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Page 1: Boletim Orcamento Socioambiental 17

Ano V • nº 17 • setembro de 2006Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc

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IIRSA:os riscos da integração

Na América Latina, a denominada Iniciativa paraIntegração da Infra-Estrutura Regional Sul-Ameri-cana (IIRSA) parece ser uma clara manifestação danova ofensiva de setores desenvolvimentistas, que, aolongo dos anos 1990, incorporaram à sua retórica asbandeiras da sustentabilidade ambiental e da inclu-são. Há, na IIRSA, uma confluência de pensamentose interesses articulando setores que, historicamente, sejapela “direita”, seja pela “esquerda”, associaram a idéiade desenvolvimento às idéias de transformações soci-ais, políticas e tecnológicas em direção a uma economia

Perdas e danos

riada em agosto de 2000, a Iniciativa para

Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-

Americana (IIRSA) completa seis anos em

plena fase de implementação e assusta pelos

riscos que pode representar para a América

do Sul, especialmente nos aspectos cultural e

socioambiental.

A maior ameaça reside no fato de que a

integração proposta pela IIRSA, e também

pelos Eixos Nacionais de Integração e Desen-

volvimento (Enid), tem como objetivo prin-

cipal a convergência comercial e econômica.

Ou seja, prioriza a integração de mercados

para tornar a região mais competitiva do

ponto de vista da lógica da globalização capi-

talista, uma lógica que perpetua desigualda-

des e promove exclusões.

Esta publicação pretende alertar para os

perigos que pairam sobre a região. No Bra-

sil, uma das preocupações é com a Amazô-

nia, território cobiçado pela estratégia

IIRSA. Estudo feito pelo Instituto de Estu-

dos Socioeconômicos (Inesc), apresentado

nesta edição, indica as obras planejadas pela

IIRSA que têm destinação de verbas na Lei

Orçamentária Anual (LOA) de 2006.

Certamente, é fundamental o engajamento

das organizações da sociedade civil, no senti-

do de exercer o controle social sobre a iniciati-

va que está em curso. Esse é um passo impor-

tante para evitar que a IIRSA se transforme

num processo irreversível de perdas e danos.

E D I T O R I A L

C

www.inesc.org.br

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2 setembro de 2006

A IIRSA, na verdade,é um espaço de

inúmeras disputas econtrovérsias que

muito pouco tem aver com os supostos

benefícios aospobres

industrial e modernizada; de crescimento econô-mico; e de integração de territórios, recursos na-turais e populações no sistema produtor de mer-cadorias. Acena-se, complementarmente, comuma melhora na qualidade de vida das popula-ções, particularmente da parcela identificadacomo a mais pobre.

A IIRSA, na verdade, é um espaço de inúme-ras disputas e controvérsias que muito pouco tema ver com os supostos be-nefícios aos pobres, o quenão é nenhuma novidadeconsiderando os interes-ses políticos e econômicosenvolvidos e o montantede recursos financeiroscirculantes. No interiorda Comunidade Sul-Americana de Nações(Casa), que integra os governos dos 12 países queparticipam da IIRSA, há diferentes projetos dehegemonia política e ideológica em disputa, comoentre os governos brasileiro e venezuelano, en-trelaçados com interesses empresariais, comrebatimento nas prioridades e no controle da es-tratégia de integração das infra-estruturas. Quemdecide o quê e como? Qual projeto deve serpriorizado? Quem financia o quê? Que empresaou consórcio fica com qual pedaço da carteira deprojetos? Qual obra deve receber financiamentopúblico? Que benefícios o setor privado vai ob-ter com determinada obra e após a sua conclu-são? Quem assume as mitigações e compensaçõesdos impactos socioambientais? Esses são, entre ou-tros, assuntos rotineiros nesse meio.

A Rodovia Cuiabá-Santarém parece ser umexemplo desse estado de disputas. Na página ele-trônica do Ministério do Planejamento (MPO),a Rodovia Cuiabá-Santarém, localizada no EixoAmazonas, aparece como um dos chamados pro-jetos-âncora da IIRSA, classificação que conflitacom a lista da página oficial da IIRSA (atualiza-da em junho/2006), na qual esse projeto não temo mesmo status.

A história da articulação inter-governamentalpró-IIRSA teve início oficial em agosto de 2000,em Brasília, com a primeira reunião dos 12 pre-sidentes dos Estados nacionais da região. A se-gunda reunião ocorreu em julho de 2002, emGuayaquil (Equador), onde o tema tratado foiexclusivamente infra-estrutura, isto é, a“integração física das infra-estruturas da Améri-ca do Sul”. Na terceira reunião, realizada em de-zembro de 2004, em Cuzco (Peru), os presiden-tes aprovaram os 31 projetos de grande escalaconsiderados estratégicos (os projetos-âncora)para o período 2006-2010, com um valor inicialestimado de 6,4 bilhões de dólares americanos.Num esforço de formalização, pode-se dizer quea história da IIRSA está dividida em três momen-tos: o de fundação (2000-2002); o de planeja-mento (2003-2004); e o de implementação(2005-2010).

Além dos governos dos 12 países sul-america-nos, integrados na chamada Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), estão envolvidos di-retamente na IIRSA velhos e novos conhecidosdo setor financeiro, como o BancoInteramericano de Desenvolvimento (BID), aCorporação Andina de Fomento (CAF), o Fun-

