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II – Publicidade: a protecção registal

Hipótese nº 8A, o proprietário inscrito na Conservatória do Registo Predial de Évora, por compra do prédio X a Z, vendeu o mesmo prédio a B. Esta venda não foi registada. Dois meses depois, F, credor de A, registou uma penhora sobre o prédio X.Seis meses depois, A tornou a vender o prédio a C, que desconhecia a anterior venda a B. C registou a aquisição.Ao saber do registo de C, B interpôs uma acção de declaração de nulidade da venda concluída entre A e C.a) Esclareça a eficácia real dos negócios celebrados por A com B e C.b) Analise a falta de registo do contrato de compra e venda celebrado entre A e B.c) Diga se a declaração de nulidade requerida poderia afectar a posição de C.d) Estará o F protegido pelas regras do registo?

Aspectos a considerar: 1. Eficácia real dos contratos2. Venda por non dominus3. Obrigatoriedade ou não do registo4. Conceito de terceiro para efeitos de registo5. Efeitos da falta de registo***Questão da alínea a):O caso em análise pode ser representado esquematicamente da seguinte forma:

O contrato entre A e B é válido e produz efeitos no acto da sua celebração, pelo que a propriedade se transmitiu do primeiro para o segundo nesse preciso momento – 408/1O contrato entre A e C é nulo, por falta de legitimidade do alienante, uma vez que já não era proprietário do prédio à data da alienação. Tratou-se de uma venda de bens alheios – 892º

Questão da alínea b):Embora a aquisição do direito de propriedade seja um dos factos sujeitos a registo (2º/1.a) do CRProp), este registo não é obrigatório, pelo que o direito de B não é afectado pela sua falta. No entanto, fala-se de uma “obrigatoriedade indirecta” (Oliveira Ascensão), uma vez que o titular do direito não pode dele dispor sem o prévio registo.O art. 9º CRProp dirige-se ao Notário: este não pode titular um acto de disposição de um direito sujeito a registo sem que este tenha sido definitivamente inscrito. É aqui que se baseia o Prof. Oliveira Ascensão para afirmar que existe obrigatoriedade indirecta do registo predial.O Prof. Carvalho Fernandes fala, ao invés, de legitimação: só pode dispor de um direito (só tem legitimidade para tal) aquele que beneficiar de um registo. O Prof. Coelho Vieira prefere esta posição à anterior.Apesar de o registo não ser necessário para a transmissão do direito de propriedade para a esfera jurídica do B, que opera por mero efeito do contrato (408/1), o registo tem um efeito consolidativo ou confirmativo: não constitui o direito, mas coloca o seu titular ao abrigo do efeito atributivo. Se o B tivesse registado a aquisição do seu direito este consolidava-se, não permitindo a C adquiri-lo por via tabular.

Questão da alínea c):Será C protegido pelo registo da sua aquisição?Para responder a esta questão importa esclarecer o que se entende por terceiro, para os efeitos previstos no art. 5º do CRProp.Podemos encarar este conceito numa acepção ampla e numa acepção restrita. Na primeira, terceiro seria qualquer pessoa exterior à relação jurídica considerada; na restrita, só é assim considerado quem preencha os requisitos constantes do nº 4 do citado artigo. Até há pouco tempo, esta questão gerava fortes polémicas, sendo interessante analisar os Acórdãos STJ 4/97 e 3/99 (confirmar as referências). Hoje o nº 4 resolveu essa questão.Terceiro, para este efeito, é aquele que tiver adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si. No caso em apreço, F não é terceiro, pois nada adquiriu de A; C é terceiro, pois adquiriu de A um direito de propriedade incompatível com o direito que B adquiriu do mesmo alienante. Na realidade C nada adquiriu, uma vez que A já não dispunha do direito para o alienar; mas ele não o sabia nem tinha obrigação de o saber, dada a presunção do art. 7 CRProp. Resumindo, B e C adquiriam de A – autor comum – direitos incompatíveis, pelo que C é terceiro em relação a B, titular substantivo do direito.

