Transcript
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CARIRI REVISTA 1

caririRevistaO Mundo para o Cariri. O Cariri para o Mundo

edição 02

@caririrevista

Suyane Moreira,a iracema descoberta pela Ford Models há onze anos, reencontrao Cariri da infância e revela o que mais a emociona em sua terra

Centenário de Juazeiro do norte: como uma pequena aldeia se transformouna segunda maior cidade do Ceará

Nascido no Crato,

Sérvulo eSMeraldofaz exposição na Pinacotecade são Paulo e mostra por que é considerado um dos maiores artistas do Brasil

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2 CARIRI REVISTA

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CARIRI REVISTA 3

w w w . n e w l a n d . c o m . b r

slogan

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4 CARIRI REVISTA

Reservamos este espaço para agradecer a todos que abraçaram conosco o desafio de tornar a Cariri Re-vista realidade. Aos investidores que acreditaram em um projeto pioneiro na região, aos colaboradores que enriqueceram o universo de informações apresentado em nossas páginas, à equipe editorial que com grande competência, dedicação e sinergia levou ao mundo o Cariri e a você, leitor, que recebeu com imenso entusias-mo e alegria nossa primeira edição.

A Cariri Revista nasceu do desejo e da necessidade de conectar a próspera, rica e bela região do Cariri a outros centros por meio de suas potencialidades: as vi-vas cores do surpreendente sertão, o desenvolvimento acelerado de uma economia efervescente e um povo de conquistas. Nesta segunda edição, na seção “Cariri Memória”, apresentamos matéria sobre o Centenário de Juazeiro do Norte – comemorado a 22 de julho – ilustrada com fotos do rico arquivo do escritor e historiador Daniel Walker. Na nova seção, “o Cariri dentro de mim”, a mo-delo e atriz Suyane Moreira volta à região para relembrar seu passado antes de se projetar daqui para o mundo.

Isabela Bezerra e Renato Fernandes

#caririeditorial

CaRo leitoR,

Mostraremos a exuberante Chapada do Araripe através de um agradável passeio pelo roteiro “Piquí com Mel”. Para os aventureiros, as pedaladas de bike com grupos noturnos em meio à imensa vegetação é uma ótima dica.

Conheceremos histórias do universo dos vinhos relacionadas ao Cariri e as novas fontes de energias sustentáveis. Reveremos a história da Expocrato, evento de importância fundamental para o desenvol-vimento econômico da região. Uma crônica da Rua São Pedro, coração do comércio de Juazeiro, mostra curiosidades do cotidiano com belos flagrantes dos personagens que a habitam.

Esta edição é a continuidade de um comprometido projeto que tem como missão ser vitrine do Cariri e fo-mentar o crescimento da região Sul do Ceará.

Bem vindos ao Cariri!

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CARIRI REVISTA 5

tweetsRecebi o exemplar: está belo, bem trabalhado, projeto gráfico equilibra-do, texto bem escrito, pautas muito boas. Parabenizo-a por isso. Sou do Crato, morando em Fortaleza há 40 anos. Fico feliz que essa região seja temática e projeto de uma revista. Aliás, seja o espírito editorial da re-vista. Desejo sucesso para vocês to-dos da Cariri. Fico por aqui com um forte abraço e minha admiração. Atenciosamente,Ronaldo salgado [Jornalista e professor do curso de Jornalismo da UFC]

Parabenizo a toda a equipe responsável pela exce-lência de qualidade da edição 01 da CaRiRi Revis-ta, notadamente a apresentação gráfica, a escolha dos assuntos e a correção da escrita dos conteú-dos, resultando em um veículo de comunicação à altura do atual estágio de desenvolvimento experi-mentado pela nossa querida região. Cordialmente,Sávio Leite Pereira [Juiz]

Parabéns pela bela iniciativa que valoriza nosso cariri.Dep. Roberto Claudio [Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará]

Desejamos muito sucesso com a revista e parabe-nisamos-a pela iniciativa na certeza que realmente essa contribuirá para o desenvolvimento da nossa região. Com carinho,Haim Erel e Sophia [Cirurgião plástico e esposa]

#caririconexão

@xicosaXico Sá - Jornalista-escritor

@caririrevista que beleza,rapazto aqui ja lendo a minha revista Cariri.

@aparitoniaInês Aparecida - Jornalista

Finalzinho de domingo, lendo @caririrevista. Matéria c/ espedito seleiro no ponto: texto e fotos belíssimos.

@roberto_macielRoberto Maciel - Jornalista

Recomendo a Cariri pra você, @h_silvestre (Henrique silvestre), e pra quem mais goste de informação competente.

@FalaPerdigaoAlberto Perdigão - Jornalista

@caririrevista Recebi sua revista gostei muito. Parabéns à equipe, que assim honra o nossojornalismo.

@DjaneNogueiraDjane Nogueira - Jornalista

a revista é linda e o conteúdo é muito bom, pautas interessantes, textos ótimos e fotos idem.Parabéns a todos os envolvidos.

Envie sua mensagem para Cariri Revista pelo e-mail: [email protected] ou pelo twitter: www.twitter.com/caririrevista.

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6 CARIRI REVISTA

#edição o2

MEMÓRIA

DESENVOLVIMENTO

36

48

EVENTO

42

CAPA DESTA EDIçÃO Suyane MoreiraFOTO: Rafael Vilarouca

EXPEDIENTE

DIrETOrES Isabela BezerraRenato Fernandes

EDITOrA-GErAL Tuty Osório | [email protected]

EDITOr DE ArTE Fernando Brito

EDIçÃO DE TEXTOS E rEDAçÃOClaudia Albuquerque

rEPOrTAGEM E rEDAçÃO Raquel ParisSarah Coelho

FOTOGrAFIARafael Vilarouca

PubLICIDADE88 | 3085.1323 88 | [email protected]

rEDAçÃOredaçã[email protected]

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO

Daniel WalkerKiko Bloc-BorisPaulo MachadoRaimundo AraújoYasmine MoraesRicardo SalmitoRoger PiresRoberto Barros (Art Beto)Jarbas OliveiraPaula OsórioAntônio Setembrino de M. e SouzaCamila Esmeraldo

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ARTESpLáSTICAS

60

CARIRI REVISTA 7

CARIRIDENTRODE MIM

LITERATURA

TURISMO

27

68

08

CoNveRsa

DesigN

CaRiRiaNas

1620

75

gastRoNoMia

esPeCial

saÚDe

72

5977

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8 CARIRI REVISTA

tRilHas, Passeios De BiKee tURisMo No CoRaÇÃo veRDeDo CaRiRi

#caririturismo

— Quem vai querer andu?

A pergunta, feita sob o sol do meio-dia, que banha de azul e açafrão a pequena roça de macaxeira, jerimum, mandioca brava e batata doce, é proferida por dona Mariquinha aos tu-

ristas atentos, alguns deles totalmente ignorantes dos usos e delícias do andu, ou feijão-guandu, uma espé-cie de leguminosa arbustiva comum nessa região.

Tirando algumas vagens do pé, dona Mariquinha, que nasceu Mariana, antiga moradora desse terreno fresco ensombrado por fruteiras, diz que os caroços raja-dinhos do andu são mesmo saborosos. Mais tarde, devi-damente cozidos e casados ao arroz, eles deslumbrarão os visitantes esfaimados, que vão repartir pela primeira vez uma travessa copiosa de baião-de-dois com andu. Acrescido de pequi, como manda a etiqueta regional.

Estamos no sítio Lírio, distrito do Cajueiro, muni-cípio de Santana do Cariri, perdidos nas artérias re-frescantes da Chapada do Araripe, o imenso planalto verde que tonifica pedaços do Ceará, Pernambuco e Piauí. Aqui, entre pés de caju, graviola, manga, acerola, goiaba, jaca e outras branduras, dona Mariquinha vive da agricultura familiar e da produção de mel.

O responsável pelo apiário é o genro José, casado com Cicinha, uma das filhas da casa. Sobrevoando as floradas do cipó-uva, do jequiri, da pitomba, da cidrei-ra, do jatobá e outras tantas, as abelhas da Chapada usufruem da fama de excelentes operárias. “Tudo aqui é melhor que no Sul, por causa do sol: as frutas, as fo-lhas, o mel...”, diz o apicultor, sem hesitação.

Apesar da presença de José, a casa que nos re-cebe é uma casa de mulheres. Iracema e Cícera, a Ci-cinha, dividem com a mãe o zelo com a roça, a labuta

ardente no fogão à lenha, o capricho com o terreno sempre bem varrido, os cuidados com as galinhas e pequenos animais. Aqui os dias são longos, as noites geladas e o tempo desliza feito areia nos dedos, sem sobressalto. O dinheiro acompanha o mês, contadi-nho, desde que não se façam gastos extras.

Este ano, porém, a casinha verde com altar cheio de santos e cadeiras na varanda está recebendo pela primeira vez os grupos que fazem turismo sustentável, trazidos por uma agência da região. Fuçando aqui e acolá, os visitantes percorrem a roça, observam as plantas, apreciam a produção de mel, adentram a casa de farinha, conhecem o cemitério da família, se ben-zem na capelinha ao lado, lavam as mãos no pote frio de barro e provam o tempero inigualável das mulheres da casa, para as quais não cessam de fazer perguntas.

— Quando é a farinhada?— E o mel de cipó-uva?— Como fazem a goma?— O que é puba?

No início da tarde, o almoço farto parece enco-mendado para o triplo de convidados: galinha caipira cozida e assada, carne de sol, baião-de-dois, batata doce, macarrão com muito queijo. Todos avançam, mal mastigando, elogiando, repetindo uma vez, duas, três, já esquecidos de que há pouco tempo se sentaram nessa mesma mesa com café, chá, suco de goiaba, beiju, tapioca e bolo de puba – tudo colhido e feito na casa. Enquanto um favo de mel escuro e viscoso cir-cula entre os forasteiros, Cicinha se emociona, olhos marejados: “Espero que tenham gostado, é tudo muito simples, mas estamos felizes”.

Por Claudia Albuquerque

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CARIRI REVISTA 9

Geografia, história, arte, arquitetura, cultura, gastronomia, religiosidade, planejamento e organização dos serviços turísticos, além de técnicas de excursionismos, são alguns dos temas abordados no Curso Técnico em Guia de Turismo oferecido pelo Senac em convênio com a Urca/Geopark. O curso começou no Crato em 2010, com 30 alunos, e está dividido em dois grandes módulos, que juntos somam 1.130 horas. O 1º módulo termina em setembro deste ano, formando guias de Turismo Regional. O 2º se estende até meados de 2012, preparando guias de Turismo Nacional. Hoje, dos 30 alunos que passaram pela seleção, 26 prosseguem com entusiasmo. Um deles é Henrique Feitosa Duarte Vale, 28 anos, o Henrique do Pontal, grande conhecedor das trilhas e belezas de Santana do Cariri, cidade onde vive e nasceu. “Sou apaixonado por turismo e paleontologia, e acho que esse curso vai ser muito útil para a região”.A coordenadora Luciana Lacerda concorda: “Esperamos levar o turismo do Cariri para um novo patamar”.

JOVENS GUIAS, NOVOS TEMPOS

RAFAEL VILAROUCA

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10 CARIRI REVISTA

NOVAS POSSIbILIDADES DE APrECIAçÃOO juazeirense Adalmiran Silva de Vasconcelos foi o mentor, junto com os irmãos André e Adriano, desse roteiro que leva os visitantes para o coração da Cha-pada do Araripe, descortinando alguns dos seus se-gredos ao percorrer caminhos verdejantes numa van perfeitamente adaptada, com internet, bagageiro e água gelada. O roteiro surgiu do desejo de Adalmiran, um jovem padre conhecedor das carências locais, de oferecer assistência ao povo da Chapada.

“A idéia é contribuir para o desenvolvimento sus-tentável das comunidades, trazendo os visitantes para conhecer a vida das pessoas, e não apenas as paisa-gens. Claro que as casas que recebem os turistas são

capacitadas. E o preço do passeio, que começa de manhãzinha e vai até o fim da tarde, inclui as refeições, tipicamente caririenses, feitas por famílias como as de dona Mariquinha. Além disso, os produtores podem vender mel e goma diretamente para os visitantes, que se encantam com essa zona de transição entre a mata atlântica e o cerrado”, explica Adalmiran.

Junto com os irmãos, ele elaborou outros trajetos turísticos – inclusive um religioso (que leva ao Mosteiro Beneditino Nossa Senhora das Vitórias) e uma city tour por Juazeiro (que inclui visita ao Horto, Memorial Padre Cícero, Centro de Artesanato Mestre Noza, Mercado Central e outros points obrigatórios). O mais “verde” e sustentável, porém, é o roteiro “Pequi com o Mel”, que

perícia na arte de fazer goma e farinha

Igreja de Senhora Santana Simplicidade e acolhimento em cada canto

D. Mariquinha em sua casa,no distrito do Cajueiro

FOTOS: RAFAEL VILAROUCA

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CARIRI REVISTA 11

Do alto do Pontal de Santa Cruz se avista, pequenina e harmoniosa, a cidade de Santana do Cariri. O Pontal fica num paredão que se eleva a 750 metros de altitude, batido por ventos constantes. Quem chega, vê logo uma cruz, e no entorno da cruz o mirante. Nesse exato ponto, estamos no topo da Chapada, a bem dizer, no “teto” do Cariri, uma das atrações locais. Abrindo-se para a paisagem verde, o mirante é amparado por arenitos avermelhados, que o guia diz serem “as rochas mais jovens do Araripe, com cerca de 100 milhões de anos”. Tal qual esponjas, elas absorvem a água da chuva, que se acumula no sopé da escarpa, formando esplendorosas nascentes cristalinas.

Além do mirante e da cruz de vinte metros, o Pontal de Santa Cruz tem uma igreja e um restaurante. Com boa infraestrutura turística, é um dos geossítios que integram o Gerpark Araripe, onde outras áreas de valor científico e cultural continuam sendo mapeadas. Para chegar a Santana do Cariri, descendo pelo Pontal, passa-se pelo povoado de Cancão Velho – o nome se deve a uma lenda segundo a qual todas as noites se ouviam cães (ou seriam demônios?) brigando no povoado, até que um dia ergueu-se a cruz que espantou as aparições e trouxe paz à aldeia. Isso foi por volta de 1900. De lá para cá, o velho cruzeiro foi destruído por raios duas vezes, sendo logo em seguida recuperado pelos fiéis zelosos. A nova cruz é de 2001 e convive em silêncio com o antigo marco de devoção dos santanenses.

PELEJAS SANGUINÁRIASVencendo o declive pontuado por casinhas coloridas, entra-se em Santana do Cariri, um pacato município de menos de 18 mil habitantes, hoje mais conhecido pelas riquezas paleontológicas que pelo passado de lutas sangrentas. Porém, essas lutas existiram e marcaram o núcleo no começo do século XX. Naqueles tempos, um dos manda-chuvas locais era o Coronel Felinto da Cruz Neves, várias vezes intendente (ou prefeito) e inimigo figadal de Manoel Alexandre do Ipiranga.

Homem riquíssimo, este Manoel teve dois filhos, um deles assassinado por um cabra de Felinto, no fervor de uma peleja iniciada anos antes por motivos insignificantes, mas

PONTAL DE SANTA CRUZE SANTANA DO CARIRI

reabastecida dia após dia pela fome de poder. Em 1936 o Coronel Felinto também acabou morto a tiros, no início do seu sexto mandato como prefeito, na praça que hoje leva seu nome. A esposa Generosa assumiria o cargo, tornando-se a primeira mulher numa prefeitura do Ceará. O casarão de Felinto e Generosa, em estilo neoclássico, foi erguido no final do século XIX e inaugurado em 1911. Hoje aberto a visitação, fica em frente à praça onde morreu seu proprietário.

Portas de janelas reforçadas, teto e assoalho de cedro, lustres franceses, um pequeno oratório na sala de jantar, poucos móveis remanescentes, um longo corredor que dá para o quintal. Depois de percorrer o sobradão enfim pacificado, o guia mostra o subsolo onde se refugiava a família durante os ataques mais selvagens, às vezes por dois ou três dias. A casa é inteiramente assentada sobre o porão, que acompanha o desenho exato dos cômodos acima. Há uma passagem secreta pelo quarto do casal, mas hoje o acesso se faz pelo quintal. Sossegado depois de anos de luta, o esconderijo empoeirado acolhe nuvens de morcegos, respirando apenas por janelinhas circulares que dão para a praça. Era por essas pequenas aberturas que os capangas atiravam nos inimigos desatentos.

Emancipada em 1885, Santana do Cariri é hoje uma cidade aprazível, com ruas de paralelepípedos, 3.600 casas e uma Igreja Matriz centenária, cujo altar de madeira é composto por degraus de pedra cariri – ou calcário laminado – numa belíssima composição de cor. Iniciado no final do século XIX, o templo é o maior prédio da cidade e já acolheu pistoleiros em sua torre, que a mando do Coronel Felinto vigiavam do alto o casarão da família. Hoje os fiéis de Senhora Santana rezam em paz, tendo à frente uma pintura singela de anjos pálidos e nuvens lilases, com nichos cheios de santos de feições barrocas.

A bela vista do pontal de Santa Cruz

RAFAEL VILAROUCA

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acontece desde abril e expressa uma tendência mun-dial de ir em busca da “essência humana” na tentativa de compreender uma região.

“Os turistas vivenciam novas experiências, e os moradores têm uma forma alternativa de renda”, acredita Adalmiran, que faz pequenas alterações no script, dependendo dos pedidos dos fregueses. Nesta terça-feira de sol e vento frio, os visitantes conhecem o Geossítio Pontal de Santa Cruz, a 750 m de altitude, e a Floresta Nacional do Araripe (FLONA), no alto da Chapada – conforme o previsto –, mas estendem a viagem à cidade de Santana do Cariri, onde veem o Museu de Paleontologia, o casarão do Coronel Felinto da Cruz Neves e a Igreja de Senhora Santana, antes de retornarem à casa de dona Mariquinha para o almoço.

No Cariri, o trade turístico está despertando para a importância de alternativas como essa. Aos poucos, a região elabora formas inovadoras de apreciação, valorizando não apenas o turismo de massa, mas so-bretudo o geoturismo, com a maior profissionalização do setor. Agências de receptivo, empresários e institui-ções como a Urca, Sebrae e Senac reconhecem que é preciso diminuir a informalidade – ainda grande – para aumentar a eficiência. A primeira turma do Curso Téc-nico em Guia de Turismo, promovido pelo Senac em

parceria com o Geopark, já está completando um ano de estudos no Crato, assim como continuam sendo capacitados os jovens da Escola de Educação Profis-sional Prof. Moreira de Sousa, em Juazeiro do Norte.