Orçamento & Política Socioambiental: uma publicação do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria com a FundaçãoHeinrich Boll. Tiragem: 1,5 mil exemplares. INESC - End: SCS – Qd, 08, bl B-50 - sala 435 - Ed. Venâncio 2000 – CEP 70.333-970 Brasília/DF – Brasil – Tel: (61) 3212 0200 – Fax: (61) 3212 0216 – E-mail: [email protected] – Site: www.inesc.org.br. ConselhoDiretor: Armando Raggio, Caetano Araújo, Eva Faleiros, Guacira Cesar, Iliana Canoff, Jean Pierre, Jurema Werneck, Padre Virgílio Uchoa,Pastor Ervino Schmidt. Colegiado de Gestão: Atila Roque, Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores/as: Alessandra Cardoso,Caio Varela, Edélcio Vigna, Eliana Graça, Francisco Sadeck, Jair Barbosa Júnior, Luciana Costa, Márcio Pontual, Ricardo Verdum.Assistentes: Álvaro Gerin, Ana Paula Felipe, Lucídio Bicalho. Instituições que apóiam o Inesc: Action Aid, CCFD, Christian Aid, EED,Embaixada do Canadá - Fundo Canadá , Fastenopfer, Fundação Avina, Fundação Ford, Fundação Heinrich Boll, KNH, NorwegianChurch Aid, Novib, Oxfam, Save the Children Fund e Wemos Fundation. Jornalista responsável: Luciana Costa (DRT 258/82)

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O Ministério dosTransportes é o único

cujas obras naAmazônia brasileiraincluídas na CarteiraIIRSA têm recursos

previstos na LeiOrçamentária Anual

(LOA) 2006

do Financeiro para o Desenvolvimento da Baciado Rio da Prata (Fonplata), o Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social (BNDES)e grandes empresas do porte da Odebrecht,Petrobrás, Andrade Gutiérrez e Queiroz Galvão,entre outras, para citar as mais conhecidas. 1

Um ator financeiro que até então vinha se man-tendo meio à parte no processo, o Banco Mundial(Bird), foi acionado formalmente pelo governo bra-sileiro. Segundo o minis-tro do Planejamento, Pau-lo Bernardo, por ocasiãoda 1ª Rodada de Consul-tas para a construção dachamada Visão Estratégi-ca Sul-Americana (Vesa),realizada em Foz doIguaçu (PR), em dezem-bro de 2005, o presiden-te Lula teria conversadocom o presidente do Bird, Paul Wolfowitz, sobre os31 projetos prioritários da IIRSA e a importância deo Banco ajudar no seu financiamento.

É motivo de preocupação a exposição feitapelo coordenador nacional da IIRSA no Brasil,Ariel Cecílio Garces Pares, durante a 1ª Roda-da de Consultas para a Construção da Visão Es-tratégica Sul-Americana (Vesa) no Brasil(Manaus, junho de 2006). Segundo Ariel Pa-res, a IIRSA não é simplesmente uma listagemde obras. Antes, é “um conjunto de obras base-ado num planejamento cuja sua ambição... é umprojeto de desenvolvimento”. Qual seria esse“projeto de desenvolvimento” é algo que não ficaclaro. Em alguns momentos da sua fala, ilustra-da com gráficos, tabelas e mapas, pareciamemergir imagens que espelhavam visões dos anos1970, quando se argumentava que havia naAmazônia um “enorme vazio” de ocupação hu-mana e que era necessário “integrar para nãoentregar”. Agora, se fala na “rarefeita estruturaurbana dessa região”, em “vazios” a serem

“urbanizados” e conectados aos “bens de servi-ços necessários à melhoria da qualidade de vida”e a uma “rede de cidades mínimas que dê capa-cidade e acesso seja a escolas, a universidades, aemprego e a renda de valor mais elevado”.

O impacto da IIRSA no orçamento público fe-deral brasileiro é visível no chamado setor infra-es-trutura. O estudo apresentado a seguir buscamapear, na Lei Orçamentária Anual (LOA) de2006, o lugar ocupado pelos projetos IIRSA pre-vistos na Amazônia brasileira.

O orçamento da infra-estruturaNo orçamento federal, fazem parte do setor

infra-estrutura os Ministérios de Minas e Ener-gia, dos Transportes, e das Comunicações, comum orçamento autorizado pelo Congresso Naci-onal, em 2006, de R$ 17,79 bilhões, sendo R$8,29 bilhões para atividades-fim. Do total de R$17,79 bilhões, 52,14% estão nas mãos do Mi-nistério dos Transportes, cabendo ao Departa-mento Nacional de Infra-estrutura de Transpor-tes (DNIT) 38,05% do valor total destinado aosetor infra-estrutura. O Ministério dos Transpor-tes é o único cujas obras na Amazônia brasileiraincluídas na Carteira IIRSA têm recursos previs-tos na LOA 2006. Os projetos com recursos au-torizados são os seguintes:· Adequação da Rodovia BR-156 (Trecho

Oiapoque-Macapá);· Ponte binacional sobre o Rio Oiapoque (AP);· Ponte sobre o Rio Itacutu, na fronteira Bra-sil-Guyana (RR);· Rodovia Bonfim-Normandia (RR);· Rodovia Cuiabá-Santarém (MT e PA)

Para a execução dessas cinco obras, o Congres-so Nacional autorizou, na LOA 2006, um orça-mento total de R$ 108,55 milhões, conforme severifica na tabela 1. Até 8 de agosto, estavam em-penhados R$ 16,55 milhões e nem um centavotinha sido liquidado.

1 Desde 2001, o Instituto para la Integración de América Latina y el Caribe (Intal), ligado ao Departamento de Integración y Programas Regionales do BID,localizado em Buenos Aires, é sede da Secretaria do Comitê de Coordenação Técnica (CCT) da IIRSA. Esse Comitê é formado pelo BID, a CAF e o Fonplata,que são também as instituições financeiras promotoras da Alca. Ver a lista completa dos “projetos-âncora“ no endereço: www.iirsa.org.

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A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural eBiocombustíveis (ANP) é a unidade administrativa como segundo maior montante de recursos autorizadopara o setor infra-estrutura, com um total de R$ 2,52bilhões, dos quais somente 2,88% foram liquidadosaté 8 de agosto de 2006. Em seguida, está a AgênciaNacional de Telecomunicações (Anatel), com um or-çamento autorizado de R$ 2,25 bilhões e umpercentual de 7,58% liquidado.

Pela Amazônia passam três eixos de integração edesenvolvimento regional: o Eixo do Amazonas, oEixo do Escudo Guayanés e o Eixo Peru-Brasil-Bo-lívia. De uma listagem obtida junto ao Ministériodo Planejamento (MPO), na qual estão elencados63 projetos brasileiros que integram a Carteira deProjetos IIRSA-Brasil, identificamos 25 na regiãoAmazônica, sendo 14 binacionais.