O caso configura aquilo que se designa como dupla disposição do mesmo direito.Do ponto de vista substantivo, esta situação tem uma solução muito simples: quando A vende o prédio a C já não tinha legitimidade para o fazer. O que fez foi uma venda de bens alheios (892º) que é, assim, nula.Como foi então possível realizar esta segunda venda? O que se passa é que o Notário, ao ser-lhe exibida uma certidão que dá A como proprietário, nada pode fazer a não ser titular a aquisição da propriedade por parte de C. Que efeitos tem a precedência do registo da aquisição do C sobre a de B?O art. 5º/1 CRProp refere que os factos sujeitos a registo só são oponíveis a terceiros depois da data do respectivo registo. Esta norma vai, aparentemente, ao arrepio do princípio da absolutidade, segundo o qual um direito real é oponível erga omnes. Mas o sentido desta é o de conferir protecção a terceiro, sem afectar a oponibilidade erga omnes dos direitos reais, que existe independentemente de registo.Vimos já que C é terceiro para efeitos do art. 5º/1. Mas para que possa obter protecção por via registal é necessário que, para além disso, preencha cinco requisitos cumulativos:1) Que exista um registo anterior desconforme;2) Que o acto de disposição e alienação se fundamente no registo desconforme;3) Que o negócio seja oneroso;4) Que o terceiro adquirente esteja de boa fé (subjectiva ética);5) Que o terceiro adquirente tenha registado o facto jurídico relativo à sua aquisição antes do registo da acção de impugnação.Desde que preenchidos os cinco requisitos assinalados, o art. 5º/1 tem efeito atributivo, também conhecido por aquisição tabular.E o que acontece ao B, titular do direito de propriedade em termos substantivos?Bem, o seu direito extingue-se por efeito da aquisição tabular do C, uma vez que são incompatíveis entre si e não podem subsistir. Na esfera jurídica do C constitui-se um direito ex novo, uma vez que esta aquisição é originária e não derivada.Mas será que é sempre assim, i.e., que sempre que seja adquirido um direito real por via tabular se dará a extinção do direito adquirido substancialmente por um titular diferente. Por outras palavras, se o C tivesse adquirido, em lugar de um direito de propriedade, um mero usufruto, ainda assim se extinguiria o direito de propriedade de B?A resposta é negativa: uma vez que os direitos não são absolutamente incompatíveis entre si, o primeiro subsiste, mas fica onerado com o segundo.

Questão da alínea d):Relativamente à penhora que F registou sobre o prédio de B, pode este, em qualquer momento, cancelar esse registo, uma vez que aquele não pode onerar bens que não pertencem ao património do seu devedor (A) – 8º e 13º CRProp. Pela dívida de A responde o património deste e o prédio X já não faz parte desse património.Logo, não sendo F abrangido pelo conceito de terceiro constante do art. 5º/2, não pode ele beneficiar da protecção do nº 1 deste artigo.

Hipótese nº 9A celebrou com B um contrato de doação do prédio X. A tinha inscrição registal a seu favor desde 02-01-2000. O contrato de doação não foi registado.Dois anos depois, B vendeu a C o referido prédio. C registou de imediato a respectiva aquisição.Dois anos após a compra e venda entre B e C, A intentou uma acção de declaração de nulidade da doação, acção essa que veio a ser declarada procedente, com trânsito em julgado, em 05-12-2005.Diga, fundamentadamente, quem é o proprietário do prédio X.

Aspectos a considerar: 1. Da validade dos contratos e seus efeitos2. Da legitimação de direitos sobre imóveis e suas consequências3. Da validade/invalidade do registo da aquisição de C e seus efeitos4. Da protecção de terceiro de boa fé – regime aplicável

***1. Da validade dos contratos e seus efeitosI — O contrato de doação tem eficácia real, transmitindo-se o direito de propriedade para a esfera jurídica do donatário no momento da sua celebração – 408/1 e 954/a).Sabemos, no entanto, que o contrato de doação A – B é nulo (cfr. sentença transitada em julgado). Ora, um contrato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos ab initio. Por conseguinte, o direito de propriedade sobre o prédio nunca se transmitiu de A para B (289).

