autoras
LETÍCIA FONSECAMARÍLIA SCORZONI
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2016
CONTEÚDO METODÓLOGICO E PRÁTICA DE ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
Conselho editorial luis claudio dallier saldanha; roberto paes; gladis linhares;
karen bortoloti; marília gomes godinho
Autoras do original letícia fonseca e marília scorzoni
Projeto editorial roberto paes
Coordenação de produção gladis linhares
Coordenação de produção EaD karen fernanda bortoloti
Projeto gráfico paulo vitor bastos
Diagramação bfs media
Revisão linguística bfs media
Imagem de capa morenaki | dreamstime.com
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2016.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
F676c Fonseca, Letícia
Conteúdo, metodologia e prática de ensino de língua portuguesa / Letícia
Fonseca ; Marília Scorzoni.
Rio de Janeiro : SESES, 2016.
112 p. : il.
isbn: 978-85-5548-175-8
1. Língua. 2. Linguagem. 3. Dialetos. 4. Leitura. I. SESES. II. Estácio.
cdd 469.8
Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento
Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário
Prefácio 5
1. Concepções de Língua e Linguagem: Diferentes Olhares. 7
1.1 Língua, Linguagem e o Ensino de Língua Portuguesa 9
1.2 Concepções de Linguagem 15
1.2.1 Linguagem como expressão do pensamento 16
1.2.2 Linguagem como instrumento de comunicação 17
1.2.3 Linguagem como lugar ou experiência de
interação humana 19
1.3 Língua, cultura e sociedade 21
2. Contribuições da Sociolinguística para análise do Preconceito Linguístico 25
2.1 Sociolinguística: conceitos, pressupostos e
fundamentação teórica 27
2.2 Sociolinguística Variacionista:
principais contribuições 30
2.2.1 Variação Linguística 33
2.2.2 A variação regional ou geográfica 34
2.2.3 A variação social 36
2.2.4 A variação situacional ou de Registro 37
2.2.5 A variação histórica 38
2.3 Preconceito e Mitos Linguísticos 41
3. Práticas de Leitura e Variações na Língua Portuguesa: uma Perspectiva Transformadora 47
3.1 O conceito de leitura de mundo e o mundo da leitura 49
3.1.1 Portadores de texto: Instrumentos para leitura de mundo 53
3.2 Variações Dialetais e o Ensino de Língua Portuguesa 60
3.2.1 Dialetos da Língua Portuguesa 63
4. Competências para Formação do Leitor e Gêneros Discursivos 73
4.1 Competências e Habilidades para Formação do leitor: Pensando o
papel do professor 75
4.2 Variedade de gêneros textuais e/ou discursivos 83
5. Gramática e o Ensino de Língua Portuguesa 93
5.1 O ensino de língua portuguesa e gramática:
objetivos e justificativas 95
5.2 Aprofundando o conhecimento de gramática 98
5.2.1 Gramática como norma 98
5.2.2 Gramática descritiva 99
5.2.3 Gramática internalizada 99
5.3 Tipos de gramática 100
5.3.1 Gramática normativa ou prescritiva 100
5.3.2 Gramática descritiva 100
5.3.3 Gramática internalizada 100
5.3.4 Gramática implícita 100
5.3.5 Gramática explícita ou teórica 101
5.3.6 Gramática reflexiva 101
5.3.7 Gramática contrastiva ou transferencial 101
5.3.8 Gramática geral 101
5.3.9 Gramática universal 101
5.3.10 Gramática histórica 102
5.3.11 Gramática comparada 102
5.4 Ensino de Gramática: alguns mitos 103
5
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),
Nesta disciplina abordaremos a fundamentação teórica- metodológico do en-
sino e conteúdo de Língua Portuguesa que norteiam a prática docente. Nosso
objetivo é possibilitar reflexão e entendimento acerca da linguagem enquanto
forma de expressão, considerando o domínio da linguagem oral e escrita im-
prescindíveis para a plena participação de um indivíduo na sociedade. Vamos
discutir e fundamentar a relação entre linguagem e escola, evidenciando que a
língua é um fato social que se constitui a partir de diferentes contextos e, por-
tanto abordaremos os diferentes padrões de uso da língua.
Quando, se considera que a língua não é, portanto, homogênea e estática, re-
conhece-se que existem variações que estão relacionadas com questões geográ-
ficas, sociais, etária, situações de uso (formal/informal). Assim, pontuamos que
nos organizamos socialmente em função de traços de identidade como: crenças,
valores, e, neste sentido, a própria língua se constitui como identidade.