Além das obras já mencionadas, fazem parte da lis-ta IIRSA - Amazônia brasileira disponibilizada peloMPO as seguintes obras: o Complexo Hidrelétrico doRio Madeira (incluindo eclusas para navegação); aslinhas de transmissão entre as duas hidrelétricas (UHE)do Rio Madeira e o Sistema Central; os Portos emSantarém e Itaituba (incluindo obras de dragagem);os investimentos industriais em Boa Vista, Roraima(planta de celulose; plantas de processamento de soja;café instantâneo e embalagem de carne); a expansãoda atual linha de transmissão de Guri (Venezuela) -

Boa Vista (Brasil) até Manaus; o Programa de ManejoAmbiental e Territorial da Rodovia Cuiabá-Santarém;entre outros (ver tabela 2, p 5).

No caso das obras da IIRSA – Amazônia brasi-leira, é importante estar atento ao fato de que nãoestão envolvidos somente os três ministérios já cita-dos. Na BR-163, por exemplo, também há recur-sos financeiros oriundos dos Ministérios do MeioAmbiente; do Desenvolvimento Agrário; do Desen-volvimento Social; e da Justiça, esta última por in-termédio da Fundação Nacional do Índio.

A IIRSA também envolve outras instituições,como por exemplo, a Comissão Econômica para aAmérica Latina e o Caribe (Cepal), o Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) ea Organização do Tratado da Cooperação Amazôni-ca (OTCA). No caso da OTCA, em 14 de setembrode 2004, na VIII Reunião de Ministros das Rela-ções Exteriores dos Estados-membros da OTCA, asdelegações dos países decidiram adotar o plano es-tratégico da Organização para 2004-2012. Faz par-te dessa estratégia o Eixo “Integração eCompetitividade Regional”, que define:

“uma das prioridades de nossos governos é construiras bases para o desenvolvimento sustentável que, emlongo prazo, gere bem-estar social e aumente a par-ticipação dos países da região na economia mun-

abela 1T

Projetos da IIRSA na LOA 2006

``

Fontes: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Siga Brasil (Senado Federal).(*) Projetos Binacionais

No.

1

2

6

7

8

Setor

T-Rod

T-Rod

T-Rod

T-Rod

T-Rod

Nome do Projeto

Adequação da Rodovia BR-156/AP: trecho

Oiapoque - Macapá

Interconexão Viária Pucallpa –

Cruzeiro do Sul (*)

Ponte sobre o Rio Itacutu na fronteira

Brasil - Guyana (*)

Rodovia Bonfim - Normandia (Boa Vista -

Bonfim - Lethem - Linden - Georgetown

road) (*)

Rodovia Cuiabá - Santarém

Fonte ou

Financiador

FISCAL

FISCAL

FISCAL

FISCAL

Observações

- Construção de Trecho Rodoviário -

Ferreira Gomes - Oiapoque (Fronteira

com a Guiana Francesa) - na BR-156 - no

Estado do Amapá

- Construção de Trechos Rodoviários na

BR-401 No Estado de Roraima

- Construção de Trechos Rodoviários na

BR-163 No Estado do Pará

- Construção de Trechos Rodoviários na

BR-163 No Estado do Mato Grosso

Autorizado

42.500.000

11.300.000

6.000.000

4.200.000

44.550.000

-

Liquidado

08/Ago

0

0

0

0

0

-

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5setembro de 2006

abela 2T

Carteira de projetos da IIRSANo.

3

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Setor

T-Rod

T-Rod

T-Rod

T-HDV

T-HDV

T-HDV

T-HDV

T-POR

T-POR

E-GER

E-GER

E-LTR

E-LTR

E-LTR

C-LCM

passo

passo

passo

Multis-

setorial

Investi-

mentos

Privados

Nome do Projeto

Pavimentação Porto Limão-San Matías (*)

Ponte binacional sobre o Rio Oiapoque (*)

Ponte sobre o Rio Acre (*)

Hidrovia dos Rios Branco e Negro interligando Manaus a

Boa Vista

Navegação do Rio Iça (*)

Navegação no sistema Solimões - Amazonas e aspectos

ambientais e sociais nas bacias altas dos rios amazônicos

Navegacão do Rio Madeira entre Porto Velho e

Guayaramerin ( Bolivia).

Melhorias no Porto de Santana - Macapá

Portos em Santarém e Itaituba

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira incluindo eclusas

para navegação

Hidrelétrica Binacional Bolívia - Brasil (*)

Expansão da atual linha de transmissão de Guri - Boa Vista a

Manaus (baseada em duas alternativas possíveis: Planta Termo-

elétrica à gás na Venezuela ou Planta hidrelétrica no Río Caroní (*)

Interconexão Energética Pucallpa – Cruzeiro do Sul (*)

Linhas de transmissão entre as hidrelétricas do Rio

Madeira e o Sistema Central

Línhas de fibra óptica que interconectem Caracas

(Venezuela) ao Norte do Brasil através das linhas de

transmissão existentes (Boa Vista) ou propostas (Manaus) (*)

Passagem de Fronteira Brasilea - Cobija (*)

Passagem de fronteira e construção do CEBAF (Centro

Binacional de Atendimento Fronteriço) (*)

Passagem de Fronteira San Matias-Porto Limão (Cuiabá) (*)

Programa de manejo ambiental e territorial (Rodovia

Cuiabá - Santarém)

Investimentos industriais em Boa Vista: planta de celulose;

plantas de procesamento de soja; café instantáneo; e

embalagem de carne

Fonte ou

Financiador

FISCAL

FISCAL

FISCAL

FISCAL

FISCAL

FISCAL

Investimento

das estatais

Observações

- Construção de Pontes na BR-156 no Estado do Amapá

Sobre o Rio Oiapoque - Binacional - AP

- Construção de Ponte na BR-317 no Estado do Acre

Sobre o Rio do Acre (fronteira Brasil/Peru) - AC

- Melhoramento das condições de navegabilidade no Rio

Amazonas

- Melhoramento das condições de navegabilidade da

Hidrovia do Rio Madeira

- Dragagem de Aprofundamento no Canal de Acesso do

Porto de Santarém.“- Recuperação do Píer nº 1 do Porto

de Santarém

- Implantação do Sistema de Segurança Portuária (ISPS -

Code) no Porto de Santarém.“- Recuperação das Estacas e

Defensas Metálicas do Píer n° 1 do Porto de Santarém (PA)

- Implantação da Usina Hidrelétrica Jirau com 3.900

MW; Implantação da Usina Hidrelétrica Santo Antônio

com 3.580 MW (RO).