Altiva e orgulhosa, a velha Chapada abriga o Geo-park Araripe, primeiro parque fossilífero das Américas e do Hemisfério Sul reconhecido pela Unesco. Seus nove geossítios abertos a visitação se distribuem por seis cidades do Cariri. O planalto de 130 milhões de anos é um dos pontos privilegiados de atração de via-jantes, que dividem com os caririenses o prazer de per-correr trilhas, conversar com os moradores, saborear o claro mel de cipó-uva (típico das floradas daqui), andar de bicicleta, fazer rappel, visitar as reservas de fósseis, ou, simplesmente, observar e relaxar.

SObrE DuAS rODASUma boa alternativa para quem tem pernas, fôlego e uma bike apropriada é percorrer as trilhas da Chapada sobre duas rodas. Pessoas da região, geralmente em grupos organizados, cada vez mais estão aderindo aos prazeres dessa modalidade, que exige certas precauções. “Não recomendamos que o ciclista vá só, a não ser que co-nheça bem a área”, diz Keely Cristina, que junto com o marido Antônio Rios mantém duas lojas de venda e ma-

Santana do Cariri é também um ensolarado parque dos dinossauros. Possui um dos maiores depósitos de fósseis do período Cretáceo (mais de 100 milhões de anos atrás) de todo o mundo. Tem um dino “exclusivo”, o Santanaraptor placidus (em latim, Predador de Santana), bicho ágil e baixinho (só 2,5 m quando adulto), que viveu há 110 milhões de anos. Na bacia sedimentar em que a cidade está assentada foram descobertas várias espécies de plantas e animais, todos reveladores do universo pré-histórico do Cariri, região em que vagaram répteis como os pterossauros – lagartões voadores do período Mesozóico.

Esses seres alados que o tempo levou deixaram rastros na Chapada, onde se encontram um terço de todos os registros de pterossauros do mundo. O que resta desse passado pode ser visto nas pedras do Geossítio Parque dos Pterossauros, que fica no sítio Canabrava, a 2,5 km do centro de Santana. Mas quem gosta de sombra e água fresca talvez prefira adentrar o Museu de Paleontologia, na Rua Dr. José Augusto Araújo, onde é possível reviver a pré-história a partir

de um acervo selecionado de fósseis. O trajeto começa pelas plantas, prossegue com os insetos, incluindo o grupo de invertebrados e moluscos, até chegar aos peixes, anfíbios, tartarugas, lagartos, pterossauros e dinossauros.

Numa das salas do Museu um pequeno esqueleto do Santanaraptor placidus chama a atenção dos visitantes, mas o que extasia as crianças é o enorme Angaturama limai, outra espécime local, que chegava a cinco metros de altura e 500 kg. Envolta em luz verde, a representação artística do Angaturama mostra o dino de boca aberta e atitude ameaçadora, pronto para atacar um feioso pterossauro, seu prato preferido além dos peixes. Muito semelhante a ele foi o Irritator challengeri, também habitante do tempo perdido que a Chapada reencontrou, após anos e anos de contrabando ilegal de fósseis.

O Museu de Paleontologia foi criado nos anos 80, sendo assumido em 1991 pela Urca. Funciona num prédio da década de 20. O passeio pode ser acompanhado por guias mirins especialmente treinados para o trabalho.

PARQUE DOS DINOSSAUROS SERTANEJO

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nutenção de bikes, uma em Juazeiro e outra no Crato. O casal organiza passeios semanais para turmas

de ciclistas, que aproveitam o frescor da noite para pe-dalar. Uma turma se reúne às segundas e quartas, outra às terças e quintas. A primeira é para diletantes, a outra para atletas. “Às segundas e quartas as distâncias são menores, em média 30 km, partindo de Juazeiro para pontos vizinhos, como Crato ou Barbalha. Nos outros dias, o trajeto é mais pesado, chegando a 80 km, por isso é preciso preparo físico”. Esses passeios mais longos se estendem até localidades como Missão Ve-lha, Caririaçu e Arajara. Aos domingos, é dia de subir a serra, com saída às 6h da manhã. “Vale a pena, as pessoas adoram, existem trilhas lindas e muito char-mosas”, incentiva Antônio Rios, que assim como Keely é adepto convicto do ciclismo em bando.

MTb 6 HOrASOs apaixonados por mountain bike têm à disposição vários eventos e passeios na Chapada. Um deles é o MTB 6 Horas, um circuito fechado de 10 km entre as árvores do planalto, que este ano aconteceu no dia 03 de julho, reunindo participantes a partir de 15 anos até mais de 60. O cratense Ernesto Rocha foi o idealiza-dor da prova, que já está na 10ª edição. “É um circuito

bastante fácil, com inclinação suave e caminho som-breado. Qualquer bike aguenta, desde que o ciclista tenha fôlego para repetir o trajeto até completar as seis horas de pedalada”, explica Ernesto, um dos pio-neiros do mountain bike no Ceará. “Quando comecei, há 25 anos, não existia nem a Federação Cearense de Ciclismo”, recorda. Hoje, o grupo Eco Biker´s, do qual Ernesto faz parte, tem quase mil cadastrados. “Atua-mos de forma organizada, promovendo competições, passeios e aventuras. O ciclismo na Chapada é um pri-vilégio, pois o topo dela é bastante plano”.

A PASSOS LArGOSPara quem prefere ver o mundo sobre os próprios pés, a Chapada do Araripe descortina opções como a bela trilha que atravessa o Vale do Buriti. Com dois quilôme-tros de extensão e muitas nascentes de água límpida, o caminho pontuado de buritis também oferece a possi-bilidade de rappel num paredão rochoso de 76 metros.

“Outra ótima pedida é a trilha do Pontal, que ape-sar de curta, é bastante íngreme. São 20 minutos de caminhada mais pesada, porém sem perigo”, informa o guia Henrique do Pontal, que trabalha no Casarão do Coronel Felinto da Cruz e também faz excursões exter-nas com turistas.

RAFAEL VILAROUCA

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CARIRI REVISTA 15

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16 CARIRI REVISTA

UMa BaCia CUltURale MUitas PossiBiliDaDes

#caririconversa

“Mais do que uma moldura, a cultura é um quadro vivo, ativo, que interfere na paisagem”

Há alguns anos, o professor e pesquisador Frederico Lustosa da Costa coordenou o amplo trabalho que resultaria no instigante “Plano de Ação da Bacia Cultural do Ara-

ripe” (Secult, 2006). Tendo a cultura local como ponto de partida, o trabalho analisa as possibilidades de uma experiência coerente de planejamento integrado para a região do Araripe, cujas fronteiras comuns avançam pe-los estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.

Com agudeza e consistência, o professor retoma a discussão sobre as relações entre cultura e desenvol-vimento e aprofunda a noção de bacia cultural. Com-batendo preconceitos históricos a partir da “descons-trução” de antigas indagações: “Até que ponto os fatores culturais determinam o desenvol-vimento econômico e político? Se o fazem, como remover ou mudar os obstáculos ao desenvolvimento e favorecer o progresso? Ou melhor, como a cultura local pode ser uma alavanca para o desenvolvimento?”

A Cariri Revista aborda esses e outros pontos na conversa a seguir. Frederico Lus-tosa é cearense, doutor em Gestão e pro-fessor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Na Fundação Getulio Vargas, foi professor titu-lar da EBAPE (Escola Brasileira de Administração Públi-ca e de Empresas), chefe do Centro de Pós-graduação Lato-sensu, coordenador do FGV Cidades (Núcleo de Projetos Municipais), diretor da Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão (RPBF) e coordenador de MBA’s na área Política e Administração Pública.

Atuou também como professor visitante de ins-tituições de ensino e pesquisa em Lisboa e Paris. É autor dos livros “A Persistência da Desigualdade” (BNB,1992), “Reforma do Estado e Contexto Brasileiro” (Editora da FGV, 2010) e “Reforma do Estado e Cida-dania” (ISAE, 2010), além de co-organizador dos livros “Brasil: 200 Anos de Estado, 200 anos de Administra-ção Pública” (Editora da FGV, 2010) e “Rio de Janeiro; uma Cidade, Muitas Capitais” (Editora da FGV, 2010).

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CARIRI REVISTA 17

Lustosa: possibilidades de intervenção criativa e inteligente para o desenvolvimento da região

ARQUIVO PESSOAL

Cariri revista: Cada vez mais, os debates sobre

cultura, governança e desenvolvimento levam em

conta as experiências de planejamento regional

que tomam a cultura local como referência. na

sua avaliação, essa discussão já avançou o sufi-

ciente no Brasil?

Frederico Lustosa: Acho que avançamos muito pouco nesse plano. A discussão sobre as relações en-tre cultura e desenvolvimento é bastante antiga e está associada ao surgimento das próprias teorias de mo-dernização. Na verdade, a ideia de que a prosperidade está associada a determinados valores é mais antiga ainda e está presente em Tocqueville (“A Democracia na América”) e Weber (“A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo). Mas essa associação estava carregada de etnocentrismo e preconceito, permitindo distinguir entre culturas viciosas (infensas à mercantilização do trabalho, à competição, à eficiência e ao lucro) e virtu-osas (funcionais à acumulação capitalista). Os povos atrasados estavam condenados pelo atavismo.

A discussão só foi retomada em termos antropo-logicamente mais corretos a partir dos anos 90, quan-do a UNESCO criou a Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento (1993) e publicou seu relatório, em 1995. A cultura deixa então de ser vista como uma ca-racterística psico-social que entrava o desenvolvimento para aparecer como um quadro referencial propiciador de oportunidades de pertença, reconhecimento, auto-estima, cooperação e renda. Mais do que uma moldura, é um quadro vivo, ativo, que interfere na paisagem.

Cr: Como e quando essa discussão

chegou ao Brasil?

FL: No Brasil, o interesse pelo assunto só se manifesta a partir do governo Lula, na gestão do Ministro Gilberto Gil, que estimulou o debate sobre o tema. Hoje, já exis-tem alguns fóruns de discussão nessa área. Mas a no-ção de desenvolvimento fica um pouco eclipsada pelo viés da economia da cultura. A discussão sobre indús-tria criativa é importante e deve ser aprofundada, mas

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18 CARIRI REVISTA

as relações entre cultura e desenvolvimento vão além da dimensão econômica. Colocar em primeiro plano o debate sobre a economia criativa pode nos levar a ins-trumentalizar a cultura, colocá-la a serviço do mercado. E aí vamos tentar “melhorar” nosso artesanato, preparar manifestações para atrair o turista, exportar bens cultu-rais que possam ser assimilados pelo mercado externo. Vamos vender chiclete com banana.

Cr: Fica faltando a dimensão da governança...

FL: Nesse caso, a discussão é ainda mais incipiente. A literatura especializada ainda não cuidou de articular essas três dimensões – cultura, desenvolvimento e go-vernança. As relações entre os dois últimos elementos desse tríduo já foram razoavelmente exploradas, mas nada se diz sobre as relações entre cultura e gover-nança. Constata-se que há uma tendência a adoção das instituições do Estado e do mercado em todos os cantos do globo, de uniformização institucional, mas ainda há muito a pesquisar sobre a assimilação dessas instituições pelas diferentes culturas.

Os organismos internacionais já constataram que as mudanças institucionais muitas vezes não se efeti-vam e que, quando logram implantar-se, não produzem os efeitos esperados. Por que? Também perceberam que os projetos de desenvolvimento muitas vezes não contam com a adesão das comunidades beneficiadas, perdendo em efetividade pela falta de comprometimen-to com os objetivos de transformação social. Essas limitações sublinharam a importância da dimensão cul-tural do desenvolvimento, que é transversal a todas as demais. A cultura realmente importa...

Cr: Já houve um tempo em que economistas acre-

ditavam que as culturas dos países subdesenvol-

vidos eram os verdadeiros obstáculos para o seu

desenvolvimento. esse pensamento etnocêntrico

já faz parte do passado ou ainda persiste?

FL: Como um deles, posso dizer que os economistas provavelmente são culpados de muitas coisas, mas não estavam sozinhos nessa percepção equivocada. Para eles, a cultura é quase sempre um fator transversal de produção (capital social, por exemplo) ou um bem eco-nômico (uma obra de arte, que pode ser uma reserva de valor). Nessa perspectiva etnocêntrica, talvez eles te-nham sido influenciados pelos primeiros antropólogos e por alguns sociólogos, como já mencionado. Mas essa percepção ainda não está totalmente superada.

Cr: o senhor pode dar um exemplo?

FL: Há poucos anos, na apresentação de uma coletâ-nea sobre o tema, Samuel Huntington comparava as trajetórias de Gana e da Coréia do Sul nos últimos 40 anos, mostrando a semelhança dos indicadores econô-micos e sociais dos dois países no inicio do período e o enorme fosso que os separa hoje. Segundo seu ponto de vista, o que explica essa disparidade é a cultura. Nes-se sentido, parece que a cultura também importa... Só que, mais uma vez, a constatação se converte em expli-cação para dar base a um raciocínio circular e ahistóri-co. Fica subentendido que se determinado país cresceu economicamente, a cultura pode ser tomada como uma alavanca do desenvolvimento; se outra nação estagnou ou empobreceu, a cultura se revela como um obstáculo ao desenvolvimento.

Ninguém se dá conta do ciclo incerto das mudan-ças sociais. Cabe perguntar o que houve com a cultura coreana, que manteve sua economia estagnada por sé-culos e séculos, para, de repente, fazê-la entrar no surto de crescimento acelerado do último quartel do século XX. Será que foi mesmo a cultura? O mesmo se pode dizer da China, que agora segue essa mesma trajetória;

“A diversidade cultural, a vitalidade política e a pujança econômica do Cariri oferecem muitas possibilidades de intervenção criativa e inteligente para alavancar o desenvolvimento da região”.

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da Argentina, de “cultura européia”, como se diz, que já foi a sétima economia do mundo e hoje luta para se reencontrar com o crescimento sustentável; e da velha Rússia, com todo peso histórico do socialismo real...

Cr: a diversidade cultural, política e econômica

do Cariri pode ajudar a construir projetos interes-

santes de gestão pública, com vistas ao desenvol-

vimento da região?

FL: Certamente. A diversidade cultural, a vitalidade po-lítica e a pujança econômica do Cariri oferecem muitas possibilidades de intervenção criativa e inteligente para alavancar o desenvolvimento da região. E também apre-sentam desafios a serem vencidos pelas lideranças re-gionais – a centralidade da cultura, como abordagem do planejamento do desenvolvimento regional; a suprater-ritorialidade, vale dizer, o alargamento de fronteiras para pensar além do Cariri e compreender o Araripe em suas relações com o mundo globalizado; a intersetorialidade, para dar conta da natureza integrada dos problemas e soluções, indo além da visão setorial e compartimen-tada; a interinstitucionalidade, para articular diferentes níveis de governo, inclusive em estados diferentes. Para vencer esses desafios, não basta conquistar a adesão dos secretários de Cultura. É preciso que os prefeitos e vereadores compreendam e aceitem esses desafios. Cr: em seu trabalho “Cultura, desenvolvimento

e Governança: a Construção da Bacia Cultural do

araripe”, o senhor enfatiza que a valorização da

cultura requer ações identificadas com as voca-

ções e potencialidades regionais. isso está sen-

do feito hoje? Há experiências interessantes a

serem citadas? FL: Muito pouco. Algumas tentativas nesse sentido foram feitas, mas nenhuma logrou completar um ciclo, obter reconhecimento, conquistar adesões e se institu-cionalizar. O Cariri é parte de uma mesorregião diferen-ciada definida pelo Ministério da Integração Nacional,

“Falta um fórum comum capaz de articular todas as instituições – sem multiplicar as instâncias de discussão –, sobretudo para potencializar o usodos recursos”.

conta com uma vasta área de proteção ambiental (a Floresta Nacional do Araripe, sob a tutela do Ministério do Meio Ambiente), já foi zona de programação comum do Sebrae e polo de desenvolvimento do Banco do Nordeste. Essas experiências poderiam ter tido maior impacto, mas pouco se comunicaram entre si e deixa-ram pouco aprendizado para novos projetos. Falta um fórum comum capaz de articular todas as instituições – sem multiplicar as instâncias de discussão –, sobretudo para potencializar o uso dos recursos.

Sei que isso é difícil. Ninguém quer compartilhar recursos e “perder” o crédito da iniciativa. Mas algumas regiões têm conseguido. O Rio Grande do Sul tem uma vasta experiência com consórcios municipais (institu-cionalizados ou não). Aqui bem próximo, um pouco além do Sertão Paraibano, parte da nossa bacia sedimentar e cultural, há a experiência vigorosa dos Cariris Velhos, com seu Pacto, seus bodes, suas festas, seu Pontão de Cultura. Acho que podemos aprender um pouco com eles. Nosso desafio é um pouco maior porque temos que nos articular com o Araripe pernambucano, com o Araripe piauiense e com o Sertão Paraibano, todas regi-ões integrantes da nossa bacia cultural (e sedimentar). Isso também é nossa riqueza, nossa diversidade.

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BRilHo QUeNÃo se aPaga

#cariridesign

A ourivesaria já viveu momentos de glória em Juazeiro, com centenas de fábricas de médio e grande porte empregando uma vasta rede de trabalhadores e artesãos caririenses. A concorrência com mercadorias importadas e a invasão de produtos de baixa qualidade levaram o setor ao declínio. Hoje, o mercado de semijoias resiste e procura novos rumos.

são oito horas da manhã quando Maria da Pe-nha Souza dá a segunda volta na fechadura de casa e sai para mais um dia de trabalho e muita andança. Dali até a hora do almoço

ela irá visitar cada uma de suas 20 clientes e tentar a sorte em outras tantas portas que encontrar pela frente, no bairro Gisélia Pinheiro, periferia da cidade do Crato.

Penha, como é conhecida por todos, é represen-tante de vendas de semijoias. Há cinco anos, carrega embaixo do braço o mostruário abarrotado de brincos, anéis, pulseiras e cordões, que oferece sem trégua num sobe-e-desce diário de ruas e ladeiras. “Só vendo produto bom”, afirma categórica. “Meus produtos têm garantia! E não é coisa baratinha não”.

Abrindo o rolinho preto, expõe as joias que brilham sobre o veludo vermelho: “Os brincos variam, custam de R$ 38,00 a R$ 45,00; as pulseiras masculinas fi-cam em torno de R$ 70,00 e as femininas não saem

por menos de R$ 38,00”. Ela leva em torno de vinte dias para vender todo o mostruário. Após esse prazo, o vendedor da marca de semijoias aparece em sua casa para arrecadar o lucro do que ela vendeu. “Eu fico com 30% do que vendo, dá uns R$ 200,00. Em tempo bom, quando ando muito, uns R$400,00”, calcula.

