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Avaliação Experimental de Protótipos de Estruturas de Contenção em Solo Reforçado com Geotêxtil Carlos Vinicius dos Santos Benjamim OBER S.A. Indústria e Comércio Benedito de Souza Bueno Departamento de Geotecnia, Escola de Engenharia de São Carlos (USP) Jorge Gabriel Zornberg Civil Engineering Department, University of Texas at Austin (EUA) RESUMO: Para contribuir para um melhor entendimento do desempenho de estruturas em solo reforçado, foram construídos oito protótipos de estrutura de contenção em solo reforçado com geotêxtil, tecido e nãotecido, com 4,0 m de altura cada. Todos os protótipos foram instrumentados, principalmente visando os deslocamentos, para avaliar o comportamento de campo deste tipo de estrutura de contenção. Esse trabalho apresenta de forma resumida as propriedades mais relevantes de cada protótipo construído e também apresenta algumas das conclusões mais importantes obtidas nesta pesquisa. As análises desenvolvidas neste trabalho compreendem, além da avaliação dos resultados individuais de cada estrutura, uma análise paramétrica entre todos os protótipos tanto em curto, quanto em longo prazo, investigando, entre outros fatores, o tipo de solo, tipo de geossintético e geometria interna das estruturas. PALAVRAS-CHAVE: geossintéticos, geotêxteis, solo reforçado, estruturas de contenção, taludes íngremes e instrumentação de campo. 1 INTRODUÇÃO A utilização de geossintéticos em um maciço de solo compactado tem como objetivo o aumento da resistência e a diminuição da compressibilidade do material composto assim formado. Além do aspecto técnico, o uso de solo reforçado com geossintéticos se justifica em vista da facilidade de aplicação, rapidez de construção e redução significativa de custos em comparação com as soluções convencionais. Entretanto, apesar das vantagens relacionadas à utilização de geossintéticos, a maioria das estruturas de contenção em nosso país ainda é executada por meio de soluções convencionais. A ausência de um conhecimento mais profundo sobre o real comportamento de estruturas em solo reforçado certamente impede uma utilização mais intensa dessas estruturas. No caso de geotêxteis, principalmente os de polipropileno, o problema da possibilidade de fluência tem representado um entrave para uma utilização mais ampla dos mesmos. O desconhecimento sobre o real comportamento desses materiais, quando inseridos no maciço

compactado, tem levado à adoção de fatores de redução da resistência à tração que variam geralmente, entre 2 e 5, só para levar em conta os efeitos da fluência. Convém destacar que esses fatores de redução associados à fluência, freqüentemente, inviabilizam o emprego de geotêxteis nãotecidos em estruturas de contenção com altura e/ou sobrecarga elevadas. Além disso, alguns aspectos relevantes para o projeto de tais obras ainda carecem de uma investigação mais aprofundada, tais como a distribuição de tensões no interior do maciço reforçado, deformabilidade do maciço e mecanismos de ruptura. Esse fato pode ser bem visto na dispersão dos resultados dos métodos de previsão de deslocamentos encontrados na literatura. Um exemplo bem conhecido é o experimento coordenado na Universidade do Colorado (EUA) por Jonathan Wu (WU, 1992), em que nenhuma previsão conseguiu atingir um resultado satisfatório sobre os deslocamentos do protótipo construído. Em nível nacional, Pedroso (2000) comparou valores de simulações numéricas utilizando o

Benjamim, C.V.S, Bueno, B.S., Zornberg, J.G. (2006). “Experimental Evaluation of Prototype Retaining Structures Reinforced with Geotextiles” (In Portuguese). Second Brazilian Symposium of Young Geotechnical Engineers, Nova Friburgo, Brazil, November, pp.1-6 (CD-ROM).