Interligação do Sistema Elétrico Boa Vista-Manaus.

Fontes: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Siga Brasil (Senado Federal).(*) Projetos Binacionais

dial. Por isso, a Iniciativa para a Integração daInfra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA)considera a Amazônia de suma importância nodesenvolvimento dos processos de integração física,das comunicações e da energia, que permitirãoaproximar os mercados intra-amazônicos.”.

Em 25 de julho de 2005, a OTCA e o BancoInteramericano de Desenvolvimento (BID) assi-naram um convênio de assistência técnica para aexecução do chamado Projeto de Fortalecimentoda Gestão Regional Conjunta para Aproveita-mento Sustentável da Biodiversidade Amazônica,

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o qual viabilizou o lançamento, em julho de 2006,de um edital visando à realização de estudos sobreos riscos para a biodiversidade decorrentes da cons-trução de infra-estrutura na Amazônia.

Imunizar-se contra os clichês socioambientalis-tas incorporados ao discurso e às estratégias danova fantasia organizada chamada IIRSA é fun-damental. Sem isso, dificilmente se conseguiráconstruir as bases para uma estratégia minima-

A Iniciativa para Integração da Infra-EstruturaRegional Sul-Americana (IIRSA) é apresentadacomo uma tentativa de 12 países do continente -Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolí-via, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guianae Suriname2 - de constituir um “sistema integradode logística” nessa parte do continente americano,a fim de tornar a economia da região mais com-petitiva no cenário internacional e, por conseguin-te, capaz de atrair quantidade crescente de inves-timentos privados, principalmente os externos.

A IIRSA, portanto, é compreendida pelos seuspromotores – governos nacionais; instituições fi-nanceiras multilaterais3; o Banco Nacional de De-senvolvimento Econômico e Social (BNDES) e osetor privado – como o instrumento adequado paragarantir a inserção competitiva dos países sul-ame-ricanos no processo de globalização capitalista,bem como a etapa necessária para a conformaçãoda Comunidade Sul-Americana das Nações (Casa).

Esse “sistema integrado de logística” consiste naconcentração de investimentos em determinadaspartes do território sul-americano para articularos sistemas de telecomunicações, energia e detransportes visando diminuir os custos de produ-ção internos e a distância com os principais mer-cados consumidores do exterior. Ou seja, o plane-

mente eficiente de resistência contra o complexoprocesso de exploração e expropriação capitalis-ta em curso na região.

A história e a configuração atual da IIRSA serãotratadas com maior profundidade, a seguir, pelo pes-quisador da área de Planejamento do Desenvolvimen-to, Guilherme Carvalho, que inclusive aborda a ques-tão do papel de redes, fóruns, movimentos e organi-zações da chamada sociedade civil nesse contexto.

Incorporação compulsória de territóriosjamento e a instalação dos projetos passaram a sercompreendidos como uma mesma unidade, visan-do à maximização da eficiência desses sistemas, soba ótica do grande capital.

Contudo, longe de promover a integração re-gional, a IIRSA e os Eixos Nacionais deIntegração e Desenvolvimento (Enid)implementados no Brasil tendem a promover aintegração compulsória de determinadas parce-las dos territórios nacionais à dinâmica daglobalização capitalista, aprofundando, dessa for-ma, a fragmentação espacial entre os países sul-americanos e no interior de cada um deles.

IIRSA: histórico e evoluçãoA IIRSA foi formalmente constituída durante

a reunião de presidentes de países sul-americanosocorrida em Brasília, em agosto de 2000, ocasiãoem que o Banco Interamericano de Desenvolvi-mento (BID), a pedido do governo brasileiro,apresentou os resultados de um estudo com baseno documento “Plano de Ação para a Integraçãoda Infra-estrutura Sul-americana”. Tal documen-to não se resumia à apresentação de uma lista deprojetos considerados relevantes para materializara integração física da América do Sul. Era bemmais que isso, pois o elemento de relevância do

2 A Guiana Francesa é um Departamento Ultramarino Francês e não integra formalmente a IIRSA.3 O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata).

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7setembro de 2006

A infra-estrutura queserá disponibilizada

tem como uma desuas funções garantiro acesso e o controledos recursos naturaissul-americanos, a fim

de que estes sejamincorporados ao fluxoglobal de mercadorias

mesmo consistia na apresentação de um conjuntode pressupostos considerados essenciais para tor-nar competitivas as economias dos 12 países sul-americanos na era da globalização capitalista, ar-gumentos que foram mais bem definidos posteri-ormente.

Antes do Plano de Ação, muitos outros docu-mentos já haviam abordado a integração física sul-americana. Nesse sentido, a inovação trazida pelomesmo residiu no fato deter apresentado sugestõesconcretas para a constru-ção do arcabouço políti-co e institucional conside-rado necessário àintegração econômica daAmérica do Sul. A for-mação posterior de dife-rentes comitês executivose grupos de trabalho; adefinição dos papéis dosbancos multilaterais e do organograma de gestãoda IIRSA; entre outros, são desdobramentos do es-tudo apresentado pelo BID.

Para os formuladores da IIRSA, a América do Sulpossui um grande problema a ser resolvido: é umaporção do continente americano destituída de cone-xões estáveis internamente. A idéia básica é a de queo território sul-americano é constituído por um con-junto de “ilhas” difíceis de serem articuladas, e “alta-mente fragmentado por diversas barreiras naturais”,daí ser necessária a construção de “pontes” que inter-liguem esse território em todas as direções4.