EXÉrCITO INFOrMAL DE OPErÁrIOSMaria da Penha não se dá conta, mas faz parte de um verdadeiro exército de trabalhadores do mercado de semijoias na região do Cariri. Devido à informalidade, é impossível precisar quantos são os pequenos ven-dedores “porta-a-porta”. O que se sabe é que o setor de joias folheadas em Juazeiro do Norte emprega aproximadamente 4.000 pessoas, o que gera um fatu-ramento anual de R$ 60 milhões, representando cerca de 15% da economia local.

Maria da penha: há cinco de porta em porta

Habilidade na confecção das peças

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Segundo se conta, a origem do comércio de joias em Juazeiro se deve à tradição dos casais de irem à cidade para casar-se sob as bênçãos do Padre Cíce-ro. Devido à imensa procura por alianças, os ourives multiplicaram-se, seguindo a famosa frase do Padre: “Cada casa, uma oficina”. No século passado, final dos anos 50, esses ourives mais antigos viram a ascensão das peças folheadas a ouro, ou semijoias, que podiam ser vendidas a melhores preços. Isso levou muitos dos velhos artesãos do ouro puro à decadência.

A designer Juliana Loss, professora do Curso de Design de Produto da UFC-Cariri, acredita que a tradi-ção adquirida por Juazeiro está mesmo ligada às roma-rias. “Como existiam muitos artesãos versados na arte do ouro, a produção de medalhas e artigos religiosos em ouro para atender o romeiro que chegava à cidade foi o grande pontapé para o setor”.

PErSISTÊNCIA ATrÁS DO bALCÃOEstima-se que o mercado de semijoias em Juazeiro tenha mais de 50 anos, tendo experimentado seu apogeu entre as décadas de 60 e 70, quando a cidade era responsável por 5% da produção nacional. Com 48 anos no mercado vendendo joias e folheados, seu Geraldo Farias lembra bem o tempo em que Juazeiro era um verdadeiro Eldorado. “Isso aqui era uma beleza! Só nessa Rua São Pedro eram mais de 500 ourives. Eu vi muita gente ficar rico e perder tudo”.

A primeira loja seu Geraldo abriu em 1958. Naque-la época, ele ainda era obrigado a colocar os produtos dentro da mala e sair mundo afora. “A primeira vez que eu viajei negociando joia, deixei minha mulher com nos-so primeiro filho, com três meses de nascido”. Filho de retirante – o pai traçou a pé a distância entre Alagoas e Juazeiro, lá pelos idos de 1890 – Geraldo começou ainda menino a labutar no ramo, a fim de ajudar a família. “Com 13 anos eu já trabalhava nas oficinas de meus parentes”.

Risonho atrás do balcão, olhinhos espertos e atentos, seu Geraldo ufana-se de ser o comerciante do ramo mais velho ainda em atividade. “Eu comecei do nada, nu feito criança quando nasce. Daquela época só eu ainda permaneço por aqui. Mesmo sendo pe-rigoso, eu persisto nisso. Não sei fazer outra coisa”. Segundo ele, a decadência do mercado da ourivesaria se deveu exatamente à chegada dos produtos folhe-

FOTOS: RAFAEL VILAROUCA

Velocidade na produçãoe concorrência acirrada

Diversidade de oferta Um mercado que resiste ao tempo

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Zacarias Silva ficou famoso em todo o país quando, em 2002, abriu uma fábrica de folheados na Penitenciária Industrial Regional do Cariri – PIRC, localizada em Juazeiro. Na época, 60 detentos trabalhavam na fábrica-modelo com a garantia de ter um dia abatido na pena por cada três dias de trabalho, além de receberem 75% do valor do salário mínimo e saírem de lá para trabalhar na fábrica de Zacarias. “A fábrica durou até 2009 e só fechou devido à burocracia, mas até hoje eu tenho pessoas trabalhando comigo”, conclui o empresário.

FOLHEADOS NA PENITENCIÁRIA

ados. “O progresso de Juazeiro começou no ramo da ourivesaria. Quando as semijoias chegaram, passaram a dominar o mercado por serem mais baratas, mas também não têm a mesma qualidade. O resultado foi que Juazeiro perdeu prestígio”.

OS CHINESES E O PÓ QuE O VENTO LEVA Já o empresário Zacarias Silva, no setor de semijoias há mais de 30 anos, credita a derrocada aos produtos chineses. “A entrada dos produtos chineses no comér-cio de Juazeiro foi o fator primordial para a decadência do setor”. Segundo Zacarias, enquanto uma peça de sua fábrica não sai por menos de R$ 3,00, um produto similar de origem chinesa fica em torno de R$ 1,00.

“A concorrência é desleal”, lamenta, acrescentan-do que outro fator a contribuir para a estagnação da área é a enorme quantidade de fábricas irregulares fun-cionando na cidade. “Enquanto eu preciso pagar uma série de impostos e ter cuidados como o recolhimento da água para o banho das peças – que é altamente poluente e pode destruir o solo –, um informal, além de não pagar impostos, age de forma indiscriminada, jogando material tóxico na natureza”, reclama.

Foi aos 12 anos que ele teve a ideia de comprar o lixo que era varrido das ourivesarias, recuperá-lo e as-

sim iniciar um negócio. “Era o pó que o vento levava, que ficava em algum guardanapo ou que caía no chão quando alguém batia as mãos. Era o ouro que ninguém via. Daí, aos 18 anos, eu abri minha primeira loja”. Sete anos depois, aos 25, Zacarias inauguraria sua própria fábrica de semijoias, que se juntou às outras 15 fábricas que hoje existem em Juazeiro.

400 MIL PEçAS POr MÊSCom distribuição para os estados do Pernambuco, Pará, Rio Grande do Norte, Bahia e Alagoas, a produ-ção de Zacarias Silva gira em torno de 400 mil peças ao mês, marca que em épocas de fartura já chegou a alcançar um milhão de peças/mês. “Para se ter uma ideia do tamanho desse mercado na região, cada clien-te meu tem entre 100 e 200 clientes. E cada um desses 100 e 200 clientes tem outros 50 para atender”.

Só em sua fábrica, Zacarias gera 60 empregos diretos, fora os 150 operários que trabalham em casa. montando as peças que vão receber o banho de ouro. Em todo o Juazeiro são mais de 100 oficinas desti-nadas apenas a montar essas peças e enviar para as fábricas. “Mas até isso está se acabando. Muitos prefe-rem comprar o produto chinês e dar o banho. Sai mais barato”, lamenta Zacarias.

RAFA

EL V

ILAR

OUCA

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No início era São Paulo, São Pedro e Padre Cícero, e a cidade nasceu dali. As três em paralelo rendem quilômetros e traçam, nem sempre de forma retilínea, as reen-

trâncias da cidade de Juazeiro do Norte. Perder nin-guém se perde, “vai em frente toda vida”, mas em cida-de que cresce um quarteirão todo dia, quando menos se espera a rua dá em outra e engole os desavisados.

Primeirona ela não foi, que já tinha a Padre Cícero – e Juazeiro do Norte não pode negar suas origens. Mas a Rua São Pedro, de tanto pelejar, ganhou fama e se pavoneou. Lojas, vitrines, placas imensas, coloridas, multicoloridas e gente, muita gente, pra não deixar dú-vida de que ali é o “centro comercial da cidade”.

No rebuliço de carro, gente, caminhão, gente, bi-cicleta, gente, a São Pedro é um desacato. Camelôs, ambulantes, vendedores de miudezas, lojistas que têm uma única estratégia de venda: o grito. E nem se queira que seja só à base do gogó. Munidos de microfones e caixas amplificadoras, vendedores mandam às favas as leis municipais e gritam a plenos pulmões as promo-ções do dia, que na São Pedro são infinitas. Às vezes o consumidor se vê retirado de seu trajeto e, de repente, projetado para dentro de uma das milhares de lojas por um vendedor mais engraçadinho. Acontece.

De longe, crescendo, serpenteando, a imensa fila dupla de carros, ônibus e caminhões vai se formando.Vai que vai se transformando, e num susto um corredor se configura. O pedestre que já não tem espaço na calçada

a RUa sÃo PeDRo É Do Povo, CoMo o CÉU É Do aviÃo

#cariricotidiano

Um passeio cheio de som e cor pela rua mais movimentada de Juazeiro do Norte, onde se apertam lojistas, camelôs, ambulantes, vendedores de miudezas, carrinhos de água-de-coco e gente, muita gente. Com suas memórias, a Rua São Pedro é a artéria comercial mais pulsante da cidade.

ínfima, peleja pra não escapulir e se vê jogado em meio ao trânsito, que tem pressa e ruge. Pode acontecer.

O calor, claro, é um capítulo à parte. Ao colocar o pé no asfalto quente, sabe-se de imediato que nem o filtro solar vai durar por muito tempo, nem a disposição para enfrentar a multidão de pessoas que se tem pela frente. Com o instinto de quem precisa e deve ganhar um dinheirinho, uma profusão de vendedores de água-de-coco multiplica-se por toda a extensão da São Pe-dro. Os carrinhos devidamente estilizados em formato de coco prometem aplacar o calor que escorre em formato de suor e afoba a todos indiscriminadamente. Sorte grande é encontrar água-de-coco pura, mas isso já é pedir demais.

Por outro lado, o que não falta é gente para revelar o passado da rua. Há quarenta anos vivendo da São Pedro, seu José Mendes da Silva, 75 anos, trabalha fazendo a fezinha de quem não esquece de apelar ao Padim e ao jogo do bicho. Ele aponta para o parale-lepípedo que desponta sob o asfalto quente e revela. “Aqui antes era tudo areia. Depois botaram calça-mento, paralelepípedo e só depois asfaltaram”. Ele se lembra bem quando o Mercado Municipal pegou fogo, em 1975. “Aí eu vi gente baratinada nessa rua. Era todo mundo carregando balde d’água pra apagar o fogo. Uma loucura”.

Seu José revela também que quando a São Pedro era feita de casinha miúda, “bodeguinha mesmo”, lugar de gente se encontrar e fazer volume era o Bar Iracema.

Por Raquel paris

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FOTOS: RAFAEL VILAROUCA

“Tinha de tudo. Tudo. Bebida, café, merenda, sinuca. Nelson Gonçalves tomou muita cachaça e tocou muito violão no Iracema”. Do Bar Iracema, nem a fachada. Ago-ra uma moça sorridente portando apenas uma langerie enfeita o prédio que fazia a festa da São Pedro antiga.

Dessa outra São Pedro, que ficou enterrada em-baixo de camadas de asfalto, seu Raimundo Nonato, camelô, não esquece da feira-livre que se estendia por três quarteirões. “A feira acontecia todo sábado. O pes-soal vinha pra cá e armava as barracas. Essa rua ficava entupida. O povo vendia verdura, goma, fruta, galinha, panela. Era de um tudo”.

A década de 60 trouxe a luz elétrica e o asfalto. Trouxe também as primeiras lojas com vitrines, portas largas, prédios e placas de neon que vigiam noite e dia quem trafega por ali. A São Pedro, que não passava de três quarteirões, foi substituindo mata por casa, casa por lojas e hoje conta com dois quilômetros de extensão.

“Nessa parte aqui da São Pedro, da Prefeitura pra cá, eu conto nos dedos quantos comerciantes de Juazeiro ainda tem trabalhando”, sentencia Francisco Carlos, estabelecido há 30 anos na São Pedro. “Não é mais que cinco, tenha certeza”. Francisco, que iniciou com uma loja de vendas de vinil e viu tudo ser substi-tuído pelo MP3, recorreu aos santos para melhorar os negócios e agora está cercado por todo o imaginário católico. “Eu comecei a vender santos tem pouco tem-po. A venda é boa, fica melhor na romaria”.

Ele reclama do aumento dos aluguéis, que espan-tou os comerciantes locais, ficando a rua entregue a especuladores estrangeiros. “Os aluguéis variam em torno de cinco, seis, oito mil reais e chegam a dez e até quinze mil”. Insatisfeito com o tão propalado progresso da cidade, dispara: “O pequeno antes tinha condições de crescer, hoje não. Pequeno é pequeno. Grande é grande, e acabou”.

São sete horas da noite e os vendedores começam a se despedir. O ruído de muitas grades sendo abaixa-das é a trilha sonora da rua, nesse despedir cansado. As luzes dos postes iluminam mal as calçadas, agora passagem vazia de quem pega a condução para voltar pra casa. Um cachorro fuça o lixo e a São Pedro es-vazia de todo. Agora desprovida de gente e confusão, se mostra como realmente é: caminho feito de pedra e memória somente.

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SUYANEMOREIRA

o CaRiRiDeNtRo De MiM:

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#cariridentrodemim

Há 146 anos, o escritor José de Alencar ofe-receu o romance “Iracema” ao solo que deixara ainda menino. “À terra natal/ Um filho ausente”, diz a sucinta dedicatória do

livro, cujo conteúdo o autor, um habitante do Rio de Ja-neiro, então capital do Império, alega ter tirado de uma história ouvida “nas lindas várzeas onde nasci...”. Al-guns anos depois, o mesmo Alencar se pergunta com saudosismo na abertura de “O Sertanejo”: “Quando te tornarei a ver, sertão da minha terra?”.

Tangidos pelas catástrofes climáticas, embalados por sonhos profissionais ou simplesmente atraídos pela grama do vizinho (“o sul, a sorte, a estrada me se-duz”, diz a música de Ednardo), os cearenses ganharam fama de judeus brasileiros, passageiros errantes de um mundo inquieto, nômades vocacionados pelas circuns-tâncias. Nossa nova seção, O Cariri Dentro de Mim, é dedicada aos caririenses que içaram vôo para outros ninhos, mas que não deixaram de evocar as cores e as delícias da terra natal. A expressão é inspirada no título do livro “Patativa do Assaré: o Sertão Dentro de Mim”, de Gilmar de Carvalho e Tiago Santana.

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Inaugurando o espaço, Suyane Moreira, 28 anos, a Iracema moderna de Juazeiro do Norte que aos 17 mostrou ao mundo da moda – repleto de louras de olhos azuis – que uma descendente de índios e negros também cabe no fino esquadro da beleza superior. O primeiro lugar na etapa Norte-Nordeste e a quarta co-locação na final brasileira do Supermodel of The World ano 2000, concurso organizado com furor internacio-nal pela Ford Models, levaram Suyane de Juazeiro para Fortaleza, de Fortaleza para São Paulo e de São Paulo para Nova York, até um pouso estratégico, alguns anos depois, no Rio de Janeiro, onde atualmente investe na carreira de atriz.

Nesses onze anos, os traços de índia e a pele morena estamparam as páginas da Vogue francesa, italiana e alemã. Os lábios carnudos enriqueceram o editorial da i-D, publicação inglesa incensada pelos fashionistas há mais de duas décadas. Os olhos risca-dos iluminaram um comercial brasileiro de guaraná. As passarelas de Londres e Paris, dentre outras paragens européias, acolheram a silhueta insinuante e correta. Os cabelos negros – agora mais curtos – foram filma-dos por Lírio Ferreira no longa-metragem “Árido Movie” (2003), em que Suyane faz uma participação ao lado de Selton Melo. O biotipo indígena também rendeu pa-péis na minissérie “Amazônia, de Galvez a Chico Men-des” (2007) e na telenovela “Araguaia” (2010).

O próximo passo é a minissérie global “As Brasi-leiras”, de Daniel Filho, cujas filmagens já começaram, e em que pela primeira vez a Iracema de Juazeiro foi escolhida pelo talento dramático e não pelo perfil alen-carino. Ela garante que as viagens e perambulações não apagaram os contornos de uma infância que se desdobrou em bairros carentes de sua cidade. Na lem-brança do passado, as subidas calorentas ao Horto, os mergulhos nos balneários e as brincadeiras ruido-sas na Praça Padre Cícero se misturam com sabores

cheios de alegria interiorana: cajuína gelada, pipoca Gravatá, buchada domingueira, carne de sol, cocada e tapiocas quentes no final da tarde morna. Porque o bom andarilho ao seu lar sempre retorna.

FrONTEIrAS DA INFÃNCIA“Morei no Pio XII até os sete anos. Depois nos muda-mos para o Parque Antônio Vieira. São bairros pobres, muito simples, aqui de Juazeiro. Eu só fui para uma es-cola de verdade aos nove anos. Minha mãe me prendia muito. Tinha medo que maltratassem a filha caçula. Mas fui boa aluna, estudei até o segundo ano do se-gundo grau. Fiz aquele que seria meu último desfile em Juazeiro aos 17 anos, depois queria ser enfermeira, mas acabei ganhando a etapa Norte-Nordeste do con-curso da Ford em Fortaleza. E aí, tudo mudou”.

GuErrEIrA DA FAMÍLIA“Perdi meu pai aos dois anos. Quando ele morreu, a família passou por muitas dificuldades. Minha mãe não sabia fazer nada, mas estudou, fez cursos noturnos e começou a trabalhar como enfermeira no Hospital São Lucas. Sou fã incondicional dela, uma guerreira que nunca deixou os filhos passarem fome. Não bebo, não fumo, nunca usei drogas: tudo por causa da minha mãe. Ela vendeu fogão, geladeira, tudo, para ficar co-migo em São Paulo”.

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LuGArES ELEITOS“Eu gostava de ir ao Horto para passear e rezar. Subia a pé quase todo final de semana. Não cansava de pedir ao Padre Cícero para ir pra São Paulo (risos), até que ele me atendeu. Também adorava a Praça Padre Cíce-ro, saía da escola e ia brincar lá, de correr, de escon-der... Ia com as minhas amigas para o Mercado Central e me divertia entre as barracas, pegava frutas do chão, algumas até podrinhas. Minha infância em Juazeiro foi muito marcante. Até hoje só ando descalça em casa – a sola do meu pé é grossa”.

PArA rEFrESCAr“Ia muito aos balneários. O Caldas, Serra Verde, bal-neário do Farias... Já entrei naquele buraco do Caldas. Também ia muito na Igreja da Matriz, na Rua São Pe-dro, na pracinha da Prefeitura...Perto de casa ficava o bar do seu Miguel – que existe até hoje – onde eu ia umas quatro vezes por dia, comprar pipoca Gravatá, cocada, cajuína...”

ObJETO DE DESEJO“Eu nunca tive uma boneca, tipo Barbie. Minha avó fazia boneca de pano, boneca de milho... Quando che-guei em São Paulo, uma das minhas primeiras provi-dências foi comprar duas Barbies e um Ken. Eu estava

completando 18 anos, mas brinquei com eles (risos) e até fiz roupinha. Na infância, só fui ter televisão em casa aos oito anos. Revistas eram mais difíceis... Nós realmente vivíamos apertados. Meu irmão mais velho começou a trabalhar com 12 anos”.