Então, precisamos olhar atentamente para o papel da escola e a relação que
se estabelece com a Linguagem, pois uma escola “para todos” deve considerar a
heterogeneidade cultural como premissa dos princípios democráticos e, neste
sentido pensar o ensino da língua portuguesa a partir das diversas possibili-
dades linguísticas, desconstruindo mitos e possibilitando espaços de reflexão.
No primeiro capítulo abordaremos as concepções de língua e linguagem,
seu contexto e os diversos conceitos que permeiam o entendimento destas con-
cepções. Em nossas reflexões iniciais propomos discutir sobre a relação entre
língua, cultura e sociedade, pontuando o papel da escola neste contexto.
No segundo capítulo vamos analisar as contribuições do estudo da Sociolin-
guística para o entendimento dos conceitos de “certo” e “errado” e o desvela-
mento de alguns mitos linguísticos. Considerando que a linguagem é um fato
social, produto da cultura e, ao mesmo tempo, transmissora desta cultura, en-
tende-se que ela varia de acordo com o contexto, tempo e grupo social no qual
está inserida. Contudo, as variações que diferem do português padrão, superva-
lorizado pelas camadas superiores da sociedade, são, muitas vezes, desvaloriza-
das pela sociedade, sendo compreendidos como língua “errada”. Então, neste
capítulo discutiremos a relação entre variação linguística e o conceito de certo
e errado, pontuando a contribuição da Sociolinguística para o desvelamento de
alguns mitos linguísticos.
No decorrer do terceiro capítulo vamos analisar os mitos da língua portu-
guesa e o preconceito linguístico, buscando entender as variações dialetais e
compreender o impacto das diferenças regionais no aprendizado da língua por-
tuguesa. Além disso será possível refletir sobre o conceito de leitura de mundo
e o mundo da leitura, pensando na importância do ato de ler para conhecer a si
mesmo e o mundo que o circunda.
Convidamos você, no quarto capítulo, a conhecer os diversos gêneros dis-
cursivos e a importância dos mesmos enquanto objeto de ensino, possibilitan-
do o desenvolvimento de habilidades e competências na formação do leitor.
Neste contexto, vamos refletir sobre o papel do professor na mediação da leitu-
ra e produção de textos.
Finalizando nossas discussões, apresentaremos na quinta unidade, o con-
ceito e a análise do termo gramática e, a importância de se trabalhar a gramáti-
ca numa perspectiva de base estruturante para a leitura, a escrita e a fala.
Esperamos que esses conhecimentos contribuam com sua formação e tra-
gam subsídios para sua prática enquanto docente.
Bons estudos!
8 • capítulo 1
Neste primeiro capítulo propomos uma reflexão acerca das concepções de lín-
gua/linguagem, entendendo que a maneira como o professor concebe a lingua-
gem tem importante relação com a maneira de estruturar o ensino da língua
materna. Vamos, então, apresentar as diferentes concepções de linguagem, que
se constituem em detrimento dos diversos momentos sociopolíticos e cultu-
rais, relacionando desta maneira as dimensões de língua/linguagem e cultura.
OBJETIVOS
Neste capítulo, esperamos que você:
• Compreenda as diversas concepções de língua e linguagem, identificando a linguagem
enquanto atividade de natureza social e dialógica, que se constitui na interação verbal.
• Reflita sobre a relação que existe entre linguagem, cultura e sociedade, analisando o im-
portante papel da escola neste contexto.
capítulo 1 • 9
1.1 Língua, Linguagem e o Ensino de Língua Portuguesa
Iniciaremos nossas reflexões sobre as concepções de língua e linguagem par-
tindo da premissa que a linguagem possibilita ao homem a comunicação e in-
teração social. E, neste sentido, ao ensiná-la, a escola tem a responsabilidade
de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos, necessários
para a participação social e, para o exercício da cidadania (BRASIL, 1997).
O estudo das concepções de língua e linguagem se justifica ao considerar o
domínio da língua enquanto condição que permite a comunicação, interação,
acesso à informação e, significação de mundo e, portanto possui estreita re-
lação com a possibilidade de participação social. Neste sentido, compreender
as diversas abordagens teóricas que fundamentam as concepções de língua e
linguagem é indispensável para o norteamento das práticas e ensino de língua
portuguesa.