Regiões como o Pantanal, a Cordilheira dos Andese a Floresta Amazônica são consideradas problemáti-cas para a integração física sul-americana. Não obstante,tais “problemas” são encarados como técnicos, postoque, segundo Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES,a “Cordilheira dos Andes é certamente uma beleza,mas é um terrível problema de engenharia”; passível,porém, de ser superado através dos empreendimentosprevistos na carteira de projetos da IIRSA5.

Uma das críticas presentes nos documentos daIIRSA é a de que a infra-estrutura existente na re-gião foi implementada de forma fragmentada pelosgovernos dos países sul-americanos. Segundo os pro-motores da IIRSA, isso ocorreu porque faltou a essesgovernos uma visão mais abrangente da América doSul, que a compreendesse enquanto uma unidadegeoeconômica e não como países apartados entre si.É justamente essa lacuna que a IIRSA se propõe asuperar. Juntamente com os Eixos de Integração eDesenvolvimento, a IIRSA corresponde a um novoordenamento territorial da América do Sul. Nesseponto, reside uma contradição que precisa ser en-frentada pelo conjunto dos movimentos sociais e dasorganizações não-governamentais (ONGs) empenha-dos na construção de um outro modelo de desenvol-vimento para a América do Sul.

Integracão de mercadosDiferentemente do que afirmam os promotores da

IIRSA, esta não demonstra possuir uma visão realmen-te integral da América do Sul. Por sua vez, os Eixos deIntegração e Desenvolvimento também buscam pro-mover tão somente a integração de mercados, ou me-lhor, das frações dos territórios de cada país que real-mente interessam à reprodução em grande escala docapital. A infra-estrutura que será disponibilizada temcomo uma de suas funções garantir o acesso e o contro-le dos recursos naturais sul-americanos, a fim de queestes sejam incorporados ao fluxo global de mercadori-as impulsionado pela globalização capitalista, justamen-te porque vivemos em um período histórico de grandevalorização da natureza pelo mercado; daí a importân-cia estratégica da América do Sul por conta de seus re-cursos naturais.

Portanto, se a integração que se busca através daIIRSA é a de mercados, através da incorporação defrações de territórios que interessam ao grande capi-tal, é possível falar de uma visão geoeconômica am-pliada da América do Sul, ou seja, que a IIRSA écapaz de abarcar os diferentes países na sua totalida-de, valorizando suas especificidades e indicando al-

4 IIRSA. Ferramenta de Trabalho para o desenho de uma Visão Estratégica da Integração Física Sul-americana. Documento apresentado para a IV Reunião do Comitêde Direção Executiva (CDE) da IIRSA, realizada em Caracas, República Bolivariana da Venezuela, em julho de 2003.

5 BNDES. Discurso proferido por Carlos Lessa durante o Seminário de Prospecção de Projetos realizado em conjunto com a Corporação Andina de Fomento(CAF). No Rio de Janeiro, de 6 a 8 de junho de 2003. Disponível em http://www.bndes.gov.br

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As transformaçõesdecorrentes desse

processo aceleradosobre a natureza

são bastanteevidentes, com a

destruição de vastasáreas da América

do Sul para darlugar a atividades

econômicas

ternativas de acordo com as mesmas? Ao que parece,a visão geoeconômica está associada tão somente àidentificação de oportunidades de negócios. E aalocação de infra-estrutura também está em funçãoda contração espaço-tempo em benefício do capital,fundamentalmente para aumentar a velocidade dacirculação de mercadorias e diminuir o tempo paradeslocá-las entre os diferentes mercados.

Para Milton Santos6, esse tipo de contração, queatende a todos de modouniversal, é um mito, pos-to que a “velocidade ape-nas está ao alcance de umnúmero limitado de pesso-as” – de poucas empresase instituições, acrescenta-mos. E são elas as princi-pais beneficiárias dos “pro-dígios da velocidade” deque fala Santos, fundamen-tais para se manteremcompetitivas num merca-do cada vez mais acirrado. Essa questão é relevante,pois se constitui num dos focos centrais da estraté-gia de desenvolvimento adotada na América do Sule no Brasil, baseada na execução dos eixos deintegração e dos corredores de exportação.

A velocidade pode ser associada ainda à voraci-dade com que o grande capital se lança para defi-nir o uso do território, a fim de poder controlar omáximo de recursos disponíveis para a sua repro-dução. As transformações decorrentes desse proces-so acelerado sobre a natureza – não mais uma “na-tureza natural” no processo histórico, mas uma “na-tureza valorada” pelo capital, como ressaltou Mil-ton Santos7 – são bastante evidentes, com a destrui-ção de vastas áreas da América do Sul para dar lu-gar a atividades econômicas cujos produtos têmgrande aceitação no mercado internacional, comosoja, minério e madeira, entre outros. Esse avançotem provocado o surgimento de inúmeros conflitosenvolvendo vários sujeitos sociais que disputam o

controle do território e de seus recursos, como tam-bém do próprio sentido do modelo de desenvolvi-mento que se almeja – do local ao global.

Por outro lado, não podemos negligenciar o fatode que a implementação dos projetos de infra-es-trutura previstos no portfólio da IIRSA não é sufici-ente para que os objetivos a que a mesma se propõesejam alcançados. Isso já foi reconhecido até mes-mo antes da formalização da IIRSA, como no estu-do desenvolvido por Eliezer Batista8. O que isto sig-nifica? Significa que a maximização da eficiência dossistemas de transporte, energia e de telecomunica-ções depende da realização das reformas estrutu-rais de cunho neoliberal, que garantam a diminui-ção dos custos de produção para os capitalistas ereduzam a interferência do Estado na economia.