SAbOrES QuE FICAM“Tapioca eu adoro. Lá no Rio, compro a goma e faço em casa. Também amo baião-de-dois, buchada, carne de sol, mugunzá (o salgado), galinha caipira com pirão. Sou uma boa cozinheira. Sei fazer picanha na panela de pressão, lasanha de berinjela, torta de abacaxi... Também faço uma boa buchada, mas encontrar os ingredientes não é tão fácil no Rio, onde moro hoje”.

rITMO E NAMOrO“Sempre gostei de forró, carimbó e xaxado. Quando saí do Ceará e fui para São Paulo, comecei a dançar sam-ba-rock e gafieira. É muito bom pra suar”. “Meu primeiro namoro foi aos 16 anos. Ele tinha 30. Mas era namoro em casa, vigiado, com beijo só na hora de ir embora. Depois casei, separei, casei de novo (com Maurício Ribeiro, ator). Nosso filho David tem um ano e nove meses. Engordei quase 30 quilos na gravidez, mas não tive pressa de emagrecer, queria cuidar do meu filho”.

RAFAEL VILAROUCA

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O inesquecível meio de transporte adotado por Suyane em sua primeira e sacolejante viagem foi um ônibus que transportava doentes de Juazeiro do Norte para Fortaleza. Os 521 km que separam as duas cidades foram vencidos na raça, sob o sol e com paradas intermináveis. “Antes de viajar, fiz uma peregrinação por todas as lojas onde desfilei em Juazeiro, pedindo ajuda. Consegui R$ 10,00, um lápis de olho e um batom”, recorda Suyane, que derrotaria mais de 50 mil inscritas na etapa nacional do concurso da Ford. Alguns meses depois, no primeiro desfile de peso para a São Paulo Fashion Week, a grande emoção da estreante foi ver a avó Joana sentada no palco, sob os aplausos do público e da crítica. Convidada pelo estilista Carlos Miéle, dona Joana Moreno da Silva representou com maestria uma índia brasileira no desfile da M. Officer.

CINDERELA CABOCLA

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rESPEITO AO PADIM“Antigamente eu era muito devota do Padre Cícero. Quando cheguei a São Paulo, fui me aprofundando no estudo dessa figura singular, ao mesmo tempo em que comecei a freqüentar uma igreja evangélica. Hoje eu e meu marido somos evangélicos, vamos ao culto todos os domingos, mas eu continuo respeitando o Padim. Não tem como não respeitar, né?”.

JuAZEIrO NO PEITO“Quando fui morar fora, não neguei o meu sotaque, a minha família, a minha vida. Nunca tive vergonha. E esse sentimento nunca mudou. Hoje Juazeiro cresceu e a minha casa diminuiu. Foi engraçado ver meu antigo quarto. E o quintal, tão pequeno! Como eu conseguia brincar ali? Parecia tão grande!”

MuDANçAS NO CAMINHO“Atualmente a minha rua está asfaltada. Sinto que Juazei-ro cresceu, mas que continua desconhecido. A televisão só mostra a pobreza e a violência, não divulga as coisas boas. Eu vim do aeroporto até a minha casa, onde hoje vive a minha irmã, e pude ver as mudanças. Antes, da mi-nha casa, eu avistava a estátua de Padre Cícero no Horto. Hoje isso é impossível, por causa das construções”.

OrGuLHO E FOrçA“Já ouvi em centenas de testes que eu não tinha o perfil para determinado trabalho. Eu mesma, no início, não acreditava que pudesse ganhar um concurso, com tantas meninas louras, lindas, mas a gente vai apren-dendo a ter auto-estima e a ficar à vontade. Da primeira vez que me hospedei num hotel de luxo, não sabia usar a banheira, provoquei uma inundação (risos). Nessa época aprendi a andar de salto, aprendi a me maquiar. Quando fui a Nova York, sozinha, com 18 anos, não falava inglês, não sabia nem sair do aeroporto, ia se-guindo as pessoas... Essas coisas vão te dando força”.

PrOVOCAçÃO DE VIZINHOS“Quem é do Juazeiro não conhece o Crato, e quem é do Crato não conhece o Juazeiro. Eu só conheço uma pizzaria no Crato, e não lembro o nome”.

OITO ANOS DE DISTÂNCIA“Há oito anos que eu não vinha a Juazeiro. Quando des-ci do avião, não conseguia parar de chorar. Falava pro meu marido: ´Você está sentindo o cheiro?´. E ele me perguntava: ´Cheiro de quê?´. Ora, cheiro de mato, esse cheiro daqui, cheiro de Juazeiro, não tem cheiro igual!”

Maquiagem: Malan Amaro Agradecimentos: Dona Luíza Shoes e Realce Bijouterias

RAFAEL VILAROUCA

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CeM aNos De tRaNsFoRMaÇÕes e algUNs olHaRes soBRe JUaZeiRo

#caririmemória

“No correr do século XIX os limites do município do Crato estendiam-se até o território de Missão Velha, abrangendo os férteis vales ou brejos dos rios Granjeiro e Batateira, com os pés-de-serra e os ariscos. Nos brejos prosperam a cana-de-açúcar e cereais que ali se plantam; nos ariscos, terras mais altas, plantam-se em pequena escala feijão, milho, mandioca, que exigem menos umidade. Nas grandes várzeas devolutas, crescem palmeiras, cajueiros e outras árvores, entre as quais há abundante grama que justifica a criação de animais que por ali pastam. Há poucos animais silvestres: aves que se denunciam pelo seu canto, raposa e felino que, algumas vezes, se fazem encontradiços. O terreno é plano e ligeiramente elevado. Foi nesse local que se esboçaram os primeiros sinais da povoação que veio a ser mais tarde distrito, vila, município e a grande cidade de Juazeiro.” (Monsenhor Silvano de Sousa, citado por Daniel Walker no livro “História da Independência de Juazeiro do Norte”).

FOTOS DO ACERVO DE Daniel Walker e Renato Casimiro

Rua São pedro, 1943

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Não são poucos os historiadores que se debruçaram – e que continuam pesqui-sando com entusiasmo – sobre os fatos que deram impulso ao desenvolvimento

de Juazeiro e sua consequente emancipação política, selada com a assinatura da Lei 1.028, no dia 22 de julho de 1911. Cem anos se passaram e muitas vozes se alter-nam na compreensão da história.

“A emancipação de Juazeiro não se operou da noi-te para o dia. Não foi resultado de uma concessão gra-ciosa do poder público. Foi uma conquista. Ela resultou de um longo e doloroso processo animado pelo impul-so daqueles que o defendiam”, acredita o pesquisador Paulo Machado, autor de quatro livros sobre Padre Cí-cero e o Juazeiro, um deles (“A Marcha da Insurreição”) a ser lançado ainda este ano.

Para o também pesquisador e escritor Raimundo Araújo, “a ideia da autonomia estava impregnada no espírito dos juazeirenses. Era uma questão de honra. Juazeiro tinha que ser elevado à categoria de vila, se-parando-se definitivamente do Crato, as contingências o impunham”. Essas contingências tinham a ver com o crescimento impressionante do pequeno povoado e seus pobres casebres, que iam se espraiando pregui-çosamente em torno do que um dia seria a Capela de Nossa Senhora das Dores, cuja pedra fundamental foi lançada em 1827.

uMA ALDEIA SEM IMPOrTÂNCIA“O povoado, nesse tempo, compunha-se de umas sessenta casas de taipa, umas cobertas de telha e ou-tras de palha de carnaúba ou de palmeira. A disposição delas não obedecia à regra natural de arruamento”. É assim que J. G. Dias Sobreira descreve, no livro “Curio-sidades e Factos Notáveis do Ceará”, o acanhado nú-cleo da segunda metade do século XIX.

Com a chegada do Padre Cícero como capelão, em 1872, a trajetória do lugarejo toma uma rota in-suspeita. Além do cultivo de arroz, feijão e milho, a produção de borracha de maniçoba ganha destaque, assim como o plantio do algodão, que volta a figurar nas propriedades locais. A economia rapidamente prospera e a população se multiplica, por causa das romarias. “Se muitos desses romeiros chegavam até o Padre Cícero Romão Batista, pediam-lhe bênçãos e conselhos, logo retornando às suas moradas habituais, outro tanto já saía de longínquos recantos do Nordeste com a intenção de se fixar na Terra Santa de seu padri-nho”, comenta F. S. Nascimento em “História Política de Juazeiro”.

Na primeira década do século XX, tantas transfor-mações resultariam num cenário bem diverso daquele descrito antes. “No ano de 1905, o povoado contava com mais de 12 mil habitantes, mais de 20 ruas, várias escolas, agência telegráfica, banda de música e um largo comércio que se estendia ao longo das ruas. Lojas de tecidos, miudezas, mercearias, armazéns de gêneros alimentícios e um intenso movimento artesa-nal de barro, couro, palha, flandres, ouro, prata, corda e ferragens. Como a sede do município era Crato, para ali eram arrecadados todos os impostos exigidos pelo chefe político, Coronel Antônio Luís Alves Pequeno, prefeito cratense”, comenta o memorialista Geraldo Menezes Barbosa (“História de Juazeiro ao Alcance de Todos”).

Mesmo extremamente satisfeito com a 138 ofi-cinas de artes e ofícios em funcionamento, o padre fundador tinha outras alegrias. “Um dos orgulhos de Cí-cero eram as duas praças públicas arborizadas, onde os transeuntes podiam prosear à noite sentados nos bancos iluminados por lampiões de querosene, iguais aos que se viam nos cartões postais de Fortaleza e do Rio de Janeiro” (Lira Neto, em “Padre Cícero – Poder, Fé e Guerra no Sertão”).

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Rua padre Cícero, 1950

Comércio antigo

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ADQuIrINDO VIDA PrÓPrIANão à toa, o sonho de liberdade germinou. “Juazeiro começou a ter vida própria e os juazeirenses começa-ram a acalentar a ideia de independência, trabalhando, juntamente com o seu orientador, para separar-se do Crato”, pontua Amália Xavier de Oliveira (“O Padre Cícero que Eu Conheci”). O pesquisador Raimundo Araújo exalta a natureza atinada daquele que seria o primeiro prefeito de Juazeiro (“Padre Cícero era um pacifista nato, um homem coerente, que não veio ao mundo para dividir, e sim para somar”), mas lembra que apesar das tentativas de conciliação, os ânimos vinham se acirrando.

É o que mostra o texto de um boletim que circulou em 16 de agosto de 1907, conclamando a população a “uma reunião cívica, sem cor política”. Inflamado, o documento apregoa que “é chegado o momento de pugnarmos com alta energia e valor pela nossa eleva-ção social, elevando Juazeiro à categoria de Município, aumentando assim a importância de toda zona do Ca-riri, que bem merece os nossos serviços, para chegar ao grau de prosperidade que é digna”. O pesquisador Paulo Machado, porém, faz uma ressalva: “O início do movimento não teve um caráter nitidamente popular. Essa participação surgiu estimulada pelas forças polí-ticas, os comerciantes, a imprensa, os intelectuais que tinham no jornal O Rebate uma tribuna incendiária”.

uM JOrNAL EM DEFESA DE uMA CAuSAFundado em 18 de julho de 1909 e conduzido pelo colérico padre Alencar Peixoto, com a ajuda de Floro Bartolomeu, médico baiano recém chegado ao Cea-rá, e José Ferreira de Menezes, secretário e amigo de Padre Cícero, O Rebate era a pólvora que alvoroçava

os ânimos dos inconformados. Após empreender uma cuidadosa pesquisa, que incluiu a leitura dos 104 exem-plares desse jornal pioneiro, o pesquisador Paulo Ma-chado arrisca uma análise dos fatos que culminaram com o desmembramento de Juazeiro.

“Em retrospecto, é fácil ver que a emancipação pode ser analisada por duas vertentes. Por um lado, a luta inspirada basicamente na retórica audaz do Padre Peixoto, que fez até sérios apelos às armas em O Re-bate – o que não chegou a se consumar, mas que con-seguiu despertar, estimular e mobilizar os sentimentos da população de Juazeiro. De outro, a voz serena do Padre Cícero que, ao atuar ali com agudo espírito de moderação, conduzia diplomaticamente a emancipa-ção pelo lado político”, conclui Machado.

Aprofundando a questão, diz o historiador Ralph Della Cava, no clássico livro “Milagre em Joaseiro”: “O pedido de autonomia de Juazeiro, em relação ao Crato, desencadeou uma feroz rivalidade entre as duas cida-des. Originando-se, nominalmente, com a ‘questão religiosa’ de Juazeiro, vinculavam-se as suas raízes, entretanto, a uma série de atritos de natureza econô-mica entre as duas cidades, desde 1896. Propalou-se, nesse ano, que os posseiros ‘fanáticos’ do padre Cí-cero tinham se preparado para uma invasão armada às terras férteis do Crato. (...) Além disso, toda a po-pulação da aldeia boicotou a feira semanal do Crato: os artesãos de Juazeiro recusaram-se a vender seus produtos na cidade, enquanto coube aos juazeirenses deixar de fazer compras no Crato. Somente em setem-bro de 1909, sob as ordens do Padre Cícero, a situação voltou à normalidade, embora por pouco tempo”.

“SOu FILHO DO CrATO,MAS JuAZEIrO É MEu FILHO”Uma série de intrigas, artimanhas políticas e insultos entre jornais (O Rebate e Correio do Cariri) se suce-dem, traçando um panorama irrequieto onde não fal-tam traições, surpresas e nomes que passariam para a história, como Joaquim Bezerra de Menezes, também

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defensor da causa juazeirense, mas desafeto de Padre Cícero, e José Marrocos, grande educador, morto em condições misteriosas. Na sua “História da Indepen-dência de Juazeiro do Norte”, Daniel Walker lembra que o Crato era nesse tempo o mais rico e próspero município do interior do Ceará, com uma feira que mo-bilizava toda a população do entorno. “Do povoado de Juazeiro, o Crato arrecadava um bom volume de impostos e deixar de receber uma cifra tão volumosa não estava nos planos do prefeito cratense”.

Padre Cícero, que em seu famoso testamento diz que “nunca quis ser político”, engaja-se definitivamen-te na causa da emancipação. “Sou filho do Crato, mas Juazeiro é meu filho”, conclama então. As negocia-ções com o prefeito do Crato, porém, resultam apenas em promessas não cumpridas, e muitos acontecimen-tos vão rechear o calendário até o dia 22 de julho de 1911, data oficial da emancipação. O não pagamento de impostos ao Crato, a união popular diante da ameaça de ataque inimigo, as passeatas que tiveram repercus-são até em Fortaleza e o apoio dado a Juazeiro por mu-nicípios como Missão Velha, Barro, Milagres, Aurora, Barbalha e Porteiras foram absolutamente decisivos.

“Foi essa pressão que fez o presidente Accioly repensar melhor a sua situação política no Cariri, pois os municípios citados, junto com Juazeiro, passaram a formar um bloco político consistente e de muito peso eleitoral (cerca de 1/3 do eleitorado cearense)”, afirma o estudioso Daniel Walker.

ANTIGAS rIVALIDADESE ALIANçAS POSSÍVEISHoje, o pesquisador Paulo Machado não vê motivos para desentendimentos entre os dois municípios vi-zinhos. “Não podemos deixar de sublinhar que a an-siedade, as tensões, as apreensões e os interesses, embora reinantes naquele momento entre o Juazeiro e o Crato pela quebra do cordão umbilical entre ambas, hoje, não possam ser traduzidos em compreensões e cooperações mútuas no esforço ingente para a forma-ção de alianças que visem o crescimento e o fortaleci-mento de todos”.

Numa volta ao passado, encontramos uma cidade em alvoroço. O dia 04 de outubro de 1911 foi marcante: pouco mais de dois meses após a assinatura da Lei 1.028, aconteceu a grande festa de inauguração da vila e sede do município de Juazeiro, bem como a posse de seu primeiro prefeito, Padre Cícero Romão Batista, que administraria Juazeiro entre 1911 e 1926 (com exce-ção de um breve período de afastamento). A descrição que Amália Xavier de Oliveira faz do evento dá uma ideia da comoção vivida pelas ruas do antigo povoado:

“As ruas amanheceram engalanadas com ban-deirinhas de papel (...) e arcos de folha de palmei-ra. A banda de música organizada pelo mestre Pelúsio dava passeata pelos pontos principais, homenageando as autoridades. Nesse mesmo dia, a convite do Padre Cícero, estavam presen-tes 17 prefeitos e chefes políticos do sul do Esta-do do Ceará para realização de uma Assembléia na qual seria assinado um acordo de harmonia política, o qual ficou conhecido mesmo foi como o Pacto dos Coronéis”.

Rua São pedro, anos 70

Dia de feira

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Antigo Cine Roulien

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DIVULGAÇÃO

Uma festa assume o posto de nova estação cli-mática. Uma terceira estação do ano de ares e sol ameno. Sabendo de sua chegada, a ci-dade se prepara, antecipa, projeta, organiza.

Troca placas velhas por novas, pinta ruas e meios-fios, recolhe o lixo entocado, abre um sorriso e se coloca em prontidão, na expectativa de quem sabe que uma safra de gente, negócios e diversão vem aí.

O nome é grande, assim como a sua importância. Exposição Centro-Nordestina de Animais e Produtos Derivados, uma das maiores feiras de agronegócios do Norte e Nordeste. A primeira do interior do Nordeste. A mais antiga do Ceará. Apoteose que acontece na pri-meira quinzena do mês de julho, na cidade do Crato. O povo, pouco se lixando para títulos e ufanismo, tascou-lhe logo uma abreviação: Expocrato. O nome pegou, virou marca e se tornou sinônimo de festa e gastança.

Inútil dizer que, como outras boas ideias, a Expo-crato surgiu de conversas despretensiosas, bafejos entre amigos, idas e vindas na papeação do cafezi-nho. Corria o ano de 1944 e o Crato ainda era, de fato e de direito, a “Princesinha do Cariri”. Lugar referência de cultura, negócios, desenvolvimento. O café Isabel Virgínia, ponto de paragem de políticos e intelectuais, fervilhava naquela segunda-feira, 1° de maio. Segunda-feira é dia de feira-livre na cidade. Em 1944 isso queria dizer o maior comércio de toda a região do Araripe. Como era de hábito, Wilson Gonçalves, prefeito do Crato, rumou para o Isabel Virgínia na ânsia de bater papo e tomar um café coado na hora.

Seu cunhado, o professor Pedro Felício, já estava devidamente aboletado em uma mesa com amigos. Após os cumprimentos de praxe, a conversa gira em torno da necessidade de um evento capaz de capi-talizar a cidade. Algo que traga turistas, e com eles,

eXPoCRato:CoMo sURgiU a UMa Das MaioResFeiRas De agRoNegÓCio Do BRasil

#caririevento

dinheiro. Tanto Wilson Gonçalves como Pedro Felício eram criadores de gado e, assim, a solução pareceu óbvia. Uma feira de amostras que movimentaria o setor agropecuário da região. Huberto Cabral, na mesa ao lado, segura o queixo para não cair. Sem perder o tino de jornalista, acompanhava a conversa desde o início. Acha incrível que um evento desse porte seja tratado tão despretensiosamente na mesa de um café. O que ele não sabia, nem mesmo o prefeito e seu cunhado, era que dali a sete meses o Ceará teria sua primeira Exposição Agropecuária.

