisascirculandoporaí.Porisso…Entende?Euqueriasaberdoqueissosetrata.
—Eumesmanãosei.—Rashidnãolhefalounadaarespeito?—Não,elemefezváriasperguntas,queriasabercoisassobreaminha
famíliaquenãolhediziamrespeitoalgum.Seelesmedãomuitaliberdadeecoisasassim—deuumarisadadesanimadaebreve.—Eseeu tinhaumcomputadorpróprio.
—Ahhá!—Nickesforçou-seemvãoparatiraralgodessasinformações.—Eledisseporquevocêprecisariadeumcomputador?
—Não.Elesómedissequeiriamedaralgoincrível,melhorquetudoqueeujáhaviavistonavida,equeeudeveriaversozinha—pelotomdeEmilysepercebiaoqueelaachavadaquilo.—Eleestavabastantefrenéticoeinsistente.Masissovocêviu,ounão?
Essaúltimafrasehaviasoadoarrogante.Nicksentiu-seenrubescer.—Vi,sim—disse.Houveumapausa.—Oquevocêachaqueé?—perguntouEmilyporfim.—Nãosei.VouperguntaraColinquandoelevoltaràescola.Ou…talvez
vocêtenhaumaideiamelhor.—Ficouumsilêncionalinha.—Não— disse Emily.— Sinceramente, eu ainda não pensei tanto a
respeitodisso.Antesdefazerapróximapergunta,Nickrespiroufundo.— E você gostaria de saber quando eu descobrir algo? Só se for
interessante,claro.— Sim, com certeza— disse Emily. — Agora eu tenho que desligar,
tenhomuitoprafazer.Apósaconversa,odiadeNickestavasalvo.Colinpodiairsedanar.Ele
havia encontrado uma ligação com Emily. E ele tinha um pretexto paravoltaraligarparaela.Assimquesoubessemais.
Colin havia voltado. Como se não houvesse acontecido nada, ele estavaencostadonoseuarmário,sorriuparaNickejogouosdreadlockssobreosombros.
— Eu tive a maior infecção de garganta da minha vida — disse,apontando para seu cachecol.—Não dava nempra falar no telefone. Euestavacompletamenterouco.
NickprocurouamentiranorostodeColin,masnãoencontrou.—Betthanyestáfuriosocomonunca—disseNick.—Porquevocênão
avisouqueestavadoente?—Ah,eunãoestavamesentindobem.Ohomemnãodeveestarassim
tãobravo.Nickescolheusuaspróximaspalavrascomcuidado.—Deve sermuito contagiosamesmo, essa sua doença. Anteontem só
foramoitopessoas.Umabsolutorecordenegativo.SeColinficouespantado,nãodemonstrou.—É,acontece.—Jerometambémfaltou.Foi apenas uma palpitação mínima de suas pálpebras que revelou o
interesserepentinodeColin.ImediatamenteNickprosseguiu.—Por falaremJerome,diga-meumacoisa:oqueeraaquiloquevocê
lhedeunaúltimavez?Arespostasaiucomoseatiradaporumrevólver.—OnovoálbumdoLinkinPark.Desculpe,euseiqueeudeviaterfeito
umacópiapravocêtambém,masatéamanhãeulhedouuma,tá?—disse,eentãobateuaportadeseuarmário,colocouoslivrosdematemáticasobobraçoeolhouNickanimado.—Eaí?Vamos?
Comum impulso, Nick se desfez da perplexidade que a explicação deColin lhe havia causado. LinkinPark! Será que elemesmo imaginou todaaquela coisa de conspiração? E se sua imaginação tiver lhe pregado umapeça e uma ondade gripe for a causa das faltas dos alunos? E pensandobem,nemfaltaramtantosassim.Nickcontourapidamenteaoentrarnasalapoucodepoisdeosinalbater.Airmãtricoteira2haviafaltado,etambémJerome, Helen e o caladão do Greg. Os outros se esparramavammais ou
menosadormecidospelosbancos.“Tudobem”,pensouNick. “Entãoeu imaginei isso tudomesmo.Nãoé
nenhumgrandesegredo,sóoLinkinPark.”Eleriudesimesmoevirou-separa Colin para descrever-lhe o ataque de fúria de Betthany ontem.MasColinnemprestouatenção.EleestavaolhandoconcentradoparaDan,queestava em seu lugar marcado na janela. Dan mostrava, cobrindoparcialmente coma suabarriga,quatrodedos.Colinelevouaspálpebras,reconhecendoosinal,elevantoutrêsdedos.
OolhardeNickacompanhouosdoispara láeparacá,masantesquehouvesseaoportunidadedeperguntaraColinoqueestavaportrásdessessinais,osr.Fornaryentrounasala.Elelhesenfioupelosouvidos,duranteuma hora, problemasmatemáticos tão cabeludos que Nick, no final, nãoteve tempo de pensar em coisas tão simples como três ou quatro dedossendomostrados.
2
Namesadacozinhahaviadinheiroeuma listadecompras incrivelmentegrande.Suamãeandavaatarefadíssimacomserviçosdepermanente.Comose o outono tivesse despertado em todas as mulheres de Londres anecessidadedetercabeloscacheados.Franzindoatesta,Nickexaminoualista de compras: um sem-número de pizzas congeladas, palitinhos depeixe, pratos prontos de macarrão. Não parecia que sua mãe tivesseplanejado cozinhar nos próximos dias. Ele suspirou, pegou três bolsasgrandesdecomprasesepôsacaminhodosupermercado.EentãoeleselembrounovamentedossinaisdeDancomamãoedarespostamudadeColin. Será que ele estava vendo fantasmas? Essa era, aliás, a opinião deJamie.“Vocêandaentediado,cara”,eleteriaconcluído.“Vocêprecisadeumhobby ou de uma namorada. Posso marcar uma saída com Emily paravocê?”
Nickpegouumcarrinhodecompraseespantoutodosospensamentossobreaescola.Jamietinharazão,eramelhorsepreocuparcomproblemasreais.Porexemplo,comoeleiriacarregaratéemcasaasvintegarrafasdeáguamineralquesuamãehaviaanotadonalista.
Aochegarnaescolanodiaseguinte,haviaumaagitaçãonoar.Nocorredordeentradahaviamuitomaisalunosdoqueonormal,amaioriareunidaemgrupinhos.Eles cochichavam,murmuravam, sussurravam, suas conversasfundiam-se emum tapetede sonsdoqualNicknão conseguia identificar
uma só palavra. As atenções em geral dirigiam-se a dois policiais, queandavamdeterminadospelocorredoremdireçãoàdiretoria.
Em um canto, não muito longe da escada, Nick encontrou Jamie,envolvidoemumaconversaintensacomairmãtricoteiraAlex,comRashidecomumalunomaisnovocujonomeNicknãoselembrounahora.Ahsim,elesechamavaAdrian, tinha13anosenãocostumavaandarcomalunosmais velhos.Mas Nick o reconheceu porque sua vida familiar havia sidoassuntoquandoeleentrounaescoladoisanosatrás.DiziamqueopaideAdrianhaviaseenforcado.
—Ei!— Jamie chamouNick com um gesto.—O bicho está pegandohoje!
—Oqueostirasestãofazendonaescola?Jamieabriuumsorrisolargo.— Tem criminosos aqui. Bandidos. Corja de ladrões. Nove
computadores foram roubados; notebooks novinhos em folha, tudocompradoparaaauladecomputação.Agoraelesestãoprocurandopistasnasaladeinformática.
Adrianacenoucomacabeça.—Eolhaqueelaestavafechada—acrescentoutimidamente.—Issofoi
oqueosr.Garthcontouparaospoliciais,eumesmoouv…—Caleaboca,moleque—ameaçouAlex.Suasespinhasbrilhavam—
certamentedenervoso,presumiuNick.Ele sentiu repentinamente a necessidade de socar aquele idiota. Para
nãoterquecontinuarvendo-o,Nickvirou-separaAdrian.—Earrombaramaporta?— Não; quer dizer, sim — disse animadamente. — Ela foi aberta.
Alguémdeveterroubadoachave,masosr.Garthdizqueissoéimpossível,quetodasastrêsestãoemsuasala,umadelas,inclusive,andacomeleparatodososlados.
—Nick?—Umavozbaixa interrompeua falaçãodeAdrian,umamãocom unhas pintadas de esmalte transparente pousou sobre o ombro deNick. “Emily”, pensou Nick por um breve momento, corrigindo-seimediatamente depois. Emily não usava três anéis em cada dedo e não
tinhaumcheirotão…oriental.Elevirouacabeçaeolhounosolhosazuis-clarosdeBrynne.Azuiscomo
poçasd’água.—Nickinho, vocêpode…querdizer, seráque a gentepode conversar
rapidinho,semquenosouçam?Alexsorriucommalíciaepassoualínguasobreoslábios,fazendoNick
cerrarospunhos.—Certo—disseparaBrynne.—Massóalgunsminutos.Seu tom irritado aparentemente não a incomodou, e se sim, ela não
demonstrou.Elaerabonita, semdúvidas,maserasobretudo fofoqueiraetambém, na opinião de Nick, não tinha nada na cabeça. Ela caminhouvagarosamente na frente dele, rebolando, até a escada que levava aossalõesdeginástica.Nestehorárioaindanãohavianinguémlá.
— Então, Nick — disse em voz baixa. — Eu queria lhe dar algo. Éincrivelmentelegal,juro.—Elavasculhoudentrodesuabolsa,deteve-seetirouamãodenovo.
Nick olhava a bolsa fixamente. Ele já suspeitava do que se tratava equasesorriuparaBrynne.
—Masanteseu tenhoque lheperguntarumacoisa—disse, alisandolentamenteumamechadecabelodesuatesta.
Sevocêquiserfazerumfavorasimesmo,nãomepergunteoqueeuachodevocê.
—Podefalar.—Vocêtemcomputador?Umcomputadorsóseu,issoéimportante.No
seuquarto.Eraisso,finalmente!—Tenhosim.Elaacenouacabeçacomsatisfação.—Ah,eseuspaismexemnassuascoisas?—Não,meuspaisnãosãomalucos.—Quebom—elapensou,franzindoatesta.—Espere,temmaisuma
coisa.—Eladeumaisumpassoemsuadireção,aproximandoseurostododele. Seu hálito de chiclete e o perfume Harem formavam uma bizarra
combinação.— Você não pode mostrar a ninguém. Senão não funciona.Vocêtemqueguardarissoimediatamenteenãocontaraninguémqueeulhedeiisso.Promete?
Masquebobeira.Elefezumacareta.—Comoassim?— São as regras — disse Brynne enfaticamente. — Se você não
prometer,nãopossolhedarnada.Nickdeuumsuspiroalto,mostrandosuairritação.—Pormim…prometido.—Maspensenisso,hein?Senãovouterproblemas—elalheestendeua
mãoe ele apegou, sentindo comoela estavaquente.Quente eumpoucomolhada.
—Bom—sussurrouBrynne.—Estouconfiandoemvocê—elalançouumolharque,comoeletemia,pareciasedutor,eentãotiroudabolsaumacaixinhafinaequadradadeplásticoeapressionoucontraamãodeNick.
—Divirta-se—murmurouefoiembora.Elenãoaviuir.Todasuaatençãovoltava-seaoobjetoemsuamão,um
DVDgravávelemumacapinhasemnadaescrito.Nickaabriu,tomadopelacuriosidade.
LinkinParkumaova.EstavaescuroaliembaixoeelevirouoDVDnadireçãodaluzparapoder
reconheceroqueBrynnehaviaescritonelecomsualetrasapeca.EraapenasumapalavratotalmentedesconhecidaparaNick:Erebos.
JamieencarnouNickpelorestododia—issoeratípicodele,masnãoeratãoruim.PiordoqueissofoialutacontraatentaçãodetiraroDVDdobolsodo casaco emostrar ao amigo.Mas todas as vezes ele achoumelhor nãofazê-lo.Primeiroeleiriavê-losozinho,descobriroqueeraaquiloeporquetodos agiam de maneira tão misteriosa. Mas de maneira alguma ele iriaaderiraessabobeiradesegredoqueaelemesmodavanosnervos.
Asoutrasaulasestenderam-sedemaneiratorturantementelonga.Nickmalconseguiaseconcentrar,suaatençãosevoltavasempreparaosingeloobjetoemseucasaco.Elepodiasenti-loatravésdetrêscamadasdetecido.
Seupeso.Suasarestas.— Tá passandomal?— perguntou-lhe Jamie antes de bater o último
sinal.—Não,comoassim?—Porquevocêestácomumacaraestranha.—Não,estoupensando.OslábiosdeJamiecontraíramcomironia.—Deixe-meadivinhar.ÉaBrynne?Vocêmarcouumasaídacomela?NicknuncairiaentendercomoJamiepoderiaacreditarqueeleestariaa
fimdealguémcomoBrynne.Porém,hojelhefaltavaânimoparadiscutir.— E se for? — respondeu, ignorando a expressão de eu-já-sabia de
Jamie.—Entãoesperosaberosdetalhesamanhã.—Estábem.Querdizer,nãosei.Talvez.
3
OapartamentoestavavazioefriocomogeloquandoNickchegou.Suamãedevia ter saídoapressadanovamentee seesquecidode fecharas janelas.Ele tirou a jaqueta, fechou tudo e ligou o aquecedor de seu quarto nomáximo.Entãoeletirouopacotedabolsaeoabriu:Erebos.
Nick fez uma careta. Erebos soava como Eros. Seria isso, talvez, umprogramaparaarrumarnamorado?IssocombinariacomBrynne.Masessaidiotadesapareceuimediatamentedesuacabeça.
Eleligouocomputadorefoipegarnasala,enquantoosistemainiciava,umcobertordelãparacolocaremvoltadosombros.
Ele tinha pelo menos quatro horas pela frente sem ser incomodado.Maisporhábito,mas tambémparaaumentaraindamaisaansiedade,eleacessouose-mails(trêspropagandas,quatrospamseumrecadoinjuriadode Betthany, ameaçando com consequências terríveis aqueles quefaltassemaotreinamentomaisumavez).
NomomentoemqueeleiriaabrirsuapáginanoFacebook,Finnenviouumamensagempelomessenger.
—Oimaninho!Tudobem?Nicksorriuinvoluntariamente.—Sim,tudoótimo.—Comoéqueestáamãe?— Ela está cheia de coisas para fazer,mas está bem. E aí, como está
você?—Bemtambém.Osnegóciosestãoindoàsmilmaravilhas.
—Legal.—Nickforçou-seanãoperguntarmaisdetalhes.—Nickinho,escuta.Acamisetaqueeulheprometi…vocêsabequal,né?Ecomoelesabia.UmacamisetadoHellFrozeOver,amelhorbandado
mundo,seperguntassemaFinn.—Sim,oquetemela?— Eu não estou encontrando no seu tamanho. Não pelas próximas
semanas. Você é simplesmente alto demais, irmãozinho. Elesencomendaramnalojademúsica,masvaidemorar.Tudobem?
NoprimeiromomentoNicknãosabiaporqueestavatãodecepcionado.Talvezporhaver em sua cabeça a imagemdele edeFinnno show dali aduassemanas,amboscomacamisetadoHFOcomacabeçadediabosobreopeito,berrando“DowntheLine”.
—Nãotemproblema,não.—Maseuvoucomprar,prometo.Vocêvemmevisitardenovo?—Claro.—Estoucomsaudades,rapaz,sabia?—Eutambém.—Ecomo.Mas issoelenãoprecisava jogarnacarade
Finn,poisodeixariacomremorso.Apósaconversacomseuirmão,Nickdeuumaolhadanosdesenhosde
EmilynodeviantART,masdesdeontemnãohavianadanovo.Obviamente,elesesentiuumpoucoenvergonhadoedesconectou-se.
Suavoz interior lhediziaqueeramelhorescreveraredaçãode inglêsantesdesededicaraoErebos.Semchances,poisacuriosidadedeNickeragrande demais. Ele abriu o pacote, contraiu o rosto ao olhar a letra deBrynneecolocouoDVDnodrive.Passaram-sealgunssegundosatéqueumajanelaseabrisse.
Nadadefilme,nadademúsica.Umjogo.Atelade instalaçãoexibiaumaimagemsombria.Aofundo,seviauma
torre em ruínas e ao seu redor uma paisagem em chamas. Na frente datorre encontrava-se uma espada cravada na terra nua com um lençovermelho amarrado em seu punho. Ele balançava ao vento, como umaúltima lembrança de vida em um mundo morto. Acima, também emvermelho,elevava-seologotipo:“Erebos.”
Nicksentiuumdesconfortonoestômago.Eleaumentouovolume,masnãohaviamúsica.Apenasumestrondoabafadocomoodeumatempestadeseaproximando.
Nick deteve o cursor do mouse sobre o botão de instalação, com asensaçãoindefinidadehaveresquecidoalgo…claro,oantivírus.ComdoisprogramasdiferenteseleverificouosarquivosdoDVD e suspiroualiviadoporquenenhumdosdoisencontroualgo.Entãovamoslá.
Abarradeinstalaçãoavançoumuitolentamente.Empassosdeformiga.Várias vezes parecia que o computador havia travado. Para testar, Nickmexeuomousepara láeparacá—noentanto,ocursorsemexia.Aindaque lenta e vacilantemente. Impaciente, Nick ziguezagueava em suacadeira.
Vintee cincopor cento,masnãoépossível! Elebemquepodia ir até acozinhaebuscaralgoparabeber.
Aovoltarminutosdepois,jáeramtrintaeumporcento.Xingando,elesejogounacadeiraeesfregouosolhos.Quebosta.
Umahorainteirasepassouquandooscemporcentoforamalcançados.Nick ficou muito contente mas, em seguida, a tela ficou negra. Epermaneceunegra.
Nada adiantava. Nenhuma pancada contra o gabinete, nenhumacombinaçãode teclas,nenhumacessode raiva.A telanãomostravanadaalémdeumaescuridãoimplacável.
Pouco antes de Nick desistir e apertar a tecla reset, aconteceu algo.Letrasvermelhasdesprenderam-sedoescuro,palavraspulsantes,comoseumcoraçãoescondidoasalimentassecomsangue.
“Entre.Ouvolte.IssoéErebos.”
Ah, finalmente! Tomado por uma alegria radiante e antecipada, Nickselecionou“Entre”.
Paravariar,atelaficoumaisumaveznegra,porváriossegundos.Nick
recostou-se novamente em sua cadeira. Tomara que esse jogo não fiquemuitolento.Porcausadoseucomputadornãopodiaser:eleera tãobomcomoosdeúltimageração,oprocessadoreaplacadevídeoeramsuper-rápidosetudooqueeletinhadejogosrodavasemproblemas.
Gradualmentea tela foi se iluminando,exibindoumaclareirabastanterealista sobre a qual se debruçava a lua. Ao centro encontrava-se umapessoa agachada com a camisa rasgada e calça desgastada. Sem armas,apenas com um pedaço de pau na mão. Aquilo provavelmente era seupersonagem no jogo. Para ver o que acontecia, Nick clicou à sua direita,fazendo-opularedirigir-seexatamenteàposiçãoselecionada.Muitobem,oscomandospodiamserentendidosporqualquer idiotaeorestoele iriaacabaraprendendoembreve.Afinal,estenãoeraseuprimeirojogo.
Então vamos lá. Mas em qual direção? Não havia qualquer trilha ouinformação.Talvezummapa?Nicktentouemvãoacessaralgumalistaoumenu, mas não havia nada. Nenhuma informação sobre missões ouobjetivos,nenhumoutropersonagemàvista.Apenasumabarravermelhaindicandoavidaeabaixodelaoutraazul,provavelmentedeenergia.Nicktentoudiversascombinaçõesdeteclasqueteriamsucessoemoutrosjogos,masaquielasnãofuncionavam.
Provavelmenteestenegóciodeveestarcheiodeerrosdeprogramação,pensou irritado. Para testar, ele clicou diretamente sobre seu jogadoresfarrapado.Osdizeres“SemNome”apareceramsobresuacabeça.
— Que ótimo—murmurou Nick.— Omisterioso Sem Nome.— Elemovimentou seu boneco primeiro um pouco para a frente, então para aesquerda e finalmente para a direita. Todas as direções pareciam estarerradasenãoaparecianinguémaquemelepudesseperguntaralgo.
“É incrivelmente legal. Juro”, Nick imitou em pensamento a voz deBrynne.Poroutrolado…Colinpareciaigualmenteempolgadocomojogo.EColinnãoeranenhumidiota.
Nick decidiu fazer seu jogador andar para a frente. Ele teria feito omesmoseestivesseperdido,pensou.Manterumadireção.Algumacoisaeleiriaacabarencontrandoetodaflorestatinhaumfim.
Ele concentrou-se em seu Sem Nome, que desviava agilmente das
árvoresegolpeavacomseupedaçodepauosgalhosquesecolocavamemseu caminho. Era possível ouvir cada passo do personagem, a vegetaçãorasteira estalava, as folhas secas farfalhavam. Ao escalar um rochedo,pequenaspedrassesoltaramerolaramparabaixo.
Atrás do rochedo o chão se tornava mais úmido. Sem Nome nãoconseguiamaisavançartãorápido,poisseuspéstodahoraatolavamatéotornozelo. Nick estava impressionado. Tudo era extraordinariamenterealista,nemmesmooruídodecaminharsobrealamafaltava.
SemNomepersistiaejácomeçavaaofegar.Abarraazulestavareduzidaaumterçodeseucomprimento.NorochedoseguinteNickdeuumapausaaoseujogador.Seupersonagemapoiouasmãossobreacoxaeabaixouacabeça—claramenteseesforçando-separarecuperarofôlego.
Emalgum lugaraquidevehaverumcórrego.Nickouviuobarulhodaáguaeencerrouodescanso.ElecontrolouoSemNomeumpoucoparaadireita, onde ele, de fato, descobriu um pequeno curso de água. Aindaofegando,obonecoparoudiantedele.
—Ahvamos,bebalogo—disseNick.Elepressionouasetaparabaixoemseu tecladoe ficouencantadoquandoSemNomede fato ajoelhou-se,pegouaáguadocórregocomasmãosemconchaebebeu.
Depoisdisso,ojogoavançourapidamente.Ochãoperdiaumidadeeasárvores não pareciam mais tão densas. Mas ainda faltava um ponto deorientação e Nick começou a temer que sua tática de seguir sempre emfrente tivessesidoumtironopé.Aomenosseelepudesse terumavisãogeralmelhor,ummapatalvez,ou…
Umavisãogeral!Nicksorriu.Vejamos,talvezseualteregovirtualpossanão somente ajoelhar-se, mas também escalar! Ele escolheu uma árvoregrossa com galhos baixos, colocou seu personagem diante dela epressionouasetaparacima.
Cuidadosamente, Sem Nome colocou seu pedaço de pau de lado edebruçou-se sobre o galho. Ele parou assim que Nick soltou a tecla econtinuou escalando quandoNick a pressionou novamente. Nick subiu omais alto possível, até que os galhos se tornassem fracos demais e seujogador quase caísse. Só quando encontrou uma posição segura, Nick
arriscouolharàsuavolta.Avistaerafantástica.A lua cheia elevava-se sobre o céu e lançava sua luz sobre um mar
verde-prateadoaparentementeinfinitodeárvores.Àesquerdahaviaosopéde uma cordilheira, à direita avançava a planície. À frente, a paisagemdesenvolvia-se de maneira acidentada. Pontinhos pequenos em algumasmontanhas, como se feitos por uma agulha, revelavam a existência depovoados.
Issoaí,pensouNick,triunfante.Ocaminhoparaafrenteéocerto.Elejáestavacomodedosobreasetaparabaixoquandolhechamoua
atençãoumfeixedeluzamarelo-ouroentreasárvores,bempróximo.Issoparecia promissor. Se ele corrigisse seu caminho um pouquinho para aesquerda, acabaria encontrando em alguns minutos a fonte de luz.Umacasa,talvez?Tomadoporimpaciência,Nicklevouseupersonagemdevoltaaochão,ondeelepegounovamente seupedaçodepau, e seguiuadiante.Nick mordia seu lábio inferior, esperando ter gravado corretamente ocaminho.
Pouco tempodepois, ele já começava a reconhecer os primeiros raiosmaisfracosdofeixedeluz.Praticamentenomesmoinstanteelesedeparoucomumobstáculo:umafendanochão,largademaisparapoderpularcomseu personagem.Droga! A fissura estendia-se para ambos os lados e seperdiaemalgumlugarnaescuridãoentreasárvores.Daravoltacustariamuito tempo ao Sem Nome e, provavelmente, perderia sua orientaçãotambém.
Nick só foi descobrir a árvore caída após já estar há algum tempoxingando.Sefossepossívelcolocá-lanaposiçãocerta…
Abarradeespaçofoiachaveparaosucesso.ObonecodeNickarrastou,puxoueempurrouo troncoemtodasasdireçõesqueocursordomouselhesugeriu.Quandoaárvoreseencontrava finalmentesobrearachadurana terra, SemNome já estavaofeganteeabarradevidahavia ficadoumpoucomaiscurtadenovo.
Comtodaacautelanecessária,Nickfoiequilibrandoseubonecosobreotronco, que se revelou uma ponte bastante insegura ao rolar, no quintopasso, um pouco para a direita. Foi com um salto arriscado que Nick
conseguiucolocarseujogadoremsegurança.Ofeixedeluzestavaagoramaisintensoqueantes,etremulava.Diante
deNickencontrava-seumapequenaclareiracomumafogueiraardendoemseu centro. Apenas um homem sentava-se diante do fogo, olhando aschamas fixamente.Nick tirou amãodomouse, fazendo SemNomepararimediatamente.
Ohomemjuntoaofogonãosemexeu.Elenãoportavanenhumaarmavisível, mas isso não significava nada. Ele poderia ser ummágico, comosugeriaseusobretudolongoenegro.AssimqueNicktocouohomemcomocursor domouse, ele levantou a cabeça, revelando um rosto fino e umabocabempequena.Nomesmomomento,umacaixadediálogoseabriunaparteinferiordatela.
“Salve,SemNome.”Asletrascinza-prateadascontrastavamcomofundonegro.“Vocêfoirápido.”
Nick aproximou seu boneco do homem, mas não houve reação. Elereunia com um galho longo os pedaços de lenha de sua fogueira. Nickestava decepcionado; finalmente ele encontrava alguém nesta florestadesertaeessapessoadiziaapenasumasaudaçãoseca.
Apenasaodescobrirocursorpiscandonalinhadebaixo,Nickpercebeuqueopersonagemesperavaumaresposta.“Olá”,digitou.
Ohomemdesobretudonegroacenoucomacabeça.“Escalaraárvorefoiumaboaideia.PoucosSemNomesforamtãocriativos.VocêéumagrandeesperançaparaoErebos.”
“Obrigado”,Nickescreveu.“Vocêachaquequercontinuar?”Abocapequenadohomemcontraiu-se
emumsorrisoesperançoso.Nick quis digitar “Claro!”, mas seu adversário ainda não havia
terminado.“SomentesevocêsealiaraoErebos,vocêpoderáenfrentá-lo.Issovocê
temquesaber.”“Certo”,respondeuNick.Ohomemabaixouacabeçaefincouseupedaçodepaunabrasadesua
fogueira.Faíscasesvoaçaram.Issoparecesério,sériomesmo.
Nickesperou,masseuadversárionãofezqualquermençãodecontinuara conversa. Ele simplesmente já devia ter desenrolado toda a falaprogramadaparaele.
Curiosoparasaberseohomemreagiriaseelefalasseespontaneamente,Nick digitou “p#434<3xxq0jolk<fi0e8r” no campo de texto. Isso pareciadivertirseuinterlocutorvirtual.Elelevantoubrevementeacabeçaesorriu.
“Ele está olhando diretamente nos meus olhos”, pensou Nick,repreendendoseudesconforto. “Eleestámeencarando, comosepudessemeveratravésdatela.”
Porfim,ohomemvoltou-senovamenteparaseufogo.Apenas agora Nick tinha percebido que havia música baixa tocando,
umamelodiadelicada,porémpenetrante,queotocoudemaneiraestranha.“Quemévocê?”,digitouemseucampodetexto.Claroquenãohouveresposta.Ohomemapenasabaixouacabeça,como
seprecisassepensar.Porém,algunssegundosdepoiseparaoespantodeNick,aparecerampalavrasnacaixadediálogo.
“Eu sou uma pessoamorta.” Novamente ele olhou paraNick como sequisesseverificaroefeitodesuadeclaração. “Apenasummorto.Você,noentanto,estávivo.VocêéapenasumSemNome,masnãopormuitotempo.Embrevepoderáescolherumnome,umaprofissãoeumavidatotalmentenova.”
OsdedosdeNickescorregaramdecimadoteclado. Issoera incomum,oumelhor, assustador. O jogo havia dado uma resposta coerente a umaperguntaaleatória.
Talvezfosseumacoincidência.“Mortosgeralmentenão falam”,escreveuerecostou-senovamenteem
suacadeira.Issonãotinhasidoumapergunta,esimumaobjeção.E,paraela,ohomemjuntoaofogonãoteriaumarespostaapropriadaprogramada.
“Você tem razão. Este é o poder de Erebos.” Elemantinha o galho nofogoeotirounovamenteemchamas.
Um pouco inquieto, embora ele mesmo não quisesse admitir, Nickverificouseseucomputadorestavarealmenteoff-lineousehaviaalguémcaçoando dele. Não. Não havia conexão à internet. O galho na mão do
homemqueimavaintensamenteeseureflexodançavaemseusolhos.A próxima frase foi digitada pelos dedos de Nick como se por eles
mesmos.“Ecomoéestarmorto?”Ohomemsorriu,umarisadaofegante,vacilante.“VocêéoprimeiroSem
Nome queme pergunta isso!” Com ummovimento distraído ele jogou orestodeseupedaçodepaunofogo.
“É solitário.Ou cheio de fantasmas.Quemé que vai poder dizer?” Elepassouamãosobreatesta.“Seeulheperguntasse‘Comoéestarvivo?’,oque você responderia? ‘Cada um vive de suamaneira’. Damesma forma,cada um tem sua própria morte.” Como se quisesse enfatizar suadeclaração, o morto colocou o capuz de seu sobretudo sobre a testa,lançando uma sombra sobre seus olhos e nariz; apenas a pequena bocapermaneceuvisível.“Semdúvidavocêvaisaberumdiacomoé.”
Semdúvida.Nickenxugouasmãosúmidasnacalça.Oassuntohaviasetornadodesagradávelparaele.
“Ecomoeucontinuo?”digitou,divertindo-secomofatodepodercontarcomumarespostacoerente.
“Vocêquercontinuarmesmo?Estouavisando,émelhornãofazerisso.”“Masclaroqueeuquero.”“Então vá para a esquerda, seguindo pelo córrego, até encontrar um
desfiladeiro.Passeporele.Depois…vocêverá.”Ohomemmortoencolheu-seemseusobretudo,comoseestivessecongelando.
“EpresteatençãonoMensageirodeolhosamarelos.”
4
O personagem caminhava ao longo do córrego, seguindo seu gorgolejarsempreàesquerda,emumtrotar levequenãogastassemuitoabarradeenergia.Energia,Nickconcluiu,nãoeraofortedeseuSemNome.Todavez,apósamaislevesubida,elejáficavaofeganteeprecisavafazerumapausa,até que a barra de energia no canto direito inferior da tela ficasse azulnovamente. Então continuou. Subiupedras, pulouobstáculos, procurouodesfiladeiro.EnadadeMensageirosdeolhosamarelosemlugaralgum.
Gradualmente a paisagem ia se elevando à direita e à esquerda docórrego,osoloescurodaflorestadavalugaraumchãodepedraseatodahoraumpedregulhosecolocavadiantedatrilha,dificultandooavançodeSemNomee fazendo-ocairváriasvezes.Então,apenasquandoo terrenoemambosos lados se tornaraduasvezesmaisaltoque seupersonagem,Nickpercebeuqueelejáseencontravanomeiododesfiladeiro.Alémdisso,elenotouquenãoestavasozinho.Navegetaçãoàdireitaeàesquerdadocaminho ouvia-se um barulho de folhas, algo se movimentava; e, então,comoseobedecendoaumaordeminaudível,pequenascriaturasparecidascom sapos saltaram e caíram sobre ele. Seus pés não contavam commembranas, e sim com garras que causaram vários ferimentos ao SemNome de Nick. Foram alguns segundos de susto até Nick se lembrar dopedaçodepauqueseujogadorlevavanasmãosecomeçarasedefender.
Doisdossaposconseguiramfugir,ummorreuaospésdeNickcomumapauladacerteira.
—Strike!—murmurouNick.
Umúltimosapo,noentanto,permaneciapenduradonapernaesquerdadeSemNomeeumamanchadesanguecresciasobsuasgarras.Alarmado,Nickpercebeuqueabarravermelhaestavapreenchidacompoucomaisdametade.Eledeuumabatidanabarradeespaço,fazendoSemNomepular,massemalarmarosapo.
A teclaESC foi que trouxeo sucessodesejado. SemNomedeuumgirorápidocomoumrelâmpago,espantandoosapo,eemseguidaomatoucomopedaçodepausobocomandodeNick.
Com isso, suabarradevida jáhaviaencolhidoparabemmenosqueametade.Nickassegurou-sedequenãohaviaoutrasameaçasàvistaeentãopassou o cursor domouse sobre o cadáver do sapo, fazendo aparecer ainformação“4peçasdecarne”.
— Pelo menos isso — murmurou Nick, deixando seu exaustopersonagemdescansarereunindoacarneemseguida,antesdeprosseguirrumo ao desfiladeiro. Ele estava atento e pronto para atacar com seupedaçodepauqualquersapocomgarrasqueaparecesserepentinamente.No entanto, não aparecerammais inimigos. Emvez disso, umbarulho semanifestavaaofundo,demaneirarítmicaereverberandorepetidasvezespelasparedesdoabismo.Ospassosdeumcavalo.
Ele entrou comSemNome lenta e cuidadosamente na próxima curva,atrásdaqualnadaseescondiaalémdeoutrosparedões íngremesemaispedregulhos.
Poucos momentos depois o tropel cessou. Nick moveu Sem Nome,encostando-oaolongodoparedãoepassandoporarbustosespinhososdaalturadeumapessoa.Efoiseguindoadianteatéqueumaoutraparededeterra revelou-se diante dele.Nametadeda altura doparedão,mas aindaassimbemacimadacabeçadeSemNome,destacava-seumasaliêncialargaquepenetravanodesfiladeiroe,atrásdela,encontrava-seabertaaentradade uma caverna. Na frente dessa passagem, sentada sobre um cavalogigante couraçado, estava uma figura delgada comumavental cinza, queacenavatantoparaNickquantoparaSemNome.Nickreparourapidamentenocrânionuepontiagudoenosdedosexageradamente longoseossudosdopersonagem,mas toda sua atenção voltava-se para os olhos amarelos
pálidos.—Vocêsesaiurealmentemuitobem.—Obrigado.—Masseuvigoraindaestádeixandoadesejar.—Eusei.—Vocêtemqueprestaratençãonissonofuturo.A maneira corporativa de falar do Mensageiro formava um contraste
bizarrocomsuaaparênciahorripilante.—Estánahoradevocêreceberumnome—prosseguiu.—Estánahora
do primeiro ritual.— Com um gesto calmo, ele apontou para a cavernaatrásdele.—Eulhedesejosorteequevocêtomeasdecisõescertas.Nósnosveremosnovamente.—Elevirouseucavaloesumiu.
Nick esperou o tropel se tornar inaudível para avançar com seupersonagematéoparedão.Umaescadaíngreme,talhadanapedra,levavaatéopontomaisalto.“Estánahoradoprimeiroritual.”Porqueéqueeleestavadenovocomasmãosúmidas?Nickclicoucomobotãoesquerdodomouse na escuridão da entrada da caverna. SemNomemarchou em suadireçãoedesapareceu.Nomomentoseguinteatelaficounegra.
Escuridão. Silêncio. Nick ziguezagueava em sua cadeira. Por que issodemoravatanto?Paraveroqueaconteceria,eledeuumasbatidinhasnasteclas,oquenãoadiantouabsolutamentenada.
—Ah,vamos—disse,batendonogabinetedocomputador.—Aguentaaímaisumpouco.
AescuridãopersistiueonervosismodeNickcresceu.ElepoderiatiraroDVDdocomputadorecolocardenovo,ouapertarobotãodereiniciar,maseraarriscado.Talvezeletivessequecomeçartudodenovodesdeoinício.Outalvezojogoneminiciassemais.
De repente ouviu-se um som. Tum tum! Uma batida como a de umcoração.Nickabriuagavetasuperiordesuaescrivaninha,pegouofonedeouvido e o conectou em seu computador.Agora ele ouvia o barulho commaior clareza e podia perceber algo mais ao fundo também. Cornetastocando uma sequência sonora. Ele pensou imediatamente em sinais de
caça. Aquilo parecia promissor. Como se emum segundoplano estivesseacontecendo de tudo no jogo, só que sem ele. Ele aumentou o volume eaborreceu-se por não ter tido a ideia dos fones antes. Talvez ele tenhaperdido informações valiosas, alertas, avisos! Talvez ele não tenhaescutadoadicaimportantesobrecomoprosseguirnojogo.
Maispor impaciênciadoqueporesperançadeacelerarascoisas,NickbateunateclaENTER.
Osbatimentoscessarameletrasvermelhassedespregaramnovamentedofundonegro.
“EusouErebos.Quemévocê?”Nicknãopensoupormuitotempo.Eleiriaescolheromesmonomeque
jáhaviausadoemalgunsjogosdecomputador.—EusouGargoyle.—Diga-meoseunome.—Gargoyle!—Seunomedeverdade.Nick espantou-se.Mas para que isso? Tudo bem, então ele daria um
nomeeumsobrenomeparapoderfinalmentecontinuar.—SimonWhite.O nome estava lá, escrito em vermelho sobre o negro, e por alguns
segundosnadaaconteceu.Apenasocursorpiscava.—Eudisse:seunomeverdadeiro.Semacreditar,Nickolhavafixamenteparaomonitorechegouasentir
comosealguémoestivesseolhandodevolta.Eletomouarefezumanovatentativa.
—ThomasMartinson.Maisumavezonome ficouparadoporalguns instantesantesdo jogo
responder.— ThomasMartinson está errado. Se você quer jogar, diga-me o seu
nome.Nãohaviaumaexplicaçãocoerenteparaisso.Talvezissofosseumerro
no programa e o jogo não iria aceitar nome algum. As letrasdesapareceram, restando apenas o cursor piscando em vermelho.
RepentinamenteNicktemeuqueoprogramahouvessetravadoouqueelesebloqueasseapósaterceirarespostaerrada,comoumcelulardepoisquesedigitaumasenhaincorretatrêsvezes.
“Nick Dunmore.” Digitou, na esperança de que a resposta verdadeiratambémfosserecusada.
Emvezdisso,oprogramasussurrouseupróprionomeemseuouvido.“Nick Dunmore. NickDunmore. Nick. Dunmore.” Várias e várias vezes aspalavras foram reproduzidas como um lema sendo repassado entrecriaturas murmurantes. Como a saudação de boas-vindas de umacomunidadeinvisível.
O sentimento de estar sendo observado era amedrontador. Nickprocuroucomasmãosofonedeouvidopararetirá-lodasorelhas.Entãoasletrasevozesdesaparecerameumamelodiaenvolventecomeçouatocar,umapromessademistérioeaventura.
—Bem-vindo,Nick.Bem-vindoaomundodeErebos.Antesdecomeçarajogar,familiarize-secomasregras.Seelasnãolheagradarem,vocêpodeencerrarojogoaqualquermomento,tudobem?
Nick olhava fixamente para a tela. O jogo o havia pegado mentindo.Sabia seu nome verdadeiro. Agora parecia estar esperandoimpacientemente por uma resposta — o cursor piscava cada vez maisrápido.
— Tudo bem— digitou Nick, com o sentimento incerto de que tudoficaria escurodenovo se ele demorassemuito tempo.Depois, depois eleiriapensarsobreisso.
—Muitobem.Aquiestáaprimeiraregra:vocêtemapenasumachanceparajogarErebos.Sevocêerrar,jáera.Seseupersonagemmorrer,jáera.Sevocêviolarasregras,jáera.Certo?
—Certo.—Asegundaregra:quandovocêestiverjogando,certifique-sedeestar
sozinho.Nuncamencioneno jogo seunomeverdadeiro.Nuncamencioneforadojogoonomedeseujogador.
“Comoassim?”,pensouNick.EntãoeleselembrouquemesmoBrynne,que nunca se importara em ser reservada, não lhe havia revelado nada
sobreoErebos:“Éincrivelmentelegal,sério”,efoitudo.—Certo.—Muitobem.Eaterceiraregra:oconteúdodojogoésecreto.Nãofale
comninguémarespeitodele.Principalmentecompessoasnãoregistradas.Com os jogadores você pode trocar ideias perto das fogueiras enquantovocêestiver jogando.Nãodivulgue informaçõesno seuciclodeamizadesouparasuafamília.Nãodivulgueinformaçõesnainternet.
“Comosevocêfosseficarsabendo”,pensouNick,erespondeu:—Certo.— A quarta regra: guarde o DVD do Erebos de maneira segura. Você
precisadeleparainiciarojogo.Nãoocopiedemaneiraalguma,anãoserqueoMensageirolhepeça.
—Certo.AssimqueNickpressionouateclaENTER,osolnasceu.Pelomenoserao
que parecia. O negro domonitor dava lugar a um vermelho suave e quepoucodepoissetransformouemtonsdeamareloedourado.OSemNomede Nick surgia em meio a essas cores como uma sombra, ganhandocontornos lentamente, assim como a área ao seu redor— uma clareirabanhadapelosol,ondecresciaumcapimaltoatravésdoqualserpenteavaum caminho já bastante trilhado. Ele conduzia a uma torre coberta pormusgo, cujaportapendia sobreapenasumadobradiça. Sobreumarocha,umpoucomaisàesquerda,encontrava-sesentadoSemNome,comosolhosfechadoseafacevoltadaparaosol.Nicksentiuumapontadeinveja,comoseestivesseolhando fotos incríveisde férias.Porumbrevemomentoeleacreditoupodersentirocheirodaservasemfloredaresinadasárvoresemtornodatorre.Osgriloscricrilavameoventopassavasuavementepelocapim.
A porta inclinada da torre bateu ruidosamente contra o muro, e opersonagem, assustado e ainda com as roupas esfarrapadas, se levantou.Elecolocouamãosobreorostoeoremoveucomoumamáscara.Atrásdelanãohavianadaalémdeumapelenua,lisacomoumacascadeovo.
Umarajadadeventodesdobrouabandeirafixadanotopodatorre.Elaexibiaonúmeroumdesbotado.
Seguindoporaquisechegariaaonívelum,presumiuNick,emoveuseujogador—cujaausênciaderostooincomodavamaisdoqueadmitia—atéatorre.
Do ladodedentroestá tudocalmo:atéovento fazsilêncioeaportanãobatemais.Entrepalhaeossosespalhadosencontram-sebaúsdemadeiracomferragensoxidadas.Nasparedesbrilhamplacasdecobrecompalavrascunhadassobreelas.Aprimeirapalavraésempreamesma:Escolha.
Elevaiseguindoasplacasnasequência.“Escolhaumsexo”,ordenaaprimeira.Sem hesitar, ele escolhe “masculino”. Só após decidir, ele pensa que
jogarcomoumamulherpoderiaterseucharme.Nãoimporta,tardedemais.“Escolhaumpovo”,elelênasegundaplaca.Nesteponto ele sedetémpormais tempo.Eledescarta obárbaro e o
vampiro,apesardeexperimentarvestir-secomseuscorpos—aoolharamusculaturadobárbaro,brilhantecomoóleo,Nicktorceaboca.Ohomem-lagarto ele considera por alguns minutos, suas escamas reluzem demaneira tão atraente, mudando de cor conforme a incidência da luz. Aespécie humana também pode ser escolhida, mas está fora de questão.Normaldemais.Fracademais.
Anão, lobisomem,homem-gato,elfonegro—asúltimasquatroopçõessão todas atraentes. Ele experimenta o corpo do anão: pequeno, rústico,vigoroso. Nada mal, a altura diminuta o atrai. As pernas tortas e aexpressãoesgrouvinhadanãotanto.
Eleacabaescolhendooelfonegro:comnomáximoumaestaturamédia,porémágil,eleganteemisterioso.Eleconfirmasuadecisão.
“Escolhasuaaparência”,ordenaaterceiraplacadecobre.Ele quer ter a menor semelhança possível com seu alter ego virtual.
Então, cabelos curtos e louros, que se destacavam arrepiados em suacabeça, nariz pontiagudo, olhos azuis e amendoados. Ele encarou o novopersonagemporelecriadoequenãotinhamaissemelhançaalgumacomoSem Nome. Cuidadosamente, ele escolheu a roupa: um casaco verde-dourado,calçasescuras,botascomcanodobrado.Umchapéudecouro,que
oprotegeriamelhordoquenada,aindaqueeletivessepreferidoumelmo.Masinfelizmentenãohánenhumdisponívelparaelfosnegros.
Elecontinuaeditandosuascaracterísticasfaciais.Aumentaosolhoseadistânciaentreabocaeonariz.Elevaassobrancelhas.Deixaasmaçãsdorostosignificantementemaisprotuberantesepassaaacharqueagoraeleseparececomofilhopródigodeumrei.
“Escolhaumaprofissão”,dizaquartaplaca.Assassino, bardo, mágico, caçador, espião, guarda, cavaleiro, ladrão.
Uma grande variedade. Ele considera as vantagens de cada profissão.Descobre que lobisomens dão mágicos excelentes, enquanto vampirospossuemtalentoparaassassinosetambémladrões.Oselfosnegros,comoele,tambémdãobonsladrões.
Ele hesita. E se assusta quando de repente as dobradiças da portarangem e esta se abre, deixando alguém entrar na torre. Uma sombraenorme.Umgnomocorcundaedepernastortas,narizvermelhoabatatadoeumtumorazul-escuronopescoço.Eleseaproximamancando,monta-sesobreumdosbaúselambeoslábios.
—Maisumelfonegro,vejasó.Umaespéciepopular,parece.—Sério?Issonão confortao elfonegro recém-fabricado.Elenãoquer sermais
umentremuitos.—Apropósito.Vocêjáescolheuumaprofissão?Eleexaminoualista.—Provavelmenteladrão.Ouguarda.Outalvezcavaleiro.—Equetalmágico?Elessãopoderosos,osfeiticeiros.Ele considera brevemente essa possibilidade antes de começar a se
confundir.Nãoqueriasaberdebruxarias,esimdelutacomespada.—Não,mágiconão.Cavaleiro.—Temcerteza?Sim,eletem.Cavaleirosoanobre,praticamentecomoumpríncipe.—Cavaleiro—enfatiza.“Escolha suas habilidades”, ordena a quinta placa de cobre. E abaixo
delaháumalistalongaeconfusadehabilidades.
Ele escolhe a visão de longo alcance. Força, energia e a habilidade deconfundir-secomapaisagem.Fazerfogo.Velocidade.Saltos.
Ele vai com calma por não saber quantas capacidades lhe cabem nototal. E agora todas as decisões tomadas têm como consequência queoutrasficambloqueadasparaele.Quandoeleseleciona“poderdecura”,aopção“maldiçãomortal”seapaga.Com“escudodeforça”desaparece“peledeferro”.
Após dez seleções, ele finalmente tem que terminar. As palavras sedesfazem, justamente no momento em que ele pensava poder ficarescolhendoparasempre.
— Você recusou algo que lhe fará falta em breve— disse o gnomo,sorrindo.
—Podeser.Ele seperguntaoqueaquele sujeito feio faziaali, poisnaverdadeele
estariamelhorsozinho.Asextaplacaestáesperando.“Escolhasuasarmas.”Embaixo da placa se abre um imenso baú. Espadas, lanças, escudos e
outras maravilhas de todos os tamanhos. Algumas lâminas de aspectohorrível com farpas visíveis, chicotes com garras nas pontas, clavas comespinhos.
—Vocêquerumconselho?—perguntaognomo.Paravocêmedarumarasteiradepois?—Não,obrigado.Elequerescolheraarmacertaporsisóevaitirandocuidadosamenteda
caixa uma espada após a outra, enfileirando-as na parede. Testa o quãobemcadaumadelaspodesererguidaeoquãorápidoelasbrandem.Suaescolha,finalmente,éumaespadalongadelâminafinaepunhovermelho-escuro,quezumbesedutoramentequandoeleaagitanoar.
Osescudossãotodosdemadeiraenãoparecemmuitoconfiáveis.Alémdisso, quanto maiores, mais pesados eles são, deixando-os mais lentos.Então ele pega o menor escudo que encontra: redondo, com bojo embronzeepinturasazuisentrelaçadassobreamadeira.
— Você pode prendê-lo nas suas costas — recomenda o gnomo,
balançando-seagilmentesobresuaspernastortas,comosequisessebaterasesporasnocavalo.
Oelfonegronãolhedignouumaresposta.Elevaiatéasétimaeúltimaplaca.
“Escolhaoseunome.”Um pouco admirado, Nick se lembra que até algum tempo atrás ele
queriasechamarGargoyle.Mas issonãocombinamaiscomelede formaalguma. Ele olha ao seu redor para ver se não se abriria mais um baúcontendopossivelmentepergaminhoscomsugestõesdenomes.Não.Paraescolheronomeeleestáinteiramentesó.Aliás,quase,poisognomoinsisteemajudá-lo,dasuamaneira,nadecisão.
—Rabo-de-elfo,Pele-de-elfo,Polegar-névoa-negra!Fedelho-de-orelhas-pontudas,Cara-de-raposa!Oualgoclássico?Momos,Eris,KerouPonos,enãovamosesquecer:Moros!Algolheagradou?
Ele flertoubrevemente coma ideiadepegaraespadaeacabar comacriatura.Nãoseriatãodifícile,então,haveriapazparapensarcomcalma.Masaopensarnosagudosgritosdemortedognomo,elesedeteve.
“Algoclássico”,pensou,“éumbomcomeço.Algoclassicamenteromano.Marius.Não,Sarius”.
Não pensou mais, este nome era exatamente o que ele estavaprocurando.Eleodigita.
— Sarius, Ssssarius, Sa-ri-us— omurmúrio reverbera pela Torre.—Bem-vindo,Sarius.
—Sarius?Quesemgraça!Pessoassemgraçamorremrápido.Vocêsabiadisso,Sarius?
Ognomosaltadecimadobaúeemumúltimogestomostrasualínguaverdeepontiaguda,quebateemseupeito.
Sariusdeixaatorreechegaàrelvabanhadapelosol.Apenasapósverognomodesaparecernafloresta,eleprendeoescudonascostas.
5
Vermelhas como pequenos rubis esféricos, elas brilham entre as folhasaveludadas. Sarius alcançou amargemda floresta e descobriu bagas quecresciamsobasombradasárvores.Seráqueelepodecolhê-las?
Sim,pode.Parasuaalegria,agoradescobrequedispõedeumalistadeitens na qual fica armazenado tudo o que lhe pertence.Nele se encontratambémacarnedesapoqueelepegouaindacomoSemNome.Nomais,alistaaindaestávazia,demaneiraqueháespaçoobastanteparaasbagas.
Eleselevantaaoouvirumbarulhonosarbustos.Haveriaumacobraescondida?Umolharrápidoparatodosos lados—
não, não há nada.Ninguém. Sarius volta a dedicar-se às suas bagas.Comcertezaelascrescemaquiparaquesejapossívelabastecer-secomalimentos.
OataquevemtãorápidoqueSariussóseassustaquandotudojápassou.Doishomensoderrubarameomantiveramimobilizadonochão.Umdelespressiona os joelhos sobre suas costas, puxa seus braços para trás e oamarra.O outro segura sob seuqueixoumpunhal com sangue e cabelosgrudados.
Sariusnãopodesedefender.Eletenta,masconsegueapenassedebaterenãopodeimpedirqueomaisaltodoshomensolevanteejogue-osobreseusombroscomoumsaco.
Pronto, acabou. Sarius, elfo negro e cavaleiro, é surpreendidoapanhandobagaseraptado.Umpoucodeazareocaracomopunhalvaiassassiná-lo. E aí é o fim da aventura.Bosta, imbecil, miserável. E, óbvio,paracoroar:elecomcertezadeveseroúnicoquesedeixousurpreenderde
maneiratãoidiota.ElesmarchamatravésdaflorestaeosujeitocarregandoSariusoajeitao
tempo inteiro sobre seu ombro. Provavelmente não quer perdê-lo pordescuido.Masnãoéqueeleofaz?—Nabeiradeumabismoelesedetémbruscamente,arremessa-oaochãoe,comumchute,atira-oladeiraabaixo.
Sariuscapotaduasvezesatéatingirumterrenoplano.Aqui embaixo o esperam três figuras que se assemelham aos seus
sequestradores: roupas rasgadas, pele coberta de sujeira, cicatrizes. Umdelesnãotemumolho,umoutroécorcunda.Apenassuasarmasparecemcuidadas.
—Ondevocêsoacharam?—perguntaocorcunda.—Eleestavaengatinhandopertoda torre.Foimais fácildepegarque
umpombinho.OcorcundapegaSariuspelocolarinhoeoapoiacontraocauledeuma
árvore.—Vocêsachamqueelepodeserusadocomoladrão?Seráquedevemos
mantê-lo?Osemolhoinclinaacabeçacomosepudesse,dessamaneira,examinar
Sariusmelhor.—Não—conclui.—Esseaínãopresta.Elenãonosserve,issosenota
emsuasvestes.EleédaquelesquemarchamcontraHortulano.—Entãovamosesfaqueá-lo!—dissealegre,ocorcunda.Sarius tinha vontade de responder algo— por exemplo, que ele não
conhecia nenhum Hortulano e que ele poderia, a qualquer momento,juntar-seaumbandodeladrõesseelepudesseviverporcontadisso.Masnãodá.Antes,comognomo,elepodia falar,masagoraeleestámudo.Ascoisasaoseuredorpassamcomoseemumfilme.
O terceiro dos homens, cujo rosto está coberto pela sombra de umgrandechapéu,nãodissenadaatéentão.Agora,eleseaproximaumpasso.
—Não.Nósnãovamosmatá-lo.Esteaquinãoécomoosoutros.EleseinclinaemeteamãonosbolsosdeSarius.—Vejamaqui.Nenhumveneno, nenhuma cartade recompensa.Nada
deouro.Esteaquipodemosdeixarseguirseucaminho.
—Só isso?—o corcunda sedecepciona.—Mas issonão faz sentido!Nãotemgraça!
Ohomemdochapéudeabaslargasbalançaacabeça.—Eugostariaquealguémcomoelevencessenofinal.Mas,infelizmente,
Sarius,namaioriadasvezessãoospequenosqueperdem.Comovocê.Maseunãoosmachuco,não.
EleenxotaocorcundaenquantoestetentavavasculharoconteúdodosbolsosdeSarius.
—Emvezdisso, eu lhedareiumconselho.Sabeoqueseriaomelhorparavocê?
“Não”,Sariusgostariadedizer,sepudesse.Mas,dequalquerforma,seuinterlocutornãoesperaumaresposta.Eleopegapelosbraçosesoltasuasamarras.
—VocêdeveriadeixaroErebos.Váenãovoltemais.Ajacomosevocênuncativesseestadoaqui.Esqueçaessemundo.Vocêfaráisso?
“Claroquenão”,pensaSarius.Ele tentareconhecerorostodohomempor baixo da aba de seu chapéu,mas não consegue ver nemmesmo umolho.
—SevocêquersairdoErebos,sigaemfrente.Volteparaatorre.Agora.Será isso uma chance de fugir ou uma armadilha? Será que o Erebos
ficará travado caso aproveite a oportunidade de fugir de seussequestradores?Eledetém-seindeciso.Oladrãotomaissocomoresposta.
—Foioqueeupensei—suspirou.—Entãoescutebem:ninguémaquiéseu amigo. Por mais que pareça. Ninguém irá ajudar você, pois todosqueremchegaraoCírculoInternoemuitopoucosconseguem.
Sariusnãoentendeumapalavra.QueCírculoInterno?—No fim, restam apenas alguns: os escolhidos para a batalha contra
Hortulano.Elespodemmataromonstroeencontraro tesouro.Para isso,nãosãotodosqueservem.
Eradifícildizerseo ladrãoestavadebrincadeiraounão,eSariusnãopodiafazerqualquerpergunta.
— Não conte a ninguém nada do que eu disse. Não vá eliminar suasvantagens,quejánãosãomuitas.Certifique-sedeencontraroscristaisde
desejos.Elesvãofacilitarsuaavida.Avida,entendeu?—Nãoconteaeledoscristaisdedesejos—interrompeocorcunda.— E por que não? Ele precisará deles. Sabe de uma coisa, Sarius? Os
cristaisdedesejossãoumdosmaioressegredosdoErebos.Elesserãoúteisavocê.Elestornampossíveloimpossível.Elesrealizamseussonhos.
—SeoMensageirosouberoquevocêandarevelandoaessegaroto,suacabeçavairolar—esbravejaocorcunda.
—Issoelefarádequalquerjeito,secolocarasmãosemmim.Ohomemcomochapelão—“eleéolíder,elesópodeserolíder”,pensa
Sarius—lheviraascostaseseafasta,caminhandopelavegetaçãorasteira.Os outros o seguem. O sem olho ainda cospe rapidamente no rosto deSariusantesdesair.Mas,foraisso,ninguémlhetocaemumfiodecabelo.Porém,oquedevefazeragora,ninguémlhediz.
Entãoeleescalanovamenteodesfiladeiroetentaseorientar.Atorredeveestar à esquerda, mas ele não quer voltar até lá. Olha ao seu redor,procurando um ponto de referência quando ouve repentinamente umtilintarbaixovindodadireçãomaisescuradafloresta.
Sariussegueoruído,quesetornamaisclaroacadapasso:ferrobatendosobreferro,sobremadeira,sobrepedra.Entreumbarulhoeoutro,berrosabafados e o que pareciam ser gritos de dor.Umabatalha. Ele continuaseguindoosom,sentindoumcalorpordentroquepodiasercuriosidade,medo,ouambos,atéque,derepente,encontraumobstáculo.Elediminuiopassoefita,estupefato,ummuronegroqueseestendeportodaapaisagemesuperaasárvoresemaltura.Otomescurodomurobrilhacomopiche.
Escalaromuronempensar;eleprecisaencontrarumapassagem.Ouofinaldogigantescoobstáculo.Vira-separaaesquerda,poisédessadireçãoque vêm os barulhos de luta. Ele anda até consumir toda sua barra deenergia.Nenhumportão.Furioso,batesuaespadacontraomuro.Onegrodoparedãoselasca,eporbaixodeleduasletrassetornamvisíveis:NA.
Convencido de que por baixo da camada brilhante se encontra umamensagem escondida, ele continua a raspar o muro com a espada,esperandoqueissonãoaestrague.Masfunciona,aespadaresiste,minutos
depois, Sarius descobre uma frase completa. Uma mensagem de duplosentido:CAIANAREDE.
Eleouvesuaprópriarisada.“Eusouumaboapresa”,pensa,eseconectaàinternet.
Nomesmomomentoumapartedomurocai,liberandoavisãoparaumabatalha.Doisbárbaros,umamulher-gato,umlobisomem,váriosanões,trêsvampirosedoiselfosnegroslutamcontraquatrotrollsinexplicavelmentehorríveis.Umdeles jáapresentaquatro flechascravadasemseupescoço,quedeviamserdamulher-gato,poiselaeraaúnicacomumarco.Umoutrotroll balança um pedaço de pedra e o lança contra o lobisomem, que sedefende com um salto. Dois dos anões ocupam-se com as pernas doterceiro troll com seus machados, ajudados pelo bárbaro mais alto, queaçoitacomumaclavaassuascostas.
Sobre todos eles paira no ar umobjeto oval azulado. Ele cintila comoumagigantesafiralapidadaegira,inerte,emtornodeseupróprioeixo.
Seriaissoumcristaldedesejos?Ele seria, então, muito grande para simplesmente levá-lo consigo. Os
outros,oslutadores,nãodãoamínimaparaoobjetoetambémestãomuitoocupadosparaisso.
Sarius pega a espada em seu cinto. Subitamente ela parece muitopequenaeinofensiva.Provavelmenteeledeveriaentrarnalutaagora,masnãoousaaproximar-se.
Sangueescorredoelmodeumdosanões,correndoporsuabarbaenelapenetrando.Noentanto,eleaindalutafreneticamente.
Sariusrespirafundo.Nenhumferimentoquevenhaasofreraquipoderálhe causar dor de verdade, pormais real que ela pareça. Ele avança umpasso,masrecuaimediatamenteparapensaremumaestratégia:oquartotroll está livre, tinhaencurraladoumavampira,que comsua longae finalança tenta manter a ele e ao seu mangual afastados. Ele ainda nãopercebeuapresençadeSarius.
Paraotroll,então.Comumrápidomovimento,Sariussacaseuescudodascostas, levantasuaespadaese lançana luta.Porummomentoelesesenteconstrangidoporterrealmenteprecisadotomarcoragemparaisso.
Sua espada acerta em cheio a pele do troll da mesma maneira queacabara de acertar o muro, mas dessa vez sem deixar uma marquinhasequer.Otrollurracomsarcasmo.Eleagarraavampiraeasacodenoar.Ela debate os braços, perde sua espada e bate contra o chão com umestrondoterrível.Afaixavermelhaqueelavestenacinturatorna-secinza-escuro,restandoapenasummínimotraçodevermelhopiscando.
O indicadorde vida, conclui Sarius. Só agora ele percebeque cadaumdoslutadoreslevaalgovermelhoemseusequipamentos—namaioriadasvezesumafaixanopeitoouumcinto,comoelemesmo.
Avampirasabiadoriscodevidaqueestavacorrendo.Elasearrastaatéasmoitas;suapernaesquerdaestátorcidademaneiragrotescaeelaapuxacomosefosseumcorpoestranho.
Otrollperdeuointeresseemsuainimiga.EleseviraemedeSariuscomseus olhos apáticos, a baba viscosa escorre de sua boca. Sarius recuainvoluntariamente.“Vocêsópodejogaressejogoumavez”,dissoelenãoseesqueceu.Demaneiraalgumaissopoderiaacabartãorápido.
Compassoserrantes,otrollvememsuadireção,eSariusdáavoltanelerápido comoum relâmpago. Ele precisa atingir alguma parte sensível dotroll,eomaisrápidopossível.Miranostendõesdesuaspernasderéptileosgolpeia.
O troll urra novamente, mas dessa vez parece que de dor. O sanguevermelho-escuro, espesso como xarope, brota de uma ferida. Espantado,Sarius fitao largofiode líquidorubroepercebe, tardedemais,quesobreelegiraomangualdeseuadversário—eleovêzunindoparabaixoeselançainstintivamenteparaolado.
A esfera espinhenta passa raspando em seu ombro. Um chiadoensurdecedor ressoa, penetrando em seu cérebro como um arame embrasa.
Elecai.Depéeparadojuntoaele,otrolloencara,olhandoparabaixocomseusolhoscinza-concreto.Eletornaalevantarsuaarma.Eentão,portrásdaquelezumbidodoloroso,ouve-seumestrondo.O troll cambaleiaeSarius vê o mais alto dos dois bárbaros que, aparecendo do nada, tentaquebraracolunadotrollcomsuaclave.
Ogolpeoacerta,oinimigomonstruosodeSariusseempinae,apósmaisumgolpe,otrollcaidejoelhos.Agoranãourramais,apenasgeme.Bastouumúltimogolpenanucaparaquesucumbisse.
Sarius quer se sentar, mas cada tentativa faz aquele som horrívelaumentar.Seriamelhorquesemovesselentamente.Seucintoaindapossuicercadeumquartodevermelho.Seráqueserecuperariacomumapausa?Permanece deitado sobre omato. O que viu bastou para acalmá-lo. Doistrollsamaisjazemderrotadosnochão,eumterceirofugiu.Oquartoaindaestádepé,massendoterrivelmenteatacadopelosbárbaros,eagoratodosqueaindapodemandarsejuntamàmatança.Faceatalcontingente,otrollnão tem qualquer chance: ele cambaleia, se debate e cai no chão com omachadodeumanãocravadoprofundamenteentresuasescápulas.
—Vitória—sussurraumavozsemcorpo.No momento seguinte aparece o Mensageiro dos olhos amarelos às
margensdaflorestaefreiaseucavalodiantedoscombatentes.—Vocêsconquistaramooval—diz,tocandoodiscocintilantecomseus
dedosossudos.—Arecompensaestágarantidaavocês.BloodWork!BloodWork? Sarius não entende nada, até que o bárbaro alto dá um
passoadianteereverenciaoMensageiro.— Você prestou a contribuição mais valiosa no combate. Eu o
recompenso com um elmo de força 27. Ele o protegerá contraenvenenamento,relâmpagosefeitiçosfebris.
OMensageiro entrega a BloodWork um elmo dourado com chifres decarneiro. Rapidamente o bárbaro retira seu singelo capacete de ferro ecoloca a proteção reluzente em sua cabeça, com a qual ele parece aindamaisalto.
—Keskorian— prossegue oMensageiro e o bárbaro um poucomaisbaixoseaproxima.
— Você deu o melhor de si, no entanto você hesita com demasiadafrequência.Mesmoassim,mereceumarecompensa.PegueoelmoantigodeBloodWork,eleémelhorqueoseu.
Keskorianfazoquelheépedido.—Sarius!—chamaoMensageiro.
Mas já? Isso o surpreende. Ele só foi intervir nas lutas depois e semqualquer destaque. Comnotável esforço, ele se levanta. Cadamovimentofazochiadotorturanteaumentar.Seuombrovoltaasangrareelevêmaisumaparteminúsculadeseucintoescurecer.
—Essafoisuaprimeirabatalhaevocêdemonstroucoragememvezdesebastarcomopapeldeespectador.Euestimoacoragem,portantovocêteráoquemaisprecisa:cura.Tomeestapoção,elarecuperarásuasaúdeeaumentarásuaenergia.Tim-tim,amigo.
Sarius vê o frasco amarelo brilhante pairando diante de si, estende amãoeoabre.Ebebe.
Asmarcasdesangueemseuombrodesaparecem,seucintoirradiaumvermelho vivo e, que alívio, o som agudo que havia surgido com seuferimento cessa. Em seu lugar soa a música que ele ouviu na torre. Amelodiaéumpresságiodetudo.Detudoqueelesemprequis.
— Para você, Sapujapu, que pela primeira vez resistiu até o final, eutenhoumnovomachado.
Oanãodáumpassoparafrente,pegaomachadoerecuarapidamente.Ocorre uma pausa. O Mensageiro contempla um após o outro, como seprecisassepensar.
—Golor!—elechamaumvampiroeopresenteiacom25minutosdeinvisibilidade.Eosegundovampiro,LaCor,com25moedasdeouro.
Nurax,olobisomem,recebeumelogioeumaarmadura;amulher-gatoSamira, uma espada duplamente reforçada. O Mensageiro distribuipresentespequenosemaioresatodos:umescudoderunasparaosegundoanão,umaadagaenvenenadaparaVulcanos,oelfonegro.Restamumoutroelfonegroeavampiraferida,quejaznagramaaoladodeSarius.
— Lelant, você se manteve em segundo plano. Foi covarde, sofreuapenas dois arranhões insignificantes. Você não receberá recompensa, eestoupensandoemrebaixá-loumnível.
Lelant,oelfonegrodecabelosescuros,encontra-seàsmargensdaluz,parcialmente encoberto pelas árvores, por entre as quais foi se esconderdurantealuta.
Sarius sente uma satisfação estranha. Não foi especialmente bom, ele
sabe,masumaoutrapessoafoipiordoqueele.Eu o advirto, Lelant. O medo não compensa. Na próxima batalha eu
contocomasuavontade,suaforça,comtodooseucoração.Eporfim,oMensageirodirige-seàvampira.— Jaquina, você está praticamente morta. Se eu a deixar aqui, você
morre em poucos segundos. Se quiser isso, deite-se paramorrer. Caso ocontrário,siga-me.
Comimensoesforço,avampiraseajoelha.Osanguequecorredesuasferidas énegro.Ela se arrasta atéoMensageiroquea ergueatéo cavaloassimqueelaseaproximaosuficiente.
—Vocês têmpermissãoparaacenderumafogueira—dizele,epartecomseucavalo,galopandoparaaescuridão.
Sapujapuéomaisrápido.Trêspedaçosdelenhamaisumafaíscavermelhadisparada pelos seus dedos e um fogo já começa a tremular nomeio daclareira.Imediatamentetodosseagrupamàsuavolta.
—OquevocêsachamqueelequerdaJaquina?—perguntaNurax.—Odesempre—dizKeskorian.—Quemseimporta?Seelavoltar,vai
sernível4.—Seelavoltar—respondeSapujapu.Eles se sentam um após o outro. Sarius está indeciso. Ele se sente
estranhoedesconfortável.Noentanto,seriabomconheceralgumasdessaspessoasaqui,talveztodaselas,quemsabe…
—Temosumnovato.Sarius—observaSamira.—Sim,maisumelfonegro—zombaBloodWorkqueatéagoraestava
calado.—Elessãocomomoscas.—Massãomaisbonitosqueosbárbaros—completaLelant.—Evocêcaleaboca,fracassado.Lelant se cala de fato, então BloodWork volta toda sua atenção para
Sarius.—Porqueumelfonegro?Nãolhedisseramquejátemosmuitosdeles?—Eoquevocêtemavercomisso?—Comcertezavocê tambéméum informante—continuaobárbaro.
—,comotodosdoseuclã.—Soucavaleiro.Vocêtemalgocontraeuchamá-lodeBloody?OvampiroLaCorcaçoacomprazer.—Um cavaleiro! Você vai acabar batendo as botasmais cedo do que
imagina. Principalmente se você ficar inventando apelidos paraBloodWork.
Oquehádeerradoemsercavaleiro?Sariusgostariadeperguntar,masnão quis continuar se expondo. Talvez o gnomo lhe teria dito se Sariustivessedecididopedir-lheumconselho.
—ParaondeoMensageirovailevarJaquina?—pergunta.—Issovocêmesmoverámaistarde—dizSapujapu,comdesdém.—Porquevocêsimplesmentenãomeconta?—Nãoposso.Vocêestánonível1.Nível1,claro.Eleacaboudecomeçar,e,porisso,osoutrosestãodoidos
para vê-lo se danar no jogo. Ou bater as botas, como LaCor tãodeleitosamenteexpressou.EleexaminamelhorSapujapueSamira,masnãoencontraqualquerinformaçãosobreseusníveis.Comoéquetodossabemqueeleestánonível1?
Enquantoisso,jásecomeçaadiscutirumoutroassunto.—AlguémsabeondeestáDrizzel?—Seilá.Talvezeleestejaandandocomoutrogrupo.—Ouestejaemumamissãosolitária.—Euachoqueeletemalgoparafazerláfora.OinteresseemSariussedissipou.Elesealegracomofato,mascomeça
aseperguntarqueméDrizzeleoquesignificateralgoparafazer“láfora”.Aindaqueelenãoentendatudosobreoqueestásendofalado,elecomeçaarelaxar, rodeado pela música encantadora que o atravessa lentamentecomosefossemel.Elaofazsentir-secalmoesatisfeito,comoseapróximabatalhajáestivesseganha.
O tempo todo Samira semantém sentada próxima a ele. Sarius tem aimpressãodequeelaquerfalarcomele,masnãosabecomoabordá-lo.
—OelmoantigodoBloodéumadroga—resmungaKeskorian.—Eupreferiaumaespadadecente.
—Entãovocêdeveriatersidomaisativo.—opinaNurax.—Estábem,esquece.Entãoalegre-sevocê comsuaarmadura.Mas já
avisoqueelatambéméumadroga.Quantospontosdedefesaelatem?14?Écomosevocêestivesseusandoumadepapel.
— Uma ova — revolta-se Nurax. — 14 pelo menos resistem contraflechas de orcs; ontem elas me custaram quase toda minha barra deenergia!
Sarius mantém-se fora da discussão. Ele acabou de perceber que seucoletepodeviraserumproblema.Apenascincopontosdedefesa.Tomaraquenãohajaorcsporperto.
—VejamsóaarmaduradeBlood!Quantospontosdeforçaelatem?BloodWorkpermite-seumtempopararesponder:—52.—Eunãoqueronemsaberoqueeletevequefazerparaconsegui-la—
observaSapujapu.—Ah,nãosemeta,seubosta!—esbravejaobárbarogigantesco.— Cuidado! OMensageiro já repreendeu alguém por haver xingado…
umanão,eeuestavaperto.AindaenquantoNuraxestáfalando,umnovopersonagemseaproxima
dofogo.Umaelfonegra,comumlongoarcopendendosobreoombro.Suatrança negra firmemente apertada faz Sarius lembrar-se de Emily. Eleacessaseunome:Arwen’sChild.
—Olá,AC—Nuraxacumprimentava.—Uau,vocêagoraestánonível3!Parabéns.
—Obrigada,nãofoinada.Nãotevenenhumalutahoje?— Acabou de ter— lhe informa Keskorian.— Quatro trolls, não foi
brincadeira,não.Vocêconhecetodomundoaqui?BloodWorkcomcerteza,né?
—Sim,jánosenfrentamosemumverdadeiropandemônio.Oi,Blood!Obárbaronãodáqualquer resposta, permanecendo imóvel eolhando
paraofogofixamente.—MasLaCoreunãoconheço.Sapujapu,SamiraeSarius tambémnão.
Estãonamodanomescomeçadoscom“Sa”?
—Melhor do que roubar de O Senhor dos Anéis — responde Sarius,sendoaplaudidoporSamira.
Arwen’sChildaproxima-sealgunspassosdeSarius.—Vocêestánonível1—constata.—Isso.—Maisalguémcom1,aqui?—Hojeeujáviquatro—dizLelant.Sariusquaseseesqueceudocaladoelfonegro.Oquepossivelmentese
devia ao fato de que Lelant havia interpretado a palavra “negro” demaneira demasiadamente literal: sua roupa é toda preta, seus cabelos,idem, e seu rosto tem cor de café com muito pouco leite.Involuntariamente, Sarius se pergunta se por trás do personagemnão seesconderiaColin.
—Temcadavezmaisgentedonível1.ComSarius,jásãohojedoiselfosnegros,umamulher-loboeumserhumano.
—Sereshumanossãobastanteraros—opinaSapujapu.—Edesnecessários—completaBloodWork.Sarius gostaria de fazer algumas perguntas na próxima vez que
houvesseumapausana conversa. Se apedraoval girando sobreeles eraum cristal de desejos. O que ele deve fazer para sobreviver à próximabatalhacomseusequipamentosinsuficientes.Oucomoelepoderiachegarrapidamenteaopróximoestágio.Pois estarnonível1, conformeparecia,eraomesmoqueserumzero.
—Vocêstêmdicasboasparamim?—perguntaatodos.—Sim.Tentepermanecervivo—dizNurax.—Omelhorémanter-se
perto de um jogador mais forte na próxima luta, enquanto você estiverfracoassim.
—Estouforadessa—dizBloodWork—Elfosmiseráveis.— Por que é que você está dando dicas ao novato? — resmunga
Keskorian.— Nós somos adversários, esqueceram? Você quer receber arecompensano finalouquerqueeleo faça?Pormim,osnovatospodemtodosmorrer,nósjásomosmuitos,mesmo.
—Issoaí—dizBloodWork.
—Somosmuitosparaoquê?Nurax calou-se após terem-no refutado duramente, mas Sapujapu
ignorouasobjeçõesdosbárbaros.—Então,paraaúltimaluta.OgrandecombatecontraHortulano.Dele
sópodemparticiparumascincoouseispessoaseaíelesganham…umtipode prêmio acumulado. BloodWork está empenhadíssimo, você não fazideia.
O bárbaro mencionado levanta o punho e derruba Sapujapu no chãocomumsógolpe.Umapartedocintodoanãotorna-senegra.
—Eagoracalemaboca,seusidiotas.Vocêsnãotêmnoçãodenada.Comessaspalavras,BloodWorkafasta-sedofogo,indoparaasmargens
dafloresta.Keskorianoseguecomoumcachorrosegueseudono.—Pode isso? Isso é permitido?— perguntaNurax agitado, enquanto
Sapujaputentaselevantar.—Parecequesim.Docontrário, já teriaaparecidoumdosgnomosdo
Mensageiroeorepreendido.Elesaparecemimediatamentecomqualquerviolaçãomínimadasregras—explicaArwen’sChild.
Neste exatomomento, algo salta de umamoita. Um gnomo com pelelaranjaque,comexceçãodisso,assemelha-seaodatorre.
“Ah”,pensaSarius,“lávêmproblemasparaograndalhão”.Mas com as grosserias de BloodWork o gnomo não gasta uma só
palavra.—Notíciasdochefedevocês:violadoresdetumbasestãosaqueandoos
santuários.Mate-oseospertencesdelesserãoseus.Comecem!Separem-se,dispersem-se,apressem-se!
Com um movimento com as mãos ele apaga o fogo e se escondenovamentenosarbustos.
O que fazemos agora? Sarius gostaria de perguntar, mas junto com ofogo,desapareceutambémapossibilidadedeestabelecerumdiálogo.Seráqueosoutrossabemondeestãoossantuários?Aparentementenão,poiselescorrem em diferentes direções. BloodWork embrenha-se no mato àesquerda,comKeskorianemsuacola.LaCoreArwen’sChildcorremparaadireita, Nurax, Golor e Lelant também se dispersaram logo após os
bárbaros.Paranãoficarsozinhoparatrás,Sariusmantém-sejuntoaSapujapu.O
anão não é exatamente ágil e Sarius ainda tem a velocidade dentre seusatributos escolhidos. Eles vão floresta adentro, onde são recebidos porescuridão e ruídos ameaçadores. Sariusmantém-se colado em Sapujapu,massuaenergiaminguaacadapasso.
Seráqueéporqueeleestánonível1? Sapujapu trotavagarosa,porémincessantemente,àsuafrente.SeSariustiverdedescansar,oanãonãoiráesperar.
Eporquedeveria?Abarradeenergiadiminuicadavezmais.Sariusofega,suarespiração
acelera, ele começaa tropeçar.Se elepudesseaomenospararparapegarumar…MasSapujapumarchaadiantecomoumalocomotivaeSariusnãoquerficarparatrás.Porissoelecorre,atentandosempreparaabarraazul.E então surge uma subida, nem longa e tampouco íngreme,mas émuitopara ele. Ele simplesmente cai no chão. Seu peitoral levanta e abaixa emmovimentos respiratórios rápidos e desesperados, enquanto Sapujapudesapareceentreavegetação.
Aalgumadistânciajáépossívelouvirsonsdeluta.Vejasó,BloodWorkfoipelocaminhocertoetomaparasitodasashonras.LentamenteSariusselevanta.Elecambaleia,seudesgasteéenorme.Pelomenosagoraelesabeadireçãoe seguiráos ruídosda luta. Seaindahouvervioladoresde tumbaparaele,bom.Senão,paciência.
Cuidadosamente e procurando recuperar suas forças, Sarius avança.Pouco tempo depois aparece à sua esquerda o muro negro. Ele dá umapausa, bate coma espadanas pedras reluzentes e espera descobrirmaisumavezalgumtextoquepossaajudá-lo.
Acamadanegradomuroatésedesfaz,massobelasóhámaisnegro.Sariussegueomuro,entrandonafloresta,etentamaisumavez.Encontrapedra negra, nada mais. Um pouco frustrado, ele raspa a casca de umaárvore, fazendo com que algo saia voando de sua copa com abafadasbatidasdeasas.
Mas ao que parecia, o pássaro não era a única criatura que ele tinha
assustado.Emumarbustodistante,aapenasalgunspassosdali,as folhasse agitam. Ele vê um brilho. A espada ainda nas mãos, ele corre para omatagalegolpeiaaleatoriamente.Umgritoressoajuntocomumtilintar.
Nomomentoseguinte,umserparecidocomumkobold,comapeletãoamarela e rugosa como pergaminho, dá um salto. Em seu ombro há umforte sangramento e continua agarrado à coisa brilhosa que ele envolvecom seus braços. Sarius corre atrás dele, batendo com a espada semacertar. O gnomo deixa cair algo parecido com uma chave de prata econtinua correndo. Com o seguinte golpe de espada, Sarius causa umaferidaprofundanapernadovioladordetumba,queurraecainochãosemlargar o produto roubado. Sarius não hesita: acerta mais duas vezes okoboldatéelenãopodermais…
—Nick?… semexer. Seus braços deslizam para os lados, seu elmo rola até o
chão,umpunhalcurto,um…—Nick?Oqueéquevocêestájogandoaí?—Depoiseuteconto.… um amuleto e mais alguma coisa parecida com uma caneleira.
Apressadamente, Sarius recolhe tudo,mashaviaumacoisa amais lá, erauma…
—Énovoisso?Ondeéquevocêarrumou?—Já,já,estábem?Sómaisumminuto!Isso.Achavequeoladrãodeixoucair.Ondeelafoiparar?Saiurolando,
quedroga.Tinhaqueencontrá-la.Elevasculhaosarbustos.—Vocêjácomeu?—Queinferno,vocênãopodemedeixarumminutoempaz?Aliestáachave.Elafoipararemumtroncodeárvore.Atrásdele,ouve-
sederepenteumbarulhoassustadoramentealto.Eleviraparatrás.Erasósuamãe,quehaviabatidoaportacomforça.
6
A água fervia na cozinha em uma panela grande. Suamãe estava com ocotovelo apoiado no aparador, folheando uma revista feminina. Em seucopodevinhotintohaviaapenasmaisumgole.
—Sintomuitoporagorahápouco—Nickexaminavasuamãeportrás.Elahaviapintadode laranjaduasmechasdeseucabelonegro.ElaseramnovasenãoagradaramaNick.
—Temmacarrãocommolhopronto—disse,semselevantar.—Maisdoqueissoeunãoconsigofazerhoje.—Elabocejou.—Oqueéquevocêestavafazendoqueeuatrapalheitanto?
—Ah,nada.Sintomuito,eumecomporteicomoumidiota.—Temrazão—suamãevirou-separaeleesorriu.—Erainteressante
assim?—Sim—elesesentiuobrigadoadetalharumpoucomais.—Euganhei
hojemesmo.Umjogodeaventura.Realmentenadamal.Suamãe despejou omacarrão na água fervendo.— Espero que você
tenhafeitoalgodaescolatambém.—Comcerteza—disseNick,escondendosuaconsciênciapesadacom
umsorriso.
23h.Ozumbidoda lâmpadasobreaescrivaninha.Umcarroestacionandonuma rua próxima. E a calma exaustiva de um apartamento cheirando amolhodetomatecomalhoempó.
Após comer,Nick ainda deu uma enrolada em seu trabalho de inglês.Logo ligou o computador e iniciou o Erebos. Ele esperou por váriosminutos, tomadoporansiedade,atéqueonegrodomonitorsumisseeasletrasvermelhasaparecessem.Sópercebeuqueseguravaa respiraçãoaoexpiraraliviadoquandoojogocomeçou.
A paisagem noturna lhe é estranha. Não é a floresta onde ele matou oviolador de tumba, nem o lugar no qual ele lutou contra o troll. É umacharnecaligeiramentemontanhosa.Aquiealiseencontraumaárvore.
Ovioladordetumba!Sariuslembraqueaindanãoverificousetodosostesouros por ele recolhidos continuam em seu poder. Ele olha para suabagagemesuspirasatisfeito.Achaveestálá,oelmo,oamuleto.Oelmoelequerusaragora,masinfelizmentenãoconsegue.
Eleavançaumpoucopelacrepitantevegetaçãorasteira,maisumavezsem ter ideia do seu rumo.Desejava escutarmúsica ou vozes,mas só seouve a brisa leve noturna e… um zumbido distante. Dessa vez ele nãohesita,segueoruídoelogoencontraumrionapaisagemnoturna,comumbrilho azul-claro um tanto artificial. Sarius procura uma fogueira. Semfogueira,nadadeconversa;semconversa,nadadeinformações.Elemesmopoderiaacenderuma,afinalele temessahabilidade.Talveza luzatraíssealguém e eles poderiam conversar. Sarius está quase explodindo comtantas perguntas não respondidas. Então ele se lembra que Sapujapu sóacendeusuafogueiraapósterpermissãodoMensageirodeolhosamarelos.Melhornãoviolarasregras.
Elevagueiapormuitotempoatéacreditartervistoumaluzadistância.Suaalegriamistura-seaumdesconforto,Sariussozinhonaselvatransmiteumasensaçãodevulnerabilidade.Elepuxasuaespada,sente-seridículonomesmo instante e torna a guardá-la. Cada um de seus passos lhe parecetraiçoeiramenteruidoso.
Quando o fogo se torna visível, ele respira aliviado. A cena parecetranquila. Apenas duas figuras encontram-se sob a luz trêmula: um elfonegroeumvampiro.Elenãoconhecenenhumdosdois.
—Olá!Temlugaraíparamim?
Oelfonegro,quesechamaXohoo,afasta-seumpasso.—Claroquetem.Atémesmoparaalguémdenível1.Qualoseunome
—Sarius?Cruzes,issomelembralatim.— Nada de informações sobre omundo fora de Erebos— adverte o
vampiro,cujonomeéDrizzel.—SenãooMensageirovailhedarumanosdedostãoforte,quevocênãovaiconseguirmaissegurarnemumaespada.
Drizzel.Sariusjáouviriafalardessenome,masemqualcontextoelenãoconseguemaisselembrar.Pensativo,elefitaoriobrilhante.
—Escutem,possoperguntar-lhesalgo?Drizzelarreganhaoscaninos.—Claro.Sevocêvaiterumaresposta,vamosver.—Comoéquevocêsveemqueeusounível1,eeunãoconsigoverqual
éodevocês?ÉXohooqueresponde.—Porqueestamosmaisavançadosquevocê.Sósepodeveroníveldos
maisfracos.—Entãoquandoeuestiverno2,voupoderreconhecerosdenível1?—Isso.Finalmente uma informação útil. Satisfeito, Nick lança sua próxima
pergunta.—Comoeumetornoum2?Nãoconsigoverminhapontuaçãoemlugar
algum.Ouumabarradeprogresso.—Nãoéassimquefunciona.Vocêtemqueesperaratéqueeleacheque
vocêestámaduro.—Ele?DeXohooelenãorecebenenhumaresposta,paraasatisfaçãodeDrizzel.—Tá,agoracaleaboca!Vocêsabemuitobemquenãodevemosficarde
conversinha.—Maseunãoreveleinenhumsegredo—defende-seXohoo,enquanto
se ouvempassos ao fundo.Umabárbaraune-se aopequeno grupo. Ela ébem mais alta que Sarius, sua minissaia sobre as coxas musculosas éabsurdamente curta. Carregava sobre os ombros um machado enorme.Sariusverificaseunome:Tyrania.Muitorevelador.
— Que calmaria aqui — diz ela, como uma saudação. — Não temosnenhumamissão?
—Não,comovocêpodeperceber—respondeXohoo.—Certo,alguémafimdeumduelo?—Tyraniasacaomachadodeseu
ombro e brande um semicírculo no ar, passando bem perto do peito deSarius.
Drizzelzombadesuaproposta.—Você estámaluca?Não estamos na cidade emuitomenos emuma
arena!E,alémdisso,paraduelarcomumabárbaraeutenhoqueestarcoma cabeça tão oca quanto os da sua laia. Vá surrar um dos outrosbrutamontes,algumdiavocêsvãoverqueenergianãodáemárvo…
Oataquesurgedaságuassemavisoprévio.Aliás,éaprópriaáguaqueataca. As torrentes azuis-brilhantes formam ondas altas como torres ereproduzem figuras femininas gigantescas que se jogam em direção àmargememumúnicosalto,inundandotudoemumaluzazulirreal.
Sariussacaaespadadabainha,emborapreferissefugir.Éágua,apenaságua.
Infelizmenteseusgolpesatravessamoscorposdesuasagressorascomose fossem água. Elas são sete e demonstram uma superioridadeassustadoracomrelaçãoaTyrania,Drizzeleelepróprio.Xohoodeviatersemandado,nãohánemmaissinaldele.
Sarius ocupa-se com a menor das mulheres de água. Ele brande suaespadacontraseucorpo,buscandoalgumpontovulnerável, semsucesso.Suaarmadeslizaapenascomumleveestaloporsuaperna,suabarriga,seupeito.Maisaltodoqueisso,elenãoalcançanemcommuitoesforço.
Bom,pelomenos—pensa—nãoestamosnos ferindo.Nemeua ela,nemelaamim.
No momento seguinte, a mulher dá um grande passo em direção aSarius,não,paracimadeSarius,esedetém.Suapernaocercacomoumareluzentecolunaazuldeágua.
Ozumbidotorturanteemseuouvidosurgenovamente,penetrandoseucérebro.Elesesenteperdendosuavida.Estoumeafogando,conclui.
Deuumpassoparao lado,maisoutro.Semesforço,agiganteosegue;
eleestápresodentrodelaenãoconseguesair,pormaisfuriosamentequeelebatacomaespadaemseuredor.Tyraniatambémfoiatingida,enquantoDrizzel se protege entre as árvores. Sarius o vê desaparecer no escuro equer ir atrás dele, mas não consegue. As cinco agressoras que nãoencontraram adversários deslizam de volta para dentro da torrente, eleainda consegue ver, enquanto o alto zumbido em sua cabeça assumeproporçõesinsuportáveis.
“Magia do fogo”, considera Sarius. “Fogo contra água.” Ele precisapensarnoquefazer,elenuncafezfogo.Maséprecisoserrápido,seucintojáestáquasetodonegro.Rápido!
Ofogosibilaeemiteumanévoa.Comobarulhodeondaslançadasporumatormenta,agigantedeáguaodeixa livre,divide-seemcorrenteseénovamente assimilada pelo rio. Após alguns instantes acontece omesmocomTyrania.“Elacopiouomeutruque”,pensaSariusumpoucoofendido.
Paraseudesgostoasituaçãodelaestámuitomelhorqueasuaprópria:elanãohaviaperdidonemmetadedesuaenergia.Elemesmosópercebeagoraoquãopoucodeenergialherestaenãoarriscamaisfazerqualquermovimento. De qualquer forma, ele está paralisado pelo ruído agudo, talcomohaviaocorridonocombate.Eleprovavelmentedesapareceráquandooúltimotraçovermelhodeseucintosumir,eissonãopodiaacontecer,demaneiranenhuma.Portanto,eramelhornãocorrerriscosagora.Sariusficaparado,semsemexer.Vaisaber,talvezbasteapenasumsimplestropeçãoparamandá-loparaoalém.
Noentanto, tudoindicaquenão lheestáprevistaqualquerpausaparadescanso. Alguém se aproxima, Sarius consegue ouvir passos de cavalo.Seráapenasum,serãovários?Agoraelejásemovimenta,sacasuaespadaevai lentamente emdireção àmargemda floresta.Drizzel desapareceu aliantes, e é isso que Sarius quer fazer agora. Coragem ele não está emcondiçõesdesepermitir.Droga,seráquenãopodiatersidomaiscuidadoso?
Ele já está sob a sombra das árvores quando reconhece o cavaloencouraçadodoMensageiro.
—Sarius—eleouveumavozsussurrar.—Apareça.OMensageirolevaseucavaloatéolocalondeofogoseapagou.Osolhos
amarelossobocapuzolhamexatamenteparaoesconderijodeSarius.Eledeixa,hesitante,oabrigodasárvores.—As irmãsaquáticas incomodaramvocêsconsideravelmente—dizo
Mensageiro.—Sim.—VocêeTyraniaasenfrentaramsozinhos?—Sim.—Nãohaviamaisnenhumcombatenteperto?Sariussecala,masTyraniarespondeprontamente.—DrizzeleXohooestavamaqui,masfugiram.—Émesmo?—oMensageiro olha para a floresta na qual os dois se
salvaram. Então ele coloca amão em seu sobretudo e tira uma pequenabolsa.
—Paravocê,Tyrania. São44moedasdeouroparavocê comprarumarmamento melhor com o próximo comerciante. Se você caminharseguindo o leito do rio, logo encontrará um vilarejo. Não ligue para ohorário se já for tarde,acordeocomercianteediga-lhequeeuamandei.Paraasuasaúde,procureàsmargensdorioaservasdefolhasvermelhas.
Tyraniaagarraapressadaosacocomouroetomaseurumo.—Sarius?—oMensageiroinclina-senaselaeestendeumamãoossuda.
—Ascoisasestãoruinsparavocê.Vocêdevevircomigo.O gesto do Mensageiro causa em Sarius um grande desconforto, ele
pareceumtantoquanto…voraz.—Vocêquermeajudar?—pergunta,arrependendo-sedesuaspalavras
nomomentoseguinte.Elaspareceminfantiseingênuas.—Nósajudamosunsaosoutros—respondeoMensageiro,estendendo
suamãoumpoucomais.ComoelenãotemescolhaecomooMensageirodessavezobviamente
não está pensando em simplesmente dar-lhe um frasco de poção, Sariusagarra os dedos ossudos esticados em sua direção. OMensageiro o puxapara cima do cavalo, que bufa, vira-se sobre as patas traseiras e sai emdebandada.