Portanto, para dar inicio as nossas discussões, propomos que você refli-
ta sobre:
O que é Linguagem?
Qual a diferença entre Língua e Linguagem?
Qual a relação entre a concepção de Linguagem e o ensino de
Língua Portuguesa?
É importante salientar que as discussões que vamos desenvolver acerca
destes conceitos, nos permitirão observar que existe uma pluralidade teórica
e, deste modo, diferentes fundamentações, que as definem em perspectivas e
abordagens distintas refletindo concepções particulares do fenômeno linguís-
tico e suas características.
De acordo com Cunha, Costa e Martelotta (2013), o termo Linguagem apre-
senta mais de um sentido, mas normalmente é empregado para referir-se a
qualquer processo de comunicação, como por exemplo: linguagem dos ani-
mais, linguagem corporal, linguagem artística, linguagem escrita. Assim, as
línguas naturais como o português ou Italiano, são compreendidas como for-
mas de linguagem que possibilitam o processo de comunicação entre os mem-
bros de uma comunidade.
Contudo, ainda de acordo com os referidos autores, os linguistas costu-
mam estabelecer uma relação diferente entre esses conceitos. A linguagem é
10 • capítulo 1
entendida como a capacidade que apenas os seres humanos possuem para se
comunicar a partir da língua. E, a língua é definida como um sistema de signos
que os membros de um grupo social ou de uma comunidade linguística utili-
zam para se comunicar.
Para que você compreenda melhor esses conceitos, apresentamos a seguir
a visão de outros importantes autores e estudiosos da área que nos auxiliarão
nesta tarefa:
De acordo com Bechara (2009) a linguagem pode ser entendida, de manei-
ra ampla, como qualquer sistema de signos simbólicos empregados na inter-
comunicação social que se realiza histórica e culturalmente. Em consonância
com Bechara (2009), Coelho (2006, p. 19), afirma que a linguagem se caracteriza
enquanto “[...] uma faculdade de simbolização e procedimento comunicativo,
com a qual os homens dizem o mundo e se dizem uns aos outros [...]”.
Ainda, de acordo com Travaglia (2009) a linguagem é um lugar de interação
humana, e interação comunicativa que se efetiva em um contexto sócio histó-
rico e ideológico, possibilitando aos usuários da língua interagir enquanto su-
jeitos sociais.
Contribuindo com essas reflexões, citamos Chauí (2006, p.155):
A linguagem é nossa via de acesso ao mundo e ao pensamento, ela nos en-
volve e nos habita, assim como a envolvemos e a habitamos. Ter experiência da
linguagem é ter uma experiência espantosa: emitimos e ouvimos sons, escre-
vemos e lemos letras, mas, sem que saibamos como, experimentamos e com-
preendemos sentidos, significados, significações, emoções, desejos, ideias.
[...].
Neste contexto, podemos entender a linguagem enquanto processo de co-
municação, interação e pensamento, que se concretiza a partir de diferentes
experiências e dos diferentes usos da Língua. Portanto, a língua é um fato social
que se constitui na e a partir das interações sociais e, desta maneira, não pode
ser compreendida fora dos sujeitos.
Como vimos, através dos conceitos abordados, a Linguagem é o ato de co-
municação e interação entre os sujeitos, a partir do uso da Língua. Assim, é im-
portante ressaltar que a linguagem se manifesta por diferentes meios (simbó-
lico, visual, gestual, etc.) Você já observou que utilizamos diferentes maneiras
de comunicação e interação em nosso dia a dia? Observe as imagens a seguir:
capítulo 1 • 11
©
WA
RA
NG
KA
NA
CH
AR
UYO
DH
IN |
DR
EA
MS
TIM
E.C
OM
Figura 1.1 – Exemplo de Linguagem não-verbal: Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).
©
FER
NA
ND
O M
AN
UE
L D
A S
ILVA
ALV
ES |
DR
EA
MS
TIM
E.C
OM
Figura 1.2 – Exemplo de Linguagem não-verbal: Placas de sinalização.
12 • capítulo 1
©
PAV
EL
LOS
EV
SK
Y |
DR
EA
MS
TIM
E.C
OM
Figura 1.3 – Exemplo de Linguagem verbal: fala.