Por Raquel paris

Grandes shows e atrações para mais de 200 mil pessoas

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RAFAEL VILAROUCA

ENTrE bOIS E ArrEIOS, MAçÃS DO AMOrA Expocrato, cumprindo seu destino, foi crescendo ao sabor da boa vontade de quem estava no poder. Uns com mais e outros nem tanto. Partindo desse princípio, a segunda edição só foi realizada nove anos depois, em 1953. Isso explica o porquê dos 69 anos de história es-tarem contidos em 60 edições de festa. Independente do “ambiente político” havia algo de profundamente original e familiar nessa festa, que naquela época era chamada de Exposição.

Huberto Cabral, jornalista de memória prodigiosa, narra que foi o radialista e folclorista Elói Teles quem introduziu o tempero artístico do evento. “A Exposição do Crato foi a primeira a unir o comércio agropecuário com atrações culturais. As festas agropecuárias ven-diam apenas gado. Seu Elói resolveu, então, trazer os artistas populares para o parque, a fim de ter atrações que divertissem as pessoas”.

As atrações artísticas de que fala Huberto Cabral são as manifestações populares mais representativas da diversidade cultural caririense. Reisado, maneiro pau, coco de roda, emboladores, repentistas. Com eles, a festa foi ganhando um formato muito particular. Um encontro de gente, caririense ou não, que elegia o evento como ocasião de congregamento familiar. E assim, além dos vultosos negócios, cujos embriões palpitavam e cresciam, a Exposição foi se tornando um espaço de encontros, abraços, beijos e sorrisos.

Puxando da memória, Francisco Rocha conta que a Exposição do Crato sempre foi um admirável mundo novo. “Era um mundo maravilhoso, numa época em que sequer se falava de televisão. Portanto, pode-se imaginar o quanto se tinha de encantador nesse acon-tecimento”. A simples proximidade da festa sempre foi o

bastante para que a cidade inteira se agitasse, atraindo multidões de turistas, lotando as ruas de veículos e pe-destres. As residências, com cheiro de recém-caiadas, se elasteciam milagrosamente para acomodar as visitas que brotavam das portas dos ônibus, carros e aviões.

Velhos amigos, amigos recentes, parentes e ade-rentes... Tudo era festa. Seu Francisco detalha as calça-das apinhadas de cadeiras, onde moças namoradeiras corriam os olhos cúpidos sobre os “de fora”, espremen-do-se para ver a festa passar e, quem sabe, laçar um daqueles bezerrões com ares de fazendeiro. Naqueles dias a população crescia, a cidade abarrotava, e o co-mércio, do pequeno ao grande, sorria às escâncaras, com seus vendedores a postos, joviais e loquazes, fazendo de um tudo para atrair a freguesia de ocasião, que surgia tal e qual aves de arribação, pousando e vo-ando no tempo certo.

“Em todo o parque era cheiro de pastéis fritos na hora, cachorro-quente, espetinhos de carne. Havia ain-da o cavaco chinês, tapioca, batata frita, pipoca, milho verde assado e uma novidade que fazia sucesso de ve-dete: a maçã do amor, que deixava muita gente de água na boca”, descreve, nostálgico, seu Francisco Rocha.No meio da poeira alçada pelo frenético movimento de gente e animais, o som das amplificadoras enchendo de música, recadinhos “de alguém para alguém”, aler-tas pra pessoas perdidas, anúncios comerciais.

Para a garotada, a grande festa se realizava nos par-ques de diversão. Grandes filas se formavam em frente aos ainda modestos aparelhos de diversão. Rodas gi-gantes, carrosséis-de-cavalinho, ondas-marinhas, ca-noas voadoras impulsionadas por cordas. À meia-noite, a apresentação espetacular de “Conga, a Mulher Gorila” deixava muita gente sem dormir por um bom tempo.

DE FESTA FAMILIAr A MEGA EVENTODesses tempos idos, pouco restou. Agora a Exposição é Expocrato. O divertimento se tornou entretenimento e conta com atrações como Ivete Sangalo e Zezé di Camargo e Luciano. Tudo como manda a lógica de um mega evento. Mas não foi só o evento que tomou cor-po e hoje movimenta milhões de reais. Toda a região do Cariri, principalmente a cidade do Crato, espera ansiosa pela festa que irá engordar as caixas registra-doras do comércio.

Segundo dados da Câmara dos Dirigentes Lojistas do Crato, o comparativo de consultas do comércio já demonstra um avanço significativo nas vendas a partir de junho. Em 2010, foram 10.845 consultas nesse mês. O número subiu para 12.669 em julho, que só perdeu

Jóssia: uma festa que emociona os caririenses

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para o mês de dezembro. Em um comparativo com julho de 2009, a CDL computava 12.219 consultas, um aumento significativo nas vendas de um ano para outro.

“Para a gente, só existe duas datas. O Natal e a Expocrato”, diz Luzia Saraiva, gerente de uma loja de calçados. Segundo ela, os estoques da loja já come-çam a receber mercadorias para a festa a partir de maio e até o início de julho tudo tem que estar pron-to. “Os próprios representantes já sabem que nessa época não podem atrasar mercadorias. A procura por novidades é muito grande, tudo tem que ser da última moda”. A loja costuma contratar funcionários para dar conta do movimento intenso. “Sempre há ofertas de empregos em julho. Costumamos contratar até qua-tro funcionários novos para melhorar o atendimento. Todo o comércio fica na expectativa da Expocrato. A gente costuma chamá-la de safra”.

Também Lucilene Alves, gerente de uma loja de roupas no Crato, afirma o crescimento vertiginoso das vendas. “Para nós, as vendas já começam a aumentar em maio. Nas semanas que antecedem a Expocrato há um aumento de 40% a 50% nas vendas. Com certeza é a segunda melhor época do ano”. Ela tam-bém atenta para o fato de turistas e visitantes deixarem para comprar no Crato os artigos que vão usar na fes-ta. “Filhos do Crato ou não, mas muita gente deixa para gastar o dinheiro no comércio da cidade”.

NEGÓCIOS E OPOrTuNIDADESDurante os oito dias que dura a festa, negócios e opor-tunidades de geração de renda pululam na região. Dentro do Parque Pedro Felício Cavalcante, conforme dados da Comissão Gestora da Expocrato, foram fe-chados, só em 2010, mais de R$ 54 milhões em ne-gócios. Desse montante, mais de R$ 30 milhões foram negociados pelo Banco do Nordeste; outros R$ 20 milhões por empresas do setor agrícola, e o restante em comercialização de animais.

No entender de Francisco Leitão, presidente da Comissão Gestora da Expocrato, o evento está segu-ramente entre os três maiores do Norte e Nordeste. “Eu acho que a Expocrato disputa o primeiro lugar com duas feiras: a da Bahia, em Salvador, e a feira de Parnamirim, no Rio Grande do Norte, conhecida com a Festa do Boi”. No ano passado, o Parque Pedro Felício recebeu uma média de 78 mil visitações por dia, num total de 624 mil pessoas em todo o evento.

Foram 13.776 animais em exposição, pertencentes a 138 criadores e expositores. De todo o Brasil, criado-

res de gado de alta linhagem vêm ao Crato em busca de faturamentos milionários. Aconteceram cinco expo-sições nacionais de animais, um feito inédito em todo o Nordeste. Os cinco leilões nacionais e o V Leilão Top Cariri realizados em 2008 alcançaram um faturamento de R$ 1 milhão e 300 mil, o maior já registrado no Cariri. A transmissão dos leilões é feita pela maior emissora agropecuária da América Latina, o Canal do Boi, com a participação das duas maiores empresas leiloeiras do Brasil, a Leilonorte Leilões e a Agreste Leilões.

Para Francisco Leitão o aumento na qualidade e na quantidade de espécimes expostos explica o sucesso nos negócios. “A Expocrato cresceu por trazermos pra cá várias exposições nacionais, autorizadas pelas próprias entidades de nível nacional”. Outro ponto de destaque nos espécimes trazidos para o Parque é o resgate de raças que estavam praticamente extintas. “Já trouxemos exposições da raça Morada Nova, esse ano traremos a Bergamácia. Estamos fazendo uma espécie de resgate. Traremos também o Somalis, uma raça nativa que se adapta bem ao semi-árido, e na par-te de caprinos traremos a nacional Savana”.

Fora as diversas exposições nacionais, expositores de outros países começam a se tornar frequentes no evento “Traremos também uma ranqueada de Pardo-Suíço, em que a própria entidade a nível nacional trará um juiz da Itália para julgar gado. Ano passado fizemos a ranqueada de Nelore, que nunca havia acontecido aqui, além de exposições pan-americanas e interna-cionais, com a participação do México, EUA, República Tcheca e outros países”.

MELHOrAMENTO GENÉTICOResponsável pelo melhoramento genético do gado Nelore no Cariri, o médico e criador Valêncio Carvalho, proprietário da fazenda Romualdo, explica que a parti-cipação dele na Expocrato e antes dele, a de seu pai – já soma 54 anos de história. “Meu pai participa da Ex-posição do Crato desde os primórdios. Ele foi fundador da Associação dos Criadores do Crato, que é uma das instituições parceiras da Exposição”.

Continuador da tradição familiar, Valêncio trocou o gado de leite mestiço pelo Nelore, devido à resistên-cia que este tem a todo tipo de clima. “Comecei a criar Nelore há cerca de dez anos. Hoje, 80% do rebanho nacional é constituído de Nelore, por ele se adaptar de Norte a Sul, a todo tipo de clima, do mais frio ao mais quente. E no calor ele é melhor ainda”.

Comprando embriões de fazendas aprovadas

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pelos diversos órgãos fiscalizadores de gado em todo o país, Valêncio iniciou o trabalho de melhoramento genético e se tornou pioneiro no Ceará. “Hoje nós te-mos um rebanho que já chegou a 600 reses, mas eu resumi e melhorei até chegar a 400 animais Nelore re-gistrados, a maioria de segunda e terceira geração de inseminação artificial. E o que é mais importante: nós estamos perseguindo hoje o Nelore moderno, ou seja, o Nelore que é abatido com cerca de 24 a 30 meses, diferente de antigamente, quando esperávamos até quatro anos para abater uma rês”.

A fazenda Romualdo participa das duas principais frentes de melhoramento genético do país, o Programa de Melhoramento de Gado Zebu-PMGZ, e a Associa-ção Nacional de Criadores e Produtores-ANCP (USP). Desenvolvido pela Universidade de São Paulo, este último é o maior e mais completo sistema gerencial on-line de recursos genéticos de gado do Brasil. Sua filosofia parte de dois princípios: o gado deve ser me-lhorado geneticamente a partir de embriões de animais diferenciados e é preciso que ele coma pasto, e não ração. “Você tem que provar que o animal é bom não na coxia, comendo ração, mas no pasto. Ele tem que comer capim. Nossa filosofia é melhoramento genéti-co a pasto, sem artificialismos”.

Como procedimento adotado, a cada três meses um técnico se desloca até as fazendas credenciadas e observa o desenvolvimento dos animais, atualizando o

sistema de avaliação de rebanho em todo o país. “Eles dão números aos touros e vão estabelecendo um per-centual. No Top 10%, a cada 100 touros eles apontam os dez melhores. Tem também o Top 1%, no qual de cada 100 animais é apontado o primeiro. Os touros que passam para seus filhos as melhores características são os mais bem avaliados”.

O criador explica ainda que a carne brasileira é va-lorizada no mercado externo porque o rebanho nacio-nal é alimentado a pasto, acompanhando uma tendên-cia mundial de valorização dos produtos orgânicos. “A carne de um boi criado a pasto é muito mais cara, e o Brasil tem um potencial enorme de criar gado de maneira orgânica”. Valêncio apenas se ressente com o fato de que hoje a Expocrato não está acompanhando os estudos mais avançados de melhoramento genéti-co. “Nós estamos sentindo falta de um debate maior sobre o assunto durante a Exposição. A verdade é que os criadores estão sendo engolidos pela festa”.

A FESTA DENTrO DA EXPOSIçÃOA festa à qual se refere o criador Valêncio Carvalho são os diversos shows que acontecem em palcos dentro do parque. Segundo a Comissão Gestora do evento, são mais de 25 mil pessoas nos shows todos os dias, somando um total de 200 mil presentes nos oito dias de festa. São cerca de 40 shows com os mais varia-dos artistas, de renome regional e nacional. Uma parte

Expocrato, de 10 a 17 de julho,

no Parque de Exposiçãodo Crato.

SERVIÇO

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Expocrato em 2010: 13.776 animais pertencentes a 138 expositores

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privativa de 120.000 m2 abriga 50 camarotes, dois pal-cos, duas tendas eletrônicas e uma praça de alimenta-ção com mais de 200 opções de barracas.

Bandas como Aviões do Forró, Biquíni Cavadão, Chiclete com Banana, Harmonia do Samba, e canto-res como Zezé di Camargo e Luciano, Victor e Léo e Amado Batista movimentam uma programação que se encontra cada vez mais segmentada. Bandas e canto-res de estilos semelhantes são selecionados em uma mesma noite com o intuito de agregar um público que cada vez mais pede diversidade e quantidade.Cantores como Ivete Sangalo causam frisson e têm os ingressos esgotados em poucas horas nos pontos de venda. Rafael Branco, sócio da RBA Promoções e Eventos, escritório que produz os grandes shows, con-ta que a arrecadação em bilheteria, stands e camarotes “gira em torno de dois milhões de reais”. Segundo ele, em 2008, Zezé di Camargo e Luciano foram respon-sáveis pelo maior número de pagantes em uma única noite: 32 mil. “Assumimos a produção de shows na Ex-pocrato em 2007 e de lá para cá melhoramos o espaço físico instalando camarotes, stands, tendas e palcos.

Fizemos também um investimento imenso em mídia para todo o país, além de buscarmos artistas de peso”.

Fugindo do circuito de grandes shows, na Praça do Folclore, artistas populares apresentam legítimas ma-nifestações caririenses. São artistas regionais, violei-ros, maneiro-pau, coco, repentistas, reisados, danças locais, bandas cabaçais, forró pé-de-serra e diversas atrações. Também a Universidade Regional do Cariri (Urca) monta um palco em frente ao seu pavilhão para a apresentação de artistas regionais que estão ligados às vertentes musicais de contracultura, como o rock’n roll, rap, hip hop e MPB.

Os números impressionantes tornam a Expocrato uma vitrine de negócios e um chamariz para empresá-rios de todo o país que apostam na interiorização da economia. Para a empresária Jóssia Érica Diniz Teles, a Expocrato é, sim, sinônimo de muitos e bons negócios. “Nenhuma festa tem o poder de atração financeira que esta tem. Ela contempla todos os setores, desde o mega empresário ao ambulante. Traz um sentimento de retorno à infância que emociona os caririenses e nos presenteia com alegria e desenvolvimento”.

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veNDavalNa MÃo É DiNHeiRoO mercado internacional de energia eólica cresce mais de 20% ao ano e movimenta bilhões de euros no mundo.O Brasil promete novas conquistas e grandes avanços nesse setor, que já anuncia um arrojado empreendimento no Cariri. Quando se tratado uso de energias limpas, parece inevitável pedir licença, adaptar o que canta Paulinho da Viola e dizer simplesmente: vendaval na mão é dinheiro.

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s egundo o Atlas do Potencial Eólico Brasi-leiro, os ventos no nosso país teriam ca-pacidade de gerar 143 GW de potência, o que corresponderia a dez usinas de Itaipu,

a maior geradora de energia limpa e renovável do Bra-sil. No Cariri, a perspectiva positiva do potencial recen-temente descoberto movimenta empreendedores da área e promete surpreender o setor.

“Pode-se avaliar, hoje, um pressuposto, que talvez seja grosseiro, mas que não é irreal: nós temos na re-gião do Cariri cearense um potencial instalável de 20 GW”, explica o deputado federal Antônio Balhmann (PSB/CE), um grande entusiasta do assunto. “Nós estamos muito esperançosos. Será um vetor comple-tamente novo de desenvolvimento econômico que era impensável há 10 anos”, analisa.

O professor do curso de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Demercil de Souza, observa que as regiões montanhosas são pro-pícias para empreendimentos eólicos, já que o vento tende a ir da região mais quente para a região mais fria. Ou seja, existe uma circulação de ar mais constante se essa diferença de temperatura for maior. “As regiões montanhosas tendem a propiciar isso, pois no alto há uma temperatura mais baixa, e nos arredores uma tem-peratura mais alta”, esclarece.

Em 2010 a Serra da Ibiapaba veio confirmar essa potência há pouco tempo desconhecida, inter-rompendo uma longa história de projetos litorâneos. Todos os 17 parques em funcionando hoje, no Ceará, estão no litoral, mas os únicos cinco projetos cearen-ses aprovados no último leilão vão levar usinas para Tianguá e Ubajara.

#cariridesenvolvimentoJARBAS OLIVEIRA

Por Sarah Coelho

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CASAMENTO ENTrE ENErGIAEÓLICA E HIDrÁuLICAHoje, no mundo, 40% do consumo elétrico tem como fonte as termelétricas a carvão, que são altamente po-luentes e não-renováveis. Apenas 14% é proveniente de energias renováveis - hidrelétrica, eólica, solar e termelétrica biomassa. A expectativa dos órgãos in-ternacionais de energia, entretanto, é de que essa por-centagem passe a cerca de 20% até 2030.

No Brasil, os números surpreendem. As energias renováveis representam 90% da matriz energética, sendo a hidrelétrica a principal fonte. Porém, como lembra Bruno Lolli, empresário da área que veio bus-car no Ceará a prosperidade para os seus negócios, o potencial hidrelétrico brasileiro já está saturado. Com a perspectiva de que o consumo mundial de energia elétrica duplique até 2030, ele acredita que este é um momento de decisão.

“A questão é decidir se vamos duplicar com eólica, nuclear ou termelétrica. Se eu tenho 90% de energias renováveis, por que não ir para os 100%? O panorama que a gente vê no Brasil hoje é a hidrelétrica como fon-te primária e a termelétrica como fonte complementar

– para os momentos de seca – , o que é muito ruim para o país. Quando a minha fonte é carvão, qualquer apa-relho elétrico que eu use signifi ca que estou poluindo”, explica Bruno Lolli.