Sarius já estámelhor. O ruído desapareceu e amúsicamagnífica toca
novamente.Elalhedizquetudoficarábem,nadapoderáacontecercomele.Eleéoheróidestaepopeia,tudogiraaoseuredor.EleestácontenteporterenfrentadoasgigantesdeáguaenãofugidocomoDrizzeleXohoo.
OcavalodoMensageiroérápido.Elegalopaporumatrilhanaflorestaque vai subindo lentamente. Ao lado direito, as árvores vão sendosubstituídasporgrandesrochas,escurascomoáguasuja.OMensageirosaidatrilhacomsuamontariaemdireçãoàsrochas.Aoaproximar-se,Sariusdescobre sinais cravados na pedra, mensagens que ele não conseguedecodificar.Elesparamemfrenteaumacavernaedescem.OMensageiroapontacomamãoparaaentradadacavernaeSariusentra.Ainquietaçãointernaqueeletevedesuperaraosubirnocavaloencouraçadojásefoienão torna a surgir quando ele entra na caverna espaçosa como umacatedral,naqualqualquerpassoecoamúltiplasvezes.
—Vocêcombateuextraordinariamente—dizoMensageiro.—Obrigado.Dequalquermaneira,eutentei.— É lamentável que você tenha se ferido tão gravemente. Você não
sobreviveráamaisumaluta.NãoqueSariusnãosoubessedisso.MasdamaneiracomooMensageiro
fala, parece que não há mais escapatória. Como se Sarius estivessecondenadoàmorte.Elehesitacomsuarespostaedecidefinalmentecolocá-laemformadepergunta.
—Eupenseiquenósiríamosnosajudar?— Sim. Essa foi minha sugestão. Eu acho que você não é mais um
simplesiniciante.Vocêdeveseprepararparaseusegundoritual.IssoémaisdoqueSariusesperava.Apósosegundoritualeleascenderá
aonível2,supõe.—Euocurareielhedareimaisforça,energiaeumarmamentomelhor
—prossegueoMensageiro.—Estábemparavocê?—Claro—respondeSarius.AgoradeveviraexigênciadoMensageiro,opreçoqueeleterádepagar
por isso tudo. No entanto o Mensageiro se cala, entrelaçando os dedoscompridíssimos.Eespera.
—Eoqueeupossofazerporvocê?—perguntaSarius,comoseapausa
lhefossedemasiadamentelonga.Osolhosamarelosdeseuinterlocutorseiluminam.—Umabesteirinha,maséimportante.Éumrecado.Sarius,quecontavaemterquederrotarummonstrooulutarcontraum
dragão,nãosabesedevesesentiraliviadooudecepcionado.—Fareisemproblemas.—Ficocontente.Atarefaéaseguinte:váamanhãparaTotteridge,atéa
Igreja de St. Andrew. Lá se encontra um teixo centenário. Em seusarredores você encontrará uma caixinha com a palavra “Galaris” inscritasobreela.Elaestátrancada.Vocênãoaabrirá,apenasaguardaránabolsaque você terá levado. Então se dirija à avenida que cruza a Dollis Road.Coloque a caixa dentro de um arbusto sob um dos arcos perto da rua.Esconda-ademaneiraquenenhumapessoanãoiniciadaapossaver.Entãováemborasemvirarparatrás.Vocêentendeutudo?
Sarius fita o Mensageiro sem palavras. Não, ele não entendeu nada.TotteridgeeDollisRoad?Elas estãoemLondres,nãonomundodoErebos.Nãoé?Elehesita,pensa,efinalmenteperguntaporsegurança.
—Querdizerqueeu tenhoquecumprira sua tarefaemLondres?Narealidade?
—Issomesmo.Sejaláoque“realidade”signifique.O Mensageiro o olha com expectativa, porém Sarius não tem uma
respostapreparada.Issotudoéumamaluquice.ElenãovaiencontrarcaixaalgumapertodaigrejadeSt.Andrew,comoéquepode?Eporoutrolado…ele poderia afirmar qualquer coisa. Por exemplo, que teria cumprido atarefaexatamentecomodescrito.
—Bem,eufarei.—Fico contente.Não esperemuito tempo.Nós nos veremos amanhã,
antesdomeio-dia.Atélásuatarefajátemqueestarcumprida.Sevocêmedecepcionar…
PelaprimeiravezdesdequeSariusdeparou-secomele,umsorrisoseesboçanasfeiçõesdoMensageiro.ComoseelesoubessedospensamentossecretosnacabeçadeSarius.
— Se você me decepcionar, este será nosso último encontro em
circunstânciasamistosas.Comumgestodedespedida,oMensageirodáavoltaeparte;atrásdele
a entrada da caverna se fecha. Com a fenda, desaparece também a luz.Escuridão.Tão impenetrávelqueelenão sabemais se épartedelaou sedeixoudeser.
No finalmorreremos todos. É estranhoqueamaioria das pessoas façaumestardalhaço em torno dessa questão, já que isso acontecerámais cedo oumaistarde.Otempofluicomoáguaenóssomoslevadosjunto,pormaisquetentemosnadarcontraacorrente.
Comoéreconfortantedesistirdisso.Deixarosdiasenoitescorrerem,nãomaisver,ouvirousentiroandardomundo.Viveremummundogovernadopelas próprias regras. Não mais correr atrás de inúmeros objetivos, e simperseguirapenasumúnico,rigorosamenteesempre.
Ah,sim,rigorosamente.Eunãosoumuitascoisas,maseusourigoroso.Oqueeucrioestábom;é tãomelhorquandosoueumesmo.Umadaspoucascoisas na vida da qual eu ainda consigo extrair algum sentido consiste emcriaralgoquecresçamuitoalémdesipróprio.Eelecresce.Cresce.
Agoraeupercebo.Eunãofuisinceroaodizerquemeseriaindiferenteotempopeloqualavidadaspessoasaomeuredorseestendesse.Nãoé isso.Prolongá-la não é do meu feitio, pelo contrário. Eu me sento aqui e afiominhasferramentascomasquaiseuabreviareioquedeveserabreviado.
7
Nenhuma das combinações de tecla adiantou. Com um suspiro, Nickapertou o botão reset e, para seu alívio, o computador desligou e iniciounovamente.Otempoquedemorouatéaáreadetrabalhoapareceretudopoder ser usado novamente pareceu a Nick incrivelmente longo. Ele sebalançou com os pés e deu uma olhada em seu relógio de pulso: 1h48.Aindabemqueamanhãerasábadoeelepoderiajogarsemproblemas.IssoseconseguirrodaroErebosnovamente,masiriadarcerto.Emúltimocasoelepodiaaindafazerumsegundopersonagem—essaseriaumaboaideia.Desta vez, quem sabe, um bárbaro ou um vampiro. Os bárbaros sãoinvejavelmenteresistentes.
Ele procurou na área de trabalho o ícone do Erebos, um simples Eamarelo, e clicou sobre ele. Por uma fração de segundos o cursor setransformouemumaampulheta,assumindodepoissuaformanormal.Efoitudo. Nick clicou duas vezes de novo sobre o E, tirou o DVD do drive ecolocou-onovamente…nada.
Após reiniciaro computadorduasvezes, eledesistiu.Todososoutrosprogramas funcionaram perfeitamente, só com o Erebos que nada semexeu.Droga,denovo.
Nickestavamuitoagitadoparadormir.Enquantoestavasentadoaqui,emvão, comcertezaeram travadososmaisempolgantes combatespertodo rio azul ou nomuro negro. Emesmo se não, ainda era possível ficarjuntoaofogoeconversarcomosoutros.
Masoquepareciaeraquesuacópiadojogotinhaumerrograve.
DerepenteeleselembroudeColinpedindodicasaDan,arrastando-seaosseuspése,mesmoassim,semconseguirnada.Seráquenaquelediaseujogotambémhaviatravadoirremediavelmente?
Desanimado, Nick abriu o campo minado, foi lançado três vezesconsecutivaspelosareseesbravejoudemaneirainconvenientementealta.Elejáestavaindodormir,mesmo.
OuseráqueeleiriaaindabaterpontorapidinhonositedaEmily?Não, ele simplesmente não estava no clima para isso. Não estava
relaxadoobastante.Nãoestavaromânticoobastante.Nemcuriosoobastante.
Contrastandototalmentecomseushábitos,Nickacordouàssetehorasdamanhã, com seusmembros tomadospelonervosismo, como sediantedeumaprova. Seusolhos estavamgrudadose ardiam.A ideiade levantarodeixou imediatamente cansado novamente. Por outro lado, ele nãoprecisava levantarmesmo. Pelomenos agora, não. Ele enterrou a cabeçafundo no travesseiro e tentou não pensar em nada, mas logo sesurpreendeu repetindo as teclas de atalho descobertas por ele ontemnoErebos:ctrl+f para fazer fogo,b para defender-se, espaço para pular, escparasoltar.EleseperguntouseColinestariajogandoagora.Quenada,eledevia estar dormindo. E quanto ao alter ego de Colin, Nick tinha umasuspeita.Como se chamava o elfo negro que havia se escondido durante abatalha contra os trolls? Lelant, isso. Ele permanecera durante a luta tãodistante como Colin costumava fazer quando considerava uma partida debasqueteperdida.Então ele semantinhade fora, nãomexiamaisumdedosequer.
Tudo bem, então, para Nick Colin era Lelant. Mas muito maisinteressante era saber quem se escondia atrás de BloodWork.Provavelmente alguém do tipo valentão, daqueles que com frequênciaficavamdebobeiranascaçambasdelixonopátiodaescolaeassustavamosgarotosdeonzeanos.Desses,elenãoconheciaquaseninguémpelonome.
Dan?DancertamenteeraumanãogordocomooSapujapu.Oueleteriase feitomagroebelo—comovampiro,porexemplo.Ou talvez fosseum
dos elfos negros, que para desgosto de Nick eram muitos. De qualquerforma, ele reconheceria Dan imediatamente pelos seus chavões idiotas epelasuapresunçãoeacertariaumanelecomaespada.
Nicksuspirou.Nãodavaparavoltaradormircomojogoassombrandootempo inteiro sua cabeça. Ele se espreguiçou, sentou-se e balançou aspernassobreapontadacama.
Totteridgenãoera longe.ALinhaNortepassavaporondeelemorava,dava para ir rápido até a igreja St. Andrew, só para manter as boasmaneiras.Apesardeojogonãoiniciarmaismesmo.
Para testar, Nick sentou-se diante do computador e tentoumais umavez, obtendo omesmo resultado de antes de ir dormir. Não era possívelabriroErebos.
A internet, por sorte, estava funcionando e Nick pôde encontrar empoucosminutos a localização da igreja St. Andrew noGooglemaps — e,inclusive,uma fotodo teixoque, segundodiziam, tinhaduzentosanosdeidade, sendo o ser vivomais velho de Londres. Seus galhos estavam tãoentrelaçadosque,nafoto,elesepareciacomumarbustogigantesco.
Seupai játinhaidoparaoserviçohaviaumahoraesuamãedormiriacertamenteatéasdez.Nickescovouoscabelos,prendeu-onanucaevestiucompressaaroupadeontem.Elepoderiaaproveitaraoportunidadee játrazerocafédamanhã.Muffinscomgotasdechocolate,suamãeiriaamá-loporisso.Elepegouumabolsavelhadeginástica,aenfiounobolsodoseucasaco e deixou um bilhete para suamãe sobre amesa da cozinha. “FuientregarumnegócioproColin,jávolto.”
Ele fechouaporta tão cuidadosamentequeelemesmomalouviu. Suamãenão iria ligarparaColineverificaroquehaviaescrito.E,mesmosefosse,hádiasColinnãoatendiaotelefone.
Nick desceu na Totteridge &Whetstone e precisou esperar dezminutospeloônibusqueolevariaatéaigrejaaolongodaTotteridgeLane.
Eraimpossívelnãoveroteixo.MaselenãoseencontravatãosolitáriocomoNickimaginaracombasenafotodainternet,poispelopátiodaigrejapasseavammuitaspessoas.Umcasal idoso,duasmulherescomcarrinhos
debebê,umjardineiro.ElasatéquenemprestaramqualqueratençãoemNick,mas ele se sentiu idiota procurando algo nesta árvore imensa, quecomcertezanãoestariaali.
Repentinamente ele tomou consciência do quanto aquela situação eraabsurda. Por que é que estava aqui? Porque um personagem decomputador o havia encarregado de procurar algo sob uma árvore?MeuDeus,queridículo.
Pelomenosninguémsabia.Elepoderiasimplesmentevoltarpracasaeesquecer aquilo, tomar café damanhã com suamãe e sair para dar umavoltacomJamie.Oujogarumjogodecomputadormaisamigável.
Sóquenãodavaparatirarojogo.Essemalditojogodemerda.Paraseocuparedarumarazãoaoseupasseiomatinal,Nickvagueouao
redordaigrejadeSt.Andrew.Observouaconstruçãodetijolosvermelhoscomsuasangulosasportasclarasetomouumadecisão:eraestúpidoficarzanzandoporaquisemexaminar,aindaquebrevemente,oteixo.
Lápides tortas antiquíssimasencontravam-se soba sombradaárvore.Uma atmosfera perfeita, pensou Nick. Ele tocou o poderoso tronco demaneira quase que respeitosamente. Seria preciso quatro pessoas paraabraçá-lo? Ou talvez cinco? Sem qualquer dificuldade, alguém poderiaesconder coisas dentro do tronco, também.Mas não havia nada ali, pelomenos não à primeira vista. Nick enfiou a mão em uma fenda larga namadeiraesentiuaterraquehaviasejuntadonapartededentro.Eledirigiuseuolharparaochão.Alitambémnãohavianada.Edequeoutramaneirapoderiaser?
Ele prosseguiu, curvou-se sob os galhos baixos, e alcançou a parte detrásdaárvoregigantesca.Inclinou-se.
Algocafé-claroepontudodestacava-seentreasplantasagrupadasrenteàcascadaárvore.Nickafastouosramos.
A caixa tinhamais oumenos o tamanho de um livro grosso e estavaenvolta por uma grossa fita adesiva preta nas laterais. Descrente, Nick alevantou,notousuperficialmentequeelaerapesadae limpouosresíduosdeterradoobjeto.
“Galaris”—lia-seemletrasenfáticassobreamadeirae,embaixo,uma
data:18/03.Nicklutoucontraumsentimentodeirrealidade.18demarçoeraseuaniversário.
Comabolsasobreosjoelhoseacaixadentrodela,Nickolhavafixamentepela janela do trem. Uma parte de si concentrava-se em não perder aparada certa. A outra parte, significantemente maior, tentava entenderaquilo tudo. Eram quase duas horas damanhã quando oMensageiro lhedeu amissão de procurar a caixa. Será que nessemomento ela já estavaembaixo da árvore? E mais importante que isso: como ela foi parar lá?Como assim sua data de nascimento estava nela? O que significava apalavra“Galaris”?
MaisdoquenuncaeledesejoupoderdebatersuasperguntascomColin.Com certeza ele estaria mais familiarizado com o Erebos. Será que eletambémjáfoimandadoparaoteixo?
NickdesceuemWestFinchley.Eleaindateriacercadequinzeminutosde caminhada,maspelomenospoderia irpela grama.Conhecia a região,eles costumavam passear aqui com frequência antigamente. Um paraísopara corredores e donos de cachorros. Enquanto Nick atravessava umapequena ponte sobre o Dollis Brook, tirou seu celular do bolso e discou.Antesdosegundotoque,Colinatendeu.Nickficoutãosurpresoqueporummomentoesqueceuporqueéquehavialigado.
— Escute, eu tenho o que fazer — disse Colin. — Se você só estáquerendopapear,podemosfazerissonaescola.Certo?
—Espere!EuquerialheperguntarsobreoErebos.Sobre…—Caleaboca,estábem?—Colin interrompeu.—Você leuasregras,
nãoleu?Nãoespalheinformações,nemmesmoentreseusamigos!Nãofalesobreoconteúdodojogo.Vocêéretardado,é?
PorummomentoNickficousemar.—Mas…mas…vocêlevaissoasérioassim?— Isso é sério. Guarde seus comentários para si ou você vai ser
eliminadoantesdepodercontaratétrês.Nick calou-se. A ideia de ser eliminado tinha algo realmente
desagradável.Humilhante.
—Eu…eusóestavapensando…Esquece—disse.Quando Colin respondeu, seu tom estava perceptivelmente mais
amistoso.—Sãoasregrasmesmo,cara.Eacrediteemmim,valeapenacumpri-
las.Ojogoétãolegal.Eficacadavezmelhor.AbolsacomacaixamisteriosapesavanamãodeNick.—Quebom—disse.—Entãotá…—Você ainda não está no jogo hámuito tempo— agora Colin soava
solícito.—Maslogovocêvaiver.Agorasigaasregras. Inclusiveadenãoficardetagarelice.
Nick aproveitou a mudança de humor de seu amigo para fazer umaúltimapergunta.
—Ojogojátravoualgumavezcomvocê?Colinriu.— Travou? Não. Mas eu sei o que você está querendo dizer. — Ele
abaixouavozcomosetemessequealguémpudesseouvir.—Àsvezeselesimplesmentenãoquerrodar.Eleficaesperando.Ficatestandovocê.Sabedeumacoisa,Nick?Àsvezeseuachoqueeleestávivo.
Nickdeixoupara trásos jardinzinhos coloridosàesquerdaeàdireitadocaminho. O Dollis Brook fluía lentamente ao seu lado, quase sem fazerbarulho.
“Àsvezeseuachoqueeleestávivo.”Muitoengraçado,Colin.O sol saía por entre as nuvens bem no momento em que o caminho
levavaNickatéobosque.Eleparouevirourostoparaseusraiosquentes.Ese ele procurasse um lugarzinho tranquilo no bosque e retirasse ali combastantecuidadoafitaadesivadacaixa…Apenasporumsegundo?Sóparasaberoquehaviadetãopesadoali?
Nickdeixoutrêscorredorespassareolhouaoseuredor.Agoraelenãoestava sendo vigiado. Havia até uma moça passeando com o cachorro àvista,masaindaestavalonge.
Sentindoumarrepionaespinha,Nickpegouacaixadedentrodabolsa.Ela era no máximo tão grande quanto uma caixa de charutos, mas o
conteúdo certamente não tinhanada a ver com charutos.Nick inclinou acaixinha—e,sejaláoquehouvessedentro,escorregouparaaesquerda.
Provavelmenteoobjetoerademetalenãoeraparticularmentegrande.Seconsiderássemosotempoqueeleprecisouparadeslizardeumcantodacaixaparaooutro,elenãoocuparianemmetadedorecipiente.
Paraveroqueacontecia,Nickempurrouumdedosobapontada fitaadesiva. Ela parecia terrivelmente firme. A tentativa de afastá-la iriademoraredeixarvestígios.Máideia.
Um latido furioso arrancouNickde seuspensamentos.Um labrador eumcãodecaçamarrom-clarohaviamsedeparadoaalgumadistânciadeleeobviamentenãoseacharamsimpáticos.Osrespectivosdonospuxavamacoleiracomforçaparasepararosanimais.
Nick sumiu com a caixa na bolsa e entrou no bosque, acompanhadopelosuivosdeumdoscães.
Não foi difícil achar o viaduto Dollis Brook, pois ele se elevava sobre obosqueeaflorestaeaindasustentavaostrilhosdaLinhaNorte.Umalinhade metrô que corria dezoito metros acima do chão, à luz do sol. Sob oviaduto,noentanto,estavasombrioeúmido.
“Emumdosarcospróximosàrua”,oMensageirodissera.“Próximo”eraalgo relativo. Nick escolheu a segunda das imensas colunas e afundou acaixa na grama, que crescia com altura considerável rente ao pilar depedra.Aquielapoderiaserencontrada,masninguémiriatropeçarnelaporacaso.
Satisfeito, Nick olhou ao seu redor até lembrar-se novamente daspalavrasdoMensageiro.“Vásemolharparatrás”,elehaviadito.
Porquedocontrárioaconteceriaoquê? Pensando logicamente,nada: ojogonãosabiaseecomoelehaviaconcluídosuamissão.Poroutrolado,elesabiaoseunome,oesconderijodacaixaeapalavra“Galaris”.
UmtrembradousobreacabeçadeNicknadireçãoMillsEnd.Ora,elenão precisava virar para trás mesmo. Na verdade não havia o menormotivo para isso. Excetomania de perseguição, talvez, e disso Nick comcertezanãosofria.
Eledobrouabolsadeginásticanaformadeumpacotinhoeaenfiousobseucasaco.Eentãoseafastoudali,semolharparatrás.
Jáeraláparameio-diaquandoNickchegouemcasacomumsacodepapelcomquatromuffinsrecém-comprados.Suamãejáestavanosegundocafé.
—A gente perdeu a noção do tempo conversando— sussurrouNick,dispondoosmuffinssobreumprato.Eleestavapraticamentemorrendodefome.
—Vaitambémumcafé?—Claro.Seforrápido.Suamãeocupava-secomamáquinadeexpresso,todahoraespreitando
avidamenteopratodemuffins.—Sãoaquelescomgotasdechocolate?—Sim,osdoisescurinhos.Dosdecocotireamão,elessãomeus.Suamãecolocoudiantedeleumaxícaradasbemgrandesdecappuccino
comleitevaporizado.Nick devorou seu primeiromuffin com a sensação de ter acabado de
escapardamorteporfome,eviroumetadedocaféemseguida.—EstouindohojedetardeparaotioHank,eleestáreformandoacasa.
Serialegalsevocêfosse.Seupaitevequesubstituirumcolega,entãovocêéoúnicoquealcançaotetosemescada,ealguémtemquepintá-la.
Nickestavacomabocacheia,oquelhegarantiusegundospreciosos.— Eu gostaria muito mesmo de ir — disse, colocando o máximo de
pesaremsuavoz.—Masvocêsabe,emalgunsdiaseuvouterqueentregarum trabalho de química difícil pra caramba; e voume sentirmal se nãomexernele.Eupensavaemfazê-lohoje…
Oolhardesuamãeestavadistraídoeaomesmotempoexaminador.—Vocêquerestudarquímica?Nãovaiquereriràquadraouaocinema?—Juro.Quadraecinemaestãohojeforadequestão.—Nicksorriupara
suamãe,comaconsciêncialimpacomonevefresca.Cadapalavrinhadesuaúltimafraseeraverdadeira.
8
Computador ligado. DVD dentro. Fone de ouvido na cabeça. Tensossegundosdeesperaatéqueoprogramainicie.
—Sarius—sussurraumavozfantasmagórica.Ele está na caverna onde havia se encontrado com o Mensageiro na
noite passada. Porém, ao contrário da última vez, a luz penetrava pelasparedesclaraseafiadascomocristal.Cristaldedesejos?
Sariuscurvou-separaalcançaralgoparecidocomumamoedadeouro,quandoaentradadacavernaseabriueoMensageiroentrou.EleexaminouSariuscomseusolhosamarelos.
—Vocêcumpriuminhatarefa—disse.—Cumpri.—Sóporcuriosidade:oquehaviaescritonacaixa,alémde“Galaris”?—Números...18/03.—Muitobem.Aquiestá seuarmamento.Umaarmaduraparaopeito,
umelmoeumaespadarazoável—eleapontouparaumarochaemformatodemesaencostadanaparededecristal.
AcuriosidademoveSariusatélá.Oelmopossuiumbrilhoacobreadoeéenfeitadocomumacabeçade loboexibindoosdentescunhadasobreele.Sarius está contente, o lobo éumde seus animaispreferidos. Ele veste aarmadura—9pontosdeforça!—epegaaespada,maislongaefeitadeummetalmais escuro que a antiga.Agora sim está parecendo bem diferente.Paracoroar,elecolocaseuelmodelobo.
—Vocêestásatisfeito?—perguntaoMensageiro.
Sariusconsentecomtodoseucoração.Eleagoraéum2etemumvisuallegal.
—Masaindanãoacabou.OMensageiroapertouseusobretudoemvoltadocorpomagro.—AssiméoErebos.Vocêveráqueserviçosleaisvalemapena.Diga a Nick Dunmore que ele deve garantir que nenhum não iniciado
entreaqui,eemseguidadevedirigir-seaoquintaldovizinho.Agradedeumdosdutosdeventilaçãoestásolta.Seelesoltá-laeenfiaramãonoduto,eleencontraráalgo.
Encontrar algo? Na verdade, Sarius agora não quer nenhumainterrupção,elequercomeçarlogoetestarsuanovaespada.
—Issoagora?—pergunta.—Claro.Estareiesperando.OMensageiroencostou-senaparededecristalecruzouosbraços.
Demora,nadaalémdedemora.Nick tirouos fonesdoouvido.Ele iria terque trancar o quarto, por precaução. Porque se suamãe percebesse, iriafazer perguntas. Aliás, ele tinha que passar por ela, e se ela perguntasseaondeeleestavaindo,elenãopoderiadarnenhumaexplicaçãorazoável.
Omelhoreraresolveraquilologo.Elesaiupéantepé,fechouetrancouaportabaixinhoeexaminouosruídosdoapartamento.Dacozinhasaíaavozde suamãe—ela estava ao telefone. Isso erauma sorte inesperada.Nickfoifurtivamenteatéaportadecasa,colocouotênis,agarrouabolsaejáestavadoladodefora.
Oquintaldovizinhoirradiavaumaafáveldisplicência.Háanosalguémhaviatentadoplantarfloresnominúsculoterreno,entreasquaisamaioriaestavaseca.Oquehaviasobrevividocresciademaneiraselvagem.
Havia três grades de ventilação, todas na altura do joelho. A primeiraestava firme como pedra. Nick sacudiu um pouco, nada se moveu. Eleespiou pelos furos quadrados da grade, viu apenas escuridão e sentiucheirodemofo.
Jáasegundagradefoiumacerto.ElaseencaixavafrouxanomuroemalofereceuresistênciaquandoNickpuxou.
Agora ele se perguntava o que o esperaria na abertura ali atrás.Maisuma caixa com sua data de nascimento? Mais uma tarefa? Ou de fato arecompensaqueoMensageiromencionara?
“Chocolate”, pensou Nick. “Balinhas de goma como recompensa pelaslongasnoites comoErebos.”Ele apalpoua abertura retangular, puxandosuamãologodepois.
“Covarde”,repreendeu-se.Oqueéquehá?Medoderatos?Contenha-se,issoaquiéomundoreal!
Mesmoassim,Nicksentiuumarrepioquandoenfiouamãonoburaco.Primeiro não havia nada, exceto sujeira, depois sentiu um plástico. Eleagarrou e puxou uma bolsa amarela da Selfridges, dentro da qual seencontravaalgomacio.Emumprimeiromomento,NickpensouemumtipodeuniformedoErebosquetodososjogadoresapartirdonível2poderiamusar — o que obviamente era ridículo, mas de qualquer forma maisesclarecedordoqueaquiloqueeledefatotiroudabolsa.
“HellFrozeOver”emazul,impressosobreacamisetapretae,embaixo,odiabodegelosorrindo.
Poralgunssegundostudoparou.Aquilosimplesmentenãopodiaestaracontecendo. HFO era uma coisa entre ele e seu irmão. Da camiseta sósabiamFinneelemesmo.NicknãohaviapronunciadoumapalavrasobreissocomoMensageiro,oumelhor,comninguém,dissoeletinhacerteza.Eledeuumaolhadanaetiqueta:XXL.Entãoestavadisponível.
Ele iria ligar pra Finn. Logicamente havia uma explicação,provavelmente havia sido o próprio Finnque escondera a camiseta aqui.Nicksegurouacamisetasobonariz—ela tinhacheirodecigarro,oudoapartamentodeFinn?Não,sódesabãoeumpoucodocheirodoporão.
SeriapossívelqueFinnestivessejogandoErebos?Masclaro,comonão?Àsvezesacontecemasmaisloucascasualidades.
—Onde você estava?—perguntou suamãe quando ele entrou em casa.Quebomqueeleforaespertoobastanteemesconderacamisetadentrodeseucasaco.
—Fuirapidinholáfora.Comprarchicletenabanca.
Eleatétinhaumpacoteabertonobolso,massuamãenãoquisver.Devoltaaoseuquarto,NickverificouapressadamenteseoMensageiro
continuavaemseu lugar antesdepegaro celularno criado-mudoe ligarpraFinn.
—Eaí,pequeno?Quelegalvocêligar.Oquehouve?—Finn,vocêconseguiuacamisadoHFO,né?Brevepausa.— Não, eu não lhe disse? No momento simplesmente não dá para
encontrá-la,maseuestoucorrendoatrás,tá?Nãotinhaideiaqueelafossetãoimportanteparavocê.
—Não,não,tudobem.Nãosepreocupe.Finnnãoestavamentindo,claroquenão,eporqueeledeveria?— Não fique zangado, Nickinho, tenho que ir lá, a loja está cheia de
gente.—Tudobem.Espere,maisumacoisa:vocêtemjogadoultimamenteno
computador?Jogosdeaventura?—Nadinha.Simplesmentenãotenhotempo.Éavidadeempresário!—
Finnriu,desligouedeixouNickaindamaisperplexodoquejáestavaantesdaconversa.
OMensageironãopareciaimpaciente,pelocontrário.Lentamente,comosetivesse todo o tempo domundo, ele se desencosta da parede assim queSariussemovimenta.
—Vocêachousuarecompensa?—Sim,obrigado.—Esperoqueelasejadoseugostoequeodeixefeliz.—Comcerteza.Bastante,inclusive.Possoperguntaralgo?PareciaqueoMensageiroiahesitar.—Claro.Façasuapergunta.—Comovocêsabeoqueeuquero?Nãotemcomovocêsaberdeforma
alguma.—IssoéopoderdoErebos.Fiquecontenteportê-lodoseulado.O Mensageiro abaixa a cabeça e um sorriso deforma suas feições
esguias.—Nãonosdecepcionee ele continuaráassim.E agoramedigaoque
vocêteriavontadedefazer.Vocêpodeajudaradestruirumacidadezinhadeorcs,láhaveriaumaporçãodeouroparapegar.OuvocêpodebuscarapassagemsecretaparaaCidadeBranca.Láacontecerãocombatesnaarenaamanhã.Boaoportunidadeparapassardonível2ao3.Ouatéao4.
—Podeisso?—Esepode.Naarenavemosdoqueumlutadoréfeito.Lávocêpode
ganharouperder tudo.Melhor, claro, sevocêganhar.Cristaisdedesejos,armas,status.Naúltimavez,umvampirochamadoBlackspellperdeutrêsníveisparaumoutrovampirochamadoDrizzel.Issoemumaúnicaluta.
— Pode isso? — repetiu Sarius, entusiasmado com a possibilidadesurgidarepentinamente.
—Evidentemente.AdecisãodeSariusestavatomada.Prodiabocomacidadezinhadosorcs.—VouprocuraraCidadeBranca.— Boa ideia. Só podemos esperar que você a encontre a tempo. A
inscriçãoparaaslutasterminaamanhã,quandoorelógiodatorrebaterastrês.Boasorte.
OMensageirosedespededeleacenandocomdedosossudoseSariussaidacaverna,encontrandoumacampinafloridabanhadapelosol.Maisumavezeleestátotalmentesó.
Árvoresfrondosas,arbustosfloridos.Elegiraemtornodeseupróprioeixo,mas não há em parte alguma informação sobre uma cidade branca. Paranãoficaraliàtoa,elesimplesmentesegueemfrente.Issojádeucertoumavez.
O gorjeio dos pássaros lhe dá nosnervos.Um climadepiquenique sepropaga em vez de uma atmosfera de aventura. Uma passagem secretatampoucoestáàvista.Nemmesmoummorrinhodetoupeira.
Apesardoque,percebe,háalgoalinagrama.Poderiaserumpedaçodepano,umabandeira, talvez.Eleseaproxima,curva-se, congelacomoquevê.Estendido,umtecidoencharcadodesangue.Umacamisa.
Eleouveadistânciaumbarulhocomoumrosnarcontido.Sariusdeixaacamisacairecomeçaacorrerparalongedorosnado,quenãopareceserdeumanimalnemtampoucohumano,esimumamisturapavorosadeambos.Suaenergiaagoraduramais tempo, constatasatisfeitoaosubiruma leveinclinação.
É pura casualidade ele frear pouco antes de cair emuma cratera quesurge repentinamente no cume do morro. Sarius passa o olhar nasprofundezasdeaspectoescabroso,abruptoenadaconvidativo.Atrásdeleorosnadosetornamaisaltoe,apesardetodaasuacuriosidade,elenãoquersaberquemouoqueestáproduzindoessesruídos.Algunspassosadiante,à direita, ele descobre uma escada enferrujada que não parece nem umpoucodignadeconfiança,masqueseapresentacomoumaoportunidadesedutora para escapar da criatura. Ele pensa na camisa ensanguentada ecoloca um pé no primeiro degrau. A escada range e ao mesmo tempocomeçaamúsicamagnífica, reforçandoaconvicçãodeSariusdeestarnocaminho certo. Não há nada que ele possa fazer de errado. Sem hesitarmais, ele desce pela escada, impelido pela melodia e repleto de alegriaantecipadapeloqueoesperaláembaixo.Acadadegrauqueeledesce,ficamaisescuro.Aochegaraochão,elesóconseguereconheceraquiloqueastochas nas paredes revelam com uma luz trêmula: paredes de pedragrosseiramenteesculpidas,caminhos,passagens,bifurcações.Elefoipararem um labirinto. Ele sai à própria sorte e em poucos segundos perde aorientação.
Emsualistadeobjetosnãoseencontranadaqueservisseparamarcaras paredes. Nenhum giz, nenhuma linha. Ele poderia apenas tentar fazerarranhõesnasrochas,masnempensar.Nãocomaespadanova.
Umolhar para cima lhe revela que a fenda pela qual ele desceu já seencontra distante dele. A luz do dia quase não chega até ali, mas emdistânciasirregularesestãofixadastochasnasparedes.Entreumaeoutradominamtodasasnuancesdeescuridão.
Sariussegueadiante,seuspassosecoamváriasvezes.Serãosóosseus?Elepara,oecoenfraquece.
A música o anima a prosseguir em seu caminho. Ele escolhe
aleatoriamenteaprimeirabifurcaçãoà esquerdae se arrependenahora,poisapróximatochaestáterrivelmentelonge.Eleseapressaparaalcançaraluz,massedetémlogodepois.Algobrilhanaparederochosa.Umcristaldedesejos?Ávido,Sariustentaapalpá-lo,masaoagarrá-lo,acoisacintilantesedesfazeescorrepelaparededeixandoumrastroviscoso.Enojado,Sariusafasta-se. A próxima tocha, finalmente, e atrás dela aguarda novamenteumabifurcação.Paraaesquerdaouparaadireita?
À esquerda está mais claro. Cautelosamente, ele contorna a próximaesquinasegurandoaespadafirmementenamão.Cadapassoseuecoa—sehámonstrosaquiembaixo,elesjáoouviramhámuitotempo.
Mais uma vez, Sarius alcança uma bifurcação. Algo como umainquietação apodera-se dele. Com certeza ele ainda tem tempo para seregistrar para as lutas na arena, mas aqui parece tudo igual. Rochasescuras,tochas,poçasd’água.Emaisnada.Nenhumoutrolutadoraoredor,pensa,pouquíssimoantesdetropeçaremumcorpoatrásdabifurcação.Osusto penetra nos membros de Sarius, ele dá um salto, levantando-se omaisrápidopossível,eapontaaespadaparaoobstáculoqueofezcair.
Umamulher-gato.Sariusverificaseunome:Aurora.Seucintoapresentaapenas alguns traços de vermelho, o resto está negro como carvão. Elaaindanãoestátotalmentemorta.Aotocá-la,elamexelevementesuamão.Sarius precisa de ummomento até entender o que ela quer. Ele faz umafogueira.
—Obrigada.Euestoumuitomal.Vocêpodemeajudar?—Oquefoiquepegouvocê?—Um escorpião gigante. Tem três ou quatro correndo por aí. Bichos
malditos,quandoelespicamvocê,jáera.“Escorpião gigante” não soa muito esclarecedor para os ouvidos de
Sarius.—Nóssomososúnicosaquiembaixo?— Imagina, tem gente aos montes aqui. Escuta, por acaso você pode
curar?Sarius precisa pensar umpouco. Do jeito que a Aurora foi atingida, o
ruídodeferimentodeveestarquaseinsuportável.
—Posso.Masnuncafizisso.—Droga!Eunãopossoetambémnãoseicomoéquefunciona.Deve ser parecido com fazer fogo, pensa Sarius, e começa a tentar.
Poucotempodepois,surgeumraiovermelho.OcintodeAuroraganhacor,enquantoabarradevidadeSariussereduzconsideravelmente.Comissoelenãocontava,eleprecisadecadafaíscadeenergiaparanãomorreraqui.
—Vocêpodiatermeditoisso—enfureceu-se.— O quê?— A mulher-gato já está tão recuperada que consegue se
levantarepegarsuaarma.Umchicotedenovetiras,queadequado.—Quedependedaminhaprópriabarradevidacurarvocê!—Calma.Issoseregenera.Édiferentedosferimentosdeverdade.Aindafurioso,Sariusfitaseucinto.Realmente,alialgosemove.Ocinza
setransformaemvermelho,milimetricamente.—Vocêtambémestánamissãodacidade?—Isso.Nãoestavacomvontadedelutarcomorcs.— Eu também não. Apesar de eles provavelmente serem mais
agradáveisdoqueescorpiões.Eufiqueitodaarrepiadademedo,vocênãotemideia.
Involuntariamente,SariusseperguntaseelenãoconheceAurora.ForadoErebos.
—Vocêouviuorosnadoagorahápouco?Láemcima,digo.Nomorro.—Claro—dizela.—Vocêsabequebichossãoaqueles?— Não eram bichos, e sim zumbis. Eu tive que matar dois antes de
conseguir descer a escada. Foi asqueroso, eles realmente se despedaçamquandovocêosacerta.
Sariusestáfelizpornãotervistonenhumzumbi.Comcertezaocorretoasefazereradescer,sópelamissãoemsi.Sebemque,nessemomento,eleacreditaouviralgo.Passosligeirosdemuitaspernassobreochãodurodepedra.
—Vocêéapenasum2,né?—Sim,evocê?Éoquê?Ouve-se um estrondo sobre eles, como se uma tempestade se
aproximasse.—Nãopossodizer.Vocêconheceasregras.Ospassoschegammaisperto.SeráqueAuroranãoosestavaouvindo?
Ouseráqueelesnãosignificamnada?—Vocêpodepelomenosmedizeroqueháaquialémdenós?—Issovocêvaiverdequalquerformadaquiapouco.Umaspessoasque
eu não conheço e outras que estão sempre por aí. Eu acabei de verNodhaggr,DukeeNuraxe,alémdeles,umataldeSamira,queeununcavinavida,eumvampiro.
—Samiraeuconheço—dizSariusapressadamente.—Sim,edaí?Aliás,eladeunopéquando…OescorpiãonegroquepassaportrásdeAuroracontornandoacurvaé
gigantesco, os estalos de suas pernas são impossíveis de não se ouvir.Sarius desvia-se do ferrão curvado para cima e levanta sua espada. Elepodetentarcortarforaumadaspinçasdoanimalquandoeleseaproximar.Mas a criatura não faz isso, ela permanece junto a Aurora — que apercebeutardedemais—,coloca-seemposiçãoepica.Auroracainochão.Aindahávermelhoemseucinto?Sariusnãotemtempoparaverificarenemvontade de gastar a barra de vida com a mulher-gato. Pensa ouvir umsegundo escorpião aproximando-se pelo outro lado. Ele iria alcançá-lo,entãoSariusprecisariadarmeia-volta…
Ele não pensa muito tempo e brande sua espada, acertando a pinçaesquerda.Obarulhoédemetalbatendoemmetal.Oescorpiãoafasta-seumpouco. Sarius atinge aminúscula cabeça do animal, que parte para cimadelecomaspinças,apontandooferrãoparaoar.Algogotejadapontaatéochão—sangue,venenoouambos—eformaumapoçafumegantesobreochãodepedra.
AgoraSariusmiranoferrão,quebalançaparaláeparacápertodesuacabeça.Na segunda tentativa ele acerta.O escorpião recua, vira-se e fogedali,desaparecendoemumadasescurascurvasdolabirinto.
SariuslançaumúltimoolharsobreainerteAuroraedeixaolugar.Eujáa ajudei uma vez, isso já deve estar bom. Ele observa atentamente asimediaçõesenquantocaminha.PorqueAuroranãoouviuo escorpião? Ele
tinhaumavagaideia.Elaestavaferidaequissepoupardodolorosochiado.Errograve.
Mais do que nunca ele vai ouvindo atento cada som. Não quer sersurpreendido.Enãomorrerácomoum2.
Umescorpiãoestáatrásdele.Sariuspodesentir.E,obviamente,tambémouvir. Ele certifica-se de usar todos os seus sentidos,mas alémdisso elenãotemnenhumaestratégiadecomosairincólumedolabirinto.
Porumminutoelesedetémeescuta.Nenhumbarulhodeluta.Oruídodospassosdoescorpiãoqueoperseguiatambémnãosepodemaisouvir.Preocupante. Lentamente Sarius continua seguindo o caminho para adireita até chegar a uma bifurcação. Será que é possível morrer de fomenestelabirinto?
Sarius segue seu instinto, vai para a esquerda— e vê um escorpiãogrudadonomurocomoumaaranha,cujasplacasdorsaisrefletemobrilhodatocha.Esseescorpiãoémaiorqueoúltimo.Acriaturabalançaseuferrãocomosequisessehipnotizá-lo.Antesmesmodepensar,Sariusjáestácomaespadasobreacabeça.Elenãoabrande,simplesmenteataca,mirandomaisou menos no meio do corpo encouraçado, ali onde as placas dorsais seencontram…
Ouve-seumestalohorrendo.Aespadadesapareceenterradanocorpodoanimal,quetentacomoloucoatingirSariuscomseuferrão.Maselenãoconseguesemover,aespadaestácravada firmementenele.OsbraçosdeSariustremem—imobilizaroescorpiãoémaiscansativodoquesubirumaencosta.Elenãoquernemimaginaroqueacontecerásesuaenergiaacabar.
“Morra”,pensaele,“morralogo”.Emdadomomento—Sarius pensou já haverempassado horas—os
movimentos do animal cessam, ele ficamole, e sua cauda protegida peloferrãocaiparaolado.Finalmenteelepodepuxardevoltasuaarma.Doqueelenãosedeucontafoidequeescorpiõesmortosnãotêmmaiscondiçõesde se grudarememparedes.Quandopercebe isso, équase tardedemais:elesaltaparaoladoatempodeevitarqueoanimaloenterrecaindosobreele.Oescorpiãopermaneceimóvel,apenascontraindoumapatadevezemquando.
Sariussenta-secomascostasparaaparedeefitaoescorpiãomorto.Eletenta ouvir se algum ser deste tipo se aproxima,mas até onde consegueouvir, não há nenhum som de passos. Em vez disso, a música começa atocar novamente, quase que desapercebida. Ela é nova, mas ao mesmotempo familiar, e convence Sarius de que no momento não há qualquerperigo.Elepodeexaminarseuadversárioderrotadocomcalmaedescobreque é capaz de desmantelá-lo semmuito esforço. Separar as pinças, porexemplo. Sarius as leva consigo, junto com uma parte da placa dorsal. Oferrãovenenoso,elehesita.Vaisaber,talvezsemachuquesódetocá-lo.Enão há nada que ele deseje menos no momento do que o retorno doenervantebarulhodeferimento.
Ele toca o ferrãomuito cuidadosamente, apenas na extremidademaislarga.Nadaacontece.Comtodacautela,eleosolta,colocando-o juntoaosseuspertences.
Aolevantar-senovamente,Sariusencontra,aapenasalgunspassos,umelfonegro,queele reconheceàprimeiravista:éLelant,queandou tendoque batalhar por um novo armamento. O elfo gira um mangual comespinhosdecomprimentoamedrontador.
Osdoisseexaminambrevemente.Nenhumdelesacendeumafogueira.No que depender de Sarius, ele não dará o primeiro passo. Ele ainda sesentenovato,éapenasum2.Alémdisso,háapenasumacoisaqueelequersaberdeLelant:seeleéColin.Mas issoelenão lherevelaria,mesmoqueacendessedezfogueiras.
Oescorpiãoestavaespantosoemseuestadoparcialmentedespedaçado.Sariusnãoquertocarsuapelerosa-acinzentadacomaquelebrilhoúmido.EledáalgunspassosemdireçãoaLelant,queseencontra juntoaomurocomoumasombrainerte.
Oqueeleestáesperando?SeráqueelequercontinuarjuntocomSarius?Nãoseriamal,poishámaislutasseaproximando.Tilintares,estalosegolpesmetálicosecoampeloscorredoresdolabirinto.
Sariusverificasuabarradevida.Pareceemordem;grandepartedoquea cura de Aurora lhe havia custado já se recuperou. A luta contra oescorpião ele venceu praticamente ileso, então nada como um próximo
combate.EleolhaLelantpelaúltimavez,quesedesencostoudaparedeevagueiaemdireçãoaoescorpiãosucumbido.Observa-ocomatenção.Teriaqueseabastecercomaquelasprovisõesnojentas.Oescorpiãoforneceseteunidadesdecarne,masSariusnãoquernenhumadelas.
Obarulhode luta toma toda sua atenção. Ele segue os sons, encontraumaintrigantepassageminferior,negracomocarvão,eacabachegandoaumcaminhomaislargocomparedesdeaspectoaveludado,comosefossemcobertas por mofo azul-escuro. Na bifurcação seguinte ele vira para adireita e se encontra novamente em um impasse. Maldito labirinto.Reprime sua raiva e vira na próxima oportunidade novamente para adireita. Este corredor não é iluminado nem mesmo por uma minúsculatocha.Casoespreitealiumescorpião,Sariussóiráperceberquandoelejáestivercomseuferrãoenfiadonascostas.
Mastudoindicaqueestecaminhoéocorreto.Commaisnitidezdoqueantes,eleconsegueouviraluta.Eoclacclacclacdaspernasdoescorpião.Ele dá um passo para dentro da escuridão, sentindo uma ameaçaonipresente.Sariuslevantasuaespadaegiraumavezemtornodopróprioeixo.Háalgopertodele,atrásdele?Não.
Nãoadianta:seelequerprogredir,teráquetermuitadeterminação.Eleseguraoescudorenteasieaespadaemposição;emseguidaeleentranaescuridão,tateandocadapasso.
Asparedesparecemseestreitarquantomaiseleavançapelapassagem.Bemdistante,Sariusreconheceumacentelhamínimadeluz.Éparaláquetemqueir.Comosentimentodejáterpraticamenteconseguido,eleaceleraseuspassos—ecai.Empânico,batecomaespadanonada,esperandoumataque, um ferimento, o som torturante, mas nada ocorre. Ele se erguenovamente. O pouco de luz lhemostra que ele está sozinho aqui, excetoapenaspelacoisanaqualtropeçou.
Ele se abaixa. Reconhece ossos, algumasmechas de cabelo ruivo, umarcoeduasflechasquebradas.Ocrâniopertencenteaoesqueletoroloudalieparoujuntoàparededepedra.
Será um de nós? Tanto faz, deve ir adiante. Ele lançamais um últimoolhar incomodado sobreo esqueleto, e então segueem frente, paraonde
está ficando mais claro e barulhento. Lá na frente há uma luta, o que émelhorqueinsegurançaemuitomelhordoqueaescuridãosolitária.
Aondefoipararaluz?Éimpossívelelaterdesaparecido.Comoassimeleestá novamente diante de uma parede? Ele se vira — você nunca vaiconseguirsairdaqui.Elepensanacamisaensanguentadaqueencontrounagrama. Se ele tivesse ficado lá em cima, teria lutado contra zumbis,maspelomenosestarianaluz.
Agoraalgotremulanovamente,lançandoumasombracontraaparede.Elesópercebequeéasuaprópriaaobatercontraelacomsuaespada.Oecodogolpeseperdepeloscorredoresescuros.
Obarulhodelutaestátãopertoqueosoutrosdevemestarlogoatrásdopróximo muro. Ele vai tateando a parede, contra a qual sua armaduraraspa,rangendo.Derepenteaparededesaparece,Sarius tropeçaemumaaberturaeaqui—finalmente—háumportão.Obviamentefechado.Eleoexamina,encontraumtrincoeolevanta.Forçavigorosamenteamadeiraeconsegueabrirumafrestapelaqualpenetraluzemgrandequantidade.Obarulhodelutaestámaisaltodoquenunca;pernascalçandobotaspeludaspodem ser vistas, seguidas de perto por pernas negras e ruidosas deescorpião.
Umapartedele—umagrandeparte—querfecharnovamenteoportãoe esperar até que tudo termine. Ninguém o viu, será? Além de talvez oMensageiro,quetudosabeetudovê.
Opensamentonosolhosamarelos jábasta.Sariusempurraoportãoelança-separa frente, vendo três escorpiões e seis, não, sete combatentes.Ele conhece alguém? Não há tempo para examinar melhor, um dosescorpiõesafasta-sedeseuadversário,correndoemsuadireção.
Ele recua e certifica-se de que sua espada aponta na direção de seuagressor.Seuferrãoestálevantado,balançandoparaosladosàprocuradeum alvo. Sarius ataca, e atinge lateralmente o corpo do escorpião, querange. A segunda pancada é direcionada contra o ferrão venenoso; issoafugentara o primeiro escorpião, mas esse não. Talvez Sarius não tenhaatingidoemcheio.Oescorpiãoafasta-seapenasumpouco,retornandoaoataquecomodobrodavelocidade.
Sarius saltapara adireita, e o ferrãopassapor ele sem tocá-lo.Entãoaproveita a oportunidade e o acerta mais uma vez com sua espada.Finalmenteacriaturacambaleia.Comumpoucodesorte,Sariusconseguiráperfurá-lo, como o exemplar na parede agora há pouco. Com umaproximidade apavorante, uma das afiadas pinças sibila por ele, que seencolhe já aguardando o terrível som, mas o escorpião erra o alvo. Umgolpecomaarma,eacouraçacede.OanimalviraparaadireitaeSariusvaiatrás,mirandooabdomedesprotegido.Namosca.Repentinamentechegaalguémaoseulado,atacandooescorpiãocomsuaalabarda.
Pormais que Sarius tenha desejado companhia agora há pouco, ela oincomodounaquelemomento.Éumaestúpidaelfonegraquevematéaquiseintrometeremseusassuntos,justoagoraqueapartedifícilfoiresolvidaeorestoeraapenasumpasseionoparque.Suacompanheiranãocede.Aarmadaelfodevesermaisfortequeasua,poisbastamtrêspancadaseoescorpiãojazinertenochão.
Sarius está furioso por dentro. Sua espada está besuntada commucocinza, que ele gostaria de misturar com o sangue da elfo negra quesimplesmente se meteu em seu combate e encarregou-se da parte fácil.Como se ele precisasse de ajuda. Como se ele não tivesse conseguidosozinho.
Ele verifica seunome.Feniel, aha.Vaca.Oque ela está fazendoagora?Irrompendo sobre o escorpião e transformando-o em carne moída. AocontráriodeSariusaindahápouco,elanãovisounemoferrãoetampoucoas pinças, mas revirou vigorosamente todo o cadáver à procura do queretirardeaproveitável.Queloucura.
“Vitória”,umavozsussurranoouvidodeSarius.Elesevira.Abatalhaestá concluída, mas os outros lutadores do Erebos continuam bastanteatarefados.AssimcomoFeniel,elesdesmantelamosescorpiõesmortosempartes menores, e Sarius tem a sensação de que pode estar perdendoalgumacoisa.
Aoouvirocavalgar,elejásabeoqueestáparaacontecer.Nomomentoseguinte,ocavaloencouraçadodoMensageiroaproxima-secomseutrote;seucavaleiroossaúdacomamão.
— Vocês fizeram um bom trabalho e receberão mais uma vez suarecompensa.AchoquecomeçareicomDrizzel.
O vampiro, que continua comasmãos enfiadasna área abdominal doescorpião, levanta-se. Sarius se esforça para não imaginar o que escorriadasmãosdeDrizzel.
Vocêcombateumuitobem,masnãofoiexcelente.Eutedouumescudonovo.Tambémmuitobom.Nãoexcelente.
Drizzelrecebeoescudocomsuasmãospegajosasejogaseuantigoemumdoscorredoresdolabirinto,fazendo-otilintar.
—Feniel.AelfonegrapassanafrentedeSarius.— Vejo com alegria que não se ocupa com falsos escrúpulos e pega
aquilo que você quer ter. Portanto, você deve fazer o mesmo com seuarmamento.Aquitem50peçasdeouro.Decidavocêmesmooquecomprarcomisso.
Sarius tem que reunir todo seu autocontrole para não acertar Fenielcomaespada.Elaotiroudoseucaminhoeérecompensadaporisso.Queultraje.
—Sarius.Ele dá um passo adiante.Eu fui omáximo, vamos, admita. Muito bom
paraum2,cara.— Você se saiu muito bem na luta. Receba meus elogios. Mas você
chegoumuitotardeenãofoivocêmesmoquemmatouoescorpião.Apesardisso eu gostaria de recompensá-lo. Reforçarei seu poder de cura. Agorapodedaraosoutrosmaisdesuaforça.
Sarius ficou um pouco incomodado que isso fosse tudo. Isso é tudo?SariusfitaoMensageirosemacreditar.Querecompensaéessa?Quandoelecura,prejudicaasimesmo—eagoraeleseprejudicariaaindamais?Elenãoqueracionaressamagiaestúpidanuncamais,elenãoémaluco.
—Blackspell—oMensageirochamaopróximo.Umvampiro,porquemelesedesmanchaemelogios,eaquementrega
umaespadavermelhovivoetransparentecomovinhotinto.DeumadessasSarius também gostaria. Mas não, ele só recebe um novo e maravilhoso
poderdecuraefortalecimento,incrível.Porqueéqueeleestátãofurioso?Tambémestá furiosocomNurax,o
lobisomem,aquemoMensageiroestáentregandoumparespecialdebotasdeenergia,ecomGrotok,oprimeirohumanoqueeleencontranoErebosequerecebealgunspergaminhos.
Assim como Nurax, Sarius conhece a próxima a ser recompensada:Arwen’sChild.Elaestá levemente ferida;éabastecidacomumapoçãodecurae10moedasdeouro.Tudo issoémelhorqueaporcariaqueSariusrecebeu.
—Gagnar!—chamaoMensageiro.Umhomemlagarto,esfarrapadoegravementeferido,saidetrásdeum
escorpiãomortoerastejaatéafrente.—Foiporpouco,Gagnar.Sevocêficaraqui,vaimorrer.Venhacomigo.Gagnar tenta levantar-se. Sobre seu colete rasgado e seu capuz
manchado,Sariusreconhecenitidamenteonúmero1.Estavagravadocomose a ferro sobre o tecido. Sarius não consegue tirar os olhos de Gagnar.Finalmente alguémmais perdido que ele. O homem lagarto é ajudado asubirnocavalo.
— Vocês têm a permissão de acender uma fogueira — informa oMensageiroesaicavalgando.
A fogueiradeSarius já está acesa antesmesmoquealgumdosoutrosreaja. Arwen’s Child e Blackspell aproximam-se lentamente; os outros seviraramparaascarcaçaseasreviram.
—Oqueéqueelesestãoprocurando?—Sariusiniciaaconversa.Blackspell cala-se, mas Arwen’s Child lhe dá a informação
prestativamente.—Cristaisdedesejos,claro.—Nosescorpiõesmortos?Sarius fica atônito. Ali seria o último lugar onde ele procuraria. Isso
explica o esforço que Drizzel e companhia empregam. Sarius está quasetentadoajuntar-seaeles.
—Vocêjáencontroualgum?—perguntaeleàelfonegra.—Porenquantonão.Elessãorealmenteraroseacoisamaisvaliosaque
você pode conseguir aqui. Uma vez eu estava perto quando BloodWorktirouumdeumaaranhagigante.Eraumazul.SeiláoqueéqueoBloodfezcomaquilo.
Pensativo, Sarius olha as labaredas bruxuleantes da fogueira. Quandomesmo que amúsica voltou? Ele não percebeu,mas agora ela está ali, oanimando.Jápoderiaseentregaraopróximocombatedetãofortequesesentia,edessaveznãoseriaempurradoporFeniel.
—Evocêsabeoqueexatamentepode-sefazercomoscristais?Arwen’sChilddemorapararesponder.—Constaqueelespodemrealizarseusmaioresdesejos—excetotalvez
ressuscitarmortos.ElestambémolevamatéoCírculoInterno.—Oque é isso, oCírculo Interno?—pergunta Sarius. Sua ignorância
não lhedeixanemumpoucoembaraçado,graçasàmúsica.Cadanota fazcomqueelesesintacomoumrei.Vocêaquiéapessoaprincipal,osoutrossãoapenasacessórios.
No entanto, ele não recebe uma resposta, pois Blackspell agora seinfiltranaconversa.
—Descubravocêmesmo.Nóstambémtivemosquefazerisso.—Tudobem.Foisóumapergunta.DrizzeleNuraxsederamporvencidos,deixamoscorposdosescorpiões
evêmparaofogo.— Vocês poderiam ao menos se limpar, estão uma nojeira — diz
Arwen’sChild,afastando-sedeles.Drizzelnãolhedáamínima.—Mashein,Sarius.Eupenseiquevocêjátivessemorrido.Asmulheres
gigantesazuislánorionãocolocaramvocênocaixote,não?—Comovocêpodever…—Efoiummassacreviolento?—Sevocênãotivessefugido,saberia.—Umtantoquantoatrevidinhoparaum2.Sariussecala.Osoutrospodemverseunível,maselenãovêodeles.De
repente,sesentiuindefeso.—Deixe-o empaz, senão vou te contar umas coisinhas que sei sobre
você—interrompeArwen’sChild.—Podecontar.VocêsabemuitobemqueoMensageiroadorasabichões
—retrucaDrizzel.Neste momento, Lelant aparece na curva. Detém-se abruptamente e
saca,velozcomoumraio,seumangualdocinto.—Ah,droga,umainvasãodeelfos—resmungaBlackspell.—Caleaboca—revidaSarius.Lelantéumdosqueelemaisgostaaqui.Euseiquemévocê,cara. Com
um gesto convidativo, ele chega um pouco para o lado para que Lelantsente-se juntoaele.Maselenãoparecequerer.Elemantémdistânciadofogo. Então, ele vê Feniel e Grotok, ainda ocupados com os escorpiõesmortos, dá um passo em direção a eles,mas volta,mudando de opinião.Finalmente,elevaiatéofogo,masficaomaisdistantepossíveldeSarius.
—Olá,Lelant—osaúdaSarius.— Aqueles dois lá atrás estão procurando cristais de desejos? —
perguntaLelant,emvezderetribuirasaudação.— Claro — diz Blackspell. — Mas estão sem sorte. Dentro dessas
criaturasnãotemnada.—Ih,queazar,hein.Comigonãofoibemassim.—Lelantpõeamãoem
seubolsoetiraumcristalqueirradialuzverde.—Incrível,né?—Deondesaiuisso?—perguntaArwen’sChild.—Nãointeressa.Sariusfitaapedrabrilhanteesentequecomeçaaseenfurecer.Elenão
precisaperguntar qual a origemdo cristal. Aquele era seu escorpião, suapresa, que ele deixou para Lelant e este tirou proveito. Isso erasimplesmentepodre.
—Estáclaroqueapedranaverdademepertence,né?—Nãoseiporquê.—Porqueeumateioescorpiãocomminhasprópriasmãos,porisso.Se
vocêforhonesto,passeeleparacá.—Vaisonhando.Vocêachaqueeucomicocô?Sariusnãoconseguepensar tão rápidoquanto saca suaespada.Agora
ele está lá, parado, transtornado. Na verdade ele não quer atacar Lelant,
querapenasocristalquelhecabe.Sevocêsoubessequemeusou,medarialogo.
—Opa,opa,nadadeduelosforadascidades!—gritaDrizzel.—Ai,quemedo!O2querpartirparacimademim!—ironizaLelant.—
UmgolpedeespadaeoMensageirocolocavocênoxilindró.Váemfrente.Faça-meessefavor.
Pormera formalidade, Sariusmantéma espadamais alguns segundosapontadapara o peito de Lelant antes de guardá-la; secretamente estavafelizporter-selivradodaluta.
—Vocêsabemuitobemqueapedranãopertenceavocê.—Comoassim?Eutenhoculpasevocêsimplesmentefugiu,levandosó
o ferrão e as pinças? Gente, vocês deviam ter visto aquilo. Ele cortou aspinçasdacriaturae lotousua listade itenscomaquilo.Oqueéquevocêpretendecomisso?Fazerartesanato?
Sarius encara Lelant. O rosto marrom-escuro, o cabelo curtíssimo, osolhosnegrosbrilhantes.Vocêvaimepagar,seubabaca.
—Entãofiquecomele.Vocêéumcovarde.—Masumcovardecomumcristaldedesejos.Alguémaquijásabeem
qualdireçãoficaacidade?—Pergunteaoseucristaldedesejos—caçoaSarius.—Oufaçaalgum
esforço,sóparavariarumpouco.Ele não espera a resposta de Lelant, e dá as costas para o fogo,
marchando para dentro do primeiro corredor do labirinto. Ele preferecontinuarsozinhodoqueficarrodeadoporaquelesidiotas.
Eleestevetãopertodeencontrarumcristaldedesejos,tãoperto!Noscorredorescontinuaescuro,masopensamentonomalditoLelantoimpeleaseguir.Sealgumescorpiãoagoraatravessarseucaminho,Sariusfarádelepurê. Adiante, adiante. Ele ainda tem muito tempo para alcançar seuobjetivoedeixaráosoutrosparatrás;essaeraasuadecisão.
Para seu azar, todos os corredores parecem novamente iguais. Nadaaponta para a Cidade Branca. Não encontra ninguém, ninguém o ataca.Apósumtempoaparentementeinterminável,elepara.Suaraivadiminuiu,transformando-seemumgrãozinhobrilhanteemseuinterior.
Eagora? Ele poderia se esbofetear por sua precipitação.Por que pelomenosnãopediuaArwen’sChildqueviesse junto? Ela estavado seu lado,não devia tê-la deixado ficar com os outros. Agora eles poderiam estarfazendoumafogueira.Agoraelenãoestariasozinho.
Mais uma vez Sarius tenta orientar-se. Tem que haver alguma dica.Talvezpedrinhasbrancasnaentradaexataoubatidasdesinoacadahoracompleta. Ele apura seus ouvidos. Espia em todas as direções. Prestaatençãoemcadabifurcação.Eali,noterceirocruzamento,eleouvealgumacoisa;nãosãosinos,esimumchiado.Bembaixo,masjáéumapista.Algoquesepossairatrás.
OchiadovaificandomaisnítidoquantomaisSariusosegue.Suacautelaele deixa de lado, algo lhe diz que não há perigos. Detém-se por ummomentoparaentenderdeondeestátirandoessasegurança.Éamúsica,reconhece.Sutilediscretamenteelamudousuapersonalidade;ela lhedáconfiançaenãolhedeixadúvidasdequeestánocaminhocorreto.
Após alguns minutos, Sarius descobre a origem do chiado: um riosubterrâneo cuja água parece quase negra na luz escassa das tochas,revelando-se,porém,vermelho-sanguedeperto.
InvoluntariamentevêmimagenstenebrosasàcabeçadeSarius:camposde batalhas, corpos fatiados amontoados, sacrifícios. Pois de algum lugaraquelesanguedevevir.
Seéqueistoésangue!Nãosepodemesmodizercomtantaprecisão.Acordaáguapoderiateralgoavercomaspedrasnoleitodorio…masissonão importava. De qualquer forma, Sarius não iria beber aquilo mesmo,aindaqueumrefrescolhecaíssebastantebem.
Eleseencostanabeiradadepedra,renteàágua,quefluiregulareretacomo se corresse por um canal. Cidades são construídas normalmentejuntoarios,portantoeleiráseguiresteaquicomoumfiocondutor.Masrioacimaourioabaixo?Eleexaminaasimediaçõesprocurandoporpistas,masnãoencontranadaedecideirrioacima.
Poucotempodepoisficamaisclaro—cestasdefogoàsmargensdorioiluminamocaminhoemintervalosregulares.Parecebrincadeiradecriança.Sariuscorre,corremaisrápidoe,aodescobrirumalargaescadasubindo,
eleprecisapararpornãoterprestadoatençãoemsuaenergia.Recuperaofôlegoe iniciaasubida;amúsicaaoseuredoréum júbilo,ea luzdodiairradiaemsuadireção.
Avistaqueseabrequandoelefinalmentechegaaoaltoéesplendorosa.Muros, torresearcadasdemármorebrancobrilhamsoba luzdosol;atémesmoaruaqueconduzàcidadereluzcomomarfim.
Sariusnãotemmaispressa.Acidadepareceesperarapenasporele.Eleseregozijacomaquelavisãoecaminhalentamenteemsuadireção.
Aoentrar,osquatroguardasnoportãoosaúdamabaixandosuaslanças,uma fanfarra ressoa e o arauto barrigudo no alto dos muros da cidadeproclamaaúltimanotícia:“Sariuschegou.Sarius,cavaleiro,pertencenteaoclãdoselfosnegros,adentraaCidadeBranca.”
9
—Quermaisarroz?—AmãedeNickacenavaocolherãosobreoprato.—Não,obrigado.—Nãogostou?Vocêestáremexendoacarnedeumjeitotãoestranho.Foi difícil para Nick concentrar-se nas palavras de sua mãe. Sarius
acabaradereceberumquartoemumatavernanaCidadeBrancaeodonolhehaviaordenadotrêshorasdedescanso.Edepoisdisso,telapreta,maisumavez.
—Escute,menino,suamãelhefezumapergunta.—Sim,pai,desculpa.Não,estámuitogostoso,équeeuestouumpouco
cansado.Seupaitomouumgoledecervejaefranziuatesta.—Masvocêhojenemescolateve!—Não,maseleestavaestudandoquímica—suamãeinterrompeupara
ajudá-lo.—Fiquecontentequeelelevaaescolaasério.Ontemeufaleicomasra.Falkner;o filhodelanãoparaemcasaenaescoladizemqueelesóarrumaproblemas…
Os pensamentos de Nick se perderam mais uma vez. Ele não estavaregistradoparaaslutasnaarena.Esequersabiaaondedeveriairparaisso.E seelenãoacharo local certoou sehouver tarefaspara realizarantes?Então teria muito pouco tempo. Mas agora faltava apenas uma horinhaparaelecumprirotempodedescanso.Suamãeiriaadormecernafrentedatelevisãoeseupaiiriaaobarparaumaterceiracerveja.Teriasidomelhorse Sarius tivesse podido tirar sua pausa mais tarde— após meia-noite,
quandoNickjáestivessecansado.Eleseperguntavaseosoutrosjáteriamachadooriovermelhoousecontinuavamvagandopelolabirinto.
Eleesfregouosolhos,queardiam.OtaberneirohaviacontadoaSariussobre os brilhantes armeiros da CidadeBranca, enquanto examinava seuarmamento.MasSariusnãotinhanemdinheiroetampoucoumcristaldedesejos.Elesequersabiacomoiriapagarpeloquartonataverna,maseletinhaquepegarum.OrdensenviadasporcartapeloMensageiro.
Maldito Lelant. Segunda-feira ele iria se entender com Colin, aquelepilantra.
—…jáparaapróximasemana?Osilênciorepentinoqueseseguiuaessapergunta fezNicksuporque
elahaviasidodirecionadaaele.—Eh,desculpa,vocêpoderepetir?—Eupergunteiseseutrabalhodequímicajáéparaapróximasemana.
MeuDeus,Nick,oqueestáhavendocomvocê?Abarrigaconsideráveldeseupaibateucontraabordadamesaquando
elesecurvouparafrente,furioso.— Eu não acho nada bom o jeito como você se abstém da nossa
conversa.Atéporqueeladizrespeitoavocê.—Ahsim,sintomuito.—Nãohouvenenhumaperguntacomoporquê,
paraquê,comoassim.—Oprazoparaentregaénapróximasemana,maseuachoqueestátudosobcontrole.Comofoiotrabalhohoje?
Perguntar ao seu pai sobre o trabalho era um investimento seguro.Invariavelmente havia algo para relatar. Hoje era um paciente que haviadado cinco libras ao enfermeiroDunmorepara que ele lhe trouxesse umlanchedabarracaaliperto.
—Eolhaqueeleestavacomocolesterolnasalturas—explicouseupai,pegandomaisdoensopadodegalinha.—Agenteachaque láelesvãosedar conta de que elesmesmos são os culpados por estarem no hospital,masquenada.
Nicksorriuautomaticamente,desejandovoltarparaaCidadeBranca.—Possomelevantar?—Claro—dissesuamãe.
—Mas antes ajude suamãe coma louça— resmungou seupai entreduasmordidas.
Nickretirouamesacomavelocidadedeumraio,colocoupratosecoposapressadamentenolava-louçaesubiucorrendoasescadasparaseuquarto.Contrasuaprópriaconvicção,eletentouiniciaro jogoe,obviamente,nãodeucerto.
Sobravam45minutos,queelepodiausarparaestudarquímica.Elesearrepiavatodosódepensarnaquilo.Vamos,convencia-se.Olhepelomenosalgumasfórmulas.
Exatamentenomomentoemqueabriuolivroelutavacontraumaondademauhumorqueoassolava,seupaiirrompeuemseuquarto.
—Euesqueci completamentedeperguntar sevocêamanhã… ih, vocêestáestudandomesmo!
—Ah,sim.—Difícil?—Podetercertezaquesim.Seu pai chegou atrás dele e espiou o livro; estava tomado por um
interessebenevolentequeemalgunssegundossedissipou,dandolugaraumasensaçãodeimpotênciapaterna.
—Ai,meuDeus!Agoraeurealmentenãopossomaispegarvocênocolo,Nick.
—Tudobem,pai.Vocênãoprecisameajudar,não.Euestoumevirandoaqui.
Seupaicolocouamãosobreseuombro.— Sinto muito por tê-lo interrompido. Eu estou muito orgulhoso de
você,sabia?Pelomenosumdosmeusgarotosvaiseralgumacoisanavida.Nickconteveoimpulsodeafastaramãodeseupaiemordeuoslábios.
Poucodepoiselesentiuopesosobreseuombroserretirado.—Voudarumapassadanopub.Nãofiqueestudandopormuitotempo,
Nick.Aportabateu.Mais 43minutos. Ele esfregou o rosto com as duasmãos antes de se
debruçarsobreseulivroeencararasfórmulas.Seelepudessepelomenos
encontrar as primeiras frases para seu trabalho, já estaria bompor hoje.Nickfechouosolhoserepetiuoquehaviaacabadodeler.Penanãohavercristais de desejos na vida real; ele bem que poderia tê-los usado paraquímica.JamaisconseguiriaumAemquímica,nunca.
Ele pegou uma folha de papel e escreveu o título sobre ela: AIdentificaçãodeAminoácidosatravésdaCromatografiadeCamadaFina.
Bom, o início já estava feito. Agora ele precisava de uma introdução.Apesardequenãovaliaapenaestudardestejeito.Seforparaescrever,queseja direito. Combastante tempo, de preferência amanhã, após o café damanhã.NestehorárionãoestariampasseandoescorpiõesporseucérebroesuafúriacomColinjáteriasedissipado.
Nickdeuumaúltimaolhadaemseu livroeentão ligouocomputador.SurfouporcostumenapáginadeEmilynodeviantART,ondenãohavianadanovo.Porpoucotemposurgiuneleumasensaçãodedecepçãoeentãoeleteveumaideia.Comoassimaindanãopensaranisso?EleabriuoGoogleedigitou “Erebos” no campo de busca. Teria que haver uma página daempresa do software, um fórum, ou talvez até uma atualização para serbaixada.Dicas,macetes,essascoisastodas.
No primeiro resultado da busca, Nick encontrou um verbete doWikipedia.Ah,entãoojogoerafamoso.Eleclicousobreolinkeleu:
Érebo(’Éρεβος,dogregoἒρεβος“escuro”)é,namitologiagrega,odeusdastrevaseasuapersonificação.Ele foi gerado, conformeopoetaHesíodo, porCaos junto comGaia,Nix,TártaroeEros.SegundoHesíodo,noprincípiohaviaoCaos(ovazioprimordial),doqualemergiuanegraescuridãodasprofundezas,Érebo.NixeÉreboseunirameoriginaram,alémdoSonoedosSonhos,osmalesdomundo:aMorteembatalha,aVelhice,aMorte,aDiscórdia,oEscárnio,aAngústiaeMiséria,aNêmesis,asMoiras,asHespérides,quenesteponto parecem aspectos ameaçadores da deusa da noite, mas representam também aalegria,aamizade(Filotes)eacompaixão.
Deacordocomalgumaslendas,Éreboeraumapartedosubmundo.Eleeraolugarpeloqual os mortos deviam passar imediatamente após suas mortes. Érebo foi utilizadofrequentementecomosinônimodeHades,odeusgregodosubmundo.
Nick leu o texto duas vezes e o fechou. Aquilo poderia até ser beminteressanteparaquemseinteressassepordeusesgregos,masparaeleera
inútil.Nemumapistinhasequer.Ele continuou procurando. Apenas links sobremitologia grega; alguns
sobreumabandadeDeathMetal.FoiapenasoúltimoresultadodapáginaquearrancoudeNickumdiscretogritodevitória:“Erebos,ojogo”,dizia.Emaisnada.Tomadoporansiedade,Nick clicousobreo link.Demorouummomento até que a página carregasse. Letras vermelhas sobre um fundonegro:
“Nãoéumaboaideia,Sarius.”Porquenão?,eleestevetentadoaperguntaremumprimeiromomento,
então ele percebeu as dimensões daquela situação, fechou a janela e onavegador—comosequisesse impedir a entradadealguém.Aquilonãoerareal,eleseconvencera.Nãoerapossívelqueaprópriainternetfalassecomele.Talvezdevesseacessarapáginamaisumavezparaconfirmarqueelehaviaseenganado.Comcertezaquesim…
SeucelulartocoueocoraçãodeNickporpouconãoparou.Seráquenãodeveria ter fechado a página? “Jamie”, ele leu no visor do aparelho erespiroualiviado.
—Eaí!Estouincomodandovocê?Vocêpareceagitado.—Não,não.Tudobem.—Quebom.Escuta,vocêtáafimdeirpasseardebicicletaamanhãpelo
campo?Háanosquenãofazemosissoeparecequeotempoestarábom.Nickdemorouummomentoparapensaremumadesculpaapropriada.— É realmente uma ótima ideia,mas estou fazendomeu trabalho de
química.Eu tenhoqueentregaralgo razoáveldequalquermaneiraenãoqueromearriscar.
— Ah— Jamie soa desapontado.—Mas sabe de uma coisa? Eu vouajudá-lo.Passeaquiemcasaamanhãenóspesquisamosjuntosnainternet,comcertezaassimvocêvaiterminarissorápido!
Droga.—Nãosei…achoqueeuconsigomeconcentrarmelhorsozinho.Eisso…
bom,tambéméimportante.Nickapertouosolhos.MeuDeus,quementiraqueistoestáparecendo.E
deslavada, ainda por cima. Do outro lado da linha domina um silêncio
perplexo;aofundoNickpôdeouvirochiadodatelevisão.—Está falandosério?—perguntou Jamieapósumapausamais longa
queonormal.—Atépoucotempovocêpensavademaneirabemdiferente.Pelomenosagentesempre…ah,jáentendi!—Jamiecaiunagargalhada.—Nick, meu velho, por que é que você não fala logo? Você marcou umencontroeestácommedoqueoteuamigoJamieaquicaçoedevocêparasempre,seadmitir.
—Nãofalebesteira!—Ah,vamos,está tudobem.Divirta-seeconte-me tudodireitinhona
segunda-feira.Antesdopróximo fimdesemanaeu jávou ter chegadonaDarleen.Aívamossairdenoitenósquatro?
—Darleen?—perguntaNickcontraavontade,poréminteressado.—Isso,aloirabonitinhadaorquestradaescola.Umanomaisnovaque
agente,tocaclarinete,gostadeusarsainhasjeans.Darleen.Lembrou?—Mais oumenos. Escute, eu tenho que desligar.Minhamãe estáme
chamando.—AmentirasaiusemqualquerproblemapeloslábiosdeNick,poisorelógiodeseucomputadormostravacincominutosparaasnove.Embreveelepoderiarecomeçarojogo.
Oquartoémodestoetemapenasumajanelaminúsculaquenãopodeseraberta.AcamaestalaacadamovimentodeSarius,fazendo-otemerqueelalogováabaixoeotaberneiroacoloqueemsuaconta.
Suaenergiaesuasaúdenãodeixamnadaadesejar,constatasatisfeito.Apausalhefezbem.
Aoaproximar-sedaporta,elepercebequenãoestásozinhonocômodo.Umgnomo, tãoencardidoquantoaparededoquarto,estásentadosobreumbanquinhoabraçandoojoelholevantado.
—Ei,Sarius,ei!—grasnaele,sorrindo.—Tenhonotíciasparavocê.DoMensageiro.Eusou,decertomodo,umMensageirodoMensageiro.
Sariusexaminaseuvisitantedecimaparabaixo:seurostoreluzdetantaalegria;mesmoassim,Sariusnãopressentecoisaboa.
—Meuchefenãoestánadasatisfeitocomsuacuriosidade—começaognomo.—Achoquevocêentendedoqueestou falando.Logicamenteele
compreende que você queira saber mais sobre o Erebos, mas ele nãoapreciaquevocêprocureinformaçõespelascostasdele.
O gnomo cutuca entre os dentes com uma de suas longas unhas,encontraalgoesverdeadoeoexaminaminuciosamente.
—Noentanto,eleestádispostoarespondersuasperguntas.Eadivinha,eletambémtemperguntasafazerparavocê!
Com certo nojo, Sarius observa seu interlocutor enfiar o grumoesverdeadodevoltaemsuabocaemastigá-lo.
—Queperguntas?— Ah, coisa simples. Por exemplo: Nick Dunmore conhece alguém
chamadoRashidSaleh?Sarius fica perplexo. Comoassim? Por outro lado, se as perguntas do
Mensageirocontinuaremfáceisassim,elepodeconsiderar-secomsorte.—Sim,Nickoconhece.—Ótimo.ENicksabetambémoqueRashidmaisgostadefazer?Issoerafácil.—Elegostadeandardeskate,ouvirhip-hopecurteStephenKing.Ognomoacenaacabeçasatisfeito,aindamastigando.—Nickestábeminformado,então.Seráqueeleporacasotambémsabe
oqueRashidteme?Não,ecomoelesaberiadisso?Apesardequealgochamousuaatenção
umavez:Rashid tinhamedode altura.Umdia a turma inteira foi para oLondonEye,a roda-gigante juntoaoTâmisa,eRashidaté subiu junto,maspálidocomoaneve.Quasequevomitoudepois.
—Elenãogostadealtura.Evitatorres,mirantes,essascoisas.Ognomoestalaalíngua.— Issobate comoque acabamosdedescobrir.Obrigado, Sarius.Meu
senhor estará inclinado a perdoar sua curiosidade excessiva. Agora eurevelareialgoavocêpararetribuir.
ElesecurvaumpoucoparafrenteepiscaparaSariuscomconfidência.— A lista de participantes para as lutas na arena você encontra na
tavernadeÁtropos.Transmita-lheminhassaudações.Eledescedobanquinho,inclina-sedemaneiraexageradamenteeducada
eparte.Sariuscolocaseuelmoependuraoescudonascostas.Quandoelejá está a caminho da porta, lhe ocorre algo: o gnomo não respondeunenhumaperguntadele.Sariussequerfezuma.
As ruas estão, apesar do horário já tarde, muito movimentadas. Sariusmantém-senasviaslargaseevitaastravessaslateraisquelhelembramoscorredoresdo labirinto.Aquiencontram-seacadaesquinacestasde fogoque tingem de dourado osmuros cremes das casas. Vez ou outra Sariusdepara-secomoutrosguerreiros;algunsdeleseleconhece:Sapujapu,porexemplo, e LaCor. Ele gostaria de saber se Drizzel, Blackspell e Lelant jáencontraram o caminho até aqui.Provavelmente sim. Eles não podem terdemorado tanto para achar o rio vermelho. Talvez eles tenham sidoeliminadosporumaoutrahordadeescorpiõesgigantes, também.A ideialheagrada.
É uma pena não ter havido mais oportunidades para perguntar aognomo sobre o caminho até a tavernadeÁtropos, pois ele não consegueencontrá-la em seupasseiopela cidade. Eleprecisade alguémquepossalhedar informação.Ascestasdefogonãosãocomoas fogueirasnaselva.Elasserviamapenasparailuminar,nãoparapossibilitarconversas.
Sólheocorrequepoderiaentraremumadaslojasqueseencontramàesquerda e à direita do caminho quando vê um anão afobado, tentandoabrirumaportapesadademadeira.“Açougue”lê-seemletrasgrandesnoletreirodemadeirapregadosobreela.
Após alguns minutos, Sarius entra em uma loja de velharias comestantes abarrotadas de esquisitices. Seu olhar fixou-se no crânio de umvampiroemcujaspresasencontram-sefincadoscarretéisdelinha.Eleestáno lugar certo. Carretéis certamente podem ser encaixados também emferrõesdeescorpião.
De um canto sombrio da loja um homem de barba grisalha vemarrastandoospés.
— Você quer comprar ou vender? — pergunta sem uma palavra desaudação.
— Vender— responde Sarius. Ele abre sua lista de itens e coloca as
duaspinças,asplacasdorsaiseoferrãosobreobalcão.Novamentearaivalhesobeàcabeça.Elejápoderiaserdonodeumcristaldedesejos.
—Ah.Criaturarastejantedespedaçada—constataovendedor.—Porissonãoseconseguemuitacoisa.Excetotalvezpeloferrão,seaindahouvervenenonele.
Eleavaliaoespinhonegrocurvadocomumalupa.—Quantoeuconsigoporele?—perguntaSarius.—Euteriainteresse,
porexemplo,emumcristaldedesejos.Ocomercianteolhaparacima.—Cristaisdedesejosnãosepodemcomprar.Éprecisoencontrá-los.Ou
recebê-losdepresente.Peloferrãoeutedoutrêspeçasdeouro,pelorestomaisduas.
Nãoparecemuito.Tyraniaganhouquarentamoedasdeouroapósalutacontraasirmãsaquáticas,lembra-seSarius.
— É muito pouco — diz, seguindo uma inspiração repentina. — Euquerodezpeçasdeouro,docontráriolevominhascoisasdevolta.
O comerciante olha seguidamente para as partes do escorpião e paraSarius.
—Nomáximoseis.ElesfechamemseteeSariusdeixaalojacomaalegriadeterfeitotudo
damaneiracerta.Alegriaessaquedesvaneceimediatamentequandoelevê,duasvitrinesdepois,umferrãodeescorpiãosendooferecidopor55peçasde ouro. Além disso, no entusiasmo com a negociação, ele esqueceu deperguntarocaminhoatéataverna.
Na próxima loja— uma oficina de sapatos onde estão à venda botasantiveneno, dotadas de lâminas e que lançam raios — ele recebeprontamenteainformação.
Como lhe foi aconselhado, ele toma o terceiro desvio à esquerda e sedeparacomumaportatortacomapinturadescascada.Oletreirosobreelaexibeumatesouraabertacomosdizeres“Oúltimocorte”.
Lá dentro está quase mais escuro do que a noite do lado de fora. Ospequenos lampiões sobre as mesas não lançam luz em nada além das
mesasedasmãosdosqueali sentam.Os rostospermanecemescondidosnoescuro.
Sariusvaiatéobalcãoatrásdoqualseencontraumamulhervelhíssimaquenãopercebesuapresença.Elaseguecomoindicadortortoaslinhasnamadeira,resmungandoalgoparasi.
—Eugostariademeinscreverparaaslutasnaarena—dizSarius.Avelhaoolharapidamentesemresponder.—Ondeeuencontroalistanaqualpossomeregistrarparaaslutasna
arena?—tentamaisumavez.—AsenhoraéaÁtropos,nãoé?Acitaçãodeseunomeparecedespertaravelhataberneira.—Sim,soueu.Vocêencontraráalistanoporão.ElaexaminaSariusdecimaabaixo.—Vocêquermesmoparticipardaslutas?—Quero.—Comoum2?Issonãoélámuitointeligente.Masfiqueàvontade.Eu
nãotenhonadaavercomisso—eladiz,edenovosevoltaparaosveiosdamadeiranobalcão.
Sariusencontraumaescadaquelevaparabaixo.Noporãohámaisluzdo que em cima, pois uma lareira ilumina seu teto em abóbada. Éimpossívelnãoveralista,queestáfixadanaparedesendovigiadaporumsoldado.QuandoSariusseaproxima,ohomemoaborda.
—Vocêestávindoseinscrever?—Sim.—Qualoseunome?—Sarius.Eletentaespiarportrásdosoldadoparadarumaolhadanalista.Alguns
dos nomes relacionados ele conhece: BloodWork, Xohoo, Keskorian,Sapujapu,Tyrania.NadadeLelantatéaondesepodever,etambémnenhumdosoutrosqueestavamcomelenolabirinto.
—Comqualarmavocêquerseapresentarnaslutas?—Comaespada.Osoldadoanotaalgonolivro.—Vocêaindaéum2,comopossover.
Sariusjáestáfartodeescutaressaladainha.—Sim,edaí?Entreihápoucotempo.Porissoquequeroparticiparda
luta.Paramerecuperar.Nos fundos do porão algo se move. Uma homem alto, com longos
cabelosnegroslevanta-sedesuacadeiraeparanaluzdofogo.— Se você está com pressa de se recuperar, lute contramim. Vamos
duelar.A visão de seu desafiador deixa Sarius estranhamente tonto; alguma
coisa não está certa nele. Ele o faz lembrar de quem? O calafrio que elesente é seguido pela constatação: o estranho guerreiro parece com NickDunmore daqui a dez anos. O mesmo cabelo liso e escuro, os olhosamendoados, a covinha no queixo— inclusive suas feições, apenasmaismadurasecobertasporumlevesombreadodebarba.OnomedolutadoréLordNick.Éimpossívelissoserumacasualidade.
—Eaí?Vamosduelarounão?—Seforpermitidoaqui…QuechatoelenãosaberoníveldeLordNick.Eseele forum7ouum8?
Mas talvez ele seja um 3, então Sarius talvez tivesse chances. Então ele selembradecomoacaboucomoescorpiãoesente-semaisautoconfiante.
—Duelosnatavernasãopermitidos—explicaosoldado,quedevidoàiminência de uma luta, deixa até mesmo a lista sem vigilância. — Noentanto,omaisfracotemquedesafiaromaisforte.
Issosignificava:aconvocaçãodeviapartirdeSarius.Sariusnãotemcertezaseelequerissomesmo.Atéagorasólutoucontra
monstros, não contra outros guerreiros. Por outro lado, se ele quer seapresentarnaarena,nãopoderá fazermalsesubmeteraumapartidadeteste.
—Muitobem.EudesafioLordNickparaumduelo.—Maravilha,baixinho!—gritaseuadversário.“Elepodemesmorir”,pensaSarius. “Afinal,eleestávendoqueeusou
um2.”ElerecuadiantedeLordNick,quejácomeçaatê-loemsuamira.—Peloquevamoslutar?Eugosteidoseuelmodelobo,quetalisso?Eu
ofereçomeuescudo,eletemtrintapontosdedefesa.
—Nãovouarriscaroelmodejeitonenhum.Nemsevocêmerevelarquemvocêéeporquevocêseparececomigo.—Oqueentão?Sariuspensarapidamentenoquepossui:quatropeçasdeouro.— O quê? Nunca que isso vai valer a pena— a figura, que a Sarius
pareciatãopoucodignodeconfiança,vira-senovamenteparaamesa.—Ah,masvalemuitíssimoapena,sim—lançaosoldado.— Todas as lutas vitoriosas trazem experiência e vitalidade — isso
vocêsnãopodemsubestimar.LordNick, que já está se sentando novamente, detém-se.— Bem, por
mim…quatropeçasdeouro.Eles tomam posição em frente à lareira. Sarius não consegue tirar os
olhos do rosto de LordNick; é como se ele tivesse que lutar contra simesmo.Nãoédeadmirar,portanto,queoprimeirogolpedeseuadversárioseja certeiro. Sarius levanta seu escudo tarde demais, e a espada deLordNickatingeseuflanco.Imediatamenteozumbidocomeça.
Não há tempo para verificar o cinto, Sarius precisa confiar que aindasobreviveráaumsegundogolpe.Elesaltasobreseuoponenteelhedesfereumapancadacontraoelmo,eumaoutranacoxa.Isso!OcintodeLordNickjáapresentaumtraçonegro.
MasotriunfodeSariusnãodurapormuitotempo.OadversáriogolpeiaseuescudodiantedeseupeitoeperfuraSariuscomaespada,atingindosuabarriga.Sariusvaiaochão,osomdoferimentonãoparadedoer.
—Parem!Umasombracoloca-seentreeles.Eraosoldado.— Sarius está gravemente ferido. Ele deve decidir entre continuar
lutandooureconheceraderrota.Nãohámuitomaisoquedecidir.Sariusmalconsegueselevantar,osom
écomouma serra circular emsua cabeça; ele gostariadedesligá-lo,maspreferenãoarriscar,poispoderia talvezperderumaviso.Uma instrução,algoimportante.
—Eudesisto.LordNickpõe-setriunfantesobreele.
—Entãopasseparacáasquatropeçasdeouro.Sariusabresualistadeitens,cuidandoparanãofazermovimentosque
possam piorar seus ferimentos. Ele entrega a importância exigida. Agoralherestamapenas trêsmoedas.Eleprecisa transformar logoemdinheiroosobjetosquepegoudovioladordetumba.Issoseeleconseguirsairdali.Oúltimotraçovermelhoemseucintoéridiculamentefino.
Eleolhaparaolado,ondeseencontramnapenumbraalgumasmesasecadeiras. LordNick recolhe-se novamente ali. De uma das outras mesas,umafiguraselevantacomumúnicomovimentofluído.Porbaixodocapuzquesombreiaorosto,Sariusvêosfamiliaresolhosamarelos.
—Liçãoum—ensinaoMensageiro.—Nãodesafieadversáriossobreosquaisvocênadasabe.Foqueaquelesquevocêjáviuemaçãoalgumavez.
Eleajoelha-seaoladodeSariusecolocaamãosobresuacabeça.Osomdeserracirculartorna-semaisbaixo.
—Liçãodois: luteapenasporcoisasquevalhamapena.Quatropeçasdeourosãoridículas.Eagoralevante-se.
Ele lheestendesuamãoossuda,cujosdedosrepentinamentelembramSariusdaspernasdoescorpião,maseleosagarramesmoassim.
—Nóstemosalgoadiscutir.Venha.O Mensageiro o leva até uma sala secundária, no meio da qual se
encontraumamesaredondacomumaúnicavelasobreela.Elessesentam.—Vocêestáprecisandonovamentesercurado—dizoMensageiro.—
Vocêseguramenteaindaselembradasregrasválidasnestemundo,certo?Aquivocêsótemumavida,umaúnica.Euachoquevocênãoestácuidandomuitobemdela.
Sariusnãoencontraumarespostaapropriada,entãosecala.Nãoparecefácil agradar o Mensageiro: ele repreende tanto os que se preservam,quantoosquevãocomtudo.
—Nãome entendamal, eu estimo sua coragem—diz oMensageiro,como se tivesse ouvido os pensamentos de Sarius.—Por isso que estouaqui.Paraajudá-lo.
Elecolocasobreamesaumpequeno frascocomlíquidoamarelovivo.Sarius reconheceapoçãocuradoraqueele recebeuapósa luta contraos
trolls.—Eugostariadelhedarisso.Vocêsabe,amanhãacontecerãoaslutas
naarena.Issonãoacontecetododia;quemquiserfazerprogressosterádeestarpresente.
—Éoqueeuquerotambém—respondeSarius.—Muitobem.O Mensageiro curva-se para frente, como se quisesse dizer algo
confidencial a Sarius e evitar que outras pessoas ouvissem. — As lutascomeçamaomeio-dia.Quemse inscreveu teráqueestarnaArenaa essahora.Portanto,certifique-sedenãoperderoinício,docontráriovocênãoseráadmitido.
—Certo—dizSarius,estendendoamãoatéopequenofrasco.—Ummomento.Ospálidosolhosamarelostremulam.Elecolocasuamãosobreobraço
deSariusederepenteosomdeferimentosetornamaisalto.—Eudissequequeriatedarisso,nãoquevocêdeveriapegar.Obedientemente, Sarius puxa de volta suamão.Demora algum tempo
atéoMensageirovoltarafalar.—Euachariamelhorsevocêcombatessenalutacomoum3,nãocomo
um2.—Comoum3?Sim,seriaincrível.— Então, vamos fazer como se isso aqui fosse o terceiro ritual. Eu o
encarregodeumamissão,Sarius.Aslongasmãosossudasbrincamdistraidamentecomofrasco.—SuponhoqueguardouodiscodeprataqueabriuoErebosparavocê,
certo?Sarius demora um momento até entender o que o Mensageiro quer
dizer.—Sim,claro.— Muito bem. Minha ordem é a seguinte: indique-nos a um novo
guerreiroouguerreira.Copieodiscodeprataepasse-oaalguémquevocêconsiderardigno.Masobserveasregras!