II — Também no contrato de compra e venda se verifica eficácia real, transmitindo-se o direito de propriedade do alienante para o adquirente no momento da celebração – 408/1 e 879/a).Verifica-se, contudo, que por efeito da nulidade do contrato de doação o prédio era ainda de A quando B o vendeu a C. Logo, o contrato de compra e venda B ¬– C é igualmente nulo, por falta de legitimidade do alienante, que praticou uma venda de bens alheios como sendo do próprio (892).A propriedade continua, em termos substantivos, na esfera jurídica de A.

2. Da legitimação de direitos sobre imóveis e suas consequênciasI — A aquisição dos direitos de propriedade é um facto sujeito a registo, nos termos do art. 2/1.a do CRProp. E diz-nos o texto que o A tinha uma inscrição registal em seu favor relativa ao prédio X.Ora, nos termos do art. 9/1 CRProp, a transmissão de direitos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito.Como foi então possível a celebração do contrato entre B e C, tendo em atenção que, por ser um imóvel, a lei exige forma especial – escritura pública?Tal deveu-se ao facto de o Notário, a quem o art. 9/1 CRProp se dirige, não ter cumprido com esta disposição legal, titulando a transmissão do imóvel sem verificar que o mesmo não estava inscrito a favor de B, alienante.

II — As consequências da violação do art. 9/1 são diferentes consoante os autores: para Menezes Cordeiro, o acto de aquisição é nulo; para Oliveira Ascensão, não passa de mera irregularidade, gerando paralelamente responsabilidade disciplinar por parte do notário responsável.O Prof. Coelho Vieira segue esta posição.

3. Da validade/invalidade do registo da aquisição de C e seus efeitosI — O princípio do trato sucessivo, consagrado no art. 34º do CRProp, diz-nos que o registo definitivo de aquisição de direitos depende de prévia inscrição dos bens em nome de quem os transmite. Assim, para poder ser registada a aquisição de C feita a B, era necessário que o prédio alienado estivesse registado em nome deste último. Mas, como vimos, este registo não foi feito, verificando-se, assim, violação deste princípio.Ora, a violação do princípio do trato sucessivo é, precisamente, a causa de nulidade do registo prevista no art. 16/e), pelo que o registo da aquisição de C é nulo.

II — Que efeitos, se é que alguns, se podem verificar em relação a C em resultado deste registo nulo? Será que pode o adquirente C almejar à protecção conferida pelo art. 17/2 do CRProp a terceiros de boa fé?A resposta tem de ser liminarmente negativa. Terceiro, para efeitos do art. 17/2, é aquele que adquire de beneficiário de um registo nulo. Mas aqui o beneficiário é o próprio C, logo, este não é considerado terceiro no âmbito desta norma. Note-se que a ratio da lei ao dar protecção a terceiro de boa fé contra os efeitos da nulidade do registo em favor de quem adquire é a necessidade de ir de encontro às expectativas de certeza e segurança jurídica que este criou ao confiar na verdade e exactidão dos registos públicos. Mas o C nem esse argumento tem em seu favor, uma vez que adquiriu de quem não tinha a seu favor uma inscrição registal. Facto que ele sabia ou tinha a obrigação de conhecer, dada a função de publicidade do registo.

4. Da protecção de terceiro de boa fé – regime aplicávelI — Afastada a possibilidade de C beneficiar da protecção do art. 17/2 CRProp, resta-nos verificar se a sua situação pode ser abrangida pelo regime previsto no art. 291º CC. Este regime exige, para a sua aplicabilidade, seis requisitos cumulativos:1) Pré-existência de um registo desconforme ( );2) Acto de disposição (negocial) fundado no registo nulo e ferido de ilegitimidade por provir de titular aparente;3) Que a aquisição seja onerosa;4) Que o registo da aquisição pelo terceiro preceda o registo de acção de nulidade;5) Que o terceiro esteja de boa fé, na acepção do art. 291/3 do CC;6) Que a acção não tenha sido interposta nos 3 anos seguintes contados da data do negócio nulo ou anulável.

