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Rafael MedeiRos de andRadeMestre em Engenharia Ambiental - UERJProfessor do Colégio Pedro II, Campus São Cristóvão IImede i ros .geo@gmai l . com

CaRToGRafia e defiCiÊnCia VisUalexpeRiÊnCias no ColéGio pedRo ii

prát icas pedagógicas CaRToGRafias

ObjetivO

O presente relato de experiência explicacomo se desenvolveu o projeto “Ensino deGeografiaeDeficiênciaVisualnoColégioPedroII”, realizado no período de 2008 até 2010 nasunidades de São Cristóvão II e III da referidaescola, com um enfoque na cartografia tátil. OobjetivoprincipaldesteprojetofoideaprimoraroensinoeaaprendizagemdosalunosdeficientesvisuaisdocolégionadisciplinadeGeografia,sejaelaborando e adquirindo materiais táteis e deáudio, seja construindo novas oportunidades deaprendizagem além das aulas regulares, como,porexemplo,trabalhosdecampoeaulasextras.

COndições de apliCaçãO

Realizado a partir de uma iniciativa dodepartamento de Geografia do colégio – juntocom o apoio da equipe de Educação Especial–, baseado em um trabalho feito em regime dededicaçãoexclusiva,esteprojetoteveaintençãoprincipal de atender os alunos com deficiência

visual, majoritariamente situados no ensinomédio.Ostrabalhosrealizadosnãoforamfocadosemumadeterminadafaixaetária,tendoemvistaqueasidadesdestesalunosvariavamdequinzea vinte e três anos. Fato que, na realidade,proporcionouumaricatrocadeexperiênciasentreosmesmosduranteaspráticaseducativas. De uma maneira geral, essas práticaseram realizadas nas sextas-feiras no turnovespertino, pois todos os alunos deficientesvisuais estudavam pela manhã, e, depois doalmoço,elestinhamaoportunidadedeteraulasextrasnasaladeEducaçãoEspecial, localizadanaUnidade deSãoCristóvão III.Nessas aulas,quepoderiamserindividuaisoucoletivas(máximode4pessoas),osalunostinhamummaiorcontatocom materiais táteis (sobretudo mapas), textosgravadosemmp3eummomentodeexplicaçõesmaisindividualizadas.

Materiais neCessáriOs

Desde o início das pesquisas sobre acartografia tátil noBrasil –aproximadamenteno

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finaldadécadade1980–aindanãosechegouaumapadronizaçãonacionale,alémdisso,existemmuitas dificuldades na criação desta linguagem.Almeida(2007,p.121)destacaagrandediferençaentrearesoluçãodavisãoedotato;aquantidadede informação cartográfica deve ser compatívelcomasensibilidadedapercepçãotátil;eotipodesignosgráficoseodesigndomapaprecisamserapropriadose,namaioriadasvezes,nãopodemsersemelhantesaospadrõesdirigidosàvisão. Dessa forma, buscando um maiorembasamentoteóricoeprático,foramrealizadaspesquisas no Instituto Benjamin Constant (IBC)e no Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar(LABTATE)quantoàconfecçãodosmapastáteis.Inspirado em tais instituições, a maioria dosmapas foi feita empapel cartão no tamanho36cmx47,5cm.Estetamanhodemapamostrou-seidealperanteoutrosmenores,que,porsuavez,apresentam certa dificuldade na percepção tátil,eemoutrosmaiores,quedificultamapercepçãodoconjuntodomapaetambémtêmummanuseiodifícil1. Para a confecção dosmapasutilizou-se,antesdetudo,osoftwareInkscapeparareforçaraslinhasdosmapas,quesofrerammuitadistorçãodeimagemaoseremampliados. Para dar a informação dos mapas,seguidosdeumalegenda,sãoutilizadosmateriaiscomdiferentes texturas,podendoser feitascomdiversosmateriais.Osmaiscomunsforam:oEVA,papelcamurça,lixasdiversas,papel“sanfonado”e papel triplex com laminação, além dasfronteiras,paralelos,meridianoseasbordasdosmapaspoderemsercompletadascomcodornêediferentestiposdebarbante.Masoutrosmateriaistambémsãomuitoúteis,comoacortiça,grãosdearroz,botões,etc. Apesar desses mapas demandaremde um longo tempo de confecção; de recursosonerososequemuitasvezesnãotêmnaescola(impressoraplotter,osmateriaisespecíficosparadeficientesvisuais,pastas);edeteremumtempodevidacurto,elessãodeextremaimportâncianoensinodeGeografia,poisasdiferentes texturastêmacapacidadede fornecermais informaçõesdoquemapas simplórios feitos em impressoras