AlgoavermelhadosemesclaaoolharamarelodointerlocutordeSarius.
—NãorevelenadasobreErebos.Nadamesmo.Expliqueaonovatoquevocê lhe está dando um grande presente, pois é isso que você estaráfazendo, você lhe estará oferecendo um mundo. Certifique-se de seusilêncio.Explique-lhequeelenãodeverámostrarestepresenteaninguém.Conte-lhe demaneira que ele acredite nisso.Deixe claro que ele só deveacessar o Erebos sozinho e sem testemunhas. E faça comque ele chegueaquilogo.Ouela.
OMensageiroagitavagarosamenteofrascocomapoção.—Atéonovoguerreirochegaraqui,vocênãoterámaisacesso.Ecom
certezavocênãovaiquererperderoiníciodosjogosnaarena.Sariusengoleemseco.—Masagorajáestamosnomeiodamadrugada,eamanhãédomingo!
Comoéqueeuvou…—Issonãoédaminha competência.Vocêéumguerreiro astuto—e
quer chegar ao nível 3. Se demorar mais tempo, paciência. As lutasacontecerãosemvocê.
Sariusestáestarrecido.Comoelevaiconseguirissotãorápido?Elenãoquerperderaslutasdejeitonenhum.Seelesetornarum3agoraesesairbemnaarena,elepoderáser,jáamanhã,um4!
—Vocêjápensouemalguém?—oMensageiroquersaber.—Bem,já.—Quemé?—Umamigomeu.JamieCox.Achoqueeleaindanãoestáaqui.—Ah.JamieCox.Bom.Esenãoforele,quem,então?Emily,pensaSarius.Nãoháninguémcomquemeuqueiracompartilhar
umsegredomaisdoqueEmily.—Hátambémumameninaaquemeupoderiaperguntar—diz.—Qualonomedela?Elenãoquerdizer.Nãoquer.— É Emily Carver?— pergunta oMensageiro, mais casualmente que
curioso.Sariusfita-osemacreditar.—Poisseforela,eusópossodesejar-teboasorteequevocêconsigao
queosoutrostrêsantesdevocêtentaram.O som irritante, a sabedoria inexplicável do Mensageiro e a pressa
repentinatornamimpossívelqualquerpensamentomaisclaro.Sariustentaabstrair isso tudo e pensar no principal: na solução da tarefa para oterceiroritual.
Jamie,Emily…Quemmaishaveria?Dan eAlex já foramcontagiadoshátempos,Brynneidem,Colin,Rashid,Jerome…
As maiores chances são provavelmente as meninas. Ele poderiaperguntaraMichelle, talvez tambémaAishaouaKaren.Docontrárioeleteráquefocar-senosmaisjovens…
— Adrian McVay também seria uma possibilidade — informa aoMensageiro.—Ele ainda não está aqui, eu acho, e Erebos com certeza oagradaria.
Quase imperceptivelmente o homem de olhos amarelos balança acabeça.
—Eletampoucoaceitará.Háumapausa,duranteaqualoMensageironãotiraosolhosdeSarius.
Eleabresilenciosamenteofrascoemsuamão;oamarelovivodapoção,oamarelopurulentodeseusolhoseoamarelopálidodachamadavelasãoosúnicospontosclarosnasala.
—Eugostariade tentarcomAdrian—dizSarius finalmente.—Achoqueeleestácuriosocomojogo.
— Pois tente. Então, Jamie Cox, Emily Carver e Adrian McVay. Bem.Esperareiumdeles.Casovocêescolhaoutrapessoa,diga-me.
EleestendeofrascoatéSarius,esperaatéqueeleobebaedeixaasaladosfundos.Sariusnotaqueseucintoestánovamentecoloridoequeosomdeferimentodesapareceuantesdeaportabatereaescuridãodominaroambiente.
10
UmolharsobreorelógiodocomputadorrevelouaNickquejáera0h:45e,portanto, tarde demais para ligar para Jamie. Seu amigo tinha umcomputadoràsuadisposição, isso jáerabom.Elenãoousavacommuitafrequência,masNicklheexplicariaqueelenãodeveriaperderoErebos.
A ideia de ainda querer estudar química agora era ridícula e,mesmoassim, ela passou brevemente pelos pensamentos de Nick. As lutas naarenapodiamdurarmuito—eseriatranquilizadorjáteralgumavantagemgarantida. Porém, mais importante, muito mais importante era primeirocopiarojogo.EleaindatinhaumDVDvirgemcomtodacerteza.Masonde?
Demorouumpoucoatéeleacharumamídia lacradasobumapilhadelivrosepapéis.Sóesperavaeraqueopesonãoativesseestragado.
O processo de cópia durou mais do que Nick presumira. A barra deprogressoavançavalentamente,muitolentamente.Nickaobservavacomosepudesseacelerá-la.Poroutrolado,oqueeleconseguiriaseelaandassemaisrápido?Eleprecisavaesperaratéamanhã,precisavadormir,masnãoconseguia se imaginar pregando um olho sequer. Sua cabeça estavarealmenteinundadacomperguntas.
Antes de tudo: quem teve a ideia de emprestar ao seu personagem aaparênciadeNick?Porquealguém faria tal coisa?Eleainda se lembravaexatamente da situação na torre em ruínas e do que ele havia pensadoenquantocriavaSarius.Nemporumsegundoelequisfazê-loparecidocomquemquerquefosse.Muitomenoscomalguémdeseumeio.
Com absoluta certeza é alguém que me conhece. Que eu conheço. O
pensamento era excitante e aomesmo tempo incômodo.Será um amigo?Colin?SeráqueelenãoseescondiaatrásdeLelant,esimatrásdeLordNick?
Abarraazuldeprogressoaindanãohaviasequerchegadoatéametade.OfluxodepensamentosdeNickpareciaigualmentelento.Todososoutrosjogadores que o conheciam iriam pensar que ele era LordNick. Elesestariamconvencidosdeteremidentificadopelomenosumdeseusaliadosno jogo. Ou um de seus adversários, conforme a opinião de cada um.Ninguém jamais faria a equivalência Sarius = Nick. Ele não sabiaexatamenteseachavaissobomouseissooincomodava.
Seucomputadorcopiava,copiavaecopiava.Qualonomeque Jamieescolheria?Equepovo? EspontaneamenteNick
apostounosanões,maslogoachouissoinjustodasuaparte.Jamienãoerabaixo,eleeradeestaturamédia.Omaisimportanteerasaber,comoJamiegostariadeser.Sombrioemisteriosocomoumvampiro?Elegantecomoumelfonegro?Corpulentoeameaçadorcomoumbárbaro?
Nadadissocombinavarealmentebemcomele.Eleerasimplesmenteelemesmo.Ponto.MassejaláoqueJamieviesseaescolher,Nicktinhacertezade poder reconhecê-lo em qualquer aparência, até mesmo na deKunigunde, amulher-lagartixa, ou alguém assim. Ele sorriu. Será que eledeveriatentarligarparaJamie?Eleiriaentendereocelularnãoacordarianinguém.
Éoqueeleespera.OuumSMS?Masescreveroquê?Tenhoqueencontrarvocê,urgente,de
preferência agora, ou amanhã às 7 horas. Não, isso era impossível. NicksabiacomoJamiegostavadedormiratétardenodomingo.Antesdasnovehoraselecomcertezanãoestariadepé.Novehoras!Issoeraterrivelmentetarde...masquemgarantiriaqueJamiecomeçariaajogarimediatamente?
PorfimoDVDjáestavaquasegravado.Nickoretiroudodrive,escreveu“Erebos” com caneta permanente na parte de cima e o colocoucuidadosamentedevoltaemsuacapinha.
“Jáparaacama”,disseasimesmo.Masseuspensamentoscontinuamarevolver-se incessantemente: ao escovar os dentes, durante o banho efinalmentesobascobertas,quecheiravamaamaciante.
Eseelenãoconseguisseatempo?Eleiriaperderosjogosnaarena,edaíoquê?
Porém, isso não lhe era indiferente. Era finalmente uma chance deprogredir. O Mensageiro estava do seu lado, isso Nick pressentia. Pelomenosele jáhavia lhedadodicas e ele tinha razão... eramais inteligenteescolherapenasadversáriosqueNickjátenhavistolutando.EssenãoeraocasodeLordNick,muitomenosodeBloodWork.MasemLelantdariaumasurrasepusesseasmãosnele,omesmocomFeniel.Supondoqueosdoistenhamencontradoocaminhoatéacidade.
Nick afunda sua cabeça no travesseiro. Ele iria amanhã até a casa deJamieeoacordariaàsnoveempontopelocelular.AssimelenãoperderiatempoeJamiepoderiacomeçarimediatamente.Perfeito.Nicksabiaqueseuamigoficariadoidodeempolgação.
—Issonãopodesersério.Pelaportasemiabertaobservavamdoisolhosentreabertos.Jamieusava
umesquisitoroupãodebanholistradoeduasmeiasdiferentes.Eledevetervestidoqualquercoisanapressaparapoderiràporta.
— Tudo bem. Pode entrar. Mas silêncio, meus pais ainda estãodormindo.
A consciência pesada de Nick era só uma sombra clara que tentavacobrir sua empolgação. Ele havia feito tudo corretamente. Não haviaacordadoJamiecomacampainha,esimcomocelular,evitandoqueosr.easra.Coxsaltassemdacama.Maisdoquenuncaeleseesforçavaemnãofazerbarulhoparanãoameaçarosucessodamissão.Eletirouossapatoseseguiu Jamie até a cozinha, que cheirava levemente a gordura. Sobre ofogãoencontrava-seumafrigideira,daqualalguémhavia tentadoemvãoremoverrestosdecarnemoídaqueimada.
Jamiepegouumcopod’águaesentou-seemfrenteaNicknamesadacozinha. Pelo seu olhar concluía-se que sua cabeça ainda não estavafuncionandoperfeitamente.
—Quehorassãomesmo?—Novehoras.
—Vocêpirou—disseJamie,chocado,etomouaáguaemumgolesó.—Seeubemmelembro—prosseguiu—eusugeriontemquenósnos
encontrássemos,masvocêdissequenãotinhatempo.Atéaítudobem.Mascomoassim…comoassimvocêmeapareceaquicomasgalinhas?
Nick esperava que sua expressão parecesse misteriosa e ao mesmotempopromissora.
— Eu tenho algo para você — disse, tirando o DVD do bolso de seucasaco.—Masantesqueeupossa lhedar,precisamoscombinaralgumascoisas.
— O que é? — ainda bêbado de sono, Jamies esfregou os olhos eestendeuamão.
Nickpuxouacapinhadevoltacomummovimentorápido.—Esperaaí.Nóstemosqueesclareceralgumascoisas.
—Hã?Quebobeiraéessa?—Jamiefranziuatestainvoluntariamente.—Vocêestáquerendomesacanear?Primeirovocêmeacordadizendoquesetratadealgoimportanteeagoraarmaumjoguinhodegatoerato?
Nickpercebequeacoisanãohaviacomeçadomuitobem.Porquejustoeletevequereceberatarefaderecrutamentoemumfimdesemana?Emumdianormaldeaulatudoteriasidomuitomaissimples.
—Tudobem,vamoscomeçardenovo.Euquerialhedarumacoisaqueé realmente fantástica, no sentidomais literal da palavra. Você vai amar,masvocêtemquemeescutarporummomento.
Nem curiosidade e tampouco empolgação se podiam reconhecer norostodeJamie.
—ÉesseCDquehásemanasestárodandoporaí...—Essacópiapirata.—Hmm,bem,decertomodo…—Equemdissequeissomeinteressa?—Você vai se interessar, acredite emmim! É incrivelmente legal. No
começoeutambémnãotinhaacreditado,masérealmenteomáximo—elereparou que usou as mesmas palavras que Brynne havia alguns dias econteve-se.
—Ah,tá—Jamiebocejou.—Eoqueéissoexatamente?
—Nãopossotedizer.—Eporquenão?—Porquenãoposso!—Desesperado,Nickprocurouaspalavrascertas,
queporum ladonão fossemmuito reveladoras e, por outro, atiçassemacuriosidadedeJamie.—Issofazparte.Eunãopossodizermaisnadaevocênão pode contar a ninguém. Eu vou te dar o DVD... mas só se você nãomostrá-loaninguém.AntesdeNickteracabadodefalarjáestavaclaroqueessa conversa havia fracassado. O franzido na testa de Jamie já havia seconvertidoemverdadeirascrateras.
—Quemdissequevocênãopodedizernada?Nick balançou a cabeça para afugentar a imagemdos olhos amarelos.
Aquilo era de enlouquecer. Mesmo se ele ignorasse as instruções doMensageiro,nãopoderiatornartodoocontextocompreensívelparaJamie.ElenãopodiaexplicaroquefaziadoErebosalgotãoúnico.Jamietinhaqueexperimentarelemesmo.
Isso sem contar que ele não ousaria romper com as regras doMensageiro, como chegou a pensar por ummomento. OMensageiro iriaperceberaviolaçãodasnormas.OMensageirohaviaatéadivinhadoqueelepensaraemEmilyCarver.
— Quem falou não interessa. Eu não posso revelar nada, é parte dasregras.
— Que regras? Escute Nick, eu já estou ficando com um malpressentimento. Digo, você me conhece, sabe que eu sou curioso e eugostariamuitodesaberoqueéque temnessesDVDsmisteriosos,maseuacho ridícula essa enrolação toda. Ou vocême dá o DVD ou deixa pra lá.Condiçõeseuachoumsaco.
—Bem…mas—Nickprocuravaaspalavras.Comelehaviasidotãosimples!Brynnenãodemorounemtrêsminutos
parafisgá-lo.—Mastodomundosegueasregrastambémeninguémmorreuporisso.—Caramba,Nick!—Jamielevantou-se,colocoumaiságuaemseucopo
e bebeu em um só gole. — Você está se comportando de maneiratotalmente diferente, sabia? Todo mundo! Você nunca nem se importou
comessagente.Elesesentounovamenteàmesacomosolhosmaisdespertos.—Quersaber?Dê-meessenegócio.Agoraeuquerorealmentesabero
queéquetemnele.— Você vai seguir as regras? Não falar sobre ele com ninguém? Não
mostrá-loaninguém?Distraído,Jamiedádeombros.—Talvez,depende.—Nestecasoeunãopossodá-loavocê.—Bom,entãodeixa.Entãojápossoirmedeitar.—Vocêéumimbecil,sabia?—escapuliudeNickantesqueelepudesse
pensar.AdecepçãodeseuótimoplanoterfalhadoporcausadateimosiadeJamieodominouporummomento.Maseramesmodesesperador:porqueéqueelenãoqueriapelomenosexperimentar?Eprincipalmente:comoéqueNickiriaconseguirresolvertudoatempo?
Apalavra“imbecil”teveumefeitoimediatosobreaexpressãodeJamie.Atestanãomaisfranzida,seurostoestavalisocomoummuro.
—Sabe,Nick—disse—temoqueosr.Watsontenharazão.Eleachaque há algo perigoso rolando na nossa escola e agora eu estou achandotambém. Talvez fosse melhor eu aceitar esse seu CD, assim eu saberiafinalmentedoqueelesetrata.
“Que retardamento”, Nick quis dizer, mas mordeu os lábios. A raivacontinuavasufocando-oeaafetaçãodeJamieerasimplesmenterepulsiva.
—Algoperigoso,tenhaapaciência.— O interessante — Jamie prosseguiu — é que as pessoas
aparentemente seguem essas, como você disse, regras. Ninguém contanada. Mas estão começando a vazar algumas informações, o sr. Watsoncontou.EleouviudizerqueéumjogochamadoErebos.
—Ahé?—gritouNick.—E seeu tedisserque issoéumacompletabesteira?
— É o que você está dizendo— respondeu Jamie. — Mas tanto faz,definitivamente eumemanterei fora disso. Aliás, alguns outros também;elesestãoachandoomesmoqueeu.
PorummomentobrilhouosorrisoespertodeJamie.— Nick, seu doido, deixa isso pra lá, viu? É uma moda que logo vai
embora.Eutenhoasensaçãodequeaspessoasqueentramnessejogoseenvolvemmuitorápidoecommuitaintensidade.
— Obrigado pelo alerta, tio Jamie — ironizou Nick, e viu, muitosatisfeito,osorrisodesaparecerdorostodeseuamigo.—ONickinhoaquijáestáatento.Ah,sevocêsoubessecomoestásendoridículo.
Ele levantou-se e foi até a porta, desta vez sem tomar cuidado comobarulho.Oqueeledeveria fazeragora?OplanoBera ligarparaEmily.ApressãodessepensamentoreduziaoestômagodeNickaotamanhodeumanoz.NãoseriamelhortentarprimeirocomoAdrian?Maselenãotinhaotelefonedele,droga,comoéqueelenãohaviapensadonissoontem?
—Quandovocêestiverfartodessaporcaria,meprocure—disseJamieantesdetrancaraportaatrásdeNick.
Nunca mais ele voltaria a falar uma só palavra com Jamie. Que idiotacompleto. Não sabia o que estava perdendo e achava que tinha que lhepassarsermãoaoinvésdesimplesmenteficaralegre.
Agoraeleteriaquedarseupresenteaoutrapessoa.Nervoso,eletirouseucelulardobolsodocasaco.
“Como vai Emily?”, ele iria dizer. Ou mais descontraído: “E aí, Emily.AquiéoNick.Vocêtemumtempinhoparamim?Possodarumpulinhoaí?”
Sódepensarnissoaspalmasdesuasmãosficarammolhadasdesuor.ElesabiaqueEmilyjáhaviaditonãoaoutrostrês;datentativadeRashidele fora, inclusive, testemunha. Mas Nick o faria de outra forma.Repentinamente ele já sabia o que iria dizer. Era supersimples e nãoviolavaasregras.
—Alô?—avozdeEmilyestavarouca—talvezestivesseresfriadaoucomsono.
Nicknãohaviapensadonohorário,droga,droga.Seuprimeiroimpulsofoidesligar,masissopareceriamaisestúpidoainda.
— E aí, Emily— pigarreou.— Desculpa te incomodar tão cedo, masprecisofalarrapidinhocomvocê.
—Agora?—elanãopareciamuitoentusiasmada.—Bem,agoraseria…bom.—Edoquesetrata?Nickpreparavasuaexplicação,queculminarianafrase“querooferecer
ummundo”,masEmilyprosseguiu.—Ah,jásei,ésobreessesCDsinsuportáveis,né?Vocêestásabendode
algomaisconcreto?Ontemjáfoioterceiroquequismeempurrar isso.E,seiláporque,todosagemmisteriosamente.
A abordagem cuidadosamente elaborada de Nick desmoronou-seimediatamente.Agoraelenãotinhamaisideiadoquedeveriadizer.
—Nick?Vocêaindaestáaí?—Sim.Hãã…eporquevocêdissenãotodasasvezes?— Pelo mesmo motivo que você, suponho. Não me agrada essa
enrolaçãotoda.Alémdisso,sãosempreunscarasmeionojentosquevêmcomisso;edeleseunãogostoderecebernadadepresente.
Nickfechouosolhos.Porumtrizelenãosejuntouaoscarasnojentos.—Então—Emilycontinuou.—Oquevocêdescobriu?—Nada.Sintomuito.Euqueriaoutracoisa…—Ah,tá.Eoqueé?OcérebrodeNickestavavaziocomoovácuo.Desesperado,eleagarrou-
seaoprimeiropensamentoquelheveio.—É por causa de…Adrian. AdrianMcVay. Você por acaso não tem o
telefonedele?Osilênciodooutroladodalinhasooucomoincompreensão.Nickodiou-
seporsuaidiotice.— O loiro magrinho que sempre parece meio assustado? O do pai
suicida?Por um momento Nick ficou mudo. Suicida, desde quando Emily se
expressavaassim?—Sim,opaidelesematou.—EuconheçoAdriansódevista.Comovocêfoipensarqueeupoderia
teronúmerodele?Sim, é verdade, como? Nick encostou a testa no muro mais próximo,
muitotentadoabateracabeçacomforçacontraele.—Euapenaspensei.Acheiquevocês se conhecessem.Provavelmente
foiumengano.Sintomuito.Logo ele iria poder encerrar a conversa, o que, por um lado, era um
grandealívio,e,poroutro,não,porqueaquelanãoforaumaconversaboa.Elefezmaisumatentativadesalvá-la.
—Ecomoéquevocêestá?Játerminouseutrabalhodequímica?Silêncio.ProvavelmenteEmilyidentificouarepentinamudançadetema
comoexatamenteaquiloqueelaera:umasoluçãodeemergência.—Parecomisso,Nick,oqueéquevocêquernaverdade?DarpravocêoErebos.Oupelomenosouvirsuavoz.— Já disse, o telefone de Adrian. Céus, será que isso soou mal? Sinto
muito,penseiquevocêjátivessedadoaulaparticularparaele,maseudevotermeconfundido.
—Sim.—Emilysoavacomoseestivesseacreditandonele.Sorte.Agorahaviaumchiadoaofundo,ouviam-seunsruídos,comose
elaestivessetapandoomicrofonedocelular.Entãoelacontinuou.—Ei,euprecisodesligar.Papaivemmebuscaremmeiahoraeanteseu
precisoajudarminhamãecomalgumascoisas.—Ahsim,claro.Tenhaumbomdomingo,então.
Elenãohaviaavançadoumpassosequer.Atéomeio-diaeleprecisavaestarnaarenaejáerammaisdenove.Adrian,eletinhaqueencontrá-lo.
Eleabriuaagendadeseucelularefoipassandonomepornome,talvezum de seus colegas tivesse alguma relação com Adrian. Ele investiu emHenryScott.HenrytambémiaaobasqueteeeradaturmadeAdrian.Bingo.
Apósdoistoques,Henryatendeu.—Eaí.Escute,vocêpodemedarotelefonedeAdrian?—Claro,espereumpouco.Henry ditou a Nick um telefone fixo, o que não era o ideal,mas tudo
bem.—OquevocêquercomAdrian?ApósHenrytersidotãoprestativo,Nicknãopodiadizer-lheparaenfiar
suacuriosidadeemoutrolugar.—Ah,eutenhoalgoqueeugostariadedaraele.Elepercebeuointeressequedespertouemseuinterlocutor.—Éalgoquevocêpoderiadaramimtambém?Bravo.Nicknãopôdedeixardesorrir.—Bem,teoricamente…—Éalgoquadradoporforaeredondoeprateadopordentro?SubitamenteNicksoltouumagargalhada.—Issoaí.—Então comigoele vai estar emmelhoresmãos.Adrian jáo recusou
umavez.Vocêvaiperderseutempo.EntãooMensageirotinharazãomaisumavez.Seriapossívelquetodos
oscandidatosescolhidosporNicknãoligavamamínimaparaoErebos?Eporque,seelesnemmesmoconheciamojogo?
—Bem,sevocêestádizendo,entãoeudou.Ondevocêmoramesmo?—EmGillinghamRoad.Maspodemostambémnosencontrarnametade
docaminho!—Henrypareciaexcepcionalmenteentusiasmado.— Perfeito. Vamos nos encontrar então na estação Golders Green, é
pertoparavocê,né?Meia hora depois a cópia do Erebos de Nick havia trocado de dono.
Henry consentiu com todas as condições: sigilo total, silêncio ediscrição;nenhumapergunta,nenhumadúvida,eleapenasacenousolicitamentecoma cabeça. Ele possuía um notebook próprio e estava se mordendo paracomeçar logo.Nicknãoconseguia livrar-seda impressãodequeHenry játinhaalgumaideiadoquesetratava,maseletambémnãolheperguntou.Naverdade, issonãoo interessava.O importanteeraele terganhadoumnovato.Henry iria sedivertireNick iria seperguntar secada jogadornoprimeironívelquecruzasseseucaminhoeraoseunível1.
11
—Suamissãoestácumprida?SãoonzehorasempontoeSarius seencontranovamentena salados
fundosdatavernadeÁtropos.OMensageiroestásentadoàmesa,raspandounsrestosdeceradotampocomseusdedosossudos.
— Sim, tudo resolvido — diz Sarius. — Mas eu não dei o Erebos anenhumadastrêspessoasqueeuhaviaditoontem,esimaumaoutra.
OsdedosdoMensageiropararamderaspar.Sariuspensoureconhecerdesaprovaçãonosolhosamarelos.
—Aquem?—ElesechamaHenryScott,tem14anos.Estudanaminhaescola.—Conte-memaissobreele.Mais?Maiselenãosabe.Sóalgumascoisassemimportância.— Ele é loiro e razoavelmente alto para sua idade. Também joga
basquete.MoraemGillinghamRoad.EleestavabastanteávidopeloErebos,achoqueelejásabiadoquesetrata.
PorummomentooMensageironãoresponde.Elejuntaaceraraspadasobreotampodamesaemumpequenomontinho.
—Tudobem.Consideremosatarefacomoconcluída.Masmesmoassim,diga-meporquevocênãometrouxenenhumdosoutrostrês?JamieCox?EmilyCarves?AdrianMcVay?
PorqueoMensageiroaindaoestáprendendo?Sariusprecisaencontraraarena, vai saber onde ela está? Se ele tiver azar, outra vez haverá umlabirinto no meio do caminho ou trolls detendo-o. Tudo é possível. Além
disso, ele espera secretamente obter um novo armamento, como elerecebeuemsuaúltimamudançadenível.Agora,tãopoucoantesdaslutas,viriabemacalhar.
— Jamie e Emily não quiseram, e com Adrian eu não cheguei a falarporqueconseguiresolveroassuntocomHenry—explicaele.
OsolhosdoMensageirocomeçamabrilhar,comobrasasendosopradapelovento.
—PorqueJamieCoxrecusou?Oque importa? Sariusquer finalmenteprosseguir.Elequerver a lista
definitivadosguerreirosregistrados,querpensaremcontraquemeleteriamaischances.NãoqueriadiscutirsobreJamie.
—Elenãoconcordoucomahistóriadosigilo,porisso.—Eledissemaisalgumacoisa?—insisteoMensageiro.Ah, tenha paciência, será que Sarius deveria ter transcrito toda a
conversa?—Sim, ele disse que considera esses segredinhos uma coisa ridícula,
que acha que estou agindo como um imbecil e que alguns dos nossosprofessorespensamqueháalgoperigosoacontecendo.
OMensageiroinclina-separafrentecomatençãoeapoiaoqueixocomamão.
—Queprofessores?Sariushesita.OqueéqueissoimportaaoMensageiro?Elesecoçapara
nãofazeressapergunta,masnãoqueralongaraconversasemnecessidade.Ealémdomais,tantofazia,osr.WatsoncertamentenãoteminteressenoErebos—umbloqueiodeacessonãooincomodaria.
—Naverdadeéumprofessorsó.ElesechamaWatson,édeliteraturainglesa.
Acenandoacabeça,oMensageirotomaconhecimentodainformação.—EquantoaEmilyCarver?Alembrançadodiálogooaflige.— Ela já disse não algumas vezes e… não queria receber presente
nenhum.—…receberpresentenenhum—repeteoMensageiro,pensativo.
Eoquefoiagora?,Sariusquisperguntar.Mas jáétarde,eleprecisaseapressareorostodoMensageirooinquietahojemaisdoqueonormal.Elequerirembora.
—Muito bem. Esperamos queHenry Scott não tardemuito a chegar.Vamosesperarquevocênostenhatrazidoumnovatodigno.
OMensageiroselevantasemtirarosolhosdeSarius.—Ésuaprimeiralutacontraosseus,certo?—Isso—dizSarius,ávidoporumasdicasboas.—Estouansiosoparavercomovocêsesairá.Comovocêescolheráseus
adversários.AlgunsdosmelhoresguerreirosestãoaquietodososcincodoCírculoInternotambém.
Agoraéahorade,paramudarumpouco,oMensageiroresponder-lheumapergunta.
—OqueéoCírculoInterno?OMensageirosorri.Semprequeelefazisso,Sariusgela.— O Círculo Interno são os melhores dos melhores. Esses lutadores
executarãosozinhosaúltimaemaisimportantemissão.Seelestriunfarem,serãogenerosamenterecompensados.
Sarius não precisa perguntar como se chega ao Círculo Interno, ele jásabe.
Ser mais esperto que os outros, mais forte. Conquistar vitórias, acharcristais dedesejos. Ele entende perfeitamente que ainda está amilhas dedistânciadisso.
Aporta para o bar se abre, a luminosidadepenetra no ambiente.Nosraiosdeluzamarelo-clarosdançamgrãosdepoeira.
Sariusvira-semaisumavezparaoMensageiro.—Nãovouganharnenhumarmamentonovo?— Você ganharia por Jamie Cox — responde o Mensageiro, ainda
sorrindo.—Boasortenacompetição.Estouansioso,eujádisseisso?
Em frente à taverna zanzam muito mais pessoas que na noite anterior.Sarius segue um grupo de bárbaros fortemente armados, que estãocertamenteacaminhodaarena.Algunsminutosdepoisjuntaram-seaeles
doishomens-lagartos,trêsvampiros,trêselfosnegroseumanão.Oanãoéumvelhoconhecido:Sapujapu.Estavaarmadocomumaalabardaimensaeumescudo,atrásdoqualSariusconsegueseesconderporcompleto.Sariusnãoreconheceseunível,entãoeledeveestaracimado3.Entreosvampiroshá um 2 e entre os elfos negros encontra-se até mesmo um de nível 1.Sariussorridiscretamente.
—Eaí,Sarius—Sapujapuosaúda.—Olá—Sarius,desconcertado,ocumprimentaespantadodevolta.—
Eunãosabiaquesepodiaconversaraquisemumafogueira.Oanãopassasuaalabardaparaooutroombro.—Nascidadessãoválidasregrasdiferentesdaquelasdasoutrasáreas.
Vocêtambémestáindoparaaslutasnaarena?O humor falante de Sapujapu era um inesperado. Sarius agarra a
oportunidadeparatiraralgumasdesuasdúvidas.—Sim.Esteéocaminhocerto,né?—É sim. Eu fui lá ontemdar uma olhada. A arena é gigantesca. Uma
vistafantástica,vocêverá.—Ésuaprimeiracompetição?—Sariusquersaber.—Oquê?Claroquenão!Eujáestiveduasvezesnaarenadatumbareal.
Vocêaindanão?Émaisinteligentedizeraverdadesequisersabermais.—Não,estaéaminhaprimeiravez.Estousuperansiosoparavercomo
équeé.Xohoo passa por ele, depois Nurax, arreganhando seus dentes de
lobisomem, saudando-os ou ameaçando-os, vai saber. “Veja só”, pensaSarius,“elestambémconseguiramchegaratéaqui”.
—Comoéqueé?Então,vocêpodedesafiaroutrosouserdesafiado,edepois há um duelo. Ao seu redor o barulho é bizarramente alto, todosberram,gritam,aplaudem,batemospésnochão…
BloodWork vem marchando com passos larguíssimos e esbarra emSapujapu,queimediatamenteperdeorumodaconversa.EleeSariusfitamobárbaroafastar-seenquantocarregaumaimensaespadadeexecuçãonascostas.Esobreelabalançasuatrançanegra.
Ondeestávamosmesmo?Sariusaindaprecisaextrairainformaçãomaisimportantedoanão.
—Oquesepodeganhar?Ecomo?—Issoécombinadoantes.Vocêdecidejuntocomseuadversário:minha
espada pelo seu escudo,meu cristal de desejos contra umou dois níveisseus. Mais ou menos assim. Desta vez estou muito preocupado, minhaalabardanãoédasmelhoreseeusóconsigousá-lacomasduasmãos,ouseja,nãovoupoderusaroescudo.
AarmadeSapujapudeveserrealmentepesada.Sóolongocabojádeveser impossível de manejar, e a lâmina afiada na ponta brilha como açopolido.
— Mas se você acertar alguém, certamente causará danos letais —consolaoSarius.
—Sim.Seeuacertar.ElesdobramumaesquinaeSarius,nofinaldeumalongaavenidavêa
arena.Elaéredonda,brancacomoneveetrabalhadacomarcosaltoscomoo Coliseu romano. A visão lhe impõe respeito… ou é a música que vemtocando há pouco tempo? Ele nunca repara quando ela começa, sóconsegue repentinamente constatar que ela já está lá, acompanhando-ocomoumencanto fortalecedor.Ou chamando-o, como agora. Ela explica-lhetudosempalavras,eentão,deumahoraparaoutra,ficaperfeitamenteclaroqueaarenaéoseudestino,sejaelebomouruim.
Em um enorme quadro de bronze bem na entrada da arena estãolistadostodososguerreirosinscritos.Sariusencontraseunomeentreumtal de Nodhaggr e uma velha conhecida: Tyrania, sua parceira na lutacontraasmulheresdeágua.
Enquantoumgnomoverderegistrasuapresença,Sariuspassaoolhonalista, procurando outros nomes familiares. Keskorian, Nurax, Sapujapu eXohooeleencontra rápido. SamiraeLordNick tambémestão registrados,assim comoos guerreirosdo labirinto:Arwen’sChild,Blackspell,Drizzel,FenieleLelant.
Que irritante... eles tambémconseguiramacharo caminhoatéaCidadeBrancaemvezdeterminarcomocomidadeescorpião.
—Sariusestáregistrado.Sariusdevedirigir-seàsaladoselfosnegroseesperaratéoiníciodaslutas—grasnaognomo.
Por sorte, o interior da arena está cheio de placas de informação. Asantessalasdoselfosnegrosestãoimediatamenteaoladodasdoshomens-gatos.SóagoraSariusavistaexemplaresmasculinos:pesadoseágeiscomotigres.
Comoeradeseesperar,acâmaranaqualoselfosesperampelo iníciodos jogos está lotada. Sarius procura um lugar livre junto à parede eacompanhaasconversasentreumelforuivocomorelhasbastantelongaseumdenível2comcabelocordeareia.Um2!
—Eseeuperder?—perguntao2.— Então desista rápido, senão pode acontecer de o seu adversário
matarvocê.Eujáviissoacontecer.—Eaí?Euestoufora?—Sim,claro.Vaidizerquevocêesqueceuasregras?—Não,não.Jáentendi.Sariusvaiseempurrandoaindamaispelamultidão.EleencontraXohoo
no final da sala. Dentre os elfos negros que ele conhece, este é o seupreferido.Pelocaminho,eleseguepescandováriostrechosdeconversa.
—…ouvidizerqueBloodyWorkvaitentarissohoje.—Eleestámaluco.Tudobemqueeleéforte,masmesmoassim…Amultidãoficacadavezmaisdensa.—…jánãotereioutraschances,porissoéurgentequehojeeuganhe
umcristaldedesejos.—Euquerosubirdoisníveis. Sevocêsoubessecomo foidifícilminha
tarefanoúltimoritual…nãoqueroterdepassarporissooutravez.Sarius está quase lá. Xohoo está sozinho em um canto ajeitando seu
elmo.—Eaí,Xohoo.—Olá,Sarius.—Nervoso?—Sim,umpouco.Evocê?—Eutambém.Esteéomeuprimeirotorneio.
—Ah,sim.Bom,vocêverá.Nãoénadafácil,naarena.Sariusolhaparacima,paraotetoabobadadodasala.Ali, acima,ouvem-se rumoresdevozes, gargalhadase zombarias. “Éo
público”, conclui Sarius comumnervosismopulsante. “Teria sidomelhorprimeiroassistiràslutasemvezdesairselançandonelassemsaberdoquese tratavam.Oque farei seLordNickmedesafiarnovamente?Ouse tiverquelutarcontraBloodWork?Entãoseriamelhormeenterrarlogo.”
—Contraquemvocêlutoudaúltimavez?—eleperguntaaXohoo.—Primeiro contraDuke, edeleeuganhei.Depois contraDrizzel,mas
issofoiburricedaminhaparte.Eleéumtrapaceiro.—Ah,sim.Entãoquerdizerqueépossívelescolherosadversários?—Namaioria das vezes sim,mas nem sempre. Ei… acho que já está
começando.Tam-tam-tam!Sobre suas cabeças se ouvem batidas rítmicas de pés. O público está
demonstrando sua impaciência. É possível ouvir vozes esparsas e outrasvêm juntar-se a elas; um coro de muitas vozes entoa repetidamente amesmapalavra:“sangue,sangue,sangue”.
—Queentremoslutadores!—bradaumavozdoladodefora.Ressoamaplausos.Sariusficaemsilêncionocantoecede,debomgrado,aprecedênciaaos
outros.Maselestambémhesitam.Ninguémquerseroprimeiroair.—Vamos,heróis!—gritaumsentinelagigante.Chifresdebúfalosaempelaesquerdaepeladireitadeseuelmo,eseu
chicoteestalauma,duasvezes.—Vocêsseinscreveram,agoramostremoquecarregamemsi!Ele empurra os primeiros pelo arco de saída, os outros os seguem
vacilantes.—Sangue,sangue,sangue!—bradamdoladofora.“Eunãocarregonenhumheróiemmim”,pensaSarius,“souapenasum
espectador.Euprefeririaestarnaarquibancadagritandoebatendoospés”.Os outros se movem e o empurram até a saída. Eles andam por um
corredor,umapassagemescuraque,aofinal,osconduzàluzeaobarulho,
emumgigantescocampoarredondado.—Oselfosnegros!—gritaopúblico.Uma salva de palmas ecoa. Sarius olha ao seu redor, desejandopoder
enterrar-se na areia da arena. Milhares e milhares de espectadorespreenchem as arquibancadas da construção arredondada que parecealcançar o céu. O público é composto por todas as figuras possíveis,inclusivealgumasqueSariusjamaisviu.Emumadasfileirasinferiores,umpoucodistanteà suadireita,encontra-sesentadoumhomemcomcabeçade aranha. As suas oito patas, que crescem de sua cabeça no lugar dasorelhas,debatem-seagitadas.Sariusviradecostas,eencaraumacriaturaofídica agitando zombeteiramente a língua no ar; encontra também, doislugares adiante, uma mulher, sobre cuja testa se ergue um olho decaramujo. Entre eles se alvoroçam anões, elfos, vampiros e criaturastransparentesqueparecemnãopossuirnadadentrodesuaspelesalémdeapenas ar. Por um momento Sarius respirou fundo; as altas fileirascircularesdeespectadoreslheparecemumlaçodebarulhosecorposquesecerratãorapidamentequantosuaentradanomeiodaarena.
Para se distrair, ele direciona sua atençãopara dois outros grupos deguerreirosdestemidosquejáseencontramnaarena:oshomens-gatoseoshomens-lagartos.Comparando-secomoselfosnegros,elessãopoucos.
—Osanões!—bradaaturba,enquantoentraporumaoutraaberturaumamontoadodepequeninas figurasmusculosasdebraçoscurtos.Cincoorganizadores com sobretudos negros cuidam para que eles fiquem nolugarquelhesfoiprevisto.
SariuspercebequeSapujapusegurasuaalabardadiantedesicomosefosse um talismã contra os horríveis rostos ao seu redor. Sarius espiatambém as anãs. Elas mal se diferenciam de seus companheirosmasculinos,apenasasbarbaslhesfaltam.
Os vampiros são anunciados em alto som e ficam na área maissombreada da arena. Seu grupo é grande, quase se aproximando emnúmeroaodoselfosnegros.DrizzeleBlackspellestãobemàfrente,comosenãopudessemmaisesperarpeloiníciodaluta.SariustemaimpressãodequeBlackspellolhaemsuadireção.Elenãovaiquerermedesafiar,né?
Neste momento, todos os presentes parecem mais fortes, ágeis eexperientesqueele.“Euvoumorrer”,pensa.“Issoaquitudovaicontinuarsemmimeeujamaissabereiqualéagrandemissãoquenosespera,poisninguémvaime contar sobre ela. Provavelmente estes sãomeus últimosmomentosnoErebos.AnãoserqueoMensageiroestejaaí…evenhamesalvarnovamente.”
Ele olha ao seu redor, procurando a figura esguia que, em toda suahorripilância,jálheparecetãofamiliar,masseuolharseperdenamassadeespectadores.Agoraestãoentrandooshumanosnaarena.Sãoapenastrês,dosquaisLordNickéoúnicoqueeleconhece.Eentãoseguemosbárbaros,sob uma zoeira ensurdecedora, sendo aplaudidos como nenhum dosoutros.
“Pois aí estão, lá vêm os vencedores”, pensa Sarius. “Por que é queestamosnosesforçando?”
Elesparecemgigantescosenquantomarchamsobreocampodebatalhapara chegar até o lugar especificado, que estava iluminadopelo sol. Suasarmas são imensaseSariusduvidapoder levantarqualquerumadelase,muitomenos,lutarcomaquilo.OmachadoqueKeskoriancarregaéquasetãograndequantoopróprioSarius.
Osbárbarostomamsuasposiçõeseostamboresrufam.Já,jávaicomeçareeuestareimorto.Já,jávaicomeçareeuestareimorto.Aos poucos, os murmúrios ansiosos que vêm das fileiras de
espectadorescomeçamadiminuir.Noentanto,aausênciadebarulhonãomarcou o início dos combates. Um outro portão se abre, maior que osoutros. Quatro titãs da altura de árvores e de pele dourada entramcarregando uma plataforma redonda de ouro sobre a qual se encontramcincoguerreiros.Doisbárbaros,umaelfonegra,umhumanoeumhomem-gato.Oaplausodopúblicoengoletodososruídos,inclusiveamúsicaque—semdizernada—contasobre feitosheróicos,segredos,sobrecoisasqueguerreiros normais sequer podem imaginar. No meio da arena oscarregadoressedetêm;todoaqueleourobrilhanaluzdodiacomosefosseoprópriosol.
—SaúdemosguerreirosdoCírculoInterno—dizumavozqueparece
sairdetodososlados.—Elessãoosmelhoresentrevocês,osmaisfortes,osmais bravos. Lembrem-se durante a luta: qualquer um de vocês podepertenceraoCírculoInternosecomprovaremmerecimento.
Poucas coisaspareceramaSarius ser tãodesejáveisquantoaquilo.Oscinco escolhidos sobre sua plataforma tinhamum aspecto invencível, eletrocariadelugarcomqualquerumdelessempensar.Menosmalquehaviauma elfo negra junto, não só bárbaros. Ele poderia ter uma chance. Elepoderiaficarláemcima.Mascertamentenãocomoum3.
A plataforma possui um lugar de honra às margens da arena, osmembrosdoCírculoInternosentam-see,derepente,dominaumsilêncio.Ouvia-seapenassussurros,cochichosimpacienteseumamúsicabaixaqueaceleraosbatimentoscardíacosdeSarius.
Entãoumhomem,saídodonada,avançaàfrente.Eleestánu,excetoporuma tanga, suapele émarrom como couro velho e sua estrutura física émusculosa.Elecarregaumlongocajadonamão,queelebatebrevementecontra o chão, como se fosse ummestre de cerimônias de uma corte. Aatenção de Sarius prende-se em alguns detalhes curiosos: suaslonguíssimas orelhas pontudas ultrapassavam as de qualquer elfo negro.Possuíatufosdepelocomonovelosdelãcinzasobreasorelhas,e,nomeiodatesta,umbigodecomaspontasempéapontandoparaoslados.Pormaisque tudo fosse muito estranho, ele achava os olhos saltados o maisintrigante. Eram grandes bolas de gude brancas que ameaçavam cair aqualquermomento.
Comessesolhossalientes,ohomemolhaaoseuredor.Parecequetodosdesviamdo seu olhar.Alguma coisa não está certa com ele. Concentrado,Sarius examina omestre de cerimônias e descobre novas peculiaridades.Ospés!Pésdehumanocomgarrasdeavederapina.Maseletambémnãoeraoúnico.Orepelentehomem-aranha,cujavisãoSariusevitaaomáximo,também apresenta características esquisitas, porém, apesar das nojentaspatasbalançandoemsuacabeça, ele tentaparecermaisnatural, comosefizesse parte daqui. Já o grande Olho Esbugalhado parece um corpoestranho, como se alguém o tivesse deixado por engano no mundo deErebos.
Quandoohomemcomeçaa falar,ouve-seumbarulhocomoodeáguaemsuavoz.
—Asregrassãoconhecidas.Euconvocoosguerreiros.Nãoépermitidoa ninguém escolher um adversário menos avançado que o própriodesafiante.Começareipelosanões.Bahanior!
Passaram-seváriossegundosatéqueoconvocadochegasseaocentro.Sarius não consegue encontrar em sua roupa nenhum número gravado,Bahaniordeveser,portanto,nomínimoum3.
—Escolhaseuadversário—solicitaoOlhoEsbugalhado.Bahanior hesita aindamais. Ele vira uma, duas vezes em torno de si.
Fita,então,ahordadeelfosnegros.“Seelemeescolher,eletambémdeveserum3,docontráriomeunível
lhe seriamuito baixo”, conclui Sarius. “Isso não seria tão ruim. Com umanãonoterceironíveleuconsigomeresolver.”
Porém, Bahanior continua virando-se. Ele para diante dos homens-gatos,e,emseguida,dosvampiros.Omestredecerimôniasbateimpacienteseubastãocontraochão.
—Decida-se!Passa-se mais vários segundos. O público começa a se inquietar, e
algunsgritostornam-semaisaltos.—“Fracote!Baixote!Peidoderato!”SariusagradeceaodestinopornãoestarnolugardeBahanior.—EudesafioBlackspell—oanãodecidefinalmente.Pela velocidade com a qual Blackspell deixa a fileira de vampiros e
coloca-se diante de Bahanior, Sarius percebe que o desafiante não haviaescolhidoumaboaopção.Provavelmenteovampiroestádoisoutrêsníveisacimadoanãoemalpodeesperarparafazerpicadinhodele.Elelembra-sebrevementedoqueoMensageirorecentementelhecontara:queBlackspellumavezforaderrotadoporDrizzeletevequeretrocedertrêsníveis.Nessemeiotempoelecomcertezajáosrecuperou.Dequalquerforma,Drizzeldeveserterrivelmenteforte.Sariusnãoodesafiarádemaneiraalguma.
BlackspellsacaaespadaqueSariustantoinvejaporparecerforjadadevidro vermelho, enquanto que Bahanior, saltando violentamente, causa a
impressãodequererfugirporentreasfileirasdeespectadores.Suaespadapareceumafacademanteigaaoladodadeseuadversário.
—Peloquevocêsqueremlutar?Bahanior,irresoluto,seapoiaalternadamenteemcadaperna.—Seeuganhar,eurecebereiumníveldeBlackspelle…20moedasde
ouro.—Issoémuitopouco—replicaovampiro.—Doisníveise30moedas
deouro.Bahanior não responde. Pode-se perceber nele o amargo
arrependimentopelaescolhadeseuadversário.—Vocêestádeacordo?—omestredecerimôniasquersaber.—Eusótenho25moedasdeouro—admiteBahanior.Elesconcordamcomovalor.Doisníveis,25moedasdeouro.Sariusestá
convencidodequeissoémuitomaisdoqueBahaniorpodesepermitir.—Lutem!—gritaoOlhoEsbugalhado.ImediatamenteBahaniorrecuatrêspassos.Blackspellpersegue-ocomo
escudo desleixadamente pendendo para o lado, como se ele quisesseprovocaroanãoparaoataque.
Toctoctoc!Umbarulhodeumoutromundo.—Nick?Droga,agoranão!Não,porfavor!Semretirarofonedosouvidos,Nicksaltoudacadeiraeolhousobreos
ombros para a maçaneta virando. Era seu pai— por que ele não podiadeixá-loempaz?
Nick tentou taparomonitor comsuacabeça; aomesmo tempo, ele sedeu conta de qual imagem ele iria ter que passar. Com uma inspiraçãorepentina, ele desligou o monitor e abriu seu livro de química,arbitrariamente,emqualquerlugar.Emseusouvidosecoavaotilintardasespadas.
—Suamãeeeuqueremosiraocinema.Aindadáparaverumfilmedetarde antesdomeu turnodanoite.Você vem?Fazmuito tempoquenão
saímosjuntos.Pelos fones de ouvido penetravam os gemidos de dor. Era Bahanior,
comcerteza.Emseguidaouviram-seumaconfusãodesonseumgolpe.—Rapaz,eufizumapergunta!Dáparatiraressenegóciodoouvidoou
vocêachaqueeuacreditoquevocêestáestudandoenquantoescutaessabarulheira?—Orostodeseupaifoiganhandocor.
Maldição,maldição,maldição!Nicktirouosfonesdeouvido.—Melhorassim.Então,cinema:simounão?—Achoquenão,pai.Eutenhoqueestudar,estámaisdifícildoqueeu
pensava.Descrente,WilliamDunmoresacudiuacabeça.— E você não pode fazer uma pausa por duas horas? Você nem
perguntouquefilmenósvamosver.Agora a luta provavelmente já acabou. Blackspell com certeza ganhou,
mas quem poderia saber com certeza? E se o Olho Esbugalhado o tiverconvocadocomopróximodesafiadoreeleestiverparadolánamultidão?Oqueaconteceria?OqueNickmaisdesejavaagoraeramandarseupaiparaodiabo.
—Tantofazqualéofilme,pai.Euvouficaremcasa,certo?O olhar desconfiado de seu pai deslizou sobre a escrivaninha, o
computador,olivro.—Jáestáseachandomuitocrescidinhoparairaocinemacomseuspais,
nãoé?Mas para pagar tudo a gente serve, seria a próxima frase, é dinheiro,
dinheiro, dinheiro e nunca se tem um retorno. De vez em quando seu paificavacomessehumor,masporquehoje,porquejustohoje?
Nicksorriu,oquelhepareceudifícilcomopoucasvezesantes.—Podeacreditar, euadoraria iraocinemacomvocês,muitomaisdo
que ficar me esgotando com essa merda de trabalho de química. Mas onegócioestádifícilpracaramba.Nanoitepassadaeudormipessimamente.
Amaispuraverdade.Talveztenhasidoavulgaridadequefezseupaiacreditar.“Quemxinga,
nãomente”,diziaelesempre.Enfim,umerroconstrangedor.—Bem, se é sério assim, eu fico atémeio admirado, tenhoquedizer.
Esperoquesejanotáveloseuempenhonoresultadotambém.Infelizmenteéimprovável.—Éoqueeuesperotambém.—Entãotá,divirta-seaí.
Bahaniordesapareceudaarena,deBlackspelltambémnãohávestígios.Masumdelesdeveterganhado,não?Agoraumelfonegroestá lutando
contraumamulher-lagarto,masSariusnãoconhecenenhumdosdois.Elecontinuanomesmolocal,aoladodeXohoo,querendoperguntar-lheoqueele perdeu. Ele tenta, mas não funciona. Parece que não se permitiaconversasnaarena.Talvez também sejamelhor assim. Se ninguém notousuafalta,ninguémpoderáreclamardela.
Amulher-lagartolutasemarmas,maslançaraioscontraseuadversário.Será umamaga? O elfo negro consegue desviar-se duas vezes e a réptilcomeçaaretroceder,semforças,precisandodeumapausa.Oelfopercebeisso e a ataca com sua lança. A mulher-lagarto, no entanto, reuniunovamentemagia suficienteparaumnovo raio comoqual ela abate seuoponente.
— A vencedora é Dragoness. Ela receberá de Zajquor um nível e 15moedasdeouro.
HáumbreveruídoederepenteSariusvêsobreaarmaduradeZajquorumnúmero2aparecer.JánocasodeDragonessnadamudanapercepçãodeSarius.
Os escolhidos sobre a plataforma certamente estão vendo algo. Um 4virandoum5,porexemplo.
—Xohoo!—chamaoOlhoEsbugalhado.Oelfonegroao ladodeSariusestremece.Elehesitaporummomento
antes de agarrar firme sua espada e seu escudo e avançar. Os outros odeixampassareXohooseposicionanomeiodaarena.
“Boasorte”,pensaSarius.
—Escolhaseuadversário.Parece que Xohoo já refletiu sobre sua estratégia, pois ele se vira
imediatamenteaopequenogrupodehumanos.—EudesafioLordNick.Comoassim,seuidiota?Vocênuncavaiderrotá-lo!Contudo…quemsabe.
Seu instintopodetraí-lo,elenãoconheceoníveldeXohoo.Porque estoutãotenso?
Será que atrás de Xohoo se esconde alguém que Nick conheça? Quetalvez saiba que Nick Dunmore não está vagando há muito tempo pelomundodeErebosetenhaconcluídoqueseunívelnãopoderiaserassimtãoalto?
LordNick passa o olhar brevemente sobre Xohoo antes de chegar àfrente.Sariusestavacomamesmasensaçãoincômodadanoiteanterior.Avisão do lutador deixa-o confuso. Era tão familiar como uma imagemrefletidanoespelho,salvoofatodeelenãotercontrolesobreela.
Quem é você, hein? De repente fica claro para Sarius que todos oslutadores que já passaram por seu caminho fora do Erebos estarãoconvencidos de que por trás de LordNick está Nick Dunmore. Todas asporcarias que este autointitulado Lord fizer, serão creditadas a ele. Seubabaca,quemlhedeuapermissãoparaisso?
—Vocêsqueremlutarpeloquê?—Porumnívele20moedasdeouro—dizXohoo.—Nãoésuficiente.“AgoramesmoXohoojádeveestarsuspeitandodealgo”,pensaSarius.Oelfopareceinseguroesperandoaofertadeseuadversário.Comonão
vemnenhuma,elemesmodáapróximasugestão.—Umnívele25moedasdeouro.—Dejeitonenhum—esclareceLordNick.—Doisníveise,pormim,25
moedasdeouro.Masemtodocaso,doisníveis.—Paramimissoémuito.—Azar.Vocênãodeveriatermedesafiado,então.Sevocêpodeperder
doisníveissemmorrer,vocêteráqueaceitar.Eissovocêpode.“SeLordNickaomenosnãofosseumfilhodamãetãoarrogante”,pensa
Sarius.Ouseeupudessedizernaescolaqueeunãotenhonadaavercomele.Masissoécontraasregras.
OOlhoEsbugalhadolevantouseucajado.—Lutem!Comoumraio,LordNickatira-sesobreXohoo,queevidentementenão
contavacomumataque tão rápido.A longaespadadoguerreirohumanoatinge-onacintura,osangueesguichaeprontamenteouvem-sedenovoosgritosde“sangue,sangue,sangue!”dosespectadores.
“Calemabocaelhedeemumachance”,Sariusgostariadegritar,maseleestácondenadoaosilêncioe,alémdomais,issonãofariasentido.
O ataque que Xohoo tenta agora já está fadado ao fracasso. Ele vaiarrastandoumapernaeseucintojáestápretoemmaisdametade.
“Digaadeusaoseunível”,pensaSarius,tomadoporcompaixão.“Seeupudesse fazer melhor desafiaria também a LordNick e arrebentaria suacara.”
AcadapassoXohooficamais fraco.Elesangraemvários ferimentosedefende-sedosataquescontínuosdeLordNick.NofinalbastouapenasumabatidanoescudoeXohoofoiaochão.
— O vencedor é LordNick — anuncia o Olho Esbugalhado. — Elereceberádoisníveise25moedasdeouro.
Sobre a armadura de Xohoo aparece o número 2 em algarismosromanos. Como se o choque ao notá-lo lhe desse novas forças, ele serestabelece e enfia sua espada na perna de LordNick. A vítima, que nãocontavacom isso, saltapara trás,deixandoumapoçadesanguenaareia.Após um breve momento de espanto, ele estica sua espada e golpeia abarrigadeXohoocomsualâmina.Doisgolpes.Nocintodoelfojánãosevêumtraçosequerdevermelho.Elesucumbeinertesobreaareia.Começouumazombariaensurdecedoradosespectadores.LordNickrecuaumpasso,seupeitolevantavaeabaixavacompesadasrespirações.
Mas Xohoo morreu mesmo? A frieza invade Sarius. Com toda certezaainda deve haver umúltimo fiapinho de cor no cinto de Xohoo, o bastanteparacurá-lo.
—Vocêtemapenasumachanceparajogarestejogo—alguémsussurra
noouvidodeSarius.Terá ele ouvido isso mesmo? Ou sua percepção lhe estaria pregando
peças?Tantofaz,Xohoonãosemovimentamais,nemmesmoquandoomestre
decerimôniascutuca-ocomseucajado,primeirosuavementeeentãocomforça.Umsorrisoseesboçaemseurosto.Eleolhaparaopúblicoepassaodedoemseupescoço,emummovimentodequeindicavaqueestavamorto.
OndeéqueestáoMensageiro?Elenãoestánafileiradosbárbaros,nempróximo aos lagartos…E se ele tiver encontrado seu lugar bem atrás doselfosnegros?Sariusviraacabeça,procuranasfileirasdeassentoserecuaassustadoaoavistarohomem-aranha,mudandorapidamenteadireçãodoolhar. De repente ele o vê. Na terceira fileira, entre uma mulher comcabelosde cobraseumhomemcom trêsolhos, senta-sea familiar figuraesguia. Seu rosto está coberto pela sombrade um capuz,mas seus olhosiluminam-secomotremulantesvelasfúnebres.OMensageironãomoveumsódedoporXohoo.
Eles o levam. Dois guardas pegam uma perna cada um e arrastam ocadáverpelaarena,deixandoparatrásumlargorastrodesangue.
Perturbado,Sariusosvêsair.Étudotãoreal.Tremendamentereal.Seumedodenãodeixaraarenacomvidavoltacomodobrodeintensidadee,quando omestre de cerimônias aparece novamente, ele quase reza paranãoserchamado.Seudesejoserealiza.QuandooOlhoEsbugalhadocitaopróximolutador,pode-sepercebercomotodosseguramarespiração.
—BloodWork.O convocado carrega um machado, uma espada e um escudo
atravessadossobreascostas.PorummomentoinsanoSariuspensanoquefaráseobárbarooescolher,masissonãopodeacontecer.Eleéapenasum3,eBloodWorkprovavelmenteéummaldito95oualgoassim.
Obárbaroeomestredecerimôniasseminutêmquaseamesmaaltura.BloodWorkestáquaseexplodindodetantaenergia,elenãoconsegueficarparado por um sómomento. As armas em suasmãos balançam como seelastivessemvidaprópria.
—Escolhaseuoponente.
BloodWorknãohesitanemumsegundo.—EudesafioBeroxar.EreivindicoseulugarnoCírculoInterno.Aarenaprendeuarespiraçãocomose fosseumgigantescoanimalem
formadeanel.Seriapossívelouvirumaagulhacaindosenãohouvessetantaareia.Naplataformadeourolevanta-seumdosdoisbárbaros.
“Nadalógico”,pensaSarius.“Emseulugareuteriaescolhidoohomem-gatoouaelfonegra.”
Osadversáriostêmpraticamenteamesmaaltura.Beroxarcarregaumaespadacurvadaeumescudocomasdimensõesdeumtampodemesa.Seuelmo lembra a cabeça de um tubarão e estende-se até os ombros,protegendoatémesmopartedascostas.
—OquevocêexigirádeBloodWork,casoelesejaderrotado?—Trabalhoescravoporduassemanaseseisdeseusníveis.Seis!MasseBloodWorkestáimpressionado,nãodeixatransparecer.Ele
acenabrevementeacabeçaecoloca-seemposição.Paraensaiar,Beroxartalhaoaràsuafrentecomumgolpedesuaespada,quezumbecomoumenxamedeabelhas.
Nosminutosseguintes,Sariusnãopôdeformularqualquerpensamentoclaro. A luta o faz esquecer de tudo, inclusive de seu própriomedo. Emnenhummomentoosbárbarosdemonstramfraqueza.Elescircundamumaooutro,realizamataquesbreves,rápidoscomoraiosedefendem-secomamesma habilidade. A espada curvada de Beroxar desenha padrõesprateados ao redor de seu oponente, e omachado deBloodWork circulasua cabeça enquanto ele procura os pontos fracos de Beroxar com suaespada. O que, aparentemente, não há. A luta é como uma dança, cujaconduçãosealternaconstantemente.AtéqueBloodWorkrepentinamentesevira,ficandodecostasparaBeroxar.Aespadacurvadacanta,atingindooombro de BloodWork. A violência do golpe a crava bem no interior damadeira do escudo que BloodWork carrega afivelado a si. Com um girorápidoaespadapresaéarrancadadamãodeBeroxar.
Sem armas, Beroxar não tem qualquer chance. Uma machadada napernaeumaespadadanoflancoolevamaochão.
—OvencedoréBloodWork.
Obárbarolançaosbraçosparaoaltoegiraemcírculos,acompanhadoporumamúsicamagníficaepelojúbilodopúblicoque,emumsolavanco,saiudeseuestadodechoque.Comaplausosebatidasdepés,elesclamamonomedeBloodWork.
OgrandeOlhoEsbugalhadochegaaocentrodaarenaesilenciaamassacomummovimentodesuamão.Eleabaixa-sediantedobárbaroaochãoetoma seu colar. Uma corrente de ferro em cuja extremidade pende umaargolavermelhacomorubiedodiâmetrodeumfundodegarrafa.Oladointernoapresentaumapontacuja formalembraumespinhodeumarosaou um V curvado que aponta para o centro da argola. O mestre decerimôniascolocaa joiaemBloodWork.Umanovasalvadepalmassefazouvir e não diminui enquanto Beroxar volta a ficar de pé e, seguindo ainstrução do mestre de cerimônias, toma sua posição entre os bárbarosreunidos.
Sarius não percebeu o Mensageiro chegar ao centro da arena, noentanto,láestáeleagora,estendendosuamãoossudaaBloodWork.
—Sejabem-vindoaoCírculoInterno.Nóstodosesperamosquevocêseprovedignodestacondecoração.
BloodWorkoreverenciaesobenaplataformadeouro,sentando-senolugar de Beroxar. O círculo vermelho sobre seu peito brilha como umaqueimaduraembrasa.
OMensageirodirige-seaobárbaro.—ParaBeroxarcontinuarávalendoseuvoto.Issoelenãodeveesquecer
de maneira alguma. Traidores morrem rápido. Logicamente lhe serápermitido recuperar seu lugar no Círculo Interno em uma oportunidadeapropriada. Assim como está aberto a qualquer um de vocês— a largaextensão de seu gesto abrange todo o terreno— lutar por um lugar noCírculoInterno.
O guerreiro seguinte interpreta esse encorajamento literalmente edesafiaWyrdana,aelfonegradoCírculoInterno.Ela,maisquederrotá-lo,ofaz empedaços. Sua chuva de bolas de fogo, descargas elétricas e lançascerteirasnãodurammaisqueumespirro.Poucodepois,seudesafiantejaznaareiaedeixaaarenacomoumtristenível1.
Umaovaqueelfosnegrosnãoservemparanada.Queroveralguémfazerigual a ela. Sariusquase sente crescer emsium tipodeorgulho.NãomeadmiraqueBloodtenhapreferidoapostaremumdosoutrosbrutamontes.
AstrêslutasseguintesnãosãonadaespetaculareseospensamentosdeSariusseperdem.Suaatençãodespertabrevementequando,pelaprimeiravez, luta-seporumcristaldedesejos—nemLaCor,ovampiro,tampoucoMaimai,amulher-gato,possuemum,masestãoambosbastanteávidosporele.Comsuamágica,oOlhoEsbugalhado faz surgirumeooferececomorecompensa.Amulher-gatooobtémsemmerecê-lo,enquantoLaCorperdeumnível.Paraquem?Paraninguém.Efoiisso.
—Feniel!Atéentãonãoahaviavistonogrupodeelfos,masagoraelapassapor
ele desfilando. É uma grande pena que os escorpiões não a tenhamagarrado, com aquela sua cara idiota e seu nariz empinado. Sarius a vêposicionando-se no centro da arena e espera que faça uma escolharealmenteruim.Drizzeltalvez,ouumoutroquelhearranqueseusníveisnapancada.
—Escolhaseuadversário.Antesmesmodearespostasair,Sariussenteseucoraçãodarumsalto.
Elejásabequalserásuaescolha.—EudesafioSarius.Na mesma hora voltam o medo e a imagem de Xohoo morto, sendo
carregadodaarena.Masnãohá tempoagorapara isso.ElenãoconsegueveroníveldeFenieleela tampoucoodele,docontrárioelanãopoderiadesafiá-lo.Portantoelaéuma3.Sariusdeveráconseguir.
Os protestos impacientes do público o fazem perceber que continuaparadocomoquepetrificadoentreosoutroselfosnegros.Entãovamoslá!
Fenielnãotemcomosaberqueeleéum3.Entãoporqueelaoescolheu?Por ela ter conseguido tomar o seu lugar na luta contra o escorpião?Provavelmente.
Ele abre caminho entre os outros elfos, sem olhar para os lados. EleprecisadeumatáticaparaenfrentaraalabardadeFeniel.Dessamaneira,ela manterá distância dele, sem dúvidas. Sarius já se vê, ineficiente,
golpeandooarcomsuaespada,enquantosuaadversáriaenfiaapontadesuaarmaentresuascostelas.
—Peloquevocêsqueremlutar?Fenielnãopensapormuitotempo.—Porumnívele20moedasdeouro.Todostêmouro,menosSarius.Noentanto,elepossuiaindaasvasilhase
pratos do violador de tumbaque ainda não vendeu, e dos quais tinha seesquecido. Por que só agora ele se lembra disso, agora quando opensamentoapenasoatrapalha?
—Eunãotenhoouroeeupreferirialutarporumcristaldedesejos—dizele,semgrandesesperanças.
Deperto,oOlhoEsbugalhadoédeumafeiuradifícildesuportar.Apelecor de terra apresenta fissuras e rachaduras como se fosse tinta pintadasobre uma tela velha. A sensação de que o mestre de cerimônias nãopertenceaestelugarsesolidificanacabeçadeSarius.
—Cristaisdedesejosnãopodemserescolhidos—explicaohomem.—Vocêslutarãoporumnível.Issodevebastar.
—Elelevantaseubraçoparamostrarqueelespodemcomeçar.OsegredodeveserseesquivardalançadeFeniel.Sariussaltaparaláe
paracá.Nãodeviasermuitolento.Ésónãoserumalvofácil.InfelizmenteseussaltosnãodeixamFenielnemumpouconervosa:elaparecetertodootempodomundo,paradacalmamente comaalabardanasduasmãoseaponta,obviamente,viradaparaele.Sariusensaiaumpseudoataqueesaltaimediatamenteparalongedeseualcance.Nadaacontece,sóqueapontadaalabardaquaseofere.Masnomomentoemqueeleabaixaligeiramentesuaespada,maisporfaltadejeitoqueporexaustão,Fenielrealmenteexplode.Dois saltos e ela está junto a ele, com a ponta de sua arma apontandodiretamenteparaoseupeito.Elelançaseuescudoparacima,masjáétardedemais... ela o atinge, e o som estridente começa,mas com um golpe deespadaeleafastaaalabardadelaparaolado.
Giznoquadro,garfonaporcelana.Serrotenonervoauditivo.Desta vez o somnão desperta em Sarius nada alémde coragem. Sem
atentar para sua defesa, ele bate mais uma vez com a espada contra a
alabarda e adetémcom toda sua força.Deixa seu escudo cair e agarraolongocabo,mantendo-oafastadodesi.
—Sarius,Sarius,Sarius!Elesestãotorcendoporele?Aquiloémaisumcochichodoqueumgrito
de várias vozes, como chamados de fantasmas. Eles o estariamhipnotizando?
Ele pisa sobre seu escudo e quase tropeça, mas não larga a arma deFeniel.Seucorpoestádesprotegido;sehesitaragoraeleéumidiota,entãoela vai meter-lhe um golpe certeiro, e o som irá quebrar seus tímpanoscomosefossemdevidro…
Ele crava sua arma no peito de Feniel, puxa-a novamente, e crava-aoutra vez em suabarriga.O sangue esguichade ambos os ferimentos, asmãosdeFenielescorregamdaalabardaeelacainochão.Elecontinua,seucintojáestápraticamentesemcor,sómaisumgolpe,umaestocadae…
—Sariuséovencedor.Avozoarrancadeseuêxtasedecombate.Fenielnãosemexemais,nem
umpouco.Eleabaixaaespadae,nomesmoinstante,osomdeferimentosesilenciaeamúsicarecomeça.
Uma música imponente, como em um filme, quando o herói ganha abatalhadecisiva.FoiassimcomBloodWork,mascomnenhumdosoutroslutadores. “Por quê? Porque só eu a posso ouvir, porque ela é parte deminharecompensa,assimcomoo4queagoracertamenteencontra-seemminhaarmadura,eo2,querepentinamenteaparecenocoletedecourodeFeniel.”
Suaadversáriaécarregadadali,nãopelaspernascomoXohoo,mascomcautela e rapidez. Então é bemprovável que ela ainda esteja viva e umaconversaminuciosacomoMensageiroaaguarde.
Ele, por sua vez, é um 4. Um 4 vitorioso e intacto. Sarius coloca-senovamente no canto dos elfos negros. Ele olha ao redor e agora podereconhecer claramente os de nível 3, e desses há aosmontes. Amulher-lobo,porexemplo,queomestredecerimôniasestáconvocando.
—Galaris!Ummomento. Galaris, esse nome Sarius conhece.A caixa demadeira.
Totteridge.OviadutoDollisBrook.TeriaGalarisescondidoaagourentacaixasoboteixo?
Elenãopodeperguntar-lheagora,poiselaestáocupadaescolhendoumadversário. Além disso, Sarius tem certeza de que sua curiosidade não éestimada pelo Mensageiro e seus gnomos. Galaris, cujo cabelo castanho-escurobrilhanosolcomochocolatederretido,decide-seporumabárbarachamadaRahall-LA.Corajosa.Ou estúpida. No final valeu a pena: ela lutacomarcoeflechaeRahall-LA,tambémuma3,sequerseaproximadela.
Em seguida lutam alguns dos níveis mais altos entre si; as lutasdemoramesãodisputadascomenormevigor.Sariustentafixarosnomesedetectareventuaisfraquezasdosoponentes,maslogoeledesiste.Emtodaapartesesenteumaperdadeinteressepelopúblico.Algunsdaquelesquejápossuemumavitórianaarenaseretiram.Sariusossegueparaointeriordo local após testemunhar a luta entre Drizzel e Keskorian, na qual obárbaroperdetrêsníveis.“Drizzeléumtrapaceiro”,lembra-seSarius.
NasaladeesperadoselfosnegroseleencontraLelanteArwen’sChild.—…óbvioqueéidiotalutarnovamentedepoisdejáterperdido—diz
Lelant.—EugostavadoXohoo—declaraArwen’sChildapósumabrevepausa.
—Étristeeletermorrido.Achoqueelemereciamaisumachance.Sariuspensadamesmaforma.Xohoopelomenoserasimpático.Porque
issonãoaconteceucomLelant,essecovardelinguarudo.—Evocênãoluta,não?—pergunta-lheSarius.—Issoédasuaconta?—bufaLelant.— Ele nunca luta nos duelos, sempre espera pela grande batalha no
final.Assimsearriscamenosepodeganharmais—informaArwen’sChildnolugardele.
— Escute, você tem mesmo que ficar espalhando tudo por aí? —reclamaLelant.
Eleaindacarregaamesmaarmadolabirinto,nenhumarmamentonovoatéondeSariusconsegueperceber.Eseeleaindatemocristaldedesejos?SeráqueSariuspoderialançar-sesobreLelantevasculharseuspertences?Provavelmentenão.
—Batalhanofinal?—perguntaeleemvezdisso,virandoascostasparaLelantintencionalmente.
—Cara, você não tem ideia de nadamesmo— alfineta ele antes queArwen’sChildpossaresponder.
—Sim,nofinaldecadatorneioháumagrandeluta,todoscontratodos.É bastante perigosa, pois lá os de nívelmais alto também podem surrarvocê.Mas,emtroca,vocêtambémpodetomarascoisasmaisvaliosasdosoutros.
—Cristaisdedesejos?—perguntaSarius,olhandoLelantderelance.— Bem, sim… se alguém estiver andando por lá com um. Mas isso é
improvável.Parasersincero,umagrandebatalhanomomentonãolhepareceuma
boaideia.Eleacaboudeganharumnível,epoderiaperdê-lorapidamente.Poroutro lado,quemdissequeestavadescartadoconseguirmaisdoisoutrês?
—MuitolegalmesmooXohoojáestardebaixodaterra—Lelantmudadeassunto.
Oimbecilnãodásossego.Esperesóparaver,Colin.—Ele eraum idiota.Não calava abocanunca. Enunca iria conseguir
ficarentreosúltimos,entãodeunomesmo.Eleeramolengaquenemvocê,Sarius.Achoquevouacabarcomvocêdeumavez,quandoabatalhaláforacomeçar.VásedespedindodeArwen.
—EumechamoArwen’sChild,seuretardado.—Quemseimporta?Era como se todos estivessemesperandoporum tirode largadapara
começaremumacorridaemváriasdireções e, de certamaneira, erabemisso mesmo. O grande Olho Esbugalhado posicionou-se às margens daarena, sustentando seu cajado no alto. Sarius corre a multidão com seuolhar mais uma vez. Não muito distante dali, encontra-se um 2, umvampiro, que seria uma presa fácil. Bem ao seu lado está LordNick, queaguardaimpaciente,edequemSarius,porsuavez,devemanterdistância.Omestre de cerimônias explicou com clareza: quem já está lutando nãopodeseratacadopornenhumaoutrapessoa.
Então tinhaqueencontrarumavítimaquevalesseapena,umavítimafácil,antesquealgum9achequeSariuspossaserumbomalvo.
O 2 vampiro é perfeito e está realmente perto. O Olho Esbugalhadobaixa seu cajado, Sarius sai correndo e imediatamente avista Lelant. Elefechouovisordeseureluzenteelmoesverdeadoeagoralembraumsapode aço sobreduaspernas.A espadadeLelant está apontadapara Sarius,mascorrendoelenãopodemirardireito,ogolpenãoacertaepassaapenasderaspãopelobraçodeSarius.Apancadanãocausamaisqueumrangido,comoodeumportãodejardimmuitooxidado.MasissofazafúriacresceremSarius,comoumardentesolvermelho.
SeéissoqueLelantquerter,éoquevaiter.Sariuspôdegolpeá-locomoescudoemsuascostelascomoumaríetee,sobretudo,pôdeatingi-locomaespada:primeiroemseuelmo,depoiscontraaarmadura.Oprincipaléqueelenãotenhatempopararecuperaroequilíbrio.
DestavezSariusnãoprecisademúsicasoleneparasesentircomoumcapitão. Basta observar Lelant recuando, defendendo-se desajeitado,tropeçando,perdendooescudo.Observá-locairejazersobreochãocomaespadaparaoalto,comosefosseumferrãodeabelhaesobreoqualLelantestivesseesperandoqueSariuscaísse.
Apósdoisvigorososgolpes,aespadatambémseperde.Comsatisfação,SariusvêosanguenoombroenopeitodeLelant.Osferimentosdevemserobastanteparaumsomrealmenteterrível.
EleapontaaespadaparaagargantadeLelant,bemnajunçãodoelmocomaarmadurae resisteà tentaçãodesimplesmenteapunhalá-lo.Mas eagora?Conversarelesnãopodemaqui.
Como sempre, um gnomo traz a solução. Um largo sorriso se estendesobreseurostoazulado.
—VejoqueaquifoiSariusquemganhou—grasnaele,eexibeositensdeLelant.
—Livreescolhaparaovencedor.ObviamenteSariusprocuraprimeiroporseucristaldedesejos.Porém,
elenãoestámaislá,lógico.QuemvaisaberoqueLelantfezcomaquilo.Quemvaisaberoqueéquese
fazcomaquilo.Mas, pelo menos, Lelant tem guardadas 130 moedas de ouro.
Esplêndido.Sariusasagarraeéimediatamentedetidopelognomo.—Nãomaisqueametade.Tudobem.Sessentaecincomoedasdeouro jáéumaboagrana.Além
disso,Sariusencontraumpardebotascheiasdeesmeraldas,umpunhaleumfrascodepoçãocuradora.Elelevatudosemognomoprotestar.EstesóvoltaasepronunciarapósSariusguardarsuasaquisiçõesemsegurança.
—Égananciosomesmo,orapazaqui.Nãoéprecisonemdizerquenãopodemaispegarquantosníveisquiser.Doisaindapodepegar,sedeixaroderrotadocomseusarmamentos.
Sarius prefere os níveis ao armamento de Lelant. Para seu enormecontentamento,apareceocincoemalgarismosromanossobreaarmaduradoderrotado.
Entãoeleeraum7eeu,comoum4,presafácilparaele.Ounão.Vocêsesaiumal,Lelant, seu idiota.Mas agoraelemostrouaLelant, o idiota, comquantospaussefazumacanoa.
Ele o observa levantar-se vagarosamente, mancando, da mesmamaneiracomoseretiramalgunsoutroslutadoresderrotados.Agoraeraum6.Sariusfinalmenteobtémumpanoramamelhor:eleconseguereconhecero nível de mais ou menos um terço dos combatentes. Entre eles,infelizmente, não estão muitos rostos conhecidos. Blackspell, LordNick,Keskorian e Arwen’s Child continuam superiores a ele, ou pelo menosiguaisaele.Umapena.JáSapujapuaparececomoum5,assimcomoNurax.Amboscontinuamenvolvidosemsuasrespectivaslutas.Naoutrapontadaarena Sarius descobre Drizzel, que tenta arrancar BloodWork daplataformadoCírculoInterno.
— Você está preparado para mais uma luta? — o gnomo azul quersaber.
Ele está?Elenão sabe comcerteza. Seriamuito tentador ganharmaisalgunsníveis,maselenãoquerabusardasorte.
Começarodiacomo3eterminarcomo6realmentenãoénadamal.—Não.Porhojejábasta.
—Entãodeixeaarena.Éoqueelefaz.Eletomaomesmoportãopeloqualentrou,lançaainda
umolharparaasaladoselfosnegros—ondenãoháninguém,realmenteninguém—emarchaemdireçãoàsaída.Quandofoiaúltimavezemquesesentiutãobem?Elenãosabe.Devetersidohámuitotempo,umanotalvezoudois.Animadoecomouroaosmontes,Sariuschegaàrua.
VejamosoquemaisaCidadeBrancanosreserva.
12
Do lado de fora da janela estava escuro, da sala se ouvia o noticiário danoite. Nick massageava suas têmporas doloridas. Sarius havia trocadotodososseustesourosporouro,inclusiveopunhaldeLelant,quehavialhedadoumlucroinesperado.DepoiselevoltaraaoÚltimoCorte,deondefoiexpulso por Átropos semmais nemmenos. O porquê ele não sabia e elatampoucoestavadispostaadar-lheumaexplicação.
A noite foi caindo sobre a Cidade Branca, em toda parte tinhamacendidotochasecestasdefogo.
Anoite eraumhoráriopromissornomundodoErebos.Anoite era ahoradoMensageiro.Masnãosepodiavê-loemlugaralgum.
OsolhosdeNickardiamcomoseeletivessenadadoporhorasemáguacomcloro.ProvavelmenteelesestavamvermelhoscomoosrubisnopunhaldeLelant.
Fazerumapausapareciaserumaboaideia.Comerpareciaserumaboaideia.Eleirialevantar-seedarumavoltanacozinha.Mamãejáfezajanta,sem
dúvidas.Elefitouomonitor,asruasdacidade,seuegoélfico.Nãoconseguiasair. Algo lhe dizia que a qualquermomento alguma coisa iria acontecer.Um ataque de orcs, uma tarefa doMensageiro, umamissão, um enigma.Algoqueeleperderiasesedesconectasse.
Quetalumahorinha?Umahoraparacomer,pratrocaralgumaspalavrassimpáticascommamãeepapai…parairaobanheiro.Sóagoraelepercebeua urgência daquilo e como ele estava retorcido na cadeira para manter
tolerávelapressãoemsuabexiga.Andelogo,vamos!Masprimeiroeleprecisava fecharoprograma.Nick
passou o cursor domouse sobre omonitor.Onde posso salvar e fechar ojogo? Até agora, percebeu, ele nunca o havia feito. O jogo ou o haviaexpulsadoouobrigadoa fazerumapausa;porvontadeprópriaelenuncahaviasaído.Provavelmentetalcoisasequerestáprevista.
Nick avaliou suas opções. Ele poderia simplesmente desligar ocomputador,maseraarriscado. Se issonãoagradasseaoMensageiro, eleprovavelmentepassariaamãoemseusníveispenosamenteconquistados.Oupoderiaocorreralgoaindapior.
Uma outra alternativa era deixar o computador rodando e desligarapenasomonitor.Nessecaso,Sariusficariacomoqueparadonomeiodarua e qualquer nível 1 que passasse poderia tomar-lhe seus pertences.Tambémnãoeraumaboaideia.
Nicksentiasuabexigapertodeestourar.Eleprecisava iraobanheiro,nãotinhajeito.MasanteselesóteriaquecolocarSariusemsegurança.Masonde?
Aideiaveiocomoquecaídadocéu—eleaindatinhaoquartoalugado!AndoucomseuelfonasruasjáescurasdaCidadeBrancacomoseograndeOlho Esbugalhado em pessoa estivesse atrás dele. Era por aqui? Ele selembroudeumaescadaestreita,quesubiaaoladodeumapadaria;alieletinha que continuar subindo e depois virar à direita. Mas, onde está amalditaescada?
ElefezSariusandar,andareandar.Abarraazuldeenergiaficavacadavezmenor—eissoapesardeeleserum6!Senãoseorientasselogo,eleirialargaraquiloesimplesmenteirfazerxixi.Masnãoaqui,nestaesquinasombria,poronderondamfigurassuspeitas.
Padaria. Escada. Finalmente. Ele fez Sarius passar correndo sobre asoleira da hospedaria, subiu os degraus rangentes até seus aposentos,fechouaporta,desligouomonitor.Eagorarápido,porfavor,rápido…
Nick deu um salto, correu como se perseguido por cães selvagens eirrompeupelobanheiro.Eporpouconãoconseguiu.
—Nick?—seupaigritoudasala.—Sevocêbaterassimcomaporta
maisumavez,vocêvaiversó.
Havia lasanhade legumes com tofu emvezde carne,masdestavezNicknãoreclamou.Elemalsentiaogostodoquecomia.Seuspaisconversavamsobreo filmequeeleshaviamvistonocinemae secontentaramcomumeventual “hum” ou “ahã” lançado por ele. Eles só se assustaram, porém,com a quantidade de comida que Nick devorava. Ele mesmo estavaespantado, até perceber que ele não havia comido nada desde o café damanhã.
Mas agora precisava se apressar. Ele deixara Sarius sozinho nahospedaria, desprotegido e conectado.E se houvesse um incêndio?Ou umassalto?EseLelantoencontrasse?
“Eudeviaterdesconectadoainternet,pensouNick.Apesardeeunãoterideia do que pode acontecer. Será que os gnomos vãome levar a mal econtaraoMensageiro?”
Jáselevantando,elecolocouoúltimopedaçoemseugarfo.—Obrigado,estavabommesmo!—sorriuparasuamãe,quesorriude
volta.Estavatudobem,apenasseupaifezumacaretanovamente.—Nãomedigaquevocêvaiestudardenovo.Nãodáparaacreditar.—Não,porhojejáchega—disseNick,bocejandointencionalmente.—
Euvoulerumpoucoedormir,jáestoumaisparaládoqueparacá.—Aúltimavezquevocêfoidormiraessahoravocêtinhaoitoanos.— Eu já não disse que vou ler antes? — respondeu Nick, com mais
agressividadedoquequeria.—Desculpe.Químicamedeixameioirritado.Seupairesmungoualgoincompreensível.Nicknãoperguntounada.Ele
precisavacuidardeSarius.
Alua,quereluzatravésdajaneladataverna,estánamesmafaseminguantequealuasobreLondres.MasLondresestábemlonge.
Sariusestádeitadoemsuacama,comosbraçoscruzadossobacabeçaeoolhar voltadoparao teto. Emalgummomento alguémdeve ter trazidoumacarta;oseloamarelodeceraquea lacrapossuia formadeumolho.
Antesdeabri-lo,eleverificaseuspertenceseseacalma:tudocontinualá.Oouroeapoçãocurativa.
Eleabreacarta,queécurtaepoucoesclarecedora:
Os outros já se foram. Você era necessário e negou sua ajuda. Estamos decepcionados,Sarius.Suanegligêncianãopoderáficarsemconsequências,entendeu?
Acartaéassinadanovamentecomumamanchaamarelaemformadeolho—maisqueissonemserianecessário.Sariusestragoutudo.
No momento em que ele larga a carta, o castiçal sobre sua mesa seapaga, no instante seguinte a lua se apaga. Omundo do Erebos torna-seescuroesilencioso.Sariusestápresoe,poralgunspavorosossegundos,elepensa que dessa vez será para sempre. Mas isso obviamente não fazsentido, ele hoje se saiu fantasticamente bem. O Mensageiro disse queprocuravaomelhordosmelhores. Sariuspoderia serumdeles. Ele sabe.Elesente.
A lasanha de legumes caiu mal no estômago de Sarius. Se você tivessecomidomenos,sevocêtivessecomidomaisrápido,vocênãoteriaperdidoamissão.Desesperador,isso.Nickfitavaomonitornegro.Nãoerajusto.Mascomo sempre, a escuridão permanecia implacável e resistente àsreiniciações,aospedidoseaosxingamentos.
Ondeéqueosoutrosestariamagora?EstariaLelantjuntodeles?Seráqueeleoalcançariaestanoite?Maldição,maldição,maldição.E tudoporNicknãosabercomosepausaessejogodireito.
Desanimado, ele verificou seus e-mails sem encontrar nada quemelhorasseseuhumor.Maisporcuriosidadedoqueporumanecessidadereal,Nick acessouapáginadeEmilynodeviantART e encontrou umnovopoema.
NoiteEmminhacama
façovigíliaatrásdeumapaliçadadetravesseirosecobertores.Comosolhosbemabertoseuespreitoascriaturassussurrantesqueintimidamaluzdodia,gêmeosescurosdemeupensamento.Comosbraçosabertoseutateiooconhecidoenãoencontrosequeramimmesma.Apenasarodadeoraçõesmatraqueianaminhacabeçaconstante,ininteligível,loucaeeurezoporumcessar-fogoentreodiaeanoite,pelosgrãosdeareianosolhoseaprimeiraluzdamanhãqueépálidacomovocê.
HaviaalgonopoemaquedesviouNickbrevementedesuafrustração.EleofezacharqueseriabomfalarmaisumavezcomEmily.Perguntar-lhe,porexemplo, se ela estava bem ou se andava com problemas. Ele pensourapidamenteesedesfeznomesmoinstantedaideia.Elesnãoseconheciambemobastanteeelesóiriaseridicularizar.
OiEmily.Eusóqueriaperguntarsevocêestábem.Ou…hã…seandacomproblemas.
Nãoando,não.Porquê?Eusópenseinissoporqueeuliesseseupoema…Ah,onde?Nodeviantart.Ora.Comovocêficousabendomeunomedeusuário?Então, eu ouvi uma vez quando você estava conversando comMichelle
sobreisso.Sintomuito.Sério.Eutambém.Fiquelongedemim,Nick.Nainternetenavidareal.Issoqueiriaacontecer,nãoseriadiferente.Provavelmenteopoemaera
apenasarteenãotinhaabsolutamentenadaavercomavidaemocionaldeEmily.
Nick deu um empurrão em seu mouse, fazendo-o escorregar pelaescrivaninha inteira, e ajeitou seu rabo de cavalo. Ele poderia, em todocaso,tentarmaisumavezrodaroErebos. Jáhaviamsepassadounsbonsdez minutos, possivelmente isso já bastava como castigo para oMensageiro. Talvez ele só quisesse avaliar a persistência de Nick paraentrarnovamente.
Nãofuncionounemdaprimeira,nemdasegunda,nemdaquintavez.Droga, isso não era justo mesmo. A noite estava arruinada. O único
confortofoiaexpressãodeespantodeseupai,que,aoolharrapidamenteparadentrodoquarto,encontrouofilhorealmentelendo.
21h:34, anunciavamos luminosos dígitos vermelhos do rádio relógio.Hádez minutos Nick havia decidido ir dormir cedo. Ele queria armazenarsono,poisseelesesaíssemelhoramanhã,poderia jogaranoite inteiraerecuperar tudo o que acabara de perder. Segunda opção: fingir que estádoenteedeixaraescolapra lá.Colin já tinha feito isso, com toda certeza.AssimcomoHelen,Jerome,Alexe—ah,provavelmentetodososoutros.
Mas Nick sabia que ele não iria matar aula, principalmente amanhã.SeriaseuprimeirodiadeaulaapósBrynneterlhedadooDVD.Amanhãeleiriavertodomundonaescolacomoutrosolhos.Seusadversáriosdecarneeosso.ElequeriafalarcomColinetentardescobrirquemseescondiaatrásdecadapersonagem.ElequeriadescobrirquemeraLordNick.
Quemsabeoqueestarão fazendoagora.Talvezestejamtendoomelhordesafio.Semmim.Merda.
Nickvirou-separaaesquerda,depoisparaadireita,eosononãovinha.Malfechavaosolhos,viaasbatalhasdodiaanteriormaisumavezdiantedesi: o grande Olho Esbugalhando brandindo seu cajado e vindoameaçadoramenteemsuadireção,Xohoosendocarregadodaarenapelaspernas,sobreaareiaensanguentada…
Com um suspiro pesado, Nick cruzou os braços sob a cabeça. 22h13,indicavaorelógio.Jáestavapertodeseuhorárionormaldeirdormir,maseleestavadespertocomoemrarasvezes.Como seráqueXohooaguentousua eliminação? Será que o reconhecerei amanhã? Isso, claro, se ele
estudasse nomesmo colégio que Nick. Claro que não, que ideia ingênua.Obviamente nem todos os jogadores do Erebos seriam seus colegas deescola.Elefechouosolhosnovamente.
Quantoshaviamestadohojenaarena?Cercadequarentaou cinquentaelfos negros, trinta vampiros, vinte anões. Bárbaros? Também vinte,aproximadamente. Lobisomens um pouco menos — quinze? Sim, mas oumenos. A quantidade de criaturas felinas e répteis era mais ou menos amesma.Eaindahaviaos três sereshumanos.Muitobem, isso tudo somavauns… 160 ou 170 lutadores. Um volume considerável, mais uma ninhariacomparadoàquantidadedejogadoresdeoutrosvideogamesvirtuais.Aindaque logicamente nem todos os jogadores do Erebos estivessem reunidos naarena, mas com certeza uma grande parte, sim. E esse detestável CírculoInterno. Os campeões. Será queDrizzel conseguiu arrancar algumdeles deseu pedestal de ouro? Nick esboçou um sorriso. Provavelmente não.ProvavelmenteDrizzelarrumoufoiumapancadanacachola.Bemfeito.
22h21.Eseeu tentarmaisumavez?Poderiabemserqueobanimento játivessesidocancelado.Emtodocaso,Nicknãoconseguiadormir.Tinhaquetentarpelomenosmaisumavez.
Ele acendeu o abajur, foi para o computador e o ligou, com umasensaçãodeapertodopeito.Nãofiquenervoso,seuidiota.
CliqueduplosobreoEvermelho.Nada.Maisumavez.Denovo,nada.Sempensarmuito,NickfoiparaapáginadoGoogle.Seelesoubessemaissobre o jogo, certamente encontraria umamaneira de rodar o programanovamente. Se bem que o Mensageiro havia ficado sabendo da primeiratentativa de Nick. Não sei como isso foi possível. Uma segunda tentativaprovavelmenteiriacontrariá-lo.
NickteveaideiarepentinadeacessarapáginadaAmazon.Seojogoerauma cópia pirata, tinha que haver um original. Ele digitou “Erebos” nocampo de busca e clicou em ENTER, esperando receber uma novaadvertência que iluminaria de vermelho seu quarto escuro. “Não foi umaboaideia,Sarius.Foiumaideiaestúpida,paraserexato.Umaideiamorta.”
MasaAmazonlistouumarelaçãodeCDSdeópera:OrfeueEurídice em
várias versões. Por quê? Ah sim, havia uma ária com o título Chi maidell’Erebo, seja lá o que isso significasse. Infelizmente, saber disso não olevou nenhumpasso adiante. Não existia um jogo chamado Erebos. Nemmesmoumanúncio.Comopodiaentãohaverumacópia?Equem,nomundointeiro,possuíaooriginal?
NickexaminouasdiferentespinturassobreascapasdosCDSdeópera.Amaioria eram partes de pinturas e lembravamNick de alguma coisa. Eledemorou algunsminutos até descobrir. Elas o faziam lembrar do grandeOlhoEsbugalhado.
22h57.Denovoparaacama—jáeramesmoobastanteparaNick.Senãoerapossíveljogar,elequeriapelomenosdormir.Estavadesalentado.