Na prática, isso corresponde à diminuição e/ousupressão de direitos trabalhistas; a focalização daspolíticas sociais; a privatização; a abertura das eco-nomias à competição externa e a ampliação da par-ticipação da iniciativa privada – uma das formas éatravés da Parceria Público-Privada –; entre outrasiniciativas. Contudo, as recentes decisões do gover-no boliviano de Evo Morales, por exemplo, demons-tram que a globalização capitalista não é uma reali-dade inexorável. Ainda há espaços para a constru-ção de projetos nacionais soberanos que se chocamcom os pressupostos neoliberais. Os limites impos-tos pela globalização não significaram a morte dosEstados nacionais.

Os eixos de integraçãoA implementação dos Eixos Nacionais de

Integração e Desenvolvimento (Enid), no Brasil, éoutra tentativa de construção de um projeto nacio-nal; porém, neste caso, sem o mesmo grau de rompi-mento com os pressupostos neoliberais, como o pa-trocinado pela Bolívia. Sinteticamente, podemos di-zer que os Enid cumprem três objetivos estratégicosfundamentais para o Brasil. O primeiro é o de cons-truir um sistema integrado de logística que garanta acompetitividade dos produtos brasileiros no merca-

6 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 427 SANTOS, Milton. Território e Sociedade: entrevista com Milton Santos. Editora Fundação Perseu Abramo, 20008 SILVA, Eliezer Batista da. Infra-estrutura para o Desenvolvimento Sustentado e a Integração da América do Sul. Editora Expressão e Cultura, 1997

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Enid e IIRSA sãoiniciativas que se

completam e seretroalimentam, poiscompartilham muitos

dos pressupostosque orientam a

estratégia deintegraçãoeconômica

do internacional, através da diminuição dos custosda produção e do tempo necessário para que as mer-cadorias exportadas cheguem aos principais merca-dos do planeta. O segundo é o de incorporar novasáreas do país à dinâmica do comércio global – nessecaso, a Amazônia é um dos principais alvos dessa po-lítica. O terceiro é o de criar as condições para a con-solidação da hegemonia política e econômica do Bra-sil na América do Sul.

Cada um dos eixosbrasileiros possui uma oumais extensões internaci-onais. Daí por que o nos-so país está completa-mente empenhado emviabilizar os financiamen-tos necessários para a exe-cução dos empreendi-mentos nos países vizi-nhos que interessam aoBrasil. Talvez o significa-do mais preciso para os Enid seja: Eixos Nacionais e“Internacionais” de Integração e Desenvolvimen-to. E essa perspectiva deve ser levada em considera-ção nas análises acerca de projetos como osasfaltamentos da BR-156, no Amapá, e da BR 163(Cuiabá-Santarém); ou a execução do ComplexoRio Madeira, em Rondônia.

Enid e IIRSA: os riscosEnid e IIRSA são iniciativas que se completam e

se retroalimentam, pois compartilham muitos dospressupostos que orientam a estratégia de integraçãoeconômica. Não podemos esquecer que o estudoapresentado pelo BID em 2000 foi feito a pedidodo governo brasileiro. Por outro lado, os estudosdesenvolvidos por Eliezer Batista da Silva durantesua passagem pela Secretaria de Assuntos Estratégi-cos da Presidência da República (SAE-PR), duran-te o Governo Collor, e ao longo dos anos 1990,foram fundamentais para estabelecer os eixos deintegração como o elemento central da estratégiabrasileira para o próprio desenvolvimento do país,

materializada no Plano Plurianual (PPA) 1996-1999, o Avança Brasil, como também contribuí-ram à conformação da IIRSA.

Tanto os Enid como a IIRSA partem do pressu-posto de que a concentração de investimentos emdeterminadas frações do território é capaz de gerar“ondas de desenvolvimento”, atingindo, dessa for-ma, as demais áreas. Uma versão atualizada dos “pó-los de desenvolvimento” dos anos 1970 e dos “cor-redores de exportação” dos anos 1980. Contudo,ao que parece, a tendência dos Enid e da IIRSA écontribuir para aumentar a fragmentação espacialdo Brasil e da América do Sul, em vez depotencializar uma maior coerência espacial do de-senvolvimento, negligenciando, assim, asespecificidades intra e inter-regionais.

A diretriz do desenvolvimento baseada nos eixosde integração tende a formular respostas genéricas aregiões distintas histórica, econômica e culturalmen-te, sem que a elas sejam destinadas políticas adequa-das às suas especificidades e potencialidades. Dessaforma, os eixos tendem a reproduzir respostas essen-cialmente homogeneizadoras para o desenvolvimen-to das diferentes regiões do país. Isso pode ser facil-mente constatado em diferentes dimensões das polí-ticas governamentais: a ) na definição das atividadesprodutivas que devem ser incentivadas através daabertura de linhas de financiamento, de crédito e deoutros tipos de apoio oficial; b) na composição doportfólio de projetos para serem executados, e; c) natentativa de enquadrar estados e municípios aos ajus-tes estruturais em andamento9, por exemplo.

Novo ordenamento territorialDa mesma forma que a IIRSA para a América

do Sul, os Enid representam um novo ordenamentoterritorial do país; ordenamento este que tem comodiretriz a inserção econômica brasileira no merca-do internacional. Em decorrência disso, as ativida-des produtivas valorizadas são aquelas cujas merca-dorias têm grande aceitação no exterior, e a logísticaque está sendo implantada no país – na Amazônia,em particular – busca superar os “constrangimen-

9 Um exemplo desse tipo de orientação política é o Programa Nacional de Apoio à Gestão Administrativa e Fiscal dos Municípios Brasileiros, financiado pelo BIDe executado sob a coordenação do Ministério da Fazenda.

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10 setembro de 2006

A luta pelo acesso econtrole dos

recursos naturais daAmazônia tende ase tornar cada vez

mais acirrada

tos” ao comércio de bens e de serviços, estando,portanto, em sintonia com os debates no interiorda Organização Mundial do Comércio (OMC).