II — Vejamos se preenche os requisitos assinalados.Desde logo, verifica-se que não existe, antes da celebração do negócio entre B e C, um registo desconforme, pelo que não há como o subadquirente possa invocar qualquer fé pública ou presunção fundada no registo. Logo, também aqui a protecção do C não pode ter lugar, sendo irrelevante que tenham decorrido os 3 anos referidos no art. 291/2 ou qualquer outro – todos os requisitos têm que estar cumulativamente preenchidos.Quer nos casos abrangidos pelo art. 17/2 C.R.Pr., quer naqueles em que é aplicável o art. 291 CC, só pode beneficiar da protecção registal o subadquirente e não o beneficiário do registo desconforme. Vejamos em esquema: 

Conclui-se, assim, que o proprietário actual do prédio X é o proprietário original, i.e., o C.

Hipótese nº 10A, aproveitando o facto do prédio X não constar do Registo Predial, forjou uma justificação notarial de usucapião da propriedade e promoveu o registo dessa aquisição a seu favor.Dois meses mais tarde, A vendeu a B a propriedade do prédio X, ignorando o comprador que estava a comprar um bem alheio. B registou a aquisição.Entretanto, C, o verdadeiro proprietário, interpõe uma acção de reivindicação contra B pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade e a condenação de B na entrega da coisa.a) Diga quais são os aspectos registais envolvidos nesta hipótese.b) Esclareça se a acção seria procedente se B invocasse também ele ser proprietário da coisa.

Aspectos a considerar: 1. Da omissão de registo do prédio2. Da validade dos títulos de aquisição e dos registos3. Da protecção de terceiro de boa fé – regime aplicável

***1. Da omissão de registo do prédioA primeira questão que se levanta é a de saber como é possível a existência de prédios omissos no registo. A resposta a esta questão prende-se com a não obrigatoriedade de registo que vigora em Portugal. O art. 2º do CRProp enuncia quais os factos jurídicos sujeitos a registo, mas o art. 41 sujeita esse registo ao princípio da instância, o que significa que o impulso inicial cabe aos interessados; só a pedido destes serão os factos registados.Mas, poderíamos perguntar-nos, a existência de prédios omissos não vai contra os fins do registo predial expressos no art. 1º? É claro que sim, mas a situação não é assim tão grave pois os interessados acabarão, mais tarde ou mais cedo, por fazer esse registo, uma vez que só assim terão legitimidade para alienar esses bens (9º CRProp). É por isso que, conforme já referido no desenvolvimento do caso anterior, Oliveira Ascensão fala da existência de uma espécie de “obrigatoriedade indirecta” e o Prof. Coelho Vieira, seguindo o Prof. Carvalho Fernandes, de legitimação. Conclui-se, assim, que o A teria que proceder à descrição do prédio para poder inscrever a aquisição da propriedade. E foi o que fez, recorrendo embora a um título forjado.2. Da validade dos títulos de aquisição e dos registos O enunciado fala-nos de uma escritura de justificação notarial. Em que consiste esta escritura de justificação notarial? Trata-se de uma escritura que, obedecendo a certas formalidades específicas, tem por fim a justificação da aquisição da propriedade do prédio.Por exemplo, alguém que esteja em condições de adquirir a propriedade por usucapião precisa de um título que lhe permita registar essa aquisição em seu nome. Dirige-se então ao notário e obtém a tal escritura de justificação para o efeito.No caso presente, essa escritura de justificação notarial que veio a servir de título para a realização do registo foi forjada pelo próprio A. Para além da responsabilidade criminal em que incorre pela prática desse ilícito (crime de falsificação de documentos – art. 256 do Código Penal), a falsidade do título determina a nulidade do registo, nos termos do art. 16/a) do CRProp.É fácil constatar que, nada tendo o A adquirido, nada poderia transmitir ao B por falta de legitimidade. O A é um non dominus, apesar da presunção do art. 7º, tendo procedido a uma venda de bens alheios, que é nula nos termos do art. 892 CC, pelo que o B nada adquiriu. O registo da sua aquisição é, por conseguinte, nulo também pelos mesmos motivos.Em termos substanciais, o prédio continua a pertencer a C. 