Umjogoquenãosepodecomprar.Umjogoque falacomvocê.Umjogoqueteobserva,terecompensa,teameaçaeteimpõetarefas.
“Às vezes eu acho que ele está vivo”, Colin havia dito. Colin não eranenhumcandidato aoPrêmioNobel,mas ingênuo elenão era.Não, claroqueessejogonãoestávivo.Maseleeraforadocomum.Atédemais.
Sariusestádeitadonochão,LordNickestáparadosobreele, sorrindo-lhecomseurostoassustadoramentefamiliar.
—Euestavaaíprimeiro—diz.—Vocênãoénadaalémdeumimbecil.EleestendeumasacolaparaSariuscheiadecabeçasdentro:de Jamie,
Emily,Danedeseuirmão.—Escolhaum,ouvocêvaiquerer ficarparasemprecomessa fuçade
elfo?Sarius odiava LordNick; quer saltar e sacar sua espada, mas ele não
conseguesemovimentare,alémdisso,o lugarestáescurocomoemumacripta.
—Podemoslutar,oquevocêacha?—profere.—Lutarpordoisníveis.Masvocêtemquedeixareumelevantar.
— Por níveis? Sem chance, Sarius. Lutaremos por anos. Dez anos devida,oquevocêacha?
Sarius percebe estar realmente ouvindo a voz de um de seusadversáriospelaprimeiravez.Comoassim?Ecomoassimanosdevida?Elenãopodeestarfalandosério,issoéimpossível.Aideialhecausamedo.
—Nãoquero,issoéumaapostaruim.Eletambémouvesuaprópriavoz,elasoachorosaealta.
—Tudobem—dizLordNickejogaparaoladoasacolacomascabeças.—Entãovocêestáeliminado.
Ele pega sua espada com ambas asmãos, levanta-a e o apunhala. ElepregaSariusaochãocomoumaborboleta.
Sariusgritaeberra.Elenãoquermorrer…
Foramseuspróprios gemidosqueacordaramNick. Seu coraçãobatia tãorápido como se ele tivesse andado correndo. A escuridão de seu sonhocontinuavaaoseuredor,talvezelesequerestivesseacordado.
Láestavaorádiorelógio,quefelicidade.3h24.Nickjogou-sesobreseutravesseiro e tomou fôlego. Seu próprio grito ainda ressoava em seusouvidos.Nickdesejouquesótivessegritadoemseusonho,docontrárioacasainteirajáteriasidoacordadaporele.
Masoapartamentopermaneciacalmo,nemsuamãeetampoucoseupaivieramespiarparasaberporqueofilhoestavagritandoaplenospulmões.Quesorte.
Elefechouosolhoseosabriuoutravez.Aideiadedormirnovamenteainda era inquietante. Era bem possível que LordNick estivesse a postosparaoutroataquenomundodossonhoscomasacolacheiadecabeçaseaespada.
Ir fazer xixi é uma ideiamelhor. Ele partiu lentamente emdireção aobanheiro,tomandocuidadoparanãoacordarseuspais.Eletentoulembrar-sedavozdeLordNick,maselaera simplesmenteumavozqualquer;nãopodiarelacioná-lacomnada.
Porquenãopodemosconversaraovivoduranteojogo?Falardeverdadeunscomosoutros,comoemqualqueroutrovideogamevirtual?
Arespostaestavanapontadalínguaaessahoradamadrugada:porqueosjogadoresnãodeveriamsereconhecer.Porqueelesnãodeveriamsaber
comquemnavidarealelesestavamlidando.Masseráquetodosrealmentemantinhamabocafechada?
Nick apertou a descarga delicadamente e foi na ponta do pé até oquarto.Elenãoestavanadacansado.Nemumpouco.Elepoderiarealmentetentarmaisumavez iniciaroErebos. Se funcionasse, ele iria aliviadoemalgumashorasàescola.
Na calada da noite os ruídos do computador iniciando lhe pareceramhorrivelmente altos. Só o chiado do disco rígido e o barulho do cooler jádeveriamacordarseuspais.
Semgrandesesperanças—aindaquecomumagrandeansiedade—eleclicou sobre o E vermelho. Com uma incrível surpresa, descobriu que omundodeErebosvoltavaaseabrirnovamenteparaele.
Sariusnãoestámaisnoquartodoalbergue, ele estánomeioda floresta.Quasecomonocomeço,quandoeleaindaeraumSemNome.AflorestaestáescuraeSariussozinho.Umrumordemúsicapairanoar,zumbindo,comoseanunciasseumadesgraçaseaproximando.
Entre as árvores serpenteia um caminho estreito, quase invisível naescuridão. Sariusnãoprecisa tatearpormuito tempopelas trevas,poisatrilhaoconduzatéumaclareira.
Àprimeiravistaelevêdoquesetrata:umcemitério,cercadoporumaaltagradedeferro.Lápidesbrilhamsoboluar;algumasestãotortas,outrascobertasporheras.Elasparecemestaresperandoporele.
Apesardepreferirdarmeia-volta,Sariusentranaclareira.Umacorujapiaeaomesmotempoamúsicamuda:umavozfemininaentoaseutristelamentosempalavras.
“OMensageirosemprerecompensaacoragem”,pensaSarius,edámaisdoispassos.“Podeserqueosoutrosestejamporperto.Ouqueeurecebauma tarefa só para mim. Talvez haja um segredo escondido nestecemitério.”
Eleseaproximadaprimeiralápideelêoepitáfio:
AURORA,MULHER-GATOmortaporfaltadeatenção.
Aurora?NãodemoranadaatéSariusreconstruiraimagem:amulher-gatoferidanolabirinto.Atrásdelaapareceuoescorpiãocomoferrãolevantado.Maselanãoovê,elanãooescuta.Sariusatéopõeparafugir,maselejáapicou.Eunãosabiaqueelairiamorrer.EupenseiqueoMensageiro…
“Faltadeatenção”, issoquerdizermávigilânciadelaouasolidariedadeinsuficiente dele? Isso não consta na lápide. Ele espanta seu remorso eprossegue.
RABELAR,ELFONEGROmortoportagarelice.
Sarius nunca se deparou com o nomeRabelar.Mas tagarelice parece serumacausafrequentedemorte.ElatambémvitimouCharmalia,vampira,eVhahox,bárbaro.
Oslamentosficamcadavezmaisangustiantes.NaimaginaçãodeSariussurgeumamulherajoelhadaaochãocomasmãossobreorosto;elacurva-se para frente e para trás. Seu rosto esconde-se atrás de um véu e elacanta…
Espantaavisãoesegueadiante,buscandoumalápideespecífica.Sariussedetémemfrenteàseguinte.
KASKAAR,VAMPIROmortocomotraidor.
A lápide é uma daquelas que se encontram tortas. Alguém rabiscou umahorrívelcaretasarcásticanela.
AgramafarfalhasobospassosdeSarius,maselesegue.Adiante.
OGALFUR,ANÃOmortoporpreguiça.
BERENALIS,ELFONEGRAmortaportagarelice.
JULANO,HUMANOmortopordesobediência.
TROJABAS,VAMPIROmortopordesatenção.
Eentão,apesardeeleesperarquenãofosseassim:
XOHOO,ELFONEGROmortopordescontrole.
EntãoXohooestámortomesmo.Lamentomuito.Muitomesmo.Aescuridãoeasoluçantevozfeminina,ofatodeninguémmais,exceto
ele,sentirmuitoporXohoo,tudoissoparecedifícildesuportar.Sariusdesfaz-sedavisãodalápideesegueadiante.
AIRDEE,ELFONEGRAmortaporcuriosidade.
“Uma causa demorte que poderia ser perigosa paramim”, pensa Sarius,aflito. Involuntariamente ele acelera seus passos, passando ao longo dasfileirasdelápides.
“JOSTABAN,LOBISOMEM,desatenção.”“GRUNALFIA,ANÃ,curiosidade.”“RUGGOR,BÁRBARO,preguiça.”
“GROTOK,BÁRBARO,desobediência.”ParaSariusjáchega.Nãoháaventuraaquiparaenfrentarenemmissão
pararesolver.Ocemitériolheparecemedonho.Eleesperaqueaqualquermomento mãos mortas saiam da terra fofa e tentem pegar suas pernas.Quersairdali.
Não pode continuar lendo os epitáfios seguintes das lápides, para eletantofazseláestãonomesconhecidosounão,aindaqueencontrarDrizzelouLordNickvaleriaapena.
No entanto, querer sair e poder sair são duas coisas diferentes. Atrásdas fileiras de tumbas se vislumbram os arcos em ferro fundido de umportão de saída, mas atrás deles não havia nadamais que uma floresta.Uma floresta qualquer. Provavelmente a quilômetros de distância daCidadeBranca.
Ovento fresco sopraedávidaanovos ruídos.Osgalhosagitadosdasárvores acenam chamando Sarius. Ou o estariam afugentando? Ele nãosabe.Prefeririaencolher-seeenterrarorostoemseusbraços,masalguémcertamenteoestáobservando.
Mortoporcovardia,mortoporcalafrio.Certo,assimnãovaidar.Agoraeletinhaquesecontrolar,nãosedeixarádesnortearnempelaescuridãoetampouco pelo canto desesperado. Ele tinha que buscar uma saída. Oportãoéumbomcomeço.
Elevaiemsuadireção,passandoporoutrascovas.Algunsdosepitáfiosestão completamente cobertos por vegetação ou tão desgastados que elenãoconseguedecifrá-los.Mastantofaz,vamossairdaqui.
O canto ficamais baixo assim que ele sai pelo portão.Graças a Deus.Agoraparaondeeledeveir?ElenãoarriscasimplesmentesairdoErebos.Sabe-seláondeeleseencontrarádapróximavez...issoseeleseencontrar.
Entãoeleouvealgo.Pulsações.Golpes.Comosesaídosdeumamina.Elesaca sua espada. O som é pavorosamente alto na floresta escura, assimcomocadaumdeseuspassos.QuantomaisSariusseaproxima,maisaltosenítidos tornam-seos golpesque, para seu alívio, vêmacompanhadosporumfeixedeluz.
Evidentemente é mais um dos gnomos do Mensageiro. Ele estava
sentado com as costas voltadas para Nick. Estava sob um alpendre demadeira,diantedeumalápidequeeletrabalhacommarteloecinzel.AgoraSariussabedeondeasinscriçõesvêm.
Seeuficaratrásdele,olhando-oporcimadeseusombros,provavelmenteelevaigravarmeunomenapedra,sóparameassustar.
Sarius aproxima-se furtivamente e olha o gnomo por trás de seusombros. Equívoco. A pedra leva um outro nome: Schiyzo. Melhor assim,Sariusnãooconhece.Entãonomomentoemqueeleestábematrásdele,ognomolheviraseurostohorrível.
—Quehoraincomumparaumavisita,Sarius.—Eusei.Naverdadeeunãoqueriaestaraqui.Ognomoriregougando.—Equeméquequer?—Vocêpoderiamedizercomoeuvolto?—Voltarparaonde?Sim,paraonde?Sariusescolhesuaspalavrascomcuidado.— Eu gostaria de sair do Erebos por uns instantes, mas sem me
prejudicarporisso.Ognomomartelasobresuapedra,parecendopensar.—Issonãoétãosimples.Sefosse,eunãoprecisariadevocê.Sariuscontém-separanãofalarisso.
Eleesperapacientementeenquantoognomocoçaatrásdesuaorelha.—Estábem, entãová.Estaremosesperandovocêamanhãde tarde.É
bomnãonosdecepcionar.—Sim,claro—dizSarius,aliviado.—EdigaaNickDunmoreoseguinte:elenãodeveesquecerasregras,
porquenósficaríamossabendo.Edevemanterosolhosabertos.—Sim, tudobem.Pois, afinaldecontas, eunãoqueroquevocê tenha
que fazer umadessas paramim—diz Sarius, apontandopara a peça depedraqueognomoestavalavrando.
—Ah,masissoeujáfiz.Hámuitotempo.Paravocêstodos.Amaioriadevocêsvaiprecisarumdia,nãoémesmo?
Ognomoaindasorriaquandoatelaescureceunovamente.
04h42. Muito cedo para levantar, muito tarde para dormir direito. Semmuitaesperançadecairnosono,Nickdeitou-senovamente,cobriu-seatéas orelhas e fechou os olhos. Tentou respirar lentamente, mas nos seuspensamentosbailavamaslápides.
Será que os outros já estavam a caminho? Em algumas horas ele iriaperguntaraColin.Não,nãoiria,porquenãoerapermitido.Maldição.Mas,pelomenos,eleiriapoderreconheceremseurostoafrustraçãodeLelantsendo espancado na arena. Com este sentimento consolador, Nickfinalmenteadormeceu.
13
Anoitemaldormida,incluindoavisitaaocemitério,nãohaviapassadosemdeixar rastros emNick. Já no caminhopara a escola, ele sentiu uma levepressão sobre as têmporas, como a de um resfriado se aproximando. Asensação o acompanhou o dia inteiro, ainda que, de vez em quando, elaacabasse sendo empurrada para segundo plano por outras coisas. Porexemplo,pelavisãoqueofereciamJamie,EmilyeEricWucochichandoemfrenteaoportãodaescola.
Ericcurvou-separaEmily,falando-lheenergicamente.Elanãorecuoueapenas sorria. Jamie permanecia ali, em pé, com os braços cruzados, eacenandocomacabeça.Nickfingiaprocuraralgoemsuamochilaenquantoobservava os três de relance. Nesse momento, Eric deve ter dito algoengraçado mesmo, pois os três riram. Nick se deu conta de que poucasvezes...haviavistoEmilyrirecomodesejavatersidoele,enãoEric,arazãodisso.
“SeEricpelomenosnãofosseumcaratãopedante”,pensouNick,quaseseesquecendodecutucaremsuamochila.
EraesseotipodehomemquedeixavaEmilycaidinha?Desajeitado,meioasiático,comcabelodePríncipeValenteeóculosdenerd?Umesquisitãodoclubedeliteratura?Não,eleéasqueroso.Não,nãopodeser,elanãoaceitariapresentesdele.MeuDeusdocéu!
Nickdariadois…não,umdeseusníveisparapoderescutarsobreoqueeles estavam falando. Se ele não tivesse brigado com Jamie ontem, elepoderiasimplesmenteteraparecidoali.
—Dunmore,nãofiquenomeiodocaminhocomoumidiota!Jeromepassouesbarrandocomforçanele,quasefazendocairamochila
dasmãosdeNick.—Pelomenospeçadesculpas!—berrouNick.Melhor teria sido correr atrás dele, agarrado-o pela gola da camisa e
socado seunariz, poisEmily, Eric e Jamie já tinhamvistoNick. Jamie lhelançouumbreveolharedeumeia-volta.Emily levantouobraçoemumasaudaçãoapática.Curiosamente,Ericfoiquempareceuomaissimpáticodetodos.
Nick saiu dali e caminhou em direção à escola. De onde vinha essacoragem?Comcertezadesuanoitequasepassadaemclaro.
Aauladematemáticapareciacalmaparaumamanhãdesegunda-feira,masBrynnedeteveNicklogonaporta.
—Eaí?—murmurou.—Eaí?Ele colocou um dedo em seus lábios. Que bom que era proibido falar
sobreojogo.AexpressãofacialdeBrynnemudouderadianteparaumadecompreensãoecumplicidade.
—Eusabiaquevocêiriaamar—disse.—Sim,sim.—Nickforçouumsorriso.Brynne também parecia exausta. Nick constatou sem problemas, ela
haviaseesforçadodemaisparacobrir seucansaçocommaquiagem.Umatentativa que não teve omenor sentido comHelen. Sua aparência nuncafora agradável, mas hoje ela tinha se superado. Seu cabelo estavadespenteado, seus olhos quase fechados, enquanto sua boca permaneciaentreaberta... daqui apoucoela iria começar ababar. JeromeeColinnãotiravamosolhosdelaeimitavamsuaexpressão,ficandoquasevermelhosdetantorir.
Helennãopercebeunada.Elatinhaoolharperdidoeagoracomeçavaacambalearumpouco.AlgocomoempatiaaflorouemNick.Talvezelafosseumdospersonagensqueestavamnocemitério.TalvezfosseaAurora,queeudeixeiparatrásnolabirinto.
Elefoiemsuadireção.—Helen?Ela mal reagia, apenas franzia levemente as sobrancelhas. Colin e
Jeromemorriamderir.—Helen?Estátudobemcomvocê?Elalevantouosolhos,ambossombreadosporolheirasescuras.—Oquê?—Seestátudobemcomvocê.Vocêestáparecendo…—“horrível”,ele
quisdizer,masmordeuoslábios—doente.DagargantadeHelensaiuumarisadaáspera.—Ah,vácuidardasuavida,Dunmore!—Tudobem.Entãocontinueaíbabandoe sendomotivodepiada.—
Ele apontou na direção de Colin e Jerome. — Pelo menos eles estão sedivertindo.
Porqueele teveque fazerpapeldebomsamaritano justocomHelen?“Você sabemuitobemoporquê”,dizumavozinhamaliciosadentrodele.“Elapoderiater lhecontadoalgointeressante.Porexemplo,sobreanoiteanteriornojogo.Ousobreamortedela.Entãoteriaperguntadoseunome,nãoé?Eiriapoderapagarumdosnomesdesconhecidosdalista.
Nick esfregou seu rosto com as mãos. Céus, estou morto. Mas, pelomenos, tinha conseguido fazerHelenparecerumpoucomaisnormal.Elaestavasentadaeretaemseulugar,debocafechadaepunhoscerrados.
—Nick,seumané—Colinocumprimentou.—OqueéquevocêqueriacomaHelen?
—Caleaboca,Colin.Elapareciaacabadaeporissofui falarcomela…nãosecomportecomoumgarotode12anos.
—Tudobem.Eentão?Novidades?—Não—Nick examinou Colin de cima a baixo. Obviamente ele não
tinhaoaspectopálido,suapeletinhaumdoentetomdecinza.—Foiumdiaincrívelontem—disseColin.—Achoquesepodedizerisso.Eumanoiteesplêndida.Pelomenos podia fingir que tinha sido. Fingir que estivera junto com
elesenãonocemitério,quasefazendoxixinascalças.
—Sim,anoite—avaliouColin.—Anoitefoidocaramba.Eunãopenseiqueseriadaquelejeito.Evocê?
—Eutambémnão.Ahvamos,medêalgunsdetalhes,porfavor!—Efoisóocomeço—disseColin.—Issovocêpodeapostar.—Sim,claro.Euestouansiosopeloquevirá.Oquevocêacha?Colindeudeombros.—Achaqueeusouvidente?Não faz sentido. Mais do que insinuações superficiais Nick não iria
conseguirde seu colega.Mas talvez ele tivesse vontadede fazer algumassuposições.
— Eu gostaria de saber por trás de que nome Helen se esconde —sussurroubaixinho,demaneiraqueninguém,excetoColin,pudesseouvir.
— É, isso seria interessante. Só que ninguém anda no jogo com seuprópriorosto.NolugardeHeleneutambémnãoandaria.
Nick entendeu a deixa e abriu a boca, mas logo a fechou novamente.Colinsorriu.
—Nãoprecisasepreocupar.Euseiquenãoévocê.Elejáestáhámuitotemponojogo.Maseuachoquepoucosapenassederamcontadisso.
ElesecalouquandoJeromeseaproximou.—Conversaconfidencial?—perguntou.—Vocêestámaluco?—revidouColin.—Vocêachaqueeunãoconheço
asregras?—Bemquepoderiaser.Comum sorrisomalicioso, Jerome retirou-se.Helen o seguiu comum
olhartriste.—Ele temrazão—disseColin.—Omelhorémanterobico fechado.
MasopróprioJeromejáandoutagarelando,entãoelenãopodefazernada—sorriu—,e,demaisamais,eunãovousereliminadomesmo.
Quando o sinal bateu a primeira aula, Nick contou ao seu redor. Alexestava lá,Dan faltou.Aisha foi,Michelle faltou.Olhandodeperto,viuqueAisha estava pálida: o lenço em sua cabeça estava preso de qualquermaneiraeelanãoparavadepiscar.
Jamieestavalá,claro,eEmily.Rashidfaltou.OGregcaladãoestavaláe,evidentemente, fazia o mesmo que Nick: examinava as fileiras e faziaanotações mentais. Então o sr. Fornary começou a aula de matemática,colocandoumfimabruptonasinvestigaçõesdeNick.
Amáquinadecaféeraaúltimasalvação,masdelongeNickconseguiaveracomprida fila que havia se formado diante dela.Maldição. Ele precisavaurgentementedealgoqueofizesseaguentarmaistrêshorasdeaula.
Junto à janela estava Jerome, amassando sua lata vazia de Red Bull.Espertinho,o Jerome.AmanhãNicktambémiriaabastecer-secombebidasenergéticas.Bocejando,elese jogousobreumdosbancosdasaladeaula.Pela primeira vez em muito tempo ele passava o intervalo totalmentesozinho. JamieconversavacomEricWu;pelomenosdessavezEmilynãoestava junto. Colin tentava chamar a atenção com seu silêncio e andavapeloscorredoresobservando.DaúltimavezqueNickovira,umameninadealgumasérieabaixohaviasidooobjetodeseuinteresse.ElasechamavaLaura,seNicknãoseenganava.Eelacarregavaumpacotinhoconsigo.
Eleolhouparaorelógio.Aindafaltavamcincominutosparaapróximahora,temposuficientedeiraobanheiro.
Osanitárioeraopalcodeumadiscussãoacalorada.Nick,quejáestavacomamãonamaçaneta,recuouumpasso.
—…eunãopossoevocêsabedisso.Deixe-meempaz.—Masnãotemlógica!Copieparamimdenovoeeupossopelomenos
tentar,eunãovoucontaraninguém.—Eudissenão.—Nossa,comovocêéchato!Nãovaiacontecernadaevocêsabe!—Nãoenão.Porqueeudeveriaviolarasleisporsuacausa?Vocêsabe
queeledescobre.Elesempredescobre.Aportaseabriucomviolênciaeumgaroto,cujonomeNicknãosabia,
saiu correndo. Logo atrás dele veio um dos alunos mais novos, MartinGaribaldi,comosóculostortoseorostovermelhocomotomate.
—Espere,porfavor!—gritouele,correndoatrásdooutro.Nick olhou os brigões abrindo caminho entre os outros alunos pelo
corredor. Era bastante fácil reconhecer quem era jogador e quem não:quem não jogava parecia surpreso, já os jogadores sorriam e davam deombros.Aoretirar-se,NickdescobriuqueAdrianMcVayestavaaoseulado,esperandoparaserpercebido.
— Oi, Adrian — a imagem do garoto sempre o tocava de maneiraestranha.Elehaviasidomuitomaltratadopelavidaeissosepercebianele.Faltava-lheummuroprotetor,umafachadamaistraquila.AlgumacoisaemNickqueriasempreabrirosbraçosparaAdrian.
—Possoteperguntarumacoisa,Nick?—Claro.—OquetemnosDVDsquevocêsandamtrocando?Nicktomoufôlegoedisseaprimeiracoisaquelheveioacabeça.—Nósnãoandamostrocandonada.Ébemverdade.Nóscopiamosedistribuímos,e issoébastantediferente,
não?—Tudobem.MasopessoalaquiandapassandoDVDsentresi.Vocêsabe
medizeroqueháneles?—Porquevocêestáperguntandojustoamim?—Tambémnãosei.Adrianlevantouoscantosdoslábiosemumlevesorriso.—Naverdadevocênãoéoprimeiroaquemeupergunto.—Eosoutrosnãotederamnenhumaresposta?Elenegoucomacabeça.—Eparecequevocêtampoucomedaráuma,hein?—Nãoposso.Sintomuitomesmo.Desculpe.Colinpassou cumprimentando-os, comas sobrancelhas levantadas em
sinal de interrogação. “Não”, pensou Nick, “não estou falando o que nãodevo”. Meu Deus, será que Colin o estava vigiando? Será que agora emtodas as conversas que ele tivesse alguém iria pensar que ele estavaviolandoasregras?
Adrianexaminavapensativamentesuasprópriasmãos.—Vocêstodosdizemquenãopodem.Éissomesmo?Ousãovocêsque
nãoquerem?
—Euouvidizerquealguémjá lheofereceuoDVD.Porquevocênãooaceitou,jáqueestátãocurioso?
AperguntaapagouosorrisodorostodeAdrian.—Porquecomigonãopode.Porisso.—Mesmovocênemsabendodoquesetrata,oquehánele?Desculpe,
masnãodáparaentenderisso.DemoroualgunssegundosatéAdrianresponder.Suavozestavabaixa.—Infelizmenteeunãopossoteexplicar.Éidiota,eusei.Eunãoposso
aceitaroDVD,masparamimseriamuitoimportantesaberoquehánele.Bateu o sinal da próxima aula. Que sorte. Essa conversa estava se
tornando mais desagradável a cada palavra e Nick estava contente porconseguir ir embora com um sorriso e algumas palavras que não diziamnada.
Quasedormiuduranteasaulasdefísicaepsicologia.— O que o pequenoMcVay queria com você?— perguntou Colin no
intervaloanterioràauladeliteraturainglesa.— Nada de mais — mentiu Nick, mais uma vez com o impulso
inexplicável de ter que proteger Adrian. E, aliás, a si mesmo. — Ele sóqueriapapear.
Colin se satisfez com a resposta mesmo com as sobrancelhasceticamentelevantadas,masnãoimportava.Nicknãotinhaqueprestar-lhecontas,principalmenteporeleficarbancandooguardiãodasregras,aqueleimbecil.
ComamençãodosobrenomeMcVay,EmilyhaviaseviradobrevementeeolhadoNickdemaneiraexaminadora.Quasecomdesdém.Porquefaziaissoassim,derepente?
Mas logoele entendeu.Claro, Jamie deve ter lhe contado que eu agoraestava entre os possuidores do agourento DVD. Dessa forma, ela deve terimaginadoporqueelelhetelefonaraontemequeaquilonãotinhanadaavercomotelefonedeAdrian.Merda.PorqueJamienãopodiaapenascalaraboca?
Sr.Watsonentrounasaladeaulacomumapilhadelivrossobobraço.Seu olhar também era examinador e a Nick pareceu que ele contava os
lugaresvazioseassentiacomacabeçacomoseconhecesseasituação.— Como vão vocês? — perguntou, não se satisfazendo com o
burburinhogenéricocomoresposta.— Faltam seis alunos, se nãome engano. Vocês sabem por quê? Nas
outras turmas também houve muitas ausências por uma doença. Mas,segundoomédicodocolégio,nãohánemumagripe, tampouco infecçõesgastrointestinaissealastrando.
—Nemideia—disseJerome.—Massemanapassadavocêestevedoente,nãofoi?Oquevocêteve?Jeromecalou-sesurpreendido.—Dordecabeça—disse,apóspensarumpouco.—Dordecabeça,muitobem.Eadorjápassou?—Sim,senhor.— Então peguem seus livros. Espero que vocês tenham lido, como
combinamos, o soneto número 18: “Shall I compare thee to a summer’sday…”.
Elesremexeramemsuasmochilas.Nickobviamentehaviaseesquecidode ler o poema e esperava que o sr. Watson não o chamasse. Umainterpretação relâmpago ele não iria conseguir hoje com sua cabeça játurva.
Ogritooarrebatoucomoumchoqueelétricoenãosóaele,tambémaclasse inteira: todos estremeceram como se tivessem recebido umachicotada.
Aishalevouasmãostrêmulasàboca,eorostopálido,comoseestivesseapontodedesmaiar.
—Oqueaconteceu?Sr.Watson,tãoassustadoquantoosoutros,aproximou-sedela,fazendo-
a acordar imediatamente de sua paralisia. Às pressas, ela puxou algo deentreaspáginasdeseulivroeoamassoudentrodesuamão.
— Não é nada— ela disse rapidamente.— Eu pensei ter visto umaaranha.Masestátudobem.
Suavozvacilanteeas lágrimas,queelarapidamentesecoudoscantosdosolhos,denunciavamamentira.
—Vocêpoderiamemostraroquetemnasmãos?Sr.WatsoncaminhouemdireçãoaAisha.Muda,elabalançouacabeça.E,então,correramlivrementeabundantes
lágrimasporsuasbochechas.—Porfavor,Aisha.Euqueroajudá-la.—Masnãoénada.Eusómeassustei.Sério.—Mostre-me.—Nãoposso.Sr.Watsonestendeuamão.—Ficarásóentrenósdois.Prometo.Noentanto,Aishapersistiuemsuanegativa.Sr.Watsonmudousuatática,deixandoAishaempazevoltando-separa
aturma.—Aisha não quer falar sobre o que a está atormentando,mas talvez
algumdevocêspudessefazerisso.Assimvocêsaajudariam,casoelaestejaobrigadaacalar-sepormotivosqueeudesconheço—olhouatentamentepara cadaaluno.—Nós somosumacomunidade. Seumdenósestá comproblema,nãopodemosficarindiferentes.
No início ninguém respondeu. A turma estava silenciosa como empoucasvezes.Aishafungavaruidosamente.Greglheofereceuumlençodepapel,queelapegousemolhá-lo.
—Talvezelasóestejanaquelesdias—disseRashid.Ouviram-sealgumasrisadasaquieali.Rashidsorriu.—Poderiaser.Sr. Watson fitou-o longa e inexpressivamente, até Rashid abaixar os
olhos. De repente Nick entendeu por que algumas dasmeninas estavamretocavamobatomantesdaauladeliteraturainglesa.
— Foi tolice da minha parte ter perguntado a vocês — constatou oprofessor.—Mas,parasersincero,eugostariadedizeravocêsqueeumeesforçareiomáximoparadescobrirporqueAishaestátãoperturbada.Euesperosinceramentequenenhumdevocêstenhaalgoavercomisso.
Elesentou-seàmesadoprofessoreabriuseulivro.
—Rashid,porfavor,leiaosonetonúmero18enosdêsuainterpretaçãodaleitura.Apóssuaexplicação,apenasesperoquealguémmaisqueirafalarsobreosoneto.
Apósofinaldaaula,JamieespreitavaNicknaportadasala.—VocêtemideiadoqueéquehouvecomAisha?— Não, por quê? Tenho tão pouca ideia quanto você sobre o que a
assustou.—Nãoédissoqueestou falando.Merefiroa tudoque temavercom
esteassunto.Trata-sedoDVD,nãoacha?Dojogo.—Seilá—murmurouNick,querendoforçarpassagemporJamie,mas
estesegurousuamanga.—Maséquetemalgorealmentemuitoestranhoemtodaestasituação
—disse.—Vamos,Nick.Seráquenãopodemosconversarnormalmente?Aishanãoéaúnicaqueeuvichorandohoje.Comumameninadasétimasérieaconteceualgoparecido.Elaachoualgumacoisanabolsadelaeficouabsolutamentearrasada,enãoquisfalarnemmostraraninguémoqueerapornadanestemundo.
—Sim,edaí?—perguntouNick.Ele puxou sua manga da mão de Jamie e, apesar disso, permaneceu
parado.ColineRashidnãoestavamporperto,eobarulhodasalaestavatãoalto,queninguémiriaescutá-los.
—VaimedizerquevocêachaqueaAishaestádizendoaverdade?—OrostodeJamierefletiamaisdivertimentodoqueespanto.—Umaaranha,sei.Vocêviutantoquantoeu:elaescondeuumpapelzinhonamão.
—Talvez comuma foto de uma aranha—gracejouNick, sentindo-seumbobãonamesmahora,edeixouaideiadelado.—Estábem,eutambémvi o papelzinho. Mas não tenho ideia do que há nele. Talvez tenha sidoapenasseunamoradoterminandocomelaporcarta.
Jamiesorriudiscretamente.—Sério,paredesefazerdeidiota.Hádezdiasascoisasandammuito
estranhas.Desdequeessejogoestárolando.Vocêdeveterficadosabendodealgo.
—Vocêtemémaniadeperseguição.
Jamieolhou-opensativo.—Que pena—disse.—Eu devia ter aceitado sua proposta ontem e
pegoesseDVD.Aíagoraeuteriaalgoparamostraraosr.Watson.—Bem,azaroseu.Massabe,vocêestácomumaideiabastanteerrada
—disseNick.Ojogoémesmomuitomaisespertodoquevocê,JamieCox,eeleteriaenganadovocêdireitinho.
Estavacheionacantina,apesardosmuitoscasosdedoença.Graçasàsuaalturaepornãoestarsesentindoparticularmenteeducado,Nickemcincominutos conseguiu um prato de salada e uma tigela de um macarrãoindefinido.Maseagora?Normalmenteelesesentavaao ladodeJamieouColin,masnestemomentoissoestavaforadequestão.
Ele olhou ao redor e começou a cambalear um pouco junto com suabandeja ao descobrir Emily em uma mesinha. Ela o cumprimentouacenandoeelequasedeixoutudocairparaacenardevolta,masissoteriasido desperdício. Não era para ele que ela acenava, e sim para Eric, quediretamente foi rumo à sua mesa. Em segundos eles se envolveramprofundamenteemumaconversacomoseativesseminterrompidoaindaagora.
Nick perdeu o apetite. Ele largou sua bandeja no primeiro lugar livrequeencontrouefitouacomida.Agororobadorefeitório.EledeviaeratacaraquilonacabeçadoEric.
—Estelugaraquiestálivre?OuniversoodiavaNickDunmore,estavaclaro.Sorrindocomafetação,
Brynnecolocousuatigeladesaladasobreamesaeumcopodeáguaaoseulado.
—Hum,espaguete!—falou,comosenuncativessevistoalgodotipo.—Bomapetite!
Agoraacomidanãoestavatãoruim.NickpodiaenchersuabocacomelaeassimsepouparderesponderàsperguntastontasdeBrynne.
—QueconfusãoqueAishaaprontou!Vocêconseguiuveroqueelatinhanamão?
Nick negou com a cabeça e enrolou mais macarrão em seu garfo. O
molhobranconoqualelenadavatinhaumremotosabordechampignon.— Eu também não estou nem aí. Mas eu, pelo menos, não me
comportariadaquelejeito.Ela esperou um consentimento,mas Nick estava concentrado em sua
saladabanhadaemvinagre.PorqueelenãopodiaserquenemColin?Eleteriasimplesmentefalado
“Quersaber,minhachapa,porquenãocaifora?”eficadoempaz.MasNickficaria horrorizado com a expressão magoada que ele veria no rosto deBrynneetambémcomseupróprioremorso.
—Oiê!Temalguémaí?AmãodeBrynnefaziamovimentosdelimpadordepara-brisadiantede
seusolhos.—Sim,desculpe.Oquevocêdisse?Eusouumcovardeasqueroso.—Eufizumapergunta—disse,enfatizandosuaúltimapalavra.—Ah,perdão,euestoumeiocansado.Oquevocêquersaber?—Seháalgoquevocêtenhaquemedizer.Comoé?Queeletivessequedizeralgoaela?— Você está dizendo que eu deveria agradecer? Por aquele negócio?
Tudobem,obrigado.Satisfeita?OsorrisodeBrynnesedesfez.Elajogouseucabeloparatrásecontraiu
oslábios.Oquefoiagora?Elehaviasidoeducadocomela!—EuandeimeperguntandooqueestáhavendoentrevocêeJamie—
começouBrynneapósalgunssegundosemsilêncio.—Oqueéquedeveriaestarhavendo?Absolutamentenada.Elalançouumolhardecumplicidade.—Umaova.Vocêsandaramseestranhandoporcausado…vocêsabe…
porcausadaquelacoisa.Nãofoi?Nicknãorespondeu,oqueBrynnetomoucomoumconsentimento.—Nãoligue,não.Vocêtemummontedeamigos,vocênãoprecisadele.
Elenãoestámesmoentreaspessoasmaislegaisaqui,digamos.Vocêviuossapatosqueeleestácalçandohoje?
Ela deu risadinhas com toda seriedade. Ela o estava alugando —também com toda seriedade— para falar do mau estilo de seu melhoramigo.Elejogouogarfonomacarrãoinsossoepuxouacadeira.
—Achoquejáestousatisfeito.EdapróximavezquevocêestiverafimdefalarmaldeJamie,procureoutrapessoa.
—Ei,nãoéparatanto…Elenãoouviuoresto,jáestavaindoparaoladodefora,masteveainda
quepassarporEmily,quesequeronotou.Comoqueixoapoiadonasmãose a cabeça levemente inclinada, ela escutava Eric, que falava como setivessemlhedadocorda.
“Para casa”, pensou Nick. Surrar os adversários até o disco rígidoqueimar.
Oproblemaeraque,apósoalmoço,duasaulasaindaoesperavam.Elepoderia escapulir. Ele ficava tonto só em pensar no progresso que aspessoasquefaltaramhojeestariamfazendo.
Masseeleaguentassehojeatéo final, talvezpudessedar-seo luxodeumapseudodoençaamanhã.Não, droga, amanhãele teriaqueentregarotrabalhodequímica.Amanhã!
Bem, pelomenos hoje já estava claro como passaria seu descanso doalmoço. Ele pegou suamochila e procurou na biblioteca um lugar calmojuntoàjanela.
Ele pegou dois livros na estante e começou a copiá-los, ainda quealterando as palavras das frases omáximopossível.Veja só! Até que nãoestánadamal.Meia página já estava pronta.Havia ainda um gráfico quepoderia colocar ali junto e que daria ao trabalho um aspecto maisprofissional.
Elecopiou,continuouescrevendo,ecompletouduaspáginas.Elascomcertezanãoestavamboas,maselasexistiam. Satisfeito,Nickolhouparaopátiodaescolamolhadodechuvacomoseexistisseachancedeencontrarali inspiração paramais duas páginas.Mas tudo que viu foi Dan, que naverdadehaviafaltadohoje.Masagoraestavaláembaixo,sozinho.Porqueairmãtricoteiranãoestáemseucomputador?
Nick observou Dan abaixando-se atrás da cerca viva que separava oestacionamentodopátio.Eleseguravaalgonamão.Umbinóculo?Não,eraumacâmerafotográfica.
Nick franziu os olhos para enxergarmelhor. Dan estava fotografandoalgumacoisaqueseencontravanoestacionamento.InfelizmenteNicknãoconseguiareconheceroqueera:aaladireitadoprédiodaescolaestavanocaminho.
Pouco tempo depois, Dan baixou a câmera e olhou ao redor. Foivagueandoatéomeiodopátio,observandoasjanelasdassalasaoníveldochão.Eleparouemumadas janelas ebateumais algumas fotos antesdeentrarnaescolaedesaparecerdocampodevisãodeNick.
Nick tevevontadededarumsaltoesaircorrendoescadaabaixoparasurpreenderDaneperguntá-looqueeleestavafazendoali.OproblemaéqueDannãoiriadizeraverdade.
Não seria problema tirar-lhe a câmera e dar uma olhada nas últimasfotos.Não,issoelenãoiriafazer.Não.
Emvezdisso,Nickvoltouàpáginanaqualestavaprestesacontinuarotrabalho.
NapáginadaesquerdaescreveuDANeemseguidadesenhouumsinaldeigual.Quinzeminutosdepoisjátinhaanotadoummontedeequações.Nãoestavamexatamenterelacionadasàmatériaatualdematemática,massemdúvidaerambemmaisinteressantes.
DAN=Sapujapu?Não,eleémuitolegal.Drizzel?Possível.TalvezatéBlackspell.ALEX = nem ideia. Um lagarto, talvez? Gagnar? Ou um elfo negro: Vulcanos? Pode serqualquerum.Tudopodeser.COLIN=Lelant.Maselehojeestavamuitofeliz.Sente-seinvulnerável.Masquemvaisaberoqueaconteceudemadrugada?PodeserentãoBloodWork?OuNurax?HELEN=Aurora?Entãoelaestámorta.Tyrania?Seriapossível.Arwen’sChild?Aíeuvoumorrerderir.JEROME=LordNick?Masporquê?BRYNNE = Feniel, provavelmente, por ser uma chata antipática. Ou Arwen’s Child. OuTyrania.AISHA=provavelmentemortaeporissoestátãoarrasada.Aurora?RASHID=Drizzel?BloodWork?Blackspell?Xohoo?
Irritado,Nick jogouo lápis sobreamesa.Todas essas suposiçõesdeviampossuirumainterrogação.Nãoerapossívelrelacionarinequivocadamentenenhumpersonagem.TambémerapossívelqueelenãotivesseencontradoColinnemumaúnicavezduranteo jogo,assimcomomuitaspessoasquejaziamnocemitério,oucomoosmembrosdoCírculoInterno.Porexemplo,quemeramBeroxareWyrdana?
Não,nãofaziasentido.Eledeviaparardequebraracabeçacomaquilo.Eramelhorestudarmaisumpoucoagoraemaistarde,comaconsciênciatranquila,mergulharnovamentenoErebos.
Nickpegououtrafolhadepapelecontinuouescrevendosementendercompletamente do que se tratava. Já tinha três páginas e meia prontasquandobateu o sinal da aula.Não estava nadamal, o resto ele iria fazerhojedenoiteedepoisdigitartudorápidonocomputador.Vaidarcerto.Dealgumaforma.
A cada dia que passa minha realidade vale menos. Ela é intensa edesordenada,imprevisívelepenosa.
Oque é que ela pode fazer, a realidade?Tornar-nos famintos, sedentos,insatisfeitos. Ela causa dor, transmite doenças, obedece a leis ridículas.Porém,principalmente,elaéfinita.Semprelevaàmorte.
O que conta e tem força são outras coisas: ideias, paixões, até mesmoloucura.Tudoquesesublevacontraarazão.
Eutirodarealidadeaminhaaprovação.Eulhenegominhacooperação.Eumedevotoàstentaçõesdoescapismoemelançocomtodomeucoraçãoàperpetuidadedoirreal.
14
—Eujáoesperava.O Mensageiro está sentado em uma cadeira no quarto da taverna
quandoSariuscheganofinaldatarde.Osolestábaixandoelançaraioscordemelatravésdosvidrosdasjanelas.
—Estãodizendoqueodia foi interessante.Fale-mearespeito,Sarius.Houvealgoanormal?
Um“não”oMensageironãoiriaaceitarcomoresposta,issoestavaclaro.—UmameninachamadaAishatevealgocomoumataquedenervos.—Vocêsabeporquê?—Nãoexatamente.Ela achoualgumacoisa emseu livrode literatura
inglesaeseassustou.Nãoconseguiveroqueera.ArespostapareceusatisfazeroMensageiro.—Eoquemaishouve?Bem,oquê?— Eu vi Dan Smythe tirando fotos furtivamente. De algo no
estacionamento.—Muitobem.Eoquemais?Sariuspensa.Oquemaisdevecontar?—ContesobreEricWu.OuJamieCox—oMensageirooajuda.“Elejásabedetudo”,compreendeSarius.“Eestámetestando.”—Elesconversaramumcomooutro.—Sobreoquê?—Nãofaçoideia.
—Quepena.Com um ágil movimento, o Mensageiro levanta-se de sua cadeira. Na
minúsculasaletaeleaparentaterumaalturasobre-humana.Juntoàporta,eleseviramaisumavezcomosetivesseacabadodelembrar-sedealgo.
—Estoupreocupado—diz.—Erebosteminimigoseelesestãoficandomaisfortes.Algunsdelesvocêconhece,não?
Os pensamentos revolvem-se na cabeça de Sarius. Ele não falará deEmilyeJamie.Demaneiraalguma.TalvezsobreEric?Não,melhornão.Maseledevefalaralgo,erápido,poisoMensageiropareceimpaciente.
—Achoqueosr.WatsondesaprovaoErebos.Apesardeelecomcertezanãosabermuitoarespeito,maseleestátentandoperguntaràspessoas.
—Umainformaçãovaliosa.Obrigado.OsorrisodoMensageiroéquasecaloroso.—Agoraseapresse.Quemmetrouxerumapenadofalcãodouradoserá
generosamenterecompensado.— Que falcão dourado? — Sarius quer saber, mas o Mensageiro lhe
virouascostasedeixaasalasemmaispalavras.
Sariusseinforma.Napadariaeledescobrequedeveirparaosuletomarcuidado com as ovelhas. “O primeiro erro neste mundo”, pensa Sarius.“Ovelhas!”
Umamendigaaquemeledáumamoedadeourolherevelaqueeledeveprocurar um arbusto cor-de-rosa. A busca demandou muito tempo eesforço. Porém, depois de pouco mais de uma hora, Sarius reúneinformações para seguir o caminho correto. Pelomenos assim esperava.Imediatamenteeleéinterrompido,ecomosempre,éomundoexternoqueoincomoda.
Seucelular.Jamie.Sarius ignora. Ele tem coisas a fazer, precisa sair da cidade. Sarius
espera que sua espada seja robusta o bastante para conter um falcãodourado.
Depoisdemaisumahoraelejáestámaisbemorientado.Caminhouna
direçãoqueoguardiãodoportão lhemostrounomurodacidade.Paraosul. Ele anda, anda e não encontra nem ovelhas, tampouco um falcãodourado.Pelocontrário:éofalcãodouradoqueoencontra.
Desurpresaesemqualqueraviso,umenormepássaroreluzentecomoouroirrompedocéucomaluminosidadedeummeteoro.Sariusseprotege,masnãotemchance.Eleestáemcampoabertoeofalcãopega-ocomsuasgarras,sobeumpoucocomelenoareodeixacair.Amaiorpartedeseucintoficacinza,eemseguidapreta.
Éprecisosairarrastando-sedali,rápido,antesquesejatardedemais.Osgritos estridentes da ave e o zumbido torturante causado por seusferimentos se multiplicam. Sarius morde os lábios. Ainda tem a poção,apenasprecisachegaràsuabolsaantesqueofalcãooagarrepelasegundavez.
Masseuadversárionãolhedátempo,voouatéocéucomoumdragãoresplandecente e já se prepara para um novomergulho. Sarius saca suaespada enquanto vê o falcão caindo em sua direção, claro e brilhante.Sariusnãoresistiriaamaisumferimento.
O impacto é severo e metálico, o som de ferimento torna-seinsuportável,maspelomenos continua lá; isso é bom, isso significa vida.Mas o falcão já se prepara para o terceiro ataque, que será o último.Bastaria uma mordida de mosquito para matar Sarius em sua condiçãoatual.
Não,por favor,por favor,não.Àspressaseleabresuabolsa; tinhaqueencontrar a poção, pois a ave voltava a atacar. Talvez ainda houvessetempo,seseapressasse…
Mas a poção demora a fazer efeito. Pouco a pouco sua cor volta, obarulho torna-semaisbaixo,muito lentamente.Enquanto isso,o falcão jáganhoualtura suficientee coloca-seemposiçãodeataque.Apesarde serinútil,Sariustentaarrastar-seatéaárvoremaispróximaenquantoofalcãoirrompesobreele, ocupandoumaparte cadavezmaiorde seu campodevisão.
—Eudevodetê-lo?OMensageiro.Surgidodonada,comosempre.
—Sim,porfavor,rápido!É surpreendente, Sarius sobrevive e sabe que no Mensageiro pode
confiar.—Masvocêteráquefazeralgopormim.—Claro.Comprazer.Sariusconcordou,masporqueoMensageironãoafugentaacriatura?O
falcãovemcaindoemsuadireçãoeestábastanterápido…—Vocêpromete?—Sim!Sim!Sim!Com um rápido movimento, o Mensageiro levanta o braço e o falcão
executaumaviradabruscaparaaesquerda,batendováriasvezesasasas,evoaparaoalto,afastando-secadavezmaisdeSarius.
—Entãovenhacomigo.A poção já começa a fazer efeito. O cinto de Sarius está recuperado
quase por completo e o barulho é pouco mais que um murmúrio. OMensageiro o leva até uma árvore próxima e eles se colocam sob suasombra.
—Quantomaisvocêascendedenível,maiscomplexasficamastarefasqueeulheimponho.Issoéplausível,não?
—Sim.—Destavezéuma tarefaqueNickDunmore teráquecumprir.Seele
fizerbem,vocêviraráum7.Comissovocêjáfariapartedaelite.—Ótimo.—Estaéatarefa:NickDunmoredeveráconvidarBrynneFarnhampara
sair.Eledeverágarantirqueelasesintabemequetenhaumabelanoite.Deveráfazê-laacreditarqueelegostadela.
Brynne? Mas como assim? O que isso tem a ver com o Erebos? Sariushesita para responder. Não entende o propósito da tarefa e a ideia lhecausa aversão. Todo mundo ficaria sabendo. Emily ficaria sabendo, semdúvidas,poisBrynneiriaespalharanotícia…
—Eentão?Porquevocênãoresponde?—Achoquenãoestouentendendoissodireito.PorqueBrynne?Qualo
objetivodisso?
É como se umanuvem tivesse se colocado diante do sol. Omundo setornoucinza.
—Vocênãoestánegociandodemaneirainteligente,Sarius.Euodeioacuriosidade.
—Certo,tudobem—apressa-seadizerSarius.—Eufarei.Combinado.—Nãovolteantesquesuatarefaestejacumprida.Comodaúltimavezaoespantarofalcão,oMensageirolevantaamãoea
escuridãopõe-senohorizonte.
Brynne!Nickesfregouorostocomasduasmãoseresmungou.Porquenãopoderia ser pelo menos Michelle? Ou Gloria? Alguma das meninas legais,discretas.Não,teriaquelidarcomBrynneeseumodoafetado.
Seelefizesseoquelheestavasendopedido,jamaisselivrariadela,issoeraóbvio.Alémdisso,Brynne iria fazer fofoca,comodecostume,eEmilyiria se afastar dele. Apesar de que, para isso, ela teria que primeiro seaproximardele.
Confuso,Nickfitavaatelaescuradocomputador.OquepoderiaganharoMensageiro ao impor-lhe uma tarefa tão sem sentido e incômoda? Elequeriapenalizá-lo?Ouapenastestarsuaobediência?
Eletevequeaceitar.Quetipodeencontrodeveriaser?Sentaremumcafée conversar sobre amenidades? Comer hambúrgueres no McDonald’s? Umpasseio pelo Tâmisa, incluindo mãozinhas dadas? Ah, não, Deus me livre.Tampouco iria ao cinema, onde lhe estariam excluídas todas aspossibilidades de fuga e ele desmaiaria com a nuvem de perfume deBrynne.
Certo: café comamenidades. Lá haveria pelomenos umamesa entre osdois. Ele adeixaria tagarelando, acenaria coma cabeçae talvez atédesseumsorriso.Paraqueelasesintabemepasseumabelanoite.
Paraisso,umnívelcomorecompensaeramuitopouco,pensouNick.Elepegouseucelulareconstatouespantadoqueelerealmentetinhaotelefonede Brynne armazenado. Ele clicou em “ligar”, mas desligou enquanto aligaçãoeraestabelecida.Nãotinhavontadedefalarcomela.Amanhãaindadariatempo.Porquedeveriaestragaranoitedehoje?
Ese,emvezdisso, ligasseparaJamie?Exato,paraeleaporrinhá-locomsuasteoriassobreoErebos.
Não.A única coisa que realmente queria fazer era jogar, e isso ele podia
esquecerporhoje,denovo.NickpegouseuiPod,colocouosfonesdeouvidoepensouemEmily.Um
encontrocomela,issosimseriaumatarefa.
AquestãocomBrynnebloqueavaospensamentosdeNickdetalmaneira,queotrabalhodequímicaficoutotalmenteemsegundoplano.Sódepoisdojantar Nick lembrou que teria que entregá-lo amanhã. Sentou-se aocomputador, digitou as páginas escritas à mão, procurou na internet asinformaçõesquefaltavameconseguiualgumasfotos,queanexounofinal.Depoisimprimiutudoeesperou,contraaprópriarazão,queasra.GanteravaliassesuaembromaçãocomumA.Eledetestavaquímica.
EBrynne,nãosepodeesquecer.Eleaodiavatambém.Nodiaseguinteàauladequímica,eleesperouporela,tomandocuidado
paraqueEmilynãoestivesseàvista.—Oi—disseele.Seurostointeirodoíaporcausadosorrisofalso.—Eu
querialheperguntarumacoisa.Os olhos de Brynne eram dois grandes faróis azuis cheios de
expectativa.—Sim?—faloubaixinho.— O que você acha de nós dois hoje depois da escola… nos
encontrarmos?Agentepoderia,porexemplo,irtomarumcafé.—Ah.Sim,claro.Queincrível.Nick teve a impressão de que as duas últimas palavras ela havia dito
maisparasimesmadoqueparaele.—Porexemplo,iraoCaféBianco.Agentepoderiairparalálogodepois
daescola—sugeriuNick.—Bem,naverdadeeupreferiairantesparacasametrocaretal.Ah, inferno.Ela iria ficar sepintandoporduashoras e seapertandona
saiamaiscurtaejustaqueencontrasse.
—Sabe,Brynne—disse,sorrindodeorelhaaorelha—,achoquevocênãoprecisamesmodisso.Vamosdireto.Seeuforparacasa—elevirouosolhos— pode ser que eu caia na cama de cansaço. Não tenho dormidomuitonosúltimosdias.
Seráqueissocoloucomodesculpa?Comcertezanão.Eladeuumarisadinhaepiscoucomcumplicidade.—Evocêachaqueeusim?Dormiréumapalavraqueeunãoconheço
mais.Eles combinaramde se encontrarna estaçãodometrôapósa aulade
artes.Nickesperavaqueninguémosvissenotumulto.TrêsminutosdepoiseleviuBrynnegesticulandomuitoe falandocom
GloriaeSarahantesdotempodefísica.Sobreoquesetratavaseriaóbviomesmoseelanãotivesseficadoolhandoparaelesemparar.
Mais tarde, Nick sentava-se sozinho no canto de trás do refeitório eengoliasemmuitoapetiteumsanduíchedeatumquandoJamieveioemsuadireção. Ainda não haviam se falado e, Nick podia admitir, ele era oprincipal culpado disso. O trabalho de química e a saída comBrynne lhehaviam caído tão mal no estômago que não estava particularmenteanimadoparaumadiscussãocomJamie.
Masqueméquedissequehaveriadiscussão?Eleseramvelhosamigose,sópornãoconcordaremcomalgumacoisa,nãoprecisavamarruinarsuaamizade.Certo,issovouesclareceragora.
Jamieestavapálidoepareciasério.—Penavocênãoterligadodevoltaontem—disse.—Euestavacheiodecoisasparafazer.—Sim,claro.—Eentão…novidades?—Nick tentou levaraconversaaumterreno
seguro.—JáfaloucomDarleen?Eraoquevocêestavaplanejando.—Não.Nick,euquerialhemostraralgo.Mostrar? Isso era bom. Não soava como se Jamie fosse novamente
dissuadi-lodojogo.—Certo,oquê?Do bolso de sua calça, Jamie tirou um pedaço de papel dobrado duas
vezesecolocounamãodeNick.—Euacheiissoontempresonobagageirodaminhabicicleta.Nick desdobrou o papel e acreditou, emumprimeiromomento, estar
tendoumdéjà-vu.Nobilheteestavadesenhadaumalápide,nãocommuitocapricho,masreconhecível.Oepitáfioera:
JAMIEGORDONCOXmortoporcuriosidadeeinterferênciaindesejada.Descanseempaz.
Juntoàs letras,oautorhaviadesenhadorastrosdesangue,gotasgrandesqueescorriampelalápide.
—Piadameio idiota—disseNick.—Vocênãotemideiadequemfezisso?
—Não.Achoquevocêéqueestámaisfamiliarizadocomessaturma.ElenãoiriasedeixarprovocarpelaalfinetadadeJamie.—Eunãoconheçoessaletra,nãopossosequerdizerseédeumagarota
oudeum…—Issoéumaameaça,estáentendendo?—interrompeuJamie.—Uma
ameaça de morte e bastante clara, aliás. Eu não devo interferir e devomanteronarizforadojogodevocês,senão…—elefezumgestocomoquecortandoaprópriacabeça.
—Você não está levando isso a sério, ou está?—perguntouNick.—Issoéumabrincadeirademaugosto!Queméqueiriamatarvocê?
Jamiedeudeombros.Elepareciamesmoaborrecido.—Quemmegarantequeissonãotemalgoaver…bem,vocêsabecomo
quê?Nãotemcomovocêtercerteza.InfelizmenteopróprioNicknãotinhacerteza.Aobradearteduvidosa
seguramente foi feita por alguém que fizera um passeio noturno pelocemitériodoErebos.
—Eunãosouidiota—esbravejouJamie.—Doquemaisissopoderiasetratar? O que você acha, o que eles querem dizer com “interferênciaindesejada”? Que eu fui reclamar na cozinha da escola da falta de sal na
águadomacarrão?—Certo,masvocênãovailevarissoasério,nãoé?Issoébobeira,nada
além disso! Alguém está querendo assustá-lo e você realmente se deixaamedrontar.Issoédesnecessário,sério.
Jamieoobservouporalgumtempoantesdevoltarafalar.—OqueéquehouvecomAisha?Porqueelagritounooutrodia?Ea
meninadasétimasérie,Zoe?Oquehouvecomela?—Seilá.Pergunteaelas.Jamiesorriucomamargura.—Foiexatamenteoqueeufiz.Faleicomasduasepergunteioqueas
tinhaassustadotanto.Eadivinhe:elasnãodisseramnada.Ficarammudascomoportas.
—Talvezporelasjáterementendidoquealguémestavaquerendofazerumbrincadeiraimbecil.
— Não. Elas estão commedo. Ontem eu encontrei duas pessoas queforam eliminadas do jogo. Elas não querem falar sobre o assunto, nemmesmoagora.Maseuachoqueumadelasestápensandoarespeito.Talvezelaváfalarcomosr.Watson,pelomenosfoioqueeulhesugeri.
“Nãome fale sobre isso”,pensouNick. “Por favor, fiqueemsilêncio.OqueeuvoufazerseoMensageiromeperguntarsobrevocê?”
Olhouaoseuredorcomagitação.Seráquealguémosescutava?Não,asmesas mais próximas estavam desocupadas e as pessoas sentadas maislongedaliestavamtodasconcentradasemsuasprópriasconversas.
—Estávendo?Vocêtambémestácommaniadeperseguição!—gritouJamie.—Porquê?Explique!
— Fale baixo!— cochichou Nick involuntariamente.— Eu não tenhonenhumamania de perseguição. Você simplesmente não entende. É tudomuitocomplexoeempolgante,masépossívelarruinartudocomfacilidadeeissoseriaumapena.Talvezporissoalgumaspessoasestejamreagindodemaneiraexageradaquandoalguémqueracabarcomadiversãodelas.
—Diversão?—sussurrouJamie,segurandoodesenhodiantedonarizdeNick.—Isso…édiversão?
Eledobrounovamenteopapelecolocou-onobolsodacalça.
—Euvoudar issoaosr.Watson.EleandamuitopreocupadodesdeoincidentecomAisha,jáfaloucomalgunsalunoselogoentraráemcontatocomospais.Talvezesseborrãoaquioajudeemalgo.Talvezelereconheçaaletra.
—Nãosejaassimtãoexagerado!PorqueJamienãoentendiaqueeratudoumjogo? Justamenteporele
todahoraremeteràrealidadeéqueeratãofascinante,masnãoéporissoquealgumdosjogadoreschegariapertodetocaremumfiodecabeloseu.
—Eugostariadesabersepossocontarcomvocêseopioracontecer—disseJamie.—Aindasomosamigos?
—Claroque somos.Masessepânicopor causadeumoudois idiotasque escrevem cartas pseudoameaçadoras é realmente ridículo. Podeacreditaremmim.Sevocêderessepapelzinhoaosr.Watson,elefaráumatempestadeemcopod’águaesóhaveráaborrecimento.
Jamiecolocouamãonobolso.—Seoaborrecimentoatingiraspessoascertas,tudobem—disseese
levantou.Antesdeir,eleseinclinouemdireçãoaNick.—Vocênãopreferesairdisso?Parecomojogo.Nãoestásaindonadade
bomdaí,issoeupossopressentir.Nickbalançouacabeça.—Vocêestáfazendomuitomaisdramadoqueonecessárioporcausa…
disso.Eumedivirtocomele,éumaaventura,sabe?—Vocênãopodenemmesmodizerabertamentequeéumjogo.Nickofitoufurioso,massempalavras.OqueJamiesabiadasregras?Ser
discretoeraparteimportantedojogo!SeeletivesseaceitadooErebosepelomenosdadoumaolhada,eleestariaempolgadocomotodososoutros!
—Emilytambémficariacontentesevocêlargasseisso.Elaquedisse.—EmilydeveriacontinuarcuidandodoEric—disparouNick—emvez
desemeternosmeusassuntos.Jamiesuspirou.—Droga,Nick—disseele,virou-seefoiembora.
15
ApenastrêsmesasestavamocupadasnoCaféBianco,eentreosrostosnãohavia nenhum conhecido. Nick respirou aliviado. A viagem dos dois demetrô já havia sido cansativa, pois Brynne tinha falado pelos cotovelos.Agora os dois iriam tomar algo juntos, Nick iria pagar a Coca-Cola deBrynneedepoiscorreriaparacasa.Pararealizarapróximamissãocomoum7.
— … estava com os nervos à flor da pele. Acho que ela saiu meiodepenadadaúltimaluta.
De quem ela estava falando? Nick perguntou e recebeu um olharfulminante.
—Vocênãoestámeouvindo?Zoe,agordadasétimasérie.Comcertezaestavachorando,porqueficoucomorostotodoencatarrado—Brynnefezcara de nojo. — Então Colin cochichou algo em seu ouvido e ela setranquilizou.
UltimamenteColinpareciameterseunarizemtudo.Umagarçonetecomtrêspiercingsnoslábiosanotouseuspedidos.Para
surpresadeNick,Brynnepediuumacerveja.—Euadorocerveja,vocênão?—declarouela.—Hmm—disseNick,olhandoparaolado.Quanto tempomais teriaque ficar sentadoaquiparaqueoMensageiro
considerasseaquilocomoumverdadeiroencontro?Oscincominutosqueelejáhaviacumpridoprovavelmenteerammuitopouco.Droga.
— Colin é um cara realmente legal — disse Brynne, de maneira
forçadamentepensativa.—Quasetãolegalquantovocê,Nick.Um suspiro de agonia escapuliu e Nick tentou imediatamente
compensá-lo com um largo sorriso. Ela deveria sentir-sebem, esse era otrato.MastalvezBrynnetambémsesentissebemcaminhandosobregelofino.
Ele verificou mais uma vez se não havia entre os clientes um rostoconhecido.Não.Entãoeraválidotentar.
— Eu gostaria de saber— disse lentamente— com qual nome Colinjoga.Vocêtemideia?
—Ah,Nick—disseBrynne,colocandoumamãoquenteeúmidasobreseubraço.—Eunãosoutolaobastanteparaisso.
—Comoassim?—Nãovioloasregras.Elessempredescobremeaíacoisaficafeia.Você
jásabedisso.Nickresistiuaoimpulsodepuxarseubraçodevolta.—Masaquininguémestánosouvindo.—Nuncasesabe.As bebidas chegaram e Nick pôde retirar seu braço do alcance de
Brynnesemchamaratenção.—Oquevocêquerdizercom“acoisaficafeia”?Apessoaéeliminada.
Óbvioqueissoéumadroga,mas…— Você já esteve lá quando eles pegam um traidor? — Brynne o
interrompeu.—Eu já.Eleso apanharame…oexecutaram. IssoacontececomtodosquelutamaoladodeHortulano.
Elabebericousuacervejasemtirarosolhosdele.NickfixouoolharnofundoescurodeseucopodeCoca-Cola.
—Você sabe quem é Hortulano?— ele perguntou.— Sobre isso nóspodemosfalar,não?
—Vocêestávendoalgumfogoporaí?Aparentementeelaestavacompletamentelouca.—Fogo?Doquevocêestáfalando?Emvezdeumaresposta,Brynnepuxouumpapelzinhoamassadodesua
bolsa.
—Euquasesempreestoucomoregulamento,veja,aquidiz:“Vocêpodefalarcomosjogadoresjuntoàsfogueiras,quandoestiverjogando.”
Elapegouumisqueiro,efezapequenachamasurgir.—Agoraagentesóprecisajogar—cochichouepassouosdedossobre
o dorso da mão dele. A sensação era agradável, contanto que NickesquecessequeelaestavasendocausadaporBrynne.Elefechouosolhos.
—EuimaginoqueHortulanosejaummágico—revelouBrynneemseuouvido.—Ouumdragãodetrêscabeças.Dequalquermaneiraeleémuitoforte.OsjogadoresdoCírculoInternorecebemumaformaçãoespecialparateremumachancecontraele.
Senão fossepeloperfumedeBrynne,Nickpoderia ter imaginadoqueeraEmilyquemoacariciava.Aideiadoeunahora,poiseletinhaaimagemdeEmilyacompanhadaporEricportodososlados.Nickabriuosolhos.OisqueiroaindaqueimavaeBrynneoobservavacheiadeexpectativa.
Não,eunãovoubeijá-la.—Bem,vamosesperarpelasurpresa—dissealtoepegouseucopo.Por um momento Brynne pareceu insegura, mas prosseguiu
imediatamente.—Oquehouve com Jamie?Hoje ele estava comuma cara…bem, seu
rosto não é nenhuma visão agradável,mas hoje…—ela olhou paraNickcommalícia.—Eletedissequaloproblemadele?
—Não.—Ah.Eupenseiquevocêsfossembastantepróximos.Nãoébemassim,
é?Achobom.Eleérealmenteirritante.“Brynnetemquesesentirbem”,repetiaNick.“Sentir-sebem,aidiota.”—Jogadoreletambémnãoé.VocêviucomoeleandacomEricotempo
todo? Colin sempre o chama de Sushi, e eu já lhe expliquei que sushi naverdadeéumapalavrajaponesa,maseleachaissoengraçadíssimomesmoassim. Dizem que agora Eric está namorando Emily, aquela chata. Sério,Colindizquetambémnuncaviuumamoscamortacomoela.Nuncaabreaboca e está sempre com uma cara como se o seu bichinho de estimaçãotivesseacabadodemorrer.—Brynnegargalhou.
Sentir-sebem,eladevesentir-sebem.
—Naverdadeéquestãodegostoquemagenteconsiderachata—disseele, forçando um sorriso em seu rosto. — Colin e eu temos tipos bemdiferentesdegarotas.
DestavezBrynnelhedeviaumaresposta.NickpresumiaqueafichadeBrynnehaviacaído,masnãopodiasepreocuparcomissoagora.Eradifícilpara ele engolir a informação de que Eric e Emily poderiam estarnamorando.Serámesmo?Sesim,comoBrynnesabia?Quepéssimoelenãopoderperguntaraela.Quepéssimoeletertentadoatraí-laparaoErebos.Eradearrancaroscabelos,aquilo.
— E se nós estivermos perdendo algo importante?— ele murmurouquandoosilênciocomeçouaficardesagradável.
—Sempreháalgo importante—disseBrynne.—Não importa,estejavocê entrando ou saindo, sempre perde alguma coisa. Isso me deixanervosatambém.Esperoquenãoestejamdivulgandoagoraadataparaapróximalutanaarena.
—Vocêestevalánaúltimavez?Brynnefranziuoslábios.—Seráquevocênãoestáquerendomeenganaremecaguetardepois?
Você sabe como são as regras. Se eu disser que estive lá, que lutei duasvezeseganheiumnível,nãoserianadadifícildescobrirquemeusou.Ouquem eu não sou. OMensageirome explicou isso. Ele não acha amenorgraçanisso.
—Estábem,jáentendi.—Está felizporeu terdadooErebosavocê?—pergunta, semolhar
paraele.—Claro,comcerteza.Éincrível.Comexageradalentidão,Brynnecolocouumamechadecabeloatrásda
orelha.—Vocênãooachasinistroàsvezes?Terrivelmentesinistro.—Maisoumenos.Achoqueéparaserassimmesmo.—Sim—elagirouocopoentreasmãos,primeiroparaadireita,depois
paraaesquerdaenovamenteparaadireta.—Eusóqueriapoderentender
comoeleconseguelermeuspensamentos.“Lerospensamentos,issofoiexagero”,pensouNickaovoltarparacasa
nometrô.Brynnehaviasaltadonaestaçãoanterior,nãosemantesabraçá-loedar-lheumbeijoquasenaboca.
Ojogonãopodelermeuspensamentos.Pelomenosnãotodos.Excluindo-se o fato inexplicável de ter sido presenteado com uma camisa do HellFroze Over por seus serviços leais. E o jogo havia falado com ele sobreEmilysemqueNickjamaisativessemencionadoantes.
AsportasdotremseabriramdeslizandoparaosladoscomumchiadoeNick desceu. Do lado de fora já anoitecia; tomara que haja algo em casapara comer. Não esperaria muito pela comida de qualquer maneira, jánegligenciaraoErebosportempodemais.
—Um7,Sarius.Vocêcumpriusuamissão.Eissuarecompensa.O Mensageiro aponta um dedo ossudo para um canto da escura sala
abobadada onde eles se encontravam. Ela lembra o porão da taverna AoÚltimoCorte,masémais estreita eparecequeháanosninguémpisa ali.Teias de aranha pendem entre os arcos, e nos cantos cresce um mofoesverdeado.
NolocalindicadopeloMensageiro,Sariusencontraumanovaespadaebotas de cano alto com biqueiras de metal. A espada possui um brilhodourado;Sariusquasetemaimpressãodequeumfeixedeluzsaidela.
—Obrigado.—Euqueagradeço.Hánovidadesquevocêgostariaderelatar?Sariushesita.SobreosplanosdeJamiecomosr.Watsonelenãofalará
nada, de maneira alguma. A carta ameaçadora com a lápide deveria sermencionada?Melhor não. Ele vasculha algo em sua memória que tantoJamiequantoBrynnelhehaviamcontado.
—DizemqueumameninachamadaZoeteveumataquedenervosumdiadesses.Nãofiqueisabendodemuitosdetalhes.
— A mim interessaria mais o que Eric Wu anda fazendo — diz oMensageiro.—Euficariacontentesevocêpudesseprestarmaisatençãoàsaçõesdele.Segundooquechegouatémim,elenãonoséfavorável.Agora
vá.Comsentimentosconfusos,Sariustomaocaminhodasaída,quepassa
porumcorredortubulareconduzaoladoexternodoporão.ElenãotemamínimavontadedeobservarEricgrudadoemEmily.Maisessaagora?ElesaiucomBrynneeissojáeraruimosuficiente.
Ocorredorescurosetornamaislargoeterminaemumaparedeiluminadaportochasondeseencontraumportãoabertoqueconduzaoarlivre.
“Finalmente”, pensa Sarius, e detém-se no mesmo instante, como seestivesseenraizadoaochão.
Aparede!Elerecuaalgunspassosparaseassegurar.Não,nãoéumerro.Alguém pintou uma imagem na parede que ocupa quase toda a
superfície.Quaselembraumapinturaantiga,dessasqueseencontramemigrejas: um afresco. A imagem exibe duas pessoas sentadas a umamesacomascabeçasmuitopróximas.Ameninaestácomumisqueiroacesoemumamão,aoutrapousasobreobraçodomeninosentadoemfrenteaela.Eleébemaltoeseulongocabeloescuroestápresoemumatrançaquecaisobresuascostas…
“Alguémdevetertiradoumafoto.Sóassimseriapossível”,pensaSarius.“Eestamosparecendodoisnamorados.”
Ele se vira e sai tropeçando porta afora. Sente-se estranhamentedespidoeameaçado.Aquiloésóumaimagem.Masalgoneletemequeessaimagememtamanhorealpossaumdiaserexibidanomurodesuaescola.
—LordNickencontrouumcristaldedesejos.—Legal!Edisseoquefarácomele?—Claroquenão.Elenãoétolo.Ogruposentadoaoredordofogoconsistequasequeapenasderostos
conhecidos:Drizzel,Feniel,Blackspell,Sapujapu,Nuraxe,comoconvidadodehonraeaalgumadistânciadosdemais,BloodWork.Umaimensaargola,vermelha como rubi, balança ostentosamente emum colar que pendedeseupescoçoeoidentificacomomembrodoCírculoInterno.
O crepúsculo se estende com suas faixas vermelhas e azuis sobre ohorizonte; em pouco tempo escureceria. Sarius senta-se com os outrosjuntoao fogoepercebedois jogadoresnovos.Sharoléumaelfonegradenível1,eBraccoumhomemlagartodenível2.ElessemantêmemsegundoplanoenquantoDrizzeleBlackspellconduzemsuaconversavampírica.
— Eu bem que estou precisando de um cristal de desejos. Os doisúltimosqueencontreivaliamouro—dizBlackspell.
— Cale a boca—BloodWork o interrompe.—Temos iniciantes aquiqueprecisarãoaprenderporsipróprios,eseupapofuradosóiráconfundi-los.Entendido?
—Claro.Masdesdequandovocêétãocuidadoso,Blood?—Nãointeressa—dizobárbarogigante.Eleestáusandoumnovoelmoquecobreseurostoatéonarizecujas
frestasdosolhoslheconferemumaaparênciamaisdemoníacaquenunca.—Apenas faça o que estou dizendo. Andam falando demais por aí. O
Mensageironãoestásatisfeito.— Oh, o Mensageiro não está satisfeito — zomba Blackspell. — Eu
tambémnãoestariaseeufosseumesqueletodeolhosamareloscomoele.BloodWork levanta-se um pouco e ameaça pegar seu machado, mas
entãoparecetermudadodeideia.—Conheçováriosidiotasquevivemdandocomalínguanosdentes,e
agoraconhecimaisum.—Ooh,quemedo—dizBlackspell.A conversa aborrece Sarius, assim comoo fatodeque aparentemente
todo omundo já encontrou um cristal de desejos alguma vez, só ele quenão.
— Nós não temos nenhuma missão, não é? Ou vamos mesmo ficarenrolandoaqui?
—Finalmentealguémcomacabeçanolugar—dizBloodWork.—Estamosesperandoumamensagem.Nãodevedemorarmuito.A mensagem não vem. Em vez disso, irrompem dos arbustos orcs
armados até os dentes. Estão em considerávelmaioria e têmo elementosurpresa a seu favor. Sarius dá um salto e gira sua espada dourada. Ele
derruba três dos orcs sem sofrer um só arranhão. BloodWork, coléricocomoum selvagem, faz seus inimigos empedacinhos.Drizzel novamentelutacommagiadefogo.Opioracontececomumdosnovatos,Bracco:elejazinertenochãocomumferimentonacabeçasangrandohorrorosamente.
A lâmina de Sarius canta quando ele a gira no ar. Nunca foi tão bomlutar.Elesesentemais forte,habilidosoeágildesdequesetornouum7.Aquiloéumafesta.
Elemataseisorcsatéseranunciadaavitória,permanecendoincólumecomo nunca antes. É o que também constata oMensageiro satisfeito, aoapareceralipoucodepois.
— Sarius, você está se saindo muito bem. Eu o recompenso com 50moedasdeouro.
Os demais recebem isso e aquilo; Bracco, o lagarto ensanguentado,arrasta-sepelosrestosmortaisdosorcseoMensageiroopuxaparacimadocavalo.
— Quem ainda tiver forças pode ir procurar algumas ovelhas queescaparam — o Mensageiro ordena. — Nós já temos quatro pastoresmortos.
ComessaspalavraseleenfiaasesporasnocavaloesaicavalgandodalicomBracco,quebalançalogoatrássobreasela.
—Euvouprocurarovelhas—anunciaSarius.—Eutambém.—Eutambém.SapujapueNuraxoacompanham,amboseramdenível6.Issosignifica
que desde as lutas na arena eles ganharam um nível cada, mas Sariusestavaacimadeles.
Drizzel também caminha entre eles em silêncio. Seu corpo pálido devampiroémaisaltoqueodeSariuspormaisdeumpalmo.
— BloodWork, você vem com a gente? — pergunta Sarius, pois obárbaronãosemexe;permanecemudo,fitandoaschamasdafogueira.
—Blood?—Deixe-o—dizDrizzel.—Eleprovavelmenteestáadormecido.Elesandamporumdescampado.Anoitejáavançoueavisãoficacada
vez pior, mas quase não há obstáculos no caminho e eles avançamdepressa. Sarius gostaria de conversar com os outros para saber, porexemplo, que tipo de missão é essa — procurar ovelhas! Mas, semfogueira… sem conversa. Em sua lembrança bruxuleia um isqueiro, e eleestremece.
Elesandamaolongodeumacercavivarepletadefloresrosa-claras.Acorébemreconhecívelapesardaescuridão;noentanto,antesqueSariusconsiga admirá-las, descobre outra coisa, algo pendurado na cerca e quedeixaasflorescompletamenteemsegundoplano.
Ummorto.Comoquesobumcomandoinaudível,ogrupointeiropara,esóagora
SariuspercebequeFenieleBlackspelloseguiram.Então,pelomenos,eleseram seis, o que, tendo em vista o cadáver desfigurado na cerca, é umasensaçãoreconfortante.
O morto está pendurado como se fora estendido para secar. Algumacoisaocomeu,oumelhor,algoodevorouquaseatéofim.Malhácarnenosossos.Nochão,abaixodocadáver,encontra-seumcajadocurvado.
“Aqui temos um pastormorto”, pensa Sarius, e, nomesmomomento,encontraaprimeiraovelha.Umanimal robusto com lãbrancaencardida,pastandosobumaárvoreseca.
Por experiência, Sarius sabe que é tolice dar a precedência a outraspessoas. Suaovelha, suapresa. Ele irá capturá-la conformeoMensageiroordenou,sóquenãovênenhumpastocercadoondepoderiaencurralá-la.
A ovelha continua pastando com toda a calma enquanto Sarius seesgueira pela escuridão, o que estava muito bem pois isso facilitava atarefa.Aoaproximar-se,eledescobrealgoestranho…manchasvermelhasemarrons na lã, como de sangue fresco e seco. “Com certeza do pastor”,pensa; no entanto, só se dá conta do perigo quando a ovelha nota suapresençaelevantaacabeça.
Acabeçaeraumpesadelo.Ofocinhodaovelhaélargoeprotuberante.Oanimal arregaça os lábios, como um tubarão antes do ataque, revelandodentesmetálicos,pontudoscomoagulhaselongoscomofacõesdecarne.
Sarius,quenãoestavapsicologicamentepreparadoparaumaluta,nem
sequersacousuaespada.Sóapegaquandoaovelhacomeçaacorreremsuadireção.Entreseusdentes,Sariusvêumfarrapodomantodopastor.
A primeira espadada atinge o ar, a ovelha desvia e abocanha o braçoesquerdo de Sarius…Droga. Ele esqueceu de tirar o escudo das costas etodooseuladoesquerdoestádesprotegido.
Atrásdesi,SariusouveosprimeirosgolpesdeespadaetambémsonsdepancadasquepoderiamserdomachadodeSapujapu.Devemteraparecidooutrasovelhas,masnãolhesobratempoparaverificar,poisahorripilanteovelha que o enfrenta exige sua total concentração. Ela é tãoassustadoramenterápidaesuadentaduratãomedonha,queelemalpodedesviar o olhar. Finalmente sua espada consegue atingir o alvo, mas sócortasualã.Maisumavez,aovelhaatacaseuladoesquerdodesprotegido.Sarius desvia, avança contra o animal e acerta uma de suas orelhas, quecomeça a sangrar.Mas percebe que não está conseguindo se concentrar.Nem os escorpiões, nem os orcs, nem os trolls o deixaram tãodesequilibrado quanto essa bizarra ovelha mutante. Sarius a atingenovamente.Osanguecorredesuaorelhaferidaatéofocinho,ondebrilhasuadentaduradeaço.
ComoSariusnãoquermaisvê-la,comosimplesmentequerliquidá-la,naesperançadequeelanãoopersigaatéemseussonhos,eledesistedetodasasestratégias.Corredeencontroaoanimalefuraseupeitocomaespada;os dentes pontudos o abocanham de raspão em seu quadril. Ele puxa aespadaeaenfianovamentenocorpodoanimal,tornandoaatingi-lomaisduas vezes. Um canto baixo em seus ouvidos lhe revela que está ferido,aindaquelevemente.
A ovelha cambaleia, mas não morre. “Porque ela não é uma ovelha”,conclui Sarius, “e simummonstro,umabesta infernal, umdemônio”.Elelevantasuaespadaomaisaltopossíveleaenterrananucadoanimal.Trêsgolpessãonecessáriosparaacabeçasairrolandopelochão.
Elesentenojo.Desejavaqueocadáversimplesmenteafundassenosolo,semdeixarvestígio.Masaterrasomenteabsorveraosangue.Ealâminadeourodesuaespadaestavamanchadacomele.Sangueelãdeovelha.Umanovaondadenojoo assalta e, como sepudesse combatê-ladessa forma,
Sariusaçoitaocorpodaovelhacomtodaforça,econtinuabatendo,comoseissofossecapazdedesintegrarocadáver.
Aoseafastar,Sariusasvê.Faíscasverdesemanavamdentreascostelasdeseuadversáriomorto.Elevencesuaaversãoeseinclina.Colocaamãodentro do corpo e retira uma pedra verde, que brilha por dentro.Finalmente.
Rapidamente olha ao seu redor, não procurando outras ovelhas, masparaverificarquenenhumdosoutroslutadoreshaviapercebidoalgo.Não,ninguém.Elescontinuamtodosenvolvidosemsuasescaramuças.Escondeapedraemsuabolsa,eoregozijocomseuachadolevaemboraorestodeseunojo.
Drizzel também consegue vencer sua batalha e sistematicamentedespedaça a ovelha abatida. “Em vão”, como Sarius percebe com grandesatisfação.
Blackspell e Nurax ainda lutam; dividem um adversário enquantoSapujapu,comseulongomachado,mantémumaovelhanegracomopichepresapelopescoço.
Atrás dele, deitada ao chão, encontra-se uma elfo negra imóvel. EraFeniel.“Finalmenteapegaram”,pensaSariuscommaldade.“Issoacontecequandosetentasemprepassarporcimadosoutros.”
UmtraçovermelhoedafinuradeumfioeraoquerestavanafaixadeFeniel.Osomdeferimentocomcertezaerainfernal.
Porummomentofugaz,Sariuspensanosseuspoderesdecura,quedeforma alguma usaria em sua companheira de espécie. Sapujapu eleajudaria.Talvez.Masnãoessafedelhaestúpida.
Ele se afasta e observa Drizzel e Nurax arrematando a ovelha deles.Finalmente;elemalpodeesperarqueoMensageiroapareça.Negociaráseucristal de desejos, quem sabe quantos níveis se conseguepor umdesses.Pontualmente,comoúltimosuspirodaúltimaovelha,eleouveotropeldocavalo.
—Euosfelicito.Nãofoiumatarefafácil—dizoMensageiro,saudando-os.
—Foisóumabobagem.
— Então só uma bobagem há de bastar-lhe como recompensa. TrêspeçasdecarnederatoparaDrizzel.
Sarius não consegue conter sua satisfação com a má sorte alheia.PrimeiroFeniel,agoraDrizzel,nãopodiasermelhor.
— Sapujapu, como recompensa eu melhorarei o seu armamento —prossegue o Mensageiro, dando ao anão uma espécie de elmo viking demetalnegrocomchifresvermelhos-brilhantes.Aparentemente,essacoisapossuiamagiadosrelâmpagos.
Umaumelesrecebemouro,poçõesouarmas.SariuséopenúltimoasercontempladopeloMensageiro.
—Intensificareisuamagiadefogo,Sarius.Deagoraemdiante,vocênãosópoderácriarfogo,comotambémlutarcomele.Masamaiorrecompensavocêmesmoobteve,nãofoi?
Sariussecala, incomodado.Naverdade,nãoqueriarevelarnadasobreseuachadonafrentedosoutros,masoMensageiroparecenãoseimportarcomisso.
—Sim—dizSariusfinalmente.—Muitobem.Entãopenseemumdesejoparaoseucristal.Porúltimo,oMensageirosedirigeaFeniel.—Vocêquermorrerouvircomigo?Hesitante,elalevantaacabeça.—Ircomvocê.—Eraoqueeupensava.Entãovenha.Ele a levanta comumpuxãopara cimado cavalo e parte, sem sequer
olharparatrás.“E meu cristal?”, Sarius quer perguntar, mas já é tarde demais.
Desapontado,elesereúneaosoutrosjuntoaofogo.—Sariusencontrouumcristaldedesejosenãodisseumapalavra.Que
reservadoele,não?—debochaDrizzel.—Eununcaacheium—reclamaSapujapu.—Oqueestoufazendode
errado?— Você precisa despedaçar por completo seu adversário morto —
explicaSarius.—Érepugnante,eusei.Estetambémémeuprimeirocristal
de desejos. Uma vez quase peguei um, mas o Lelant, aquele babaca,arrancou-odemimbemdiantedomeunariz.
Nãofoibemassim,masnãoimporta.Lelantéumbabaca.Essaéapuraverdade.
—Quedesejovocêfará?—Blackspellpergunta,curioso.—Aindanãosei.Alémdomais,nãovaiseravocêqueeuvoucontar.—Deixaagentever?—Nuraxestendesuapatadelobisomem,fazendo
Sariusautomaticamenterecuarumpasso.—Podeesquecer.Aconversaesfria.Elesestãoàtoa,esperandoaoredordofogo.—Talvezsejamelhorqueeuvádormir—dizSapujapuderepente.—
Estoumortodecansaço.AgoraqueSapujapufalou,Sariuspercebesuaprópriaexaustão,comose
ela fosse um animal que levanta a cabeça quando chamado.Mas não irádormirantesdesaberoqueépossívelfazercomseucristaldedesejos.
—Vocêvaiéperdertudosesairagora—dizNurax.—Asmissõesmaislegaissãosempreànoite!
— Não vai adiantar nada se eu ficar aqui caindo de sono e memassacrarem—revidaSapujapu.—Sério,gente,estourealmentemorto.
Sapujapumalterminaafraseesurgemdavegetaçãodoisdosgnomos,frenéticoscomosempre.
—Alarme!Hortulanoestáenviandonovosmonstrosparacimadenós,elesestãoatacandoosferreirosnosul!Precisamosdereforços,sigam-nos!
Drizzelsai imediatamenteemdisparada,Nurax logodepois.BlackspellnãotiraosolhosdeSarius.Oqueeleestáesperando?Omomentooportunodemeroubarocristaldedesejos?Porsegurança,Sariusdesembainhasuaespada,fazendoovampiroseafastarejuntar-seaosoutros.
—Vocênãovemmesmo,Sapujapu?Sariuseoanãosãoosdoisúltimosapermaneceremjuntoàfogueira.— Não, desculpe. Eu mal consigo manter os olhos abertos e tenho
realmente medo que um desses monstros acabe comigo. Talvez nosvejamosamanhã,certo?
Sapujapuparteemdireçãoaoroseiral,cujasflores,mesmoànoite,são
pontos luminosos na paisagem. Era uma pena, ele realmente gosta deSapujapu,aocontráriodosoutrospanacasqueeleagora,bemoumal,terádeseguir.
Elecomeçaacaminhar.Osoutrosestãofazendotantobarulhoquelogoos inimigos conseguirão rastreá-los. Se ele se apressar um pouco, talvezpossaalcançá-los.
Um grito rouco o faz estremecer. No céu escuro ele descobre umamancha dourada movendo-se em círculos como um gigantesco astrovoador.Quandoouveopróximogrito,elepercebequesetratavadofalcãodouradoeseabaixainstintivamente.
—Nãosepreocupe,elenãoestácaçando.Sariusgritaassustado.Diantedeleencontra-seoMensageiro,acenando
comsuamãoossudaechamando-oparapertodesi.—Qualoseudesejomaissincero,Sarius?Vocêachouumdoscristais.
Utilize-ocomsabedoria.Oquevocêdeseja?“Tudooqueeupuderter”,pensaSarius.Eleolhaparaseuinterlocutor,
diretamenteparaaluzamareladeseusolhos.— Podem ser vários níveis, por exemplo? Ou um lugar no Círculo
Interno?OMensageirosorri.— Um lugar no Círculo Interno é uma das coisas que se precisa
conquistar.Assimcomooamordeumapessoaouaconfiançadeumamigo.Mas, salvo esse tipo de desejo, ainda há muito que se possa pedir,provavelmentemaisdoquevocêimagina.
Sariuspensa.Eletemumdesejoafazer,comoemumcontodefadas.Sóqueessafadaébemmaisfeiaqueasdashistórias.
— Será que Nick Dunmore não teria um pedido? — sugere oMensageiro.
—Umpedidoespecial?“Nick Dunmore gostaria de transformar-se em um gênio da química”,
pensa Sarius comamargura. “Ele gostaria de tirar asmelhores notas nasprovassemterqueseesforçarmuito.Mas issoprovavelmente tambéméumadascoisasqueseprecisaconquistar.”
E,sinceramente,esteneméoseumaiordesejo.Acimadetudo,havia…Emily. Mas isso não pode pedir. Emily deve se apaixonar por Nick. Quepiada!IssooMensageirocomcertezajáexcluiudeantemão.
Mas… será que o contrário funcionaria? Se não se pode desejar que oamorsurja,seriatalvezpossívelpedirqueeleacabe?
Sariusdevearriscar?Elehesita.Nãoé correto.Masdequalquer formanãofuncionaria.Talvezfossemelhorpediralgomaissimples?Não.
— Nick Dunmore deseja que Emily Carver se separe de EricWu. Eledesejaqueosdoisterminemonamoro.
Silêncio. O Mensageiro, com um gesto pensativo, coloca seus dedosossudosnoqueixo.
Eaí?Hein?Digalogo,quenãopodefazerisso!OMensageiro não se move. Ele está pensando? Não, isso não demora
tanto.Alémdisso,tudoestáficandocadavezmaisescuro;porquê?Algoestáquebrado?Porfavor,não,justoagora,não!Sariustentamovimentar-se,masissotambémnãoéfácil.Écomoseeleestivesseatoladoemmelaço.
Quando Sarius já não acreditava que o desejo deNick se realizaria, oMensageirofinalmenterespondeu.
—EmilyCarver,vocêdiz.Muitobem.ProvidenciareiqueEmilyCarvereEricWunãonamoremmais.
As palavras do Mensageiro despertam em Sarius uma torrente desentimentos. Primeiramente incredulidade, seguida por uma alegriatriunfal,emcujasombraesconde-seseuremorso.
—Sério?—Vocêvaiver,Sarius.Eagoravá.Osoutrosjáestãomuitoàfrente.
16
—Nick?Nick!MeuDeus,vocêestábem?Acorde!Levantaraspálpebras já foi trabalhopesado,masnadacomparadoao
esforçoquelhecustoulevantarapartesuperiordeseucorpo.Algosoavasobreaescrivaninha:eraotecladoquehaviagrudadonorostodeNick.Eledeuumaolhadarápidanomonitor.Tudonegro,aindabem.
—Vocêdormiuaqui?Sentado?—Ah…écapaz.Provavelmente.Elesentiuabocasecaesuastêmporaspulsavam.—Escute,vocênãoestávirandonenhumviciadoemcomputador,está?
Oqueéquevocêficoufazendoessetempotodoaí?Arrancandopernasdearanhasgigantes.— Fiquei conversando. Estava tão legal que perdi a noção do tempo.
Sintomuito,mãe.Nãovaiacontecerdenovo.Suamãeafastouumamechadecabelodesuatesta.— Você vai conseguir ir à escola desse jeito? Deve estar morto de
cansaço.Porquevocêfazisso,hein?Eupensavaquepodiaconfiaremvocê.Vocêprecisadormir,Nicky,vocênãosabequeaescolaécansativa?
—Estátudocerto,euestoubem—Nickainterrompeu.—Voutomarumbanhofrioparaacordar.
Apropostaveladademataraula,escondidanofalatóriodesuamãe,foibastante tentadora, mas hoje não era o dia certo para isso. As aranhashaviamimportunadotantoSarius,queeleprecisounovamenterecorreràajudadoMensageiroerecebeuoutramissão.Entãonadade jogosemirà
escola.Alémdisso,estavamortodecuriosidade.ElequeriaverEriceEmily.Queriasaberoqueacontecera.Seéquealgoacontecera.
No espelho do banheiro, Nick examinou as marcas profundas que otecladodeixaraemseurosto.Quandoeleadormecera?Aindaselembravade suamissão e de como ele, com os olhos ardendo, procurou umpapelpara anotar as indicações do Mensageiro. Depois disso ele deve tercochilado.
Eleabriuaáguaquente,afria,aquentedenovoeacabouficandotonto.O cheiro de café que saía da cozinhamisturava-se ao perfume do gel debanho,eacombinaçãofezoestômagodeNickquasevirardoavesso.Erapossível que ficar em casa fosse a melhor opção. Mas dias livres eramvaliosos.Eledobrouopapelnoqualhaviaanotadosuamissãoeoguardounacarteira.Emseguidacolocousuacâmeranamochila.Nemagoranemnamadrugada passada ele conseguiu entender o sentido dessamissão.Nãoimporta.Depoisdissoeleseriaum8.
A lembrança de seu desejo o acompanhou por todo o caminho até aescola. Apesar daquilo ser besteira, em alguns dias o Mensageiro iriachamá-lo e incentivá-lo a desejar outra coisa.Nickdevia estarpreparadopara isso, iriapensar emalgumacoisaboa.Algo razoável.Depois elenãoprecisariasentirremorso.