As imagens expressam diferentes maneiras de comunicação e interação,
portanto diferentes linguagens que podem ser utilizadas para se estabelecer
algum tipo de contato. A linguagem não se manifesta só pelo verbal, como tam-
bém pelo não-verbal que se caracteriza, assim, pela utilização de gestos, obje-
tos, figuras, símbolos para que a comunicação se efetive.
LEITURAPara que você aprofunde seu entendimento sobre Linguagem não verbal, sugerimos que
você acesse o Link:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-75902009000300012&script=sci_arttext
O link nos remete ao Texto sobre comunicação não verbal que apresenta importantes
sugestões bibliográficas sobre esse assunto.
A linguagem verbal é, então, a forma de comunicação e interação social
que se estabelece a partir da palavra falada ou escrita e, por linguagem não
verbal entendemos o processo de comunicação que se estabelece a partir do
uso de imagens, figuras, desenhos, símbolos, dança, pintura, música, mímica,
capítulo 1 • 13
escultura e gestos. Então, podemos afirmar que a comunicação pode ocorrer
não somente através da fala (linguagem verbal), como também a partir da lin-
guagem não verbal.
Observe a questão abaixo, onde o artista gráfico polonês Pawla Kuczynskiego
utiliza a linguagem não verbal para retratar o trabalho infantil.
O artista gráfico polonês Pawla Kuczynskiego nasceu em 1976 e recebeu di-
versos prêmios por suas ilustrações. Nessa obra, ao abordar o trabalho infantil,
Kuczynskiego usa sua arte para:
a) difundir a origem de marcantes diferenças sociais.
b) estabelecer uma postura proativa da sociedade.
c) provocar a reflexão sobre essa realidade.
d) propor alternativas para solucionar esse problema.
e) retratar como a questão é enfrentada em vários países do mundo.
Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/enem/edicoes-anteriores/pro
vas-e-gabaritos
A resposta correta para essa questão encontra-se na alternativa “c” ,
pois a linguagem não verbal foi utilizada para provocar reflexão sobre a realida-
de do trabalho infantil.
14 • capítulo 1
A língua, então, é a linguagem que utiliza a palavra (escrita ou falada) como
sinal de comunicação próprio de uma comunidade/grupo social. Sendo, então,
pertencente a um grupo de indivíduos de uma comunidade, a língua é um fenô-
meno em constante transformação.
Contudo, durante muito tempo prevaleceu a ideia de que a língua é um có-
digo estático e acabado, desconsiderando a dimensão interativa que a língua
oferece. E, assim como as demais concepções que permeiam o campo educa-
cional (concepção de homem, sociedade, educação, currículo, avaliação) a con-
cepção de língua e linguagem vem sofrendo modificações.
Portanto, é importante compreender que cada momento social e históri-
co demanda uma percepção de língua, de mundo, de sujeito, demonstrando o
caráter dinâmico da linguagem no meio social em que atua (FUZA, OHUSCHI
e MENEGASSI, 2011). Acompanhando, então, toda a dinamicidade impulsiona-
da pelas mudanças sociais e culturais, a concepção de língua e linguagem vem
se modificando e ocasionando novas e diferentes práticas pedagógicas para o
ensino de Língua Portuguesa.
Nos últimos 30 anos, surgiu uma ampla literatura na qual se discutiu o modo como
vinha se processando o ensino de língua materna no Brasil. Havia nestes trabalhos
a preocupação de não apenas criticar as práticas de ensino de língua portuguesa
presentes na escola, mas sobretudo apontar questões de nível conceitual e metodo-
lógico na direção de uma nova forma de se conceber o ensino da leitura e da escrita.
Já na década de 1980 alguns trabalhos das áreas da Lingüística e da Psicolingüística
passaram a questionar a noção de ensino-aprendizagem de língua escrita que con-
cebia a língua apenas como código e, dessa forma, entendia a leitura apenas como
decodificação e a escrita somente como produção grafomotriz. A linguagem deixava
de ser encarada, pelo menos teoricamente, como mero conteúdo escolar e passa a
ser entendida como processo de interlocução. Nesta perspectiva, a língua é entendida
enquanto produto da atividade constitutiva da linguagem, ou seja, ela se constitui na
própria interação entre os indivíduos. Passou-se, assim, a prescrever que a aprendi-
zagem da leitura e da escrita deveria ocorrer em condições concretas de produção
textual (SANTOS, 2002, p. 30-31).
