A questão do sujeito humano na perspectiva fenomenológica
Resenha
Alice Marques, 2009
BELLO, Ângela Ales. A questão do sujeito humano na perspectiva fenomenológica. Cap II. In: CARVALHO, Ana M. A. e MOREIRA, Lúcia Vaz de Campos (org). Família, intersubjetividade, vínculos. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 59-82.
Bello pretendeu apresentar nesse texto sua interpretação sobre as análises
realizadas por Edith Stein, relacionadas ao pensamento de Edmund Husserl.
Husserl e Stein
Para Husserl, segundo a autora, o ser humano é o “único ser vivente que tem
capacidade de refletir sobre si mesmo” (p. 65); ele é sujeito e objeto de investigação
simultaneamente, derivando daí um paradoxo científico-filosófico.
Essa correlação paradoxal – interioridade e exterioridade do sujeito – emerge
nas análises construídas na dissertação de Stein em 1917 – O problema da
empatia1 bem como em pesquisas sobre a relação entre fenomenologia e psicologia.
Todas as análises englobam a subjetividade humana comunicante com a
intersubjetividade incluindo-se nesta “a massa, a comunidade, a sociedade e, enfim,
o Estado - Uma pesquisa sobre o Estado (1925)”.
Bello explana não ser possível efetivar uma análise inicial progressiva do que
seja fenômeno da interioridade do ser humano. Recorre-se neste caso a “evidenciar
aspectos válidos, identificando estruturas, mas nunca esgotando o conhecimento”
(p. 67). Deriva daí ocupar-se “do eu, do eu puro, da consciência, da alma, da psique,
1 Empatia. “Vocábulo usado por eles (Husserl e Stein) para indicar de qual modo se estabelece a relação recíproca entre os seres humanos, que permite reconhecer da parte de cada um o outro como semelhante a si mesmo. Husserl identifica, entre nossos multíplices atos, ato intuitivo e imediato, definido, justamente, como ato empático” (Bello, 2007, cap. 3, p. 86)
1
do espírito”, mas não sem antes perguntar “como organizar estas noções, a que
coisa elas correspondem?” (p. 68).
As análises de Bello sobre Stein
Bello inicia suas observações sobre Stein considerando dois conceitos-chave
de leitura quais sejam Epoché2 e Erlebnis3.
Ao se deter na análise, tanto Husserl quanto Stein, prescinde “da coisa
existente”, da coisa em si, dirigindo sua atenção para a relação entre sujeito e
objeto, considerando o ângulo do sujeito, e dimensionado pela empatia (p. 68). Na
análise de tal relação é considerada “a concatenação de atos ou de vivências” os
quais enviados um ao outro reciprocamente constituem tanto a estrutura essencial
do sujeito quanto a de outros sujeitos “descobrindo de tal modo os elementos de
universalidade que tornam possível a comunicação” (p. 68). Nesse sentido, explica
Bello, Stein se dedica a compreender “a natureza singular, única e irrepetível, e,
contemporaneamente, o significado das suas expressões (humanas) e produções
que tem um valor intersubjetivo” (p. 65).
Diante do objetivo de “delinear um mapa relativo ao ser humano”, Stein,
segundo Bello, recorre ao conceito de consciência, o qual, de acordo com Husserl,
mencionado pela autora, é uma região do ser com características desconhecidas,
mas que, entretanto, abarca todas as Erlebnisse, conforme indica a citação de
Husserl em Bello: “E, portanto começamos por considerar o eu, a consciência, o
Erlebnis” (p. 62).
2
? Conceito-chave na fenomenologia contemporânea, derivada do antigo ceticismo grego. Refere-se ao estado de repouso mental pelo qual, de modo inerte, nada afirmamos ou negamos, ilustrando nossa condição de não ciência e não direção do saber. Seria a maneira de olharmos o enigma e o mistério sem poder ou saber resolvê-los. In: http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/Epoche.htm. Acessado em 16/03/20103 Para a autora, Erlebnisse significa ‘vivências’. Erlebnis (singular); Erlebnisse (plural). Nota nossa.
2
Para Stein, de acordo com Bello, as Erlebnisse constituem “o fluxo da
consciência” (p.69). Para Bello, o essencial nos estudos de Husserl e Stein é a
correlação entre os eus – eu puro, eu consciência, eu vivente4.
O eu puro seria uma não dispersão, não transpassagem do próprio eu. Em
outros cômodos do ‘grande eu’ encontra-se o eu consciente e ainda o eu vivente,
vivente, pois originado nas vivências provenientes “das realidades da psique e do
espírito” (p. 71).
Eu Pessoa
“O eu pessoal é aquele que se delineia” por meio de uma “corporeidade” que
se fundamenta sobre um eu sujeito dotado de vontade, de ação e pensamento. O eu
puro é a via de acesso ao eu pessoal, o qual constitui a “realidade corpórea,
psíquica e espiritual” (p. 72).
Bello apresenta um ponto específico em suas análises e com o qual a mesma
entende como importante “para acessar o mundo dos valores” (p. 74). Trata-se da
formação da personalidade humana, a qual se nos apresenta como uma unidade
qualitativa gerada por um núcleo formador constituído de corpo, espírito e alma;
sendo esta, a alma, a única forma privada em sua individualidade e pureza,
deixando-se claro ainda que o núcleo formador não se auto-estabeleça como um
determinador integralmente das essências de cada em sua unidade.
Stein, segundo Bello, relaciona o eu e o si. Para Stein, o eu e o si “são e não
são a mesma coisa”. O são na medida em que pertencem à unidade humana e não
o são “porque a unidade [...] revela em seu interior uma complexidade que se
manifesta na impossibilidade de reduzir um elemento ao outro” (p. 76).
4 Derivação da Erlebnis. Nota nossa.
3
Nessa atmosfera fenomenológica, Bello observa que o eu e o si chamam a
atenção de Stein para o lugar do eu na corporeidade. Stein entende que o eu está
no corpo, sem, no entanto, ser o corpo (ao que complementaríamos que o eu é
corpo, já que a unidade humana, a qual inclui alma, corpo e espírito se incluem um
ao outro, conforme o esclarecimento de Bello.
A questão da interioridade
Como último risco na tentativa de mapear a interioridade humana e em seus
diversos níveis, Stein, de acordo com Bello, constituiu a relação de unidade entre os
elementos encontrados. Bello explica que Stein define o eu como um ente em cuja
essência repousa a vida e cuja vida habita o corpo e a alma. Bello detem a razão de
que seja considerada compreensiva e equilibrada a visão do ser humano que
evidencia “tanto a superfície quanto a profundidade” (p. 77, 78).
Bello explica que Stein visitou várias bases filosóficas como os princípios
filosóficos medievais e autores como Santa Teresa d’Ávila, Santo Agostinho e
Tomás de Aquino. Superfície e profundidade enleiam a investigação de Stein, de
acordo com Bello, criando uma convergência entre psicologia, filosofia e mística.
Bello define Stein dentro dessa trindade de saber – psicologia, filosofia e
mística - e encerra sua análise apontando que “não se trata de falsidade ou verdade,
já que cada contribuição pode ser válida, trata-se de avaliar a qual grau de
profundidade se pode chegar” (p. 82).
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