Com esse pensamento ele virou na rua da escola, que estavaestranhamente calma. Era como se alguém tivesse pegado um controleremoto e baixado o volume.Até zanzavam como sempre alguns alunos egrupinhosemfrenteaoprédio,masoruídoeramínimo.Quemconversavao fazia em voz baixa. Nick viu duas meninas mais novas esperando noportão da escola e procurando estabelecer contato visual com todos queentravam. A linguagem corporal delas era claríssima: ainda nãoconseguimos.
Sob uma castanheira com folhas avermelhadas estava Emily. Eric nãoestavacomela,oquefezocoraçãodeNickquerersairpelaboca.Nãosejaridículo.Issonãotemnadaavercomoseudesejo.Nada.
Mas Emily não estava sozinha, conversava com Adrian. O pequenoMcVayestava comosbraços cruzadosenãoolhavaparaEmilyenquanto
falava.Elaescutava,acenavacomacabeça,eentãopassouamãoemseurostocomumgestorepentinoeolhouparalonge.
Oimpulsodeirjuntar-seaelesfoidifícildeconter,masNicksabiaqueelesiriaminterromperaconversanomomentoemqueeleseaproximasse.
Nesteínterim,umadasmeninasnoportãodaescolaobtevefinalmentesucesso:ummeninoque,atéondeNicksabia,tocavasaxofonenaorquestrado colégio a chamou, cochichou algo em seu ouvido, ela acenou com acabeça,eleprosseguiueapósalgumtempotiroudesuamochilaumobjetoachatado…
—Nick?O calado Greg se aproximara furtivamente por trás. Nick virou-se
bruscamente, seu coração batia novamente como se estivesse louco. Porqueéqueeleestavaassimtãoassustado?
—Vocêtemquemeajudar,Nick.Porfavor.O lábio inferiordeGregtremia levemente,assimcomosuasmãos,que
seguravamumDVDvirgemlacrado.— Eu fui eliminado ontem. Mas foi um engano, sério, eu tenho que
conversarcomoMensageirodequalquermaneiraevocêprecisamecopiaroseujogo,porfavor!
Involuntariamente,Nick recuouumpasso, sedistanciandodoDVD queGreglheoferecia,maselesereaproximoudenovo.
—Eujáestavabastanteavançado,eueraum…—Nãoqueroouvir!—gritouNick.Alguns alunos que estavam a poucos passos de distância viraram a
cabeçaparaobservá-los.Semdizermaisnada,Nickmarchouemdireçãoàentrada,masassimqueentrounocorredor,Gregoseguroupelamanga.
—Euestoulhedizendoquefoiumerro!Eufiztudooqueelequis,eusómeatraseiumpouquinhoeaíele simplesmenteme…—Gregmordeuoslábios.—Dequalquerformafoiumengano.Copieseujogoparamim,porfavor.Porfavor!
“Mortoporimpontualidade”,pensouNick,angustiado.—Nãoposso.Naverdade,vocêdeveriasaberdisso—falou.EraColinaliatrás,olhandoparaele?
—As regras são claras: você só pode jogar uma vez. Sintomuito porvocê.
—Sim,sim!Masfoiumenganomesmo!Porissoqueédiferente.Ei,euajudovocêdapróximaveztambém,certo?Vouestudarquímicacomvocê.Oueupagopelacópia,certo?Vintelibras?Estariabom?
Nick o deixou ali, parado. Lá atrás estava realmente Colin, encostadodisplicentementeemumaparedeeobservandoacena.
—Desgraçado—gritouGreg,queagoranãotinhamaisnadadecalado.—Malditodesgraçado!
ColinsorriuquandoNickpassouporele.—OqueGregqueriacomvocê?—Nãointeressa.—Parecequeelenãoteveêxito.—Queespertinhovocê,hein.“Eu deveria ter ficado em casa”, pensou Nick ao parar diante de seu
armárioerepentinamentenãosabermaisdoqueprecisavaparaaprimeiraaula.Eramoslivrosdebiologia?Ouosdeliteraturainglesa?Quediaerahojemesmo?
Ele bocejou e cumprimentou Aisha, que o encarou, paralisada, semcumprimentá-lo de volta. Pelo jeito, alguém mais dormiu mal. Ela tentouváriasvezesatéacertarcomachaveafechaduradeseuarmário.Quandofinalmente abriu a porta e pegou suas coisas, umapilha inteira de livroscaiu,espalhando-sepelocorredor.Alguémriuzombeteiramente.
Aishamanteveosbraçosjuntoaocorpoenãofezqualquermençãoderecolhersuascoisasdochão.
—Ei—disseNick.—Vocêquerajuda?Ela negou vigorosamente com a cabeça e abaixou-se lentamente para
pegaroprimeirolivro,masnãoselevantoudevolta:permaneceuagachadanochão,comolivropressionadocontraopeito.Seusombrostremiam.
—Você está passandomal?—perguntouNick baixinho, sem receberuma resposta. Ele olhou ao redor em busca de ajuda. Onde estavam osoutros?Jamie,porexemplo.OuBrynne,queestavasempreàvista.
Pornãosaberoquemaispoderiafazer,Nickjuntouoslivroseguardou-
osdevoltanoarmário.Rashid aproximou-se bocejando, mas sequer olhou para Aisha e
prosseguiu,comoslivrosdebiologiasobobraço.Entãoébiologia.Pelaúltimavez,NickprocurouoolhardeAisha,mas
ela havia fechado os olhos. Aflito, mas ao mesmo tempo aliviado, eleagarrouseuspapéisecorreuatrásdeRashid.
Eradifícilpermaneceracordado,muitodifícil.Nickapoiavaseuqueixonamão esquerda e olhava fixamente o quadro à sua frente até os olhoslacrimejarem.Sónãodeviaolharparaadireita,ondeGregestavasentadoeofuzilavacomoolhar.Ouparaaesquerda,ondeEmilyeJamiedividiamumbancoecochichavam insistentemente.Aisha tambémestavaali, eparecianovamentesobcontrole.Estátudobem.
Quandofechavaosolhos,elesjánãoardiamcomtantaintensidade.Porpoucotempo,apenas.Issolhefaziabem.Muitobem.Muito…
Umadolorosapancadaemsuascostelasquaseoderruboudacadeira.—Nada de ficar cochilando, seu idiota— chiou Colin.— Temos que
tentarnãochamaratenção.Vocêesqueceu?—Oquê?Não…—Queseja.Agorafiquedireito.—Nãomebatadenovo,ouviu?Colinlevantouassobrancelhas,rindo.—Sim,madame.Nick lutava contra o sono durante essa aula e a posterior. Na pausa
seguinte,elefoiparaafiladamáquinadecafé.Alguémcutucousuascostas.EraBrynneque,enquantoelesevirava,lhedeuumbeijonabochecha.
—Foiótimoontemàtarde—sussurrou.— Sim. Foi legal. — Nick bocejou indiscretamente para que ela
confundissemaisfacilmentesuafaltadeempolgaçãocomcansaço.Mesmoassim,osorrisodeBrynneabriu-seaindamais.
—Você tambémestáprecisandourgentementede café?—perguntouNick,procurandoumtemainofensivo,masBrynnenãochegouaresponder.Umgritoretumbantesilencioutodasasconversas.
Rodeadaporumcrescenteamontoadodepessoas,Aishaencontrava-se
nomeiodocorredor,abraçadacomforçaaEmily.DiantedasduasestavaEricWu,comumaexpressãoperplexa.
—Nãotoqueemmim!Nuncamais!—berravaAisha.Nick largouseu lugarnafiladocaféeabriucaminhopelamultidãode
espectadores,comosefosseummédicoapressadoparachegaraolocaldoacidente.Suabocaestavaseca.
AishapermaneciacomorostoescondidonoombrodeEmilyesoluçava.— Estou segura de que você está se confundindo — disse Emily,
baixinho.ElapassavaamãonoscabelosdeAisha,e,semquerer,empurrouolençodesuacabeçaemdireçãoànuca.—Comcertezafoioutrapessoa.
—Não,eutenhocerteza.Eraele.Depoisdoclubedeliteraturaelequisme acompanhar até ometrô, e disse que o caminho pelo parquinho erabemmaislegal…—seussoluçosficarammaisaltos.
Emily tentava, com os dedos trêmulos, colocar o lenço na posiçãooriginal,maslogodesistiu.
—Eleras…goumi…nhablu…saemea...gar…rou…—assílabassaíampicadas da boca de Aisha. Ela levantou uma das mangas e mostrou umhematomanocotovelo.—Aqui!—apontouela.
Nickmordeuoslábiosatéquedoessemdeverdade.Issonãotemnadaavercomigo.Claroquenão.Nãoassim,tãorápido.
—Issoétudomentira—gritouEric.Eleestavapálidoenãoparavadesacudiracabeça,negando.—Ésimplesmentetudomentira.
—Euvivocêsirememborajuntos—disseRashid.—Eutambém—Alexconcordou.Emilyfitouairmãtricoteiracomolhosentreabertos.—Queinteressante…Vocêsdoisnemestãonoclubedeliteratura.—Edaí?Háoutrascoisasquepodemnossegurarnaescolaatédepois
dahora—respondeuAlex.OolhardeEmilyserevezavaentreAlex,EriceasoluçanteAisha.—Elaestámentindo—disseEric,destavezmaisalto.Aisharapidamentevirou-separaele.—Issoéoqueoshomenssempredizem,nãoé?— E o que é que os homens sempre dizem? — o sr. Watson abria
caminhoporentreaaglomeraçãodealunosecolocounamãodeAlexumagarrafatérmicaeumsanduíchemordidoaopassarporele.—Aisha?Oqueaconteceu? — ele colocou uma mão sobre o ombro dela, mas Aishaesquivou-seeabraçouEmilyaindamaisforte.
—Nãometoque.—Comoquiser,medesculpe.Osoutrospoderiam,porfavor,irparaas
suassalas?Apróximaaulajávaicomeçar.Ninguémtirouopédolugar,apenasEricdeuumpassoàfrente.—Aishaestá afirmandoqueontemeua…agarreinoparque.Ela está
comumhematomanocotoveloedizquefuieuquemocausou.Masnadadissoéverdade.
Aishachoroumaisalto.—Eletentoumeestu…meestuprar.Elerasgouminhasaiaemejogou
contraochão.— Eu simplesmente não consigo imaginar que isso seja verdade —
sussurrouEmily.Cautelosamente, porém decidida, ela soltou de sua camiseta os dedos
contraídosdeAishaesedistancioudameninachorosa.Aisha,privadadeseu escudohumanodeproteção, agachou-se e escondeuo rosto em seusbraços.
Nãoeraissoqueeuqueria.Nickfechousuasmãosfriascomogelo.Dessamaneira,não.Eunãotenhonadaavercomisso,honestamente.
Esefosseverdade?PoderiaserqueErichouvesserealmentemolestadoAishaequeoMensageirotivessedescobertoontemmesmo.Issoexplicariaporqueelepôdefazerumapromessatãodifícil.
Osr.Watson,quehaviaficadoatônito,começouarecobraracalma.—Éumaacusaçãomuitograve,Aisha.— Nenhuma palavra é verdadeira! Eu juro! — pela primeira vez se
percebeuum tomde desespero na voz de Eric.— Isso é umamaluquicecompleta!
—Dequalquermaneiranósnãovamosesclarecerissoaquinafrentedetodomundo—disseosr.Watson.—Aisha,Eric,vocêsvêmcomigo.
Osdoisoseguiram,prestandoatençãoparamanteremamaiordistância
possívelentresi.Mal eles haviam ido embora, começaram discussões acaloradas no
saguãodointervalo.—Euachoqueelaestámentindo!—Porqueelamentiria?—Ericnãoénenhumsantinho,eusempreacheiisso.—Elequeriapegarnaturquinhapordebaixodasaia.—Aff,elaestádoida.—Queescândalo!—SeráqueoWatsonvaichamarospoliciais?Háalgunsdiasqueeles
nãopassamporaqui.Enquanto isso, Nick não tirou os olhos de Emily. Ela ficou ali parada,
perdidaemseuspensamentosealisandoamanchamolhadadechoroemseuombro.
“Eu deveria ir falar com ela agora”, pensouNick. “Envolvê-la em umaconversa,consolá-la.”
Masantesde juntarcoragemsuficienteparadaroprimeiropasso,eleviu Jamie indonadireçãodeEmilyechamando-a.Eles trocaramalgumaspalavrasesubiramjuntosaescada.
Apróximaaulaeradematemática;tudodequeNickprecisava.Maspelomenos ele havia se lembrado da aula na hora e já nem se sentia maiscansado.AcenadeAishahaviasidomaiseficientequeumexpressoduplo.
Nointervalodoalmoço,Jamieoesperavanafrentedorefeitório.—Tudobem?Agorasim.EssaeraaprimeirafrasenormalqueJamielhedirigiahavia
dias.Issoéumaarmadilha,eleapostava.—Muitobem.Evocê,comoestá?— Eu ando preocupado — disse Jamie, fazendo a expressão facial
apropriada. Com todas as rugas possíveis na testa.—Aquilo hoje com oEric…Oquevocêacha?Seráque foiAishaquemarmouaquiloparacimadele?Eleestáarrasado,osr.Watsonomandouparacasa.
Nickconteveoimpulsodesaircorrendo.
—Oqueelaarmouparacimadele?Deixe-mepensar…talvezlevantarasaiaparaelecolocaramãoembaixo?
—Vocênãopodeacreditarnisso.—VocêachamesmoqueAishasimplesmenteiriafalarmaldeleassim?
Vocêviucomoelaestavachorando?Eohematomadela?—EuachoquealguémestáinteressadoemacabarcomEric.Elenãoé
nenhumfãdessejogodevocês,lembra?— Que imbecilidade! — Nick forçou passagem por Jamie. — Desde
aquelacartinhadalápidevocêestácheiodemaniasdeperseguição.Nickpegouumabandejadapilhaederepentesentiuumamãoemseu
ombro.Jamietinhaidoatrásdeleeestavacomcaradequemcomeçariaachoraraqualquermomento.
—Você sabe o quemais aconteceu? Alguém escondeu um revólver emunição no pátio do colégio. Atrás das caçambas de lixo. O diretor estádizendoquecomcertezanãofoinenhumdosalunos,massóporqueelenãoqueraimprensanocaso.
Nickpegouumaporçãodepeixefritocombatatas.Opratopareciasemcoreinsosso.
— Mas Jamie com certeza está sabendo de tudo, não é mesmo? —acusou ele. Jamie sabe que o jogo de computadormalvado está por trásdisso.
Elemordeu os lábios e bateu a garrafa de Coca-Cola sobre a bandeja.Chegadestaconversa.
—Não, eu só encontro algumas coisas esquisitas— respondeu Jamiecom notável calma. — Eu falei com o sr. Watson e ele disse que umprofissionalteriaagidocommaiscompetência.Teriacamufladoorevólvermelhoremvezdesimplesmenteenfiá-loemumacaixavelhadecharutosatrásdascaçambas.
—Aha.Talvezosr.Watsonnarealidadesejaodr.Watson.EvocêestábancandooSherlockHolmes.Deixe-meempaz,Jamie.Eunãoestounemaípararevólvereseestupros.
— Além disso, alguém escreveu um tipo de código ou mensagem nacaixa—prosseguiu Jamie como se não tivesse ouvidonada.— Isso bate
com esse tipo de jogo. Alguns números e uma palavra estranha, algoparecidocomGalaxis.
Crash!Nick se assustou com o barulho tanto quanto as outras pessoas no
refeitório.Elenãoperceberaquehavialargadosuabandeja.Galaris.Tudobatia.Acaixadecharutos,apalavra,osnúmerosqueeramadatade
seuaniversário.Porfavor,não.Acaixaerapesadaeoobjetodentrodela,pequeno…Poderiatersidoum
revólver?Sim.Comcerteza.—Dáparavocêprestarmaisatenção?—bradouacozinheiradetrásdo
balcão.—Vocêmesmoquemvailimpar!Deusdocéu!—Claro—murmurouNickepegoupáevassoura.Elesentiaoolharde
Jamiecoladoasuascostascomomingaudeaveia,masnãoviroudefrenteparaocolega.
Umrevólver?Porque isso? PorqueoMensageiroomandaraesconderumrevólvernoviadutoDollisBrook?
—Vocêsabealgoarespeito—constatouJamieatrásdele.—Não,nãosei.Seráquehaveriaumaimagemdaquilo?AssimcomoafotodeleeBrynne
no café? Ele estava de joelhos no chão, varrendo suas batatas fritas paradentrodapáecontinuouvarrendoaindaquenãohouvessemaisnadaali,maselenãoconseguiaparar.Diantedeseusolhosdançavampontospretos.
—Euvi,Nick.Vocêquasemorreudesusto.Vocêestásabendodealgo.—Cale a boca— sussurrouNick e ergueu-se com esforço. Os pontos
pretos condensaram-se em uma parede disforme. Ele devolveu a pá àcozinheiraeapoioutodooseupesosobreobalcão.
—Vemcomigofalarcomosr.Watson.Ajudeaesclareceresteassunto,evocê vai se sentirmuitomelhor.O que está rolando aqui é umabaita deumasujeir…
—Caleaboca!—gritouNick.Emily,Eric,umrevólver,Aisha,Galaris…tudoissoerademais.Elejánão
podia acompanhar. Os odores da cantina embrulhavam seu estômago, e
logoiriavomitarnochãonafrentedetodomundo.Seexistisseumafotoeelachegasseàsmãosdaescola,eleestavaferrado.Tãocertoquantooazuldocéu.
Saiuàspressasdacantina,àesquerdaeàdireitapassouesbarrandonaspessoas,querevidaramindignadas,encontrouumajanelaabertaeesticouopescoçoparafora.Arpuro,graçasaDeus.
Precisavapensar.TalvezfalarcomoMensageiro.ElecomcertezaficariagratoseNickomantivesseinformado.Talvezfosseatémesmolheexplicardoquese tratavaorevólver.Masagoraaindatinhaamissãoquedeveriacumprir.Essamissãoinacreditavelmentesemsentido.
17
Erapoucoantesdas17hquandoNickdesceunaestaçãoBlackfriarse foiandandoao longodaNewBridgeStreet.Oestacionamentoencontrava-seem Ludgate Hill — achá-lo não seria o problema. Entrar nele sem sernotado é que seria difícil. Ele tentou parecer o mais normal possível ebalançavaseuchaveirocomosejáestivesseprocurandoachavedocarro.Masseumedomostrou-seinfundado.Ninguémodetevequandoeleentrounoestacionamento, elenão tinha sequer certezadequeovigia, que liaojornalemsuacabine,haviareparadonele.
Nickprocurouopapelzinhodentrodeseubolso.LP60HNReraaplacadocarroquedeveriaencontrar.
—Casonãooencontre—oMensageirohaviadito—,vocêirávoltarlá.Voltarálátodososdiasentre17he18h,atévocêtercumpridosuamissão.
Ao chegar no segundo andar Nick teve sorte. Contemplou o carro eassobiou.LP60HNReraaplacadoJaguarprataquesesobressaíaentreosdemais:brilhavacomoas joiasdacoroa.Nemumamanchinhaemtodoocarro.
Nick tremia segurando sua câmera e batia algumas fotos. Elas nãoseriamobastante,elesabia,masjáeramumcomeço.
Agoraprecisavadeumlugarondepudesseficaràespreita.Demaneiraquemantivesseocarroàvista,masnãopudessesernotado.Omelhorqueencontrou foi uma fresta estreita entre um Ford antigo e o muro doestacionamento. Se ele se deitasse no chão e ninguém olhasse para lá,estaria invisível. Nick desativou o flash da câmera e ajustou o sensor de
luminosidadenomáximo.Emseguida,seacomodounamedidadopossívelsobreochãofriodagaragem.17h12.Haviaapenasosilêncio.
Quando seu celular repentinamente começou a tocar e a anunciarruidosamenteque tinharecebidoum SMS, o coraçãodeNickquaseparou.Nãohaviadesligadoosomdocelular,comopodiasertãoidiota?
Emsuadesconfortávelposiçãohorizontal,imprensadoentreocarroeaparede, quase não pôde alcançar seu bolso. Quando ele finalmenteconseguiu e viu de quem amensagem era, seu coração começou a batermaisforte:Emily.
OiNick! Euqueria te encontrar e aproveitar para te apresentar a alguém.Onomedele éVictoreeletalvezpossaajudaranóstodos.Porfavor,meligue.Emily.
Onome“Victor”nãodiziaabsolutamentenadaaNick.Epoderiacontinuarassim.Eoquesignificavaqueelepoderiaajudar“anóstodos”?Oprovávelera que Emily desejasse, sobretudo, ajuda para Eric, que estava comproblemasatéopescoço.Maselaqueriaseencontrarcomele.Emily.Entãonãoimportavaomotivodoencontro.
Blam!Umaportasefechou.Passosseaproximavam.Nick prendeu a respiração e tentou comprimir-se contra o chão de
cimento. Ele segurava a câmera apontada para o Jaguar para podercomeçarafazerfotosassimqueodonoaparecesse.Duaspernasemumparde calças pretas tornaram-se visíveis, passaram pelo Jaguar e seaproximaram. Seria um vigia que o vira pela câmera? Por favor, não!Também desejou que não fosse o motorista do Ford que lhe servia decobertura.
Quandoohomemseaproximoudeseuesconderijosemenxergá-lo,Nickrespiroualiviado.Poucodepois,umMazdavermelhopassouemdireçãoàsaída.Novamentesilêncio.
Apenas cinco minutos se passaram. Nick largou cuidadosamente acâmera.Novospassosseaproximaram,porém logopararam,muitoantesdechegaremaNick.Umaportadecarrobateu,ummotorpartiu.
CincominutosdepoisapernadireitadeNickcomeçoua formigar.Eletentouignoraradormênciaeseconcentrounosruídosdoestacionamento.Nobarulhodoar.Nossonsabafadosdaruanoladodefora.Maisumaportade metal abrindo e fechando. Uma mulher ria, um homem a seguiu narisada. Sapatos de salto batendo sobre o cimento. A trava acionada porcontroleremotodeumcarrodistanteaalgunsmetrosdeNick.AsluzesdoJaguarseacenderam.
A pulsação deNick se acelerou. Ele levantou a câmera e direcionou ovisor para o automóvel. O homem e amulher se aproximaram e ficaramvisíveis.Ohomememanavanervosismocomoumfornodealtocalor.
Clic!A mulher poderia ser a atriz principal de um seriado vespertino de
televisão. Brincos brilhantes, casaco de pele, cabelo preso em coque. Ohomemeraaltoedecabelosescuros, jágrisalhonas têmporas.Elevestiaternoegravata.Talvezfossemédico.Ouadvogado.
Clic!Ohomemabriuaportadocarroecolocouumabolsanobancotraseiro.Clic!Clic!—DapróximaveznósvamosaoReffetorio—disseamulher.—Vivian
dissequeocordeiroláéexcelente.—Comoquiser,querida.Clic!Amulherentrounocarro.Clic!O homem deteve-se repentinamente e olhou ao redor. Ele ouviu a
câmera?Nicktentoufundir-secomseucantoescuro.—Oquefoi,amor?—Nada—ohomempassouamãosobreacabeça.—Nada.Eudevoter
meenganado.Sabe,ultimamente…OrestoNicknãoouviu,poisohomemhaviaentradonocarroebatidoa
porta. Ele balançou a cabeça e levantou os ombros em um gesto deimpotênciaedepoisdeuapartidanomotor.MeiominutodepoisoJaguardeixouoestacionamento.
Missão cumprida.Nick se abraçou à câmera.Agora foradaqui, rápido.Não,primeiroprecisoverificarseasfotospodemserutilizadas.Aresoluçãoestá um pouco ruim,meio granulada,mas não poderia ficarmelhor semflash.
De qualquer forma se podia reconhecer tudo. A mulher, o homem, aplacadocarro.Dozefotosaceitáveis.
Namultidãonometrô,NicktirouocelulardobolsoeleumaisumavezoSMS deEmily. “Victor... ajudaranós todos.” Issonãopareciaumencontroromântico.PareciamaisqueelaqueriasalvarEricdaquelaconfusão.Nickcomeçouadigitarumaresposta,achou-aboba,apagou-aefechouosolhos.
Se viesse à tona que ele tinha algo a ver com a caixa “Galaris”, Emilytambém ficaria sabendo. Ninguém iria acreditar que ele não sabia o queestavaescondendo.Osjornaisiriamescreversobreplanosdeummassacreescolarquepôdeserevitadoatempo.Oualgodotipo.Seupaiiriamatá-lo.
Nick abriu os olhos novamente e encarou os rostos cansados daspessoasaoseuredor.Todoselesadorariamversuafotonojornal.
Emily iria ver sua foto no jornal. Mais uma vez ele digitou um SMS,apagando-ologodepoissemenviá-lo.EseVictorfossedapolícia?
Nick fechou os olhos. Ele precisava ter certeza de que o Ereboscontinuariatratando-osemhostilidade.
—Recebiasfotos—dizoMensageiro.Eleestásentadosobreumapedraàsmargens de um pântano, com suas longas pernas esticadas e umaexpressãodesatisfação.
Sarius relaxa. O upload das fotos para o servidor informado nãotranscorreuexatamentesemproblemas,duasvezesaconexãocaiu.
—Vocêjájantou?—Já.DesdequandoissoérelevanteparaoMensageiro?—Vocêconversoucomseuspais?Passou-lhesumaimpressãoalegree
normal?—Achoquesim.Eufiquei falando feitoummalucoparaqueelesnãotivessema ideiade
meperguntarsobremeusdeveresdecasa.—Muitobem.Nóstemosquesercautelosos.Anda-sefalandomuitofora
doErebos.Nossosinimigosestãoseformando.Temosquecuidarparaquenãoapresentemosqualqueráreavulnerável.Portanto,eugostariaquevocêfosse diariamente à escola e se comportasse com discrição. Não dê aninguémmotivoparasuspeitardeseusmodos.
—Tudobem.—Agoravocêéum8.Aumentareisuaresistênciaesuamagiadefogo.
Mas antes de ir, responda-me: seu cristal de desejos já começou a surtirefeito?Vocêconseguiuoquedesejou?
“Não sei”, pensa Sarius. “Aquilo não tinha nada a ver comigo. Nãoacreditoqueaquelacenahorríveltenhasidoobraminha.”
—Vocênãoquermeresponder?— Não tenho certeza. Talvez. Pode ser que sim. Que ele esteja
começandoasurtirefeito.OMensageiroassente,satisfeito.—Estávendo?Espere.Issocontinuaráeorestocairáemsuasmãos.Elenãoconsegueperceberqueestoucommedo,ousim?Éimpossívelque
possanotarissoemmim.EleesperaqueoMensageirofinalmenteodispense,porémelecontinua
olhando-oeestende-lheseusdedosossudos.—Nãoseria ruimseAisha tivesseuma testemunha—diz.—Alguém
quepudesseconfirmarsuasacusações.Vocêtemideiadealguém,Sarius?“Elenãopodeestarfalandosério”,pensaSarius.“Issoeunãovoufazer.
Quedroga,porqueeleestámepedindoisso?”—EuestavaontemàquelahoracomBrynnenocafé.Issosignificaque
eunãosirvocomotestemunha.— Eu sei. Eu perguntei se você tem ideia de alguém, não que você
mesmotestemunhasse.—Ah,sim.Sintomuito,nãotenhoideiadeninguém.—Entãová.OMensageiroacenaparaqueelepartaeSarius,felizporpoderfugirdo
campodevisãodosolhosamarelos,obedeceogesto.Nenhumdelestocou
no assunto da caixa “Galaris”, mas sem dúvida o Mensageiro já estásabendodetudoaseurespeito.
Sariusconsegueverdelongealuzdaimensafogueira.Àdireitaencontra-se o pântano, à esquerda uma construção arredondada eleva-se contra océu escuro. Entre os dois lados estende-se uma campina na qual não hánadaalémdearbustosespinhososealgumasárvoresretorcidas.
—OiSarius!—Arwen’sChildéaprimeiraanotá-lo.Elaestásentadadiante do fogo ao lado de LordNick, que refletia em seu novo coletemetálico. Ambos ainda devem estar acima dele, pois continua não vendoseusníveis.UmpoucomaisàfrenteestásentadoLelant;eleserecuperoudesuaúltimalutaevoltoucomoum7.
—Vocêjáseinscreveuparaapróximaarena?Ali,olhe!—Arwen’sChildapontouparaoedifícioredondo.
—Essaépraticamenteaúnicacoisaquevocêpodefazernomomento.Nãoestáacontecendonada.Estamossentadosaquihámaisoumenosmeiahora.
Sarius não estava sabendo nada sobre uma nova luta na arena, masclaro que ele quer participar. Como que ele não contava era que oOlhoEsbugalhado em pessoa fizesse sua inscrição. Ele está de pé na areia daarena escura, rodeado por gnomos e parecendo gigantesco, quase com odobrodaalturadeSarius.Maisumavezoaspectodogiganteoincomoda,nãoseparececomninguémaqui.Eestápraticamentenu.
—Registre-seaqui—dizele,apontandocomseubastãopeculiarparaalistapenduradanomuro.
—Dentrode setedias, duashoras antesdameia-noite, as lutas terãoinício.
SariusescreveseunomeembaixododeBracco.Veja só, eleaindaestávivo. Blackspell estava na lista, junto comBloodWork, Lelant, LordNick eDrizzel.Sariusnãoconseguelermaisqueisso,poisomestredecerimôniasoexpulsadali.
—Nãosejacurioso,pequenoelfo.Junte-seaosoutros.Aosairdaarena,Fenielvememsuadireção.Eladeviaterjogadodiae
noite,poisnaúltimavezqueSariusaviu,elaeraum4gravementeferido,eagora nem sequer pode enxergar o seu nível. Então, nomínimo, é um 8.Todooseuarmamentoénovoeelacarregaduasespadas.Algolhedizquedestavezeleperderiacasoosdoisseenfrentassemnovamente.
Aoredordaimensafogueirapredominaumclimadereunião.Sapujapuestá agachado no meio de uma horda de anões comparando seusmachados,maselecumprimentaSariusimediatamente.
—Nenhumamissãoparahoje?—Parecequenão.—Ébomparavariarumpouco.Eles conversam sobre a luta na arena que Sapujapu também quer
disputaredepoisSariuscontinuaseucaminho.ElevêBloodWorksentadosozinho sobre um tronco, fitando as chamas. A argola que ele levapendurada a uma corrente no pescoço brilha como rubi à luz do fogo.Sariushesitauminstante,eentãodirigeapalavraaobárbaro.
—Vocêsabeoqueaconteceráhoje?—Não.—Tudobem,desculpe.Tenhaumaboanoite.BloodWorklevantaacabeça.—Euestoucansadíssimo.— Não me surpreende. Acho que nós todos temos dormido muito
pouco.—Vocênãotemnemideia.Sariusdispensavaessetipodepresunçãoagora.—Entãodêumtempoporhojeesejogueemsuacamadebárbaro—
dizele,porémobárbaronovamentenãoestácomumbomhumor.—Saiadaqui,elfodemerda—diz,erguendoseuimensocorpo.Elese
aproxima dos outros bárbaros e de um homem-gato que estavam meioafastados.Nospescoçosdelestambémpendiaocírculovermelho.
O homem-gato não era nenhum dos que estavam na plataforma naúltimalutanaarena,Sariustinhacerteza.
—Nãotenhamuitasesperanças.DrizzelapareceuaoladodeSarius,esbarrandocomforçanele.
— Você nunca estará no Círculo Interno, seu molenga. Eu sim, querapostar?Tenhacuidadoeespereatéapróximaarena.
Eleexibeseuslongoscaninosnumsorriso.Sarius quis sacar sua espada por precaução, mas algo desvia sua
atenção.Um gnomo com pele verde-clara parou sobre uma rocha próxima ao
fogo.—OsguerreirosdoCírculoInternoestãosendoesperadosnopontode
encontrosecreto.Hánovidades.BloodWork, seus dois interlocutores e amaga elfo chamadaWyrdana
levantam-seevãoparaaparteesquerdadobosque,quepareceummurode sombras. O quinto escolhido não está ali, até que Blackspell sedesprendedastrevasaoladodaarenaesegueosoutrosquatro.Amedalhavermelhareluzsobresuacapapreta.
—BlackspellpertenceaoCírculoInterno?—perguntaSariussurpreso.— Bosta. Eu também não sabia — responde Drizzel. — Mas melhor
assim.Voutransformá-loemmingaunaarena!Sarius já estava secretamente ansioso para ver isso. Não importava
quemiatransformarquememmingau,elenãogostavadenenhumdessesvampiros.
BlackspelltambémdesaparecenoescurodobosqueeSariusprecisaseconterparapermaneceralinofogo.EleadorariasaberoqueerafaladonoCírculoInterno.
Ognomoverdecontinuasentadosobrearocha,poistemumnovoavisoafazer.
—Guerreiros!—elecomeça.—Aúltimabatalhaestáseaproximando.Ainda falta algum tempo, porém, mais do que nunca, é preciso desde jásepararojoiodotrigo.
Elefazumapausaconsiderável.— O campo onde estamos não está muito longe da fortaleza de
Hortulano. Estamos nos aproximando dele, passo a passo. Meu amoacredita que Hortulano já consegue nos sentir. No entanto, ele não nosatacará.Elenãopodenosatacar,porquenãotemideiadequemsomos.
Novamenteumapausasignificativa.—Outros,porsuavez,andamtentandoarruinarnossamissão.Elesnos
espionam, nos difamam, tentam nos prejudicar. Se nós não nos unirmos,elesseinfiltrarão.Destruirãonossomundo.Maisdoquenuncaénecessáriosilêncio. Manter a calma. Guardar segredos. Tratar os inimigos comoinimigos.
Apósisso,ognomodescedarochaecambaleiacomsuaspernastortasatéaarena.
Durante as horas seguintes os guerreiros sentam-se juntos. Elescontinuam esperando que algo aconteça, mas ninguém lhes impõe umatarefa, ninguém os ataca, nenhum dos monstros de Hortulano irrompecontraeles.Entãosemantêmtranquilos.Elesarriscamnodadomoedasdeouroecarne,oclimaestádescontraído,ninguémtemvontadede investircontra a pessoa ao lado. Sariusmal percebe o tempo passar. Quando sedespededosoutros,jásãoduashorasdamanhãeeleestáexausto.NuncaantessesentiutãoacolhidoeemcasanoEreboscomoagora.
18
De:FrankBetthany<[email protected]>Para:NickDunmore<[email protected]>Assunto:Treino
Nick,vocênãoimaginacomoestoudecepcionadocomvocê.Comvocêstodos.Vocêfaltounosúltimostreinoseachouquenemprecisavameinformararespeito.Infelizmentevocênãoéoúnico.Daúltimavezeuestavacomapenasquatrohomensnoginásio.Vocêsquefaçamoutrapessoadeidiota.Maisumafaltanãojustificadaevocêestáfora.F.Betthany
—Oqueaconteceucomvocê?—Vocêestavanohospital?—Nãoparecemuitobem.BrynneealgumasdesuasamigascercavamocaladoGreg,quetentava
comesforçoaparenteretirarseuslivrosdoarmário.—Eucaínaescadarolante—dissesemconvicção.Pelodesânimode
sua voz, ele não estava contando a história hoje pela primeira vez. —Escorreguei e fui rolando.Mas é bemmenos grave do que parece— eleapalpouacasquinhadoarranhãoemseunarizedeuummeiosorriso.
“Bem menos grave continua sendo grave”, pensou Nick. O pulsoesquerdodeGregestavaenfaixadoeelemancavaumpouco.
— Quer que eu carregue sua mochila? — ofereceu Nick, mas Gregrecusounahora.
—Não,não.Eupossolevá-la.Nãoétãograve.Tchau.
Nick o viu afastar-se e expulsou o pensamento que, desde que Gregapareceu,elenãoconseguiatirardacabeça.
Besteira.OGregmesmodissequehaviatropeçado.Comose isso jamaistivesse acontecido aNick.Umavez, apósuma trombadanobasquete, elehaviaficadocomascostelasenfaixadasporduassemanas.Poisentão, issoacontece.
—Nick?EraEmilyeestavasozinha.SemEric,semJamie,enemmesmoAdrian
estavaporperto.—OiEmily,sintomuitopornãoterrespondidoseuSMS.—Tudobem.Nãoeratãoimportante—elasorriu.—QueméesseVictordequemvocêfalou?—Tambémnãoimportamuito.Possolheperguntaralgo?—Claro.—Vamosali—comummovimentocomacabeça,elaapontouparaa
escada,ondeosdoispoderiamconversarsemseremincomodados.Nick a seguiu. Ele sentiu o olhar de Brynne atrás dele, sorriu-lhe
rapidamenteementalmentesexingouporsertãocovarde.—Oquevocêacha—perguntouEmilycomfranqueza—,éverdadeo
queAishaestáfalandosobreEric?“Elasabe”,pensouNickesesentiuficandovermelho.“Elasabedomeu
cristaldedesejos.”MasnoolhardeEmilynãohaviaqualquersinaldeacusação,apenaso
interessesinceroemumaopinião.Ele fez comosbraçosummovimentodandoaentenderquenão fazia
ideia.—Nãosei.Podeser.Digo,eunãooconheçotãobem…então…eu…—
diantedoolharfixodela,elecomeçouagaguejar.—Conhecer,dequalquerforma,ésemprerelativo—elacompletou.—
Sabe,desdeontemeuvenhopensandosenãohámaiscoisasportrásdasafirmaçõesdeAisha.No início tudomepareceu totalmente absurdo,masvaisaber…
Nicksesentiuquasequeofendido.
—VocêacreditanaAisha?—Não.Talvez.Nãosei.Aspessoas fazemascoisasmais inexplicáveis.
Coisasqueninguémjamaisimaginaria.Bingo. O rosto deNick estava quente, ele com certeza ficou vermelho
nessemeio-tempo.Elasabe.Se Emily estava percebendo seu constrangimento, conseguia disfarçar
muitobem.ElaolhoupensativaparaosarmáriosondeBrynnecontinuavaparada,examinando-osinsistentemente.
—EutambémnãoconheçoEricmuitobem.Nósdoisamamosliteraturainglesa e é sobre o que conversamos na maioria das vezes. Ele é muitointeligente,eugostodisso.Naverdade,eleéinteligentedemaisparafazerumacoisadessas,masagoraapareceuumatestemunhadizendotervisto…
—Quem?Emilydeudeombros.—Sei lá.Osr.Watsoncontou issoa Jamiehoje.Elequaseexplodiude
raiva...achaqueissotudoéumaarmação.“NãoseriaruimseAishativesseumatestemunha.”Nickfechouosolhos.—Porquevocêestámecontandoissotudo?Emilyolhouparaochão.—Oquevocêquerianaqueledomingodemanhãquandomeligou?Nick não pôde deixar de sorrir involuntariamente. “Eu queria lhe dar
um mundo”, pensou. “Um mundo sensacional, incrível, emocionante.Empolgante.Místico.Apavorante.Aterrorizador.Tudoissojunto.”
— Isso você provavelmente deve imaginar, não? Eu não queria otelefonedoAdrian,eraporcausa…
—Eujásei—elaassentiucomacabeça.—Eufuimeiofria,eusei.Masnãoeranadapessoal.Hojeprovavelmenteeuagiriadeoutraforma.Sabe,sevocê achaessenegóciobom,éporquedevehaveralgode interessantenele—elasorriumaisumavezesefoi.
Sempalavras,Nickaobservouseafastar.Seaquiloeraefeitodocristalde desejos, ele começava a ficar com medo de verdade. Algo assimsimplesmentenãoocorria.Alémdisso:EmilyeErebos?Porqueassim,tãode repente? Ele passou amão sobre a cabeça, admirado pelo fato desse
pensamentoosatisfazertãopouco.Seera issoqueelequeria!UmaEmilygato,ouumaEmilyelfo,outalvezumaEmilyvampiraaoseulado.Porém,ele jáhavia copiadoo jogoparaHenryScottenãopodiavoltaratrás.Elenãopoderiaoferecê-loaEmily,mesmoqueelaquisesse.
—Érealmentemuitogentildesuaparte flertar comEmilycomigoaolado! — Brynne estava plantada atrás dele. A raiva elevava sua voz àsalturas.
—Como?—Nossoencontronãosignificounadaparavocê?—Mas…eu…Droga.Eleestavagaguejandodenovo.—Vocêachaquepodeficarcadadiacomumadiferente?Achaqueeu
nãotenhosentimentos?— Mas eu não fiquei com Emily! — disse Nick, indignado. — Eu só
estavaconversandocomela!—Emejogandoparaescanteio!Vocêachaqueeunãovejocomovocê
sederreteporela?—comumgestoteatral,Brynnejogouoscabelosparatrásdosombros.—Estoutãodecepcionadacomvocê,Nick!
Elaodeixoualiparado.Nickesfregouosolhosesuspirou.Eraumidiota.ElerealmentesejustificouporterfaladocomEmily.
Hojeeraodiadasconversasestranhas,aoquetudoindicava.Emumdoshorários vagos, o sr.Watson veio em sua direção e pediu para lhe falarrapidinho em uma sala vazia, o que fez o coração de Nick baterviolentamente.
Orevólver.Elesabequeeutenhoalgumacoisaavercomorevólver.— Eu queria falar com você porque eu o considero uma pessoa
inteligente—explicouosr.Watson.Elecolocousuagarrafatérmicasobreamesaeolhoupensativopelajanela.—Masachoquevocêestámexendocomcoisasquenãoestãolhefazendobem.
Logo,logoelemencionaráaarma.—Euseiqueummontedealunosdanossaescolaandajogandoumjogo
decomputadorchamadoErebos.Achoquevocêestámecompreendendo.
Eunãotenhonadacontrajogosdecomputador.EuatépediparaumadasminhasturmasescreveremumaredaçãoambientadanoWorldofWarcraft.Mas isso aqui é outra coisa. É perigoso e eu tenho que tomar umaprovidênciacontraisso.
Nick fitava-ocalado.Colin,Rashidemaisalgunsoutroscomcerteza jáhaviam ficado sabendo que Watson o abordara. Ele não iria conseguiresconderissodoMensageiro.
—Eugostariaquevocêmeajudasse,Nick.Euvousersincero:eunãotenhotidomuitosucessonaminhaluta.Algunsalunosquelargaramojogofalaram comigo. Mas o programa não se encontra mais no computadordeles.Euachoqueosperitosdapolíciateriammaischancescomisso,maseusópossoacionarapolíciasealgoacontecer—elesuspirou.—Etenhomuitomedodequealgoaconteça.Vocênão?
Nick deixou escapar um ruído indefinido, algo entre um bufo e umatosse.
— O que é que poderia acontecer?— disse ele, já que o sr. Watsonobviamenteesperavaumaresposta.
—Nãosei.Diga-mevocê.—Então,eutambémnãosei.Osr.Watsonoexaminavanitidamente.—EuachoqueaquiloqueaconteceucomEric já foigraveobastante.
LógicoquevocêpodedizerqueelemesmoéoculpadosemolestouAisha.MasAishanãoqueriràpolícia.Dejeitonenhum.Estranho,não?
MaisumavezNickdeudeombros,dessavezapreensivo.—Provavelmente ela se sente constrangida, isso euentendo.Afinal, é
assuntopessoaldela.—Sim,claro.Cadaumcuidadesuasprópriasquestões,nãoé?Exceto
seuamigoJamie,quedecidiuseenvolvernissoaí.Vocênãoreparou?—Eujápossoir?Nãoseimesmocomoeupoderiaajudá-lo.Osr.Watsonassentiucomacabeçaresignado.— Você pode vir falar comigo se precisar de proteção, certo? Você e
todososoutros.Nick deixou a sala. Apressou-se para parecer descontraído e seguro,
disso ele ainda tinha consciência. Mas não importava. O sr. Watson nãohaviamencionadoorevólver.Issoeraoqueimportava.
—Hánovidadesquevocêpossamecontar?Sarius está de frente para o Mensageiro em um local totalmente
desconhecido.Nuncaestiveraaquiantes.Éumamontanhasobreaqualsedestacauma torre emruínas.A torre exerceumaatraçãodesconcertanteem Sarius. Ela desvela a grandeza do castelo ao qual outrora deve terpertencido, ao mesmo tempo em que parece poder cair a qualquermomento. À sua esquerda, uma peculiar cerca viva estende-semais umavezpelaáridapaisagem.Elaédivididalongitudinalmenteemdois:metadeverde,metadeamarela.Oamarelosedeveàsfloresafuniladasquecrescemcomumaincrívelabundâncianametadeesquerdadacerca,enquantoquenametadedireitaestãocompletamenteausentes.
Involuntariamente, Sarius pensa em um jardineiromaluco, semeandosuasplantasestranhasnomeiodaterracinzaerochosaedandorisadinhascomoumlouco.
Sariusnãoquermencionaraconversacomosr.Watsonseelenãoforobrigado.Eletentaoutracoisa.AlgopositivoqueoMensageironãoconsigaperceber.
— Eu tive a impressão de que Emily Carver está começando a seinteressar pelo Erebos. Até então ela não estava muito empolgada, mashojedeuaentenderqueissomudou.
—Ah,muitobem,Sarius.Issobastaporhoje,émelhorvocêir.Estamosnos aproximando da fortaleza de Hortulano, você deve saber. Aqui énecessário o máximo de cautela. Se você seguir a cerca viva na direçãooeste,irásedepararcomummemorial.Ummonumento,naverdade.
Eleribaixinho,causandoumarrepionaespinhadeSarius.— Lá você encontrará guerreiros aliados, mas talvez alguns inimigos
também,quedevemserderrotados.Boasorte.Acercareluznoescuro,queprático.Elaavançapelaregiãosemprereta,
como uma faixa no asfalto. Por ummomento, Sarius pensou reconheceralgo nela, como se fosse um efeito de ilusão de ótica. Uma verdade
escondida atrás do aparente. Porém, a impressão desaparece tão rápidoquantoveio.
Ocaminhoparecemuito longoparaSarius.Maseledeveestarnarotacorreta,acercailuminadanãodeixadúvidas.
Depoisdealgumtempo,estevêalgoenormeadistância,provavelmenteomonumento.Porém,estesemove.Aoaproximar-se,Sariusreconheceoque era: uma famosa escultura grega: um homem, cujo nome ele nãolembra, e seus dois filhos, sendo estrangulados por duas serpentesmarinhasimensas.Noaltodeseupedestal,ostrêshomensdepedralutamporsuasvidasenquantoascobrasseenroscamemseuscorpos.
Umgrupodeguerreirosencontra-seaoredordopedestal.AliestavamDrizzel, LordNick, Feniel, Sapujapu.Umpoucomais distante aguardavamLelant,BeroxareNurax.Todosesperamoqueestáporvir.
Sariusjunta-seaSapujapueobservamacenaangustiantequeacontecesobresuascabeças.Queriaperguntardoquesetratavatudoaquilo,massóhaviauma fogueirapequenaequeardiabem longedalipara tornarumaconversa possível. A chama servia, porém, para lançar um tremularhorripilantesobreaestátuaretorcida.
Talvezatarefaconsistaemmatarasserpentes?MascomoSariuspoderiasubirnopedestal?Osoutros tampoucotentamfazeralgo,pelomenosnãoagora.
Osmovimentosdasfigurasdepedratêmalgodehipnótico.Sariustemaimpressão de ficar sem ar sempre que as cobras se enroscam commaisforçanostrêshomens.
Entãoapareceuumgnomocomapelebrancacomoaneve.EraumdosmensageirosdoMensageiro.
— Que belo espetáculo, não? — diz, mostrando os dentes. — Vocêsentendemoquesignifica?
Ninguémsepronuncia.Issoéumacharada?Haveráumarecompensaparaaresposta?— Não, vocês não entendem nada. Exatamente como meu amo
imaginava.Entãovão,andempelaflorestaeacabemcomosorcs.Quemmetrouxertrêscabeçasserárecompensado.
Felizporterescapadodaquelacenasinistra,Sariuscorreemdisparada.Como de costume, a música magnífica começa a tocar, dando-lhe aimpressãodeserinvencível.
Trêscabeçasébrincadeirinhadecriança.
19
Póing!Abolabateuatrintacentímetrosdacestacontraatabela.BetthanypraguejoueNickdeuumchutenaparede.Droga,tudoéumadroga.Elenãotinha mais paciência para esse pula-pula sem sentido naquele ginásiofedorento;queriairparacasaefazercomqueSariusfinalmentevoltasseaprogredir.
Osúltimosquatrodiasforamamaispuradecepção.Umalutacontraumdragão de nove cabeças, contra crustáceos gigantes venenosos e ontemuma batalha contra esqueletos bastante vivos em uma cova escuríssima.Sariussuperou tudosemproblemas ,porémsemsedestacar.Continuavasendoum8.Comtodososseusesforços,nãohaviaconseguidonadaalémde um pouco de ouro, poção e luvas novas. Nenhuma missão doMensageiro.Nenhumachancedemostrarsuacapacidade.
NickcorreuatrásdeJerome,tomouabolaefoidriblandopelaquadra.Mirou.Arremessou.Póing!Maisumavez,bolafora.
— Devo levantar você até a cesta, Dunmore, ou você precisa de umaescadinha?—berrouBetthany.
Não. Ele precisava de uma espada nova e de um upgrade em suashabilidades especiais. A luta na arena se aproximava cada vez mais, eenquanto os outros ficavam mais fortes, Sarius não avançava. Se oMensageiropelomenoslhedesseumachance,umatarefa,paraqueSariuspudessemostraroquantovalia.
JeromepegounovamenteabolaepassoucorrendoporNick.Quasequeautomaticamente, ele especulou sobre a identidade de Jerome no jogo.
Lelant?Nurax?Drizzel?MaisfortequeSarius?Maisfraco?— Você está dormindo, Dunmore?— gritou Betthany. — Quer fazer
flexõesatéacordardevez?Nickficougratoquandoojogoterminou.Paracasa.Lá,umtrabalhode
inglêsaindaesperavapara serescrito,masaquilo seriamoleza.Paraqueexistia a internet? Era só copiar umas duas páginas e a coisa estariaresolvida. Depois ele daria novos rumos ao jogo, para finalmente acabarcom aquela maré de azar. Pressentia que aquela noite isso poderia darcerto.
As trevas caíram opressivas sobre o campo, como se tivessem massa epeso.Osguerreiroscorriamapressados.Aindaprecisavamconquistarumaponte para cumprir a tarefa passada pelos gnomos.O caminho por ondeandaméazul-escuro,umacorquelembravaáguasprofundas.
Sarius tenta sermais rápido que os outros, e ultrapassa três de seuscompanheiros:Drizzel,NuraxeArwen’sChild. Juntocomele,edamesmaaltura,correLordNick,eumpoucoatrásseguemSapujapu,GagnareLelant.Ogrupoque ficouparatrásé formadoporalgunsnovatos.Sariusnão fazqualqueresforçopararepararemseusnomes.Elessãodenível1e2,nãopoderãoprejudicá-lonaarena.
Agorapodesentirqueelesestãopertodeseuobjetivo.Sariusestátenso,porém é uma tensão agradável, repleta de curiosidade e sede de sangue.Serão orcs, escorpiões ou aranhas de quem eles deverão tirar à força aponte? Para ele tudo estava bem. Desta vez ele lutará tão bem que oMensageiro teráde recompensá-lo.No entanto, até a lutana arena aindafaltamtrêsdias.Apósisso,seránomínimoumdez.
A corrida há muito tempo já não lhe afeta em nada. Ele se lembrabrevementedecomoeraquandoele,apóscadamontanha,tinhaquepararedescansar.Agorapodecorrermorroacimaeabaixocomtodavelocidade,semmostraromenorsinaldeexaustão.Ébomterforça.Ébomestaremumnívelmaisalto.
Uma leve subida regular encontra-sediantedele.Regulardemaisparasernatural.Sariusexaminamaisdepertoeconstataqueocaminhoseeleva
sobreochão,estendendo-sepelaescuridãocomoumarco-írisazul-piscina.Essaéaponte,então.
Maisàfrente,noescuro,ouve-semetalbatendocontrametal.Alutajáestáacontecendo?SariussacasuaespadaevêLordNickfazendoomesmo.Se fosse possível pelo menos ver o inimigo, mas tudo ali são silhuetasgigantescas. Blam! Um som como a batida de um sino. Algo desce pelaponteemdisparada.Algooualguém?
Ossonsdelutaficammaisaltosecontornosbrilhantessedelineiamnocéu. Gigantes cavaleiros encouraçados em prata defendem a ponte. Oentusiasmo de Sarius desaparece. Como diabos poderia vencê-los? Eledesacelera e vê comoDrizzel desvia da espada de um dos cavaleiros, dotamanhodeumaárvore,elaagitava-sedeum ladoparaooutromassemacertarumgolpe.ComNuraxnãoédiferente.
“Devehaveralgummacete”,pensaSarius.“Umaáreavulnerável,algumacoisa.Quandoeuchegarmaisperto,euverei.”
LordNickpassaporele,atira-sesobreopróximocouraçadoebatecomsuaespadano jarretedogigante.AcriaturasequerseassustaeLordNicktem que se esforçar bastante para evitar ser partido em dois em um sógolpe.
Eu poderia tentar dar a volta neles. A tarefa é conquistar a ponte, nãovenceroscavaleiros.
Vendo-osdelonge,osinimigossãoaltoscomotorres.Seusmovimentossão de uma forçamonstruosa,mas nãomuito rápidos. Sarius passa peloprimeiro,depoispelo segundo.O terceiro tentadetê-lo, ebaixaaespada.Sarius desvia; ali estava a extremidade da ponte, era preciso ter cautela.Blam!Ogigantedámaisumpassoemsuadireção,apontaaarmaparaelee,aespadadogiganteatingeSariusde leve,de leve,apenas.Elanãoo fere,mas o faz perder o equilíbrio. Sarius está consciente de que não vaiconseguir.Nãohánadaondeelepossasesegurar,nenhumparapeito,nemmesmoumabordamaissaliente.
Elecai.Adeusaoscavaleiros,adeusàponteque,agoraazul,searqueavasobreele.Adeusaseusonhodevirarum9hoje.Oquehaviaabaixodeleelenão podia nem mesmo imaginar. Água seria bom, ou pelo menos um
gramado macio. Porém, em pensamento, somente ele vê pedraspontiagudaseespinhos.Oaraoseuredorassobia.Eaindanadadetocarochão.
Mortoporestupidez.Isso não pode ser, não agora. Assim não. Apenas por dar um passo em
falso.Mas o impacto chega e o som de ferimento começa a soar com uma
intensidadetalquefazSariusgemer.Porummomentoelenãodesejanadaalémdequeelepare, imediatamente.Masochiadoéumsinaldevida,dequeaindatemumachance.Eleprecisaapenasesperar.Apenasaguentar.
Entãoeleesperaesforçando-separamovimentar-seomenospossível.Logosuacabeçacomeçaadoer,osoméumatorturaesesobrepõeatodososoutros,inclusiveosbarulhosdelutanaponte.Porquetantademora?Eserá que ainda estão lutando na ponte? Provavelmente. Porém, alémdele,ninguémmaiscaiu.
—Essanãofoinenhumajogadamagistral,Sarius.Finalmente.Nuncaestevetãofelizemverosolhosamarelos.—Suponhoquevocêprecisedaminhaajuda.—Sim.Porfavor.— Você deve compreender que eu estou começando a ficar chateado
porterquetirá-lotodahoradeapuros.Sarius se cala. O que poderia responder? Mas o Mensageiro parece
aguardar por uma resposta e Sarius não quis que ele se chateasse maisainda.
—Sintomuito.Eufuidesastrado.—Comissoeuconcordo.Serdesastradoéperdoávelnocasodeum2,
mascomum8éumavergonha.“Agoraelevaimetirarumnível”,pensaSarius,triste.Issosenãometiraralgomais.—Atéhojevocêpôdeconfiaremmim,nãoé?—Sim.—Possoconfiaremvocê,Sarius?Mesmoseascoisasficaremdifíceis?—Claro.
—Muitobem.Entãoeuoajudareidenovo.Masvocêteráquecumprirumamissãoparamimedestavezvocênãopoderáserdesastrado.
OsomdeferimentoenfraqueceeSariuslevanta-selentamente.Foiporpouco…Dapróximavezseconcentrarámais, issonãovaiaconteceroutravez.Emdoisdiascomeçaráalutanaarenaequeriaestaremforma.
—Eucumprireiamissão.Epodeserdifícil,semproblemaalgum.OMensageiroassentecomacabeçapensativamente.— Fico contente em ouvir isso. Deixe-me primeiro fazer-lhe uma
pergunta.Osr.Watsonéseuprofessordeinglês?—Sim.—Dizemqueeleandasemprecomumagarrafatérmica.Éverdade?Sariuspensaumpouco.—Sim.Achoquecomchádentro.—Muitobem.Entãoamanhã,cincominutosantesdecomeçaroterceiro
tempo,vocêiráprocurarobanheirodoprimeiroandar.Aquelequetemoespelho da pia rachado. Na lata de lixo, encontrará um pequeno frasco.Vocêdeverádespejarseuconteúdonagarrafatérmicadosr.Watson.Nãointeressa o conteúdo do frasco. Porém, sua destreza será necessária:ninguémdeveráobservá-lonessemomento.
Sarius acompanhou a explicação do Mensageiro com crescenteincredulidade. Por alguns instantes ele considerou simplesmente saircorrendo e fingir que não ouviu umapalavra. Ele podia também ficar alideitado esperando que o Mensageiro retirasse tudo o que disse edeclarasse que aquilo tudo fora uma piada ruim. No entanto, seuinterlocutor apenas permaneceu com os braços cruzados sobre o peitoossudo.
—Eentão?Entendeutudo?Sariusfezumesforçopararesponder.—Sim.—Vocêofará?Comoatarefaédifícil,arecompensaserágenerosa.Um
novopodermágicoetrêsníveis.Eentãovocêseráum11,Sarius.Comoum11,vocêjáteráchancesdeocuparumlugarnoCírculoInternoeeupoderiainformar-lhequeméseumembromaisfraco.
Sariusrespirafundo.Issoéumjogo,certo?ProvavelmenteoMensageirosóestáexigindoumaprovadecoragemesóháleitenofrasco.Ouglicose.
—Eufarei.—Excelente.Aguardareiseurelatoamanhã.As trevas desta vez apareceram com rapidez e deixaram Sarius com
umasensaçãodedesamparoatéentãodesconhecida.
Criar.Preservar.Destruir.Para cada uma dessas tarefas os hindus têm uma divindade. Eu darei
contadissotudosozinho.Euconseguioqueninguémantesdemimconseguiu,masomundonãoé
minhatestemunhaejamaisserá.Entãoeutenteipreservaroquecriei,comtodaaminhaforça,comtodaa
minha vontade. Com dor, às vezes com lágrimas, de qualquer forma, comconsiderávelsacrifíciosdevítimas.
Agora eudestruirei.Quem iráme culpar? Sehouver justiça, pelomenosissoeuireiconseguir.
Teria sido melhor continuar como criador e me alegrar com minhacriação, preservá-la, dividir com os outros. Mas a destruição também nosapresentaaspectospositivos.Oencantoestáemseucaráterdefinitivo.
20
Nicknãoconseguiuselembrarquandofoiaúltimavezemquedormiutãomal como na noite anterior. Ele havia revolvido a missão em seuspensamentos, alternado sensações de pânico e calma, tentado mil vezesimaginar o cenário do dia seguinte. Esforçou-se para elaborar um plano,porém quando chegava a hora de abrir a garrafa e despejar nela asubstânciadesconhecida,ofilmeserompia.
Masagoraeraomomento.Hádoisminutoso sinaldo terceiro tempohaviabatido.Nicksubiuasescadasparaoprimeiroandarcomocoraçãopalpitante.
Ele tinha esse horário vago, uma das poucas vantagens de quando seestáfinalmentenosextoano.Osoutrosquetambémnãotinhamaulaagoraestavamnabibliotecaounasáreascomuns;Nicknãoachavaquealguémoestivesseseguindo.Mas,mesmoassim,olhavaotempointeiroaoseuredor,esperando secretamente que Dan, Alex ou qualquer um o estivessegravandocomumacâmera.
Nickdeteve-sediantedaportadobanheiro.Elepreferiaestaremoutrolugar,bemlonge.Masissonãoadiantavanada.
Entãovamos.Mãosàobra.Abriu a porta. Deu uma olhada rápida no espelho rachado, no rosto
pálidocomolheirasprofundas.Lá, à esquerda da pia, havia uma lata de lixo. Estavameio cheia com
toalhasdepapelusadas, latasvaziasdebebida,umacascadebanana,umpãomordidoealgumasfolhasdecadernoamassadas.
Comaspontasdosdedos,Nickdesamassouospapéis.Nada.Debaixodaprimeiralatadebebidatambémnãohavianada.
Por falta de opção, procurou mais para o fundo. Havia mais papelamassado.Umdesenhomalfeitoexibindoumameninanua.Nickcolocouamãoumpoucomaisparabaixo.Senãohouvessenadaali, ele iriavirarolixo de cabeça para baixo e revolveria a sujeira como um porco. Ou, namelhor das hipóteses, poderia explicar ao Mensageiro que não havianenhum frasco no lixo. Um rastro de esperança começava a se formarquandoNickaviu:umacaixinhaazulebranca.
“Digotan®,50comp.0,2mg”,Nickleu.Elepuxouacaixinhaesentiuqueelanãoestavavazia.Quedroga.
Elesetrancounaúltimacabineeabriuaembalagem.Umfrascoazulserevelou,cheiodepílulasbrancasatémaisoumenosdoisterços.
Nick abriu o frasco, cheirou seu conteúdo e não percebeu nada deincomum. Os comprimidos pareciam inofensivos; eram pequenos, comaspectodegizetinhamumentalhenomeio.
Ele havia guardado bem as palavras do Mensageiro: o conteúdo dofrasconãointeressava.Masnadaoimpediadedarumaolhadanabula.
O componente ativo dos comprimidos brancos se chamava β-cetildigoxina e ajudava, segundo a descrição, em casos de insuficiênciacardíaca.
Digotan®melhorao funcionamentodocoração, fazendo-obatermais lentamenteecommaisforça,melhorandoacirculaçãosanguíneadocorpo.
Até aí a substância parecia confiável. Nick virou o papel e procurou osefeitoscolaterais.
Precaução: Medicamentos com glicosídeos cardioativos podem agir com demasiadarapidez devido a disfunções nas reservas minerais ou em caso de interaçõesmedicamentosas. Risco de vida em caso de superdosagem! Consultar um médico naocorrência dos seguintes efeitos colaterais: enjoos, vômitos, distúrbios na visão,alucinações,arritmias.
Risco de vida. Nick viu a bula tremer levemente em sua mão. Omedicamentopoderiaagirmuitorápido,estavaescrito.Oqueaconteceriaseeleesvaziasseofrascotodonagarrafatérmicadosr.Watson?Bastariaapenasumgoledecháparaenvenenaroprofessor?
Comos olhos fechados,Nick se encostouna parededo banheiro. Semchancesdefazeraquilo.Elenãopoderiamataralguém.IriapedirumaoutratarefaaoMensageiro,comotirarfotosdenovo,porexemplo.
Masistoaquiémaluquice.Demaisamais,aquiloprovavelmenteeraumerro de programação e o Mensageiro ficaria feliz se Nick o avisasse arespeito.
Nissonemvocêacredita.Elelembrou-sedoqueognomobrancotinhaditohaviadoisdiasjuntoà
fogueira: eles deveriam tratar os inimigos como inimigos. Àqueles quequeriam destruir omundo de Erebos.Teria ele queridomesmo dizer queelesdeveriammatá-los?
Nickpesouofrascoemsuamão.Porummomentoelepensouemjogaroconteúdonaprivada,masnãoseatreveu.Talvezeleaindafosseprecisardoscomprimidos.Eleprecisavapensaremalgo.
O resto do tempo ele ficou vagueando inquieto pelo prédio da escola,comoumfantasma.Precisavadeumaideia,enãopodiaserqualqueruma,tinha que ser uma boa. Uma que permitisse que tanto Watson quantoSariuscontinuassemvivos.
Nointervaloseguinte,Watsonestavacomoinspetor.Nickoobservavasemconseguir tirar os olhos da garrafa térmica cromada que o professorcarregavadescontraidamentesobobraço.
Desse jeito, Nick jamais conseguiria se aproximar. Era impossível. Aúnica opção era esperar que Watson a largasse. E isso ele fariaprovavelmentenasaladosprofessores,queestavasempreabarrotadadepessoas.Elenãopoderiasimplesmenteentraraliejogarpílulasnochádosoutros.
Issojamaisiriadarcerto!Nick tateou o frasco em seu bolso. Não era justo. A tarefa não era
realizável,mesmoseNickpudesseselivrardetodasuaconsciência,mesmoseele…
—Nick?Elesoltouumgritoabafado—Adrian,quedroga,vocêprecisaficarseesgueirandoporaí?—Sintomuito.Porém,Adriannãoaparentavasentirmuito.Elepareciadecidido,ainda
queestivessepálidoelambendooslábiossemparar.—Oquevocêquer?— É verdade que tem um jogo nesse DVD de vocês? Um jogo de
computador?Adrian olhava-o suplicamente,masNick não respondeu. O sr.Watson
acabara de colocar sua garrafa térmica sobre o parapeito da janela parainterviremumabrigadeduasgarotasmaisnovas.
Infelizmente o corredor estava cheio de gente. Ele simplesmente nãopodiapassar…E,alémdisso,dequalquerformanãoofaria!Eleprecisava,inclusive,parardepensarnisso!
—Nick,éverdade?Nick virou-se bruscamente para trás, viu Adrian roendo a unha do
polegarerepentinamentesentiuumaraivaindescritível.— Por que você nãome deixa em paz? Por que vocêmesmo não vai
experimentar?Eunãopossolhefalarnadaarespeitoetambémnãoquero!Vásedanar!
Não muito longe dali encontrava-se Colin e, um pouco mais adiante,Jerome.Ambosseviraramparaolhá-lo.NorostodeColinseesboçouumsorrisodiscretoeNicksearrependeudeseuacessoderaiva.ElenãoqueriaqueAdriantambémacabassecaindodeumaescadarolante.
— Deixe-me em paz, está bem? — falou mais baixo. — Se estáinteressado,arrumevocêmesmoumDVD.Nãoédifícil.Docontrário,apenasesqueçaisso.
—Se isso é um jogo—cochichouAdrian—, então largue isso. Sério.Largueisso.
NickolhouparaAdriansementender.
—Vocêpodemeexplicaroquequerdizer,porfavor?—Não.Porfavor,simplesmenteacrediteemmim.Osoutrosnãomedão
crédito,nemmesmoosdaminhaturma.—Eporquedeveriam?—Nickobservavaosr.Watsonvoltandoparao
parapeitodajanelaepegandosuagarrafatérmica.Droga.Elevirou-separaAdriannovamente.—Diga logo! Por que eles deveriam confiar em você? Você não sabe
nemdoquesetrata!Porquevocêquerestragaradiversãodosoutros?Diversão.Acabaradedizerdiversão.—Nãoéissooqueeuquero.Masminhaintuiçãomedizque…—Suaintuição—interrompeuNick.—Agoraeuvoulhedarumaboa
dica: pare de irritar os outros por causa de suas intuições. Você só vaiarrumarproblemas,edosmaissérios,porsinal.
Que ótimo, agora ele havia advertido Adrian na frente dos outrosjogadores.Se issoseespalhasse,oMensageirocomcertezanão iriaachargraça, issoerafato.Eaindahaviaaquestãodoscomprimidos.Continuavasemternenhumaideiabrilhante.
Semmaispalavras,eledeixouAdrianparatrás.
Uma hora depois, Nick estava a caminho da cantina. Não tinha amenorfome, mas precisava se ocupar. Simplesmente ficar por aí sentadosuportandoointervalodoalmoçoiriadeixá-lolouco.
Eric estava lá de novo. Nick o viu com três pessoas do clube deliteratura.Elesestavamparadosemumcanto,discutindoanimados.Aoseaproximar,elesabaixaramotom,porémNickouviraclaramenteonomedeAisha.
DeEmilynãohaviaqualquersinal.Nickavistouosr.Watson,Jamieeumameninagordaparadospertoda
janelaemfrenteàsaladebiologia.Nickexaminoubemoprofessor.Nadadagarrafatérmica,nemmesmonoparapeitodajanela.
Sempensarmuitonoqueestavafazendo,Nickfoiandandorumoàsaladosprofessores.Elenãoiriacumpriratarefa,claroquenão,masprecisava
saberseelaseriateoricamentepossível.DepoiscontariaaoMensageiroporquenãohaviadadocerto.Issoserealmentenãofossedarcerto.
A porta da sala dos professores estava entreaberta. Nick espiou pelaabertura.NaslongasmesasdispostasemformadeUestavamsentadosdoisprofessoresquesequerlevantaramacabeçaquandoeledeuumpassoparadentro da sala. Um estava corrigindo tarefas dos cadernos, o outro lia ojornalecomiaumsanduíche.Dagarrafatérmicadosr.Watson,nemsinal.
Meiodecepcionado,meioaliviado,Nickdeumeia-voltaimediatamente.E agora? Ele precisava pelo menos fingir que quis cumprir a tarefa,seguramentealguémovigiavapara escreverumrelatóriode tudo.Nessemomento Dan apareceu andando pelo corredor, e, ainda que sequerolhasseemsuadireção,Nickestavaconvencidodequehaviapassadoporaliapenasporsuacausa.
Lentamente,Nickrefezocaminhopeloqualeletinhavindo,mas,apósalgunspassos,umpensamentoodeteve.Onde,alémdasaladosdocentes,osprofessoresguardavamsuascoisas?Novestiário,claro.Asaletaestavabemdiante dele e na cabeça de Nick já pulsava uma certeza antes de abrir aporta. Ele viu a garrafa namesma hora, como se ela tivesse atraído suavisãomagneticamente. Ela chamava sua atençãode dentro de umabolsatransversaldecouropenduradaemumganchoentrecasacosesobretudos.
Rápidocomoumraio,Nickcorreuparadentrodasalaefechouaporta.Só isso já lhe podia causar problemas graves, pois os alunos não tinhammotivosparaandarali.Entretanto,aquininguémpoderiaobservá-lo,nemDan,nemColin,nemJerome.
Nickpuxouagarrafadedentrodabolsa.Elagorgolejavaumpouco,comochámaisoumenosatéametade.Elesentiuseucoraçãobateratéocourocabeludoaodesenroscaratampa.Chádementa.Ofrascodecomprimidosfaziapressãoemseubolso,comoselhequisessedizeralgo.
“Eupoderiafazê-lo”,pensouNick.“Agora.Rápido.”Não.Elenãoeralouco!Oquediaboseleestavafazendoali?Nick fechou a garrafa com mais pressa ainda do que a havia aberto,
limpou com seu suéter as impressões digitais da superfície cromada ecolocouagarrafadevoltanabolsadecouro.
Masele estivera aqui.Alguémcomcertezaovira entrando. Isso eraoqueimportava.
Entretanto,sairdovestiáriofoiumsacrifício.EseeledessedecaracomoSr.Watson?Porém,ninguémprestavamuitaatençãoquandoelesaiudasaleta e fechou a porta. Apenas Helen vagava pelo corredor na hora elançouumolharinsondável.
Apósaaula,elejogouforaofrascodecomprimidosemumalatadelixopertodometrô,enamesmahorasesentiusurpreendentemente leve.Eleagiucomastúcia,pensoucadadetalhe.Novestiárioelepodiaterfeitotudoao pé da letra, e ninguém poderia provar o contrário. O sr. Watson iriaviver,Sariustambém.Jáerapraticamenteum11.
21
“Uma catedral da escuridão”, pensa Sarius, virado de frente para oMensageiro. Eles estão em uma sala gigantesca com janelas de arcospontudospelas quais não entra luz, aindaque o vidropareça se acendercomcorespálidas.EstátuasdepedraduasvezesmaisaltasqueSarius,comfacesdedemônioseasasdeanjos,encontram-seentreasjanelasfitandoonada.
O Mensageiro está sentado sobre uma cadeira de madeiramagnificamentedecorada,umaespéciedetrono.Atrásdelaháumafendaaindamaisescuraqueorestodolocal:umafissuranaterraouumabismo,Sariusnãoconseguereconhecerexatamentedaposiçãoemqueestá.
OMensageirotemoslongosdedosdobradossobseuqueixoeexaminaSariusemsilêncio.Aoseuredortremulamcentenasdevelascinzaemseuscastiçais.
—Vocêtinhaumatarefa—dizoMensageiro.—Sim.—Vocêacumpriu?—Sim.OMensageiroinclina-seecruzaaspernas.—Conte-mearespeito.Sarius relata brevemente, semomitir nenhumdetalhe importante. Ele
conta sobre ter achado os comprimidos, sobre sua busca pela garrafatérmicae,finalmente,sobreterdespejadooscomprimidosnochá.
—Étudo?—oMensageiroquersaber.
—Sim.—Muitobem.Oquevocêfezcomofrascovazio?—Jogueifora.Emumalatadelixopertodaestaçãodemetrô.—Muitobem.Novamenteosilênciodomina.Achamadeumavelaseapagacomum
chiado, e um fio grosso de fumaça se levanta, tomando a forma de umcrânio.OMensageiroinclina-separafrente,seusolhosamarelossecoloremdevermelho.
—Explique-meumacoisa.Eufuitolo,elesabe,elesabedetudo…—Umdemeusespiõesencontrouofrasco.Eleestavacheio.Sariusardeempânico.Umaexplicação,rápido…—Talvezoespiãotenhaencontradoofrascoerrado.—Vocêestámentindo.Outrosespiõesmecontamqueosr.Watsongoza
deperfeitasaúde.Econtinuanaescola.— Provavelmente o sr. Watson ainda não tomou seu chá. — sugere
Sarius, àspressas.—Oueleo jogou forapor causadogostoamargodoscomprimidos.
—Vocêestámentindo.Eunãovejomaisutilidadeemvocê.—Não,espere,nãoébemassim!Sariusprocuradesesperadamente argumentos comosquais ele possa
convencer oMensageiro. Ele foi tão hábil, ninguémpode comprovar quenãoquiscumprirsuamissão.
—Eufiztudocomofoicombinado.Seosr.Watsonnãobebeuseuchá,nãoéminhaculpa.Eu…
— Indecisos, hesitantes,medrosos emoralistas não são úteis para osserviçosdemeuamo.ElesnãoservemparadestruirHortulano.Adeus.
Adeus?Mediante um aceno do Mensageiro, dois dos demônios de pedra se
desprendemdeseuslugaresentreasjanelaseabremsuasasas.—Não,pare,issoéumengano!—gritaSarius.—Issonãoéjusto!Eufiz
tudodireito!
Osdoisdemôniosseguramseusombroscomsuasgarraseo levantamnoar.
Sariusdefende-se com todas as suas forças, se retorcendo sob a forçadosgigantesdepedra.PorqueoMensageiroestáfazendoisso?Atéhojeelesempreoajudou…Eagora,tudoporessaúnicavez,poressaúnicatarefa…
— Esperem, isso foi tudo ummal-entendido. Eu tentarei de novo—gritaSarius.—Destavezeufareimelhor,destavezdarácerto,eujuro!
OMensageirocobretodooseurostocomocapuz.— Você não contará nada a respeito do Erebos. Você não se virará
contranós.Vocêdeixaráosdemaisguerreirosempaz.Sevocêsedebandarparaoladodenossosinimigos,vocêsearrependerá.
—Pare,porfavor!Eujádissequefarei,destavezeufareidireito!Eles o levam até a fissura que se abre no chão atrás do trono do
Mensageiro.Afissurasignificaasuamorte,Sariuscompreende.Elelutaemvãocomtodasassuasforçascontraasgarrasdosdemôniosdepedra.
—NickDunmore.NickDunmore.Nick.Dunmore—ressoabaixinhopelacatedral.
Eentãoelesodeixamcair.Oarcantaaoseuredor,eleacreditapoderouvirseunomerepetidamente.Eleseguecaindo,caindo,caindo.Aindaháum resto de luz, ainda consegue ver os contornos de suas mãos, queesticou,cheiodemedo.
Eentãoveioochoque.Um chiado curto e agudo do somde ferimento, comuma intensidade
quenuncaanteshaviasentido.Depoisosilêncio.Oescuro.Ofim.
Nick golpeou o teclado, esmurrou o mouse. Bateu no monitor, nocomputador, na escrivaninha. Sarius não estava morto, não podia estarmorto!
Certo,calma,devagar.Primeirodesligouocomputador.Depoisvoltoualigá-lo.Observouenquantoosistemainiciava.
Quemohaviadelatado?Quemhaviapegadodolixoomalditofrasquinhocom os comprimidos? Nick não vira ninguém, mas tampouco prestara
atençãosehaviaalguémoseguindoforadaescola.Seu idiota. Algum jogador devia tê-lo espionado. E provavelmente
recebidocomorecompensamontesdeouroouumnívelamais.Mesmo assim, o Mensageiro não podia provar que Nick havia se
recusado a cumprir a tarefa. Ele não podia simplesmente expulsá-lo semprovas!NãohaviapassadonemumdiaqueoMensageirolhehaviaditoqueSariusseriaumcandidatoaoCírculoInterno.
Pensar nisso doía. Amanhã seria a luta na arena! Ele queria, eleprecisava estar lá. Iria conseguir... só precisava encontrar umaoportunidadedefalarcomoMensageiroeesclarecerestemal-entendido.
EleselembroudeGreg.Maisummal-entendido.Sóquenomeucasonãofoinadadisso.
Mas ele não era Greg. Ele não iria simplesmente deixar que oexpulsassem.Haviaumcaminhodevolta,comcerteza.Comtodaacerteza.Nick precisava apenas de uma segunda chance. Precisava entrarnovamentenojogo.
Impaciente,elebatiacomosnósdosdedosnotampodamesa.Porqueseucomputadordemoravatantoparainiciar?
Presumindo que o Mensageiro lhe impusesse a mesma tarefanovamente, ele iria cumpri-la desta vez? Iria envenenar o sr. Watson?Estariaelelamentandonãoteraproveitadoaoportunidade?
Sim,queinferno!Sim.Oqueeraosr.WatsoncomparadoaSarius?Nickfechouosolhos.Provavelmentenãoacontecerianada.Watsonteria
bebido o chá, achado horrível e cuspido fora. Nada demais. Inclusive,provavelmente era essa a intenção original do Mensageiro: se todos oscomprimidos sedissolvessemnochá, ele ficaria simplesmente intragável.Tudo sem qualquer perigo. Mas o tolo do Nick tinha mesmo que terescrúpulos.
Ocomputadorfinalmentefuncionou:láestavaela,aimagemnormaldaáreadetrabalho.AutomaticamenteNickfoicomocursoratéondeoíconedo Erebos se encontrava. Ou havia se encontrado. O E vermelhodesaparecera.
Merda.Agitado,NicktirouoDVDdoErebosdesuacapinhaeoenfiounodrive.
Láestavaajaneladeinstalação.Ok.Perfeito.Instalar.Demorou como da primeira vez. Mas não havia problema, ele tinha
paciência.Bom,eagora?Ondeestavaoícone?Elenãooencontrouetampoucoachouoprogramainstalado.Vasculhou
todoodiscorígidoduas,trêsvezes.Nada.Vamosinstalardenovo.Espere, será que era preciso primeiro copiar o DVD? Era assim que as
pessoasfaziamquandorepassavamojogo.Ele copiou e instalouduas, três vezes. Tomadopordesespero, acabou
esmurrandoocomputador.Tentousetevezesnototal,detodasasformasimagináveis. Simplesmente não dava certo. E ele sabia que não iria darcerto,massimplesmentenãoconseguiaparar.Separasse,seriadefinitivo.Então realmente seria o fim. Ele conteve as lágrimas que começavam asurgir.Sariuseraumapartedele,ninguémdeveriaterodireitodetirar-lheumpedaçodesi.
Instalardenovo.Denovo.Após mais de três horas, Nick desistiu. Ele havia arruinado tudo.
SacrificaraSariusporseuprofessoridiotadeinglês,umcaraqueprecisavade qualquer maneira meter o bedelho nos assuntos dos outros. Seriamesmomuitobem-feitoparaelereceberumaadvertência.MasNickhaviasidocovardedemais.
Mortoporcovardia?Pensar em sua lápide finalmente fez verter lágrimas em seus olhos.
Estariamesmotalhado“covardia”nela?Oudesobediência?Indecisão?Nemmesmoissoeleficariasabendo.
—Lasanha,Nick?—suamãeequilibravaaembalagemdealumínionamãoenfiadaemuma luvadecozinha.Ocheiroeradequeijoeervas italianas,masNickestavasemapetite.
—Sim,claro.Masnãomuito—disse,mesmoassim.Elesdeveriamse
comportardiscretamente,oMensageirolheshaviaordenado.Espere. Paraele,issonãoimportavamais.Apoiouacabeçanasmãos.Seusolhosardiam.
—Estátudobemcomvocê?—Claro.Sóestouumpoucocansado.— Deve ser o tempo. A sra. Bricker hoje quase dormiu fazendo
permanente…Eledeixousuamãefalar.Deualgunssorrisosecaiunarisadacomela
duasvezes,apesardejáterperdidoofiodameadahámuitotempo.Mais tarde, teve uma outra ideia: com certeza, em um outro
computador,elepoderiainstalarojogonovamente.Poderiaseregistrardenovo, mas infelizmente não como Sarius. Ele queria isso? Bem, isso eramelhordoquenada.
Ah, droga, se esquecera completamente de que no início era precisoinformar o nome verdadeiro. Da última vez o jogo não aceitou mentiras.Enfim,dequalquer formatinhapelomenosquetentar.OMensageiro iriaver que Nick Dunmore levava o negócio a sério. Ele iria aceitá-lonovamente.
Sarius encontra-se no meio da arena, de seu pescoço pende uma argolavermelha:nãoéderubi,esimdefogo.
O público ao seu redor vibra, desta vez consiste apenas de homens-aranhas,cujaspatasagitadassaemdesuascabeças.Sariusviradecostas;aseuladoestáLordNick...comumalançacravadaemseuventre.
—Eaí?—dizeleedádeombros.Entãoalançasetransformaemumaserpentequeseretrainocorpode
LordNick através de seu ferimento, como se ele fosse uma caverna. Oferimentocicatriza.Mágica.
SariusprocuraSapujapu,masnãohánemsinaldele.PorémLelantestálá,elefazumacaretaestúpida,mostrandoaSariusodedomédio.Emseucintoestápresaumagarrafatérmica.
—Lutem—bradaoOlhoEsbugalhado.Elebatecomseucajadonochãoeumafissuraseabrenaterra.
“Denovonão”,pensaSarius, “justoagoraqueeuacabeide regressar”.
Eleolhaparacima:o falcãodouradovoaemcírculose,ao ladodele,doisdemôniosdepedra;quenãopodemvê-lo.
Afissuraficacadavezmaislarga.Algunspulamvoluntariamentedentrodela,masSariusnãofariaisso,nãoeralouco.Elerecuacadavezmais,maslogo o buraco toma toda a arena. Precisa escalar a mureta e ir para asarquibancadas, porém lá estão os homens-aranhas abrindo-lhe os braçoscomoseelefosseumarefeiçãobem-vinda…
Novamente ele cai, sem cessar. “Não tem problema”, ele pensa, “pelomenosagoraeuseicomovoltar”.
O barulho do despertador arrancou Nick de sua queda e num primeiroinstante ficou extremamente feliz porque o Erebos estava novamenteacessível para ele. No momento seguinte, a realidade reconquistava seulugareNickenterrouorostoemseutravesseiro,tentandovoltarparaseusonho.
Erapossívelreconheceraquiloemseurosto?Nickteveaimpressãodeestarsendoobservadoassimqueentrounaescola.Colinoexaminoucomsarcasmo, segundo lhe pareceu, enquantoRashid o ignorou como se nãofossenada.
Osdoisnão iriamajudá-lo, dissoNick tinha consciência.Eleprecisavaera de alguém como Greg. Alguém que já havia passado pela queda noabismoeestavaàprocuradocaminhodevoltaparaomundodeErebos.
Noprimeiromomentoemquenãosesentiuobservado,eletentoucomGreg.Paraissotevequesegui-loquaseatéacabinedobanheiro.
—Possofazerumaperguntarapidinho?Greg levantou os ombros incomodado. Os arranhões em seu rosto
haviamescurecidoeeleaindausavaumabandagemnopulsoesquerdo.—Senãotiverjeito.—Vocêjáencontrouuma...soluçãoparaseuproblema?Greg franziu a testa e então começoua sorrir com sarcasmo.Era fácil
descobrirasintençõesdeNick.—Nãomedigaquenessemeio-tempotambémexpulsaramvocê?Poisé,
que azar, Dunmore. Prestativo como você foi no outro dia, eu jamais lhe
diriacomovoltar,mesmoseeusoubesse.EletrancouaportadacabinenacaradeNick.Certo, issonãohavia sidomuito esperto, irprocurar justamenteGreg.
Masquemmaiselesabiaquecomcertezahaviasidoeliminado?Ninguém.Alguémpareciaparticularmentedeprimidooureservado?Lembrou-sedeHelen.Helen,queandavaolhandoparaonadaefalandomenosaindaquedecostume.EleiriaperguntaraHelen,apesardeelanãoirmuitocomasuacara.Naverdade,elanãoiamuitocomacaradeninguém.
Mas edaí? Na pior das hipóteses, ela iria falar alguma idiotice na suacara e o mandaria para o inferno. Isso ele poderia suportar. Não tinhatempoparaficarescolhendo.QuantomaistempoSariusficassemorto,maisdifícilseriatrazê-lodevoltaàvida.Agoraaindaerapossível,Nicksentia.
TalvezSariusaindanemestivessenocemitérioefossepossívelresgatá-lo,deixá-lo continuar. Ele só precisava convencer o Mensageiro. De qualquermaneira.
Ele encontrou Helen no seguinte horário vago. Ela estava sentada nopátio sobuma tília, enroscandouma folha em formade coração entre osdedos.Elapareciaestranhamente tranquilaeNickhesitouperturbaressatranquilidade.Ah,besteira,eleiriasersimpático.
Elesesentouaseuladonobanco.—Helen?Ela não se moveu, apenas franziu um canto da boca como se um
pensamentodesagradáveltivessepassadoporsuacabeça.—Euquerialheperguntarumacoisa.Você…vocêjogavatambém,não
é?—Sumadaqui.— É que…— ele procurou as palavras certas. — Eu estou com um
problema. Não consigo mais entrar e me perguntei se você talvez nãopudessemeajudar.
Elasentiucomseuindicadorasbordasdentadasdafolhadetília.—Eutenhoasensação—Nickprosseguiu—dequevocêjáestevena
mesmasituação.Porisso…Ela virou o rosto para ele. Tinha olheiras impressionantes e os olhos
extremamenteirritados.“Noitesemclarojogando”,pensouNick.“Elaestádentro.Mas,aindaoudenovo?”
—Oquepassouestápassado—disseHelene jogouafolhafora.—Émelhormedeixarempaz.
—Maseuprecisodeajuda.Elapareceuacharissoengraçado.—Comoquevocêfoiteressaideiadequeeuoajudaria?Porqueeusemprefuiumpouquinhomaislegalcomvocêdoqueosoutros.—Eusópensei.Tudobem—respondeu.Masnãoestavanadabem.Emalgumashorascomeçariaalutanaarena
eelequeriaestarlá.Maisdoquetudo,elequeriaestarlá.
Duranteo tempode inglês, ele ficou sentadoolhandohipnotizadopara agarrafatérmicasobreamesadoprofessor.Osr.Watsonestavacomelanaaula como se quisesse zombar de Nick. De vez em quando, Watsondespejavaumgoledecháemumcopoebebericavanele.Nickrecobrouaconsciênciadequeoprofessorfaziaissocomfrequência.
Emily sentava em sua diagonal. Hoje ela estava com o cabelo solto e,aindaqueumapartedeNickaachassebonita comosempre, suaatençãogiravaemtornodeumoutropensamento.Elaaindapodiarecebero jogode presente. Ainda não havia arruinado tudo. A grande aventura aindaestavaporvir.
Eladevetersentidoseuolhar,poisvirouacabeçaesorriuparaNick.Elesorriu de volta, agitado. Será que ela já sabia de sua exclusão? Jamietambémohaviaolhadocomumasimpatiaincomum.Seráqueelessabiam?
Comopoderiamsaber?No intervalo do almoço ele ligou para seu irmão, que só atendeu ao
telefoneapósodécimotoque.—Desculpe,irmãozinho,maseuestoucomumclienteagora.Oquefoi?—Finn,vocêpodemeemprestarseulaptopantigo?—Porquê?Seucomputadorestáquebrado?—Não,mas…équeeuestouprecisandodeumoutro.Porfavor.—Bem,Beccanãovaigostarmuito,elaousaàsvezesparaosdesenhos
dela.Mastudobem.Podepegar.—Obrigado—disseNick,aliviado.—Possopegá-lohojeàtarde?—Ih,vaificarumpoucoapertado—disseFinn.—Àstrêsnósfechamos
alojaevamosaGreenwich,visitarunsamigos.Amanhã,talvez?Não,aarenaéhoje,pensouNick,desesperado.—Tudobem.Amanhã.Atélá.Elepassouorestododianaescolacismadoecomasensaçãodeestar
perdendotempo.Precisavafazeralgo.Precisavaencontrarumasolução.Nasaídadaescola,Jamieparouabicicletaaseuladoedesceu.—Aconteceualgo,nãoé?Vocêestámuitoabatido.Aconteceualgosério
outemalgumacoisaavercomoErebos?Nickoprimiuanecessidadedelhedarumchegapralá.—Eu pensei que você levasse o Erebos tão a sério que já tivesse até
declaradoguerraaele—disseNick.SeJamiequeriabriga,elepoderiater.E com prazer. Nick precisava urgentemente de alguém em quem elepudessedescarregartodasuafrustração.
—Exato.Massãoasconsequênciasqueeu levoasério,nãoo jogo—JamieempurrousuabicicletaparapertodeNick,comonosvelhostempos.Comosenãohouvesseentreelestodoummundo.
—Comovai Eric?—perguntouNick, esperandoque a resposta fosse“mal”.
—Vaiindo.EleestátentandoconversarcomAisha,maselasóoevita.Tambémnãoquer falar comnenhumapsicóloga, não quer nada.Mas elainsistecomsuaacusação.NãoestásendofácilparaEric—JamielançouumolharenviesadoparaNick.
—Porsorteeletemumanamoradarealmenteótima,queestácomele,não importaoqueaconteça.Euaconheciessesdia,elaestudaeconomia.Muitosimpática.Vocêiriagostardela.
Umanamorada.Umauniversitária.Foicomoseumapedraquentelhecaíssenoestômago.Nickengoliuem
seco, mas a pedra continuou lá. Por isso que o Mensageiro pôde comfacilidadefazerumapromessatãoséria.
MasporqueentãohaviaocorridooincidentecomAisha?Aquilofoium
prêmio adicional? Para que Nick se convencesse? Ou seria Aisha ocomprimidonochádeEric?
Aopensarnessaúltimahipótese,Nicksorriubrevemente,oque Jamieimediatamenteinterpretouerrado.
—Eujásabiaquevocêiriaficarcontente.ElasechamaDanaeestánosajudandoemnossaaçãocontraojogo.Reunindomaterialparainformarospais e coisas assim. Eu poderia ter lhe contado issomuito antes, se vocêtivessemeescutadoporalgunsminutoscomoumapessoanormal.
Nicknãoestavasuportandocríticasagora,demaneiraalguma.—Normal,é?Queméquetemmaniadeperseguiçãoaqui?Normaluma
ova!Haviamchegado à entradadometrô eNickdesceu as escadas sem se
despediresemolharparatrás.Materialinformativoparaospais! Jamietinhasortedeterfaladosobre
aquilo apenas com Nick. Um jogador ativo teria levado essa informaçãoimediatamenteaoMensageiro.
Dezhorasdanoite.Nickestavadeitadona camacomosbraços cruzadossob a cabeça. Ele havia gastadomais duas horas tentando encontrar umacessoaojogo,copiadooDVDduasvezesereinstaladoo jogomaistrês.Enãohaviamudadonada.
Fechouosolhos.Agoraestariamtodosnointeriordaarena,cadaespécieemsuasala,osbárbaros,osvampiros,oshomens-gatos,oselfosnegros…
Logo a entrada deles seria autorizada, o público iria ovacioná-los, omestredecerimôniachamariaoprimeironome.ESariusnãoestavalá.
Será que Drizzel iria desafiar Blackspell? Quem ganharia? Será quealguémmorreriadenovocomoXohoo?Ele jamaissaberia,e issoodeixavadesolado.
PenaqueNicknãosabiaquemforaXohoo.Gostariadeconversarcomele.Nuncasesentiratãosozinho.
Eledormiumalaquelanoite.Sentiafaltadepelomenosemsonhopoderser Sarius novamente, mas quanto mais se esforçava, mais o sono seafastavadele.