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Método dos Elementos Finitos (MEF) e resultados registrados em protótipos instrumentados e concluiu que os valores previstos são no geral maiores do que os valores observados. Além disso, as observações obtidas pelo autor em um protótipo com 4,0 m de altura, reforçado com geotêxtil nãotecido de PP, mostraram que os deslocamentos por fluência pararam de ocorrer depois de três meses, quando se supunham que durassem anos. Como esses, há muitos indícios na literatura internacional e uns poucos na literatura brasileira de que as estruturas reais comportam-se, no geral, melhor do que as previsões. Quais seriam as causas dessas discrepâncias? Há certamente muitas. No Brasil, em particular, uma delas seria o efeito da coesão, quase sempre desprezada nos cálculos. Há aumento de rigidez das inclusões por efeito do confinamento do solo, especialmente em geotêxteis nãotecidos. Há conservadorismo dos métodos de dimensionamento, que não consideram os verdadeiros mecanismos de ruptura e apresentam fatores de redução muito elevados. Há a influência da rigidez da face em muitos casos. Há também efeito do arqueamento, quase sempre esquecido nas análises. A essa lista ainda podem agrupar-se outras fontes de discrepâncias. A fim de contribuir para um melhor entendimento do desempenho de estruturas em solo reforçado, são necessárias, entre outros, pesquisas e observações do desempenho de obras, além de uma adequada caracterização dos materiais envolvidos. De posse de um bom banco de dados, é possível realizar análises paramétricas, simulações numéricas e desenvolvimentos analíticos que permitam avançar o estado do conhecimento. Com isso, foram construídos, dentro da Empresa Ober S.A., uma série de 8 protótipos de estruturas reforçadas com geotêxteis de tal forma que se pudesse, além dos aspectos mencionados anteriormente, avaliar os efeitos do tipo de solo, tipo e layout das inclusões. 2 OBJETIVOS a) montar um banco de dados com os

resultados das observações dos protótipos;

b) investigar as movimentações e os mecanismos de ruptura das estruturas de contenção em solo reforçado com geotêxteis;

c) melhorar o conhecimento a respeito da influência de diversos fatores sobre o comportamento dessas estruturas;

d) realizar análises paramétricas entre os protótipos construídos;

e) investigar o desempenho em longo prazo das estruturas reforçadas com geotêxtil;

f) verificar a viabilidade de utilizar os solos brasileiros em estruturas de solo reforçado com geotêxtil;

g) aplicar as metodologias utilizadas nos protótipos em uma estrutura real;

h) fornecer uma base de referência para projetos futuros.

3 MATERIAIS E MÉTODOS Todos os protótipos foram construídos utilizando a técnica de solo envelopado. Visando garantir um comportamento de deformação plana, a geometria do muro foi definida com 4 m de largura, 4 m de altura e 4 m de comprimento. Além disso, em toda a lateral do muro foram colocadas duas lonas plásticas com graxa entre elas, de forma a reduzir ao máximo o atrito entre o solo e a madeira do escoramento. O sistema de envelopamento foi desenvolvido com o auxílio de pranchas de madeira apoiadas em suportes metálicos em forma de cantoneira, com ângulo interno de 78o, projetado para resultar em uma inclinação da face de 1H:5V para os protótipos. Três solos diferentes, dois coesivos e um granular, foram utilizados nesse programa de pesquisa. De acordo com o Sistema de Classificação Unificado dos Solos (ASTM D 2487), os solos foram classificados como argila pouco plástica com areia (CL), areia siltosa (SM) e areia média a fina (SP). A classificação granulométrica, descrita pela ABTN 6502, classifica o solo CL como uma argila siltosa, o solo SM como uma areia siltosa, e o solo SP como uma areia média a fina. Foram utilizados, na execução dos protótipos, geotêxteis tecidos e nãotecidos, fabricados pelas empresas Propex e Ober S.A., respectivamente. Além do método de fabricação dos geotêxteis, foram utilizados três diferentes

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tipos de geotêxteis nãotecidos, variando-se os polímeros, a gramatura e a resistência à tração. Todos os solos e geotêxteis foram ensaiados em laboratório para se obterem os dados necessários para serem utilizados tanto na fase de projeto, como também na análise dos resultados dos protótipos. A Tabela 1 apresenta as principais propriedades de cada protótipo, enquanto as Figuras 1 a 8 apresentam uma vista frontal de cada protótipo construído. 4 INSTRUMENTAÇÃO 4.1 Medidores de deslocamento da face Os deslocamentos da face foram acompanhados ao longo do tempo medindo-se a distância de pontos localizados, no centro de cada camada, até um paramento fixo, com o uso de uma régua graduada com nível, e também com o auxilio de equipamentos de topografia. A resolução desta medida foi igual a 1 mm. As Figuras 9 e 10 apresentam o esquema do referido sistema. 4.2 Extensômetros magnéticos verticais