O professor Demercil também aposta nos ventos para complementar a nossa matriz energética. “Em pe-ríodos de chuva, tende a ventar menos, e em períodos de seca, a ventar mais. Essa alternância é ótima, pois durante o período chuvoso os reservatórios hídricos estão cheios, e vice-versa. É um casamento muito in-teressante entre eólica e hidráulica”, defende.

Dentre as vantagens do modelo, está o fato de que, apesar da necessidade de um investimento inicial grande, o custo para operar um parque eólico é baixís-simo. “O custo para instalar 1 megawatt de potência é em torno de 1 milhão de euros. Esse é o número que fi ca na cabeça de todo mundo. Mas depois de insta-lado, o parque só depende dos ventos para funcionar, então vale a pena”, afi rma Bruno Lolli.

O Ceará ocupa um lugar privilegiado nesse proces-so. De acordo com o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, a região Nordeste detém 75 dos 143GW de potência do país. E os ventos por aqui são naturais e constantes.

JARBAS OLIVEIRA

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Infográfi co: Roger pires

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No último leilão de energia, em 2010, o Ceará emplacou apenas cinco projetos, enquanto o Rio Grande do Norte conseguiu 30, o que acirrou a disputa entre os dois maiores produtores de energia eólica do Nordeste. Empresários da área e pesquisadores responsabilizaram, em parte, a burocracia da Secretaria de Meio Ambiente do Ceará (Semace) pelo resultado considerado negativo, já quem em 2009 a diferença foi apenas de dois projetos aprovados a menos.

Wilker Júnior, gestor ambiental da Semace, detalhou para a Cariri Revista os passos que envolvem a concessão de licenças necessárias à construção e operação de um parque eólico. “No caso do último leilão, tivemos apenas uma questão de burocracia, de tempo hábil para fazer todo o procedimento, porque os impactos no Ceará e no Rio Grande do Norte não são muito diferentes”, comentou.

Existem dois procedimentos básicos para que uma empresa obtenha a licença de construção de um parque eólico.

1. O empreendedor solicita uma consulta prévia. A equipe técnica da Secretaria de Meio Ambiente do Ceará (Semace) vai até o local escolhido para o futuro empreendimento, a fi m de verifi car suas condições físicas, técnicas, ambientais, etc.. Isso garante uma segurança maior sobre as possibilidades do lugar receber o empreendimento.

2. O empreendedor entra então com o pedido de Licença Prévia (LP), que possui validade de um ano. A LP tem o objetivo de aprovar o local e a concepção daquele projeto para aquele local. “Precisamos verifi car se um projeto específi co é adequado para determinado local”, afi rma Wilker Saler, gestor ambiental da Semace. A

LICENÇAS AMBIENTAIS

Semace emite então um Termo de Referência para o projeto, e o empreendedor tem um prazo para realizar estudos. Após 45 dias de recebimento do estudo pela Semace, quando requisitada, o projeto passa por uma audiência pública. Recebidos os estudos, os técnicos da Semace visitam o campo in loco para formatação de um parecer técnico sobre a viabilidade da implantação daquele parque, que será apreciado e deliberado pelo COEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente).

O tipo de estudo analisado depende da potência gerada pelo projeto. Conforme a Resolução CONAMA 01/86, projetos acima de 10 MW de potência apresentam o EIA-RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) para análise. Projetos abaixo de 10 MW de potência apresentam o RAS (Relatório Ambiental Simplifi cado). Depois de obter a Licença Prévia, é necessário fazer o pedido da Licença de Instalação (LI), que possui validade de dois anos. Nesta etapa serão analisados os projetos básicos para a instalação do empreendimento e emissão da LI.

Com o empreendimento instalado o empreendedor entra com o pedido de Licença de Operação – LO, que também possui validade de dois anos. Nesta fase serão analisados todos os planos e programas de controle ambiental para mitigar os impactos na instalação, e se houver êxito a LO será emitida para o empreendimento. “Todo empreendimento causa impacto, mas havendo uma preocupação com os planos de controle e de mitigação destes impactos, eles conseguem tornar-se viáveis ambientalmente. Normalmente há essa preocupação com a aplicabilidade destes planos e programas”, sentencia Wilker.

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BalHMaNN: “a eNeRgia eÓliCa vai RevolUCioNaR o CaRiRi”A Cariri Revista conversou com o deputado Antônio Balhmann (PSB/CE) sobre a possível participação caririense no potencial eólico do país. Antigo defensor da causa, Balhmann está satisfeito com as boas perspectivas do mercado. Abaixo, os leitores conferem a entrevista na íntegra.

KIKO SANTOS

Cariri revista: Como o Cariri pode ajudar o Ceará

a aproveitar todo o potencial eólico que detém?

Antônio balhmann: Essa informação realmente ain-da não é do conhecimento geral. Antes de serem estu-dadas as áreas interiores, o Nordeste já detinha 50% do potencial do Brasil inteiro, especialmente o Ceará e o Rio Grande do Norte. Estes têm mais da metade, mais de 45 GW, quase 1/3 do potencial brasileiro. Acontece

que esse estudo se deteve muito ao litoral do Nordeste. Houve pouca informação sobre o potencial em serras e chapadas. No ano retrasado, começou-se a inves-tigar as regiões do interior do Ceará, especialmente a Serra da Ibiapaba e a Chapada do Araripe, e este ano a meta é investigar a Chapada do Apodi. O resultado é a identificação dessas novas minas de vento, que são lugares de ventos regulares que podem abrigar parques de geração elétrica de fonte eólica.

Deputado federal Antônio Balhmann, um grande entusiasta da energia eólica na região

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Logo teremos um parque de fonte eólica na Serra da Ibiapaba, que ganhou o último leilão. Este parque já está em fase de implantação. Então, o que identifica-mos como o próximo passo no setor eólico do Ceará é a Chapada do Araripe. A parte de cima da Chapada é uma área de grande potencial eólico, e já existem mais de 100 mil hectares identificados como passíveis de receber geradores eólicos. Isso nos leva a acreditar que já no leilão de julho deste ano entrem projetos da Chapada do Araripe. Não temos ideia ainda de quanto é esse potencial, mas se a cada dez hectares nós tivés-semos um gerador eólico, significaria dizer que temos capacidade para 10 mil geradores eólicos.

Se nós formos multiplicar esses 10 mil por 2 MW, que é a capacidade de um gerador comercial médio no Brasil, nós teríamos aí 20 mil MW em cima da Chapada do Araripe, ou seja 20GW. Isso é mais de 10% do que se tem identificado no Brasil inteiro. Estamos falando de somente 10 mil hectares, mas a Chapada do Araripe tem mais do que isso. Nós temos uma pré-avaliação de um potencial instalável de 20GW. Isso significa dizer que se nos próximos leilões os projetos implantados no Cariri conseguirem colocar 10 mil geradores, o que é um número ainda acanhado, conservador, serão mais de 220 milhões de dólares por ano investidos no Cariri. Eu não tenho dúvida de que isso vai revolucionar a região.

Cr: Como isso impactaria na região?

Ab: Isso envolve conseqüências muito grandes. É o interesse de grandes empresas internacionais na área, é a possibilidade de se desenvolver conhecimento da cadeia produtiva da energia eólica na região, com diversos tipos de componentes como torres e pás, e um investimento de vários milhões de dólares por ano. Além do que, vamos precisar de pessoas para a manu-tenção, montagem e conservação dos parques. Vamos multiplicar a necessidade de engenheiros, de técnicos, de eletricistas – o que vai gerar na região uma fonte completamente nova de desenvolvimento econômico.

Cr: esses projetos já estão sendo formulados?

Ab: Sim. Não podemos falar, porque é uma questão estratégica, mas nós temos todos esses hectares que já vão para os projetos dos próximos leilões. Eu acredi-to que a Chapada do Araripe tem muito mais potencial do que a Serra da Ibiapaba, porque ela é mais plana e maior em termos de espaço disponível para a implan-tação de parques.

Cr: o senhor acha que o Governo do estado tem

feito os investimentos a contento para usufruir

de todo esse potencial? Ab: Com certeza. Inclusive, o governador se reuniu com todos os empresários do setor e prefeitos dos mu-nicípios que têm potencial eólico para falar do assunto. Ele simplificou também a burocracia relativa à questão ambiental. Agora basta ter a Licença Prévia para par-ticipar do leilão. Além do mais, o Governo do Estado ajuda na infraestrutura, porque isso requer uma logís-tica enorme, muitos deslocamentos de caminhões de grande porte, levando geradores, torres, pás... Quando o Governo faz boas estradas, por exemplo, ele favorece o setor. Se confirmados todos esses dados, um novo tempo se abre para os negócios no Cariri.

“O que identificamos como o próximo passo no setor eólico do Ceará é a Chapada do Araripe.”

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Cr: o senhor acredita que algum projeto já vai ser

concretizado em julho? Ab: Eu estou muito otimista. Nós vamos nos confron-tar com essa realidade logo mais. É um leilão nacional, envolve do Rio Grande do Sul ao Amazonas, mas o Nor-deste é muito competitivo. Na hora que sair o primeiro, vai haver uma corrida para o Cariri, na busca de investi-dores, de participação em algum projeto.

Cr: Pode haver algum entrave em questões

ambientais na Chapada?

Ab: É preciso mais cuidado com a implantação, mas, hoje, todos os empresários que mexem com energia limpa já têm na própria filosofia da empresa a paixão por fazer as coisas de acordo com a legislação brasileira. Eu tenho certeza de que eles vão fazer parques maravilho-

sos, considerando toda a delicadeza do bioma. Isso é uma forma de o Nordeste conseguir adquirir investimen-tos fortes. No caso do Cariri, resulta também em outros investimentos na área de distribuição de energia elétri-ca. Tudo isso vai ter um impacto completamente novo. É uma vocação econômica que ninguém sabia que exis-tia. Teremos escritórios das empresas multinacionais na área, com gente treinada para a manutenção. Alemães, dinamarqueses, americanos...

Cariri revista: e a população vai

usufruir desse desenvolvimento? Ab: Eu não tenho nenhuma dúvida. Nós temos as esco-las técnicas, o SENAI, as Universidades... Há um inves-timento muito grande em escolas profissionalizantes. Esses parques vão mobilizar esses jovens.

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o CeaRáÉ aQUi

sol intenso de manhã cedo mas temperatura amena. É um dos encantos do Cariri. Entre maio e julho o clima fica quase temperado, com pouco mais de 20 graus de máxima e

um frio agradável à noite. O cenário é a Praça Bicente-nário, na cidade do Crato. Uma praça linda, repleta de árvores maravilhosas, quem sabe bicentenárias... Há uma pequena multidão que aguarda ao som da banda da polícia militar, a tropa está perfilada, as bandeiras aguardam para ser hasteadas a qualquer momento. A sede do governo vai instalar-se, como acontece todos os meses, numa cidade do Cariri. Daqui o governador prestará contas de seu trabalho e a equipe de secretá-rios despachará diretamente com a população.

O governo itinerante não é um projeto inédito nem exclusivo da atual gestão estadual. É um modelo que já se repetiu em tempos diversos, em lugares diferentes do planeta e que tem como objetivo aproximar a ad-ministração dos municípios. Não só simbolicamente, mas na prática. Além do Cariri, onde a sede é instalada mensalmente, o governo tem percorrido quase todos os municípios do estado. Os que ainda não foram contemplados cobram que isso aconteça o mais bre-

ve possível. E o plano é chegar a todos até o final do mandato, o segundo do governador Cid Gomes.

Acompanho o dia de governo no Crato misturada aos populares que enchem a praça. O governador chega sem pompa, sorrindo, passa a tropa em revista, hasteia a bandeira do Brasil e entra no ginásio polies-portivo para começar o trabalho. Lá dentro, sem terno, mangas arregaçadas, presta contas das obras que es-tão programadas para a região. Não há discurso nem formalidades. A audiência pergunta e Cid Gomes dá a posição de cada projeto, auxiliado por seus secretá-rios. Confirma e altera datas, explica atrasos e contra-tempos, assume novos compromissos.

São projetos que abrangem estradas, requalifica-ção urbana e aterros sanitários. E também dão conta da área social com as escolas profissionalizantes. Ao final da tarde, um dos pontos altos da presença do governo na região é a inauguração de mais uma delas. São 76 até agora, em todo o estado. A inaugurada na-quele dia fica na zona rural de Barbalha e só se chega lá por estrada de terra. É um equipamento sofisticado, com laboratórios dotados de todos os instrumentos necessários à capacitação dos jovens que concluirão o ensino médio e, simultaneamente, estarão aptos para o mercado de trabalho. Mesmo que tenham acesso ao ensino superior já estarão preparados para iniciar suas trajetórias profissionais. Essa é, também, a proposta da escola de Sítio Santana, onde um pé de pequi provocou a alteração total do projeto para que não fosse derrubado, por pressão da comunidade. Em meio às dificuldades a expressão de um comporta-mento saudável e civilizado.

#caririartigo

RAFAEL VILAROUCA

Por Tuty Osório

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Infelizmente, costuma ser subdiagnostica-da, porque a maioria dos médicos não leva em conta a ocorrência dessa condição masculina. Sem diagnóstico nem trata-mento, muitos senhores de idade sofrem fraturas que poderiam ser evitadas. Nessa fase da vida, um terço das fraturas de colo de fêmur acontece em homens. Por diver-sas razões, 37% deles vão a óbito no perí-odo de um ano.

Depois dos 70 anos a perda óssea se acentua. Embora depois dos 80 o risco seja maior, quase metade das fraturas do colo do fêmur acontece antes dessa idade. Cerca de 20% dos que quebraram o fêmur uma vez voltam a fraturá-lo.

Fraturas de vértebras também são co-muns no sexo masculino. Ao contrário das mulheres, no entanto, o risco diminui com a idade. A prevalência depois dos 65 anos cai para a metade daquela apresentada pe-las mulheres.

Em 70% a 80% dos casos, as fraturas vertebrais são indolores, mas provocam di-minuição da altura, disfunções respiratórias, aumentam o risco de quebrar também o fê-mur, comprometem a qualidade de vida e

Osteoporose é um daqueles problemas médicos que o povo chama de coisa de mulher. Não é verdade, também incide no sexo masculino.

contribuem para o aumento da mortalidade.A osteoporose masculina frequente-

mente tem causas secundárias. Uso de derivados da cortisona por mais de três me-ses, fumo, abuso de álcool e a redução dos níveis sanguíneos de testosterona (hipogo-nadismo), são os principais responsáveis.

Aproximadamente 15% dos casos são atribuídos à falta de exposição ao sol que causa deficiência de vitamina D, à insufici-ência hepática ou renal, à baixa ingestão de cálcio, à redução dos níveis de estrogênio (hormônio feminino importante para a ma-nutenção da massa óssea, que os homens também sintetizam a partir da testostero-na) e ao uso de inibidores de protease no tratamento da Aids.

Constituem causas menos comuns: ín-dice da massa corpórea abaixo de 20 (IMC = peso/altura x altura), falta ou excesso de exercício, diabetes, hipertireoidismo, doen-ça do glúten, drogas contra a epilepsia ou imunossupressores usados em transplan-tes de órgão. Em até 40% dos casos as causas secundárias permanecem incertas.

O diagnóstico é feito por meio da den-sitometria óssea, exame de imagem que compara a densidade mineral dos ossos do paciente com aquela apresentada pelos jovens e pela maioria das pessoas da mes-ma faixa etária. Nos homens, a densitome-tria óssea é recomendada a partir dos 70 anos. Nos grupos que correm maior risco as avaliações devem começar antes.

O tratamento envolve mudanças de estilo de vida e medicamentos.

Andar e fazer exercícios com pesos reduz o risco de quedas e fraturas nas pes-soas de idade. Suplementos de cálcio e vitamina D são recomendados para manter a massa óssea, especialmente naqueles cujas dietas são pobres em leite e laticí-nios, alimentos ricos em cálcio, e nos que não apanham sol. As doses são de 1.200 mg a 1.500 mg diárias de cálcio e de 800 a 2.000 unidades de vitamina D.

Medicamentos para aumentar a massa óssea devem ser receitados quando o re-sultado da densitometria cai na faixa de os-teoporose. Alguns especialistas, entretan-to, preferem prescrevê-los quando existe osteopenia numa pessoa que já sofreu uma fratura causada por um trauma pequeno.

A primeira opção medicamentosa são os bisfosfonatos, grupo que inclui diversas drogas, algumas de administração diária, ou-tras de uso semanal, mensal ou semestral.

Administração subcutânea diária do hormônio das paratireóides está reservada para os casos de osteoporose mais grave, e para os intolerantes aos bisfosfonatos.

Embora limitados, os estudos sobre re-posição de testosterona em pacientes com hipogonadismo demonstram que o trata-mento é capaz de aumentar a densidade mineral dos ossos. Os riscos da reposição envolvem aumento benigno da próstata, ap-neia do sono e, talvez, câncer de próstata.

#cariricolunadesaúde

osteoPoRose eM HoMeNs

Por Drauzio Varella

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Menino de engenho no Cariri, homem do mundo. Multi-artista em constan-tes projeções e oportunos retornos. Sérvulo Esmeraldo nasceu há 82

anos, no Crato, e traz consigo mais de seis décadas como escultor, gravador, ilustrador, pintor. O conjunto de sua obra suplanta rótulos, fixando-o como um dos principais artistas brasileiros. É esse universo em re-trospecto que a exposição “Sérvulo Esmeraldo” exibe na Pinacoteca do Estado de São Paulo, com abertura no dia 18 de junho e em cartaz até 14 de agosto.

Ricardo Resende, curador da ampla mostra, situa que “nas últimas décadas Sérvulo Esmeraldo ficou restrito a exposições em galerias e grandes coletivas em museus locais, e esta é a primeira vez que se apre-senta uma retrospectiva de sua obra com 117 trabalhos, o mais antigo datado de 1950 e os mais recentes de 2008 a 2010”. A representatividade do cearense para a arte brasileira contemporânea é revisitada pela expo-sição, que tem como ponto alto exaltado por Resen-de “a possibilidade de trazer a público a obra na sua totalidade. É possível nesta exposição conhecer uma

#caririartesplásticas

Por Kiko Bloc-Boris

sÉRvUlo esMeRalDoeM RetRosPeCtiva Na PiNaCoteCa De sÃo PaUlo

JARBAS OLIVEIRA

Sérvulo Esmeraldo: uma obra que suplanta rótulos

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trajetória de mais de 60 anos de carreira deste exímio artista gravador, pintor, escultor e poeta visual, no mu-seu mais ativo e frequentado da maior cidade do país”.

A crítica e curadora de arte Dodora Guimarães, também esposa e fiel escudeira de Sérvulo, dimensio-na a importância da exposição ao “fato de acontecer neste momento, nas condições e circunstâncias em que acontece. A cidade de São Paulo é muito cara ao Sérvulo, foi onde ele se profissionalizou como artista, onde tem muitos amigos queridos e alguns dos seus interlocutores mais atentos. Ele viveu em São Paulo num período de muita efervescência cultural, de 1951 a 1957, anos das primeiras bienais. Grande parte de suas amizades datam desse período. Outras mais recentes são igualmente sólidas, recíprocas, verdadeiras”.