22
Odiaseguintecomeçoudouradoeradiante,comoseomundorealquisesseatrairNickcomtodooencantoqueooutonotinhaaoferecer,porémNicksesentiuapenasprovocado.Neblinaechuvateriamcertamentecombinadomaiscomseuhumor.MasestatardeeleiriapegaremprestadoolaptopdeFinn, reinstalar o jogo e, então, esperar pelas próximas instruções. Sepreciso,elecomeçariatudodesdeoinício.
Destaveztalvezcomoumvampiro.Oucomoumbárbaro.Elepassouodiainteironaescolacaindodesono.Sexta-feira,quesorte.
Nofimdesemanaelepoderiacriarseupersonagemeacelerarsuaevoluçãonosníveis.Pelomenosdeveriaserum4,afinal,agoraeletinhaexperiência.
Aúltimaaulaacaboueeleguardousuascoisasnamochila.Tinhapressa,a lojadeFinneradooutro ladoda cidade, iriademorarpara chegar.Eometrôàssextas-feirasficavaaindamaischeioqueonormal.
Mas,comoeradeseesperar,Jamieodetevemaisumavezassimqueelepisoudoladodeforadaescola.
—Estãodizendoquevocêestáforadojogo.Éverdade?—Quemestádizendoisso?—Nãointeressa.—Amimsim.Nick podia ver a alegria em Jamie e ficou com vontade de socá-lo no
rosto.Claroqueissonãoseriajusto,mascomNickninguémerajusto.EseJamieestavacontentecomalgoquedeixavaNickinfeliz,então…então…
— Eu prometi não contar quem foi que me disse isso. Mas se for
verdade, Nick, eu fico muito feliz! Você não tem ideia do quanto vocêmudou nas últimas semanas. Quero dizer, nós ainda somos os melhoresamigos,poxa!
Nickficouliteralmentevermelhoderaiva.—Nóssomosoquê?Vocêsemeteotempointeironosmeusassuntose
agoraestá fazendoumafestaporquealgodeuerradoparamim. Issosemcontarqueoquelhefalaraméumaimbecilidadecompleta!
Jamiepareciaatordoado.—Vocêestáentendendotudoerrado…—Eu?Claroquenão!Vocêestáofendidoporqueeuestoumeocupando
comalgoquenãolheinteressa!Comoseeuumdiativesseproibidovocêdeparticipar.
Jamieficoupálido.—Vocêestáfalandocadaasneira,Nick.Eusóestoufelizporquevocêse
livroudeumacoisadesprezíveleperigosa.—Tá,tá,tá, Jamiesabe-tudo!Jamieéespertalhão,Jamieestáacimade
tudo,nãoé?ENické tãoburroparareconhecer isso!Váparao infernos,sério.Desapareçadaqui!
Semdizermaisnada,Jamiedeumeia-voltaecaminhouemdireçãoàsuabicicleta.
Nickoobservouafastar-se,furiosopornãopodercontinuarseuacessode raiva, e ao mesmo tempo magoado porque… porque não sabiaexatamenteporquê.PorqueJamienãoestavadoseulado?
Elerespirou fundoedirigiu-seaometrô,observandopeloscantosdosolhos seu amigo, que também parecia enfurecido. Jamie pedalou a todavelocidadeepassouzunindoporNickruaabaixo.
NicktomouadireçãocontráriaenãoolhoumaisparaJamie.Embreveestaria na casa de Finn, buscaria o notebook e colocaria as coisas emordem.Numprimeiromomento,Nicksequerescutouobaque,nemsedeucontadequetocavamabuzina.Sóquandooscarrosaoseuladopararameumdosmotoristasdesceu,elepercebeuquehaviaalgoerrado.Elesevirou.
O engarrafamento vinha desde o cruzamento, que ficava a trezentosmetrosdaescola,atéaestaçãodemetrôqueNickestavaprestesaalcançar.
—Deveteracontecidoumacidente—disseohomemaoladodocarro.Nick teve um mau pressentimento e suas entranhas receberam um
golpe frio como gelo. Ele começou a correr sem perceber. Sua mochilaescorregoupeloombroecaiunacalçada.Correuatodavelocidade,comoseestivesse dentro de um túnel, vendo apenas a rua, o cruzamento e amultidãoqueláseencontrava.
—…nemmesmotentoufrear.—Osinalestavavermelho!—…nãoentendo.—Quegraveisso…—Melhornãoolhar,Debbie.Aocorrer,eleempurrouparaoladoalgumaspessoasqueesperavamno
ponto de ônibus. Bateu com o ombro em um poste, continuou em altavelocidade,ouviuasvozespreocupadascomosefossemruídosabafados,osomdesuaprópriarespiraçãosesobrepunhaatudo,eramaisaltoqueassirenesdasambulânciasqueseaproximavam.
Láestavaocruzamento.Láestavaabicicleta.Eláestava,ohmeuDeus,láestava…
—Jamie!Eleabriupassagempelamultidão,precisavapassar,precisavaalcançar
Jamie,precisavaendireitarsuaperna…—Jamie!Quantosangue.OcorpodeNickesmoreceu,eelecaiudejoelhosaolado
deseuamigo.Jamie.—Afaste-se,menino.Aambulânciajáestáchegando.—Mas…—arespiraçãodeNicksedavaemsoluçosespasmódicos.—
Mas…—Vocênãopodefazernadaagora.Nãoponhaamão!Alguémtireesse
meninodaqui!Mãos o segurampelos ombros. Ele as afasta.Outrasmãos o levantam
comfirmeza.Elesedebate.Luta.Grita.Chega a ambulância. O tremular da luz azul, as jaquetas amarelo-
fluorescentes.—Respiraçãofraca.Trazemumamaca.—Porfavor…porfavor,elenãopodemorrer!— Acho que esse aqui precisa de ajuda também, está em estado de
choque.—Porfavor.Ouviu-seumchorovindodedentrodaambulância,dedentrodeNick.
Porfavor.Sentemãossobreseusombros.Eleasafasta.Senteafagosemseuscabelos.Eleolhaparacima.Emily.
Deram-lhe de beber. Emily estava sentada com ele, suamão tremeu umpoucoquandoelatomouagarrafadele.EletentouváriasvezesperguntaralgoaEmily,massaíaapenasumsoluçosecodesuagarganta.
Eleendireitouocorpo,ouviuseuprópriochoro,esentiuamãodeEmilysobre seus ombros. Ela não dizia nada, apenas mantinha-o levementeapertadocontrasi.
Elanãofariaissosesoubesseaverdade.QuandoNick voltou a perceber omundo ao seu redor, os curiosos já
haviamsedispersado.Emilyaindaestavasentadaaseu lado.Comtodooesforço,elesorriuparaela.
Nicknãosentianadaalémdeculpa.Eleodeixaraenfurecido,por issoJamienãohaviafreadonocruzamento.Nickseodiava.
Nãoqueriairparacasa.Aideiadeficarporlásentado,esperando,eracruel. Ficar aqui também não podia. Ir com a cabeça de encontro a umaparede,porsuavez,pareciatentador.
—Euestoucomassuascoisas,esperoqueestejatudoaí.De onde saiu Adrian? Ele estendia a Nick suamochila imunda. Nick o
olhousementendernada.Elenãoqueriasuamochila,elenãoqueriamaisbebernada.Elequeriaapenasumacoisa:voltarotempoeconversarcomJamiemais uma vez.Não deixá-lo subir na bicicleta.Não ser ummalditobabaca.
—Obrigada—disseEmilynolugardeNickepegouamochiladasmãosdeAdrian.
—Vocêssabemcomoestáo Jamie?—cochichouele.—Alguémfaloualgumacoisa?
Nicknãopronunciouumasópalavra.ElepôdesentirEmilybalançandoacabeçanegativamenteaseulado.
—Apolíciaestáalinafrentefazendoperguntasàstestemunhas—disseAdrian. — Caso vocês tenham visto o que aconteceu, eles certamenteficariamcontentesdeteressainformação.
—Eunãovi nada—sussurrouNick.—Apenasouvi e então…—eleparoudefalarporqueaslágrimasjábrotavamnovamenteemseusolhos.
Adrian acenou com a cabeça. Seu olhar era difícil de decifrar, eracompreensivoeaomesmotempo…profissional,comoodeumpsicólogo.
—Eu tambémnão vi nada—disse Emily baixinho.—Mas acho queBrynne estava por perto na hora. Eles não podem interrogá-la ainda,porqueelatomouumainjeçãosedativaepraticamentenãoconseguefalar.
Eu estou com tantomedo. Tantomedo. Nick colocou asmãos sobre orosto e cravou as unhas no couro cabeludo. A dor fazia bem, era muitomelhorqueaoutradorqueNickmalsuportava.Adorboatrouxeconsigoumaideia.
—AlguémsabeparaondelevaramJamie?— Acho que para o Whittington — disse Emily. — Sim alguém
mencionouoWhittington.Mastalvezissonãotenhanadaaver.Sem dizermais nada, Nick deu um salto e cambaleou durante alguns
instantes por estar vendo tudo escuro. Ele sentiu o braço de Emily oapoiando.
—EuvouatéJamie—disse,comumavozmuitorouca.—Precisosabercomoeleestá.
Emily o acompanhou. Eles desceram do metrô perto de Archway. Nickestava congelando, e o caminho até o hospital pareceu uma eternidade.Estava feliz por Emily não perguntar nem dizer nada: ele precisava detodasassuas forçasparacolocarumpéna frentedooutro.Acadapasso
seumedocrescia.ChegariamaohospitalealguémlhesdiriaqueJamienãopôdesersalvo.Queelehaviamorridonaambulância.Derepente,Nicktevea sensaçãodeestar ficando semar. Ficouparadoem frente à fachadadevidrodaentradacomasmãosapoiadassobreosjoelhos.Estavatonto.
—Elesdevemtê-lolevadoparaaemergência—presumiuEmily.—Émaisláatrás.
—Masobalcãodeinformaçõesficaaqui...vouperguntar.Nickentrounosaguão.Opercursoatéobalcãofoicomoocaminhopara
o cadafalso. Amulhermagra e loira que dava as informações decidiria ofuturodeNick.Opensamentolhevirouoestômago.
—Bom-dia.AlguémchamadoJamieCoxdeuentradaaqui?Elaoexaminouatravésdaslentesfinasdeseusóculos.—Vocêéparente?— Jamie Cox. Foi um acidente de trânsito. Eu preciso saber como ele
está,vocêmeentende?Amoçadeuumsorrisodiscreto.—Nós sópodemosdar informaçõesaparentes.Vocêéparentedo sr.
Cox?—Nóssomosamigos.Melhoresamigos.—Nessecaso...sintomuito.Nicksaiusearrastandodohospitalcommaisdificuldadedoquequando
entrou. Sua sentença havia sido adiada. Como ele poderia aguentar isso?Comoalguémpoderiaesperarqueeleaguentasseisso?
Emily o levou até o pequeno jardimque ficava umpouco afastadodohospital. O chão estava quente e umpouco úmido;Nick tirou seu casacoparaterumaproteçãoemcimadaqualelespudessemsesentar.
—Eunãopossoirparacasa—disseele.—SóquandoeusoubercomooJamieestá.
Elesficaramcaladosporumtempovendooscarrospassarem.—Nóspoderíamosligarparaaescola—sugeriuEmily.—Talvezeles
estejammaisatualizados.—Não,aescolanão—novamenteoestômagodeNickserevira.—Será
queospaisdelejásabem?— Com certeza. Certamente os chamaram por telefone... se ele ainda
estivervivo—Emilypuxouumpedaçodegramaeolhouconcentradaparao ponto de ônibus à sua frente. — Pessoalmente eles só vêm quando apessoa está morta. Eles vêm em pares, acho que sozinho ninguémconseguiria fazer isso. Perguntamo seunomee entãodizemque sentemmuito…
Nickaolhoucalado.Elasorriucompesar.—Meuirmão.Masjátemmuitotempo.—Tambémfoiumacidente?OrostodeEmilyendureceu.—Sim.Umacidente.Apolíciaatédissenaépocaquehaviasidosuicídio,
masissoéumaestupidez.MaisumtufodegramafoivítimadosdedosdeEmily.Nickmordeuos
lábios. Ele não sabia se perguntava mais ou se ficava em silêncio.Provavelmenteosdoisseriamruins.
—Eleeraumótimonadador—sussurrouEmily.—Elenãoiriapularnaáguaparasematar.
Nick colocouumbraço sobreos ombrosdela, semmedodeque ela orepelisse.Nenhumdelesiriarepelirooutro.Elesseabraçaram,nãocomoapaixonados,mascomoduaspessoasqueprecisavamdeapoio.
Foi Emily quem viu o pai de Jamie sair do hospital. Ele parecia tãoapressadoqueNickhesitouemabordá-lo,masEmilypensoudiferente.Elacorreuatrásdo sr.Coxeodeteve.Nickolhavaosdois conversando,masnãopodiaouviroquefalavam.Osr.CoxesfregouváriasvezesosolhoscomasmãoseabriuosbraçosemumgestodeimpotênciaquefezocoraçãodeNickafundar.EmilyassentiaváriasvezescomacabeçaesedespediudopaideJamiecomumlongoefirmeapertodemãosantesdevoltarparapertodeNick.
—Eleestávivo.Opaideledissequenaambulânciaeleteveumaparadacardíaca e tiveram de reanimá-lo, mas agora ele está mais ou menosestável.
Aexpressão“paradacardíaca”fezoprópriocoraçãodeNickvacilar.—Estável,vocêdisse.Issoébom.—Não exatamente bom.Osmédicos o colocaramem coma artificial...
ele está gravemente ferido, sua perna quebrou em vários lugares, seuquadriltambém.Eestácomtraumatismocraniano—elaolhouparalonge.—Podeserquefiquealgumacoisa.Seeleresistir.
—Ficar alguma coisa oquê?Oque vocêquerdizer com ficar algumacoisa?
Elaafastouocabelodatesta.—Queelepodeficarcomsequelas.AondadealívioqueNicksentiuporalgunssegundossedesfez.Sequelas.Não.Dejeitonenhum.Eleafastouopensamentodacabeça.Isso
nãoiriaacontecer,simplesmenteporquenãopodia.—Podemosvisitá-lo?—Infelizmentenão.EleestánaUTI.Nãoestánemconscienteesequer
irianotarquenósestávamoslá.Temosqueesperar.
IssofoioqueNickfeznosdoisdiasseguintesefoicomouminferno.Semfim.Nãoimportavaoquefizesse—comer,estudar,conversarcomoutraspessoas —, ele esperava, na verdade, a notícia de que Jamie estavaacordadoequeficariacomsaúde.Porém,àsvezesospensamentosdeNickse desviavam e imagens passavam em sua cabeça: a arena e o OlhoEsbugalhado,BloodWorkeseumachadogigantee,namaioriadasvezes,oMensageiro. Sempre aparecia como da última vez, quando seus olhosamarelos ficaram vermelhos. Era torturante. Ele não devia pensar noErebosenquantoJamieestivesseemcoma.Masasimagensvoltavamtodahora.
Erafinaldesemana,eporissonemmesmoaescolaofereciadistração.Acada toque do telefone Nick estremecia, sentindo-se entre o pânico e aesperança.“Adeus”haviasidoaúltimapalavraqueelevociferaraaJamie;todavezquepensavanisso,eleseculpava.Nãosevá,Jamie,porfavornãosevá.
Segunda-feira na escola, Jamie era o assunto número um, claro. Todo
mundo vira ou ouvira alguma coisa e queria contar. Apenas os querealmente haviam estado no local se calavam aflitos. A começar porBrynne,que,semmaquiagem,quasenãopodiaserreconhecida.Nodiadoacidente ela também havia sido levada ao hospital por precisar deatendimentopsicológico,segundocomentários.
NinguémmaisfalavasobreEricouAisha.NicktinhaaimpressãodequeoalíviodeAishaeramaiorqueodeEric.
A tarde na frente do hospital aparentemente não haviamudado nadaentreNick eEmily. Eles não se sentaramumao ladodo outrodurante aaula e tampouco dividiram a mesa no almoço. Porém, havia diferençasagora: pequenos olhares, um sorriso um pouco mais demorado ou umacenodecabeçaanimador.TaisgestosEmilyjamaishaviafeitoparaNick.Para ele, isso era o único ponto colorido de luz em um escuro eaparentementeinfinitomardeesperas.
Naquinta-feirafinalmentehavianovidades;osr.Watsonasanunciounaauladeinglês.
—OspaisdeJamieligaram,edisseramqueelenãocorreriscodevida.Mascontinuaemcoma induzido.Porquanto tempoainda,osmédiconãosabem.Mesmoassim,essaéumanotíciamuitoboa.Eunãopossonemlhesdizeroquantoestoufeliz.
Em todaa saladeaulaoalívio foinotóriocomoumarajadadevento.Algunsaplaudiram,Colindeuumsaltoeensaiouumadancinha.NickteriapreferidodarumabraçoemEmily,masselimitouatrocarumlongoolharcomela.Estavatomadoporalegria,mascomumapontadeinsegurança.Osr.Watsonnãohaviamencionadoseoriscodesequelasestavaexcluído.
23
Foi no horário vago seguinte. Nick estava sentado em uma das salas deestudotentandodecorarfórmulasquímicas.Aportaparaocorredorestavaabertae,aodarumaolhadaparafora,eleviuColinpassando.Emsilêncio,com bastante cautela. Com tanta cautela que a curiosidade de Nickinstantaneamente se despertou. Ele arrastou sua cadeira para trás e selevantou, quase sem fazer barulho. Viu Colin andando furtivamente aolongo do corredor. Agora, virou à esquerda. Nick o seguia. Havia umencontrosecretoemalgumlugar?
Colindesceuasescadas.Pareciaquequeriairatéovestiário.Oquenãoseriaumlugarruimparaumencontroaessahora.Nicksemantinhaatrásdele, a larga distância, quase o perdendo uma vez de vista, masencontrando-onovamente, comoele supunha,naescadaparaovestiário.ViuColinandandopelasfileirasdecasacosesobretudosprocurandoalgo;finalmente,eleparou.Deondeestava,NicknãopodiaenxergarbemoqueColin estava fazendo entre todas aquelas roupas, e não conseguiria seaproximar sem ser reconhecido. Ele semicerrou os olhos e viu um panoverdesemexendo.Apenasporuminstante.Segundosdepois,ColinpegouocaminhodevoltaeNicksaiudaliomais rápidopossível: seescondeunobanheiromaispróximoecontouatécinquenta.Depoisdisso, tevecertezadequeColinjáteriaidoembora.
Nickencontroua roupaverde imediatamente.Eraumacapade chuvaquedeviapertenceraumamenina.OqueColinfizeracomaquilo?
Nick observou com cuidado ao seu redor antes de colocar a mão no
bolso da capa. Ele sentiu em seus dedos um pedaço de papelcuidadosamente dobrado. Uma carta de amor? Então isso não deveriainteressar a Nick. Mas talvez fosse uma mensagem. Não importava, eleestavacuriosodemaispararecuar.Puxouopapeledesdobrou.
Umalápide:
DARLEENPEMBERmortaporfaltadebom-senso.Quedescanseempaz.
FoicomoseuminterruptortivessesidoacionadoemNick.Jamietambémhavia recebido uma carta dessas. Talvez… Nick espantou o pensamentoimediatamente,maselevoltou.Comoumbalãodearquesetentamanterdentrod’água.
Talvez não tenha sido por raiva e desatenção que Jamie atravessou ocruzamentosemfrear.Talveztenhafreado,oupelomenostentadofrear.ElehaviamostradoaNick o bilhete coma lápide.Umaameaçaquenão tinhalevadoasério,masJamiesim.Eagora…
Entre cortar os freios de uma bicicleta e colocar uma superdose deDigotanemumchá,nãohaviamuitadiferença.
Colin. Colin estava distribuindo cartinhas com ameaças. Seria tambémresponsávelpelasmortes?
Sem pensar muito, Nick disparou escada acima, saiu correndo pelocorredor que levava à cantina, e um pouco mais à frente estava Colin,perambulandocomosenadativesseacontecido.
— Seu babaca! — Nick partiu para cima dele por trás, fazendo-ocambalear.Osdoiscaíramjuntosnochão.
—Nick?Nick,vocêestámaluco?Em vez de uma resposta, Nick esfregou a carta no rosto de Colin, em
suasbochechas,narizeolhos.—Vocêsabeoqueéisso?Sabe?Jáviuantes?—Largue-me,seuidiota!Oqueéisso?—Seufilhodamãe!
Eles faziam uma confusão tão grande que as pessoas da cantinacomeçaramaseaproximar.NicksoltouColin,eosdoisselevantaramcomdificuldade.
—DarleenPember,é?Elatambémsofreráumacidenteembreve?Colinolhavaacartafixamente.Evidentementehaviacompreendido.—Passeissoparacáimediatamente!—Euachoquenão.—Vocênãopodesimplesmenteroubá-la…eutenhoque…Ele partiu para cima de Nick, mas este, já prevendo a reação, se
esquivou. Com satisfação, ele rasgou a carta ao meio, picou-a empedacinhoseoscolocounamãodeColin.
—Tome.PodebotarissodevoltanobolsodacapadaDarleen.Eudireiaeladeondesaiu.
OrostodeColinrefletiaaomesmotempoódioeimpotência.—Vocênãopodefazerisso.—Agoravocêestácommedo,é?Seuamiguinhodeolhosamarelosnão
vaigostarnadadisso.—Caleaboca!—Elogovaiperderalgunsníveis—Pelo cantodosolhosNickviu as irmãs tricoteiras se aproximarem,
atraídaspelabrigacomourubuspelacarniça.DansorriadeorelhaaorelhaenquantoAlexaparentavainsegurança.
—OqueaconteceucomJamiefoiculpasua.Assuma.Vocêéoculpado,euviasuacartinhaparaele.Valeuapena,pelomenos?Vocêganhouumpardebotinhasmaneiras?
AsnarinasdeColintremiam.EledeuumpassonadireçãodeNick.SeuspunhosestavamtãocerradosqueNickviaasveiassaltaremdeseusbraços.
—Vocêvaisearrependerporisso—disseele,deumeia-voltaesaiu.
Apenas à tarde, quando já estava novamente em casa, ele percebeu otamanho do erro que ele cometera. Havia explodido e se declaradooficialmente inimigo do Erebos. E nem sequer pôde comprovar que oacidentedeJamietinhaalgoavercomojogo.
Pegueoalicatequevocêencontrarembaixodobancodoestacionamento,pertodoportãodaescola,ecorteoscabosdofreiodabicicletaazul-escuro.AquetemumadesivodoManchesterUnitedcoladonabarracentral.
Eleconseguiaverissoclaramente.Rapidinho,resolvido.Maisumníveldenovo. Era bem possível que não tivesse sido o próprio Colin; e tambémpodiaserqueosabotadornãosoubessedequemeraabicicletaquetinhadiantedesi.
Naquela noite, Nick sentou-se ao computador, checou seus e-mails epensounoquedeviadizeraDarleenPember.Seéqueeledeviafalarcomela.
Pensativo,eledavavoltascomocursordomousenolugarondeantesseencontrava o E vermelho. Será que ele gostaria de estar agora em umacaverna,juntoaumafogueira?Sim.Não.Sim.Gostariadeconversarcomosdemais? Sim. Não. Sim. Sobretudo ele tinha uma vontade imensa dedespedaçarocorpoossudodoMensageiro.
Nohoráriovagonaquarta-feira,EmilyparouNickemfrenteàbiblioteca.Elesestavamsozinhos,jáqueosoutrosperambulavamociososdoladodeforaparaaproveitaremumdosúltimosbelosdiasdeoutono.
—Tenhonovidades—disseEmily.—SobreJamie?—Não.Aalgumadistância,passavamasirmãstricoteiras.Nãofalavamentresi,
mais pareciam estar fazendo uma ronda. Ao notar Nick, Alex ocumprimentou comumaceno, enquantoDan fez uma careta furiosa comseurostodeporquinho.
NickconduziuEmilyàbiblioteca,ondeelesserecolheramemumcantonofundodoprédio.Emilyliteralmentevibravadealegria.
—Então,podefalar.Ela sorriu, abriu suamochila e tirou de dentro uma capinha de CD na
qualalguémhaviaescrito“Erebos”comletrasarredondadas.Sentimentos contraditórios dentro de Nick promoviam uma luta
acalorada.Rejeição.Preocupação.Cobiça.
—Vocêquermesmoentrarnisso?—Sim.Achoqueagoraéomomentocerto.NickexaminouoDVDqueeleatépouco tempodesejavaardentemente.
Emily iria explorar o Erebos, vaguear por todas as belas e bizarramenteassustadoras paisagens. Viver aventuras. A pontada de saudade em suabarrigaseespalhou.Elesacudiuacabeçainvoluntariamente.
—Jamietinharazão,vocênãoestámaisnisso,nãoé?Eleapenasnegoucomacabeça.—Fuieliminado—disse,rouco.—Ah,quepena.Entãonãopoderemosjogarjuntos.—Não.—Nickmordeuos lábios.Estábem. Ele sabiaqueestava tudo
bem. Toda a agitação, a tensão, o suspense… Ele não precisava maisdaquilo. — Como assim… qual a razão para você ter mudado de ideia?Antesvocênãoquerianemsaberdessejogo.
—Émesmo.Mas eu quero entender o que fascina tanto vocês— elaolhoupensativaparao lado.—Jamieestavaconvencidodequeeste jogonão é simplesmenteum jogo. Ele tinha suaprópria teoria—ela girava acapinha nas mãos. — Jamie acreditava que por trás de um jogo assimdeveria haver algo mais. Um objetivo, sabe? Todas essas coisas queacontecem na realidade, elas devem estar sendo úteis para alguém, vocênão acha? Mas eu só posso descobrir se eu mesma der uma olhada noErebos.Porissoqueeuandeicomentandoporaíqueeuestariainteressadaemumacópia.
Nick lembrou.ElemesmohaviadadoaoMensageiroanotíciaealgunsoutrosjogadorescomcertezatambémohaviamfeito.
—Oúnicoobjetivodojogo,queeusaiba,édestruirumvilãochamadoHortulano—disseNick.—Oqueacontecenavidarealserveapenasparaprotegerojogodaquelesquetêmalgocontraele.
—AssimcomoJamie?Entãonósdeveríamostentardetê-lo.Detê-lo.NickpensounoacidenteenapoçadesangueesoubequeEmily
tinharazão.MesmoqueNickjamaispudesseandarnovamentepelaCidadeBrancaouparticipardaslutasnaarena.Elesuspirou.
—Nãoseicomovamosfazerisso.Maspodemostentar.
Aportadabiblioteca foi silenciosamenteabertaenovamente fechada.Nick fez um gesto para que Emily ficasse quieta, mas era apenas o sr.Bolton,oprofessordereligião.
—Nóstemosqueficarextremamenteatentos—cochichouNick.—Seeles perceberem, pode ser que… então, as coisas fiquem realmenteperigosas.Ojogoéinsanamentealiciante.EunãoestoutotalmentesegurodequeelequeriatirarJamiedeseucaminho,masseioqueelepretendiacom o sr. Watson. — Emily levantou as sobrancelhas de maneirainterrogativa.
—Eulhecontooutrodia—disseNick.—Enganá-loserámaisdifícildoque você pode imaginar. E assim que você se tornar suspeita ou falhar,estaráeliminadaantesmesmodepodercontaratécinco.
Emsuacabeça,umdemôniodepedraabriuasasas.Nickoespantou.Emily sorriu commalícia, uma expressão que Nick jamais havia visto
nela.— Eu vou ter cuidado. E me pergunto... — desta vez ela olhou com
preocupaçãoaoseuredoreabaixouavozatéumsussurro—setalvezvocêpoderiameajudar.Eunãoentendomuitode jogosde computador, eu sójogopaciência.
ÀcabeçadeNickveioimediatamentearegranúmerodois:quandovocêestiverjogando,certifique-sedeestarsozinho.
O que aconteceria se eles estivessem emdupla?O jogo iria perceber?Nickrespiroufundo.Eletinhaquepelomenosarriscar.
—Claroqueeuaajudo,comprazer.Vocêvaiprogredirbemmaisrápidoseeulhederumasdicas.
—Perfeito—elaestavaradiante.—Passeláemcasadepoisdahoradochá,certo?Cincoemeiaestariabom.
Nick foipontualatédemais.Dezminutosantesdohoráriocombinadoeleestavaem frenteà casadeEmilyemHeathfieldGardens,perguntando-sequalseriaajaneladela.
Ele fora cauteloso. Após o incidente com Colin, esperava que alguémfosse segui-lo, porém issonão aconteceu.Nick olhou ao seu redor. A rua
estavaquasedeserta.Ninguémsabiaondeeleestava.Ainda não queria tocar a campainha, pois soaria como empenho em
excesso.Entãodeuumavoltapelasbelasebem-cuidadasvielasvizinhas.Ele se lembrou de que não havia trazido nada consigo: um presente
espirituoso teria sido uma boa oportunidade demostrar que ele era umcara original e atencioso,mas agora era tarde demais. Entretanto, se elenãosecomportassecomoumtolo,poderiahaverumapróximavez.
Àscincoemeiaempontoeleapertoua campainhaeEmilyabriu. Seuquartoficavaembaixodainclinaçãodotelhado.Nãoeraumdessesquartosrosas e fofinhos com bichos de pelúcia na cama e pôsteres de astros docinema nas parede, e sim um quarto bastante adulto, Nick achou. Duasestantes de livros, uma cama baixa e um sofá em L com uma mesa decentro,sobreaqualtambémseempilhavamlivros.Sobainclinaçãodotetoencontrava-se uma escrivaninha extremamente arrumada onde esperavaumnotebookaberto.SeEmilyumdiafosselhefazerumavisita,Nickteriaquecomeçarumagrandeaçãodelimpezaearrumação.
—Nóstemosqueficaremsilêncio,minhamãefoisedeitarhácercademeiahora.Podeserquehojeelanemsaiamaisdoquarto.
Nicknãoperguntouarespeito,apesardelhepareceresquisitoqueumamulheradulta fossedormiraessahorada tarde.Dequalquer forma, issoeraidealparaaintençãodosdois.
—Nósnãovamosfazerbarulho.Noinício,ojogoésilencioso.Depoisémelhorvocêusarfonesdeouvido.Porváriasrazões.Eujávigentemorrerpornãoestarescutandodireito.
— Fones de ouvido — Emily acenou a cabeça. — Certo. Podemoscomeçar?
ElapegouoDVDemsuamochilaecolocounodrive.—EuinstalooprogramanormalmentenoArquivodeProgramas,não
é?Háalgoqueeutenhaqueprestaratenção?—Não.Aindanão.A janela de instalação se abriu. Lá estava tudo outra vez. A torre em
ruínas,apaisagememchamas.Aespadacravadanaterrasecacomolençovermelho na empunhadura. “Erebos” encontrava-se escrito em letras
vermelhasnocéu.Nicksentiuonervosismopulsandoemseuestômago.Eleenxugousuas
mãosúmidasnacalça.—Posso?—Claro.Ela clicou em “Instalar”. A barra azul começou a avançar, lenta como
sempre.— Agora vai demorar — disse Nick, sem tirar os olhos da barra de
progresso.Oqueaconteciaagoramesmo?Afloresta.Sim,isso,elogoeleiriavê-la.CadaavançodabarraoaproximavadoErebos.Comoseeleestivesseemumtremindoparacasa.
Emilyoolhoudelado.—Vocêestáinquietocomalgumacoisa?—Como?Não!Eusóestou…sóestouansiosoparasaberoquevocêvai
achar.—Atéagora,mais lerdodoquequalqueroutracoisa—disseEmily,e
apoiouoqueixonasmãos.Eles esperaram um tempão sem dizer nada. Nick examinava
alternadamenteoporta-lápissobreaescrivaninha,omonitordonotebooke o perfil de Emily. Em nenhum lugar do quarto ele viu um de seusdesenhos.Quepena,poiselespoderiamconversararespeito.
— Sua mãe vai dormir sempre tão cedo? — perguntou, quando osilêncio já estava longo demais. Imediatamente em seguida ele se achougrosseiroedesejoupoderretirarsuapergunta.
— Ela está passando por uma fase ruim no momento. Aí ela dormemuito, come pouco e fala menos ainda — Emily fitava o indicador deprogressomaisfixamentedoqueantes.—TemsidoassimdesdequeJackmorreu.Melhoraepiora,eujámeacostumei,comoàsestaçõesdoano.
—Eseupai?— Casou-se de novo, tem dois filhos, Derek e Rosie. Jogo novo, sorte
nova — ela moveu o mouse como se esperasse que assim a instalaçãoandassemaisdepressa.—Nãomeleveamal,eunãoestouchateadacomele. Não dava mais para aguentar aquela situação, e ele de fato não
aguentou.Eestoumuitíssimofelizporeleterosdoisfilhos.Eusóqueriaterpodidodaroforacomoelefez.
Nickdemorouumpoucoparadigeriressasinformações.—Vocênuncafalousobreissonaescola.—Comvocênão,éverdade.Mas com certeza com Eric. Por um momento, o velho ciúme se
reacendeu.MasagoraEmilyestavaaquicomele.Conversandocomele.—Evocê?Vocêtemirmãos?—elaquissaber.—Sim.Umirmão.Eleécincoanosmaisvelhoqueeuejásaiudecasa.—Vocêssedãobem?—Sim,muito—Nickpensou emFinn, tentando imaginar como seria
perdê-lo, mas parou imediatamente. Ele não sabia como Emily pôdesuportarisso.—Masinfelizmenteeleestábrigadocomosmeuspais.Commeupai,parasermaisespecífico.Elesnãosefalammais.
—Porquê?Nicktomouar.— Então… meu pai sempre quis ser médico, mas os pais dele não
puderambancarseusestudos.HojeeleéenfermeironohospitalPrincessGrace.Nãoseiseeleumdiavaiseconformarcomisso.Dequalquerforma,sempreestevedecididoquepelomenosFinnvirariamédico.
—Maselenãoquis.—Noinício,sim.Elemeteuacaranosestudosesuasnotasteriamsido,
inclusive, boasobastante.Masentãoelemudoude ideia.Ele conheceuaBeccaepronto,adeusmedicina.
EmilyolhavaNickpeloscantosdosolhos.—Masporqueisso?—ABeccatinhaacabadodeassumirumestúdiodetatuagem.Finnficou
em polvorosa. Ele fez uns cursos e agora tatua e faz piercings como ummestre.Meupaidissequenuncamaislhedirigiriaapalavra.
No rosto de Emily surgiu um discreto sorriso, que desapareceu logodepois.
—Evocêtambémteráquesermédico?Elahaviadecifradoseupaisemconhecê-lo.
—Poisé,eleficariafelizeeutenhointeresse.Por fim, ela virou o rosto para ele e o encarou, como se quisesse
verificarseeleestavafalandoaverdade.— Isso significa que você não está chateado com seu irmão por você
agoraserresponsávelpelossonhosdoseupai?Emvezdeumaresposta,Nickseviroueafastousuatrançadanuca.—Não,eunãoestounadachateadocomele.Aindaquemalosenxergasse,Nicksabiaexatamentecomoeramosdois
corvosvoandoqueFinnhavia tatuadonele,bemembaixodaraizdeseuscabelos.Comoumabrisa,NicksentiuaspontasdosdedosdeEmilysobreatatuagem.Eleengoliuemseco.
—Porquecorvos?—Nocomeçoeraporqueminhamãecostumavanoschamarde“irmãos
corvo”,porcausadenossoscabelosescuros.MasFinndizqueelestambémtrazemsorteedissonósdoispodemosprecisar.Alémdisso,elessãotipo…umcarimbo.Umsinaldequenósdoisestamosjuntos.
Emily retirou suavemente suamão, para o pesar de Nick. Sua trançadeslizoudevoltaparaolugardecostume.
—Elesabedascoisas,oseuirmão.Émuitobonita.A instalação se aproximava lentamente de seu fim. Emily ainda foi à
cozinha buscar uma garrafa deGingerAle e dois copos. Ao voltar, a telaestavaescura.
—Éassimmesmo?— Sim. No começo eu também pensei que algo tinha dado errado.
Esperemaisumpouco.Preto.Preto.Preto.Eentãoapareceramasletras,vermelhasepulsantes.
“Entre.Ouvolte.IssoéErebos.”
—Entãotá—disseEmily,eclicouem“Entre”.Umaflorestaescura,oluar.Nomeiodaclareira,oSemNomeagachado.
Ele era igual ao personagem de Nick antes de virar Sarius. Nick lutavacontraumapontadenostalgiaenquantoobservavaEmilysefamiliarizandocomoscontrolesdeseuSemNome.
— Fazê-lo andar é fácil — disse ela. — Ele pode fazer mais algumacoisa?
— Sim! Escalar, lutar… tudo! Depois haverá teclas de atalho para ashabilidadesespeciais,masissoésómaistarde.
Emily moveu seu Sem Nome para cima e para baixo na clareira. Elaexaminavatudominuciosamenteantesdedecidiremqualdireçãoseguir.
—Achoqueeuvouparaondeaflorestaémenosdensa,eunãoprecisotornarascoisasmaisdifíceissemnecessidade.
Galhosestalavam,oventosopravanascopasdasárvores.Se fosseporNick, Emily teria corrido por essa sequência com seu personagem bemmais rápido, mas ele se esforçou para disfarçar sua impaciência. Ela semostrou,aliás,bastanteágil,considerando-sequeeraumanovataemjogosde computador. Ao contrário de Nick, ela não saiu perambulando com oSemNomeatéabarradeenergiaficarnolimite,esimadministroubemsuaforça.Apósvinteminutosdecaminhadaerrante,virou-senovamenteparaNick.
—Existeumameta?Ouissoéumaprovadepaciência?—Existeumameta.Emalgumlugaraquiháumafogueiraealguémcom
quemvocêpodeconversar.OqueparaNickantesforaumaárvoresobreaqualeleconseguirater
umavisãogeraldo local,paraEmilyeraumrochedoalto.OSemNomeaescalou,eno inícioo indicadordeenergiareduziu-seumpouco.Porémavista foi compensadora o suficiente. Ao seu redor, um mar de copas deárvores, e à direita uma montanha com pontos de luz que indicavam aexistênciadepovoados.
—Ali!—gritouNick,apontadocomodedoparaumafracaluzdouradaentreasárvores.—Vocêtemqueirparalá.
FoipeloolharespantadoeentretidodeEmilyqueelesedeucontadoquãoagitadoeledeviaestarparecendo.
—Então…láatráscontinua,selheinteressar.
No caminho até a pequena fogueira, Emily se deparou com umobstáculo. Não era uma fenda no chão, como no caso de Nick, e sim umaterro impossível de ser escalado, pois toda vez que o Sem Nome sesegurava nele para subir, pedras e terra se desprendiam dele em suasmãos.
—Eagora?—perguntouEmilyapósaquintatentativaemvão.— Você precisa aprender a resolver esse tipo de problema. Isso será
precisomuitas vezesmais.Você temque imaginarque isso é real.Oquevocêfarianestecaso?—Nickcomportou-secomoumprofessoridiota,maselequeriaqueEmilycompreendessecomotudoaquieraincrívelerealista.
E Emily compreendeu rápido. Ele fez o Sem Nome levar pequenaspedrasatéoaterro,observandosempresuabarradeenergiaepermitindo-lhepequenaspausas,atéconseguirconcluiraescaladasemproblemas.
Do outro lado eles já puderam ver o tremular da fogueira. Nickreconheceutambémassombrasescurasquesedelineavampertodela.Suapulsaçãoacelerou.ElenãoiriamaisdardicasaEmilyagora.EladeveriaverporsimesmatodoopotencialdoErebos.
O homem junto à fogueira não se moveu quando o Sem Nome seaproximou devagar. Porém, as letras cinza-prateadas apareceram namargemdatela.
—Salve,SemNome.Eujáoesperava.IssoelenãodisseraantesaNick.Eleoelogiaraporsuarapidez.Epor
suacriatividade.Emily aproximou seu jogadordohomem, tentando espiar embaixodo
capuznegro.Foiquandoelemesmo levantousuacabeça.Orosto finoeaboca pequena quase haviam sido esquecidos por Nick; aquele homemjamaistornaraaaparecernojogo.
— Você é curioso. Isso pode ajudá-lo ou destruí-lo, SemNome. Dissovocêprecisaestarciente.
EmilylançouumolharinseguroparaNick.—Vocêquercontinuar?—perguntouohomem.—Apenassevocêse
aliaraoErebos,vocêpoderáenfrentá-lo.Issovocêtemquesaber.EmilycontinuavaolhandoconfusaentreNickeomonitor.
—Ele está esperando uma resposta— disse Nick, apontando para oteclado.
—Sério?—Sim.Tente,vocêvaiver.Emily colocou seus dedos sobre as teclas; de início hesitou, e então
digitou.—Oquesignificaaliar-meaoErebos?O homem cutucava o fogo com seu pedaço de pau. Faíscas luminosas
esvoaçarampeloar.—Significaultrapassar fronteiras, superar limites.Oque issono final
realmentesignificará,dependedevocê.EmilytirouosdedosdotecladoeolhouparaNick,perplexa.—Eleacaboudemedarumaresposta.Comofuncionaisso?—Nãotenhoideia—disseNick.—Issoéumapeculiaridadedessejogo
—eleconteveumsorriso,aovercomoEmilyestavaentusiasmada.Agoraseouvia,também,umasuavemelodia,algocomflautaseviolinos,
muito delicada, muito sedutora. O estranho era apenas o fato de NickjamaisterouvidoaquelamelodianasuaépocadeErebos.Nemumaúnicavez.
—VocêachaaconselháveleumealiaraoErebos?—digitouEmily.—Vocêmeaconselhariacontinuar?
OhomemolhouparaEmilydemoradaefixamente.—Não.—Porquenão?—Porqueaescuridãoérepletadeartimanhaseabismos.Dealgunsé
possívelsairileso.Outrosengolemvocêparasempre.ParaNickpareciaqueEmilyhaviaesquecidototalmentesuapresença.
Ela fitou as palavras do homem, suas mãos pairaram sobre o teclado efinalmenteelafezamesmaperguntaqueNickumavezfizera.
—Quemévocê?—Eusouummorto.Nadamais.Emilyrespirouaudivelmente.—Sevocêestámorto,oqueestáfazendoaqui?
— Estou esperando e vigiando. Você vai querer continuar? Ou vaivoltar?
Osolhosdeleeramverdes,Nickconstatou,eeramtãorealistasqueNickpoderiajurarjátê-losvistoumavez.Emumrostodecarneeosso.
—Voucontinuar—escreveuEmily.—Éoquevocêesperava,não?—Todoscontinuam—disseomorto.—Váparaaesquerda,seguindoo
córrego,atéencontrarumdesfiladeiro.Passeporele.Depois…vocêverá.“Issoelemedissetambém”,lembrouNick.Mashaviamaisalgumacoisa.—EpresteatençãonoMensageirodeolhosamarelos.
NickadvertiuEmilysobreossaposhostisquetantoohaviamatormentado,mas ao alcançar o abismo, o inimigo veio do alto. Pequenos morcegos,porém agressivos, rodearam o Sem Nome e o mordiscaram com dentespontudos.Abarravermelhadevidasereduziacontinuamente.
—Vocêtemqueusarseupedaçodepau!Aperteobotãoesquerdodomouse!—NicktevequeseconterparanãopegaromousedamãodeEmilyematarelemesmoosmorcegos.—ComESCvocêosespanta.Comabarradeespaçovocêpula.
DemoroualgumtempoecustouaoSemNomebastantesangue,masnofinalEmilyacaboucomosmorcegos.
—Acarnevocêpodelevar—explicouNick.—Maistardenacidadeépossívelvendê-la.
Emilydeudeombrosejuntouosrestos.—Eagora?Àsuaperguntasemisturouosomdotropelqueseaproximava.Nickse
encolheuinvoluntariamente.OqueoMensageiroiriafizerseovisseaqui?Nomomentoseguinteelesacudiuacabeça.Elenãopodemever.ElesóvêoSemNome.Estoualucinando.
Emily continuou andando com seu personagem ao longo do abismo.Maisàfrenteencontrava-seoparedãodepedraemcujocentroacavernase abria. Sobre a saliência à sua frente já esperava a figura familiar doMensageirosobreseucavalocouraçado.
—Gente,comoeleéfeio—murmurouEmily.
OMensageiroencaravaoSemNome inerte;ocavaloparecia inquieto:batiaoscascosnochãoebufava.
—Salve,SemNome.Paracomeçar,vocêsesaiubem.—Quebom—digitouEmily.—Entretanto, você deve continuar treinando a luta, do contrário não
lheestarágarantidaumalongavida.—Certo.OMensageirodesviouoolhardoSemNomee fitouEmily,querecuou
involuntariamentecomsuacadeira.— Está na hora de você receber um nome. Está na hora do primeiro
ritual.—Oqueeudevofazer?Eleapontoucomseusdedosossudosparaacavernaatrásdele.—Entre.Todoorestoserevelará.Eulhedesejosorteequevocêtome
asdecisõescertas.Nósnosveremosnovamente.Ele virou com seu cavalo e saiu galopando por uma trilha estreita,
praticamenteinvisível,bemacimadacabeçadoSemNome.— Suponho que eu tenha que subir essa escada, não? — perguntou
Emily.—Isso.Subiraescadaeentrarnacaverna.O Sem Nome desapareceu na escuridão da montanha e a tela ficou
negra.—Vaidemorarmaisumtempodenovo—disseNick.—Agoranãodá
paraficarnervoso.Emilyagitouomouseparaláeparacá,masnãoseviaocursoremlugar
algum.— É bizarramente real — disse ela após algum tempo. — Eu tive a
impressãodequeesseMensageiroestavarealmentemevendo.Comoseelequisesse me mostrar que sabe exatamente que a questão não é opersonagem,esimquemocontrola.
—Vaiserassimmuitasoutrasvezes.Elesobservavamseusreflexosnomonitor.—Eesseprimeiroritualédifícil?Quenemodosmorcegos?
—Não,ébemdiferente.Vocêverájájá.Tumtum!Tumtum!—Pareceumcoraçãobatendo.Oqueéisso?—Issosignificaquevaicontinuar.CliqueemENTER.Atelanegraproduziuletrasvermelhas.—IstoéErebos.Quemévocê?SeráqueEmilymentiria?Seráqueeladariaumnomefalso?—EusouEmily.—Informeseunomecompleto.—EmilyCarver.Um murmuro fantasmagórico. “Emily Carver. Emily. Emily. Carver.
EmilyCarver.”“Eles fazem isso como saudação e antes de jogarem você em um
abismo”, pensou Nick, com tristeza. Emily procurou o olhar dele e elesorriu.Tudoestavanormal.
—Bem-vinda,Emily.Bem-vindaaomundodoErebos.Antesdecomeçarajogar,familiarize-secomasregras.Seelasnãolheagradarem,vocêpodeencerrarojogoaqualquermomento,tudobem?
—Issoeunãoimaginaria—sussurrouEmilyenquantoclicavaem“OK”.—Aqualquermomento.Parecejusto.
—Muitobem.Aquiestáaprimeiraregra:vocêtemapenasumachanceparajogarErebos.Sevocêerrar,jáera.Seseupersonagemmorrer,jáera.Sevocêviolarasregras,jáera.Certo?
—Certo.—Asegundaregra:quandovocêestiverjogando,certifique-sedeestar
sozinha.Nuncamencioneno jogo seunomeverdadeiro.Nuncamencioneforadojogoonomedeseujogador.
EmilytirouosdedosdotecladoeolhouparaNick.—Issosignificaqueeuteriaqueexpulsarvocêagora,não?— É só digitar “sim” — disse Nick. — Você ainda pode precisar de
algumaajuda,porora.—Seráqueela realmenteo expulsaria?Ele aindanãoqueria irembora.Elequeriaestarpresentenoprimeiroritual.Talvezatémesmonaprimeiraluta.
Um leve sorriso seesboçounos lábiosdeEmilyenquantoelaescrevia“OK”.
—Muitobem.Eaterceiraregra:oconteúdodojogoésecreto.Nãofalecomninguémarespeitodele.Principalmentecompessoasnãoregistradas.Comosjogadoresvocêpodeconversarpertodasfogueirasenquantovocêestiver jogando. Não divulgue informações no seu ciclo de amizades ouparasuafamília.Nãodivulgueinformaçõesnainternet.
—Jáestoucomeçandoaentenderalgumascoisas—disseEmily.— A quarta regra: guarde o DVD do Erebos de maneira segura. Você
precisadeleparainiciarojogo.Nãoocopiedemaneiraalguma,anãoserqueoMensageirolhepeça.
—Tudobem.Umaluzirradioudentrodomonitorequasesaiutelaafora.Naclareira
ensolaradaencontrava-sesentadooSemNomeeatrásdeleoaguardavaatorreemruínas,naqualaconteceriaoprimeiroritual.
Emily mal tocou seu personagem com o cursor do mouse, ele selevantou, arrancou o próprio rosto como se fosse uma casca e foi emdireçãoàtorre.
—Agorasetratadetomardecisõesimportantes—disseNick.—Vocênãopodeseprecipitar.Euajudovocê.
OSemNomeestavadiantedaplacadecobre.—Escolhaumsexo.—Aínãoimportamuitooquevocêescolher,apesardoshomensserem
umpoucomaisfortes…Emily jáclicaraem“feminino”.OcorpodoSemNomese transformou,
tornando-semaisdelgado,seiosequadrisseabaularam.—Desculpe,Nick,masesseseráomeupersonagem—disseEmily.—Escolhaumpovo.—Muitobem,nãovoumeintrometer,masosbárbarossãomelhores—
disseNick.—Elessimplesmentesãofortesetêmmuitaresistênciamesmo.Seeupudesseescolhermaisumavez,euseriaumbárba…
MasEmilyjádecidira.
Humano?Eleaolhoudelado,decepcionado.Comoassimelapegouumhumano?—Sabe,comaminhaprópriaespécieeuficomaisfamiliarizada—ela
respondeusuaperguntaimplícita.—Eugostodeserhumana.—Escolhasuaaparência.Emilycolocouemsuahumanacabelosruivosecurtosqueesvoaçavam
bagunçadamente em sua cabeça, e a vestiu toda de preto: botas, calça,camisaecasaco.Apenasocintoeravermelho,masissoeracomtodos.
Comseustraçosfaciaiselaseocupoumaistempo,osdeixoudelicados,simpáticoseespirituosos,comolhoscastanhosesobrancelhasarqueadas.
—Escolhaumaprofissão.— Nada disso parece me atrair muito — constatou Emily. — Se eu
escolherumbardo,eutereiquecantar?Nicknãosabia.Elehaviasidocavaleiro,masduranteo jogoelenunca
precisaracumprirtarefasdecavaleiro.—Acho que a profissão não émuito importante— explicou, e Emily
escolheu“bardo”.Neste momento, o gnomo entrou na torre. Nick o havia esquecido
completamente,essavisitadesagradávelduranteoprimeiroritual.—Umhumano?Não,queengraçado.Eridículo,vocênãoacha?—disse
elecomoumasaudação.—Não,nemumpouco.—Oh,oh,oh.Ealémdissoéumabarda.Vocênãofazmuitaquestãode
lutar,não?Prefereficarcantarolandoporaí?Emilyignorouognomoeprocurouapróximaplacadecobre.—Escolhasuashabilidades.—Curaréumadroga—disseNickimediatamente.—Custasuaprópria
barradevida.Foiaqueeuescolhiefoirealmenteumerro.O cursor do mouse circulava pelas palavras: força, energia, maldição
mortal,arrastar-se,poderdefogo,peledeferro,escalar…—Curarmepareceseromelhordeles—opinouEmilyapósumtempo
durante o qual o gnomo saltitou ora para a direita, ora para a esquerda,fazendocaretasferozes.—Joga-secomoutraspessoas,nãoé?Umavezeu
curoalguém,napróximaalguémmecura.Achomuitoprático.— Mas não é assim que funciona! — disse Nick. — Você precisa
principalmente prestar atenção no seu progresso. Se você fraquejar, nãodarácerto.
Ognomovirouorosto.—Vocêestásozinha,humana?Vocêestáobedecendoàsegundaregra?
Responda!—Claroqueestousozinha.Comoassim?—digitouEmily.ElaficoupálidanahoraeNickgelouimediatamente.Comoocorreuao
gnomo perguntar tal coisa? Claro que ele não podia vê-los ou ouvi-los.TampoucopodiaoMensageiro.
—Euestoudemorandodemais—sussurrouEmily.—Seeuestivessesozinha,eudecidiriamaisrápido.Porissoqueeleestáperguntando,acho.
Elaagoraseapressou.Escolheucura,velocidade,poderdefogo,peledeferro, poder de salto. Após uma breve pausa, adicionou visão de longoalcance,energia,andarsobreaágua,escalarearrastar-se.
—Nadamal—declarouognomo—paraumhumano.Penaquevocênãoviverápormuitotempo.
—Éodestino—respondeuEmily,concentradanaescolhadasarmas.Ela pegou do baú um sabre fino e curvado com esmeraldas no punho. Edepoisumescudodebronze.
—Muitobonitos,masinfelizmentesãobrinquedos—difamouognomo.Aúltimaplaca.—Escolhaoseunome.—Vai ser um nome bem feio de humano— escarneceu o gnomo.—
Petronilla, Bathildis, Aldusa ou Berthegund? Hein? Estou esperando!Estamosesperando!Nãoépossívelquenemumnomevocêsaiba!
Emilyhesitouporummomento.—Euatépenseiemum.Vamosveroqueelevaidizer.—Hemera—digitou.Nickficouumpoucodecepcionado.Hemeranãosoavaexatamentebem.
ParaosouvidosdeNickaquiloeraumnomeparaaparelhodecozinha.Ognomo,porsuavez,semostrouimpressionado.
—Alguémaí ficou espertinha.Vocêpode chegar longe, hein.Hemera!Nãováestragartudocommeuamo,humanazinha!
Eleseafastousaltitandoemancandoemdireçãoàsaídadatorre.Nickestavapraticamenteesperandoqueele,paraconcluir,mostrassesualínguainexplicavelmente longa, porémdesta vez elenão estava a fim, conformepareceu.Elebateuaportasemmaispalavras.Orebocosedesprendeudasparedesdatorre.
—Oqueelequisdizercom“ficouespertinha”?—perguntouNick.— Descubra por você mesmo. — Emily estava visivelmente se
divertindo.—Damesma formacomoeugostariadedescobrireumesmatodoorestoaqui.Nósnosvemosamanhã,certo?Apartirdaquieucontinuosozinha.
Masagoraéquevai ficar legal!Adecepçãoafundou comochumbonoestômagodeNick.
— Escute, você está subestimando o negócio. Você vai avançarmuitomaisrápidoseeuajudá-la,eseferirmuitomenos.Vápormim,hein.
Emily puxou o fone de ouvido de seu iPod e o plugou em seucomputador.
—Foiumadesuasdicas,nãofoi?Quandoeuestoucomissonosouvidoseunãoouçomaisoquevocêdiz.
—Mas…— Já está bem, Nick. Você não viu como o gnomo ficou desconfiado
naquelahora?Euvouconseguir,ok?Euvoubasicamenteseguirasregrascomotodososoutrosejogarsozinha.
Nicksedeuporvencido.— Se você for colher bagas agora, fique atenta — disse. Um último
comentário codificado não poderia fazer mal. — E se você empacar ouprecisardeajuda,ésómechamar.Sério.
—Bomsaber—disseEmily,sorrindo.—Obrigada,Nick.Emcasa,eleconsultouoWikipediae ficousabendoqueHemeraeraa
filhadeErebose,alémdisso,erao totalopostodoseupai.Hemeraeraadeusadodia,damanhã,daluz.
Algunsdizemqueparavencerépreciso ternascido.Quantomaiseureflitosobre isso, mas eu tendo a concordar. A decepção de não ser um dessesescolhidos eu já deixei para trás há muito tempo, mas sinto que nãosuportaria uma nova derrota. Se eu vier a triunfar no fim, eu não estareipresente. Isso já está muito claro. Minha presença no final não seránecessária.Osatoresserãooutros.Elesperseguirãomeuobjetivocomtodasassuasforças.
Jáéquasechegadaahora.Entãominhaparteestaráfeitaeeupodereiir.Nofimhaverávencedoreseperdedores.Quemserãoosvencedoresnãovemaocaso.Omais importantesãoosperdedoreseeurezoparaqueaderrotaatinjaaspessoascertas.
24
Nick pensou imediatamente na deusa da manhã quando o despertadortocounodiaseguinte.Hemera.ElemalpodiaesperarparaouvirorelatodeEmily.Oqueelahaviafeito,comohaviasido,seelajáhaviarecebidoumamissão.Ele iriaajudá-laecomcerteza logoaassistiria jogando.Comoelenão estavamaisdentrodo jogo, talvez fossemais fácil reconhecer certospanos de fundo. Padrões. Ele tomava banho assobiando e se vestiucantando.Iriaserumbomdia.
QuasesempreEmilychegavaantesdeleàescolaeficavajuntodesuasamigas ou com Eric, mas hoje ele não conseguiu encontrá-la em lugaralgum.Emvez disso, viuEric batendopapo comumameninadodécimoprimeiroano.Elepareciamaisrelaxadoquenodiaanterior.OchoquequeAishalhederaestavaaparentementesuperado.SeráqueelevoltariaaagircontraoErebos?Nickduvidava.Ericprovavelmenteestavafelizemnãosermaisocentrodasatenções.
Então chegouEmily.Ela andava rápido, comose tivessemuitapressa.Ericacenouparaela convidativamente,maseladevolveuoacenoapenasrapidamenteecontinuoucorrendo.Poucoantesdoportãodaescola,Nickaencontrou.
—OiEmily!—Oi.JáeraóbvioqueelesnãopodiamfalarsobreoErebosaquinafrentede
todoomundo,masumapiscadadeolho,umsorrisoconspirador…algumacoisatinhaquesairdali.Nickprocurouessessinaisemseurosto,masele
estavainexpressivocomoumaparede.—Quartotempo?Biblioteca?—sussurrouNick,incomodado.Emilydeudeombros.—Vamosver.—Semmaispalavras,elaodeixouparatrás.MaisàfrenteestavaRashidcomAlex,eEmilydirigiu-seaosdois.Oque
queria com aqueles dois? Nick já não entendia mais nada. Incrédulo, eleobservava Emily atenta a cada palavra de Alex quando ele, com umaexpressão misteriosa e gestos largos, começou a narrar algo. Ele seperguntava apenas do que se tratava aquela conversa, já que detalhessobreojogoelenãopodiacontar.
PelorestododiaelemanteveEmilysobvigia,porémelaseesquivavadele, desviava de seu olhar ou ignorava-o. Em nenhum momento ele asurpreendeusozinha.
Provavelmente por estar tão concentrado emEmily, só foi perceber àtarde que Colin o estava seguindo. Não importava onde Nick estivesse,Colinestavaporperto.Seoestavaobservandonãosepodiadizer,masdequalquerformaeleestavaalicomoumasombra.Nickconsiderouiratéelee conversar, esclarecer a briga do dia anterior. Em todo caso, eles foramamigosumdia,issoatébempoucotempoatrás.MassóaideiadequeColinforaresponsávelpelacartaameaçandoJamieeque inclusivetalveztenhasabotadosuabicicletajádeteveNick.Noprimeirocomentárioindevido,eleiriaquebraronarizdeColin.
Quanto mais demorava a passar o dia pelo qual Nick estivera tãoansioso, mais perdido ele se sentia. Seu melhor amigo estava em coma,Colineele jánãoconfiavammaisumnooutroeEmily fingiaqueelenãoexistia. Pessoas das quais ele um dia foramais oumenos amigo agora oolhavam com desconfiança, como Jerome. Aqueles que Nick sabia quehaviamsidoeliminadosdo jogo tentavampassardespercebidosporeleenãofaziamquestãodeconversa,comoGreg.
Em certo momento naquela tarde, Nick cruzou com a capa de chuvaverdenopátiodaescola.AmeninaqueavestiadeviaserDarleenPember.Eleaconheciaapenasdevista,masselembrouqueJamiehaviaandadodeolhonela.EcomJamie,Nickaindatinhamuitopeloqueseretratar.
Nick olhou ao redor tentando avistar Colin. De forma alguma ele iriafalar com Darleen se seu perseguidor estivesse em algum lugar nasimediações.Mas Nick não encontrou nenhum sinal dele.Então vamos lá,rápido.
Ele a tirou de perto das duas meninas com as quais ela estavaconversando.
—EscuteDarleen,vocêencontroualgumpapelzinhoontemnobolsodoseucasaco?Ouemoutrolugar,dentrodosseuslivros,porexemplo?
Elaolhouparaelecomummistodemedoecuriosidade.—Não,porquê?—Sóparasaber.Mascasovocêencontreum,guarde-o.Entregue-oao
sr.Watson,masdemaneiraqueninguémfiquesabendo.Ela mordeu o lábio inferior. Um desses papeizinhos iguais ao que
Mohamedrecebeu?OuJeremy?QuemeramMohamedeJeremy?—Quepapeizinhoseramesses?Eladeudeombros.—Eunãoconseguiverdireito.Elesnãoestavamescritosamão,esim
digitados em computador, posso garantir. Depois disso Mohamedconseguiudispensamédica; ele jánãovemhádoisdias.Você sabeoporquêdisso?
Nicksacudiuacabeça.—Nãoexatamente.Possolheperguntarmaisumacoisa?OsorrisodelapareceuansiosoeNickesperavaqueessaansiedadenão
tivesseavercomele.Nickolhouaoredor.—Dentro?Oufora?Ela não entendeu imediatamente. Nick fez alguns movimentos de
espada.—Ah!Fora, infelizmente.Mascomigoelesnãopodemfazer isso,eu já
tenteipegarojogodenovo,fuiaalgumaslojasetambém…— Deixe isso pra lá— disse Nick.— Tudo isso. Finja que esse jogo
nuncaexistiu.—Mas…
—Eusei.Mesmoassim.Ela olhou para ele com os olhos arregalados. Nick tentava imaginá-la
com Jamie, sentados em umbanco no parque, no cinema, emum campoflorido.Belasimagens.EleesperouqueelafosselheperguntarsobreJamie.Porémelanãoofez.
À noite ele ficou sentado em seu quarto sem saber o que fazer. A únicacertezaeraquenãosuportavaaquelainsegurança.Sepensassebem,Emilyhaviaagidodemaneiralógicaaoignorá-lo.Claro.Anãoser…anãoserqueojogo tenha faladomal dele, de alguma forma. Havia uma imagem em suacabeçaqueo acompanharaodia inteiro: oMensageiro contando aEmilyqueNickaespionavavirtualmente.Queelehaviaajudadoalevarumaarmaaté o terreno da escola. Para completar, apareceria ainda sua foto comBrynneeentãoEmilynãoiriamaisquerersaberdele.
Mas isso tudoerabobagem.Emilyhavia sido friaporqueela levava seudisfarceasério.Eleirialigarparaelaeesclarecerisso.Agora.
Mas Emily não atendeu o celular, nem mesmo a caixa postal foiacionada. Após dez minutos Nick tentou outra vez e, meia hora depois,novamente.Oresultadopermaneceuomesmo.
Poisé,provavelmenteelaestá jogando.Nessaépocaele tambémnuncaatendiaotelefone.
Será que ele deveria ir até sua casa? Isso, e de preferência tocar acampainhainsistentementeeacordarsuamãedepressiva,poiscomosfonesdeouvidoEmilynãooouviriaàporta.Omesmoprovavelmente aconteciacomocelular.
Ele se sentou ao computador e pensou. Nick acessou o deviantART eprocurounovos textos na página de Emily. Porém, desdeNoite, o poemaqueelejáconhecia,nãohavianadadenovoescrito.
Elepassouorestodanoitecomsuamãeeseupaivendotelevisão.Nãoconseguia se lembrar da última vez que fizera isso e seu pai estavavisivelmentefelizporisso.
—Ficarsósematandodeestudarnãoéocaminho—disseele,dandopalmadinhasnacabeçadeNick.
Naquela noite, Nick sonhou que estava no cemitério do Erebos,procurandodesesperadamentealápidedeSarius,porémtodososepitáfiosagora consistiam de caracteres emaranhados que ele não conseguiaidentificar.
Duranteváriosdias,Emilynãofoiàescola.Nickestavanaauladequímicaefitavaseulugarvazioquerendochorar.Eleconheciaopadrão:ojogohaviaganhado,comocomtodososoutros,podersobreela.
Eu não podia tê-la deixado sozinha. Por que justo Emily haveria de serimune?Masagoraera tardedemais.Nãoadiantava,elanão iria falarcomele,nãoodeixariaseaproximaresóiriaquerercumprirsuasmissões.Eledevia ter lhe faladomais sobreo jogo; emvezdisso, ele adeixara seguirdesprotegidaemdireçãoaumaarmadilha.
Nointervaloligouparaela,maselaobviamentenãoatendeu.Poisbem.Entãoeleiriaatésuacasadepoisdaaula.
Após tomar essa decisão, ele se sentiu imediatamente melhor. IriaconversarcomEmilyelembrá-ladeseuplanoemcomum:pararoErebos.Pelomenosessaeraaideiadela.
Seualtoastraldurouatéaaulade inglês,quandoNickabriuo livroeencontrouumpapelzinhodobradoqueelecomcertezanãohaviacolocadoali.
Suapulsaçãoacelerou.Eledesdobrouopapel.“Ao ladode Jamieaindaháumacama livre”, lia-seem letrasde forma
desengonçadas.Nick respirou fundo. Ele esperou que ninguém tivesse percebido seu
susto. Pelos cantos dos olhos ele procurou alguém que o estivesseespreitando e talvez observando sua reação, porém todos pareciamnormais. Helen ora bocejava, ora coçava a nuca. Colin? Lia. Dan e Alexcochichavam,seráqueforameles?AlexsorriaparaNickcomumasimpatiatãoforçadaquetalvezfosseesseseudisfarce.
Eledobrounovamenteopapelzinhoeocolocouemseubolso.EntãohaviaumacamalivreaoladodeJamie.Essesmalditos.Comisso,
eles tinham praticamente confessado. O acidente havia sido planejado,
alguémsabotaraosfreiosdeJamie.Porcausadeumadroga,umadrogadeumjogo.
Derepenteelecomeçouaodiartudocomtantofervorquetevevontadede saltar de sua cadeira e arrebentar a cara deles comela.Para que elestenham ideia de como um traumatismo craniano é legal. Ele olhou paraColin e de repente a necessidade de pular em sua garganta tornou-seincontrolável.Nicklevantou-se.
—Sim?—perguntouosr.Watson.—Aconteceualgumacoisa,Nick?Euestouficandomaluco.—Eunãoestoumuitobem.Achoquealgumacoisamefezmal.Ele estava segurodequeo sr.Watson captara a ambiguidadede suas
palavras.Erapossívelveremsuaexpressão,maselenãoperguntounada.—Entãotalvezsejamelhorvocêirparacasa.—Sim,obrigado.Nick não se importava que agora alguém estivesse pensando que o
medo da carta ameaçadora o tivesse expulsado da escola. Isso erairrelevante. O importante era Emily, precisava conversar com ela, comcerteza ainda não estaria tão envolvida naquilo a ponto de que osargumentos não tivessem mais influência sobre suas ações. Ele apenasprecisavacontar-lhesobreateoriadeJamieemostrar-lheacarta.
Agora.Rápido.Eletirouseucelulardamochila:eleiriatentarmaisumavezligarpara
ela.1novamensagem,revelou-lheatelinha.Eleclicouemler.
Nãomemandee-mailsdejeitonenhumenãotentefalarcomigoporMSNouSkype.Sevocêtiver tempo,apareçaàs16hemBloomsbury,CromerStreet,32,não faleumapalavracomninguémetenhacertezadenãoestarsendoseguido.Emily.
Ele engoliu em seco e olhou agitado ao seu redor. Nick colocou os olhosnovamentenatelinha.Nadadee-mails,nadadeMSN,porquê?Emilysabiaalgodenovo?Elerespirouprofundamenteeorganizouseuspensamentos.Pelomenos lá estava o SMS indicando que Emily ainda contava com seus
cincosentidos.Eelaqueriavê-lo!Faltavamquasetrêshorasparaas16h.Nicknãotinhaideiadecomodominariasuaansiedadeportantotempo.
Finalmenteeleaproveitouotempopararealmente,certificar-sedenãoestar sendo seguido. Ninguém jamais deu umdesvio tão grande e pegoumaislinhasdemetrôparachegaraCromerStreet.
25
Em frente à casa número 32 havia um sujeito extremamente esquisito.Barba, longoscabelosvermelho-fogo.EledeviaestaresperandoporNick,poisfoiemsuadireçãoassimqueoavistou.
—Você é oNick, certo?Amoçadescreveu vocêmuito bem.Eu souoSpeedy.Venhacomigo.
EleconduziuNickatéosegundoandardacasaporumaescadaestreita.Lá,eleabriuumaportademadeiraverde.
—Podeentrar.Vocêquerágua, cervejaouGinsengOolong?Victordizqueocháébomparaocérebro.Comelefunciona.
Nick, que alémde umabreve saudação aindanãodissera nada, pediuumcopod’água.PorqueEmilyohaviamandadoaqui?Ela tambémestavaali?
Ele seguiu Speedy por uma cozinhamaravilhosamente abastecida atéuma sala grande preenchida por zumbidos polifônicos. Nick contou 12computadores,excluindoonotebookdeEmily.Elaestavasentadaemumabaiapertodajanela,usandofonedeouvidosealtamenteconcentradaemseumonitor.
—Melhor não incomodar— disse Speedy.— Está acontecendo algofrenéticonomomento.Venha,euolevareiaVictor.
Ele o conduziu até uma gigantesca estrutura de equipamentoseletrônicos, atrás da qual encontrava-se sentado e totalmente encobertoumhomemgorducho,tododepreto.Nickoviuapenasporuminstante,seuolhar foi atraído imediatamente por um monitor de pelo menos 22
polegadas que exibia um homem-lagarto lilás e brilhante abatendo umacriatura semelhante a uma minhoca. Ele era incrivelmente ágil com aespada e se movimentava rápido como um raio. Os dedos gordinhos dojogadorvoavampelotecladoecontrolavamomousecomaprecisãodeumbisturi. A minhoca gigante não tinha chance apesar de seus dentespontudoscomoagulhas.Pronto,agoraelaestavapartidaemduasmetades.Adafrente,acomosdentes,continuoulutandoatéolagartodecapitá-la.
Speedytirouumdosfonesdoouvidodorapaz.—Nickestáaí!—Ah,bemnahora!Vocêassumeparamim?—Claro.Aliás,Nickestábebendosóágua.—Nãoimporta.Ohomemlevantoueseesticou.Suaalturabatianomáximonoqueixo
deNick.—Vocêprecisapelomenosprovarmeuchá.EusouoVictor.—Prazer.—Vamosparaasalaaolado,lánóspodemosconversarsossegados.ElecolocouseusfonesdeouvidoemSpeedy,quejáestavaàprocurade
outros inimigos, e apontou para uma porta pintada com grafite. Nick jáestavacomamaçanetanamãoquandoelelembroudealgo.
—Despedaceaminhoca—elegritouparaSpeedy.—Desmembre-anosmenorespedaçospossíveis,talvezvocêencontrealgo!
Speedy levantou o polegar e começou a desmantelar seu adversáriocaído.
—Nãotãorápido—disseVictor.—Elevaiperceberadiferença.Vocêtemquemantermeuritmo.
Um suspiro profundo escapou do peito de Speedy. O homem-lagartoagoracortavamaislentamente,aindaquecomarapidezeagilidadedeumsushiman.
—Váentrando—disseVictor.—Voubuscarcháparanós.Atrásdaportagrafitadaencontravam-setrêssofásimensoseomesmo
númerodemesasdecentro.Nenhumapeçacombinavacomaoutra.Nickatéquenãoeramuitosensível,masacombinaçãodecoreslhecausouuma
leve dor de cabeça. Ele se sentou no sofámais horrível, verde-oliva comrosas amarelas e barcos à vela azuis, assim ele teria que vê-lo menos.SegundosdepoisentroupelaportaVictor,trazendoumabandejacujavisãoesclareceuaNickqueamisturadeestilosseguiaumsistema.
—PorcelanavitorianadevioletasouosSimpsons?—ComovocêsechamaVictor,voulhedeixaravitoriana—disseNicke
pegouparasiumaxícaranaqualHomerposavasobreosdizeres:“Tryingisthefirststeptowardsfailure.”
EnquantoVictorbebericavaseuchácomosolhos fechadosemêxtase,Nickteveoportunidadedeexaminá-lomelhore lhedeu22ou23anos.Àprimeiravista,elepareciamaisvelho,provavelmenteporcausadabarba.Umabarbademosqueteiro,longaecurvadasobreoslábiosetriangularnoqueixo. Victor parecia Porthos. Um Porthos gótico, pois ele usava nasorelhasbrincosdecaveiraeemcadadedopelomenosumaneldeprata:neles,ascaveirastambématingiammaioriaparlamentar,seguidasdepertopelascobras.Paraequilibrar,pendiaumanjosolitárioemumdoscolaresemseupescoço.
—Bebaseuchá—disseVictor.Nickotomouporobrigaçãoeseespantoucomcomoeleeragostoso.—Emilynostrouxealgorealmenteincomum—constatouVictorapós
umgrandegoledechá.—Saibaqueeuentendoumpouquinhodejogosdecomputador.MaseujamaispusasmãosemalgocomooErebos.
—Maselalhecopiouojogoassim,donada?—Nãomesmo!Ela foimuitogentilemmedaro jogoemseu terceiro
ritual. Eu sou o novato dela— ele enroscou sua barba entre os dedos esorriu.—Eutambémsoubemnovonisso,sócomeceiajogarhojeàtarde—eleinsinuouumareverência.—Squamato,homem-lagarto.NaverdadeeuqueriamechamarBrokkoli,masaíaqueleencantadorgnomodatorrequase me acertou com meu escudo de bronze. Não se podia caçoar doErebos,elemedisse.Humornãoéopontofortedessejogo.Elebaixousuaxícara.—Jáinteratividade…meuDeus!
—Elefalacomvocê,eusei—disseNick.—Apessoaperguntaeeledárespostas lógicas e corretas. Você tem ideia de como isso poderia
funcionar?—Nenhuma. Primeiro eu pensei realmente que havia alguém em um
terminal central se passando peloMensageiro ou por aquele caramorto.Mas não funciona assim. Emily disse que há uma grande quantidade degentejogando.Quantasvocêpresume?
Nickpensounalutanaarena.Eolhaquenemtodosestavamlá.—Maisoumenosumastrezentasouquatrocentas.Talvezmais.— Exato. Então seria preciso um exército de Mensageiros que ainda
teriam de ter em mente as respectivas missões e interconexões. Umacapacidadederegistrodessetipoumcomputadordominabilhõesdevezesmelhor que qualquer ser humano, mas conversas complexas geralmentenãosãosuapraia.
AxícaradeVictorestavavazia,elecolocoumaischáparasiecompletouadeNicktambém.
—Conte-meumpoucosobresuasmissões.Emilytevequevigiarontemumameninade13anosindocomprarspraydepimenta.Elanãoconheciaamenina e vice-versa, pois provavelmente era de outra escola. Mas esseMensageirohaviadadoaEmilyumafotoeonomedameninaetambémohorário e endereço da loja. Maluquice mesmo. Como é que eram suasmissões?Algoquepossaresultaremumpadrão?
Nickpensouconcentrado.—Não,infelizmente.Umavezeutivequelevarumacaixademadeirade
Totteridge até o viadutoDollis Brook. A caixa depois apareceu emnossaescolacomumrevólverdentro.Nomais,euumavezfotografeiumhomemeocarrodelee…convideialguémparairaumcafé.
Victorbufou,entretido.—Não soamesmomuito ameaçador. Você tem alguma ideia por que
vocêtinhaquefazerissotudo?— Não. Só na última missão, aí eu tenho mais certeza. Eu teria que
colocarDigotanno chádonossoprofessorde inglês.Ele achaoErebos…perigosoeestá tentando fazeropessoalsairdisso.Umdosgnomosdisseumavezquenósdeveríamos trataros inimigos como inimigoseeuachoqueéessaaideiadojogo.
Victorpareciaperturbado.— No chá? — perguntou, como se isso fosse o mais reprovável na
missão.—Sim.Masaíeu fiqueicommedoepor isso fuieliminado—Nickse
espantoucomcomolhefaziabemfalarsobreaquilo.Derepenteascoisasparecerammenosameaçadoras.
—Vocêalgumavezjáparouparapensarporqueojogopedeoqueelepede?—perguntouVictor,apósumabrevepausa.
Não, não pensava nisso. Não a sério. Bem, algumas vezes lhe haviampassadopelacabeçaperguntassemelhantes,principalmentesobreasaídacomBrynneeatarefadasfotos.Quemsaíaganhandocomaquilo?
O pensamento sempre fora rapidamente colocado em segundo plano.Eram apenas tarefas. Obstáculos que deviam ser superados para terprogresso,comoemqualquerjogodecaçaaotesouro.
— Eu pensava que se tratava apenas de tornar o jogo interessante eemocionante—disseele,epercebeuapenasagora,queelehaviafaladoemvozalta,oquantoaquiloeraimprovável.
— A não ser que eu esteja enganado, o jogo faz seus jogadoresfuncionarem em conjunto como uma máquina bem-lubrificada — disseVictor,contemplativo.—Umescondeisso,opróximopegaelevaatéoutrolugar.Umcompraaquilo,umsegundooobservaeemiteumrelatórioparaqueojogopossacalcularseuspróximosmovimentos.DeacordocomoqueEmilymedisse,euachoquevocêsestãotodostrabalhandojuntosemalgoque ninguém pode decifrar porque cada um conhece apenas uma parteirrisóriadacoisa.Umaouduaspedrinhasemumgrandemosaico—Victorgorgolejou.—Euagoratambémestounessa,maseuquerovera imagemtoda,quedroga!
“A imagem toda.” Por uma fração de segundo uma imagem surgiu nacabeça de Nick, uma imagem colorida, familiar, porém ela desapareceuantesdeelesaberoqueera.
—Sabeoqueajudaria?Seeupudesseouvirmaishistóriascomoasua.Se nós soubéssemos que tarefasmais o jogo distribuiu. Nós poderíamosencaixar essas informações e, vai saber…—Victor esfregou asmãos.—
TalveznósdescubramosnofinalqueestamosprocurandooSantoGraaloualgoassim,hahaha.—ObomhumordeVictoreracontagiante.
—Sevocêquiser,eutentoperguntaraalgunsex-jogadores—sugeriuNick.—Maspodeserqueninguémmecontenada.Aoserexpulso,recebe-seumaordemdenãofalarnada.
—Umatentativaé,emtodocaso,válida.Enquantoisso,nósabriremosaqui nosso próprio laboratoriozinho de pesquisas. Espero que a hora dopróximoritualestejapróxima.MeuSquamatobrilhanteaindaestánonível1,édechorar.
—Vocêtemquecolocá-loemdificuldades.Quandoeleestáapontodemorrer,vemoMensageiroesalvavocê,lheatribuiumamissãoeseelaforcumprida,vocêpassaaopróximonível.
Victorbateuamãocontraatesta.—Issosignificaqueeusoubomdemaisparaavançar?Issoéperverso.
Espere,eutenhoquefalarcomSpeedyqueeledevecometererros…Victordesapareceuevoltouumminutodepois,dandorisadinhas.— Speedy está brigando com um esqueleto de tamanho descomunal.
Vocêquerassistir?AvelhaagitaçãosemanifestounovamentenoestômagodeNick.Sim,ele
queriaassistir,estarlá,claro.ElesficaramacertadistânciaatrásdeSpeedy,que,sempensar, jogava
Squamatoparacimadoguerreirodeossos,cujacabeçaeraadornadaporuma coroa. Eles não podiam ouvir o que acontecia; graças aos fones deouvido, os barulhos ficavam reservados a Speedy, mas viam o cinto deSquamatoficandocadavezmaiscinza.Umgolpedoreiesqueletoqueeledefendeumal,maisoutro…elogojaziaelelá,comumúltimorestodevidaaindapulsando,enquantoafúriadocombateaoseuredorcontinuava.
Nick cravou as unhas na palma da mão. Muitos dos guerreirosparticipantes ele não conhecia ou conhecia apenas da arena. Espere! Láestava Sapujapu! Então ele continuava vivo, isso era bom. E lá atráscombatia, e isso era desagradável, Lelant. Nick continuava examinando omonitoresepegouprocurandoporSarius.Queridículo.Ridículo tambémquesentissefaltadeseuoutroeu.
Minutos depois a batalha havia acabado e o Mensageiro apareceu.Involuntariamente, Nick recuou um passo, xingou-se de idiota e pôs-senovamente atrás de Speedy. As palavras do Mensageiro apareceram nofamiliarprateadosobreofundonegro.
—Lelantcombateucomoumherói,aelecabeamaiorrecompensa.Eleestendeuaoelfonegroumsacodeouroeumescudoquebrilhava
como uma estrela. Sapujapu, levemente ferido, recebeu três garrafas depoção. Isso era uma fartura. Nick ficou feliz por ele. Os outros foramdispensados com coisas medíocres até que o Mensageiro finalmente sedirigiuaSquamato.
—Deiníciovocêlutoucomhabilidadeemaestria,repentinamenteficoumuitofraco.Issonãomeagrada.
—Ahá!—disseVictor.— Sintomuito, eume distraí.Mas isso não acontecerá novamente—
Speedydigitoucompressa.—Éoqueeuesperoporvocê.Vocêestápraticamentemorto.Sevocê
continuaraqui,morrerá.Siga-me,euosalvarei.Qualéasuaescolha?—Euvoucomvocê.—Muitobem.OMensageiro puxou Squamatopara cimade seu cavalo e eles saíram
cavalgando. Nick lamentava muito não poder ouvir a música quecertamenteacompanhavasuacavalgada.
E então sucedeuode sempre: emumacaverna, oMensageiro colocouascartas sobre amesa. Squamato iria viver e virar um2 se cumprisse umamissão.
— Esteja hoje às 19h no memorial Cavalry, em Hyde Park. Atrás domonumentohábancosde corbranca. Embaixodo terceiro àdireita vocêencontraráumenvelopecomumendereçoealgumaspalavras.Váatéesseendereçoepicheaspalavrasnaparededagaragem.Emseguida,fotografesuaobraeoEreboslhedaránovamenteasboas-vindas,comoum2.
—Issoépiordoqueparece—murmurouNick.—Achoquenãoestouentendendo.Issonãotemnadaavercomojogo.
—Claroquetem,Squamato.Maisdoquevocêimagina.— Você se refere então ao Hyde Park e ao memorial Cavalry de
verdade?—Exatamente.—Eseeunãoencontrarnadaembaixodobanco?Esenãohouvernada
lá?—Entãovocêvoltaráemeinformaráisso.Masnãomintaparamim.Eu
iriasaber.Speedy trocou um olhar com Victor, que parecia desagradavelmente
impressionado.—Atarefanãoéexatamentelegal—digitouSpeedy.—Esealguémme
pegar?O Mensageiro cobriu ainda mais seu rosto com o capuz, os olhos
amarelosbrilhavamemmeioàescuridão.— Até agora pegaram você apenas uma vez. Seja ágil e não venha
resmungar para mim. Nós nos veremos quando sua missão estivercumprida.
EastrevascaíramsobreoErebos.— Isso é bemmalucomesmo—Victor constatou. Ele gesticuloupara
NickeSpeedyentraremnasalaaolado,poisEmilypareciaterchegadoemumafasedifícildojogo.Elesouviamcomoteclavafreneticamente.
—Oqueelequerdizer com“pegaramvocêumavez”?—Nickestavarealmentesurpreso.—Pegaramfazendooquê?
— Há alguns anos tive uma breve carreira como pichador — disseVictor. — Mas como o olho amarelo sabe disso… não faço ideia. Quechateação.EutambémprefeririatransportarcaixasdemadeiraportodaaLondresaarriscarserdenunciadoporvandalismo.
—Masvocêsviram?—interrompeuSpeedy.—ElenãopercebeuqueeuestavajogandonolugardeVictor.Elesóficouirritadoporqueeuluteidemaneiradesastradanofinal.
—Sim,deucerto.Apesardisso,nãocorreremosoriscooutravez.Ojogoé tremendamente esperto. Enquanto não soubermos um pouco mais,sejamoscautelosos.Alémdisso,embrevevocêserámeunovato.Estáclaro?
Speedypassouamãonoscabelosruivos.— Assim espero. Ligue para mim quando chegar a hora, estou indo
agora.Katecomcertezajáestámeesperando.DepoisqueSpeedyfoiembora,Victorcomeçouarevirarseusarmários.
Estavaatrásdelatasvelhasdespray,supôsNick.Emilycontinuavasentadaemsuabaia,totalmenteconcentradanojogo.
Eledeviairembora?DeviaficareesperarEmily?Indeciso,Nickfolheavauma das revistas sobre computadores que se amontoavam em todos oscantos,sobreasmesas.EleaindanãoestavaentendendobemVictor.Aquiloalierasuacasa?Seuescritório?Ambos?Issoeraseutrabalho?
Não era o momento para perguntar-lhe a respeito, pois Victor lutavacontra asmontanhas de papel que queriam abrir caminho para sair dosarmários.
ContraoquêEmilyestavalutando?Nick se aproximou bem silenciosamente para não incomodá-la, e deu
umaolhadapor trás de seus ombros.Hemera corria por uma espécie detúnel.Parauma3,elajádispunhadeumcoletedeferrobastantebomedeumaespadarazoável.
Àfrenteeatrásdelacorriamfigurasfamiliares:Drizzel,FenieleNurax.Hemera havia ido parar na mesma turma com a qual Sarius andaraantigamente.
Capoff! Algumas pastas caíram pesadamente no chão. Victor haviaperturbadoosensívelequilíbriodeseuarmárioabarrotadoeagoratodooseu conteúdo caíra em cima dele. De uma caixa de sapatos arrebentadaderramaram-sesobresuacabeçacartuchosvaziosdeimpressora.
Emily olhou brevemente, voltando a concentrar-se em seu jogo logodepois.Elahaviasaídodotúnelechegadoàluz,eagoraencontrava-sesobumaárvoregigantescaque continhaumacoroadeouronomeiode suasfolhagens. Embaixo dela ardia uma fogueira e ocorria um diálogodescontraído.
Havia novidades? Não, a discussão girava em torno apenas dadificuldadedeacharcristaisdedesejos.
Uma espiada no relógio revelou a Nick que já eram quase 18h. Era
melhor ir agora, Victor também partiria em breve se quisesse estarpontualmentenomemorialCavalry.
Aúltima luzdodiarefletianocabelodeEmily.ElesaindanãohaviamtrocadoumaúnicapalavradesdequeNickchegara,masestavatudobem,ela não podia se deixar distrair. Ela era tão bonita. Nick não podiasimplesmente ir, tinhaque levaruma lembrança.Senão fossempalavras,seriaumaimagem.EletirouocelulardobolsoefotografouEmilydiantedeseu notebook. Ela nem percebeu. Cuidadosamente, Nick guardou seucelularcomoumtesouro.Apartirdeagoraeleiriacarregá-laconsigo.
Victorhaviafinalmenteencontradosuaslatasdespray.—Esperoqueelasnãoestejamtodasduras—murmurouele,eagitou
umacomaetiquetaverde.—Estouindoagora—disseNick.—Tudobem.Lembre-sedequevocênãopodeenviare-mailssuspeitos
nemparamim,nemparaEmily.Nãotenhocerteza,masnãomeadmirariaque o jogo tivesse acesso às suas mensagens. E ele entende o queescrevemos,nãoseesqueça.
Nickprometeulembrar-sedisso.Queinferno,nãoconseguiatiraraquilodacabeça.OMensageiroliaseuse-mails?
Voltando para casa no metrô, foi admirando a toda hora a foto quebatera de Emily.Desejou beijar a tela do celular ali e agora,mas decidiuesperaratéqueestivessesozinho.
26
—Podeesquecer—disseGreg.Apesardejáteremsepassadoquaseduassemanas desde sua queda, ainda era possível ver nitidamente asescoriações.
— Só as missões— pediu Nick pela segunda vez.— Eu não precisosaberquemouoquevocêera,apenasoqueoMensageirolhepediu,issoéimportante.
—Paraquê?Vocênãoestáfora?Vocênãovaientrarmais,nãoimportaoquetente,acredite.
Era de enlouquecer! Desde o início da semana Nick vinha tentandoencontrar ex-jogadores e interrogá-los, mas até agora o resultado eralastimável.Precisamentenestemomento,Gregtentavadarofora,masNickoseguroupelamanga.
—Porfavor!Poxa,ninguémestánosvendo.Eulhecontotambémsobremim.Digaaí,vamos.
—Oqueéqueeuganhocomisso?Temcoisasdasquaiseunãoestoulámuitoorgulhoso,nãovoudeixarvocêficarsabendo,Dunmore.Eagoramedeixeir.—Elepuxoudevoltasuamangaedesapareceuemumadassalasdeaula.
Nick xingou alto, para quem quisesse ouvir, olhou à sua volta e viuAdriansaircorrendo.Comoaculpaempessoa.Disparouatrásdele.
—Ei!Pare!Vocêestavanosespiando?Adrianoolhoucomorostopálido.—Eunãoouvinada.OqueéqueGregnãoquerialhecontar?
ClaroqueerainjustoNickdescontarsuafrustraçãoemAdrian,masnãohaviamaisninguémali.
—Paredeespionar!Vocêvaiver,qualquerhoradessasvocêvai levarumaporradaquenãovainemsaberondeestá.
—Deixeomeninoempaz—disseumavozpenetranteatrásdeNick.Helen.Agoraelenãoestavaentendendomaisnada.—Oquevocêtemavercomisso?—gritouNick.—Eudisseparadeixá-loempaz. Seeuouvirvocêoameaçandomais
umavez,vocênãovaireconhecermaisessasuafuçanoespelho.Perplexo,elealternavaoolharentreAdrianeHelen.—Eunãooameacei—disseelesempensar.—Euestavalhedizendo
algo.Vocêqueestáameaçando,eamim!—Bemobservado.Agorasuma.Notava-seemAdrianqueeleestavatãoespantadocomaintervençãode
HelenquantoopróprioNick.—Tudobem,Helen,elenãomefeznada.— Pois é— disse Nick.— Você sabe disso e eu também,mas Helen
aparentementepensaquevocêprecisadeumababá.—Eledeixouosdoisparatrás.
No tempo seguinte, Nick tinha novamente inglês. Ele observava o sr.Watson,semexatamenteescutá-lo, falandosobreoteatroelisabetano.HádiasnãohaviamaisnotíciassobreJamie,oquepelomenoseramelhordoquenotíciasruins.Masseráquelhedariammesmonotíciasruins?
No final da aula, ele se dirigiu demaneira ostentosa e determinada àmesa do sr. Watson. Ninguém deveria pensar que Nick tinha algo aesconder.
—VocêsabecomoJamieestá?—abocadeNickestavaseca.—Euquisligarparaseuspais,masnãoconsegui.Porissoeupenseiquetalvezvocêpudessemedizer…
— Ele continua em coma induzido— disse o sr. Watson. — Mas ascoisas não estão mal. Seus quadris estão sarando bem. O que maispreocupaéalesãonacabeça,essascoisaspodemdeixarsequelas,masissovocêsabecomcerteza.
Nadanovo.NickagradeceuesaiudasalaenquantolançavaparaEmilyumbreveolhar,queelanãorespondeu.ElabatiapapocomGloria,acenouparaColin e ignorouNick.Hádiasque elesnão trocavammaisnenhumapalavraeVictortambémnãoentrouemcontato.Nickchecavaseucelulartodahoranaesperançadeum SMS comumconviteparaaCromerStreet.Emvão.
O próximo tempo era vago. Aquilo pelo qual ele tanto se alegrava nocomeçodosextoano,asmuitashorasvagasentreasaulas,agoraodeixavaaflito.Nãohavianinguémcomquemelepudessepassarotempo.
Poroutro lado, talvez issonemfosseverdade.Haviamilhõesdetemasalém do Erebos sobre os quais ele certamente podia conversar com osoutros, fossem eles jogadores ou não. Jerome, por exemplo, que estavasentadomaisàfrente,agarradoaumalatadeRedBull.
—OiJerome.Tudobemaí?—Hmm.— Você foi ao último treino do basquete? Eu faltei, mas dessa vez
mandeiume-mailparaoBethanny,paraelenãodarataquedenovo.—Bemespertodasuaparte—Jeromefechouosolhosedeuumgolena
bebida.—Eentão,vocêfoi?—Sim.—E?—Foibacana.Nickdesistiu.IrfalarjustocomJeromenãohaviasidoumaboaideia,ele
não costumava falar muito, mesmo. Como se cada palavra lhe custassedinheiro.
— Então até logo — disse Nick e subiu novamente. Ele tinha queencontrarumamaneiradematarotempo.
Nocaminhoparaabiblioteca,Ericodeteve.—Vocêtemumminutinho?Nicknãopodiaevitar,sóavisãodeEricjádespertavaciúmesnele.Todo
seuporte,tãosensato,tãoadulto…—Sim?—perguntouNick.