Diante do exposto pelo fragmento acima, observa-se que o ensino de lín-
gua vem a partir dos anos de 1980 passando por importantes mudanças. Este
capítulo 1 • 15
período caracteriza-se através de mudanças sociais, politicas e culturais e, pelo
processo de redemocratização política que imprimem mudanças no ensino.
Destaca-se que neste período havia um alto índice de reprovação e analfabe-
tismo, que sinalizam o redirecionamento dos pressupostos que norteavam o
ensino da língua portuguesa objetivando redefinir as práticas pedagógicas e
romper com o paradigma tecnicista que se voltava para o ensino da língua em
uma perspectiva de codificação/ decodificação da língua escrita.
Desta forma, o foco das discussões no campo educacional é a melhoria na qua-
lidade da Educação no Brasil. Então, começam a ser difundidas teorias de ensino
que se propunham a discutir mudanças na visão de como ocorre o aprendizado
considerando o individuo como sujeito imerso em um contexto sócio histórico e
social. Essas teorias se desenvolvem em uma perspectiva sociointeracionista e le-
vam a uma redefinição do ensino de língua (ALBUQUERQUE, 2006, P.21).
CONCEITOSociointeracionismo
Lev Semenovitch Vygotsky desenvolveu a teoria da aprendizagem em uma perspectiva
sócio interacionista. Esta, por sua vez, enfatiza o papel da linguagem no desenvolvimento
do indivíduo. Sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito
com o meio, enfatizando o desenvolvimento do pensamento e da linguagem enquanto ele-
mentos estruturantes da interação social e do aprendizado. Para saber mais sobre a teoria
sociointeracionista proposta por Vygotsky leia: VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e
linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
No próximo tópico, vamos contextualizar as diferentes concepções de lin-
guagem, considerando as contribuições destas diferentes teorias, analisando,
também, como a língua é compreendida a partir de cada uma delas.
1.2 Concepções de Linguagem
Foi Inserido o tópico: 1.2 Concepções de linguagem do material Uniseb “O En-
sino da Língua Portuguesa e de Literatura” módulo 5.2 ( páginas 144 até 150).
16 • capítulo 1
O ensino-aprendizado da língua materna se dá sob perspectivas teóricas e
abordagens metodológicas distintas. A forma de se ensinar e aprender a língua
portuguesa está relacionada com uma determinada metodologia e concepção
de linguagem. Por agora, vamos nos deter em algumas abordagens teóricas que
caracterizam pelo menos três concepções distintas de linguagem.
1.2.1 Linguagem como expressão do pensamento
De acordo com essa primeira concepção, a linguagem corresponde a uma ex-
pressão que se constrói no interior da mente e tem na exteriorização apenas
uma tradução. A linguagem é entendida como uma forma de expressar pensa-
mentos, sentimentos, intenções, vontades, ordens, pedidos etc.
A intenção de expressar alguma coisa ou o ato ilocucional (enunciação) é,
na verdade, um ato monológico, imune ao outro e às circunstâncias sociais nas
quais a enunciação acontece. Por isso, “as leis da linguística são essencialmen-
te as leis da psicologia individual, e da capacidade de o homem organizar de
maneira lógica seu pensamento dependerá a exteriorização desse pensamento
por meio de uma linguagem articulada e organizada” (TRAVAGLIA, 2009, p. 21).
Sistema
O que é ato ilocucional?
Inicialmente, podemos responder dizendo que ele é um ato de fala. “Ato de fala é um
conjunto de coisas que fazemos ao dizer algo”. Os atos de fala classificam-se em:
“ato locucional (é o sentido e a referência de determinada sentença), ato ilocucional
(apresenta certa força ao dizer algo) e ato perlocucional (é certo efeito pelo fato de se
dizer algo)” (FURTADO, 2006, p.119).
Isso quer dizer que, nessa concepção de linguagem, o uso da língua é visto
como algo que se limita a quem fala ou escreve. Não há preocupação com o
modo pelo qual o outro vai ler ou ouvir nossa mensagem. Para essa concepção,
a correção linguística ou o falar e escrever bem dependem das regras às quais
o pensamento lógico deve estar sujeito. Se as pessoas não se expressam bem
ou não usam a língua corretamente, tal fato se deve às pessoas não pensarem
corretamente. Tal situação se resolveria por meio da internalização das regras
gramaticais e de seu adequado uso.
capítulo 1 • 17
Nessa concepção, existia a crença de que pensar e falar bem era suficiente
para a colocação das ideias no papel. O princípio que norteou essa concepção de
que a linguagem é a representação do pensamento tem sua base ancorada nos
estudos gramaticais que vêm “desde os gregos, passando para os latinos e os me-
dievais” (CARDOSO, 1999, p. 16). A linguagem como expressão do pensamento
entende que embora as línguas sejam diferentes, elas estão ancoradas em bases
gramaticais e que o ensino de gramática faz com que o falante use adequadamen-
te a norma culta ditada pela gramática normativa. (BERGAMINI, p. 6, 2009)
A linguagem como expressão do pensamento está, então, vinculada à gra-
mática normativa e ao ensino tradicional da língua portuguesa.