Ainda como mestre em História da Arte pela Esco-la de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Ricardo Resende observa que a retrospectiva de Sérvulo Esmeraldo na Pinacoteca remaneja o artis-ta ao lugar que ele ocupa na história da arte brasileira e internacional, “jogando luz na sua contribuição à arte cinética, que hoje desperta o interesse de artis-tas jovens e do mercado de arte”. Ricardo, ex-diretor do Museu de Arte Contemporânea do Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza, amplia a análise: “Trata-se de uma obra de tendência construtiva, mas dife-rentemente de artistas contemporâneos seus, como Amilcar de Castro e Franz Weissmann, a de Sérvulo Esmeraldo é de uma solução plástica sofisticada e única na leveza de seus volumes, formas e cores”.

Outros reforços à compreensão do artista e à rele-vância de suas obras estão cunhados no livro “Sérvulo Esmeraldo”, editado pela Pinacoteca de São Paulo, sob organização da historiadora Aracy Amaral. Além de servir como um expandido catálogo da retrospectiva, a publicação reúne textos, cronologia e imagens, numa

Se Sérvulo é sucinto ao notar “apenas” a quali-dade como o que mais aprecia no seu trabalho, a crítica de arte e companheira de todas as ho-ras, Dodora Guimarães, é enfática ao exaltar uma maior compreensão do legado e processos inven-tivos do artista. “Destaco o seu pensamento, a sua inteligência. Sérvulo é um humanista com sensibilidade ótica, um artista intuitivo com largo conhecimento da sua área. Isso é muito claro no seu trabalho. O seu raciocínio lógico resulta numa elegância rara. É admirável ver nesta exposição da Pinacoteca como todas as obras se encaixam, se complementam, não importando a data, técnica, dimensão ou material. A coerência do seu pensa-mento é algo singular e bastante evidente”, sen-tencia.O curador Ricardo Resende arremata que a ex-posição tem como finalidade prioritária “trazer à luz para as novas gerações de público de arte e de artistas a obra de um mestre da arte brasileira. Um artista que não se prendeu a modismos. Uma obra que não tem altos e baixos em qualidade plástica e estética, mas sim, nos apresenta uma coerência de pensamento visual que emociona quem se vê dentro da exposição. Uma obra que até então estava ‘guardada’ no Ceará”.

SéRVULO EM PERSPECTIVAS

esmiuçada animação do fluxo criativo e das conexões de Esmeraldo, a partir das visões da própria Aracy, de Resende, Dodora Guimarães, como ainda de João Ro-dolfo Stroeter, Frederico Morais, José Claudio da Silva, Matthieu Poirier, Fernando Cocchiarale, Ana Maria Belluzzo e Agnaldo Farias. Outras curiosidades no livro são uma carta do artista Julio Le Parc e uma entrevista com Sérvulo Esmeraldo realizada por Lisette Lagnado.

Às receptividades intensas, Esmeraldo exclama es-tar “muito feliz!”. E é ele mesmo quem também resume a distinção que recebe nessa ampla amostragem de suas criações, ao abalizar que “a exposição, uma retrospec-tiva sumária, está muito bem apresentada neste belo e respeitável espaço arquitetônico e museológico que é a Pinacoteca. Gosto particularmente da leitura fácil tanto do conjunto quanto de obra por obra. Não é fácil reunir um grupo de obras e julgá-las uma a uma”.

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rECHEIOS DE VIDA EM ObrAS(E VICE-VErSA)Ao adentrar a Pinacoteca paulista e se deixar envolver pelas 117 obras que compõem a exposição de Sérvulo Esmeraldo, o visitante é levado a um passeio pelos caminhos artísticos do mestre, que inicialmente se-guem por linhas cronológicas. Logo a atenção se fixa menos em datas, desvia para fases e mesclas gráfi-cas que, independente da base estrutural, adotam a mesma e cada vez mais definidora trama geométrica para dimensões líricas.

Gravuras, esculturas, desenhos, impressões e outras peças compõem a multiplicidade de domí-nios em que Sérvulo traça suas versões de beleza, reflexões imagéticas, da precisão em experimentos à exuberância do eloquente com simplicidade essencial, naturalidade inteligente e coerência intuitiva. A mostra inicia seu trajeto pelos princípios da produção de Es-meraldo, exibindo as suas primeiras gravuras abstratas, realizadas entre os anos 1950 e 1960. Na primeira sala, uma marinha figurativa, pintada a óleo sobre madeira, retrata o céu azul e o verde mar de Fortaleza a amparar barcos em preto-e-branco, em cujas velas já flameja o pendor ao geométrico, que em breve imperaria.

O quadro, de 1950, remete a um período de exer-cício clássico de Sérvulo, exposto como único do gê-nero na mostra. Em seguida, xilogravuras da mesma década trazem folhas e sementes, entre outros enxer-tos que estampam um caráter mais sintético no uso de figurações. Ainda do mesmo ano, a peça “Trilogia - livro objeto”, feita em parceria com o poeta Péricles Eugênio da Silva Ramos. Naquela época, Sérvulo já circulava pela Sociedade Cearense de Artes Plásticas

(SCAP), em Fortaleza, e tomava contato com outros jovens promissores artistas, como Antonio Bandeira e Aldemir Martins, enquanto aprendia sobre pintura com o mestre Jean-Pierre Chabloz.

Ele trabalhou em 1951 na montagem da 1ª Bienal Internacional de São Paulo, cidade que abraçou como nova morada e que lhe permitiu incrementar relações com grupos e artistas, como Marcelo Grassmann e Lívio Abramo, enquanto desenvolvia os ofícios de gra-vador e ilustrador no Correio Paulistano. Em 1957, Es-meraldo apresentou a sua primeira individual no Museu de Arte Moderna de São Paulo e ganhou uma bolsa de estudos do governo francês. Já na França, passou pela École Nationale Supérieure des Beaux-Arts e se enfurnou nas obras raras da Bibliothèque Nationale de France, que elevou seu aprendizado e ampliou técni-cas. O jovem artista redescobriu na gravura, no metal e na litografia o sustento para novos assomos e lingua-gens próprios.

De volta à exposição da Pinacoteca, é possível conferir os instantes de Sérvulo no uso do metal como suporte e matéria para as obras. Expressas com as in-fluências do abstracionismo lírico, as esculturas e obje-tos geométricos do período também conferem a con-cepção mais pessoal do que ele ousa provar. O rigor técnico se mescla aos ensejos táteis, e o artista segue

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CAMILA ESMERALDO

Trabalhos que despertam o interesse das novas gerações

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CAMILA ESMERALDO

Soluções plásticas sofisticadas e leveza de volume

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a inventividade como uma criança que brinca, inclusive ao traduzir-se na arte cinética. Essa fase está referen-dada na mostra paulista com a série “Excitáveis”, ini-cialmente produzida entre 1962 e 1975, como ainda em uma instalação, especialmente feita para a retrospec-tiva. Elas compartilham do mesmo fundamento em es-tudos físicos e matemáticos com perspectivas exatas, sem, porém, dispensar o deslumbre humano.

São objetos lúdicos, caixas de acrílico com peda-ços de papel que se movimentam em atendimento ao toque do espectador na superfície. Esmeraldo já ates-tou que as versões de “Excitáveis” partem do mesmo princípio científico, o fenômeno da eletricidade estáti-ca, como na premissa que lembra as fanfarras infantis ao se friccionar o couro cabeludo com um pente e ati-vá-lo para “excitar” papéis picados – a exemplo de um imã que atrai e movimenta metais. O que diferencia as novas idéias e modelos de “Excitáveis” são as histórias que filiam cada criação. Surpreendem como manifesto e desvendam muito do que mune o impulso inspirado de Sérvulo, cujo primeiro “Excitável” foi impelido pelo poema “Anunciação”, de Vinicius de Moraes.

A materialidade das formas pela imaginação e cálculos de Esmeraldo resulta em feições mais abs-tratas, o figurativo ganha contornos concretistas e as

gravuras giram em estudos para se transmutarem em esculturas, como a exibida em “O Prisma Vermelho”, de 1989. Também escudam o efeito contrário, da es-cultura que se configura em gravura. A interação entre os elementos, compostos essencialmente de retas, ângulos e cores seletas, traz motivação gráfica.

Essa variedade monumental de possibilidades orquestradas por Sérvulo Esmeraldo está evidenciada nas demais obras expostas, como nos rumos traçados pelo artista entre 1980 e 1990, tempos que conduziram à profusão produtiva de esculturas públicas, até chegar aos anos 2000. Órbitas várias em retrospecto, impul-sionadas pelas conjunções do essencial e do encan-tador às precisões geométricas no conjunto eclético e harmônico com o qual Sérvulo Esmeraldo não cessa, seriamente, de brincar, como também de extasiar.

ESPACIAIS DE ESMErALDOAs linhas do ir, do vir e o momento. As ondas e influ-ências das trocas humanas. Desde a meninice, Esme-raldo é um inventivo observador, mensageiro crítico do que faz e do que o rodeia. “Nasci no Crato, em 1929. Fui recém-nascido morar no Engenho Bebida Nova, onde vivi até adolescente. A ‘Casa Grande’ era um pa-raíso para o magote de crianças, onde inventávamos toda sorte de brincadeiras. Cada um ao seu gosto. Um dos quartos era a capela criada para o Monsenhor Es-meraldo (meu tio) quando de sua ordenação. Era um ‘brinquedo’ ajudar na missa; tocar a campainha. Isto acontecia todos os domingos”, rememora o artista.

Foi nesse ambiente sertanejo que Sérvulo come-çou a se interessar pelas artes, ainda muito cedo. “Fiz

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minhas primeiras ‘obras’ em metal observando os ciga-nos trabalharem no concerto de tachos do engenho, aproveitando os restos, as sobras de material. Outro professor foi o mestre José Macedo, fino marceneiro. Ficava horas atento a seus gestos, manipulando seus instrumentos, ora o martelo, ora os formões”.

Antes mesmo de ingressar na Escola de Paris, nos anos 50, e de se tornar o pioneiro representante latino-americano da arte cinética na Europa dos 1960, tem-pos ainda da sua inserção na democrática arte postal, Esmeraldo já exercia e incentivava as trocas culturais. Após as estadas fora do Ceará, em 1956 ele voltou ao seu Cariri, desta vez para fundar o Museu da Gravura, no Crato. Entre 1963 e 1965, também levou consigo o hoje notável nome de Mestre Noza ao circuito nacio-nal e europeu, primeiro com o livro-ensaio “Via Sacra”, sobre gravura nordestina, e depois com a encomenda de matrizes em madeira para serem lançadas em uma

edição especial na França. Edição esta cujo êxito foi ta-manho que lhes valeu outro milhar de impressões, logo também esgotado.

Sérvulo ampliou sua marca de projeção ao fincar esculturas urbanas, sobretudo em Fortaleza, onde tem mais de 40 obras públicas. Foi também curador da ino-vadora Exposição Internacional de Esculturas Efême-ras, em 1986 e 1991. Com movimentos que atendem às oportunas direções do seu tempo, o escultor revigora continuamente sua assinatura. No ano passado, em Fortaleza e em Juazeiro do Norte, apresentou a mostra individual “Ocupação”, na qual comemorou a atualida-de de sua trajetória, incluindo a exibição de cinco obras inéditas, criadas entre 2008 e 2010. Também retornou a Paris, onde trabalhos dele compuseram a edição anual do Festival @rt Outsiders na Maison Européene de la Photographie, em 2010, tendo entre eles modelos dos memoriais “Excitáveis”.

Exposição Sérvulo Esmeraldo. Pinacotecado Estado de São Paulo.End: Praça da Luz, nº 2.Tel: (0xx11) 3324-1000.De 10h às 18h, até 14 de agosto. Preço: R$ 6,00 (gratuito aos sábados).

SERVIÇOCAMILA ESMERALDO

A pinacoteca faz um passeio pelas várias fases do artista

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Para comemorar os 100 anos de criação do Cinema Paraíso, primeira sala de projeção do interior cearense, implantado pelo cratense Luiz Gonzaga de Oliveira, em 03 de junho de

1911, a Secretaria de Cultura do Município do Crato rea-lizou, entre os dia 13 e 18 de junho, no Teatro Municipal Salviano Arrais, a 1° Mostra Crato de Cinema e Vídeo.

Privilegiando a produção audiovisual local, a Mos-tra contou com nomes como Rosemberg e Petrus Cariry, exibindo “Corisco e Dadá”, “Ave Poesia” e “Auto da Leidiana” (de Rosemberg) e “A Ordem dos Peniten-tes” e “O Grão” (de Petrus Cariri). “Também Sou Teu Povo”, filme premiado no Festival Mix de Diversidade, de Franklin Lacerda e Orlando Pereira, foi um dos mais esperados na primeira noite do evento.

Entre as novas produções, destaca-se o “Cine-matógrafo Herege”, tele-conto baseado no livro “Ma-tosinho Vai à Guerra”, do escritor cratense José Flávio Vieira. Jefferson de Albuquerque Jr., diretor do filme, explica que o Cinematógrafo é a primeira experiência de uma série de tele-contos feitos em formato de TV. “Foi legal a experiência de apresentar o filme na pre-sença do autor da obra. Agora é aproveitar a iniciativa e atrair as pessoas que trabalham com audiovisual e investir em equipamentos e salas profissionais de pro-jeção”, planeja Jefferson.

Festivais De CiNeMa tRaZeM Boas PRoDUÇÕesao CaRiRi

Já em Juazeiro do Norte, o 21° Cine Ceará aportou pela primeira vez em solo caririense trazendo o que há de melhor da produção nacional em documentários, curtas e longas-metragens. As palestras e exibições de filmes, que aconteceram de 09 a 16 de junho, no Memorial Padre Cícero e no Centro Cultural Banco do Nordeste-Cariri, abordaram em sua maioria um tema caro para a cidade: a religiosidade.

Ao transportar parte de suas exibições para Juazei-ro, o Festival homenageia os 100 anos de emancipação da terra de Padre Cícero, e propõe como discussão o tema “Religião e Religiosidade no Cinema”. O escritor e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna abriu o primei-ro dia de evento, que ainda contou com a participação do filósofo João Vila-Chã – da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. No ultimo dia, foi a vez do escri-tor cearense Lira Neto falar, para uma plateia repleta de jovens estudantes, sobre sua experiência de biógrafo do Padre Cícero Romão Batista.

Na programação, filmes como o icônico docu-mentário “Cabra Marcado para Morrer”, do pernam-bucano Eduardo Coutinho, grande homenageado do festival – muito aplaudido pelos espectadores presen-tes no primeiro dia de exibição. Dentro dos debates sobre religiosidade, dois filmes de Rosemberg Cariry, “Juazeiro, a Nova Jerusalem”, de 2001 e “Caldeirão da Santa Cruz do Deserto”, de 1986, trouxeram para as telas a devoção e o misticismo que revestem a fé po-pular na região do Cariri.

#caririculturaRAFAEL VILAROUCA

Debates com escritores e cineastas no Cine Ceará

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#caririliteratura

Por Cláudia Albuquerque

a PaisageM iNteRioR e o seRtÃo DeNtRo Da geNte

O sertão? “O sertão é do tamanho do mundo (...). O sertão está em toda parte (...). O sertão é sem lugar”. Foi o que disse Guima-

rães Rosa na voz do seu Riobaldo. Persu-adido de que os cenários podem ilustrar sentimentos, assim como os sentimentos às vezes traduzem paisagens, o escritor mineiro celebrou em sua obra um vínculo afetivo difícil de ser rompido: “O sertão é dentro da gente”.

Outra forma de exaltar a mesma alian-ça é repetindo: “Vivo dentro do sertão e o sertão dentro de mim”. A frase, retirada do poema “O Retrato do Sertão”, abre o livro “Patativa do Assaré: O Sertão Dentro de Mim” (Gilmar de Carvalho e Tiago Santa-na), que mapeia em fotos e textos a geo-grafia interior de um cearense que também carregou o sertão no peito. No caso, o ser-tão do Cariri, mais para o oeste da Chapada do Araripe, já nas fronteiras dos Inhamuns, onde se assenta a Serra de Santana da pe-quena Assaré, cidade que Patativa ajudou a pôr no mapa. Cantando.

Sertão, arguém te cantôEu sempre tenho cantadoE ainda cantando tô, Pruquê, meu torrão amado,Munto te prezo, te quero

E vejo que os teus mistéroNinguém sabe decifrá.A tua beleza é tantaQue o poeta canta, canta,E ainda fica o qui cantá

No livro, em P&B, imagens de um velho com nome de pássaro em seu ser-tão íntimo. Chapéu de massa na cabeça, óculos Ray-Ban disfarçando a cegueira, cigarro de palha entre os dedos, bengala no amparo do corpo frágil, um vira-lata manso por perto, a cadeira na varanda, a rede armada, a janela. Foram nove déca-das de vida, mas Antônio Gonçalves da Silva (1904-2002) virou Patativa do Assaré ainda muito jovem. Nasceu filho de peque-nos agricultores, passou poucos meses na escola, perdeu uma vista aos quatro anos, trocou uma cabra pela viola aos 16, foi roceiro, improvisador, violeiro, marido de dona Belinha e pai de nove filhos.

Também teve composições imorta-lizadas na voz de Luís Gonzaga (“Triste Partida”, 1964) e Fagner (“Vaca Estrela e Boi Fubá”, 1980). Recitou muita poesia na Rádio Araripe do Crato, primeira emissora do interior cearense, amplificando sua arte pelos rincões mais inóspitos. Pouco afeito à efemeridade dos cordéis, sempre quis lançar um livro. Conseguiu publicar oito, e

ainda gravou discos. Foi o homem por trás dos versos: “Eu sou de uma terra que o povo padece/ Mas nunca esmorece e pro-cura vencer./ Da terra adorada, que a bela cabôca/De riso na boca na boca zomba do sofrê/Não nego meu sangue, não nego meu nome./Olho para a fome, pergunto: o que há?/Eu sou brasileiro, fio do Nordeste./ Sou cabra da peste, sou do Ceará”.

Maior poeta popular do Brasil, dizem alguns. “Um gênio”, acredita o pesquisa-dor Gilmar de Carvalho. “Não teria outra palavra para defini-lo. Alguém a quem admiro pela força, pela sensibilidade e pela competência do discurso poético, que se faz político sem descambar para o panfleto ou para a militância estéril. Pa-tativa amplificou sua voz, falou por todos nós. Foi nosso porta-voz, nosso intérpre-te. Lutou contra as injustiças sociais. E nos impressiona ao viver a poesia e fazer dela uma arma e um acalanto”.