3. Da protecção de terceiro de boa fé – regime aplicávelI — Enquanto os primeiros dois pontos procuravam responder, essencialmente, à questão da alínea a), este debruça-se sobre o que é perguntado na seguinte.Dissemos há pouco que o C continua a ser, substantivamente, o proprietário do prédio X. O facto de não ter registado a aquisição da propriedade do prédio em seu nome não basta para negar-lhe a titularidade do seu direito. Este existe independentemente do registo, que, como vimos, nem sequer é obrigatório. A oponibilidade erga omnes do direito de propriedade, como direito real típico, advém-lhe do princípio da absolutidade que lhe é característico.Mas a falta de registo não é isento de consequências: apesar de o registo não ser constitutivo do direito, ele não deixa de ter um efeito consolidativo, o que significa que quem dele beneficia fica protegido contra uma eventual aquisição tabular por parte de terceiro, i.e., fica salvaguardado do efeito atributivo do registo.

II — Haverá, neste caso, protecção registal de B?A protecção conferida pelo art. 5º CRProp é de afastar liminarmente: B não preenche o conceito de terceiro definido no nº 4 deste artigo: quer A quer B nada adquiriram de C.A protecção a conferir pelo art. 17º/2 depende da verificação cumulativa de cinco requisitos:7) Pré-existência de um registo nulo;8) Que a aquisição pelo terceiro se funde na pré-existência do registo nulo ( );9) Que a aquisição seja onerosa;10) Que o registo da aquisição pelo terceiro preceda o registo de acção de nulidade;11) Que o terceiro esteja de boa fé, na acepção do art. 291/3 do CC.Pela análise que fizemos, podemos concluir que estão preenchidos todos os requisitos que a lei exige para protecção do terceiro. De facto, (i) existe um registo nulo prévio ao negócio de compra e venda entre A e B (o que registou a aquisição a favor de A com base numa escritura de justificação notarial forjada); (ii) a compra pelo B fundou-se nesse registo desconforme; (iii) o negócio foi oneroso (compra e venda); (iv) o B registou a aquisição antes de C registar a acção de reivindicação e (v) o B estava de boa fé, pois ignorava a falsidade do título de aquisição do A e do registo deste e não lhe era exigível que fizesse mais do que consultar o registo predial relativo ao prédio, face à fé pública destes registos e à presunção estabelecida no art. 7º do código respectivo.Assim, a acção de reivindicação não poderia proceder, sendo B o legítimo proprietário actual do prédio por aquisição tabular (efeito atributivo do registo), nos termos do citado art. 17/2 do CRProp.

III — Ponto a reter é que todas as hipóteses do art. 17/2 se identificam pela pré-existência de um registo nulo.Haverá alguma forma de evitar o efeito atributivo do registo quando, por falta de registo do proprietário (em termos substanciais) não se verificou o efeito consolidativo?A resposta é afirmativa e é-nos dada pelo art. 5/2.a CRProp: quando a propriedade é fundada na aquisição por usucapião tal facto afasta a possibilidade de aquisição por via tabular.

Hipótese nº 11Entre A e B foi celebrado um contrato de doação do prédio X, no dia 03-Jan-2002. O contrato, celebrado por escritura pública, foi levado ao registo por A.Um ano depois, em 03-Fev-2003, B vendeu a C o direito de propriedade adquirido no negócio com A. C registou a sua aquisição.Em 02-Jan-2006, o Supremo Tribunal de Justiça declara nulo o contrato celebrado entre A e B. Com base nesta decisão, A reclama de C a entrega do prédio.Quid iuris?