— Eu estou preocupado com Emily. É possível que agora ela estejajogandoojogodevocês?
Nicksorriu.ElanãohaviacontadoaEric.—Nãotenhoideia.Naverdadeeunãoestoumaisjogando,sabe.—Ah,é?—Ericlevantouassobrancelhas.—Ficocontenteporvocê.Nick tinha uma resposta atrevida na ponta da língua.E a você, o que
importa?Masaengoliu,poistalvezEricpudesseajudá-lo.—Sim,éoqueeuandoachandotambém.Oproblemaéqueeuqueria
falarcomalguns…envolvidos.Seiqueeunãosouoúnicoex-jogadoraqui,maseunãoconsigoteracessoaosoutros.
Ericfranziuoslábios.—Issoosurpreende?Porqueelesdeveriamconfiaremvocê?Vocênão
podesequerprovarquesaiudoErebos.Haviaalgumaverdadenisso.Mas…—Sevocê lhesdissessequeelespodemconfiaremmim,comcerteza
elesofariam.—Talvez.Masvejabem,Nick,eumaloconheço.EuseipeloJamieque
vocêmudoumuito. Não posso simplesmente colocar a mão no fogo porvocê.
Incrível. Eric era simpático atémesmo quando negava algo a alguém.Nickiniciouumanovatentativa.
—Eu gostaria de fazer algo contra oErebos. Eu estive lá, conheçoosmecanismos.Amaioria,pelomenos.Maspor trásdo jogohámuitomais.Precisodescobriroqueé,eparaissoeuprecisodemaisinformações.
Ericlevantouosombroscompesar.—Euentendomuitobem.Masprometiàspessoascomquemfaleique
nãodirianadaevoucumprir;vocêprecisacompreender.“Todosestãofechadoscomoostras,nãoimportaemqueladoestejam”,
pensouNick.—Tudobem—disseele.—Entãocadaumlutaráporsimesmo.AideiadeaparecernacasadeVictorcomasmãosabanandodapróxima
vezopressionava.Quemmaiselepoderiaprocurar?Darleen.Jáestavafora.Alémdisso,elahaviamencionadoumMohamedeumJeremyquehaviam
recebidocartascomameaças,masissonãosignificavanada.Aishatambémhaviarecebidoumaeelacontinuavajogando.Gregcomcertezaestavafora,masnãofalavanada.
Nick iriaapostaremDarleen.Elanãoparecera intimidadaou fechada.Após procurar um pouco, ele a encontrou na cantina e a levou, sob asrisadinhasmaliciosasdesuasamigas,paraocorredordoladodefora,ondeestavamaissilenciosoeelepoderiaterumavisãogeraldo local.NadadeColin,nadadeDan,nadadeJerome.
—Vocêdenovo—disseelaesorriu.—KellyeTerezaestãomortasdeinveja.
“ElabemquecombinariacomJamie,mesmo”,pensouNick.—Podemeescutar,Darleen?—aproximou-secautelosamente.—Você
dissequenãoestámaisjogando.Vocêmefazumfavor?Conte-mealgumasdascoisasquevocêfezenquantoestavadentro.
Elapareciainsegura.—Masvocêmesmonãodissequeeudeveria fingirqueo jogo jamais
existiu?Nickolhounovamenteaoseuredor.—Falearespeitosódessavez.Comigo.—Eleouviupessoaschegando,
pegouDarleen pelamão e a levou a uma sala vazia. Fechou a porta e serecostoucontraela.
—Oquequersaber?— Quais missões você cumpriu, por exemplo. Alguma coisa especial
nelas?ElapensouenquantoexaminavaNickpelos cantosdosolhos, comose
nãotivessecertezasepoderiaconfiaraeletaiscoisas.—Vocêaindaselembradosnotebooksroubados?—Sim,claro.—Euestavalá.Eudeicobertura.Sealguémtivesseseaproximado,eu
teriaquedaroalarmepelocelular.Masnãoconteissoaninguém,porqueeuvounegartudo.
Nicktentavaassimilarainformação.—Vocêsabeoqueaconteceucomosnotebooks?
—Não,maseupossoimaginar.Achoqueeleseramparaaspessoasquenão podiam entrar no jogo por não terem um computador próprio.DesconfioqueAishatenharecebidoum.
Issofaziasentido,porémnãoajudariaVictorcomoumapecinhadeseuquebra-cabeça.
—Algomais?—MeuDeus,comovocêécurioso—elasuspirou.—Sim,eucopieiuns
documentosqueeuretireideumalatadelixoemKensingtonGardens.Masnãomepergunteoqueeraexatamente.Coisajurídica,ummontãodepapel.Eunãoentendiumapalavra.
Nickdariatudoparapoderveratal“coisajurídica”.—Algomais?Vocêameaçoualguémalgumavezou…destruiualgo?Agoraoolhardeladesvioudoseu.—Não.Maseuseiaqueserefere.Não,nãofiznadadisso.Orestodas
minhas missões foram coisas inofensivas. Fiz trabalho de pesquisa paraalguém,compreicartãodecelular,coisasassim.
—Eporquevocêfoieliminada?— Porque a doida da minha mãe bloqueou a internet por três dias.
Depoisdisso,oMensageiroachouqueeunãolhedavamaisvalor.Nãoéumdesaforo? Eu ainda poderia chorar de raiva! Como se tivesse sido culpaminha.
—De acordo. Obrigado—disseNick.—Vocême ajudoumuito,masacho que é melhor ir agora antes que um dos vigilantes das regras nosencontreaqui.
Elaassentiu.—Coisinhamaisdoidaessa,não?Vocêachaquenósjánosencontramos
algumaveznojogo?Nicksorriu.—Nãosei.Comovocêsechamava?Primeiroelahesitouumpouco,depoisdeudeombros.—Samira.— Ei, então nós nos encontramos de verdade! Você era umamulher-
gato,nãoera?Evocêestavaláquandoeuentreipelaprimeiravez!
—Sério?Vocêeraquem?Nickaindasentiuumapontada,emalgumlugarbemlánofundo,aose
referiraseuoutroeudopassado.—Sarius—respondeu.—EueraSarius.
27
Porfimerafinaldesemana.EcomeleoconvitedeVictorchegara.Todosiriampassaranoiteemseuestúdio,comoelechamava.
—Jogar,baterpapo,tomarchá—disseeleaotelefone.—Vocêprecisavirdequalquermaneira.Eudescobriumascoisasótimas!
—Que bomque você está andando compessoas novamente—dissesuamãequando ele lhe contou seusplanos.—Nosúltimos tempos vocênãotemsaídodaescrivaninha.
Com saco de dormir, esteira isolante e um enorme estoque desalgadinhos, Nick saiu. Ele devia parecer uma figura esquisita. Em cadacruzamento, cada esquina, olhava várias vezes ao redor para verificar seninguémoperseguia,alémdepegardesviosinacreditáveisnometrôparadespistareventuaisseguidoresinvisíveis.
—Bem-vindo,amigo!—Victorabriuaportaelevousuascoisas.—Hátantotempoqueeunãodouumafestadopijama!EsperoquevocêdigasimparaocháeoláparaEmily!
Emilyestavasentadanomesmo lugarquedaúltimavez.QuandoNickentrou,elaolhourapidamenteparacima,apontouparaseunotebookcomosinaldedesculpaeconcentrou-senovamentenojogo.Atrásdelahaviaumsacodedormirapoiadonaparede.Seráqueelatambémiriapassaranoite?
NossofásmulticoloridosjáestavamSpeedyeumameninacomcabelostingidosdepreto-carvãoeraspadosnaslateraisdacabeça.
—Kate—Speedyaapresentou.—Minhanoiva.—Muitoprazer.
Kate sorriu exibindo seus incisivos adornados com imitações dediamantes.
—Estánasuahora,Speedy—disseVictor.—Evocêjásabe,nadadebancarocampeão.
— Eu não sou idiota, não — resmungou Speedy e se retirou. Ele sesentouemumcomputadordiferentedodaúltimavez.
—Temqueserassim—explicouVictoraoperceberoolhardeNick.—AprimeiracoisaqueoprogramaverificacomcertezaéoendereçoIP.Seeleo reconhecer, não deixará você ver nemmesmo omenor pinheirinho dasequênciadeabertura.
EntãoNicknãoestavatãoerradocomsuaideiadepegaremprestadoonotebookdeFinn.
—Comofoisuamissão-grafite?—Ah.Foibem,até—VictorcolocousobreamesaumaxícaraparaNick
noformatodeumpolvo,quecruzavahostilmentedoisdeseustentáculosformandoumaasa.—Euacheiopapelzinho, fui atéoendereço,pichei eninguémmepegou.
Victortiroudocaminhoalgumasrevistasdecomputadorepuxouumafoto: um muro de uma casa onde se lia “Quem nossos sonhos rouba, amortenosdá”emtrabalhadasletrasazul-escuras.
—ÉumditadodeConfúcio—explicouVictor.—QuemprogramouoErebosgostamuitodeditados.
Nickdeveterparecidointrigado,poisVictorsorriudeleve.—Familiarize-secomaideiadequeoErebosnãoseinventousozinho.
Háalguémaíqueescreveuumcódigofonte,comocomqualquerprograma.Sóqueesse aí éo campeãodosprogramas.Umacoisa inexplicavelmenteincrível.
NickpoderiajurarqueVictorestavacomosolhosmarejados.—Vocêsabeháquantosanossetentaescreverumprogramaquefalee
pense como um ser humano? Quanto você acha que vale um programadesses?Milhões,Nick!Bilhões!Masnósrecebemoso jogodegraça,comoumbrindedeumacaixadecereal!Porquê?
Nickjamaishaviapensadoporessaperspectiva.Desdeocomeço,ojogo
parecerapara eleumapessoaviva sobre cujovalor financeiro elenão seperguntara.
—Porque…elepossuiumobjetivo?—retomouaperguntadeVictorefoirecompensadocomumolharexultante.
—Exato!Eleéumaferramenta,amaiscaraesofisticadaferramentadomundo!Eumeajoelhocomhumildadeeadoraçãodiantedeseucriador—eletomouumgoledechá.—Alguémquerealizaumacoisadessasnãofazinsinuações por acaso. O que ele está nos dizendo então, ou melhor,dizendoaodesconhecidodonodagaragem?
Quemnossossonhosrouba,amortenosdá.—Queelequermatá-lo?Ouqueooutrooestáameaçandodemorte?—Exato.Paramimsoacomoumaadvertência.Emtodocaso,nãoéum
ditadoqualquer,assimcomocertamentenãoeraumendereçoqualquer.VictoresmigalhavaumbiscoitoenquantoNickestavaquaseexplodindo
deimpaciência.—E?Quemmoralá?—Poisé,infelizmenteissonãotemnadadeemocionante.Umcontador,
divorciado, sem filhos, gerente pleno de uma empresa de exportação dealimentos.Nãosepodeimaginaralgomaisbanal.Mas,obviamente,navidaprivadaelepodeserumverdadeirodemônio.
Umcontador.Issorealmentenãoeraemocionante.—Evocêencontroupeçasqueseencaixem?—perguntouVictor.— Temo que não. Só achei uma ex-jogadora disposta a falar.—Nick
relatouasmissõesdeDarleen:oroubodoscomputadores,osdocumentoscopiadoseocartãodecelular.Victoranotoutudo.
—Quemsabe,talvezumdianósdecifremosisso—disse.—Vamosnosdedicar às insinuações escondidas no jogo. Talvez elas nos revelem algomais.Vocêébomemhistóriadaarte?
Uia.Nicknegoucomacabeça.—Desculpe,masvocêestáfalandocomapessoaerrada.—Tudobem.Entãocomecemoscomornitologia.Oquelhedizapalavra
hortulano?—HortulanoéoinimigoqueosjogadoresdoEreboscombatem—disse
Nick,contenteporfinalmentesaberumaresposta.—Certíssimo—Victorenrolouapontadeseubigodeentreosdedos,e
agoraelepareciaummágicoantesdetirarseucoelhodacartola.—PossolhemostrarumafotodoHortulano?
Haviaumafoto?—Claro,querover—disseNick.Victorpegouumoutronotebookqueestavaaliperto.—EsteaquiestátotalmentelivredoErebos.Issosignificaquecomele
podemos acessar a internet sem que o programa perceba e puxe nossotapete.—Eleabriuolaptop.—Pronto,eagoraprocureporhortulano—disse.
Nick digitou a palavra noGoogle. O primeiro resultado o levava até aWikipediaeeleclicounolink.
—Masquebobeiraissoaqui—constatou.Hortulano nada mais era que o nome de um escrivão, ou de um
passarinhoconsideradoiguarianaItáliaenaFrança.— Extremamente desconcertante, não? — murmurou Victor. —
Infelizmenteeutambémnãodescobrioqueosr.Programadorquerdizercom isso. Que ele quer nos dizer algo eu não tenho dúvida. Eu descobrimaisumacoisa,tenhocertezadequevocêvaigostar.
Victor batia palmas como uma criança diante de uma torta deaniversário;colocouseusdedoscheiosdeanéisdecaveirasobreoteclado,masmudoudeideia.
—Não,primeiroeuquerolheperguntaralgo.Vocêesteveemumadaslutas na arena?Há umamarcada para amanhã demadrugada e todos osheróisjáestãosemijandoemsuascalcinhasdemalhadeferro.
Nicksorriu.—Sim,euestiveemumalutanaarena.Asegundaeuinfelizmentenão
vi.Éumacoisaemocionante,vocêverá!—Excelente.Certamentevocê tevequese inscreverantes,não?Diga-
mecomquem.Victoramavacharadas,semdúvidas.—Na segundavez,na arenamesmo, comomestrede cerimônias.Na
primeiravezcomalgumsoldadonaTabernadeÁtropos.OsorrisodeVictordeulugaraumacômicaexpressãodeperplexidade.—VocêestádizendoÁtropos?—Sim,edaí?— Onde é que isso vai parar?! — gritou Victor com um desespero
forçado.—Ascriançasnãoaprendemmaisnadanaescola!Diga-mepelomenossealgolhechamouatençãonessemestredecerimônias.
—Elenãoseencaixavanojogo.Nãopareciacomosoutrospersonagens,e sim…eleparecia falso,dealgumamaneira.Euo chamavade “ograndeOlhoEsbugalhado”.
Victorseentretinhamajestosamente.—Muitobom,muitoadequado.Maselenãolhepareceufamiliar,oOlho
Esbugalhado?— ele arregalou os olhos, tentando imitar a expressão dopersonagem.
—Não,desculpe.—Entãoolheaqui.Victor digitou o endereço no navegador e a página do Museu do
Vaticanoseabriu.MaisdoiscliqueseelevirouonotebookdemaneiraqueNickpudesseenxergarmelhoromonitor.
— Aqui está o seu Olho Esbugalhado. Pintado por Michelangelopessoalmente.
DemoroualgunsinstantesatéNickseorientar.OqueVictorestavalhemostrando era uma pintura gigantesca, na qual centenas de figuras seacotovelavam.AocentroestavamJesuseMaria,eaoredor,sobrediversasnuvens, encontravam-se pessoas seminuas. Mais abaixo alguns anjossopravamsuastrombetaseoutrosanjospuxavampessoasdochãoparaocéu.Namargeminferior,pessoassecontorciamnalamaeali,umpoucoàdireitadocentro…aliestavaele.Omestredecerimônias,exatamentecomoNickoconheciapeloErebos.Nu,excetopelatanga,comoestranhotufodecabelo na cabeça e o longo cajado que ele brandia atrás de si, como sequisessebaternaspessoasqueviajavamemseubarco.
—Sim,éele!—Nickgritou,agitado.—Sabecomoelesechama?
—Não.Victorselevantouefezumaexpressãoimportante.—EsteéCaronte.Obarqueiroque,namitologiagrega, levaosmortos
emseubarcopelorioEstigeatéoreinodeHades.Nick examinou melhor a foto e estremeceu involuntariamente. Nela,
Caronteestavaerasurrandoosmortosaolongodorio.—ValecitartambémospaisdoseuOlhoEsbugalhado.Caronteéofilho
deNix,adeusadanoite…edeErebos.Nicksacudiuacabeça.—Eoqueissotudosignifica?—Difícildizer.Mastalveznóscheguemosmaispertoseexaminarmoso
títulodaobra-primadeMichelangelo.Veja!—eleindicoucomocursordomouseaspalavrasembaixodafoto.
MichelangeloBuonarottiOJuízoFinalCapelaSistina
—EmOJuízoFinal,Deusseparaossalvosdoscondenados—disseVictor.—Nãoéexatamenteumabelaimagem.Eeumeperguntoseojogonãofazalgo semelhante. Uma seleção. Por qual outro motivo ele eliminaria tãoimpiedosamenteaquelesquefracassamemsuasmissões?
—Issonãoémeiolouco?Victor aumentou a foto com mais alguns cliques, de maneira que as
feiçõesdeCaronteficassememdestaque.—Podeser.Mas,sobretudo,issofoipensadoatéoúltimodetalhe.Oque
vocêdisseantes?A lojanaqualvocêseregistrouparaa lutanaarenasechamavaTabernadeÁtropos?
—Naverdadeelasechamava“AoÚltimoCorte”—especificouNick.— Ah, rapaz, meu pobre rapaz cego!— Victor gritou teatralmente e
digitounovamente algo.—Olhe aqui: Átropos é umadas trêsmoiras, asdeusas gregasdodestino. Ela é amais velha e amaishostil, sua tarefa écortar o fio da vida dos homens. “O último corte”— e, com um suspiro,
Victor fechou o notebook. — O jogo nos dá dicas bem claras. Oprogramador tem uma grande queda por mitologia grega. Isso, por umlado.Cadaumdossímbolosqueeleutilizatemavercomperdiçãoemorte.Isso,poroutro lado.Tudocombinadocomagenialidadedoprogramaeocaráterviciantequeelepossui,ai,ai,ai.Umbarrildedinamiteembaixodomeutraseiromeinquietariamenos.
Contudo, Victor não parecia estar inquieto, e sim altamente satisfeito.Elepreencheusuaxícaradecháerecostou-senovamente.
—Então tá—disseNick após os dois ficarem em silêncio por algumtempo.—Masoquefaremosagoracomnossasdescobertas?
— Vamos curtir por sermos tão espertos — disse Victor. — E ficaratentosaoutrasdicas.Algumahorasurgiráumacomaqualnóspossamosfazeralgo.
NickpassouameiahoraseguinteassistindoSpeedy tornar-seQuox,obárbaro,natorre.VictorlhehaviadisponibilizadoumblocoeumacanetaeNick anotava as informações que descobria na torre. As placas eram decobre,issosignificariaalgo?Eleanotavacadafrasequeognomoproferiaebuscava mensagens subliminares. Kate o ajudava apontando riscos naparededatorre.Nickosdesenhava.Estariaescondidoaliumaimagem,umplano,umnome…algo?
Victor estava sentado novamente em seu computador e moviaSquamato com sua espada brandindo pela planície descampada. A cadadoispassossurgiamdochãoaoseuredorvíborasdaalturadehomens,quetentavam dar botes e desapareciam novamente sob a terra. Mas Victorpareciadispordeumsextosentido,pois sempredesviavadelasenão foimordidoumaúnicavez.
Neste ínterim, Hemera se encontrava junto a uma fogueira commaisquatroguerreiros,entreelesNurax,econversavasobrealutanaarenaquese aproximava. Nurax contava que estabelecera como meta pelo menosmaisdoisníveise,setudocorressecomoplanejado,eletentaria inclusivebatalharporumlugarnoCírculoInterno.
Emily se balançava inquieta em sua cadeira. Nick presumiu que elaficasse nervosa com ele a observando pelas costas. Ele se retirou
novamente para o quarto ao lado com suas anotações, sentou-se no sofárosa com veleiros e abriu o notebook que Victor afirmara estar limpo. Aideiadequeseuprópriocomputador,emsuacasa,nãoestivesse,causou-lheinquietação.TerásidoporissoqueEmilyinsistiuqueelenãolheenviassee-mailsdejeitonenhum?
Seeste computadoraquinãoestava sendomonitoradopeloErebos, oqueaconteceriaseNickprocurasseporelenoGoogle?
Ele digitou “Erebos”, e encontrou o link “Erebos — o jogo”, que daúltimavezlhehaviaexibidoumaadvertência,dedicadaaelepessoalmente.Eleclicounolinkeotextoqueapareceueratotalmentediferente.
Alegria,maisbelofulgordivino,FilhadeElíseo,ÉbriosdeentusiasmoentramosEmteusantuárioceleste!TeusencantosunemnovamenteOqueorigordamodaseparou.TodososhomensseirmanamOndepairateuvoosuave.
Sacudindoacabeça,Nick fechouapáginanovamente.Aquiloeleconheciada sinfonia de Beethoven. O texto não fazia o menor sentido. Devia serapenasumtextogenéricoparaeventuaisnãojogadoresquepassassemporali.Tantofazia.Continuariacomapesquisa.
NickabriuoGoogle edigitou “placade cobre”,masapenasencontrouummonte de empresas que fabricavam placas e lâminas de cobre; alémdisso,asplacasdecobretinhamaparentementealgoavercomaimpressãodeimagensemlivrosantigos.Aquilofoi,aparentemente,umtironaágua.
A combinaçãode “cobra” com “mitologia grega” foi a próximaque eletentou. Na tela apareceu a Hidra com suas nove cabeças. As cobras deVictor,noentanto,sótinhamuma.HaviaumacobraenroscadanocajadodeEsculápioeoutraguardandooOráculodeDelfos.Nenhumaquesaltassededentrodochão.Porenquanto,ascoisasiammal.
Oquemais?Nickdeuumaolhadanasalaaoladopelaportaentreaberta.
Todosestavamconcentradosnojogo,apenasKatefaziabarulhonacozinha.Ele foi ver se ele poderia ajudá-la,mas ao chegar os dois tabuleiros compizzajáhaviamdesaparecidodentrodoforno.
— Diga uma coisa, qual é mesmo o sobrenome de Victor? — eleperguntou.
— Lansky— Kate virou o botão de temperatura mais ummilímetroparacima,suspirouevoltouabaixá-lo.—Fornosqueeunãoconheçosãohorríveis,minhaspizzasficamcruasouqueimadas.Eusóesperoquevocêgostedepresuntoitalianoecebolaaosmontes.
— Ah, com certeza. Obrigado.— Nick voltou para seu sofá e digitou“Victor Lansky” no Google, encontrando um Victor Lansky no Canadá eoutro em Londres. Bingo. Victor era tudo menos uma figurinhadesconhecida na cena de jogos de computadores: ele publicava inclusiveuma revistinhade jogosque, apesarde sair irregularmente, possuíaumaboafama.Ah,ehaviamaisumacoisa:umcertoZobbolinoescreveuemsuapáginaqueeraamigodofamosoenotórioVictor.
EueVictortemoslembrançasvaliosasdeumaépocaemquenenhummuroouvagãodetremestavamprotegidosdenossaarte.Picharounãopichar,essanuncafoiaquestão.Nóséramososdeusescoloridosdacenadografiteesenãotivessemnospegadodessavez,nósteríamoscontinuadodandocoresaLondres.
Nickleutodootextoalgumasvezes.EstavabastanteclaroqueVictorjáseenvolveracompichaçãoequeforaflagrado.Erebospodialereexigiaquetodos se registrassem com seu nome verdadeiro. Provavelmente, elerealizavapesquisassobrecadanovato.Uau.
Erebosobtém informaçõesna internet, anotouNick. Isso até agora nãohavíamosimaginado.Dainternetinteira?Comtodacertezaeleinvestigavaodiscorígidoetalvezatémonitorasseaspáginasacessadasnarede.Por issoqueojogoétãoonisciente.
Seissoeraverdade,eledeviaterlidotambémohistóricodomessengernocomputadordeNickeanalisadosuaconversacomFinn.PorissoqueelesabiatambémsobreacamisadoHellFrozeOver.
Nick gostaria de ter falado sobre suas considerações com Victor,masSquamatoestavamuitoocupadonomomentoescalandoummurogigante.Impaciente, Nick bebeu duas xícaras de chá, que àquela altura já estavagelado.Aterceiraelederramouaopegarobloconovamenteparaverificarsuasanotações.
— Droga! — Tirou dali o notebook, cinco quilos de revistas decomputadoreseusapontamentos,queestavammolhadosdechá.
—Ih.Problemasaquitambém?—Emilyestavaparadanaportacomumsorrisocansado,seusolhosestavamavermelhados.
—Sim,eusoutãodesastrado;espere,euvoupegarumpanorapidinho.—Nickvoouatéacozinha,procuroueencontrouumrolodepapeltoalhaecorreu de volta. Com lenços de papel, Emily tentava evitar que o chárespingassenochão.
—EcomovaiHemera?—perguntouNick,secandoagitadamente.— Ela está com um ferimento na barriga e outro na perna. O ruído
estavaquase impossíveldeaguentarcomos fonesdeouvido—Emily sejogounosegundosofámaisfeioebocejou.—Euprecisourgentementedeumcafé,masVictornãotememcasa.Hojeeuaindatenhoquecumprirumamissão,porsortenadadifícil.Maséalgoqueeunãogostodefazer—elabocejounovamente.
—EuvoualinoStarbucksetragocafépravocê—ofereceuNick.—Masémuitolonge—disseEmily,eaindanomesmofôlego—euvou
junto.Estoumesmoprecisandodearfresco.Edeumacabinetelefônica.—Paraumamissão?Elaassentiu.— Qualquer cabine. Isso significa que pelo menos eu não precisarei
atravessarLondresinteira.Porcautela,Nickjáhaviaespiadoaescuridãopelajanela,semencontrar
nadadesuspeito;agora,naporta,eleolhavaminuciosamenteaoseuredor.— Se há alguém aqui nos espiando, esse alguém está se escondendo
muitobem.ElesandaramaolongodaCromerStreeteviraramnaGray’sInnRoad,
queaessahoraaindaestavamovimentada.Emilysempreolhavaparatrás
quandogruposde adolescentes cruzavam seu caminho.A afliçãoos faziaavançarmaisrápido.ElesalcançaramaestaçãoKing’sCross,ejásepodiamverasprimeirascabinestelefônicas.Emilydeteve-sepoucoantesdechegarlá.
—Nãopossofazerisso—constatoucomsobriedade.—Nãopodeoquê?— Ameaçar alguém por telefone— suplicante, ela levantou os olhos
paraNick,comoseesperassequeresolvesseseudilema.—Eunãopossosequertentarsoarsimpáticaporqueeujárecebiotextoescrito.
—Oh.Issoédesagradávelmesmo—disseNickcomplenaconsciênciade ter falado muito devagar. — Mas veja assim: isso é para fins deinvestigação. Você não quer dizer aquilo. Você está fazendo isso parapodermosirnoencalçodoErebos.
—Sóqueminhavítimanãosabedisso—sussurrouEmily.—PenseemVictoreemseuditadodoConfúcio.—MinhamensageminfelizmentenãoédeConfúcio.Comcertezanão—
comumaexpressãosorridente,Emilysedirigiuatéacabinetelefônica.—Deixe-meresolverissologo—murmurou,epegouunstrocados,seuiPodeumpedaçodepapelemsuabolsaatiracolo.
—ParaqueoiPod?—Eutenhoquegravaraconversa.Eenviar.Comosejánãofosseruimo
bastante.Nick olhou para ela discando e fazendo uma careta de desespero
enquantoligavaseuiPodeomantinhajuntoaofone.Assimqueosinaldediscagemsoou,elafechouosolhos.Nickouviuquandoalguématendeudooutrolado.
—Aindanão acabou—disseEmily comuma voz cavernosa.—Vocêjamais terápazoutravez.Elenãoesqueceunada.Elenãoperdoounada.Vocênãosairádessaileso.
—Quemestáfalando?—Nickouviuumhomemgritandodooutroladoda linha. — Eu vou mandar a polícia atrás de vocês, seus malditoscriminosos!—depoisnãoseouviumaisnadaalémdeum“Malditos!”emvozbaixaeosinaldeocupado.Emilycolocouofonenoganchocomamão
trêmula.—Achoquenãoestoubem—disseela,seca.—Quemerdaasquerosa.
Eujamaisfareiissonovamente.Eagoraprecisodeumcafé.ElesencontraramumcantinhocalmonoStarbucksdaPentonvilleRoad.
Emilypediuumcappuccinoduplocomdoseextradeexpresso.Nick fezomesmoepediuaindadoismuffinscomgotasdechocolate;ficoufelicíssimoporelatê-lodeixadopagar.
—DeondevocêconheceVictor?—eleperguntouapóselatercomidometade de seu muffin e soprado sua xícara, pois o café ainda estavafervendo.
—EleeraumamigodeJack—elasorriucompesar.—Victordizcomnaturalidade que ele é um amigo de Jack, que um afogamentozinho nãopodeestragarumaamizadeverdadeira.
Antesmesmodesaberquemexatamenteeleera,NickcolocousuamãosobreadeEmily.Elanãoaafastou;pelocontrário,entrelaçouseusdedosnosdele.
—Victormeajudoumuito.Elemeadotoucomoumairmãcaçula.—Eleéomáximo—disseNickdetodoocoração.Nãopôdedizermais
nada,poistinhaasensaçãodequeaqualquermomentoirialevantarvooeflutuar.Paradisfarçarsuatimidez,elebebeuseucafé,quefinalmentehaviaatingidoumatemperaturaamena.
— Vamos ter problemas com Kate— ele constatou.— Estamos nosentupindodemuffinseelaestálá,fazendopizza.
— Eu consigo comermuffins e pizza sem nenhum problema— disseEmily. — Aliás, Victor também. Não se preocupe. Mas mesmo assim, émelhornós já irmos.Primeiroporquea essahora lugarnenhumémuitoconfiável,segundoporqueeuqueroprocurarotelefonedaminhavítimanoGoogle.
Lá fora,EmilysegurouamãodeNick,comose fosseonormala fazer.Aquelaregiãoerarealmentedesapropriadaparapasseiosromânticos,masnoquedependessedeNick,aquilopoderiaduraranoiteinteira.
Só haviam sobrado alguns pedaços da pizza quando eles chegaram ao
apartamentodeVictor.Kateergueuosombrosemumpedidodedesculpas.—Victor.Eledizqueumgênioprecisasealimentar.Alimentar-semuito.
Masaindasobroumeiapizza.Evocêsaindapodemcozinharmacarrão.Elesrecusaramcomumgesto,pegaramorestodapizzaeabriramuma
lata de amendoins. O sofá de rosas e navios havia se tornadorepentinamente o lugar mais lindo do mundo. Nick abriu o notebook edigitounaferramentadebuscaonúmeroqueEmilyditou.
—Nenhumresultado.Infelizmente.— Eu estava praticamente contando com isso — disse Emily. — É
provavelmenteumnúmerosecreto.Umapenaelenãoterditoseunomeaoatender,esimapenas“alô”.
Apalavra “secreto”causoucertacomoçãoemNick.HaviaalgoqueeleprecisavacontaraEmily.Agora.
EleesperavaqueosorrisonorostodeEmilynãodesvanecesse.—Euprecisolheconfessaralgo.Euleiojáháalgunsmesesostextosdo
seublognodeviantART.Seuspoemastambém.Elessãolindos,assimcomoseusdesenhos.
Elatomoufôlego.—Comovocêsabequesãomeus?—Disseram paramim um dia. Por favor, não fique brava. Você deve
estarrealmenteconstrangida.Elaolhouparaolado.—Quepena.—Comoassim“quepena”?—Porqueeupreferiaterlhemostradoeumesmaoblog.Algumdia.—
Ela encostou a cabeça em seu ombro e bocejou. Nick, que dançava pordentrodetantoalívio,reparousóagoraqueVictorestavanaporta.
— Está havendo um abraço grupal lá na fogueira— disse. — Entãopensei emver comovocês estão.Masaqui tambémestá acontecendoumaconchego,hein?—Eleselargounosofáàfrentedeles.
Emilycontousobresuamissão.— Eu ameacei uma pessoa completamente desconhecida. Vai saber o
queelaestápensandoagora.Talvezelanãotenhanemideiadoqueaquilosetratava.
—Oqueexatamentetevequedizer?Vocêaindaselembra?EmilyentregouopapelzinhoaVictor.—Aindanãoacabou.Vocêjamaisterápazoutravez.Elenãoesqueceu
nada. Ele não perdoou nada. Você não sairá dessa ileso. — Victorliteralmentevibravadenervoso.—Que loucura.Bem,deixe-me resumir:um certo ele está muito furioso com seu interlocutor, Emily. Eu poderiaapostar que ele gostaria de vê-lo no barco de Caronte ou de mandarÁtroposcortarseufiodavida.
Emilypareciaconfusa,oquedeuaVictormaisumavezaoportunidadedeostentarseusconhecimentosgerais.
—Infelizmenteessetelefonenãodeveserododonodaminhagaragem.Do contrário poderiam ter enviado a ele uma advertência simpática —Victor procurou chá na chaleira, não encontrou e fez beicinho. — Seperguntaremamim,achoqueoErebostemapenasumobjetivo:vingar-sedealguém.DeHortulano,nossopassarinhocantor.
—Poisbem,garagenspichadasetelefonemasdúbios:nãoébemissooqueeuentendoporvingança—observouNick.
—Eumeadmirariamuito se ficasse sónisso—disseVictor.—Achoque me lembro de você ter me contado algo a respeito de um revólvernumacaixadecharutos.
Nicksesentiuficandofrio,quenteefriodenovo.—VocêachaqueoErebosquerqueatiremosemalguém?—Ébastantepossível.Seeunãomeengano,ojogoestáformandouma
tropadeeliteparamissõesespeciais.—Victorsorriu,masdessaveznãopareciacontente.—SeriabomsaberquemsãoosmembrosdesseCírculoInterno.
OCírculoInternogiroupelapróximameiahoranacabeçadeNickcomoumarodade fogo.Umatropadeelite.Umcomandodevingança.Mascomqualmissão?
ApósVictor ter voltadoparao jogo,Nick eEmily foramaté a cozinhacolocarmaiságuaparafazerchá.
—Vocêjávaivoltar,nãoé?—eleperguntou.—Agoraquesuamissãoestácumprida.
—Amanhã cedo. Quero estar presente na luta e na arena… talvez eupossa chegar a algumas conclusões. Que droga não sabermos quem seescondeportrásdosnomesdosjogadores.
EladespejouaáguaferventesobreasdeliciosasfolhasdechádeVictor.—Aliás,temalguémnojogomuitoparecidocomvocê.
—Eusei.Aquilome incomodavaotempo inteiro,masoqueeupossofazer?
Emilysorriu.—Euachoaimagemdelebastanteagradável.Devoltaaosofá,elecontouaEmilyahistóriadeSarius.—Eleeralegal,sabe?Rapidíssimocomaespadaeumótimocorredor.A
partirdonível5eudeiumarasteiraemtodomundo.—Porquevocêfoieliminado?—Porcausadosr.Watsonesuagarrafatérmica.—Nickcontousobre
suatarefaesobreelequasetê-lacumprido.—Foibemporpoucomesmo,euestavamuitotentado.
Emilysesacudiucomoseestivessecomfrio.—Ojogosedefenderealmentebemdeseusinimigos.Vocêachaquea
históriadeEriceAishasurgiuassimtambém?Nickaolhoudelado,masnãoviunadaalémdeuminteressesério.—Épossível.Atémesmoprovável.—Temosqueprestaratenção,Nick.Principalmentevocê.Colinnooutro
diafezumcomentárioestranho.“EstánahoradecortarobaratodeNick”,poucodepoisdevocêsterembrigadonacantina.Nãoosubestime.
“Sim”, pensouNick, “mas Colin também gosta de abrir demais aquelaboca”.
ElacolocouchánaxícaradeVictorealevouparaeleatéocomputador.Squamato estava conversando com Beroxar sobre as vantagens dosmachadosemcomparaçãoàsespadas.
Beroxar.Nickpegouumacanetaeumpedaçodepapel.BeroxarestavanoCírculoInternoantesdeperderseulugarparaBloodWork,eleescreveu.
Victorlevantouopolegar.Anoiteentroupelamadrugada.Emilydesfezsuamochilaeentrouem
seusacodedormir.Elesconversaramsobreaspessoasdaescola,tentaramchegar a um acordo sobre qual aluno se escondia atrás de cadapersonagem.Porém,namaioriadasvezessuasopiniõeseramdiferentes.
Poucodepoisdameia-noite,Victorentroucambaleando.—Porhojechega.Estouexausto.Alguémaindatemalgoparacomer?Emilytirouumabarradechocolatecomcremedeavelãdesuamochila
eVictor,comumolhardedesculpa,pegouparasiametade.—Aítemcoisa,viu—disseele,mastigando.—Gnomosportodaparte,todostagarelandosobreumgrandecombateequeahoradaprovaçãoestáseaproximando.
—AchoqueamanhãhaveráumalutaviolentapeloslugaresnoCírculoInterno— disse Nick.— Eu teria tentado uma vaga se não tivesse sidoeliminado. OMensageirome disse que ele poderiame dizer quem era olutadormaisfraconoCírculoInterno.Eleprovavelmentefariaissoseeu…tivessecumpridosuamissão.
Victorassentiucomabocacheiaelevantouumdedo.— Correto! Ele teria lhe dado conselhos para ter você por perto.
Pergunta: por que ele iria querer mantê-lo por perto? Resposta: porquevocêteriaprovadoquepeloErebosvocêpassariasobrecadáveres.Ouqueestavadispostoairparaoxadrez.
NickeEmily trocaramumolhar.AlguémquasehaviapassadosobreocadáverdeJamie.Seráqueessapessoaestariaamanhãsobreaplataformadeouro?
— Passar sobre o cadáver de um professor não é lá grande coisa—murmurou Victor e agarrou o resto do chocolate.— Em outra época euteriavontadedefazerisso,semqueumMensageiroprecisassememotivar.
Emumdadomomento,Victorserecolheuemseuquarto.Emumdadomomento, Speedy parou de jogar e se deitou com Kate em um imensocolchãoinflávelnasaladoscomputadores.
Emumdadomomento,NickeEmilyjuntaramdoissofás,formandoumagrandecama,cujosencostososprotegeramdorestodomundo.
—Boa-noite—sussurrouEmilyedeu-lheumbeijoincrivelmentesuave
edelicado.SeusdedosacariciavamanucadeNick.—Boa-noite,corvo.Eentãoeladeitouacabeçaemseuombroefechouosolhos.Nicksentia
ascócegasdoscabelosdelaemseupescoçoeescutavasuarespiraçãocadavez mais profunda. Ele queria que tudo ficasse como estava agora. Elequeriaficardeitadoaliparasempre.Elequeriaqueomundoparasse.
28
Torrada,geleiaechá.Namanhãseguinte,Victorlhestrouxeocafénacama.—Energiaparaagrandeluta—disseele.Emily agradeceu bocejando enquanto Nick não sabia se o que o
paralisava era o braço adormecido ou a imagemdo roupão de banho deVictor,comaestampadoSnoopy.
Nick vivenciou a luta na arena como num transe. Ele alternava comvelocidade seu ponto de observação entre Emily, Victor e Speedy, queestavamagrupadosemdistintasclassesdeespécies.Comosempre,azonaatribuídaaoshumanosestavaquasevazia.LordNickeHemeraesperavamjuntos no mesmo cômodo e Emily piscou o olho para Nick como seestivesselhedizendoalgo.
Os bárbaros, por sua vez, formavam uma verdadeira multidão; Quoxpareciaseromaisfracoentreeles.Elecontinuavanonível1,masemfacedascapacidadesdeSpeedy,Nicknãosepreocupavamuitocomele.
O mesmo valia para Victor e Squamato. Mesmo se o homem-lagartoadentrasse a arena comoum3, ele provavelmente adeixaria comalgunsníveisamais.
Então, o grandeOlhoEsbugalhadoapareceu.AgoraqueNick conheciasuaorigem,achouomestredecerimôniasaindamaissinistro.Umenviadodasprofundezas.
Com a maior das expectativas, Nick aguardava a chegada do CírculoInterno;segurouofôlegoquandooescudodouradofoilevadoparaaarena.
BloodWork continuava lá, parecendo mais imenso do que nunca. E
tambémaelfonegraWyrdana,queNickconheciadaúltimaluta.Umoutrobárbaro, chamado Harkul, um lobisomem chamado Telkorick, e Drizzel!Drizzelhavia conseguido um lugar no Círculo Interno! Surpreso,mas nãoespantado,Nickviabalançarosímboloredondovermelhodacorrenteemseupescoço.
Antesdecomeçar,omestredecerimôniassurgiunocentrodaarena.— Vejam só os guerreiros do Círculo Interno. Vocês ainda têm a
oportunidade de ocupar seus lugares se provarem ser capazes e sequiseremnofinaldescobrirossegredosmaisprofundosdoErebos.Algunsdevocêstriunfarãohoje,outroscomerãopoeira.Quecomecemaslutas!
Nick não se lembravamais do quanto aquilo era rápido. Um jogadorapós o outro escolhia seu adversário. Já estava na vez de Quox, e ele foidesafiadoporumoutrobárbaro,que tambémeradenível1.Speedyagiurápidoecomprecisãoederrotouseuinimigocomfacilidade.
Hemera derrotou uma mulher-lobo, mas saiu ferida; Emily sofriavisivelmentecomobarulhoquesaíadeseufonedeouvido.
Squamato precisou esperar bastante e sua luta foi muito difícil, poishaviadesafiadoumoponentefortedemaisevenceualutaporumtriz.
Por mais que Nick se esforçasse, não conseguia decifrar nenhumamensagem secreta a partir daqueles eventos: das lutas, das palavras doOlho Esbugalhado, dos rostos dos espectadores. E tampouco descobriuoutras figuras incomunsque justificassemumabuscaporpinturas.A lutana arena era uma matança bastante habitual, nada mais, nada menos.DefinitivamentenãoiriaproporcionarnovasdescobertasaNick.
Nofinaldatarde,apóstodasaslutasjáestaremdecididas,NickeEmilyenrolaram seus sacos de dormir e tomaram o caminho de casa. Hemerahavia chegado até o nível 6, Victor 7, Speedy ganharamais três níveis ealcançouum4,esemtertidoqueresolverumasótarefaatéagora.
— Estamos empacados — constatou Victor enquanto acompanhavaEmilyeNickatéaporta.—Atéqueestamosnossaindobemnojogo,mascontinuamos sem entender os bastidores da história. Se houvesse maistempo,eutentariachegaraoCírculoInterno.Masachoqueessatalúltimabatalhadequetantose falanãotardarámuitoaacontecer.Nãonosresta
muitotempo.Nocaminhoparacasa,empédentrodometrô,Nicknãotirouosolhos
deEmily.— Como será a partir de amanhã? — perguntou ele. — Nós vamos
poder…então,podernosvertambémquandoestivermosnaescola?Vamosalmoçarjuntos?Oucontinuaremoscomosenãotivéssemosnadaaverumcomooutro?
Emilypegousuamão.—Temoqueaúltimaopção.Mas sóaté tudoestar resolvido. Sópara
disfarçar,certo?—Tudobem.VocêvaimemanterinformadoporSMS?Achoquecomos
celulares nós estamos seguros, contanto que fiquemos atentos para queelesnãocaiamnasmãosdeoutraspessoas.
—Podedeixar.Nósnosencontramosdenovoquarta-feira,nacasadoVictor.
Ainda que eles tivessem conversado a respeito e ainda que Nick jáesperasse por aquilo, a indiferença forçada ostentada por Emily doía.Principalmenteporqueperante os outros—Colin,Alex,Dan,Aisha e atéHelen—Emilyagiademaneiraparticularmentealegre.ElaabraçouColinepassou o intervalo com Aisha. Nick quase morreu de saudade. Em dadomomento, ele observou como Eric a abordava e sendo deixado para trásapósalgumaspalavras.Ascoisastambémnãoiambemparaele,pelomenosisso.
Nohoráriovagodepoisdematemática,BrynneinvadiuospensamentosconfusosdeNick.
—Possofalarcomvocêrapidinho?—eleolhouparaseurostopálidoeesperançosoesuspiroupordentro.
—Certo.—Eudesisti—sussurrou.Issosimeraumasurpresa.—Porquê?— Porque… é malvado. Eu acho. E…me persegue, dia e noite— ela
olhouparaolado.—Vocêtambémnãoestámaislá,nãoé?Nickrelutavaparafalarcomelaarespeitodaquilo.—Quediferençafaz?—Umadiferençaenorme.Nóspoderíamosiratéosr.Watsonecontar-
lhe nossa experiência. Eu sei que ele está morto de curiosidade. Nóspoderíamosformarummovimentodeoposição.
Ah,não.BrynneeNickcontraorestodomundo,issonãoiriaacontecer.—Procureoutrapessoapara isso, temummontedeex-jogadorespor
aí.—PelocantodoolhoeleviuDan,queandavacadavezmaislentamenteconformeseaproximava.Elesestavamchamandoatenção.
—Oqueéquevocêquercontaraosr.Watson?—cochichouNick.—Que o Erebos é o responsável pelos incidentes na escola ele já sabe hátempo.Eleprecisaédosnomesdaquelesquefizeramalgodemau.Sevocêostem,procure-o.Eemtodocaso,medeixeforadisso.
Agoraelapareciaperdida.—Eunãoaguentomaisisso.—Issooquê?Vocêestáfora,fimdoproblema.Dan estava parado a três passos de distância deles de maneira
marcadamentediscreta, aparentemente concentradonoquadrodeavisosdaclassedebalé.Nickprecisavasairdali,nãoqueriacontinuarsendoumalvo,nãomaisdoquejáera.Quantomaisdiscretofosse,melhorseriaparaseugrupodeinvestigações.
Brynnenãoaceitousuarecusacalada.—ONickinhoécovarde,é?—disse,tãoaltoqueDancertamenteouviu.
Ealgunsoutrosalunosnofinaldocorredorcomcertezatambém.—Ouça,nãocontecomigo.—disseele,deixando-aparatrás.—Tudobem!—elagritoudelonge.—Entãoeuvoufazerissosozinha!
Euvouconseguir!Vocêsnãomeintimidam!Apesardenãoquerer,Nickvirou-seevoltouparaBrynne.—Fiquequieta!Vocêestáquerendomesmoarrumarproblema,é?Elariuefoiumagargalhadamedonha.Comoseelaestivesseprestesa
enlouquecer.—Problemas?Nick,vocênãofaz ideia…amenorideia.Nãotemcomo
ficarpior,nãomesmo.OrestododiaNickteveasensaçãodeestarcaminhandocomacabeça
encolhidaentreosombros,permanentementenaexpectativadequeumacatástrofe ocorresse. Porém, não aconteceu nada. As coisas estavam atémais calmas do que o normal. A exaustão cobria a escola como um véucinza.
Naauladeinglês,osr.Watsonchegoucomumanovidade.—OestadodeJamiemelhoroutantoqueosmédicosirãoacordá-lonos
próximosdias.Comoeleficaráapósrecobraraconsciência,elesaindanãosabem.Portanto,vãocomcalmacomasvisitas.
Por um breve período a notícia levantou o ânimo da turma. Já Nickficaraestranhamenteimpassível;apalavraimplícitasequelasestavamuitocravada nele, como um gancho na carne, para que ele pudesse ficarcontente.
ElesvãoacordarJamieeelesóvaiconseguirbalbuciar.Nãovaimaismereconhecer.Nãovaimaisfalar.Nuncamaisvaicontarpiadas.
Nickesfregouorostocomasmãosatéficarquente.Issonãovaiacontecer.Ponto.Àtarde,Nickficouemcasaolhandohipnotizadoparaseucelular.Victor
haviaditoquemandariaumSMS,Emilyidem.Porqueninguémentravaemcontato? Que droga eles não teremmarcado nada para hoje à tarde. Atéquarta-feiraaindademorariaumaeternidade.
Aterça-feirapassoutãocinzaetristequantoasegunda;Nicknãoselivravada impressão de que o tempo havia parado, de que estava empacado,esfarelando-se em pequenos pedacinhos. Mas tudo mudou de uma horaparaoutraquando,poucoantesdomeio-dia,umSMSchegounocelulardeNick:
Alerta!Precisamosdeumconselhoseu.Venhaparacáomaisrápidoquepuder.Victor.
Comisso,asaulasda tarde foramesquecidas.Rápido, isto é, omais breve
possível. Iria sair antesmesmodo almoço.Deveria informar a Emily? Eleprocurou e a encontrou no pátio, entretida com seu celular.Excepcionalmente, ela estava sozinha. Nick arriscou uma rápida troca deinformações.
—VocêrecebeutambémumSMSdoVictor?—Sim.—Vocêsabeoqueaconteceu?—Não.—Euestouindoparalá.Agoramesmo.—Certo.—Vocêvemdepois?—Nãoseiainda.Talvez.
Victorabriuaporta.Emseurostonãohaviaomenorindíciodesuaalegriahabitual,eelesequerofereceucháaNick.
—Voulhemostraralgoagoraeesperoquevocênãoenlouqueça.Podeserquesejamentira,sabe?MaseueSpeedynãosabemosoquefazer.
Eles se sentaram os três na sala dos sofás, e Nick foi imediatamentedominadopelaslembrançasmaravilhosasdofinaldesemana.
—Oqueéquehouve?—Speedy recebeuumamissão.Eledevepregar cartazesnaescolade
vocêsnessamadrugada.Pelomenosdezeelesdevemteromaiortamanhopossível.
Atéomomentonãopareciatãograve.—E?—perguntouNick.— O problema é o texto. É… ah, eu também não sei. Na melhor das
hipóteseséumacalúnia.Napior,écasodepolícia.SpeedyentregouaNickumpedaçodobradodepapel.— Issoqueeudevoescrevernoscartazes.Pelomenoseunãopreciso
pichar—completou,comumsorrisoforçado.Nickdesdobrouopapel.Leusementender.Leumaisumavez.—Evocêachaqueéverdade?—perguntouVictor.Não. Ou sim. Talvez. Fazia sentido. Tomado por uma fúria impotente,
Nickolhavafixamenteopapel.BrynneFarnhamsabotouosfreiosdabicicletadeJamieCox.—Seissoforpregadonasuaescola,essaBrynneFarnhamestáperdida,
tenha ela feito isso ou não — opinou Victor. — Speedy e eu estamosdiscutindo há horas sobre o que é omelhor a se fazer. Se não pregar oscartazes,eleseráeliminadodojogodequalquerjeito,nãoé?
Nick estava anestesiado, seus lábios também estavam dormentes equasenãoeramcapazesdeformarum“sim”.Brynne.Porissoelaestavatãoperturbada. Por isso ela havia saído do jogo. Ele desejava não ter tomadoconhecimentodaquilo.EledesejavaqueEmilyestivesseaquiequeelenãotivessequedecidiraquilosozinho.
—Euvouligarparaela.Ah,maselaaindaestánaescolaagora.NickpegouseucelularedigitouumSMS:Ligueparamim,éurgente.—Elavaientraremcontatoassimquepuder,acho.Possotomarumchá
enquantoisso?Victorsumiurapidamenteparaacozinha.—Aliás,eujárecruteiKatecomonovata—relatouSpeedy.—Elaestá
sesaindobem.Éumaelfonegracomovocêeraantes.Nick sorriu, mas até isso lhe custou forças. Ele agora não estava em
condiçõesde conversar. Em sua cabeçaospensamentos se cruzavam tãorapidamente, que ele mal podia acompanhá-los. Se tivesse sido Brynne,entãoonegóciodoscartazesseriabem-feito,óbvio.Sóqueelapareciaestarapontodepiraraqualquermomento.Aescolatemseteandares.NickpodiaimaginarBrynnesejogandodelá…
SeSpeedynãocumprissesua tarefa,estaria forado jogo.De inúmerastestemunhas na escola de Nick, nenhuma saberia relatar nada de cartaznenhum.QuoxouBrynne.BrynneouQuox.
Nick apoiou a cabeçanasmãos. Por queEmily não estava lá? Ele nãoqueria ser o único responsável pelo que aconteceria com Brynne. Sentiapena da garota e ao mesmo tempo a odiava quando pensava em Jamie.Comopoderiatomarumadecisãoapropriada?
Victor voltou com uma bandeja cheia de xícaras coloridas e um bulefumegante.
—Ontemfoiumdiamuitorevelador.Nósmontamosacampamentonasombradeumtemploeumbandodegnomosnosdisseramquedevíamosestar prevenidos porque estávamos bem nas imediações da fortaleza deHortulano. E então surgiram da vegetação, de uma vez só, todas ascriaturas possíveis e vieram para cima de nós: orcs, zumbis, gigantes; oprogramainteiro.Algunssesaíramdessabastantemal—elecolocouchánasxícaras;oaromaseespalhouportodaasala.—Tenhoaimpressãodeque as coisas estão se aproximando do final. Mas eu ainda não consigodecifrá-las.Édechorar.Amanhãeuvoutentar…
OcelulardeNicktocou.Elerespiroufundo.EraBrynne.—OiNick!Vocêmudoudeideia?—Não.Porqueéquehaviasejuntadodonadatantasalivaemsuaboca?—Ondevocêestá?—Noparqueemfrenteàescola.—Sozinha?—Isso.—Eudescobriumacoisasobreaqualeutenhoquefalarcomvocê.—Ah,certo.—Seráqueelaestavaouvindoadesgraçaiminentenavoz
dele?Oueramesmototalmenteingênua?—É sobre Jamie. Estou sabendo que o acidente dele não foi acidente
algum.Esimquealguémsabotousuabicicleta.Diga-meBrynne,foivocê?Apausafoilonga.NickpodiaouvirarespiraçãodeBrynne.—Oquê?—eladisse,finalmente.—Como…comoassimeu?—Digasimplesmentesimounão.—Não!Queideiaéessa?Eu…não—suavozvacilavaeNicksentiusua
raivaaumentardentrodesi,inevitável.—Vocêestámentindo.Eupossoperceberquevocêestámentindo!—Não!Deondequevocêtirouisso?Vocêsóqueracabarcomigo,eeu
nuncalhefiznada!Nick trocou um olhar com Victor, que parecia um ursinho de pelúcia
aflito.— Não é nada disso. Eu quero alertá-la. É bem possível que amanhã
cedo estejam pregados cartazes na escola nos quais se lerá exatamenteisso:quefoivocêquemsabotouosfreiosdoJamie.Queporissoelesofreuaqueleacidente.
—O quê?— ela estava soluçando,mas Nick percebia que tentava secontrolar.—M-m-masi-issoém-mentira.
—Nãoé,não—disseele,espantando-secomoquantorepentinamenteficoucertodaquilo.—Ande.Fale.Amanhã todomundovai ficar sabendomesmo.
—Não!Nãofuieu!Comoé…Porquevocêestádizendoisso?—opânicoemsuavozeradensocomoxarope.
—Ojogoestádizendoequemsaberiaissomelhordoqueele?Elequerquetodomundofiquesabendo.—Nickseperguntavaqualseriaavitória.AsatisfaçãoempegarpelocolarinhoapessoaresponsávelpelasituaçãodeJamie.Masnãoeranadadissoqueelesentia,tinhaapenaspenaeumpoucodenojodoculpado.
—Maseunãoqueriafazeraquilo!—agoraelagritava.—Nomáximo,pensei que ele daria com a cara no chão, que torceria o pulso,mas nadamais!Nadamais—elainterrompeuafala.
Nick presumiu que ela tivesse diante de seus olhos amesma imagemqueele:Jamiecomosmembrosretorcidossobreumlagodesangue.
—Eledesceua rua com tal velocidade, eu inclusive tentei gritarparaquetivessecuidado,maselenãoouviu,foiacelerandocadavezmais…
“Essaéaminhaparticipaçãonacatástrofe”,pensouNick.—Porquevocêfezisso?—eleperguntourouco.—Porquefuiinduzida.PorqueoMensageiroqueria.Eledescreveupara
mimabicicletaemedissecomosoltarosfreios.Elemedeuinclusiveumasinstruçõescomfiguras—eladeixouescaparumarisadabreve.—Vocênãopode nem imaginar o quanto eu já desejei poder voltar no tempo. Eu sótenhomedo,diaenoite.Eusempresonhoqueelemorre.Evemmevisitar—maisumavezelariu,umarisadaaltaedescontroladaquedeixouNickarrepiado.
EleolhouparaVictoreSpeedy.—Escute—disseele.—Talvezeupossaevitarahistóriadoscartazes.
Speedyassentiu.—Claro—sussurrou.—Quoxvaiarrumarumlugarzinhonocemitério.
Isso que é um verdadeiro herói, que prontamente se sacrifica por umadama.
—Então—Nick esfregouamãona testa—,ouçabem,OK?Você vaiesclarecer isso. Na polícia ou para o sr. Watson, como você quiser. EprincipalmenteparaJamieassimqueeleacordar.Achoqueassimascoisasficarãomenosruinsparavocê.
Brynneficouumtemposemdizernada,equandorespondeuafinal,malsepodiaouvi-la.
—Nãoseiseposso.Tenhoquepensar.—Uma coisa está certa: vou contar a Jamie o que aconteceu.— Seo
cérebrodeleestiverintactoosuficienteparameentender.— Sim, claro— agora ela quase parecia raciocinar de novo.— Vem
vindogenteali,RashideAlex,acho.Melhordesligar.Nick?—Sim?—Eunãoquerianadadisso.Quandoeulhedeiojogo,eusóqueriaque
vocêsedivertisse.—Eusei.—Vocêpodemedizerquemvocêera?Digo,seupersonagem.—Paraquê?—Sóparasaber,euviviameperguntandoisso.—Sarius.—Sério?Nossa,nuncaimaginaria—eladeumaisumbrevesoluço.—
EueraArwen’sChild.
Duashorasdepois,Emilychegou.Pareciacansada,massorriuquandoNickaabraçou.ElecontoutodasasnovidadessobreBrynneeficoucontenteportodosteremachadoboasuadecisão.
—Éclaroquepodeacontecerdeoutrapessoaserincumbidadatarefados cartazes—constatouela.—MaspelomenosBrynneganhou tempo.Talvezela sejaespertaevá realmenteatéapolícia.Masporqueéqueojogoqueratacá-laagora?
—EladecidiucombateroErebosefalouissoontememaltoebomsomparatodaaescola.
—Caramba.Asituaçãoestácomplicada.Temumpessoalquenãoparadefalaremumgrandeobjetivoequeeleestápróximo.Alex,porexemplo.Já Colin fica bancando omisterioso. Estou achando as coisas atualmentebastantecansativas.
Nick, por sua vez, estava achando tudo muito melhor, uma vez queEmilyestavaali.ElesassistiramVictorjogandopormaisumahoraantesdesedespedirem.
—DigamadeusaQuox—suspirouSpeedy.—Seufimfoiprecoce.Umalástima,eleeraumrapaztãobom.
—Amanhãdenovoaqui,certo?—certificou-seNick,aindanaporta.—Assimqueseustrabalhosdaescolaestiveremfeitos.TitioVictornão
querseroculpadosevocêsterminaremcomofaxineirosdebanheiro.
29
NadadecartazesnodiaseguinteetambémnadadeBrynne.Nãoeradifícilentender por que ela havia preferido ficar em casa.Ela não fariamesmonenhuma besteira, ou faria? Pensou em telefonar para ela, mas achoumelhordeixarissoparaosr.Watson.Nickfaloucomelenointervalo.
— Brynne Farnham não tem andado muito bem ultimamente. Eu sóqueriaavisar,talvezosenhorpossafalarcomela.
— Não me diga— a expressão de Watson estava séria e quase querepreensiva, comoseelesoubessequeNickestavacontandoapenasumapartedaverdade.—AmãedeBrynneligouhojedemanhãdizendoqueelavai faltaressasemanaeaquevem.Elaestámuitomalpsicologicamente.Parecequeelaestápensandoemmudardeescola.
“Obviamenteissotambéméumaalternativa”,pensouNick.“Fugir.Seráqueelaconfessouoverdadeiromotivoàsuamãe?”
Emily tinha um aspecto bagunçado e parecia aindamais cansada queontem. Ela desviou os olhares curiosos de Nick, mas logo depois elerecebeuumSMS emseucelular: Jogueiontematéas trêsdamanhã, recebiuma missão insuportável. Logo vou estar fora, acho. Até logo, estou comsaudade!Emily.
AstrêsúltimaspalavrasNickleunomínimovintevezes.Elaestavacomsaudades.
Ele se esforçou para não ficar o resto do dia com um sorriso felizestampadono rosto,mas se sentia leve, tão leve.Logochegariaa tardeeentãohaveriachánacasadeVictor,possivelmentealgumasnovasteoriase,
comcerteza,Emily.Àsvezesavidaiatãoperfeitamentebem.Assimqueacabouaúltimaaula,Nickfoiparaometrô.Hojeencurtaria
umpoucoseusdesvios; talvezandarduasestaçõesnadireçãoerrada,nomáximotrês,entãodescerevoltardealgumamaneiraparaKing’sCross.
Tudo corria de vento em popa, ninguém estava atrás dele, prestavabastante atenção. Também teve sorte com as baldeações, mal precisouesperarentreumaconduçãoeoutra.
“Já,já”,elepensouemmeioàmultidãonaplataformadaestaçãoOxfordCircus, ouvindo o trem se aproximar. Já, já eu estarei lá. Só mais trêsestaçõesatéchegaraEmilyeàcoleçãodexícarasdechádeVic…
Oimpactofoiviolentoeveiodetrás.Numprimeiromomento,Nicknãoentendeu o que estava acontecendo: viu apenas o símbolo redondo dometrô na parede à sua frente vir em sua direção, ouviu a gritaria daspessoasaoredoresentiuochãosobseuspésdesaparecer.Entãoeleviu,como em câmera lenta, seu pé pisando na borda da plataforma. Viu ostrilhos.Percebeuqueiriacairnalinhadeferro.Ouviuotrem,lutouparaseequilibrar e encontrou apenas ar. As luzes já brilhavam na escuridão dotúnel.Aspessoasgritavam.
“Já, já.” O pensamento de antes ecoava na cabeça de Nick, com umterrívelnovosignificado.
Então algo o puxou. O metrô? Não, uma mão. Puxou-o para trás,atirando-onochãoenquantootrementravarugindonaestação.
Pessoasàsuavolta,muitas,muitasvozes.—Elefoiempurrado!—Não,euteriavisto.—Veiodesseempurra-empurra.—Não,foidepropósito!Ocarasaiucorrendo!Nick levantou-se comdificuldade.Umhomemaltodeuniformeazul o
ajudou.—Foiporpouco—ohomemofegou.—MeuDeus,eujáestavavendo
vocêdebaixodotrem.Nicknãopronunciouumapalavra.Elecambaleava,eohomemlhedeu
apoio. Com as mãos Nick se segurava em sua manga, percebendo os
respingosdetintabrancasobreotecidoazul.Otremseguiuviagem,eamaioriadaspessoashaviaembarcado.Então
apareceuumpolicialdecoleteamareloe fezperguntas.Nickreencontrousuavozcomesforço.Sim,eleacreditavatersidoempurrado.Não,elenãotinhavistoporquem.Sim,ohomemdeuniformeohaviasalvado.Não,elenãoprecisavadecuidadosmédicos.
Opolicialanotoutudo,inclusiveosnomeseendereçosdastestemunhas,entreasquaisumadiziatervistoumadolescentecomorostocobertoporumcapuzsaircorrendodali,eprometeuentraremcontatoseascâmerasdevigilânciativessemgravadoimagensquepermitissemoreconhecimentodoculpado.
Nickembarcounosegundotremquepassou.Malsentiasuaspernasecolocava cuidadosamente um pé na frente do outro. Agora era só nãopensar muito. Agora era melhor apenas respirar. Nick olhava fixamenteparaomapadas linhasquependia inclinadosobresuacabeçanaparedeinterna do vagão. Ele agradecia por qualquer distração. Aquela imagemfamiliar o tranquilizava e o fazia lembrardo jogode adivinhaçãoque elecostumavafazercomseupaiemtodasasviagens.Linhacentral?Vermelha.Linha circular? Amarela. Linha Piccadilly? Azul-escuro. Linha Victoria?Azul-claro.Hammersmith&City?Rosa.
Ele sentiu seus batimentos se acalmarem e sua respiração tornar-semaisprofunda.Elenãohaviamorrido.Tampoucoestavaemcoma.Emtodoorestoelepensariadepois.
—Alguémtentouoquê?—VictorhaviapassadoNickparaasaladossofás.SeubigodãotremiaeNickquasecomeçouarir.
—Nãoaconteceunada—eleolhavaorostoempalidecidodeEmily.—Maseuaindaestouumpoucotonto.Possotomaralgo?Algogelado?
Victor correu até a cozinha, onde se ouviu algo caindo de suamão eespatifando-sesonoramentenochão.Elexingoue resmungoubaixinho,ecomeçouavarrer.
— Nós devíamos ter vindo juntos para cá— disse Emily. Ela estavasentadabempróximoaNick,abraçando-o.
—Não. Senão seu disfarce estaria perdido. Estou feliz por não teremvocêsobamiradeles.
—Meudisfarcedaquiapoucojáeramesmo.Apróximamissãoeucomcertezanãovoucumprir.
—Equemissãoé?—Nadaqueeuqueirafalaragora,euaindaestoumuitochocadacoma
suahistória.Victorvoltoucomumcopogigantedechágelado.—Vocêviuquemfoi?—perguntouele.— Não. E imagino que eu não o conheça, porque eu fiquei atento o
tempointeiroprocurandoporgenteconhecida.Por algum tempo, eles ficaram ali sentados, sem conversar. Nick viu
como Victor estava pensativo e teve vontade de acalmá-lo. Não vaiacontecernadacomigo.Maseleaindapodiaafirmarissocomaconsciênciatranquila?
Paradistrairumpouco,eleperguntouporSpeedy,queestavaausente.—Eleestábem,sóestáesperandoqueKateprecisedeumnovatopara
voltaraojogo.Comumnomefalso,éclaro—Victorapontouparaoquartodoscomputadorescomodedo indicadorcheiodeanéis.—Eu tenhoseisIDs falsosna internet,entreosquaisSpeedypode ficarcomum.Temquefuncionar,poismeusoutroseusvirtuaistêmatéendereçoparacontato—elelevantouassobrancelhas.—Agoraquemelembrei:Nicksevocêquiser,ésóesperaratéqueSpeedyIIrecrutealguém…
“Ele queria isso?” Nick escutou sua voz interior. A resposta foi umsonoronão.Erebosnãooatraíamais,pelo contrário.Eleestava contenteporserapenasumobservadorexterno.
—Deixeparalá,Victor.Achoquenãoquerovoltar.Maseugostariadesabersehánovidades.Comovãoascoisas?
—Frenéticas.Tenhoaimpressãodequeestãopiorando.Namadrugadade ontem houve um combate contra monstros de terra que atiravamcabeçascomseuscanhões,umbandodegentesesaiumal.Issosignificaummontedenovasmissões.
— Como a minha — completou Emily. — Mas eu não estava nesse
negóciodoscanhões,eutivequedefenderumabarragemcontraespíritosdorio.
Monstrosde terra, espíritosdo rio.Cabeças saindodecanhões.Canhões.Nicksentiupressãonastêmporaseumcomichãoemsuacabeça.Haviaalgoali,algumacoisa,quesemprelhepassavadesapercebida.Hápoucotempoelehavia ficadopróximodacoisa,elesabia,ehoje também,aindaquedemaneiradiferente.
—Vocêgostariade jogarmaisumpouco?—convidou-oVictor.—Eugostaria de assistir. — É claro, um pouco não existe no Erebos. Se eucomeçar, vou ficarpenduradonaquilopor algumashoras, você sabe.E aíacabounossaconversacomchazinhoebiscoitos—seurostoseacendeu.—Poroutrolado,vocêspoderiammedarcomida!IssoseriaoparaísonaTerra:jogarecomer!
ElesdecidiramofereceraVictoroparaísoecolocaramàsuadisposiçãonozes, biscoitos, balas de goma e um bule grande de chá enquanto ele“acordava”Squamato,comoelemesmodizia.
O homem-lagarto estava sozinho, no meio de uma planície cuja gramapareciaressequida.Nãohavialutadoresemlugaralgum.
Dos fones de ouvido de Victor pulsava baixinho uma música. Nickescutavaatento,amelodianãoeraamesmaqueeleconheciadojogocomoSarius.Estranho.
Squamatoandavaemdireçãoaumacercaviva,oquecomcertezaeraumaboaideia.Semprequeencontravaeseguiaumacercaviva,elalevavaalocais interessantes; omesmocomos rios.Aquela cercapareceu familiarparaNick.Sarius tambémhaviacaminhadoporalinãomuito tempoatrás.Erademadrugada.As floresamarelasafuniladas reluziame cresciamemapenasumladodacerca.Eracomoessacercadeagora.Nickfranziuatesta.
—Balinhas,porfavor!—VictorinterrompeuseuspensamentoseabriuabocaparaqueEmilypudesseenchê-lacomumaporçãodebalasdegoma.
Squamatocontinuavaandando.Maisàfrentehaviaalgogrande,brancoequesemovimentava.Elesevirou.
—Eujáestiveaí—gritouNick.—Issoéummonumento…doishomens
sendoestranguladosporcobras.Parecequeéfamoso.ElerecebeuumolharintensodeVictor.—OGrupodeLaocoonte,meucaro.Denovorelíquiasgregas.Fazmuito
sentido,aliás.Em volta do monumento havia também guerreiros, dessa vez. Nick
reconheceuBloodWorkcomseucintilantecírculovermelhonopescoçoe,nãomuitolonge,Nurax.
—Issoéumaviso,creio—disseVictor.—Laocoontefoiaquelequenãoquis deixar o cavalo demadeira entrar em Troia. Espero que conheça ahistória—adicionouele,olhandoNickdelado.—Então,Poseidonenviouserpentesmarinhas, quenão só acabaramcomLaocoonte, como tambémcomseusfilhos.OjogotemmuitoavercomumcavalodeTroia,euacho.
Nick fez uma careta e Emily deu a Victor um punhado de nozes parainterromperseufluxodepalavras.
Havia sido algo que o Mensageiro lhe dissera antes de mandar Nickàquelelugar.Eleestavasedivertindo,seusolhosseiluminavammaisqueonormal.TeriasidoaalusãoaTroiaqueeleacharatãoengraçada?
NichexaminoumaisumavezoGrupodeLaocoonte.Osrostosgrotescosdos homens, suas tentativas desesperadas de se desvencilharem dascobras…logoatrás,acercaverdeeamarela,asfloresplantadasdemaneiratãoretilínea,comojardineiroalgumjamaisconseguiria.Maisumavez,Nickviuojardineirodandorisadinhasdiantedele.
“Sevocêseguiracercavivanadireçãooeste,vocêsedepararácomummemorial.Ummonumento,naverdade.”
Por um instante, Nick viu tudo preto à sua frente. Seria isso… seriapossível…monumento…
—Jásei!—Nickgritou.Ele levantou-seesaltoudacadeira, fazendo-atombar.—Agoraeusei.Eusei.
Victoroolhoucomosolhosarregaladosetirouosfonesdacabeça.—Como?Oquevocêsabe?—Ocódigo!Euseiondenósestamos!É…olhesó…verde,amareloeo
monumento!EmilyeVictortrocaramumolharintrigado.
—Oquevocêestáquerendodizer?—perguntouEmilycalmamente.— Eu sei onde nós estamos. Eu entendi o código. Verde e amarelo,
vermelhoeazul.Elescontinuavamsementender.—Ascoresrepresentamas linhasdometrôdeLondres.Essaaquiéa
estação Monument, por ela passam a Linha Circular e a District Line.Amareloeverde.Assimcomoacercaviva,captaram?
O olhar perplexo de Victor alternava-se entre omonitor e o rosto deNick.
— Sim — sussurrou. — Claro. Putz — com um gesto solene, eleestendeusuamãoaNick.—Retirotudoqueeudissesobresuacapacidadeintelectual.Vocêéumgênio!
Nos momentos seguintes, Victor sofreu como um animal ferido, poisenquantoEmilyeNickvasculhavamtodasasgavetasatrásdeummapadometrô,eletinhaquecuidardeSquamato.
—Oooh,nadadelutaagora,porfavor!Vocêsachamqueeupossosairrapidinho?Nãoestáacontecendonadaagora.Nada!Masseumgnomoviermemandardenovopara apróximabatalha, euvou ficar aqui empacadopor horas. Ah, dane-se. O Mensageiro que vá plantar batatas— ele deualgunscliqueseselevantou.
Emilyacabouencontrandoummapaeoabriusobreumadasmesinhasnasaladossofás.
—Vocêtemrazão—disseelasemfôlegoepegounamãodeNick.—Aprimeira luta que eu tive foi perto de um rio vermelho, onde havia unsmoinhos de vento em ruínas. Primeiro eu pensei no DomQuixote. Tudobesteira. Holland Park na Linha Central— ela colocou seu dedo sobre orespectivopontonomapaecontinuouprocurando.
Oriovermelho.Nicklembrou-sedesuaodisseiasubterrâneaequeorioohavialevadofinalmenteàCidadeBranca.
—WhiteCity—disseele.—Depoiseuseguiacercavivacor-de-rosa:ouseja,aLinhaHammersmith&City.Nela,aprimeiraestação:Shepard’sBush—ele olhoupara cima.—Vocês nunca viramovelhas tãonojentascomo aquelas. Delas não sobrou muita coisa — ele continuou
acompanhando como dedo.—GoldhawkRoad... o falcão dourado quasequeacabacomigo.
—Acercarosa—gritouEmily.—Euestivelátambém!Látinhaaquelaárvoregigantecomacoroadentro—elaapontounomapa.—RoyalOak.Achoqueeuvouficarmaluca.
Victoraindanãohaviaditonada,masliteralmentevibravadeexcitação.—Ontem—começouele—etambémnosdiasanteriores,ficaramnos
dizendováriasvezesquenósestávamospertoda fortalezadeHortulano,no local onde a batalha final acontecerá. Seu dedo indicador dava voltassobreasLinhaCircleeDistrict.—Temple—disse.—Foinotemploqueonervosismo dos gnomos ficou mais forte. Hoje nós entramos pelaMonument, e vejam só: Cannon Street está bemao lado.No entanto, porquecabeçasforamatiradasporaquelescanhõeseunãosei.
Ostrêsexaminavamomapacoloridodaslinhas.“Knightsbridge”, pensou Nick. “Ali foi o meu fim. Cavaleiros gigantes
empurrandoosoutrosdecimadaponte…comonãopercebiisso?”—Então,emalgumlugarpertodaTempleestáafortalezadeHortulano
—pensoualto.—NomeiodacidadedeLondres.—Comcertezanãoéumafortalezapropriamentedita—disseEmily.—
Alguémtemideiadecomopoderíamosencontrá-la?EsteproblemamanteveNickocupadodurante todaamadrugada.Eles
eramapenastrês,comopoderiamcontrolaraentradadecincoestaçõesdemetrô? E o que deveriam procurar? Se Victor tinha razão, o tempo eracurto.
30
Pelamanhã,umSMSbastanteútildeVictorchegou:Osgnomosestãofalandode Hortulano e seus irmãos escuros. Pode ser uma referência à estaçãoBlackfriars.
EletambémhaviainformadoEmily.—OquehádepeculiarnaBlackfriars?—elaescreveuparaNick.Nãohavianada,alémdaBlackfriarsBridge,doteatroedaquelagrande
estaçãodetrem.Seráqueaestaçãoeraafortaleza?Nomais,haviaapenasprédioscomerciais,restaurantese…aquelagaragemondeNickhaviatiradofotos! Ela era próximaà estaçãoBlackfriars.O quepossivelmente eraumacoincidência,mastalveznãofosse!
Nick pensou nas alternativas disponíveis. A garagem e o Jaguar eramseus únicos pontos de referência. Eram sete e meia. E se ele ficassevigiandoodiainteiroemfrenteaoestacionamento…?
Vocêestápirado.Maselenãoconseguiapensaremnadamelhor.Enviouumamensagema
Emilydizendoquenãoiriaàescolaearrumousuamochila.Quando chegou ao estacionamento, eram oito e quinze. O local era
extremamente inapropriadoparaficaresperando.NãohaviaumcantoouesquinaondeNickpudesseseesconder.Entãoeleandouparacimaeparabaixo, tentando ser o mais discreto possível enquanto mantinha-seobservandooscarros.Oestacionamentoeraaparentementepopularentreos funcionáriosdos escritóriosda região:umcarroapósooutropassavapelacancelaamarelaepreta.MasnenhumJaguar.
“Nãoseadmire,Dunmore”,elemesmoserepreendeu.“Foiumaideiadejericoasua.Sóporqueohomemestacionouaquiumavez,nãoquerdizerqueeleofarádenovo.”
Porém,oMensageirohaviaditonaquelediaqueNickdeveriavoltaraquiváriasvezesatéterasfotos,eoMensageirosabiaoqueestavafalando.
Novamenteandoupara láeparacá.UmFord, umToyota, umaSuzuki,maisumToyota.UmGolf.Nickpercebeuquesuaatençãodiminuía.Tratouderetomaroautocontrole.Nãopodiaficarviajandonospensamentos.VeioumaMercedes.UmHonda,outroHonda.
Meiahoradepois,Nickjáestavaexausto.Suaintençãodeaguentarodiainteiroalinãopareciamaissensata.Alémdisso,elecomeçouasentirmuitofrioesexingoupornãoter trazidoumcasacomaisgrosso.Resistiriapormaisumahora,eledeviaissoàcausa.
Um Jaguar prateado parou diante da cancela. Era aquele? Nicksemicerrou os olhos para enxergar melhor: LP60HNR. Era a placa. Acancelaabriu,eoJaguarcontinuouavançando.
Victortemrazão,eusouumgênio,umgênio,umgênio!Agora ele tinha apenas que ficar atento para não perder o dono do
Jaguardevistaquandoelesaíssedoestacionamento.Onde eraa saídadepedestres?Adeveículoseleencontrou,maseadepedestres?
Nick ficou parado durante um instante, virou-se mais uma vez e oavistou. Era sem dúvidas o homem que ele havia fotografado, e ia emdireçãoàNewBridgeStreet.Bom,agorasónãopodiadeixá-loescapar.Eleoseguiacomalgumadistância;malarriscavapiscarpormedodeperdê-lodevista.
Eles desceram a New Bridge Street. Será que o homem percebeu queestavasendoseguido?Ele transmitiauma impressão inquieta; a cadadoispassos,olhavaagitadopara trásouparaos lados.Comoalguémqueestácom medo. Nick aumentou a distância entre os dois, ainda que isso lhedesse um frio na barriga. Ele não podia ser parado por nada agora, nemmesmopelocasalzinhodeturistasjaponesesqueperguntou-lhesorridentecomochegaràCatedraldeSt.Paul.Nickapontou, semdizernada,paraadireçãoquelhepareceucorretaecontinuoucorrendo.
Eles chegaram à Bridewell Place, onde ele entrou em um edifíciocomercialqueestavasendoreformado.Umandaimebloqueavaboapartedavisãoda fachadabrancaedevidro.Nickparou indeciso.Seuprimeiroimpulso foientrar também,maselenãoqueriachamaratençãode formaalguma, portanto observou apenas de longe seu alvo cumprimentar oporteiroeentraremumdoselevadoresbrilhantesdemetal.
Issosignificavaqueseuescritórioficavaemumdosandaressuperiores.Claro, carro caro, terno caro, escritório caro. A ideia de perguntar aoporteirofoirejeitadanahoraporNick.Porém,haviaplacasdasempresaspregadasnaentrada,talvezelasfossemúteis.
Uma empresa de consultoria, uma agência imobiliária. A julgar pelaaparência do homem, nenhuma das duas estaria fora de questão. Umacompanhia de produtos farmacêuticos e… Nick tomou fôlego. A quartaempresafoiumacertoemcheio:
SoftSuspenseJogosparaPC,celulareseconsolesFazemostudopelasuadiversão.
Por segurança, Nick tirou ainda uma foto da placa da empresa com seucelular.EledeveriaavisarEmily?Não,elaaindaestavanaescola.Victor!EleiriacontaraVictor.Maselenãoatendia.Droga.EntãoNickiriaatéele.
Elepegouocaminhodevoltanaestaçãodemetrô,efoiprovavelmentegraças aos seus sentidos apuradospelaperseguiçãodooutrodia que eleimediatamentepercebeuRashiddooutroladodarua.
Ele o havia visto também? Parecia que não. Rashid andava pela rualentamente coma cabeça abaixada enãoolhavanempara adireita, nempara a esquerda. Apertada contra seu peito, carregava uma espécie desacolaverde-acinzentadacujoconteúdointeressouaNickimensamente.
ObviamenteRashidiarumoaoedifíciocomercial.Nickescondeu-senassombras da entrada de uma casa. Rashid parou, olhou para o alto dafachadae tirouacâmeradobolso.Ele tirou fotosdoprédio:deperto,delonge,dedistintosângulos.
Nick havia fotografado o carro do homem e agora Rashid fotografavaseuescritório.Provavelmenteelequeriacapturaravisão lateral também,poisdeuavoltapelaesquerdadoprédio,comamáquinaaindaatiracolo.
Nickesperouelereaparecer,masnadaaconteceu.Inquieto,Nickespiavadaentradadacasa.SeelefosseatrásdeRashid,poderiaserqueumdessedecara comooutro.Nãopodia correresse risco.Eleesperoumais cincominutos,xingou-sedeidiotaefoiembora.MesmoRashidtendoescapado,oquedescobriujáeradegrandeimportância.
—Esperoquevocêtenhaumbommotivoparametirardacamanomeiodamadrugada—VictorestavaparadonaportacomseuroupãodoSnoopy,bocejandoecomosolhossemicerrados.
—Euvoufazercháparavocê—disseNick—,eaíagenteconversa.—Vocêestáfalandoquenemminhaex-namorada—Victorcaminhou
bêbadodesonoatéacozinhaeserecostounageladeira.—Aliás,hojeeulutei até quatro e meia da manhã, em volta do templo. Meu armamentoagora é de ouro, o que combinamaravilhosamente comminhas escamasvioletasdelagarto.
Nickligouachaleiraelétricaecolocoufolhasdechánocoador.—OnomeSoftSuspenselhedizalgo?—Claro— bocejou Victor.— Fazemos tudo pela sua diversão.—Os
Amaldiçoados da Noite, First Shot e Falcão Real, por exemplo, são deles.Todossãojogoslegaizinhos.
—ElestêmescritóriospertodaBlackfriars.NaBridewellPlace.— Aham— Victor franziu a testa.— Sinto muito, mas eu não estou
entendendoaondevocêquerchegar.Nickcontoudasuamissãodasfotos,doJaguaredohomemaquemele
pertencia.— Para mim, essa foi a única coisa durante todo meu tempo como
jogadorquetinhaalgoavercomaBlackfriars.Porissoquehojedemanhãeufuiláefiqueiesperandoemfrenteàgaragem.Ohomemapareceu,euoseguievocêjádeveimaginarqualeraodestinodele.
— A filial da Soft Suspense — as rugas na testa de Victor se
aprofundaram.—Masafichaaindanãoestácaindo.TenhocertezadequeaSoftSuspensenãodesenvolveuoErebos.Eujáteriaouvidoarespeito,játeriasidodivulgadonamídiahámuitotempo.Todoomundinhodosjogosdecomputadoroestariaaguardandoeoreceberiacomprazer.
—Oquemaisvocêsabesobreessaempresa?—Naverdade,nada.Eusóconheçoosjogosdela.Eeuseiqueabsorveu
algumas empresas menores de desenvolvimento de software. O que nosetorémaisoumenosnormal.Elessãobonsnosnegócios.Issoétudo.
Pensativo, Nick colocou a água fervendo sobre as folhas de chá einspirouoperfumequesubiu.
—DeveexistiralgumarelaçãoentreaempresaeoErebos.Umdemeuscolegas da escola também estava na Bridewell Place tirando fotos doprédio.
—Sério?SeguindoocaradoJaguar?—Victorsacudiaacabeça,agitado.— Isso está me confundindo muito. Meu cérebro ainda não estáfuncionando.Eleprecisadormirmais.
—Masagoranósfinalmentetemosumapista.Euprecisosaberqueméaquelehomem.
—Sim,issoseriabom—murmurouVictorefechouosolhos.Por oraNickhaviadesistidodequerer arrancar observações sensatas
dele.Eleocolocouemumdossofás,ofeztomarocháejuntouseusúltimostrocadosparaircomprarocafédamanhãparaosdois.
Enquanto esperava na fila da padaria, ele não conseguiu resistir eenviouumSMSparaEmily.Tenhonovidadesquentes.EstounaCromerStreet,queriaquevocêestivesseaquitambém.
Aovoltar,umVictorpálido,masbastanteacordadooesperava.—Nãopossocomernadaagora.—Porquê?—Enquantovocêestava fora,eu fuiprocurarnoGoogle.Vocênãovai
acreditar.EleesperouatéNickcolocaroscroissantsemumcantoeolevouatéo
notebook.—Vejasóisso.
OsitedaSoftSuspenseestavaaberto;napáginainicialhaviaoanúnciode um novo jogo chamado Blood of Gods. Os deuses, no entanto, nãopareciam gregos, e sim feitos de aço. Nada em seu desenho gráficolembravaoErebos.
—E?VictorcolocouumamãonoombrodeNick.—Essaé sóa tela inicial.Você temque irparaapartedenotíciasda
imprensa.Nickclicouem“Notícias”eleu:
SoftSuspenseestáfelizemanunciarorecordedevendasdeFalcãoReal.O jogo jácontacom600.000vendasemseuprimeiromêsdelançamento.
Embaixovinhauma foto exibindoomotoristado Jaguar:posavaemumacadeiradeescritório feitadecouroesorriaparaacâmera.“Isso”,pensouNick. “Minha pista estava certa.” Em seguida ele viu a legenda da foto etrocouumolharcomVictor.
—Não!Serápossível?— Pode acreditar. Você descobriu uma mina de ouro. A câmara dos
tesourosdoAladdin.Diabos,Nick,nósprecisamosalertá-lo.—Sim.Vocêtemrazão.Nick contemplou aquela expressão sorridente e despreocupada, mas
todootemposuaatençãosevoltavaparaotextoabaixodaimagem.
“Nóscolocamos todanossa forçae criatividadeemFalcãoRealeestamoscontentespornosso jogo estar sendo tão bem-aceito”, disse o diretor da Soft Suspensa, AndrewHortulano.
Passarinhoumaova.—Nós devíamos ter pesquisadomelhor— sussurrou Nick.— Nós o
teríamosencontradomuitoantes.—Ounão.Temummontedegentecomessenome.Bem,nãoummonte,
masalgumas.AndrewHortulanosorriaimperturbávelemsuafoto.Erebos teria sido mesmo criado apenas para… destruí-lo, como o
Mensageiro havia dito? Por quê? Como podemos alertá-lo? E, sobretudo,contraoquê?
— Deixe isso comigo — disse Victor e chamou o número que haviaachadonapáginadaempresa.
— Alô? Eu gostaria de falar com o sr. Hortulano. Sim, por favor,transfira.
Pausa.—MeunomeéVictorLansky—disseVictor,agoraaparentementepara
outrapessoa.—Não,elenãoestáesperandominhaligação.Nick não entendeu o que a secretária disse, mas ouviu sua voz alta
recusando.—Comoqueira—Victorcontinuoutentando—,eusoudaimprensae
háalgoimportantequeeuprecisofalarcomosr.Hortulano.Outravezumarespostarápidaeagudadesecretária.—Escute—disseVictorcomnotávelpaciência—,tenhocertezadeque
seuchefequerouviroqueeutenhoadizer.Não,nãoquerodeixarrecado.Como?Lansky.L-A-N-S-K-Y.Sim,elepoderetornaraligação.Eeledeveseapressar!
Eledesligoueesbravejou.—Comcertezaelenãovaientraremcontato.Aquelavacadaantessala
sequerperguntoumeutelefone.—Talvezelatenhavistonoidentificadordechamadas.—Não, não.— Victor fisgou um croissant de chocolate de dentro da
sacola.—Meunúmeroésecreto,nãoaparece.Nickpensouporumtempoeapertouobotãoderediscagem.—Bom-dia,eugostariadefalarcomosr.Hortulano.—Voutransferirparaasecretariadadireção.Umamúsicadesaxofonesoouatéquealguématendeudooutroladoda
linha.—EscritórioAndrewHortulano,AnneWisbourn—eradenovoavoz
desagradáveldeantes.— Er, alô. Meu nome é Nick Dunmore e eu preciso falar com o sr.
Hortulano.Urgente!Écasodevidaoumorte.—Perdão?— De vida ou morte! É sério! — a boca de Nick estava seca de
nervosismo.ComoeleexplicariaasituaçãoparaHortulanosempassarpormaluco?
O fone fazia ruídos, e Nick escutava vozes abafadas; provavelmente asecretáriaestavatapandoobocaldotelefone.Entãoseouviuumbarulhocomo se algo tivesse explodido, os sons ficaramnovamente nítidos e umhomemvociferouaotelefone:
—Euvoucolocarumrastreadordechamadas!Issoéassédiotelefônico!Euvoudescobrirvocês,seuscriminosos,evocêsvãoparatrásdasgrades!Esse foi meu último aviso, entenderam?— Klang. Colocaram o fone nogancho.
OcoraçãodeNickdisparavacomoapósumacorridadecemmetros.—Elepensouqueeuoestavaameaçando.—Eusei.Elefaloualtoobastante.Calculardoismaisdoisagoraerafácil.— Aposto que ele tem recebido alguns telefonemas apavorantes
ultimamente.—Sim,deEmilyporexemplo—disseVictor.O café da manhã transcorreu em silêncio. Ambos absortos em seus
pensamentos.Nick consideravaasopçõesqueeles tinham.Elepoderia irmaisumavezatéaBlackfriarsebaternaportadoescritóriodeHortulanoatéqueeleoescutasse.
Mas vocênem sabeporqueoEreboso odeia tanto.Algummotivodevehaver.
—Victor?Vocêconhecebastanteomundodosjogosdecomputadores,nãoé?
—Comcerteza.—Vocêtemumaexplicaçãoparaisso?Qualquerumaquefaçasentido?— Nem umazinha. Eu estou tateando no escuro. Acho que nós
precisamossabermaissobreosr.Hortulano.QuandoEmily apareceu,mais cedo que o esperado,Nick e Victor não
haviamavançadonenhumpasso.ElessabiamqueHortulanoeramembrodo clube de golfe Wimbledon Park, que ele eventualmente promoviajantaresbeneficentesparaaUnicefequeraramentedavaentrevistas.
Emily, que ainda estava totalmente elétrica por causa da identidadeverdadeiradeHortulano,seenvolveunasbuscascomvigorrenovado.
— Talvez não seja nada pessoal. Talvez não tenha nada a ver com ohomem,esimcomaempresa—elavirouonotebookparasiedigitou“SoftSuspense”noGoogle.
—Vaisercomoprocurarumaagulhanopalheiro—profetizouNick.—Atévocê ter fuçado todasascríticasde jogose leilõesnoEbay, jávai serNatal.
— Tem razão — ela semicerrou os olhos. Emily digitou “Hortulanoinimigo”eencontrouumaporçãodeinformaçõessobrefalcõesperegrinosdevorandopassarinhos.—Droga.Tudobem.Tentemosoutracoisa.
Ostermosdebusca“SoftSuspense”e“vítima”tiveramcomoresultadosobretudo resenhas de Falcão Real, e o nome da empresa junto com“concorrência”trouxediversosdadoseconômicossobreosetordejogosdecomputadores.
Emilyxingoucomoummenino.—Nãoestouentendendolendonada.Seeleéumconcorrentequerendo
acabar com a Soft Suspense, nós não vamos desmascará-lo nunca— elaestavacismadacoma listagemdasdiversasempresasde jogos.—Talvezessaempresatenhafeitoalgodemal—disseela,efezmaisumabusca.
“Crimes Soft Suspense.” A lista de resultados não era longa, apenasquatro resultados. Os primeiros links ocupavam-se com o fato de quecópias piratas eram crime e que a Soft Suspense havia recentementeaperfeiçoadoaproteção contra cópiasde seus jogos.Emily roloua tela econtinuou clicando. Ela parou em um comunicado judicial de dois anosatrás.
…foicondenadoporestelionatoeroubo,sendosentenciadoaseisanosdeprisão.Ojogo,
quecontariacomumatecnologiapioneira,foicriadopelaempresaSoftSuspense,cujo…
Emily clicou no link. Era uma notícia de arquivo do Independent. Nick eEmily precisaram ler só as duas primeiras linhas para saber que nãoprecisariammaisprocurar.Aquiestavatudoescrito,pretonobranco,eerapiordoqueNickjamaispoderiaimaginar.
Programadordejogoscondenado
Após dois anos, o processo sobre os direitos autorais do jogo Fulgor Divino terminoufinalmentecomumasentença.LarryMcVay,proprietárioediretordaempresalondrinadedesenvolvimentodesoftwareVayTooFar,foicondenadoporestelionatoeroubo,sendosentenciadoaseisanosdeprisão.O jogo,quecontariacomumatecnologiapioneira, foicriadopela empresa Soft Suspense, cujodiretorAndrewHortulano aclamoua sentença.“No jogo há anos de trabalho emilhões de libras”, disseHortulano. “Não é algo que sepossaroubarassim.”