O primeiro encontro entre o professor e o poeta, que se tornariam amigos fraternos, foi em 1993, numa das casas de Assaré em que viveu Patativa, ao lado da Igreja Matriz. Naquele ensolarado dia de outubro, após as horas de estrada que separam Fortaleza de Assaré, Gilmar se viu confrontado com o enigma. “Estava ali, diante dele. Era a es-finge que precisava ser decifrada. Aquele

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TIAGO SANTANA

TIAGO SANTANA

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homem de metro e meio (...) era um mo-numento. Tínhamos a exata noção da sua grandeza ao vê-lo e ouvi-lo criar um poema que ficaria perdido, não fossem os atentos gravadores ou o peso da sua memória an-tológica”, recorda.

O fotógrafo Tiago Santana, por sua vez, que divide com Gilmar as páginas, in-tenções e intuitos de “Patativa do Assaré – O Sertão Dentro de Mim”, não possui a recordação de um encontro inaugural, pelo simples fato de ter convivido com o poeta desde criança. Tiago nasceu no Crato e vi-veu em Juazeiro do Norte, depois que seu pai, demitido por questões políticas, retirou a família de Fortaleza. “O Patativa esteve sempre presente na minha vida, amigo dos meus pais, sempre acompanhei os seus passos. Ele me ensinou a ver o sertão e a ver a grandeza dos lugares e das coisas simples. O sertão que carrego dentro de mim hoje é o sertão do Patativa”.

A esse sertão Tiago e Gilmar chega-ram cada qual por seus atalhos, em perío-dos desiguais e com suportes diferentes, mas ao fim da jornada as fotos de um e os textos de outro resultaram numa obra deslumbrante e encantatória sobre um poeta popular que ultrapassou com o seu talento todos os rótulos que lhe foram da-dos – inclusive este, de poeta popular. “É melhor escrever errado a coisa certa do que escrever certo a coisa errada”, brincou Patativa, que usava o dialeto matuto como recurso estético e laço de identidade, mas que também sabia compor em oitavas ca-monianas e arranjar sonetos alexandrinos de métricas bem acabadas.

Biógrafo e estudioso de Patativa, com várias obras lançadas sobre seu objeto de investigação, Gilmar de Carvalho escre-veu, desta vez, um livro de amor, com uma

leve costura saturada de afeto. Nos textos primorosos, recordações pessoais das longas conversas com o poeta, sua socia-bilidade sertaneja, sua casa sempre aberta a todos, seus improvisos, suas influências, suas deambulações de violeiro antes de ancorar como poeta. “Durante anos a fio, nos finais de semana, Patativa fazia longas viagens em lombo de cavalo para se apre-sentar nos sítios e fazendas cujos donos o contratavam. Vestia paletó xadrez, gravata e segurava a viola como se fosse uma gar-rucha”, recorda Gilmar no livro, cujos 23 capítulos começam cada qual com uma letra do alfabeto, tal qual na modalidade de cantoria conhecida como ABC.

No livro, essas letras foram feitas em xilogravura pelo artista João Pedro do Juazeiro, um dos grandes nomes dessa arte antiga, que também assina as belas cenas em xilo da vida no campo. Xico Sá, jornalista radicado em São Paulo mas nas-cido no Crato, faz um texto de apresenta-ção no qual recorda o dia em que, menino ainda, avistou Patativa na Feira do Crato. E conclui: “Guimarães Rosa na prosa e Patativa do Assaré em versos são os dois grandes tradutores dos sertões brasilei-ros”. Dos sertões e dos sentimentos, diria o poeta: “Saudade dentro do peito/ É qual fogo de monturo/ Por fora tudo perfeito/ Por dentro fazendo furo”.

Patativa morreu, mas seu canto res-soa. Em teses, monografias, dissertações, entrevistas e matérias de jornal. A palavra aprisionada em papel, mas também em vinil, CD, DVD e meios eletrônicos. Para todos os que quiserem procurar o velho de Assaré, pois como diria o também poeta Manoel de Barros: “Aonde eu não estou as palavras me acham”.

“Patativa do Assaré:O Sertão Dentro de Mim”,de Gilmar de Carvalho e Tiago Santana. Editora Tempo d´Imagem/Sesc SP. 144 páginas. R$ 95,00.

SERVIÇO

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Desde que se tornou fotógrafo, no final dos anos 80 e início dos 90, Tiago Santana vê no Cariri um rico laboratório de pesquisa para o seu trabalho autoral. Menino do Crato criado em Juazeiro, Tiago, que há anos vive em Fortaleza, tem uma vivência profunda da região. “As lembranças são muitas. Principalmente da época de romarias, quando a cidade se transformava, não havia aulas nas escolas e o mistério tomava conta do lugar. As festas, os grupos de reisado, os artesões, a banda cabaçal, os benditos...“, recorda. “Benditos”, aliás, é o título do primeiro livro de Tiago, um trabalho de oito anos em que ele documenta sua experiência caririense. As fotografias foram expostas pela primeira vez no ano 2000, quando do lançamento do livro em Fortaleza e em Juazeiro. Já Gilmar de Carvalho, que foi professor do Curso de Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC) e é autor de mais de 50 livros sobre cultura popular, considera o Cariri um grande caldeirão de manifestações e influências. “O Cariri, muito antes dos teóricos, me deu a exata noção do que seja multiculturalidade. A mistura que se faz por lá encanta e emociona. As manifestações culturais se tangenciam, se superpõem, se atritam, se fundem. Isso só é possível porque a riqueza é tanta que a gente fica embevecido e tonto.Foi isso que eu senti quando da primeira visita ao Juazeiro, em 1976. Esse sentimento vem sendo atualizado e cresce”.

LABORATÓRIO CARIRI

QUeM lê o QUê

está lendo: o enigma na televisão autor: Marcos Reyeditora: Coleção vagalume“É um livro cheio de mistérios, em que acon-tecem crimes envolvendo pessoas da televi-são. ainda estou no comecinho. gosto muito de ler, principalmente romances, como os de Machado de assis. adorei ‘Memórias Pós-tumas de Brás Cubas’. É muito boa a ideia de fazer o próprio morto contar a história da vida dele! também gosto de gibis e, preciso confessar, ainda leio livros infantis”.

está lendo: a viagem de théo autor: Catherine Clémenteditora: Cia. das letras“esse livro fala de um adolescente que está com problemas de saúde. ele já recorreu aos métodos tradicionais da medicina e não obteve resultado algum. então uma tia rica e excêntrica sugere como alternativa de cura uma viagem pelo mun-do – não para visitar lugares ‘turísticos’, mas para conhecer os lugares tidos como sagrados. os dois participam dos rituais de diversas religiões e théo vai se energizando, numa viagem verdadei-ramente iniciática”..

(estudante de 14 anose guia do Museu de Paleontologia de Santana do Cariri)

(Professora de economia da urca)

GaBriela C.PedroSo

Mariade lourdeSde araúJo

TIAGO SANTANA

FOTOS: RAFAEL VILAROUCA

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Povo – Velho Dionísio! Trouxemos este vi-nho para o Senhor.Velho Dionísio – Vinho especial. Vinho de Château. Me faz lembrar do último baile do Imperador. Que só aconteceu porque o Cariri ajudou. Povo – Conta como foi.Velho Dionísio – Esta história, quem me contou, foi meu professor Sileno, que ouviu de seu avô. No dia 09 de novembro de 1889, o Império estava no final, foi realizado o Bai-le da Ilha Fiscal. Uma homenagem aos ma-rinheiros chilenos, de um encouraçado, que na Baía da Guanabara se encontrava atra-cado. A ilha foi enfeitada com balões vene-zianos, lanternas chinesas, vasos franceses e flores brasileiras. Foi preparado um jantar para 500 convidados, mas chegaram uns 5 mil não esperados. Tinha quatro qualidades de champagne, 23 espécies de vinho e seis de licores, mais de 3000 garrafas e ainda mais dez mil litros de cerveja. D. Pedro II, ao entrar no salão do baile, desequilibrou-se e levou um tombo. Ao recompor-se, excla-mou: “O monarca escorregou, mas a monar-quia não caiu!” Isto só veio a acontecer seis dias depois com Proclamação da República no Brasil. E assim esta história acabou.Povo – Mas como foi que o Cariri ajudou?Velho Dionísio – Com cem contos de réis, que estavam guardados nos cofres do Mi-nistério e que jamais chegaram ao Ceará. Os flagelados da seca, que assolava o sertão, tiveram que esperar.

Por Sérgio pires[Advogado carioca, ex-bancário, habitante do Planalto Central e pesquisador de vinhos há mais de 15 anos]

#caririgastronomia

A ORIGEM DO VINHO

Existem diversas lendas sobre a origem do vinho. A mais citada de todas elas é uma versão persa, relatada por Omar Khayyam, que fala sobre Jamshid, um rei semi-mitológico que parece estar relacionado a Noé, pois teria construído um grande muro para salvar os animais do dilúvio. “Na corte de Jamshid, as uvas eram mantidas em jarras, para serem comidas fora da estação. Certa vez, uma das jarras estava cheia de suco e as uvas espumavam e exalavam um cheiro estranho, sendo deixadas de lado por serem inapropriadas e consideradas possível veneno”. “Uma donzela do harém, que vivia triste e não mais agradava a seu rei, foi expulsa do Palácio. Tentou se matar ingerindo o possível veneno. Ao invés da morte ela encontrou alegria, cantou, dançou e terminou num repousante sono”.

“O rei, ao tomar conhecimento do acontecido, ordenou, então, que uma grande quantidade daquela beberagem fosse feita e Jamshid e sua corte beberam da nova bebida, era o vinho”.

De CoMo o CaRiRi ColaBoRoU CoMo ÚltiMo Baile Do iMPeRaDoR

CINCO MOTIVOSPARA BEBER

“Se bem me recordo são cinco os motivos para beber: a chegada de um amigo, a sede do momento (ou a futura), a qualidade do vinho ou qualquer outra razão”. (ALFONSO X, o Sábio, Rei de Castilla y de León, 1252-1284)

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CARIRI REVISTA 73

CRATO É NOMEDE BOA UVA

Em alguns dicionários podemos encontrar o nome da cidade de Crato definido como “casta de uva de Portugal”. Nas nossas pesquisas encontramos três uvas portuguesas com o nome de Crato: as brancas Crato Espanhol e a Crato Branca (também conhecida como Síria) e, ainda, a Crato Preto (Algarve) – uva tinta, mais conhecida como Trincadeira. Portanto não deve ser coincidência que a sigla da Universidade Estadual Vale do Acaraú seja UVA

VINHO DE UMBU É VINHO?

A O.I.V. (Office International de la Vigne et du Vin), determina que só poderá ser chamado de vinho a “Bebida proveniente da fermentação do mosto (suco) de uvas frescas.” Já a Lei no 7.678, de 08 de novembro de 1988, que dispõe sobre a produção, circulação e comercialização do vinho e derivados da uva e do vinho no Brasil, no seu Art. 3º, define que “Vinho é a bebida obtida pela fermentação alcoólica do mosto simples de uva sã, fresca e madura”. Parágrafo único. A denominação vinho é privativa do produto a que se refere este artigo, sendo vedada sua utilização para produtos obtidos de quaisquer outras matérias-primas.

Podem parecer umas definições muito simples, mas são suficientes para impedir que outros líquidos nos sejam impostos como vinho. Portanto não existe “vinho” de Umbu, “vinho” de Jabuticaba ou qualquer outro “vinho” obtido através da fermentação de qualquer fruta que não seja a uva.

HARMONIZANDOVINHO COM BUCHADAHarmonizar o vinho com a comida é uma combinação que busca melhorar as qualidades de ambos, formando um “terceiro sabor”.

Na edição 01 da nossa Cariri, a pesquisadora Ruth Marinho nos apresentou as receitas de duas iguarias típicas da mesa nordestina, a tradicional buchada de bode e a buchada de peixe. Gostaria de sugerir alguns vinhos para acompanhar estes pratos. Para a buchada de bode muita gente pensa que não há solução, mas, como o prato é de origem portuguesa, acredito que os vinhos portugueses mais encorpados podem fazer boa figura, como os da uva Trincadeira. Um espumante Brut, bem gelado, também seria bom para combater o calor. Mas como as receitas devem ser acompanhadas preferencialmente pelos vinhos da região, devemos optar por um Cabernet Sauvignon ou Shiraz do vale do São Francisco. Já para a Buchada de Peixe, que leva creme de leite em sua receita, aposto num espumante Brut Rose. Se for para escolher um vinho branco, teremos de optar por um de boa estrutura, como um Chardonnay. Bom apetite!

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Cariri revista reuniu amigos e personalidades no lançamento em Juazeiro do Norte e Brasília

#cariripersonasgratas

a NÚMeRo UM

Isabela Bezerra e Renato Fernandes

Isabela Bezerra, embaixador de TaiwanJorge Shyu e Renato Fernandes

Isabela Bezerra, Ministro José Múcio,Renato Fernandes e Arnon Bezerra

Isabela Bezerra, Espedito Seleiro, Esmeralda Geromel Bezerra e D.Francisca

Escritor Lira NetoSamuel Araripe e esposa, Manuel Salviano, Renato Fernandes e Isabela Bezerra

Antonio Balhmann apresentando a Cariri revista e o jornalista Eduardo Galdino

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CARIRI REVISTA 75

Para quem anda de carro a melhor coisa que pode acontecer é o sinal ficar verme-lho. Pois é o momento em que o motorista pode olhar a cidade. Ali é possível quebrar o mundo de operações repetitivas e monóto-nas. Geralmente, a surpresa simplesmente perde terreno, surgindo apenas sob algum esquecimento de lombada ou ousadia de ciclista. No mais, a normalidade grosseira nos abocanha.

Amarelou o dispositivo na esquina do Hospital São Francisco. Sem muita expec-tativa cumpri somente a tradicional olhadela para os lados por ofício de aprendizado. Sob o último batente da escadinha que dá entrada ao hospital, um menino sentado, perninhas pequenas, cabecinha raspada e chinelos aos pés. Arcava sobre ele no vão reto do ambiente que permite percurso, uma

siNalCaRiRiaNas 01:

Por Ricardo Rigaud Salmito[Observador da cidade e professor do curso de Comunicação Social - Jornalismo da UFC Cariri]

camisa 43 do Flamengo, aquela branca, se-gundo uniforme do time carioca. Eles tinham intimidade de pai e filho e riam minimante de algum contexto. Riam até onde se pode ir com o riso em uma situação hospitalar.

O batente que lhe cedia assento era fei-to para seu corpo curto. Pra pé apenas. Ali, sem a menor experiência da arquitetura do prédio, o batente era exclusivamente palco, era dali para ali mesmo, sem continuações.

Era manhã de possibilidades aumenta-das e na dobra verde adentro do carro em movimento, vi o tal pai (com a camisa do Petkovic) tentar limpar o nariz do menino, por alguma sujeirinha que ficara de resfria-do ou choro. Ele colocou com muita digni-dade o dedo em sua própria boca, acom-panhou saliva e passou delicadamente acima dos lábios do garoto.

#cariricrônica

Segui. Segui porque era preciso, pelo trânsito, horários e porque o mundo já tinha me deixado a cena na memória. O resto seria automaticamente displicente de nar-rativa. A preencher como quisesse, a es-clarecer como pudesse, a missão apenas de escrever sobre a humanidade tremenda das pequenas coisas que faz o próprio homem. Disso que alimenta a palavra e me faz acreditar na promessa irrevogável de que a vida dos outros pode realmente salvar a nossa e ainda oferecer uma audio-visualidade permanente.

Sei não o que fazer. E o que deveria ser feito por mim e por todos. Que intervenção precisa o mundo? De reconhecimento e decisão! E da crônica urgente do cotidia-no. E há coisas que só a água para resolver. Ali mais ainda, água do homem.

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76 CARIRI REVISTA

Onde ficar em JuazeirO:Verde Vale HOtel Avenida Plácido Aderaldo Castelo - Lagoa Seca, Juazeiro do Norte Fone: (88) 3566-2544

PanOrama HOtelRua Santo Agostinho, 58, Juazeiro do Norte. Fone (11) 2244-7097Resort Pousada Recanto da LagoaRua Firmino A Sousa, 150 - Lagoa Seca, Juazeiro do NorteFone: (88) 3571-4122

Onde ficar em cratO:Pasárgada Parque HOtelAv.José Horácio Pequeno,1600 tel.(88) 35232757

HOtel Vila realR. Bárbara de Alencar, 694, tel.(88) 35217289

HOtel encOsta da serraAv. Dr.Pedro Felício Cavalcante,1898, tel.(88)35216444

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Bicicletaria K&a: R. São Pedro, 1589, Juazeiro do Norte. Tel: (88) 3512.2286. A loja organiza passeios de bike em grupo durante a semana (às 19h) e aos domingos (partindo às 6h da manhã).

POntal de santa cruzNo município de Santana do Cariri, a 750 m de altitude, possui acesso seguro. O restaurante é aberto de terça a domingo, das 8h às 17h30. Oferece comida sertaneja. Tel: (88) 9959.8931.

casarãO dO cOrOnelfelintO da cruz neVesR. Dep. Furtado Leite, 205, Santana do Cariri. Tel: (88) 3545-1324. De seg. a sex. (7h30 às12h e 13h30 às 16h), sáb. (8h às 14h) e dom. (8h às 13h). Visitação gratuita.

museu de PaleOntOlOgiaR. Dr. José Augusto Araújo, 326, Santana do Cariri. Tel (88) 3545.1320. De ter. a dom., das 8h às 16h. Visitação gratuita.

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Karimai, o pintor de sonhos

#caririespecial

Por: Yasmine Moraes

Luís Karimai nasceu em Lavínia, São Paulo. Descendente de japonês, veio ao Cariri pra fazer uma pesquisa socioló-gica. Amou uma descendente de índia Kariri. Assim, aqui ficou. Suas obras permutam o ser humano com o místico. A figura humana em suas obras é sempre o ser que carrega o esplendor do que se é mais belo. Suas cores relatam bastante o sol forte da região. O Cariri sempre esteve presente nas cores e pinceis de Karimai como também nos seus olhos criativos. O mundo espiritual fazia-se vivo na sua vasta obra que enfeita o mundo nas mãos de colecio-nadores e inúmeras galerias. Um dia a pergunta saiu da minha boca -“Você pinta sonhos, não é?”. E a resposta veio doce e crua: “Você acha que eu pinto sonhos?”, seguida de um sorriso gentil. Acho, acho sim que você pinta sonhos. E outro sorriso se fez em nós dois. Então Karimai deixou o atelier e sentou-se frente à oliveira carregada de frutas maduras com a mesma fragilidade viva.

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