Aspectos a considerar: 1. Da validade dos contratos e seus efeitos2. Da validade/invalidade do registo da aquisição de C e seus efeitos3. Da protecção de terceiro de boa fé – regime aplicável***

1. Da validade dos contratos e seus efeitosI — O contrato de doação tem eficácia real, transmitindo-se o direito de propriedade para a esfera jurídica do donatário no momento da sua celebração – 408/1 e 954/a). [Cfr. também art. 947º/1 CC – embora não tenha sido referido pelo Prof.].Sabemos, no entanto, que o contrato de doação A – B é nulo (cfr. sentença). Ora, um contrato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos ab initio. Por conseguinte, o direito de propriedade sobre o prédio nunca se transmitiu de A para B (art. 289º CC). [Importa aqui considerar o PRINCÍPIO DA CONSENSUALIDADE em vigor na ordem jurídica portuguesa].

II — Também no contrato de compra e venda se verifica eficácia real, transmitindo-se o direito de propriedade do alienante para o adquirente no momento da celebração – 408/1 e 879/a).Verifica-se, contudo, que por efeito da nulidade do contrato de doação o prédio era ainda de A quando B o vendeu a C. Logo, o contrato de compra e venda B – C é igualmente nulo, por falta de legitimidade do alienante, que praticou uma venda de bens alheios como sendo do próprio (892).A propriedade continua, em termos substantivos, na esfera jurídica de A. Tal remete-nos para uma desconformidade entre a realidade substantiva (A é proprietário) e a realidade registal (B é proprietário).

2. Da validade/invalidade do registo 

Considerando que estamos em presença de factos contemplados nos artigos 2º e 3º do Cód. Registo Predial, tal dado remete-nos para o art. 7º do mesmo diploma no que concerne à presunção da titularidade do direito.

A poderia ter registado? Sim – cfr. art. 36º Cód. Registo Predial (neste caso não foi o donatário a registar mas sim o doador).

3. Da protecção de terceiro de boa fé – regime aplicávelTendo por base a desconformidade existente entre a realidade substantiva (A é proprietário) e a realidade registal (B é proprietário), entende o legislador que o terceiro, neste caso C, beneficia de protecção nos termos do art.291º CC.Este regime exige, para a sua aplicabilidade, seis requisitos cumulativos:1. Preexistência de um registo desconforme ( );2. Acto de disposição (negocial) fundado no registo nulo e ferido de ilegitimidade por provir de titular aparente;3. Que a aquisição seja onerosa;4. Que o registo da aquisição pelo terceiro preceda o registo de acção de nulidade;5. Que o terceiro esteja de boa fé, na acepção do art. 291/3 do CC;6. Que a acção não tenha sido interposta nos 3 anos seguintes contados a partir da data do negócio inválido (nulo ou anulável). [Importante: Aqui o que conta é que a acção de declaração de nulidade ou de anulação seja proposta e registada dentro daquele prazo, não relevando a data da decisão do tribunal].

Conclusão:Considerando que (pelo menos tudo o indica uma vez que uma acção não chega ao conhecimento do Supremo tribunal em menos de um ano) que a acção de declaração de nulidade foi interposta nos 3 anos seguintes, contados a partir da data do negócio, entende o legislador que nestes casos prevalece a posição substantiva em detrimento da posição registal.

Nota:Artigos 5º e 17º Cód. Registo Predial – a protecção do terceiro é automática e ocorre por via do registo.Artigo 291º CC - a protecção do terceiro só se dá desde que nenhuma acção tenha sido interposta nos 3 anos seguintes contados a partir da data do negócio inválido.

Hipótese ISuponha agora que a acção de declaração de nulidade foi intentada apenas em 02-Jan-2006.Poderia esta acção influenciar o conflito entre A e C?

Não. Mesmo que o tribunal viesse a declarar nulo o negócio entre A e B, tal seria irrelevante para C que beneficiaria de protecção registal (adquirindo o direito real a que se reporta o seu registo).

Apontamentos:Artigos 5º e 17º Cód. Registo Predial + Artigo 291º CCA aquisição tabular de um direito implica a extinção do direito anterior. O direito adquirido tabularmente é um direito ex novo.