Foram utilizados extensômetros magnéticos verticais, projetados e construídos em laboratório, para se medir os deslocamentos verticais do maciço de solo. Este equipamento constitui-se em placas magnéticas acopladas em tubos de PVC. Estas placas são quadradas com 20 cm de lado e são feitas também de PVC. Sobre cada uma delas apoia-se um ímã, formando um transdutor magnético. A leitura dos deslocamentos é efetuada introduzindo-se no tubo de PVC uma haste de alumínio graduada que possui um reed switch na ponta. Ao se aproximar do ímã, fecha-se um circuito elétrico que aciona o indicador sonoro de um multímetro ligado ao sensor. O indicador sonoro é acionado quando a ponta da haste entra no campo magnético do ímã. As leituras foram realizadas quando o indicador sonoro parava de apitar exatamente na parte superior e inferior do imã. Nesses pontos eram realizadas as leituras com o uso da haste graduada. O ponto exato onde se encontra o imã é a média entre as duas leituras. A resolução deste sistema de leitura é de 1 mm (Figura 11).

Tabela 1. Características principais dos protótipos construídos.

Geotêxtil Geometria* Solo

Muro Nome

comercial Processo de fabricação

Polímero Espaçamento

vertical Granulometria

ABNT 6502

1 Ober

GF10/200 nãotecido PET

constante 40 cm

areia média a grossa

2 Ober

GF10/200 nãotecido PET

variável 30 até 60 cm

areia média a grossa

3 Ober

GF14/250 nãotecido PP

variável de 30 até 50 cm

areia siltosa

4 Propex 50x10

tecido PP variável

de 30 até 50 cm areia siltosa

5 Ober

GF14/250 nãotecido PP

constante 40 cm

argila siltosa

6 Propex 50x10

tecido PP constante

40 cm argila siltosa

7 Ober

GF8/150 nãotecido PP

constante 36 cm

areia média a grossa

8 Propex 50x10

tecido PP constante

40 cm areia média a grossa

* Comprimento das inclusões igual a 3,0 m para todos os reforços.

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Figura 1. Vista frontal do Protótipo 1.

Figura 2. Vista frontal do Protótipo 2.

Figura 3. Vista frontal do Protótipo 3.

Figura 4. Vista frontal do Protótipo 4.

Figura 5. Vista frontal do Protótipo 5.

Figura 6. Vista frontal do Protótipo 6.

Figura 7. Vista frontal do Protótipo 7.

Figura 8. Vista frontal do Protótipo 8.

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4.3 Medidores de deslocamentos horizontais dos reforços Os deslocamentos dos geotêxteis foram registrados com o uso de tell tails. Este dispositivo de medição consiste em fios inextensíveis de aço inoxidável de 0,35 mm de diâmetro encapsulados em mangueiras de nylon com uma extremidade livre e a outra fixa em um ponto de leitura fixo ao longo do comprimento do geotêxtil. Os deslocamentos das extremidades livres dos fios, situadas em um poço aberto atrás do muro, foram acompanhados ao longo do tempo. O registro dos deslocamentos foi feito com um paquímetro digital com resolução de 0,01 mm. A partir dos valores de deslocamentos de pontos contíguos e da distância conhecida entre eles, foi possível obter a deformação média entre estes dois pontos. (Figura 12).

Figura 9. Registro do deslocamento da face com auxílio de equipamentos de topografia.

Figura 10. Registro do deslocamento da face com o auxílio de um paramento fixo.

Figura 11. Extensômetro magnético utilizado.