A IIRSA na Amazônia brasileiraEm pesquisa concluída recentemente sobre a

execução de grandes projetos de infra-estrutu-ra no estado do Amapá, em particular no muni-cípio do Oiapoque, localizado na fronteira doBrasil com a GuianaFrancesa, busquei anali-sar os impactos, naquelemunicípio, do asfalta-mento da BR-156, bemcomo da construção daponte internacional so-bre o rio Oiapoque, quepromoverá a interligação viária entre o Brasil ea Guiana Francesa.

O primeiro fato que chamou a atenção du-rante a pesquisa foi constatar que a IIRSA é umailustre desconhecida não somente das lideran-ças comunitárias locais, mas de empresários, dedirigentes de órgãos federais, de membros doJudiciário e de parlamentares, entre outros. To-das as pessoas entrevistadas afirmaram jamais terrecebido qualquer informação sobre a IIRSA,apesar de o Amapá localizar-se numa região es-tratégica para viabilizar a integração do extre-mo norte da América do Sul.

Outro fato que merece ser ressaltado é a veloci-dade com que os conflitos se disseminam no esta-do. A expansão do agronegócio - da monoculturada soja; do pinho e do eucalipto, em especial –,das atividades siderúrgicas e da exploração da ma-deira repercutem intensamente na vida das comu-nidades locais e aumentam a pressão sobre osecossistemas do Amapá, além de promover agrilagem de terras públicas. Tal ação criminosaenvolve juízes, parlamentares, inclusive o presiden-te da Assembléia Legislativa (AL), membros doExecutivo estadual, empresas multinacionais e la-tifundiários amapaenses e de outras regiões do país.As irregularidades foram comprovadas pelas Co-

missões Parlamentares de Inquérito da AL e doCongresso Nacional, que trataram do problemada grilagem de terras na Amazônia.

A disputa pelos recursos da AmazôniaA luta pelo acesso e controle dos recursos natu-

rais da Amazônia tende a se tornar cada vez maisacirrada. Hoje, esse tipo de conflito está dissemina-do na região. A clássica visão da expansão da fron-teira do sul para o norte e do leste para o oeste jánão consegue explicar a natureza e a dinâmica dasdisputas no norte brasileiro, posto que a tendênciaatual é de conflitos disseminados por todo o territó-rio amazônico, abarcando áreas não necessariamentecontíguas, e envolvendo sujeitos e instituições dedistintos países. A compreensão do que está ocor-rendo na Amazônia se tornou mais complexa.

O asfaltamento da BR-156 e a construção daponte sobre o rio Oiapoque10 integram o portfóliode investimento dos Eixos Nacionais de Integraçãoe Desenvolvimento (Enid) e não estão entre os pro-jetos definidos como prioritários pela IIRSA paraserem executados até 2010. Ocorre que, para oBrasil, a execução desses empreendimentos funda-menta-se justamente na capacidade dos mesmos deimpulsionar a integração sul-americana. Esse tam-bém é o caso da BR-364, particularmente o trechoAcre, Rondônia e Mato Grosso.

Em relação à construção de novas hidrelétricas naAmazônia, estas têm a função de gerar energia prin-cipalmente para os centros econômicos mais dinâ-micos; viabilizar a expansão das hidrovias e de ativi-dades produtoras de mercadorias com grande acei-tação no exterior – a soja, por exemplo -; bem comoabastecer as plantas industriais que necessitam degrande quantidade de energia, como a empresa dealumínio ALBRAS-Alunorte, de Barcarena (PA).

A Amazônia brasileira integra três eixos previs-tos pela IIRSA: o do Amazonas (Amazonas, Pará eAmapá), o do Escudo Guianês (Roraima e Amapá)e o do Peru-Brasil-Bolívia (Acre, Rondônia, Ama-zonas e Mato Grosso). Por outro lado, os estadosamazônicos também integram os Enid. O Pará e oAmazonas, por exemplo, têm os seus territórios di-

10 A construção da ponte é fruto do acordo bilateral entre o Brasil e a França.

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A Amazônia estásendo incorporada

compulsoriamente àestratégia de

integraçãopatrocinada pela

IIRSA e pelos Enid

vididos por dois ou mais Eixos Nacionais deIntegração e Desenvolvimento. Contudo, as deci-sões sobre esse novo ordenamento territorial, bemcomo sobre os projetos de infra-estrutura destina-dos à região, não são discutidas com os governosestaduais e municipais, muito menos com os movi-mentos sociais, as organizações não-governamentaise as instituições de ensino e pesquisa amazônicas,entre outras.

Dessa forma, como ficao planejamento regionaldiante dessa realidade? OsPlanos Plurianuais de esta-dos e municípios se torna-ram definitivamente peçasde ficção com a implemen-tação da IIRSA e dos Enid?Essas são algumas questõesque carecem de maior atenção por parte de governose das sociedades civis brasileira e regional. Não há comopropor um outro modelo de desenvolvimento para opaís e para a Amazônia sem enfrentar questões dessetipo.

A Amazônia está sendo incorporada compulsoria-mente à estratégia de integração patrocinada pelaIIRSA e pelos Enid. Partes de seu território que ver-dadeiramente interessam ao grande capital estão sen-do alvos de investimentos que buscam inseri-las nadinâmica da globalização capitalista. Esse quadro seagrava ainda mais por conta da não implementaçãode uma política nacional de desenvolvimento regio-nal que promova um tipo de desenvolvimento capazde garantir a justiça ambiental e o fortalecimento dasinstituições democráticas, e que valorize asespecificidades locais – sejam elas econômicas ou mes-mo culturais – e não as soluções homogeneizadoras,como a expansão da monocultura.

O papel da sociedade civil organizadaA criação e/ou consolidação de redes e fóruns

integrados por movimentos sociais, grupos pasto-rais, organizações não-governamentais e academiatêm avançado bastante na Amazônia nos últimosanos, e isto é um fato da maior relevância. Contu-do, é necessário aprofundar ainda mais a articula-

ção entre as organizações e pessoas que questio-nam os fundamentos da incorporação compulsó-ria a que está sendo submetida a região para ga-rantir o atendimento dos interesses do grande ca-pital. Enquanto lutarmos de forma fragmentada,menor será a nossa capacidade de enfrentar a es-sência dos problemas provocados pela IIRSA epelos Enid na região. Por outro lado, precisamosconstruir uma plataforma unificada de lutas quepossa expressar os interesses gerais do campo de-mocrático e popular amazônico.