Art. 5º/1 Cód. Registo Predial: aplica-se em hipóteses de dupla disposição (A mesma pessoa dispõe duas vezes do mesmo direito) – Conjugar com art. 5º/4 Cód. Registo Predial.

Art. 17º/2 Cód. Registo Predial : aplica-se em hipóteses de sub-aquisição com nulidade registal (ver art. 16º Cód. Registo Predial) – cenário de sucessão de contratos.

Art. 291º CC : aplica-se em hipóteses de sub-aquisição em que se verifica a preexistência de um negócio inválido– cenário de sucessão de contratos

Compropriedade

A e B são comproprietários de um terreno. Decidiram que seria metade para cada para fazer duas moradias. A fez um pub e B quer declarar ilegal a utilização de A.

O enunciado retranca uma situação de compropriedade. Para desbravarmos os meandros do problema colocado devemos atender ao disposto no artigo 1406.º/1 CC. Fazendo uma leitura interpretativa do acordo, não terá sido expressamente determinado o fim que deveria ser dado por A e B à parte do imóvel que a cada um lhes coube. Aferir a legalidade ou não do comportamento de A em fazer do compartimento um pub, dependerá da aplicação das regras do ónus probatório, ou seja, se incumbirá a A a prova de que a transformação da parte comum em pub foi resultado de acordo entre as partes ou, pelo contrário, se será B que tem que provar que tal circunstância não mereceu o seu aval. Aplicando o art. 342.º CC, é ao requerente que compete fazer a prova. Sendo certo que houve um acordo de divisão de bem comum, não se estabelece em rigor a finalidade a que se destinam as áreas do prédio. Posto isto, resulta não haver violação do art. 1406.º/1, pelo que o papel do consentimento perde todo o protagonismo.

Propriedade horizontal

A e B pedem indemnização a C por danos em áreas comuns.

O caso prático em apreço diz respeito a uma das temáticas mais importantes dos Direitos Reais, a propriedade horizontal. As várias modalidades de constituição de propriedade horizontal vêm estabelecidas no 1417.º. A primeira questão é a de averiguar se A e B têm legitimidade, enquanto condóminos, para pedir ressarcimento de danos em partes comuns, Segundo o 1422.º/2-a) CC, os condóminos estão sujeitos, nas suas relações entre si, às limitações impostas aos comproprietários de coisas imóveis. Segundo o 1406.º CC, é lícito a todos os comproprietários servir-se da coisa comum, desde que não a utilize para fim diferente daquele a que se destina, nem prive os outros consortes do uso a que têm direito. Daqui que se retira o dever dos condóminos de preservar as partes comuns e de indemnizar os restantes caso, da sua acção resulte danos. Por outro lado, o 1311 CC e o 1305 CC conferem ao condómino o direito de se defenderem de ofensas ao seu direito. As obras constituem conduta negligente…

Direito de sobreelevação

O caso remete-nos para o Direito de sobreelevação, artigo 1526.º CC que preceitua que… Após terminada a sobreelevação passam a figurar no mesmo prédio pelo menos duas fracções, ou seja, a correspondente à parte inicial e a derivada da sobreelevação. Este direito se sobreelevação foi constituído quando A era proprietário da construção, o que nos remete para o direito registal. A é, como defendem alguns autores, duplo causante, pois é-o em relação aos condóminos e rem relação a si próprio no que ao direito de sobreelevação diz respeito. Uma vez que já deixou de ser proprietário do edifício actual, ele é terceiro em relação aos actuais condóminos. A teve intervenção por via contratual tanto no direito de sobreelevação como na venda das fracções, pelo que sendo os condóminos terceiros em relação a A, há que averiguar se preenche os requisitos que lhe garantam a posição contratual. À constituição do direito de sobreelevação está associado o efeito do registo ( 5.º/1), bem como o 6.º. Assim, sengundo a Escola de Coimbra, como o direito de sobreelevação efectudo por A foi registado antes do direito de aquisição dos condóminos das respectivas fracções, estes têm que aceitar as obras.


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