Figura 12. Extremidade livre dos tell tails. 5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS De forma geral, todos os protótipos apresentaram um excelente desempenho durante o tempo de observação, com duração de aproximadamente dois anos. Mesmo durante períodos com alta pluviosidade, as estruturas permaneceram íntegras. A seguir serão apresentadas algumas das conclusões mais importantes desta pesquisa. Os protótipos construídos com o solo arenoso, de forma geral, foram os que apresentaram as maiores movimentações horizontais, tanto durante a fase construtiva, quanto no período pós-construção. Por outro lado, esses protótipos foram os que apresentaram os menores deslocamentos verticais. Os protótipos reforçados com geotêxtil tecido apresentaram um melhor comportamento ao final da construção do que os protótipos reforçados com geotêxtil nãotecido, devido principalmente à sua maior rigidez à tração, resultando em menores deformações nos reforços, menores deslocamentos da face e

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também menores recalques verticais. Entretanto, os protótipos construídos com o solo granular apresentaram um comportamento pós-construção peculiar. O protótipo 8, reforçado com um geotêxtil tecido de polipropileno, resultou em menores deformações ao fim da construção do que o protótipo 1, reforçado com um geotêxtil nãotecido de poliéster, devido principalmente à maior rigidez que o geotêxtil tecido possui com relação ao nãotecido de poliéster. Entretanto, os resultados observados após a construção dos protótipos mostraram um comportamento contrário, com as maiores taxas de deformação no protótipo 8, construído com geotêxtil tecido. Isso pode ser explicado por dois fatores distintos. O protótipo 1 foi construído com um geotêxtil de poliéster, com uma susceptibilidade à fluência bem menor do que o geotêxtil de polipropileno, utilizado no protótipo 8. A outra possível razão para este comportamento é que o geotêxtil nãotecido utilizado no protótipo 1 possui uma transmissividade bem superior ao geotêxtil tecido, resultando com isso em uma melhor drenagem do maciço reforçado e conseqüentemente um melhor controle da sucção do solo. Analisando os protótipos construídos com os solos coesivos, foi possível verificar, com o auxílio de leituras de umidade do solo, que os protótipos reforçados com geotêxtil nãotecido comportaram-se muito bem com a ação das chuvas, dissipando e controlando a sucção do solo durante esse período, resultando em um perfil constante de umidade com a profundidade. Observou-se também que as estruturas que utilizaram solo granular tenderam a formação de uma superfície potencial de ruptura linear com um ângulo de 45º + /2 com a horizontal, enquanto as estruturas que utilizam solos coesivos tenderam a uma superfície potencial de ruptura parecida com uma espiral logarítmica. Pelas observações realizadas no protótipo 7, verificou-se que as curvas de fluência não confinada obtidas em laboratório forneceram uma boa aproximação sobre o comportamento obtido no campo; o confinamento do solo reduziu apenas a deformação inicial do reforço, e não a fluência polimérica.

As deformações dos protótipos foram em geral muito pequenas, não ultrapassando 1,0% para quase todas as estruturas, exceção feita para os protótipos 2 e 7, que sofreram uma variação do espaçamento com a altura e uma redução na resistência dos reforços, respectivamente. Com relação à geometria interna das estruturas, verificou-se que quanto maior a densidade dos reforços, menores foram os deslocamentos e as cargas nas inclusões. De uma forma geral, a localização dos maiores deslocamentos da face foi compatível com os locais de maiores deformações para cada estrutura. Para os protótipos que utilizaram o solo arenoso, o local de máxima deformação dos reforços coincidiu com fidelidade com o local de máximo deslocamento da face. Com relação aos protótipos construídos com solos coesivos, esses apresentaram deslocamentos muito pequenos e com isso não apresentaram um comportamento bem definido, apresentando uma grande variabilidade de um para o outro. As baixas deformações obtidas nos reforços indicam que os fatores de redução dos métodos de cálculo atuais são conservadores. Os níveis de deformação dos geotêxteis foram muito menores do que aqueles assumidos nos projetos atuais para definir a resistência à tração requerida nos reforços. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer a empresa Ober S.A. e a FAPESP pelo auxílio financeiro que viabilizou a realização desta pesquisa. REFERÊNCIAS American Society for Testing and Materials (2000). D

2487 – 00: Standard Practice for Classification of Soils for Engineering Purposes (Unified Soil Classification System). New York.

Associação Brasileira de Normas Técnicas (1995). NBR 6502 – Rochas e Solos. Rio de Janeiro.

Pedroso, E.O. (2000). Estruturas de contenção reforçadas com geossintéticos. 79p. Dissertação (mestrado) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos.

Wu, J.T.H. (1992). Geosynthetic-Reinforced Soil Retaining Walls. International Symposium on Geosynthetic-Reinforced Soil Retaining Walls. Denver, Colorado.


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