Outra questão relevante é tornar o debate sobrea Amazônia um tema verdadeiramente nacional. Issosignifica, por exemplo, tornar os ministérios da Fa-zenda e do Planejamento alvos de intervenção soci-al e pressão política, pois não se pode restringir asnegociações tão somente aos ministérios do MeioAmbiente e da Integração Nacional. Além disso, épreciso somar esforços para unificar campanhas,desenvolver atividades conjuntas (seminários, ma-nifestações e outras atividades), como está tentandofazer o movimento social de Rondônia em torno daluta contra o Complexo Rio Madeira.

A aproximação com a academia também é mui-to importante nesse processo de mobilização social,pois seus membros podem ajudar a qualificar a pau-ta de luta e a desenvover programas de capacitaçãode lideranças, entre outras iniciativas.

Por fim, a articulação internacional continua aser uma ação importante para fortalecer as ações deresistência e de promoção de alternativas de desen-volvimento para a região. Nesse sentido, é precisoretomar com toda a energia o Fórum Social Pan-Amazônico como espaço de construção de laços desolidariedade dos movimentos sociais e das forçasdemocráticas dessa parte do continente sul-ameri-cano, a fim de mostrar que a integração que quere-mos não é esta que está em andamento com a IIRSA,pois acreditamos que um outro mundo é possível.

Guilherme CarvalhoMestre em Planejamento do Desenvolvimento (NAEA/UFPA)

e técnico da FASE Amazônia – Núcleo Cidadania

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12 setembro de 2006

Um chamado ao controle socialUm aspecto que merece destaque é a criação da chama-

da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), consti-tuída na terceira Reunião de Presidentes (Cuzco, dezem-bro de 2004), encontro no qual foram definidos os 31projetos prioritários da IIRSA e estabelecida a prioridadepara o aprofundamento da convergência entre o Mercosul,a Comunidade Andina (CAN) e o Chile, visando à cons-trução de uma “zona de livre comércio regional”. Na oca-sião, a IIRSA e os 31 projetos foram confirmados comoparte da estratégia da Comunidade Sul-Americana de Na-ções de integração política e econômica em âmbito regio-nal. Uma integração assentada sobre um conjunto de obrasde infra-estrutura nas áreas de transporte, energia e comu-nicações – a chamada “integração física”.

A incorporação da IIRSA como parte da estraté-gia de construção de “um espaço sul-americano inte-grado” ficou mais evidente em 30 de setembro de2005, na I Reunião de Chefes de Estado da Comu-nidade, quando os 12 presidentes da América do Sulse comprometeram a buscar fontes de financiamen-to que, segundo o documento oficial, levassem emconta a realidade financeira de seus países, preservas-sem a capacidade e a autonomia decisória dos Esta-dos, e estimulassem a realização de investimentos ne-cessários para a implementação dos projetosprioritários reunidos na Carteira IIRSA.

Também reafirmaram a importância da integraçãoenergética da América do Sul e ratificaram os resultados daI Reunião de Ministros de Energia da Casa, realizada emCaracas, em 26 de setembro de 2005, na qual se decidiudar prosseguimento à Iniciativa Petroamérica, com basenos princípios contidos na Declaração da Reunião. 11

A transparência e o efetivo controle social sobre aIIRSA é uma dimensão pouco clara nas formulações ena prática que vem sendo implementada pelos gover-nos e agentes financeiros envolvidos. Quando muito,fala-se de forma genérica de consultas setoriais envol-vendo a sociedade civil. O acesso aos espaços de decisãoe às informações orçamentárias está distante de uma si-tuação de transparência efetiva.

No Brasil, ainda não foi instituída uma verdadeirainstância de participação e controle social. Essa situação é

agravada pelo fato do setor “tecno-desenvolvimentistalinha dura” continuar comandando o processo deintegração, mesmo tendo se passado mais de três anos emeio de Governo Lula.

Ainda vigora o Decreto s/no de 17 de setembro de2001, que criou a Comissão formada pelos Ministériosdo Planejamento, como coordenador, de Relações Exte-riores, dos Transportes, das Comunicações e das Minas eEnergias. Alguém poderia dizer que se trata de umpragmatismo administrativo. Talvez, quem sabe. O fatoé que os Ministérios do Meio Ambiente (MMA), De-senvolvimento Agrário e Justiça não fazem parte da Co-missão Interministerial que articula as ações do projetoIIRSA no Brasil. Essa ausência do MMA é ainda maisestranha, para não dizer absurda, se considerarmos as inú-meras referências encontradas em discursos e documen-tos oficiais da IIRSA - Brasil sobre o “respeito às condi-ções dos ecossistemas locais”, a preocupação com uma“sustentabilidade ampla” (econômica, social, ambiental epolítico-institucional) e a atenção aos povos e comuni-dades tradicionais.

Além dos fatos e questionamentos mencionados eda tendência centralizadora que tem predominado nocomando operacional e administrativo dessamegaestratégia e suas “consultas” no Brasil, é importan-te chamar a atenção de entidades e movimentossocioambientais parceiros para duas ações que podemcontribuir para a construção de um cenário de maiortransparência: (i) o fortalecimento da articulação socialfocada na institucionalização de instâncias de controlesocial sobre as políticas de infra-estrutura (como aIIRSA) nos âmbitos local, regional, nacional e interna-cional; (ii) uma maior atenção ao processo orçamentá-rio brasileiro, não somente aos orçamentos de 2006 e2007, mas também, e particularmente, ao novo PlanoPlurianual 2008/2011, que já está sendo preparado nosgabinetes ministeriais do governo.

Ricardo VerdumAssessor de Políticas Indígena e

Socioambiental do Inesc

11 O documento da I Reunião de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações está disponível na página da Flacso-Brasil: http://www.flacso.org.br/data/biblioteca/422.pdf, acessado em agosto de 2006


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