Braille que, por sua vez, apresentam apenasduas texturas: lisa ou pontilhada. Além disso,eles são a base para futuramente serem feitosmapas plásticos em Braillon nas máquinas deThermoform (máquinas que aplicam calor emum material plástico específico, o Braillon, quereproduzemummapatátilapartirdeumamatrizfeita,geralmente,empapelcartãoecolagemdetexturas),queapresentamumadurabilidadebemmaiorqueopapel. Já nos mapas em alumínio foram feitospequenos relevos nas lâminas com pregos emartelo. Mesmo apresentando somente duastexturas (lisa ou pontilhada), têm a grandevantagemdeserummaterialbastanteduradouro.Fato que abriu oportunidades de pesquisa naconfecçãodemateriaismaisresistentesadanosenovaspráticaspedagógicascomosalunos.

desCriçãO da atividade

A primeira etapa que foi realizada noprojetofoioaprendizadodoBraillepeloprofessor,mostrando-sedegrandevaliaparaaescola,tantono sentido administrativo quanto pedagógico.Além da maior satisfação do aluno deficientevisual em saber que o seu professor conheceessalinguagem,suasprovas–quesãoimpressasemBraille–têmacapacidadedeseremtambémescritasemBraillepelosestudantes.Normalmenteasrespostassãoditadasporelesetranscritasporfuncionáriosdaescola.ComamaiordifusãodoBraillecria-seaoportunidadedosalunosteremummaiordomíniodesualíngua,treinandotambémasuaredaçãodetextoscommaiorautonomia. Como jáhaviadestacadoReily (2004,p.139-140),essaatençãoporpartedaescoladeveserredobradacomalunoscegos.Écertoqueasnovas tecnologias de informática e telemáticatrouxeram amplas facilidades aos deficientesvisuais,comoaleituraeaescritadetextosparaousuário.Entretanto,oabusodessastecnologiaspode inibir outras áreas de desenvolvimentocognitivodoaluno,comoaprópriaescritaBraille,tidaporalgunsalunoscomodifícile lenta frenteas praticidades oferecida pelos programas de

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computador. A utilização de mapas táteis tambémfoimuito útil nas explicações dos conteúdos deGeografia,melhorando a compreensão espacialdos alunos. Basicamente foram utilizados trêstipos de mapas: os feitos Braillon, que foramdoados pelo IBC antes de 2008 (Brasil: regiõesgeográficas; Órbita da Terra; Rosa-dos-ventos;Região Sul do Brasil: político; Zonas Climáticasda Terra; Paralelos; Meridianos;AméricaAnglo-Saxônica; etc); os mapas táteis em papel, doAtlasGeográficodaMelhoramentos,doadosparaescolapelaFundaçãoDorinaNowil;e,porfim,osmapasdeconfecçãoprópria,feitoscomdiversastexturas,sendoquesetemapasfeitosempapelcartão (Brasil – Regiões Político-administrativasdoIBGE;AméricadoSulPolítico;FusosHoráriosdo Brasil; África – Norte e Sul; África Político;Regionalização da Guerra Fria; e Múndi –Continentes); edoismapasemalumínio (MúndiPolítico; e Brasil Político). Os mapas além defornecerem maiores informações, possibilitaramo surgimento de novos questionamentos ecuriosidadesporpartedosalunos,estimulandoogostopeladisciplinaepeloestudo. Inclusive foipossívelconstatarqueosprópriosalunoscegosacabaramutilizandoosmapastáteisparaensinarunsaosoutrossemainterferênciadoprofessor. Apesardisso,algunsdessesmapasaindaprecisam sofrer um acabamento, pois aindacarecem de algumas informações que podemdificultar seu entendimento na ausência de umprofessor.Quantoao resultadodoentendimentodos mapas em relação aos alunos em geral,chegou-se a um resultado semelhante ao queAlmeida(2007,p.139)tinhaantecipadoemsuaspesquisas: é difícil atingir um conjunto único desugestõeseregras,poisháumagrandediferençaentre as preferências individuais e o nível dehabilidade do usuário com relação à leitura domapaeaodomíniodalinguagemgráfica. Assim, alguns mapas que poderiam serconsideradosdifíceiseruinsparauns,sãobonspara outros. Da mesma forma ocorre quanto àabordagem dos conteúdos, pois um mapa quepode ser julgado complexo ou “poluído” (com