McVayalegaradesdeoiníciodoprocessoqueteriasidoeleoprogramadordeFulgorDivinoequeesteteriasidoroubadopelaSoftSuspense.Noentanto,emmomentoalgumele apresentou as respectivas provas, o que justificou como consequência de supostosfurtos, subornos e manipulações da parte da Soft Suspense. O diretor da empresa,Hortulano, negou todas as acusações. “Nós somosuma empresa completamente idônea,não uma organização fraudulenta, e estamos felizes que isso tenha sido reconhecido. Ocasoéquealguémestásimplesmentequerendovirarojogosemummínimodeevidênciasparaisso.”McVaydeclarousuaintençãodeesgotartodososrecursosjudiciaiseque“nãosedaráporvencido”.
Nick abriu a boca,mas não saiu uma palavra. Ele olhou para Emily, queestavapálidaeapertavaoslábioscomforça.
Victor,quetambémhavialido,batiapalmas.—Muito bem! Emily, você tem um faro de Sherlock Holmes e Philip
Marlowejuntos.Estupendo.NospensamentosdeNickpredominavao caos.Poderia ter certezade
queLarryMcVayeraopaideAdrian?Osobrenomenãoeracomum.Umacoincidênciadessetiponãoerapossível.
—Oquefoi?—perguntouVictor,admirado.—Vocêsnãoestãodizendonada.Eolhaqueavançamosumpassogigantesco.EsseLarryMcVaypode
ser uma peça do quebra-cabeça, já que perdeu um processo contraHortulano. Ele com certeza está furioso. Talvez ele saiba algo sobre oErebos.Nósdeveríamosfalarcomele.
Comalgumesforço,Nickrecuperouavoz.—Issonãovaiserpossível.Elesematou.ElescolocaramVictorapardasituação,lhecontandosobreAdrianeseu
comportamentoestranhonasúltimassemanas.— Ele toda hora queria saber o que havia nos DVDs; depois, quando
descobriuque se tratavadeum jogo, elepraticamenteme implorouparadeixar o jogo.—Por qualmotivo,Nick continuava sem entender. O jogotratadopeloprocessonãosechamavaErebos,esimFulgorDivino.“Alegria,maisbelofulgordivino”,pensouNick,enfurecido.
Victorpegouonotebookeleuoartigomaisumavez.— Acho que estoume lembrando desse caso. O interessante era que
nenhuma das partes quis explicar exatamente o que havia de tãoextraordinário no jogo. Eles só ficaram se agarrando àquilo como doiscachorrosemumosso.Ojogonãofoiatéhojelançadonomercado.
EnquantoVictor continuava se aprofundando em suas leituras,Nick eEmilydiscutiamsobreoquepoderiamfazeragora.
—Temosque falarcomAdrian—Emilydeuumsuspiroprofundo.—Eleéumgarotomuitolegal.Nóstemosconversadomaisultimamente,eleérealmentemaduroparasuaidadeefalaumascoisasmuitointeligentes.
— Vamos conversar com ele — Nick concordou. Ele estava selembrandodoqueAdrian lhedisseraháalgumtempo:queelenãopodiapegar o DVD, mas que precisava descobrir o que se encontrava nele. EmalgumlugardaconsciênciadeNick,issofaziasentido.Masemqual,elenãosabiadizer.EleiriacolocartudoempratoslimposcomAdrian.Contar-lhetudoqueelequeriasabere,emtroca…
— Não! — o grito de Victor fez Nick e Emily virarem-se ao mesmotempo.—Droga,gente.Issojáestáficandosinistro.
—Oquefoi?—Programadorcometesuicídio—Victor leuemvozalta.—Nanoite
de13desetembro,L.McVay,proprietáriodeumaempresadesoftware,foi
encontradoenforcadonosótãodesuacasanonortedeLondres.Deacordocomasprimeiras investigações, a polícia exclui ação externa, tudo indicaque o próprio McVay pôs fim à sua vida. Como razão para o incidente,alega-se a condenação a seis anos de prisão em um processo porestelionato decidido três semanas atrás. Ele encontrava-se em liberdademediante o pagamento de fiança e havia informado a intenção de entrarcomrecurso.
—Issonósjásabemos—disseNick.Victorlançou-lheumolharobscuro.— E você conheceu Larry McVay? Vocês já se encontraram
pessoalmentealgumavez?—Não.Adriansóchegouemnossaescolaapósamortedele.—Éoqueeupensava.Entãoseprepareparaumasurpresa—Victor
virouomonitor.UmgritobaixinhoescapoudeEmilyeelasegurounamãodeNick.—Esseé…essenãoéo….— Exatamente — sussurrou Nick. Ele olhou no rosto de McVay,
reconheceu os olhos, o rosto fino, a boca pequena. Larry McVay era ohomemmortodoErebos.
31
Victordesligouocomputador.—Quemprogramouesse sujeitodentrodo jogo?—perguntoucoma
vozfraca.—Quemteriaumaideiamacabradessas?Ninguémrespondeu.Nick deu uma olhada no relógio, era pouco depois de uma da tarde.
Adrianprovavelmenteestavanoalmoço.Depoisaindateriamaisduasoutrêsaulas,portantonãofaziasentidoiratéaescolaagora.
—Temosquefalarcomeleaindahoje—disseEmily,comosetivesselidoospensamentosdeNick.
—Sim.Vamosàescola, talveznósopeguemosemumdos intervalos.Não,quemaluquice…Ninguémpodeperceberquenósqueremosalgocomele.
—Porquênão?—exclamouEmily.—Ninguémsuspeitademim.EusouoficialmenteviciadanoErebos.
Issoeraverdade.Agoraelesprecisavamapenasdeumlocaldeencontronoqualpudessemtercertezadequeninguémosveriajuntos.
—Aqui!—gritouVictor.— Muito arriscado. Se alguém nos seguir, você será eliminado e é a
nossaúltimaconexãocomojogo.VocêéoúnicoquepodenosdizeroqueestásepassandonoErebos—contestouEmily.
—Espereaí.Masvocêaindaestádentro.—Só teoricamente—elasorriueolhouparaseurelógiodepulso.—
Em 17 minutos eu deveria procurar o sr. Watson e colocá-lo em uma
situação que o incriminaria. Eu não estou pensando em fazer isso,portanto….adeus,Hemera.
—Ah,muitobem—resmungouVictor.—Émuitafaltadeconsideraçãoficardependendoapenasdemim.Eseojogoagoramepedirparaseduziressesr.Watson?Entãoeutereiquefazerissoparanãoperdermosoacessoaojogo?
Elesriram,aatmosferatornou-seleve.—EntãoaindateremosKate,maselanãoétãobrilhantecomovocê—
disseNick.—Aliás,vocêdeveriacontinuarjogandoagora.Vocêsestãotãoperto da Blackfriars, a qualquer minuto podem chegar lá. E então nóssaberemos,certo?
Victorfezbeicinhoefoiparaasaladoscomputadores.—EntãoeunãovousaberoqueAdrianMcVaytemadizer?— Claro que vai. Nós lhe enviaremos um pombo-correio à prova de
interceptação—disseEmilycomumgestodeseriedadeafetada.—Nick,onde nos encontramos? Em um café não é seguro, mas talvez em umparque?AlgumlugarnoHydeParkondepossamosterumaboavisãogeraldasredondezas?
—Não.Lánósaindapoderíamosservistos.—Uma ideiapassoupelacabeça de Nick. Ele escreveu para Emily o endereço em um pedaço depapel.—Aquinósestaremoscemporcentoseguros.Euesperovocêslá.
Beccaoabraçouprimeiro,depoisFinn.— Maninho! Que surpresa boa! Quer café? Você veio por causa do
notebook?Nicknegouambasasperguntas.—Euprecisavadeumlugarcalmoparaumtipode…reunião.Euchamei
doisamigos,elesestãovindoemumahora.Tudobem?Finncolocouobraçosobreseusombros,oquenãofoimuitosimplesde
fazer,vistoqueNickerameiopalmomaisaltoqueele.—Vocêestá tãonervoso.Estácomproblemas?Essa reuniãodevocês
porumacasonãoénadailegal,nãoé?—Oquê?Não!—Nick sacudiu a cabeça, agitado.—Não.Muito pelo
contrário.Émuitocomplicado,mascomtodacertezanãoénadailícito.—Entãotudobem.—Finnolevouatéumdostrêsestúdios.Asparedes
estavam cheias de fotos de tatuagens recém-feitas em todas as partesimagináveisdocorpo.
—Este aqui estábompara você?O estúdiomaior eu vouusarhoje eBeccaaindaestácomumpessoalmarcadoparafazerpiercings.
—Esteaquiestáperfeito.—Muitobem.Ecommamãeepapai,tudobem?—Sim,tudoótimo.Finn levantou as sobrancelhas— atualmente com seis furos em cada
lado, como Nick notou —, provavelmente admirado com o laconismoanormaldeseuirmão.Elesaiu,voltandotrêsminutosdepoiscomsucodelaranjaebiscoitos.
—NinguémpoderáacusarosDunmoresdeseremmausanfitriões.—Obrigado.Osminutossearrastavam.Nicktentavadistrair-seanalisandoagaleria
deFinn.Costascobertascomrosas,umbícepscomumcenáriodosAlpeseumtornozelocomgolfinhossebeijando.
SeráqueEmily conseguiriaconvencerAdrianavir junto?Aliás,porqueelenãoiriaquerer?Eleestavatãocuriosoparadescobriralgosobreojogo.
Pronto! Os sininhos que Becca havia colocado sobre a porta da lojasoaram.Clientes?OuEmily?
—Olá,nósmarcamosaquicomNickDunmore—eraEmily.FinnlevouameninaeAdrianparadentro.NicknãopôdedeixardenotaroquãointeressadaEmilyexaminavaseu
irmão.Suacópiaumpoucomaisbaixa.— Oi — ela lhe deu um beijo nos lábios que o fez flutuar por um
momento.AtrásdelaAdriansorria,seucabeloloiroarrepiadoemumladodacabeça,oquelheconferiaumaspectodekobold.
—Quefotosincríveisessas—disseele,apontandoparaasparedes.—Achoquetambémvoufazeruma.
Finnficouradiante.—Entãovolteaquieeufaçoumpreçoespecial.Agoraeuvoudeixá-los
comareuniãosecretadevocês.Casoalguémprecise,acozinhaéasegundaportaàesquerdaeobanheiro,bememfrente—eentãoeleseretirou.
Adriansentou-senaquiloqueNickchamavade“cadeiradetratamento”eolhouparaeleansioso.
— Emily disse que vocês tinham que falar algo comigo. É sobre oErebos?
NinguémpoderiaacusarAdriandeserumapessoadefazerrodeios.—Sim—respondeuNick.—Primeirodetudo:Emilyeeunãoestamos
maisnele.Entãovocênãoprecisatermedodenada.—Certo.Foi difícil paraNick saber como começar. Ele estavaprestes a tocar e
revolveremumaferidaantigadeAdrian.Eleafastoudatestaumamechadecabeloinexistente.
—Dealgumaforma,oErebostemalgoavercomseupai—eleviuosolhosdeAdriansearregalandoeesbofeteouasimesmoempensamento.Quesensibilidade,seuidiota.
—Comovocêsabedisso?—sussurrouAdrian.—Nãofoipormim.Eunãoconteinadaparaninguém.
NickeEmilytrocaramumolhar.—Agoraeuestouumtantosurpresaporvocêsaber—disseEmily.—Claroqueeusei.Sóquepormuitotempoeunãosoubeoqueera—
elesorriu,parecendoquequeriasedesculpar.—Claroqueeupenseiquefosse um jogo. Meu pai praticamente só programava jogos. Mas eu nãotinhacerteza.
Nicknãoentendeunada.Eletevequerecomeçardocomeço.—VocêrecentementemedissequenãopodiapegarnenhumdosDVDs,
masqueprecisavasaberoqueseencontravaneles.Porquê?—Eunãopodiapegarporquepapaimeproibiu.NovamenteNickeEmilytrocaramumolhar.—Nãoestouentendendo—disseEmily.—Seupainãoestámorto?— Claro— ele virou o olhar, fitando as pontas dos seus sapatos.—
Papaimedeixouissoescrito.Eleescreveutudo.—Oquê?Oqueeledeixouescritoparavocê?
Semlevantarosolhos,Adriansacudiuacabeça.—Não,primeirovocês.EuquerosaberquetipodejogooErebosé.Nickescutouseuprópriosuspiro.—É um jogo excelente e cativante. Quando você começa a jogar, não
conseguemaisparar.Adriansorriuparaochão.—Todososjogosdepapaieramassim.—Vocêestámesmosegurodequeseupaioprogramou?Agora Adrian olhava para cima, e em seus olhos havia uma leve
indignação.—Com certeza. Do contrário, ele nunca teria dito que o jogo era sua
herança.—Eledisseisso?—Escreveu. Nessa carta. Que isso era herança dele e que eu deveria
passá-laadiante—AdrianolhoudeNickparaEmilyedevoltaparaNick,percebendoqueosdoisentenderampoucodesuaexplicação.
—Papaimorreuhádoisanos—disse.—Doisdiasapóssuamorte,otabelião deleme ligou dizendo que estaria comuma carta paramim.Noenvelopehaviaumamensagemdomeupai,edoisDVDs.
Nicktomoufôlego.—Vocêdistribuiuojogonanossaescola?—Distribuí?Bem,eudeiumDVDaalguémdaminhaturma.Osegundoa
ummeninoqueeujáconheciaequeestudavaemoutraescola.Papainãoqueria que os dois DVDs fossem parar na mesma escola. Além disso, elequeriaqueeupensassebemparaquemeu iriadarodisco. “Dêaalguémcujavidavocêachevazia”, eleescreveu. “EmeprometaquevocêmesmonãoabriráosDVDs.Elessãoumapartedaminhaherança,masessapartenãoéparavocê.”
AlgodentrodeNickpulsavadolorosamente.—Evocêrespeitouisso?—Claro—murmurouAdrian.—Poxa,foiaúltimacoisaqueeusoube
domeupai.Eunãocontavadeverouleralgodeleoutravez…Eufiqueitãofeliz!—seusolhosestavammarejados.
Eeleusouvocê.—Agoraéavezdevocês.Doquesetrataojogo?ParaoalíviodeNick,Emilyassumiuaexplicação.—Falandopor alto, trata-sedeummundo sombrionoqual épreciso
cumprir todas as missões e sobreviver a todos os perigos possíveis. Asmissõesaseremcumpridas,noentanto,nãoselimitamaomundodojogo,esimestendem-seatéarealidade.Vocêprecisa,porexemplo…fotografarpessoasoufazerosdeveresdecasadosoutros.
Adrianpareciaextasiado.—IssoéoFulgorDivino.Oprojetopreferidodepapai.Elequeriaqueos
jogadores se presenteassemou, de outra forma, dessemasmãos na vidareal.Queelesnãoficassemapenasnafrentedocomputador,quesurgissemamizades.Elemecontou tantasvezes sobre issoantesde…—oolhardeAdriandesviouparaolado.—Então,antesdealguémquererroubar-lheojogo.Vocêsrepararamqueeleéumpoucodiferenteparacadajogador?Amúsica, por exemplo, orienta-se pelos arquivos deMP3 que você tem nodiscorígidoounasmúsicasquevocêescutanoYouTube.Quandoojogojáoconhece umpouco, ele sabe quaismissões vocêmais gosta de fazer e ascolocanojogo.Papaiintegrouumsoftwarepsicológicoqueadaptavaojogototalmente a você—via-sequeAdrianestava realmentemergulhadoemsuaslembranças.
NickficoucomtantaraivadeLarryMcVayquetevevontadedequebraroestúdiointeiro.
— Poderia ser… digo, você considera possível que seu pai tenhaalterado a programação do jogo? Que ele tenha adicionado algunsdetalhezinhos? Porque o jogo não se chama mais Fulgor Divino. Ele sechamaErebos.
—Como?Ah,sim,épossível—obrilhonorostodeAdrianseapagou.—Alguém tentou roubarFulgorDivino dele, disso vocês têm que saber.Entãohouveumprocessoquesearrastoupormuitotempo…Nosúltimosdoisanos,papaiandava…bem,diferente.Elevinhafalandopouco,entãoeunão sei se ele mudou algo. De qualquer forma, ele estava trabalhandobizarramente.Naverdade,elesó fazia isso.Elesetrancavanoporão,mal
comia,nãodavaumapausanemparatomarbanho—eleolhouparaNickeEmilycompesar.—Mamãeachaquedesdeoiníciodoprocessoelejánãoera mais o mesmo. Ele não suportou ter sido acusado de roubo eestelionato. Sendo que os roubados havíamos sido nós. Quatro vezes. Noescritório,emcasa,eatéoscarrosforamarrombados.
AsconclusõesqueNicktiroudahistóriadeAdriannãoeramnadaboas.Pareciaoseguinte:aSoftSuspensehaviasentidoocheirodonovoprojetode McVay e tentado se apropriar do programa. Isso não deu certo, pelomenosnãodemaneirasatisfatória,eelesprocessaramMcVay.Eganharamaação.Issoseriapossível?
—Escutebem—disseele.—EuvoulhecontaragoraqualoobjetivodoErebos,entendido?—ApesardesentiroolhardeEmilysobresi,elenãoconseguia parar agora.—Ummonstro temque sermorto. Para isso sãoprocurados os melhores, mais fortes e mais egoístas jogadores. Elesprecisam voltar-se contra qualquer um que queira parar o Erebos e têmque se preparar para a última batalha. Essa última batalha vai acontecermuito em breve, e você sabe como se chama o monstro que deve serdestruído?
EleviunosolhosdeAdrianqueeletinhapelomenosumpalpite.—Exato—disseNick.—ElesechamaHortulano.Adriansoltouoarperceptivelmente.Riualtoeficousérionovamente.—Sério?—Sim,juro.No rosto de Adrian refletiam-se várias sensações ao mesmo tempo:
satisfação,tristeza,ódio.—Você está dizendo—disse ele com a voz seca—que alguém está
querendomatarHortulano?—Talvez.Algodessetipoiráacontecer,acho.—Algumasvezeseujápenseiemfazerissoeumesmo.Naépocaemque
papai ficou tãodiferente e…mais tarde também—novamenteele sorriapara o chão.—Depois de ter distribuído osDVDs e ver como as pessoasmudaram do nada… eu comecei a temer que papai tivesse cometido umerro.Umjogoquedestróiosjogadores,sabem?Nofinalelejáestava…ah,
não importa. Ele estava completamentemudado. Assim como vocês. Porissoqueeufiqueicommedo—disse,e levantouosolhos.—Maselenãoqueriaprejudicarvocês.ApenasHortulano.
Aofalar,Emilyfoibastantecautelosaecalma.—Masnão foiassim,Adrian.O jogo levouos jogadoresa fazer coisas
horríveis.AlguémsabotouabicicletadeJamie.Adrianlevantouacabeçabruscamente.—Oquê?— Issomesmo.Não foiumacidente.Aconteceuumaporçãode coisas
ruinsapenasparapôrempráticaoplanodevingançado seupai.OntemalguémtentouatirarNicknalinhadometrô.
Comorostopálidoeperplexo,Adriansacudiaacabeça.—SeumdosjogadoresmatarHortulano,estarácomissodestruindoa
própriavida—prosseguiuEmily.—Éumacoisaquevocêtemquesaber.Ecomtodacertezaseupaitambémsabia.
Adriandesviouseuolhar.—Ojogofalavamesmocomvocês?Vocêsperguntavameelerespondia?
Ouocontrário?—Sim—disseEmily.— Era isso que Hortulano queria ter de qualquer maneira. A IA que
papai havia desenvolvido. Inteligência artificial— explicou após o gestointrigadodeNick.—Eledesenvolveuumprogramaquepoderiaaprendercomo um ser humano. Inclusive línguas. Papai dizia que quando o jogoestivessepronto e amadurecido, ele iria ganharoPrêmioNobel por isso.Eleestavaextremamenteorgulhosoeseesforçavaaomáximoparamantersecretasuainvenção.
Lá estavadenovo aquela fragilidade, aquelanecessidadedeproteção,queNicktantasvezeshaviapercebidoemAdrian.
— Mas um dos contadores da empresa de papai foi subornado.Hortulanodeixavaseuradarsempreapontadoparaasinvençõesalheiase,apartirdomomentoemquesoubequepapaitinhadadoumgrandepassonacriaçãodainteligênciaartificial,nãohouvemaispaz.
Nick estava quase certo de que o tal contador atualmente tinha uma
garagempichada.—Primeiro,Hortulanoquiscompraraideiadepapai,maseledisseque
não.Eletinhasuaprópriafirmaequerialançarelemesmoseuprograma.Foiaíquecomeçouohorror.
Emilylevantoudeseulugaresentou-sedoladodeAdrian.—Isso tudoéhorrível.Tão injustoqueeupoderiagritar.Masmesmo
assimninguémdeveriasetornarumassassinoporisso,nãoé?—Não—sussurrouAdrian.—Vocêtemrazão.—Porissoqueestamostentandoimpedi-lo.—Certo.Vocêsprecisamdaminhaajuda?—issosooucomoumpedido
e Nick acreditou poder entender Adrian. Ele não queria novamente serreduzidoaummeroespectador.
—Comcerteza—disse.—Vocêécomosefosseachavedesteenigma.
Enquanto esperava pelo trem, Nick ligou para Victor, que atendeuimediatamenteapósoprimeirotoque.
—Finalmente!OquedizopequenoMcVay?—QueHortulanoéumcanalha.—Émesmo?Poisé,noramohámesmoalgunsdessetipo.—Éoqueparece.Eledissetambémqueseupaidesenvolveuumtipode
inteligência artificial e a implantou no jogo. Algo bastante novo e queHortulanoqueriateraqualquerpreço.
— Oh. Essa história não me surpreende. Minha nossa, isso o teriatransformadoemumhomembizarramenterico.
Inteligência artificial. Em casa, Nick ligou o notebook de Finn e tentoudescobrir mais a respeito. Parecia que havia legiões de especialistasocupados em descobrir uma maneira de ensinar aos computadores opensamento humano em toda sua complexidade. O pai de Adrianconseguira. Seu software aprendia, podia ler e utilizar a informação lida.Ele avaliava o usuário do computador e lhe dava o que ele desejava nofundo de seu ser. Que loucura. Não era de se admirar que ninguém
conseguissemais se libertar do Erebos. O jogo agora era uma arma quehaviatomadovidaprópria.
Nick continuou lendo, se informou sobre o Teste de Türing, o PrêmioLoebner, a IA simbólica e neural. Após duas horas, ele ficou com dor decabeçaedesistiu.Elenãoconseguiriacompreender,nemmesmoumpouco,oqueLarryMcVayrealizara.
32
OSMSdeVictorchegounomeiodamadrugada,o toquearrancouNickdosonoprofundo.Ateladeseucelulareraumaofuscantemanchabrancanaescuridãodeseuquarto.
Ele deu um salto tão rápido da cama, que ficou tonto e teve que seapoiarcomasmãosnaescrivaninha.
1novamensagem.
Eleclicouemler.
Parece que chegou a hora do Hortulano. Eles estão preparando o Círculo Interno para abatalha.Tochas, juramentos, togasbrancas,acoisatoda.Achoquevaiacontecerhoje.Porora nós estamos cercando a fortaleza. P.S.: Há pouco eu encontrei um cristal de desejos(amarelo).Setudoacabarmesmoembreve,eunãovouprecisardissoparanada,nãoé?
Victorhaviaenviadoamensagemàs3h48,agoraeram3h50.Juntocomseucelular,Nickarrastou-sedevoltaatéacamaeligouparaele.
—Oquevocêquerdizercom“cercandoafortaleza”?— Oi! Então, a gente está só enrolando aqui em frente a ela. É uma
construção branca grandalhona que reluz no escuro da noite e na qualescorresanguedecimaabaixo.Eca.
Nicknãorespondeudeimediatoporestarbocejandoforte.— Eu acordei você, não foi? Sinto muito, mas eu queria mantê-lo
atualizado de qualquer maneira. Podia ser que… ooops, agora estãoatirandocabeçasdenovo!
Nickouviucliquesfrenéticos.—Pronto,resolvido.Comoeu iadizendo:Podiaserquevocêquisesse
fazeralgumacoisa.—Não sei, o quepor exemplo?AlguémdisseoqueoCírculo Interior
deveriafazer?Algumadicaparanós?—Eles têmquederrubarHortulano.Quandoeles tiveremconseguido,
sua torre irá desmoronar e todos nós seremos incrivelmenterecompensados, foioqueoMensageirodisse.Agorahámuitíssimagentesentadaaqui,esperandoessacoisa tombar,emboraosdoCírculo Internotenhamacabadodepartir.
—EuqueriairatéaBlackfriarsagora.— O metrô ainda não está aberto e os ônibus noturnos você pode
esquecer.Alémdisso…vocêquerfazeroquelá?Émelhorvocêirsedeitar,Nick.
Aquilohaviasidosóumapiada.MasVictortinharazão,elesprecisavampelomenosdoesboçodeumplano.
—Voupegaroprimeirotrematéaíeentãopensamosnoquefazer.—Certo.Eutambémjáestouficandoaflito.Achoqueagoravaiserpara
valer,mesmo.—Seaconteceralgodeimportante,entreemcontato.—Podedeixar.Voumemanter aquinomeupostonoturno, isoladoe
sem companhia. Exceto, é claro, pelos trezentos guerreiros cansados queestãoaomeuredor.
Nicksentou-seemsuacamaeolhoufixamenteparaoponteirodeseurelógio.Aindafaltavamaisdeumahoraparasairoprimeirometrô.Eseatorredesmoronassenessemeio-tempo?
Elenãoaguentavamais ficarsentadoecomeçouazanzarpeloquarto,fazendo um barulho excessivamente alto no silêncio noturno doapartamento. Mas não queria acordar ninguém. Achou melhor ir até a
cozinhaeescreverumbilhetedizendoquefoicaminharcomColinantesdaaula.Comalgumasorte,seuspaisiriamacreditarseacordassemdentrodaspróximasduashorasemeia.
Quandosaiudecasaeramquinzeparaascinco.Ele levousuamochilaparaquesuamãenãoaencontrasseporacaso,eacolocoulogoemseguidanoporão,juntocomasbicicletas.Pesoinútileleestavapodendodispensar.
As ruas estavamescuras e vazias; na estação, as grades permaneciamabaixadas. Nick estava todo embrulhado em seu casaco e contava osminutos. O que ele iria fazer? Ele podia esperar Hortulano e obrigá-lo aouviroquetinhaadizer.Oufalarcomapolícia:Vocêssabiamqueexisteumjogo de computador no qual tudo indica que um gerente sórdido seráassassinadohoje?Ahsim,ótimaideia.
O celular tocou, invadindo seus pensamentos e anunciando umamensagemnova.
Agora eu tenho certeza. Vai acontecer hoje. Recebi umamissão que tem a ver. Entre emcontato!
EleligouimediatamenteparaVictor.—Sealguémmeperguntar,euvouterquedizerqueeuestavatomando
cafédamanhãcomumtalColinHarris.Hoje,entreoitoedezhoras.Nicknãoentendeunahora.—PorquevocêhaveriadetomarcafédamanhãcomColin?—Eutenhoqueseroálibidele,entende?Óbvio,anãoserqueopeguem
emflagrante.VocêconheceesseColin?—Conheço.—Nãoimporta.EscuteNick,essacoisatodaestámedeixandonervoso
pracaramba.—Eujáestouacaminho.Eatorre,comoestá?Aindadepé?—Sim,sim.Depé,brilhandoesangrando.Quando as grades da estação finalmente se levantaram, Nick correu
escadaabaixo,comoseoMensageiroempessoaestivesseatrásdele.Sem
desvios desta vez, iria direto para King’s Cross. Não demorou nem vinteminutosatéeleestarbatendonaportadeVictor.
—Vejasó—disseVictor.Lá estava a torre. Gigantesca e branquíssima na escuridão. O sangue
escorriaepingavapelasjanelas,pelasfrestasepelasrachadurasdaparede.Naescuridãoaoredorencontravam-secentenasdeguerreirosdetodosasespécies e níveis. Eles aguardavam.Nick podia imaginar o quão curiososeles estavam. O quão curioso ele mesmo estaria se não soubesse osbastidores da história. Portanto, aquela imagem lhe causava apenas umlevemal-estar.
— Eu vou procurar Hortulano e avisá-lo. Não importa se ele é umbabaca.Seelenãomelevarasério,pelomenoseutentei—disse.
—Ou—adicionouVictor—nóspodemosiratéoedifíciocomercialeficardetocaia.Assimquealgumdosjogadoresaparecer,nósodetemos.Einformamosapolícia.
Issosoavabem.Iriafuncionar.—Certo—disseNick.—QuemestánestemomentonoCírculoInterno?Victorcontou-osnosdedos.— Wyrdana, BloodWork, Telkorick, Drizzel e… um momento…
Ubangato,umbárbaro.Entrounoúltimotorneio.Vocêtemalgumaideiadequemelespossamsernavidareal?
—Não—disseNick.—MaseuachobastantepossívelqueColin sejaBloodWork.
Pouco depois das seis eles partiram. Nick enviou um SMS para Adrian.Contra sua vontade,mas ele havia prometido que omanteria atualizado.VictorsecomunicoucomEmily,fazendocomqueNicktentassearrancarocelulardele.
—Vocêestálouco?Eseascoisasficaremperigosas?— Eu tive que prometer isso a ela. Ela vai me esganar se eu não a
mantiver informada—eleclicouemenviar.—Alémdisso, ela tem tanto
direitodeparticipardissoquantoeuevocê.EAdrian.
Blackfriars.ElesdesceramdometrôeforamrumoàBridewellPlace.EmilyeAdrianiriamjuntosencontrarcomeleslá.
Chuviscava eNickmarchava em silêncio ao lado de Victor, prestandoatenção o tempo inteiro em eventuais rostos conhecidos enquanto seuspensamentosgiravam.E se ninguémaparecesse? Se tudo fosse apenas umalarmefalso?SeatorresequerfosseoedifícionaBridewellPlace,esimumoutro?
Eles subiram a New Bridge Street. Pelo menos ele fora esperto obastanteparacolocarumcasacocomcapuz;aomenospodiaescondersuatrança,jáquesuaalturanãoerafácildeencobrir.Elenãoqueriadeformaalgumaserdescobertopelosjogadoresantesdotempo.
Por esse motivo, eles não podiam simplesmente ficar parados naBridewellPlace.Aliatráshaviaumpub¸maselesóabriaàsonze.
—Ouçabem—disseVictorquandooedifíciojáestavavisível.—Vocêficaaquiesperando.Semchamaraatenção,claro.Voudarumavoltaparareconheceroterreno,ninguémmeconhecemesmo.
VictorpartiueNicknãotirouosolhosdoprédio.Oandaimeobstruíaavisão das janelas. Saco. Nick olhou mais atentamente. Havia algo semovendoali?Alguém?Não,eraapenasimaginação.Esealguémrealmenteestivesseali,certamenteseriaalgumoperário.
Umaolhadelanorelógio.Erapoucodepoisdasseteemeia.Droga, issopodedurar. Ele olhou novamente para o andaime e no instante seguintequaseteveumtrecoquandoumamãosecolocousobreseuombro.
—Eudissesemchamaraatenção,sr.Dunmore.Vocêestátãodiscretoquanto um farol— Victor estava atrás dele com um sorriso de orelha aorelha.
—Precisameassustardessejeito?—Ah, vamos, permita aummaluco solitárioumpoucode alegria em
suavida.Agoravamos,temosquechegarmaisperto.Eles observaram a entrada por algum tempo sem que aparecesse
qualquerpessoa familiar.EntãoocelulardeNicktocou, fazendocomque
elequasesejogassenafrentedeumcarrodetantosusto.— Oi, sou eu, Emily. Adrian e eu já estamos aqui perto. Estamos
comprandosanduíches.Vocêquer?—Sanduíches?Agora?Não,obrigado.—Eu preciso comer sempre que estou nervosa—disse ela.—Onde
vocêestá?— Bem na frente do prédio da Soft Suspense. Victor já está aqui
também.Atéagoranãoaconteceunada.—Talvez vocês estejam chamandomuita atenção aí. Em um instante
estaremoscomvocês!Nick puxou Victor para trás de um carro de entregas que estava
estacionando,poisEmilyobviamentetinharazão.Elesnãopodiamestragartudo.
Dezminutosmais tarde, quandoEmilly eAdrian chegaram, aindanãohavia acontecido nada. Embora pessoas toda hora entrassem no edifíciocomercial,nãohavianinguémdaescolaentreeles.
— Com certeza é hoje — persistiu Victor. — O Círculo Interno foimandadoemboraeNickeeuvimosatorrequesangra.
Mais dezminutos se passaram.Nada. As costas deNick começaramadoerporqueeletinhaqueseencolheratrásdocarrodeentregaparanãoaparecer.EseoCírculoInternotivesseamarelado?Justoagoraqueeratudoounada?
—LávemHortulano—disseAdrian.Elefaloucombastantecalma,masNickviaseusmúsculosdomaxilarcontraídoseseuspunhoscerrados.
Agora os guerreiros do Círculo Interno tinham que finalmente semanifestar.Quando,senãoagora?Masninguémapareceu.Emlugaralgumhavia alguémparadopormuito tempodemodo suspeito. A cadaminutocresciaemNickasensaçãodequealgoestavaerrado.Seráqueeleshaviamabordadoa situaçãodemaneirademasiadamentedireta?Seráqueo lugarestavaerrado?EstariaalguémnoestacionamentoinstalandoumabombanoJaguardeHortulano?
Mal concluíra seus pensamentos quando ouviu algo tilintar. Vinha doedifíciocomercial,doaltodele.Umavidraça?
Nick olhou para o alto, porém não conseguiu ver nada por causa domaldito andaime… Mas o tilintar persistia, ou melhor, o som de umestilhaço…
—Nóssomosunsidiotas—sussurrouele.—Elesjáestãoládentro.Eles se olharam e começaram a correr, como se seguindo a um
comando.Elesatravessaramcorrendoarua,opátiofrontal,alcançaramosaguão
derecepção.— Agora devagar — disse Victor. — Do contrário não nos deixarão
passar.Evamospegaraescada,nãooelevador.Olugareradecoradopormármorecinza,comcolunas,muitovidroeum
balcãocomumamulherque lhessorria.E láestavaRashid,emumcantoescondidodosaguão,esperandoquaseinvisívelemumapoltronadecouropreto.
— Soft Suspense? — perguntou Victor, e sacou sua credencial dejornalista.
—Quintoandar.Ummomento,euvouanunciarosenhor.RashidolhavaparaNick inseguro,eleaparentementenãocontavaque
alguém aparecesse para causar problemas. Foi quando ele pareceu tertomadoumadecisão, levantou-sebruscamenteeprecipitou-senadireçãodeles.
—Muitoamável,masnãoseráprecisoanunciar—disseVictor.Aliatrásestavaaescada.Elessaíramcorrendoatéela,Nicknemouvia
maisoquearecepcionista lhesgritavade longe,apenasseperguntavaseRashidestariacomumrevólver.
Primeiro andar. Até agora nada de anormal, ninguém em pânico,nenhumbarulho.Masaquihaviaapenasumaimobiliária.
Segundo andar. Onde está Rashid? Nick deu uma olhada por cima dosombros e atrásdelenãohavianada alémdeumaescadadeserta.Apesardisso,elecontinuavainquieto.
Elespassarampeloterceiroequartoandares,ondenãohavianadaalémdeescritórioscomuns,eporumbrevemomentoNickesperou,contratodarazão,queelestalvezestivessemenganadosequehojenãofosseacontecer
absolutamentenada.Eleseagarravaaessaideiaenquantosubiaasescadasparaoquintoandar.
Assimquechegaramláemcima,Rashidapareceudiantedeles.—Parados.Issoaquinãoédacontadevocês.Pelomenosnãotinhanenhumrevólvernasmãos.Maslevavaumalatade
sprayqueapontavaparaeles.Spraydepimenta.Amãotremia,avozdeRashidtambém.—Fiquemparados,eudisse.Nãoquerofazernadacomvocês.Parados…
oumelhor,voltemláparabaixoeentãonãoaconteceránada.Aoresponder,avozdeEmilyestavatotalmentecalma.—Vocênãoprecisafazerisso,Rashid.Vejasó,vocêpodesimplesmente
descerestaescadaeirembora.Ninguémvailhefazernada.Nemnós,nemoMensageiro,nemnenhumdosoutrosjogadores.Prometo.
OrostodeRashidsecontraiu.—Cale a boca, você não tem amenor ideia do que está acontecendo.
Sumamdaquiagora.Emilyfezmaisumatentativa.—Sevocêseapressar,estaráforaantesdeapolíciachegar.Temoque
eleslogoestarãoaquieaívocêpodearrumarcomplicaçõessérias.O dedo de Rashid sobre o botão do borrifador semoveu. Nick puxou
Emilyparatrás.—Nósnãoestamosameaçandovocê—disseNickàspressas.—Pelo
contrário.Nósestamosquerendoajudar.Corra!—Mas…então…— Então você vai ser eliminado do jogo? Para ser sincero, acho que
depoisdehojenãovaihavermaisjogo.Amãocomospraydepimentaabaixoualgunscentímetros.—OMensageirovaimematar.—VocêestávendoalgumMensageiroaqui?Umorc?Umtroll?Issoaqui
édeverdade,Rashid,evocêvaipararemumacadeiadeverdadeporsuacumplicidadeemumassassinato!
Agoraseusbraçospendiambambos.Nickpensousenãodeveriapartirpara cima de Rashid e arrancar dele a lata de spray, mas aquilo
provavelmentenãoeramaisnecessário.—Vocêsnãovãomeentregar?—perguntoubaixinho.—Não.Comtodacerteza.Elelheslançouumúltimoolhartímidoecomeçouadescerasescadas,
primeirodevagar,depoismaisrápido.—Rashid!—Nickochamoudelonge.—Quantosmaisestãoaqui?—Nãosei—gritouRashiddevolta.—Osdoisvigiasdoladodeforajá
devemteridoembora.Dequalquerforma,pelomenososcincodoCírculoInternoaindaestãodoladodedentro.
Depoisdissosóseouviramseuspassospesados,comoseeleestivessedescendodoisdegrausporvez.
— Cinco pessoas e algumas armas — resmungou Victor. — A gentedeviaaomenostertomadoospraydaquelegaroto.
Nick lhe deu razão em silêncio, mas agora era tarde demais. Elesempurraramapesadaportadevidroqueseparavaaescadadosescritórios.Láhaviaumoutrotipoderecepção,massemrecepcionista.Noscorredoresnão havia ninguém passando e as portas de todas as salas estavamfechadas.
—Porquenãoháninguémaqui?Eles foramandandocautelosamentepeloprimeirocorredoreabriram
com cuidado uma porta. Atrás dela encontravam-se duas baias, masestavamdesocupadas.Nasalaseguinte?Tambémninguém.Nickabriuumaporta após a outra, todas as vezes tomado pelo medo de que pudesseencontraratrásdeumadelasumapilhadecadáveres.
—Estãotodosdefolga?—perguntouVictor.—Estououvindoalgoaliatrás—disseAdrian.Eleapontouparaofinal
do corredor, para uma porta demadeira com detalhes emmetal que sedestacava consideravelmente do estilo moderno das demais salas doescritório.
Elesapuraramosouvidose,defato,haviaalgoali:umabatidasurdaeumavozabafadagritandoalgumacoisa.
—Muitobem,agorapelomenossabemosondeelesestão—constatouVictor.—Vamosentrar?Ouprocuramosostiras?
Nicknãopensoumuitotempo.—Adrian, vocêentra emumdosescritórios e ligapara apolícia.Nós
vamosmontarguardaaqui.Apósalgumahesitação,AdrianfezoqueNickdisse.Emily,Victoreele
mesmosereuniramemvoltadaportademadeira.—Nós tambémpodemosentrar e apostarnoefeito surpresa—disse
Victor.Nicknegoucomacabeça.—Acho que eu não quero surpreender ninguém comum revólver na
mão—ele pressionou sua orelha contra a porta e ouviu vozes,mas nãoentendeuoqueelasdiziam.
— Eu queria que a gente tivesse perguntado a Rashid quem são aspessoas do Círculo Interno— disse Emily—, assim nós poderíamos terumaideiamelhor…
Nomeioda frasedeEmily, a porta se abriu comumapancada e umafiguravestidadepretoirrompeudedentrodasala.Elausavaumamáscara:aquelacomumacarabrancaeabocaabertadistorcidadofilmePânico.
— Vou pegar água — gritou o mascarado, parando bruscamente aodescobrirNick,EmilyeVictor.—Tem…temgenteaqui!Ei,droga,deondeelesvieram?—eledeumeia-voltaecorreuparaoescritórioentãoaberto.
—Fiquemquietos—gritouNick,agitado.Oh, céus, isso não deu nada certo. Lá estavam um… dois, não, três
mascarados com revólveres. Nick conseguira olhar para dentro doescritório.Umquartogarotocommáscaradediabocontorcia-sededornochão.Colin, semdúvidas. Ao seu lado encontrava-se um taco de beisebol,dandoanítidaimpressãodequeeleterialevadoalgunsgolpescomaquilo.Deve ter havido uma luta. Duas das vidraças estavam quebradas. Com oquintorapaz,oquesaiuparapegarágua,Nicknãoavistounenhumaarma,masissonãoeragrandeconsolo.
—Dunmore—disseumavozgravesobamáscaradecaveira.—Seubabacamiserável.
Nickrecuouumpasso.Avozeraconhecida,assimcomotodasuafiguracorpulenta. Helen. Ela mantinha uma arma apontada diretamente para
AndrewHortulano,queestavasentadocomorostopálidoemsuacadeiragiratóriaecomasmãosamarradaspostassobreamesa.Aoseuladohaviaduas mulheres e três homens deitados no chão; suas mãos estavamamarradasparatrás.Umamulherchoravaemsilêncio.
Hortulanoolhouparaaporta.—Quemestáaíagora?Reforços?—aperguntasooudesdenhosa.Nick
viuumarranhãoensanguentadoemsuatesta.—Caleaboca—berrouHelenparaele.—Eagorafaçaoqueeuestou
dizendooueuatironasuaperna.Apernanomomentoseencontravaatrásdamesaenãoera,portanto,o
alvoideal.Hortulanoriudiscretamente.“Nãoasubestime”,pensouNick.“Elavaiatirar.Elaémaluca”.— Talvez você devesse fazer o que ela estámandando— disse, com
cautela.— E você cale a boca também! — vociferou Helen. — E alguém vá
buscarágua,agora!OsujeitocomamáscaradoPânicotomouimpulsonovamente,forçoua
passagem por Nick na porta e saiu correndo pelo corredor. TomaraqueAdriantenhasidoespertoobastanteparaseesconder.
Excetopelosoluçardamoça,olocalagoraestavasilencioso.Nicksentiuosuorescorrendopelasuanuca.Colingemiapor trásdesuamáscaradediabo.Ao seu ladoestavaajoelhadaumamenina, suamáscaradeGollumnãoenganava.
—Achoqueelejáestásesentindomelhor—disseela.O último do bando era ummenino, muito alto, robusto e com dedos
gordos.EleusavaumamáscaradealienígenaenãopareceufamiliaraNick.Aquilo que ele tinha nas mãos parecia uma escopeta de cano serrado.Apesardisso, eraHelenquemaparentementedavaas cartas.Eles tinhamque,antesdetudo,seentendercomela.
ApenasagoraNickpercebeuqueelausavaalgonopescoço:osímbolodoCírculoInterno,vermelho,comoespinhovoltadoparadentro.Elaeraaúnica que o usava. Nick supôs que ele tivesse sido confeccionado comaramegrosso.
Orapazdamáscarabrancavoltoucomaágua.Eleestendeuocopoparaomeninoajoelhadonochão, semdizerumapalavra.EntãoelenãohaviavistoAdrian.
ColinvirouascostasparaNick,EmilyeVictoraolevantarseudisfarcedediabo.Eleseergueuumpouco,tomoualgunsgolesetossiu.
—Estátudobem?—perguntouHelen.—Sim.Estoumelhor.—Ótimo.Entãovamoscontinuarcomotexto.Levante-se,Hortulano.Eleofezcontraavontade,podia-seperceber isso.FoidifícilparaNick
avaliar seHortulanoestava commuitomedoounão.DasduasvezesqueNickhaviaolhadoparaoempresário,elelhepareceramaisamedrontado.Eledevetersentidoqueháalgosendotramadoaoseuredor.Masatéentãoelenãoestavaentendendo.Agorachegouahoraeeleestámaisrelaxado.
—Vocêpagaráporseusatos—disseHelen.Aquilocomcertezaeraumtextopronto.—Porsuaganância,seuegoísmo,suasmentiras.
ComumacenodeHelen, o alienígena corpulentoescancarouumadasjanelas.Bemdiantedelesencontrava-seaBridewellPlace.Eaplataformamaisaltadoandaime.
Hortulanoestavaentendendo.—Eudiriaquejápaguei—precipitou-se.—Eissosemserganancioso,
egoísta oumentiroso. Vocês sabemmuito bem o que vocês vêm fazendocomigo.Jáchega,estãoouvindo?
Hortulano,assimcomoNick,provavelmenteteriadadotudoparapoderverasreaçõesportrásdosrostosmascarados.
—Saltepela janela—disseHelen.SeurevólverestavaapontadoparaHortulano.Nemsuavoznemsuamãoestavamtrêmulas.
—Escutem—lançouVictor.—Nósnãonosconhecemoseissoqueeuvou dizer vai parecer superbatido, mas vocês estão cometendo um errograve.Oquevocêsganhamseessehomemsejogarpelajanela?Vocêsvãoparaacadeia!Deixem-noempazevãoparacasa!
PelaprimeiravezameninaGollumdissealgo.—Vocêéamigodele?Écúmplice?— Você está doida, eu nem o conheço — gritou Victor. — Mas eu
conheçooErebos.Eeugaranto:oErebosenganouvocês. Seja láoqueoMensageiro lhesprometeu…vocêsnuncavãoconseguir.Saiamdisso.Vãoembora.
—Até agora nós temos conseguido— disse amáscara doPânico. —Todasasvezes.Entãonãofaledecoisasquevocênãoentende.
—Issoaí—completouoalienígenagordo.—Vocêsnãosãonada.NóssomosoCírculoInterno.Eagora,voeporessajanela,Hortulano.
—Nãoposso.—Entãoeuvouterqueatirar—disseHelen.Elalevantouorevólvere
atirounaparede.Otiropassouporelederaspão.— Está bem!— berrou Hortulano.— Eu vou saltar. Vou saltar, está
bem?Nãoatiredenovo.A moça no chão agora chorava mais alto, tomara que ela não deixe
ninguém do Círculo Interno nervoso. O próprio Nick estava tonto denervosismo.Com certeza alguém havia ouvido o tiro e logo iria aparecerparaveroqueestavaacontecendo,eissopoderiapioraraindamaisascoisas.
AndrewHortulanosubiunoparapeitoda janela.A janelaeraalta,maseleeragrandeeprecisouseencolherparapassar.Comasmãosamarradas,eradifícilparaelesesegurar.Ele lançouumolharsuplicanteparadentrodoescritório.
—Váemfrente—disseHelen.—Porfavor,não.Elalevantouorevólver,oalienígenafezomesmo.—Nãoprecisamosnemacertarvocêemcheio,bastaumtiroderaspão
paraagrandedecolagem—gritouela.Hortulanoestavaagorasobreoparapeitoesubiucomapernaesquerda
naplataformadoandaime,queeraumpoucomaisalta.“Passe para o outro lado e desça”, pensou Nick. “Isso tinha que
funcionar.Chegaráilesonaruasecontrolarosnervos.”MasaspernasdeHortulano tremiameeleseagarravanaarmaçãoda
janela.Percebia-sequeelesabiaexatamenteoquefazer.Seguraremoutracoisa,pegaromaisrápidopossívelnabarradeferrodoandaime.Maseleparecianãopodercolocaraquiloemprática.
—Nadadepedirporsocorro,senãodisparo—disseoalienígena.As mãos amarradas de Hortulano prenderam-se na barra como as
pinças de um caranguejo. Era um tormento vê-lo arrastando-se peloandaimecomorostobrancocomocaleosmembroscontraídos.
Nomomento emque ele conseguiu e engatinhavamais oumenos emsegurança sobre a plataforma, Nick ouviu um barulho atrás dele. Adrianhaviasereunidoaelesnovamente.
Suafiguraprovocouumasériedereações.—Você?—disseHortulanoofegante,quaseperdendooequilíbrio.Helen,quepareciaigualmentesurpresa,abaixouumpoucoaarma.—Oquevocêestáfazendoaqui?—elavociferou.—Desapareça.—Vocêvaideixá-lofugir?—perguntouColinportrásdesuamáscara
dediabo.—Vocêaindaestáregulandobem?Apistolavoltou-seemsuadireção.—Quieto.Eleétabu.—Quemdisseisso?—OMensageiro!Quemmais?Se eles começassem a lutar, Nick poderia aproveitar a chance e fugir
comEmily,AdrianeVictor.—Vocêchamouapolícia?—sussurrouelenadireçãodeAdrian,sem
obterresposta.TodaaatençãodeAdrianestavadirecionadaparaohomemnoandaime.
—Bom-dia,Sr.Hortulano.AvisãodeAdrian faziaHortulano segurar-se aindamais forte emsua
barra.—Vocêestáportrásdissotudo?—perguntou.—Não—Adrianseaproximoudajanelaeolhouparabaixo.—Quealto
issoaqui.—Nãomediga—porummomentoaraivadeHortulanoseimpôs.—
Peçaaessesfracassadosdemáscaraparamedeixarementrar.—Porqueelesmedariamouvidos?—Vocêtemsimalgoavercomisso.Nãomefaçadeidiota.Ésóvero
queaquelameninaestáusandonopescoçoparaentendertudo!
Adrianvirou-separaHeleneviuaquiloaoqueHortulanosereferia.Semhesitar,elefoiemsuadireção.ElepegouosímbolodoCírculoInternoeoexaminou.
—Porquevocêestáusandoisso?— Desapareça, você não vai entender! — a proximidade de Adrian
dificultavaquemantivesseHortulanoemseucampodevisão.—Vocêmesmafezisso,nãofoi?Masporquê?—Porque eu estounoCírculo Interno e este é o símbolodele.—Ela
empurrouAdrian; foiummovimentocomasmãosquepareceuquasededesculpas,masqueaomesmotempoteveforçaosuficienteparamandá-locambaleanteatéaoutrapontadasala.Emilyosegurouantesqueelecaísse.
— Na verdade — disse ele —, esse é o logotipo da Vay too far. Aempresadomeupai.
—Exato—disseHortulano.Apalavraterminouemumgrito,poisumarajada de vento começou a sacudir o andaime, fazendo seus suportesrangerem.
Alémdisso,oventotrouxeconsigoumsom.Sirenes.Eramoscarrosdapolícia?Bempossível,eelesestavamchegandoperto.OalívionorostodeHortulanoficouclaro.
—Pule—disseHelen.—Oquedisse?—Éparavocêpular.Ela se aproximouda janela, levantou a armae apontouo canoparao
peitodeHortulano.—Puleoueujogovocêláembaixocomumtiro.As sirenes já estavammais próximas, o alienígena e ameninaGollum
trocaramolharesfrenéticos.— Temos que fugir — disse a menina. — Alguém chamou a polícia.
Vamos,gente,rápido!—Pule agora, seu canalha—disseHelenpor trásde suamáscarade
caveira.Aquela imagem marcava os pensamentos de Nick como uma brasa
inextinguível.Comosefosseaprópriamortequeestivessefalando.
—Seusamigostêmrazão,apolíciaestáacaminho—omedoelevouavozdeHortulano.—Elesvão flagrarvocêsemumassassinato,vocêestáentendendo?Sevocêatirar,vocêseráumaassassina.Vaificarpresaparaoresto de sua vida— ele não conseguia tirar os olhos do revólver. Helenestavamuitoperto,eseelaapertasseogatilho,comcertezairiaacertareelecomcertezairiacair,vivooumorto.Eleimplorouporsuavida.
Em um dos cinco mascarados suas palavras apresentaram efeitos. OsujeitodoPânico caminhoupasso a passo até a porta e saiu correndo.OalienígenaeameninaGollumpareciamestarcommuitavontadedefazeromesmo.Elesmantinhamambososgrupos,osempéeosdeitadosnochão,sobamiradesuasarmassemmostrarmuitaconvicção.
Victordeveterpercebidoaquilo.—Podem ir— ele encorajou os dois.—E sabemde uma coisa? Vou
contarumsegredoparavocês:o jogoacabou.Pouco importaoquevocêsfizerem, o Mensageiro não irá recompensá-los. Vocês vão é ser punidospelalei.OErebosjáera,ele…
—Fecheobico,vocênãosabedoqueestáfalando!—gritouHelen.Seurevólver ficou apontado para Victor por alguns segundos, até que ela selembrouqualerasuaverdadeiratarefaevoltouamiraremHortulano.—Pule!—berrouela,dandomaisumpassoemsuadireção.
Porummomentopareceuqueeleobedeceria.Eledeuumaolhadaparabaixo,comosequisessecalcularaalturaouassuaschancesdealcançarochãoescalando.FoiquandoAdriancolocou-seentreHeleneajanela.
Quase aomesmo tempo,Nick eVictor correrampara a frente,mas secontiveram quase que simultaneamente. Helen tinha que ficar calma, elanãopodiaatiraragora.
—Saiadaí,Adrian—disseNick.Adriannãosemexeu.NickreparouqueHelenestava ficandonervosa:
elaseinclinavadeumladoparaoutroparapoderterumavisãomelhordeHortulano,sem,contudo,abaixarorevólver.
—VocênãovaiatiraremAdrian,vai?—perguntouNick.—Elenãotemnadaavercomessamaluquicetoda.—Umasireneointerrompeu.
Naquelemomento,ameninaGollumeoalienígenaforamembora.Nick
os viu pelo canto dos olhos, eles saíram correndo como se agora tivesseficadoclaraagravidadedasituação.
—Não—gritouColinparaeles.—Nãomedeixemaqui!Levem-mecomvocês,seuscovardesfilhosdamãe!—eletentouselevantar,gritoudedoretomboudenovonochão.Amáscaradediabodeslizouumpoucoeexpôssuapelenegra.
—Sr.Hortulano—disseAdrian.—Digaaqui,diantedenóstodos,quevocêtentouroubaroFulgorDivinodomeupai.Seosenhornãofizerisso,euvoudarumpassoparaolado.
— Por que é que ninguém tira logo a arma dessa louca? — gritouHortulano.—Nãoépossívelquesejatãodifícil!
Pneuscantaramnafrentedoprédio.Umaluzazuloscilavanaparedeemfrente.
—Estouaquiemcima!—berrouHortulano.—Tirem-medaqui!Eleolhounovamenteparaajanelaaberta.—Chega,vouentrar.Acabouapalhaçada!Adrian deu o passo para o lado conforme avisado, e o cano da arma
agoraalvejavaHortulanobemnacabeça.— Não! Por favor! — ele abaixou-se em seu andaime, começou a
cambalear,deuumgritoerecuperouoequilíbrio.—Diga!—repetiuAdrian.— Para quê? Nenhum tribunal neste mundo iria considerar isso! Eu
estousendoameaçado!—Nãomeinteressa.Diga.Nósdoissabemosqueissoéverdade.Cadavezhaviamaisruídosnafrentedoprédio.Alguémgritavacomum
tom imperativo. Portas de carro batiam. Os funcionários amarrados doescritóriosemovimentavaminquietos.Nickrezavaparaquenenhumdelesperdesseacalma,poisapaciênciadeHelenpareciaestarnofim.
Osuorescorriadedentrodamáscarapeloseupescoço.Nickpercebeuaraivadelaaumentando,comosefosseasuaprópria.
Adrian havia se colocado novamente na frente de Hortulano e oencarava.
— Seu pai foi ummaldito de um gênio— gritouHortulano— sem a
mínimanoçãodenegócios.Nóspodíamostersacudidoesseramo,maselequeriaporquequeriafazertudosozinho.
—Vocêroubouoprogramadele?—Roubei!Roubei,sim!Eeufizacoisacerta,estáentendendo?—Vocêochantageou,oroubou,oaterrorizou?—Sim,sevocêquiserexpressarassim.Masnãodeucerto,estábem?Eu
nãoacheiemlugaralgumumaversãocompletadeFulgorDivino.Nadaquemeservissedealgumamaneira.Entãofiquesatisfeito.
Adrianvirou-se.—Helen,deixe-oir.—Não,eusóodeixopular!Saiadafrente.Adriannãosemexeu.Helenabaixousuacabeçadecaveira.— Sintomuitomesmo—disse, desferindo então emAdrian um soco
queoatiroupelasala,fazendo-opararnaparededooutrolado.NickeVictorreagiramaomesmotempoesejogaramsobreelaportrás.
Comseupeso,VictoramantinhapressionadacontraochãoenquantoNicktentavaimobilizá-la.
Helensedefendiacomtodasasforças.— Larguem-me! Eu sou o último guerreiro que ainda pode vencer a
batalha!—Nãotembatalha—disseNick,ofegante.—NãotemmaisMensageiro
enemmissão.Pare,Helen!Porfavor!—Traidores!—gritouela.OestampidoaoladodeNickfoitãoaltoqueemumprimeiromomento
elepensou estarmorto.A tiros.No instante seguinte, elepercebeuque abalahaviaacertadoapenasaparede,masosustohavia feitocomqueeleacabasse soltandoHelen. Ela se virou e atirou emHortulano, que estavaprestesaentrarnovamentenoescritóriopelajanela.
Ela atingira seu alvo. Por um momento ele ficou parado, como secongelado em seu movimento, metade dentro, metade do lado de fora,tombandoentãolentamenteparatrás.
Nick viu uma sombra preta saltando em direção a Hortulano eagarrandoseubraço.Victor.Elepuxouohomemparadentrodoescritório
sobreoparapeitoeodeitounochão.OsanguetingiaacamisadeHortulanodevermelho.
— Consegui— disse Helen, ofegante por trás de suamáscara.— Eusabiaqueiriadarcerto.
AexpressãodechoquenorostodeNicksedesfez,masaindademoroualgum tempo até que ele reassumisse o controle sobre seu corpo. ElearrancouaarmadamãodeHelenedeu-aparaVictor.
— O que vamos fazer agora? Olha como ele está sangrando…Precisamosdeumaambulância.
Umdosdoishomensamarradoslevantouasmãos.—Por favor, corte essa fita adesiva e eume encarrego do ferimento.
Rápido!Nick fez o que o homem disse. Ele estava se sentindo estranho, um
poucotonto.Comosefossedesmaiaraqualquermomento.—Precisamosdeumaambulância—repetiu.Sentar-se se fez subitamente importante. Diante dos olhos de Nick
dançavampontospretosebrancos;ospretos tornavam-secadavezmaisnumerosos.Elefoitateandoatéacadeiramaispróxima,inclinou-separaafrenteeesperouatonturapassar.
Aoolhardenovopara cima, eleviuHelenao seu lado.Ela fitava suaspróprias mãos. “Alguém precisa imobilizá-la”, pensou Nick, “mas elatambémnãoestátentandofugir”.
Passos na escada. Um dos elevadores zumbia também.Está chegandoajuda,pelomenosparaalguns.Jáparaoutros…
— Helen?— perguntou Nick, tirando sua máscara de caveira. Sob odisfarcerevelou-seseurostolargoeensopadodesuor,porémsatisfeito.
—NãomechamedeHelen—disse.—EusouBloodWork.
Policiais, médicos, enfermeiros. O escritório estava cheio de pessoasfalando umas por cima das outras. Primeiramente eles levaram o feridoHortulanodaliecuidaramdeColin,quehaviaquebradoascostelasetalvezrompidoobaço,segundosesupunha.Hortulanohaviaarrancadootacodebeiseboldesuasmãosegolpeadosuabarrigaváriasvezescomele,contou
um dos funcionários. Nick admirou-se por Helen não ter atirado emHortulanonahora,mastalvezsedevesseaofatodeelanuncatergostadodeColin.
Antes de levarem-no, Colin chamou o nome de Nick, que estavaabaixadoàsuafrente.Colinpegouemsuamão.
—Vocêvaitestemunharaomeufavor,Nick?Comcertezavãomeacusarememeternomesmosaco juntocomHelen.Maseu jamaisteriaatirado,porissoqueeuescolhiotacodebeisebol.Porfavor.
FoidifícilparaNicknãoafastaramãodeColin.—Ainda é…muito cedo para afirmar isso. Talvez. Sim. Por favor,me
solte.—AquilocomJamietambémnãofuieu.Juro!—Eusei—disseNick.Eles levaram Colin para a ambulância e Nick seguiu o policial para
prestardepoimentonadelegacia.
Desistiréfácil,umaveztomadaessadecisão.Euolhoàminhavoltaetenhovontade de rir. Tudo isso em breve será passado e eumesmo serei apenasumalembrança,paraunsdolorosa,paraoutrosconstrangedora.
Minhaobraestáconcluída.Oqueaconteceráagora,eunãosei.Quebom.Assimeunãocaireinatentaçãodeintervirealterarseurumo.
Inúmeras possibilidades encontram-se no futuro, esperando paratornarem-se verdade. Eu não tenho curiosidade. Se tivesse curiosidade, euficaria?Nãosei.Estoucansado.Issotambémtornafácildesistir.
33
AchuvadensadavaaoWhittingtonHospitaloaspectodeumgrandeblocomarrom-acinzentado.Nickhaviacobertotodooseurostocomocapuz,masficou molhado mesmo assim. O pacotinho com o chocolate preferido deJamie estava em segurança, escondido no bolso interno de sua capa dechuva.
Oquartoeranoterceiroandar.Quandoelejáestavaemfrenteàporta,Nick tevevontadedevoltar. “Eleestáacordado”, foramaspalavrasdosr.Watson.“Maseleaindanãoestábem.”Ninguémperguntaramaisdetalhes.
Nick bateu. Bateu de novo. Ninguém respondeu. Cheio de mauspressentimentos,eleabriuaporta.
Duas camas, uma estava vazia. Na outra estava Jamie. Ele pareciapequeno,frágil.Nicktomoufôlego.
—OiJamie.Soueu,Nick.Eusoubequevocêestavamelhoreaípenseiemdarumapassadaaqui.
Jamie não semexeu. Sua cabeça estava virada para a parede,metadedela estava raspada, parecendo coma deKate, só que na de Jamie haviaumasuturapassandoportodaapartecareca.
—Eu lhetrouxeumacoisa—Nicktirouopacotinhodesuacapaeseaproximou lentamente. Agora ele via o rosto de Jamie. Ele estava com abocaentreaberta,olhandoaparedefixamente.
Então, sim. Algo o sufocou bem acima de suas cordas vocais. Elerapidamentedesviouoolhar.
— Emily mandou um abraço. Ela vai vir visitar você em breve.
Acontecerammuitascoisasnasúltimassemanas.OolharinertedeJamiecontinuavadirecionadoparaaparede.Apesarde
Nickacreditartervistoummúsculodeseurostopalpitando.Talveztivessesidosóimpressão,mesmo.
—Jamie,eugostariamuitodesabercomovocêestá.Sintomuitíssimoportê-lotratadotãomalnaqueledia.Eu jádesejeimilvezesteragidodeoutramaneira.Masojogoacabou,talvezissoodeixecontente.Nãosópormim,masnogeral.
Jamiesorriu?Não.—Sevocêestivermeouvindo,sevocêestiverentendendopelomenos
umapalavradoqueeudigo,façaalgumacoisa.Porfavor!Pisqueoumexaosdedosdopé,seilá.
Eleestavareagindo?Estavamesmoreagindo?Nickmordeuoslábiosaoobservar Jamiemoversuamãodireitabem lentamentesobreoedredom,levantá-laumpoucoeesticarosdedos.
— Isso, vamos, Jamie—balbuciouNick.—Você vai ficar bem, tenhocerteza.
AmãodeJamiependianoar.Seusdedostremiam.Entãoeleosabaixou,umapósooutro,excetoodedomédio.Elevirouacabeça,olhouparaNickesorriu.
—Cox,seufilhodamãe,vocêquasemematadesusto!—gritouNick,tendoqueseconterparanão lhedarsoquinhosemsuascostelasoupelomenosumabraço.—Vocêestábem,nãoestá?Nossa,comoeuestoufeliz.Eurealmentepenseiquevocêtivesse…partido.
—Seeuestoubem?Vocêenlouqueceu?Minhasdoresdecabeçasãodeoutromundo e você não tem ideia de como é legal estar com o quadrilquebrado— Jamie riu, e namesmahora fechou os olhos de dor.—Masestoutomandounsremédiosótimosparaisso.Sóporissovaleuapena.
—Idiota.Euvivocêdeitadonochãodaruaepenseiquevocêestivessemorto.Nuncavouconseguirtiraressaimagemdacabeça.
MaisumavezJamiesorriuseminibições.—Mande-meumacópiadelaentão.Afinal, ele ainda se lembrava de tudo, exceto dos dois dias antes do
acidente.Suaraivadojogocontinuavaamesma.— Ele não está mais funcionando — disse Nick. — Nenhum dos
jogadoresconseguemaisentrar.Apósabatalhatersidoperdida,ficoutudopreto, para todomundo aomesmo tempo. Fim. Pronto. Acabou. Temumpessoalqueestápassadocomissoatéhoje.
—Mascomoassim?Alguémdesligouoservidor?—Não—NickprecisouselembrarqueJamienãotinhaideiadoqueo
Erebos havia sido e de tudo o que ele era capaz. — Ele era um jogorealmenteforadocomum.Elepodialereentenderoquelia.Minhateoriaéqueduranteabatalha,eleficoupermanentementebuscandonainternetanotícia de que… como eu posso dizer?, seu inimigo estava morto. A talnotícianãochegou,maschegououtra.Eentãoelesedesligou.
Jamiepareciaimpressionado.—Quedoideira.—Sim.OrostopálidodeJamiesemostroupensativo.Seráqueeramuitocedo
paracontar-lhe todaaverdade?“Não”,pensouNick. “Quantomaisrápidoresolvermosisso,melhor.”
—Escute—elecomeçou.—Oqueaconteceucomvocênaverdadenãofoi um acidente. Alguém sabotou os seus freios, por isso que você foicorrendotãorápidoatéaquelecruzamento—elerespiroufundo.—Euseiquemfezisso.Sevocêquiser,eulheconto.
AincredulidadetomoucontadorostodeJamie.Eleabriuaboca,tornouafechá-laevirouacabeçaparaaparede.
—Eunãoconsigomelembrardoacidente.Nemdosdiasanteriores.Oque aconteceu nesse meio-tempo eu gostaria de saber — ele tocou acicatrizemsuacabeça.—Ahistóriadojogotevealgoavercomisso?
—Teve.—Entendo.Euestoupensando.Talvezeuqueirasaber issoumpouco
mais tarde — ele deu um meio-sorriso. — O que me interessa é: podeacontecerdeeumedepararcomessapessoanopátiodaescolae lhedarmetadedomeusanduíchepormeraamizade?
Nicksacudiuacabeça.
—Não.Brynne havia mudado de escola, na verdade. Ela acabou nunca
procurandoapolícia,atéondeNicksabia.—Atéquandovocêtemqueficaraqui?—perguntou.— Ainda pode demorar um pouco. Depois eu tenho que fazer
fisioterapia,comtodasasoutrasvelhasquetambémquebraramoquadril.Estouansiosoparasaberseelasvãogostardomeupenteado.
O cérebro de Jamie, inclusive a região do humor, estava intacto. Nickpoderiasairdalicantandoalto.
—Quandovocêestivermelhor,tenhoquelheapresentaralguém.Vocêsvãosedarbem.
—Éumagarota?—Naverdade,não.Maséalguémcomumhumorparecidoequegosta
decháaindamaisquevocê.
Um segundo encontro estava marcado para dois dias depois. Emily oorganizara por acreditar que seria bom colocar um ponto final naquilotudo.
—Paramuitos,issoestásendodifícil—disseela.—Ojogoacaboutãoderepentequedeixouumvazioimenso.
Nick, que ainda podia lembrar-se muito bem de seu próprio vazio,concordoucomela.Alémdomais,havianissoumaideia,umplanoprático,queapenasemconjuntocomosoutrosex-jogadorespoderiaser levadoacabo.
Comaajudadosr.Watson,eleshaviamreservadoosalãodereuniõesde um centro recreativo e pregado avisos em todas as escolas nas quaiselessabiam,oupelomenossuspeitavam,quehaviaex-jogadores.
Nick,noentanto,nãocontaracomtamanhopúblico.Quandoeleentrouno salão, todas as cadeiras já estavam ocupadas havia tempo e muitaspessoasestavamsentadasnochão.Eletentoucontarospresentes,porémdesistiuantesdechegaràmetade.Dequalquermaneira,erampelomenoscento e cinquenta. Apesar da tarde fria de novembro, eles logo iriam terqueabrirasjanelassequisessemterarsuficiente.
Nickfoiatéafrenteeesperouqueamaioriadasconversascessasse.— Olá — disse ele. — Eu sou Nick Dunmore, muitos de vocês me
conhecem da escola. Como vocês, eu também jogava o Erebos e amava,sériomesmo.Apesardisso,eagoravocêsterãoquesimplesmenteacreditaremmim,ébomqueo jogo tenha terminado.Masantesdeexplicaroquerealmentehaviaportrásdaquilo,achoquenósdeveríamosnosapresentardevidamente.Asregrasnãovalemmais.Então:no jogoeueraSarius,umelfonegro,efuieliminadocomoum8.
Algumaspessoasriram.—Sarius,sério?VocêeraSarius?Na mesma hora, os primeiros quiseram começar com seus próprios
relatos, experiências e anedotas. Nick só conseguiu pará-los com muitoesforço.
— Um momento! Primeiro nós temos que discutir algo importante.Escutem:vocêstodosdevemterlidonojornaloqueaconteceu.Hortulanonãoeranenhummonstro,esimumapessoadeverdade.Umapessoanãomuito legal,mas uma pessoa. Em alguns dias, ele terá alta do hospital eprovavelmente vai continuar agindo como até agora tem feito— eles oescutavam atentamente, incrível. — O Erebos tinha o único objetivo depagarnamesmamoedaascanalhicesdeHortulano.Nãodeucerto,oqueporumladoébom.Poroutrolado,elenãopodesairilesodessahistória.
Alguns dos presentes acenavam com a cabeça, a maioria dava aimpressãodenãoestarentendendonada.
— O importante seria o seguinte— Nick prosseguiu.— Vocês todostiveramquecumprirmissões“deverdade”.Eugostariadereuni-lastodas.Principalmenteaquelasquenãotinhamavercomaspessoasdaescoladevocês.Anotem,por favor, tudooque fezvocêsseperguntaremporqueepara quem estavam fazendo aquilo. Se vocês tiverem tirado fotos,escaneadoimagensoufeitocópiaseaindaaspossuírem,meentreguem.
Agoraelespareciamdesconfiados.—Ninguémvaiusarissocontravocês,prometo.Masvamostentarusar
issocontraHortulanocasosedescubraquesuasmãosestãosujas,oqueeutenhocomopraticamentecerto.Vamosnosencontrardenovodaquiauma
semana,OK?Eagoraeugostariadesaberquemvocêseram.Foicomoseumabarragemtivessearrebentado.Nicktentavainsistirem
umaordemparaaspessoassemanifestarem,maslogoelascomeçavamafalar umas por cima das outras. Todos queriam contar suas histórias edescobrirquemestavaportrásdosguerreiroscomosquaiseleshaviamseenvolvidoduranteojogo.Nickdesistiudequererbancaromoderadoresemisturouaosoutros.
Rapidamente se formaram grupinhos, porém algumas pessoaspermaneceramsozinhas, comoRashid.Ao contráriodosoutrosmembrosdoCírculoInterno,elenãohaviasidoflagrado,masNickpercebiaseumal-estar.Eleaindatemiaquealguémfosseentregá-lo.
Nickfoiemsuadireçãoesorriu.—Hátemposqueeuvenhomeperguntandoquemvocêera.Blackspell?Rashidlevantouosombrosconstrangido.— Eu ainda acho estranho quando nós falamos sobre os nossos
personagens.Nãomeparececerto.—Parecomisso.Vamos,mediga.Blackspell?Umsorrisodiscretoseesboçouemseuslábios.—Natrave.EueraNurax.—Olobisomem!Nuncairiaimaginar.Comoerajogarcomolobisomem?
Legal?Eles conversaram sobre as vantagens das diferentes espécies, sobre
aventuraspelasquaiselespassaramjuntoseseparados.Outraspessoassejuntaram a eles, contaram sobre seus guerreiros e suas experiências. Olocalzumbiacomoemumacolmeia.
Nick abria passagem entre a multidão procurando os jogadores quehavia encontrado com mais frequência. Ele queria saber quem eramSapujapu e Xohoo, ou Galaris, cujo nome estivera escrito na caixa demadeira.Emumdadomomento,Aishacutucouseuombroportrás.
—Oi,Sarius.Eu fiqueimuitosurpresacomisso,sabia?EuachavaquevocêeraLordNick.Amaioriaachavaisso.
—Eu sei— ele suspirou.—Eu queria encontrá-lo de qualquer jeito.Avise-mesevocêencontrá-lo,certo?
Elaolhouparaeleofendida.—Equemeuera,nãolheinteressa?Maismeinteressariasabercomoseresolveuaquelahistóriadoassédio.—Ah,sim,claro—disse.—Nósnosconhecemos?—Oh,sim—disseela,sorrindo.—Masnósnãonosgostávamos.Você
metiroudoisníveisnaarena.—Feniel?—Isso.Após duas horas, Nick havia reunido uma considerável lista com
equações e desta vez todas certas. Por trás de Blackspell estava Jerome,atrás de LaCor, um outro vampiro, escondia-se o calado Greg. Xohoorevelou-secomoMartinGaribaldi,queNickobservarasuplicandoalgoaumamigo seu um dia após ter sido eliminado. Nick teve que engolir suadecepção.EmXohooelehavia esperadoencontrarumcolegapara a vidareal.
Instantes depois ele encontrou Sapujapu, que não guardava a menorsemelhançacomumanãoeeraumrapazaltoemagrochamadoEliottqueapenasconcluíraosextoanoequeriafazerfaculdadedeletrasemseguida.Elestrocaramtelefones,falaramsobrefilmesemúsicaedescobriramqueEliotttambémeraumfãdeHellFrozeOver.
—Infelizmente,euperdiminhacamisetadabanda—suspirou.—EuasacrifiqueiporumnívelnoErebos.Seiláparaquê.
Nickquaseperdeuoarde tantorir,por issodemorouumpoucoparacolocarEliottapardetudo.
—Creioqueessaéumaboarazãoparairmosnumpubumdiadesses—disse Eliott e adicionou que Nick era espantosamente parecido comLordNick.
—Eusei—disseNick, irritado.—Eumesmogostariadesaberquempegoumeurostoemprestado.
Alguémpigarreouatrásdele.—Achoquenissoeupossoajudá-lo.Nicksevirou.Dan,airmãtricoteiranúmero1.—Ah,sim.Quemera,então?
Danolhouparaochão,constrangido.—Nãoconteaninguém,certo?EutenhoquasecertezadequeeraAlex.
Ele…admiravocê.Jáháalgunsanos.Duranteumtempoeletentouimitá-lo,vocênão reparou?Não?Bem, eu sim—Dan coçou as costas.—QuandoapareceuumclonedeNickDunmore,poucodepoisdeeuterdadoojogoaAlex,eupenseiimediatamentenele.
Equemgarantequenãoeravocêmesmo?—Porquevocêestámecontandoisso?Dansecoçoucommaisforça.—Bem, Alex émeumelhor amigo. E ele fica realmentemal por você
chamá-losempredeirmãtricoteira.Eupenseiqueseeulhecontassecomoele o vê, você seria mais gentil com ele. Ele mesmo não quis vir. Ficouconstrangido,oquesófortaleceaminhateoria.
O relato de Dan impressionou Nick de maneira peculiar. Ele haviaimaginado todososmotivospossíveisparaaexistênciadeLordNick,masadmiraçãonãoforaumdeles.
—Evocê?—eleperguntouaDan.—Quemeravocê?—Ih,rapaz—Dansorriu.—Issonãovaimerendernenhumpontoa
meufavor.EueraLelantesintomuito,maseunãopossomaislhedevolverseucristaldedesejos.
Muitas coisas se esclareceram, mas não tudo. Quem fora Aurora, porexemplo, a mulher-gato que morrera no labirinto lutando contra oescorpião,Nicknãodescobriu.JáportrásdeGalaris,estavaumameninadeóculosmagraepálidadasétimasérie.Elatinhatantaideiadoconteúdodacaixa quanto Nick e havia apenas transportado a caixa de um local paraoutro.Tyrania,abárbaracomsaiacurtíssima,eraatímidaMichelle.Foielaquem providenciara os comprimidos com os quais Nick devia terenvenenadoosr.Watson.Michelleosroubaradoarmárioderemédiosdeseu avô. Sem ninguém descobrir, pois vovô sempre estocava o dobro daquantidadeemcasa.Sóparagarantir.HenryScott,onovatodeNick,haviasetransformadoemBracco,ohomem-lagarto.
—QuemeramaspessoasdoCírculoInterno?—perguntouaNickumameninagordinhae asiáticamais tardedurante anoite, quandoamaioria
dospresentesjáestavapartindo.—HeleneraBloodWork—disseNick.—Porissoelaestápassandopor
uma barra pesadíssima. O sr. Watson disse que ela está em tratamentopsiquiátrico.
—EWyrdana?Drizzel?OnomeverdadeirodeWyrdana,Nicknãoconhecia.Empensamento,ele
achamavaapenasdeGollum.Elaestudavaemoutraescola,assimcomooPânicoeoalienígena.DevetambémtersidoumdessesdoisquequisatirarNick para debaixo dometrô;mas não importavamais qual dos dois. EletinhaamesmareaçãoqueJamiecomosabotadordefreios.
—Drizzel—disseNick—provavelmente era Colin. Você o conhece?Alto,negro,jogadordebasquete.
Equeumdiafoimeuamigo.
34
EsteeraoprimeirofimdesemanaemqueNicksóqueriadescansar.Ficarempaz.Dormir.IraocinemacomEmily.
MasVictorinfelizmentenãoqueriasaberdisso.Elehaviatidoumaideiada qual ninguém mais conseguia dissuadi-lo. Eles discutiram por quasemeiahoranotelefone.
—Issoémaluquice.—Deformaalguma.Éaúnicacoisacertaasefazer.—VocêvaideixarAdrianarrasadocomisso.—Achoquenão.Nicktentavaencontraraspalavras.—Alémdisso,nãovaifuncionar.—Claroquevai.Jáestátudotestado.—Entãofaçalogo.Maseunãoqueroparticipardisso.VictoraparentementenãocontaracomareaçãodeNick.— Ah, vamos. Nós todos temos que participar, nós devemos isso a
Adrian.Emilydissequevem.Nofimdascontas,Nickcedeu.PrincipalmenteporcausadeEmily,para
sersincero.Maseleestavamaisdoqueinsatisfeitocomaquelasituação.
Victorhaviasesuperado.Trêstiposdecháetrêsbulesdiferentes,cookiesefatias de pizza. Eles se refestelavam na sala dos sofás, comiam econversavam. Emily havia visitado Colin no hospital, e ele teria que
compareceraotribunal,assimcomoHeleneosoutrosmembrosdoCírculoInterno.
—Écapazdeelesnosconvocaremcomotestemunhas—disseEmily.—O problema é que o jogo não estámais funcionando. Para o juiz vai serdifícilreconstituiroquerealmenteaconteceu.
—Poroutro lado—disseNick,—centenasdepessoaspodemcontarparaele.Todoomundoviueviveuaquilo.
—Sóeuquenão—disseAdrianbaixinho.Victornãopoderiaterconseguidoumadeixamelhor.—Temrazão.Todaapartemultiplayer já era. Sintomuito,mas, sabe,
acho que muita coisa do jogo não iria lhe agradar. Embora exista outracoisaquevocêdeveriaver.
ElepuxouAdriandecimadosofáeolevouatéasaladoscomputadores.Ele havia colocado a melhor cadeira de escritório na frente do maiormonitor.
—Sente-seaí.AexpressãodeAdrianeracomoumpontodeinterrogação.— O início continua funcionando sem problemas — disse Victor,
puxandoumbancoesentando-sedoladodeAdrian.NickeEmilyfizeramomesmo;elesformavamumpequenosemicírculo
emvoltadeAdrian,comosequisessemprotegê-lo.Victorligouomonitor.Aclareira.Oluarpálido.Aocentro,oSemNome,agachadosobreochão.Comoque em transe, Adrian pegou omouse e girou a perspectiva da
tela.—Euconheçoisso.ÉpertodeWyeValley—disseele.—Vejamsóali
atrás,aquelaárvoresedestacandodochão.Nóscostumávamospenduraramochilaláquandofazíamospiquenique.
ElelevouseuSemNomeatéolocal,oparouedepoisofezsecurvareentão levantar algo que parecia um pedaço demadeira pintado de azul.NickviuumalágrimaescorrerpelorostodeAdrian.
—Oqueéisso?—Meucanivete.Euoperdiláemcimaquandotinhaseteanosefiqueio
diainteirochorando.NickeEmilytrocaramumolhar.Aquilopoderiaficarmaisdifícildoque
eleshaviamimaginado.EmilycolocouamãonascostasdeAdrian.OSemNomeprocuroueencontrouumcaminhoqueconduziaparafora
da clareira; na verdade, uma trilha que toda hora se perdia por entre asárvores.MasAdrian,compreendeuNick,sabiaaondeestavaindo.Eleparoupoucas vezes para se orientar,mas obviamente prestava atenção em suabarra de energia. Pouco tempo depois, ele chegou a um córrego estreito,ondefezseuSemNomepararmaisumavez.
—Aquinósumdia…aliestáela—sussurrouAdrian.Noinício,Nicknãosabia o que ele estava querendo dizer, em seguida avistou dois pontosluminososnoescuroe,logodepois,oanimalinteiro.
—Vocêsviramumaraposaaqui?Adrianacenoucomacabeça.Logodepoisaraposafugiu,desaparecendo
entreavegetação.O Sem Nome prosseguiu ao longo do córrego. Ele atravessou em um
pontoondetrêspedras formavamumaespéciedeponte.AquiocaminhodesciaeNicktevevontadedetirarAdriandocomputador,poisaliembaixoelejáestavavendootremulardafogueira.
O homem morto desta vez não estava sentado e tampouco fitava aschamas.EleestavadepéeaguardavaansiosooSemNome.
—Adrian?—Papai—sussurrouAdrian.Nick viu como a mão de Adrian agarrava o mouse. O Sem Nome
cambaleou,maspermaneceudepé.—Vocêveiopelonossocaminho.Diga-mesevocêéAdrian.Adriancolocouasmãossobreoteclado.—Sim,soueu.Ohomemmortosorriu.— Que bom. Eu esperava que você viesse quando tudo estivesse
terminado.—Sevocêquiser,nóspodemossairdaqui—disseNick.Adriansacudiuacabeça.Eleesteveprestesaescreveralgováriasvezes,
masparecianãosabercomocomeçar.—Comovocêestá?—digitoufinalmente.— Meu plano fracassou. Se eu ainda estivesse vivo, provavelmente
estariamuitofurioso.DabocadeAdriansaiuumruídoentreumbufoeumarisada.—Eutambémestoufurioso.Comvocê.Porquevocêfezisso?—Porqueeufizoquê?OsdedosdeAdrianagoraliteralmentevoavamsobreasteclas.—Ué,oquevocêacha?Vocêsimplesmente fugiu!Vocêsabeoquanto
isso foi horrível?Mamãe nos primeiros dias teve que ficar sob efeito decalmantes,elaqueencontrouvocê.Nemumacartavocênosdeixou.Nada.Porquê?
Pelaprimeiravezomortopareceuhesitar.—Eunão teria sabidooqueescrever.OErebosestavaprontoe tudo
estava perfeito. Eu havia concluído algo extraordinário. Você está vendocomoeleébom,nãoestá?Tudooquepodiavirdepoisdissoerambrigas,processos, provavelmente a prisão, uma vida arruinada. O Erebos eraperfeito,maseunão.Eutomeinojodetudooqueestavaforadele.
— Você nem sabia mais o que estava fora dele— gritou Adrian. AslágrimasfluíampelorostodeAdrianeeleasdeixoucorrercomosenãoaspercebesse.—Vocêficouquasedoisanossemsairparalugaralgum.
—Fiquei.Eupasseiaacharomundoinsuportável.Tudoeramacasoseimprevisibilidades. Por isso eume isolei, mas deixei o Erebos. Amelhorcoisaqueeujácriei.
—Amais brutal que você já criou. Um amigomeu está no hospital equase morreu, e alguns colegas meus da escola talvez sejam presos porterem tentado matar Hortulano. Pai, você sabia que uma coisa dessaspoderiaacontecer,nãosabia?
—Eudeixeiemaberto.—Comovocêpôdefazerisso?Elessãosóumpoucomaisvelhosqueeu
enãotêmnadaavercomseuplanodevingança.Omortosesentousobreumapedrajuntoaofogo.— O Erebos foi uma moeda que eu lancei para o alto. Quando ela
começouagirarnoar,eujátinhaidoembora.Osjogadoressempretiveramaopção,elespodiampararaqualquermomento.Nocomeçotodostinhamquepassarpormimeeuosadvertia.Acadaumdeles.
FaíscasselevantaramerefletiramnosolhosverdesdeLarryMcVay,quetantoseassemelhavamcomosdeseufilho.
—Quemtinhaescrúpulossesalvou.Osquerestarameuusei.Maselestiveramumachancejusta.Comotodososoutros.
Nickse lembrouqueesteveprestesaenvenenarosr.Watson.Depois,pensounorostosuadoesatisfeitodeHelenetevevontadedechorar.
— Nada disso foi justo, pai. Você os influenciou, os modificou, osexplorou, por uma vingança com a qual você agora sequer vai ganharalgumacoisa.
Omortosacudiulentamenteacabeça.—Eramtodoslivresparaescolher.—Nãoadvertiudeverdade,pai.Nãoapontodeelespoderemacreditar
emvocê,nãoé?—Eramtodoslivresparaescolher.OsdedosdeAdriandeslizaramdoteclado.Umarajadadeventosoprouocapuzdohomemparatrás,desgrenhando
seusparcoscabelos loiros.Fez-seumapausa.Adriannãoafastavaoolharum segundo sequer do rosto de seu pai. Era como se acontecesse umdiálogo sem palavras entre os dois e que os outros não podiamacompanhar.EntãoumsolavancomoveuocorpodeAdrian.
— Você não fez nada disso por mim, que fique bem claro. Eu nãoconcordocomisso,nãoentendocomovocêpôdeexigirqueeudistribuísseessejogoentreaspessoas.
UmsorrisosedesenhounoslábiosdeLarryMcVay.—Vocênãotemculpanenhuma.Nãoseacuse.—Nãoéoqueestoufazendo!Euacusovocê.Paravocê,eufuicomoum
deseuspersonagens.Omortodesviouoolharparaofogo.—Euoprotegi.Adriandeuumagargalhadaalta.
—Sevocêrealmentequisessemeproteger,nãoteriasematado.Issofoicovarde,pai,muitocovarde!
—Sintomuito.Maseunãopossomaismudarisso.—Não.AdrianlevantouamãodotecladoeporummomentoNickpensouque
ele queria acariciar omonitor, ali, onde estava a testa do homemmorto.MasAdrianfreouseumovimentoeabaixouobraço.
—Pai?—Sim?—Tudooqueestámedizendoagoravocêpreparouespecialmentepara
ocasodeeuviratéaqui,nãofoi?Vocêpensounasrespostasquedariaàsminhasperguntasdependendodofinalqueojogofosseter.Nãoé?
—Sim.—Quando?—Vocêquerdizer,emqualdia?—Isso.—Foiem12desetembro,a1h46.EmilyabraçouAdrian fortequandoelecomeçouachorarcomorosto
encobertopelasmãos.Elao seguroupormaisdeumminutoenquantoohomemmortoosfitavaportrásdomonitorcominabalávelsimpatia.
McVay se enforcara em 13 de setembro, lembrou Nick. Pouquíssimotempodepoisdaquilo.
—Entãoeleaindapodiatermudado.Tudo,elepodiatermudadotudo—murmurouAdrian.
ElepegouolençodepapelqueVictorlheofereceuelimpouonarizsemtirarosolhosdorostodeseupai.Suasmãosreencontraramocaminhodoteclado.
—Ojogoeramaisimportantedoquenós,nãoera?Hortulanoeramaisimportanteparavocê.
—Sintomuito.—Vocênãosedespediudemim,pai.Issofoiopiordetudoparamim.
Vocênãoterdeixadonenhumamensagem.—Sintomuito.
—Eusentitantoasuafalta.Jánosdoisanosantes.—Sintomuito.Conforme parecia, o homemmorto chegara à questão central de sua
mensagem. Adrian acenavamudo com a cabeça. Eles ficaram se olhandonovamenteporumtempo.DemorouumpoucoatéNickselembrarque,naverdade,apenasumdelesestavarealmentevendoalgo,masissonãodeixaascoisasmaissuportáveis.AfogueiraestalavaeoventofarfalhavaascopasdasárvoresdaquelebosqueondeLarryMcVayeseufilhoAdrianhaviam,hámuitotempo,sedeparadocomumaraposa.
—Adeus,pai.—Vocêestáindoagora?—Achoquesim.Sim.—Adeus,Adrian.Cuide-se.O homem morto sorriu, levantou a mão e acenou. Adrian acenou de
volta. Em seguida ele desligou o computador, encostou a cabeça nosombrosdeEmilyechorouatéadormecer.
AépocaqueantecediaoNatalmantinhaLondrescomreluzentesalegrias.Pinheirosiluminados,flocosdeneve,velaseestrelasbrilhavamnasruasdecomércio; qualquer que fosse a loja que se adentrasse, era possível serenvolvidopor“JingleBells”e“LastChristmas”.
NickeEmilyhaviammarcadonaMuffinski’s,pertodoCoventGarden.Quandoeleentrou,elajáestavalá.
A saudação dos dois foi em silêncio e carinhosa. Nick jamais iria seacostumar que Emily agora era sua; toda vez que eles se beijavam elepraticamenteseafogavaemumaondadefelicidade.
—Tenhonovidades—disseele,passandoamãonoscabelosdelasobresua testa. — Ontem eu recebi mais uma porção de material que os ex-jogadoresreuniram.HágravaçõesdeumaconversaentreHortulanoeumtaldeTomGarsh,quehaviarecebidodesseadistintamissãodearrombarumaempresaconcorrente.
—Pareceinteressante.— Além disso, temos fotos quemostramHortulano junto com Garsh.
VictordescobriuqueGarshjáfoipresotrêsvezesporarrombamento.—Poisé,masissonãochegaaserumaprova.—Não,masascoisasestãoseencaixando.Eles pediram café e muffins. Have yourself a merry little Christmas,
cantavaJudyGarland.—Vocêporacasojáestásabendoparaqueserviuaquelasuamissãode
tirarfotosnagaragem?—perguntouEmily.—AchoqueaquilofoisóporqueamoçaaoladodeHortulanonãoera
suaesposa.Masnãodáparafazermaisnadacomasfotos,suamulherjáolargou. Acho que o plano de vingança do Erebos se realizou pelomenosparcialmente.
—É—disseEmily.—Masemtodocasoelecontinuavivo.—Emtodocaso,sim.Quandoelespartiram,umasuaveneveacabaradecomeçaracair.Eles
foram andando abraçados pelas vielas, paravam uma vez ou outra,beijavam-se,riameseguiamemfrente.
—EuaindanemcompreinadadeNatalparaVictor—constatouEmily,enquantoelesexaminavamavitrinedeumalojadequadrinhosonde,alémdediversasrevistasebonequinhos,haviamexpostas tambémcanecas.—Você viu aquela ali atrás?— ela apontou para uma caneca com entalhesredondosquepareciatersidoesculpidaemumqueijosuíço.
—Namosca—disseNick.—Elevaiamar.Emilyinvestiucincolibrasnaquelecacareco.—Vocêqueruma também?—perguntou sorrindo.—Ouprefereum
valeparaumcortedecabelo?Nickapegoupelosombrosefezcomosefossesacudi-la.—Eujárecebimeupresente—disseelequandoelesjáseencontravam
doladodefora.—Nãorecebeunada.ElasubiusuamãopordebaixodatrançadeNickedeixou-aali,parada.
Claroqueelenãoconseguiusentirnada,sejaláoquefosse.—Paramimissofoiumpresente—disseele.—Omaisbonitoquevocê
poderiamedar.Melhorqueumaaliança.
Elasorriu-lhe.—Sim,ebemmaisdifícildeperder.—Comcerteza—ele se inclinousobreela, afastou seucabeloparao
ladoebeijouocorvoemsuanuca.
FIM