muitastexturas)paraaabordagemdeumtema,podesermuitoútilparaoentendimentodeoutroconceito.Percebe-se,então,quedevidoà tantadiversidade,éimportantehaverumfeedbackdosalunos tanto na confecção quanto na utilizaçãodos mapas, pois somente dessa maneira quepode haver um maior aprimoramento didáticodessematerialdentrodaescola. Mesmo a escola não possuindo umamáquina Thermoform para fazer mapas maisresistentes, os alunos preferem trabalhar namatrizempapelcartão,poisháumadiversidademaior de texturas, estimulando a sensibilidadetátil. Apesar disso, há um maior desgaste damatrizpelofatodoseumanuseiopoderdescolaralgumastexturas,rasgaropapelcartãoeamassaromapa,entreoutrosproblemas. Além dos mapas, para incrementar apercepção espacial dos alunos é interessanteummaiorestímuloaos trabalhosdecampo.Em2010,foirealizadaumavisitaaoParqueNacionalda Tijuca, onde os alunos puderam entrar emumapequenatrilhadaFloresta(TrilhadoAloísio),vivenciandomelhoroambientedeflorestatropical.Nestaocasião, quatroalunosdeficientes visuaisparticiparam do trabalho, saindo no períododa tarde em um ônibus do colégio. Durante otrabalhofoipossívelumamaiorexplicaçãosobreohistóricodaocupaçãodaáreadoparqueesobreas características gerais do solo, da vegetação,doclimaedahidrografiadoambiente.

COnsiderações finais

Essa foi uma breve apresentação dasatividades desenvolvidas neste projeto dededicaçãoexclusivadoColégioPedroII,sendoumtrabalhoquetevebonsresultados,principalmenteno que diz respeito a maior compreensão dosalunosnadisciplinadeGeografia.Espera-sequeestainiciativasejamaisumacolaboraçãonoquedizrespeitoàscrescentesenecessáriaspesquisassobre o ensino de Geografia para deficientesvisuais.Muitasexperiênciasealternativasaindapodemsurgirnestecampodeestudo,sobretudonoquedizrespeitoàconfecçãodemapastáteis,

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havendomapasemalumíniomaisfinoemaleável,alémdosmapasemtecido. Quanto ao Colégio, espera-se queestas e outras práticas sejam feitas por toda acomunidade escolar envolvida com educação.Novas pesquisas poderiam ser feitas quanto àutilização de mapas táteis durante as aulas deGeografia, a fim de avaliar sua relevância juntocomaturma.Alémdisso,baseadonosestudosde

Simielli(2007),cabeaquiasugestãodaformaçãodeumaoficinadecartografiatátilparahabituaroalunocomestetipodelinguagem,apartirdeumapadronizaçãodosmateriaisdaescola.

nOtas

1Almeida (2007, p. 137) afirma que o tamanho de cada mapa,maquete ou gráfico não deve ultrapassar 50 cm, pois o campoabrangidopelasmãosébemmenorqueocampodavisão.

F igura 1 | Propos ta de mapas t á t e i s em pape l ca r t ão e t ex tu ras d ive rsas : Reg iona l i zação Po l í t i ca da Guer ra F r i a

( esquerda) e Múndi : Con t inen tes (d i re i t a ) .

F igura 2 | Mapas t á t e i s em chapa de a lumín io : Múndi : Po l í t i co (esquerda) e Bras i l : Po l í t i co (d i re i t a ) .

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F igura 3 | Mapas t á t e i s f e i tos em Bra i lon ced idos pe lo Ins t i tu to Ben jamin Cons tan t : Amér ica do Su l : Po l í t i co

(esquerda) e Amér ica Ang lo-Saxôn ica (d i re i t a ) .

F igura 4 | Fo tos no t r aba lho de campo ao Parque Nac iona l da Ti juca (2010) : a lunos abraçando á r vore na F lo res ta

(esquerda) e a t ravessando o p r ime i ro cór rego (d i re i t a ) .

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F igura 5 | Fo tos no t r aba lho de campo ao Parque Nac iona l da Ti juca (2010) : a lunos t a t eando a f lo ra (esquerda e

cen t ro ) e a t ravessando o segundo cór rego (d i re i t a ) .

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