Trata-se, portanto, de um ensino de língua que enfatiza a gramática teórico
– normativa: conceituar, classificar, para, sobretudo, entender e seguir as pres-
crições – em relação à concordância, à regência, à acentuação, à pontuação, ao
uso ortográfico etc. O eixo da progressão curricular dos manuais didáticos são
os itens gramaticais. Tal ensino, como dissemos, enfatizado até os anos 60, no
Brasil, apresenta-se, ainda hoje, apesar de o surgimento de inovações teóricas
linguísticas e educacionais, como prática acentuada nas escolas de ensino fun-
damental e médio. Por conseguinte, quase sempre desvinculado das atividades
de leitura e produção textual. (PERFEITO, 2007, p. 826)
1.2.2 Linguagem como instrumento de comunicação
A língua é tomada predominantemente como um código, que deverá ser utiliza-
do com eficiência. A otimização do uso do código deve atender às necessidades
de tornar inteligível a mensagem que se quer comunicar, levando o receptor a
responder adequadamente ao que se deseja. O código deve ser dominado pelos
falantes para que a comunicação possa ser efetivada. O uso do código, no caso
a própria língua, é um ato social, envolvendo consequentemente pelo menos
duas pessoas, por isso é necessário que o código seja utilizado de maneira se-
melhante, preestabelecida, convencionada para que a comunicação se efetive
(TRAVAGLIA, 2009, p. 22).
O código é, então, entendido como um conjunto de regras que permite a
construção e a compreensão de mensagens. É, portanto, um sistema de signos.
A linguagem é, por conseguinte, um dentre outros códigos (código marítimo,
código rodoviário). Dentre todos os outros códigos, a linguagem verbal, seja
18 • capítulo 1
escrita ou oral, é o único código que pode falar dos próprios signos que os cons-
tituem ou de outros signos (VANOYE, 1981, p. 30).
A concepção de linguagem como instrumento de comunicação pode ser as-
sociada às mudanças e inovações que têm lugar na década de 1970.
CONEXÃOVocê pode conhecer um pouco mais sobre a noção de código e o processo de comunicação
lendo o artigo “O estudo científico da comunicação”, no link: http://www2.metodista.br/
unesco/PCLA/revista6/ artigo%206 3.htm.
Na década de 1970, uma nova transformação conceitual mudou as práticas
escolares. A linguagem deixou de ser entendida apenas como a expressão do
pensamento para ser vista também como um instrumento de comunicação,
envolvendo um interlocutor e uma mensagem que precisa ser compreendida.
Todos os gêneros passaram a ser vistos como importantes instrumentos de
transmissão de mensagens: o aluno precisaria aprender as características de
cada um deles para reproduzi-los na escrita e também para identificá-los nos
textos lidos. Ainda era essencial seguir um padrão preestabelecido, e qualquer
anormalidade seria um ruído. Para contemplar a perspectiva, o acervo de obras
estudadas acabou ampliado, já que o formato dos textos clássicos não servia de
subsídio para a escrita de cartas, por exemplo. (SANTOMAURO, 2009)
Para Travaglia (2009, p. 22), a concepção da linguagem como instrumento
de comunicação levou ao estudo da língua enquanto código virtual, isolado de
sua utilização – na fala (cf. Saussure) ou no desempenho (cf. Chomsky). Essas
abordagens teriam levado a Linguística a não considerar os interlocutores e a
situação de uso como determinantes das unidades e regras que constituem a
língua, isto é, afastou o indivíduo falante do processo de produção, do que é
social e histórico na língua. Assim, os estudos linguísticos adotaram uma pers-
pectiva formalista, estudando prioritariamente o funcionamento interno da
língua e deixando de lado as implicações da relação entre a língua e o homem
dentro do contexto social.
capítulo 1 • 19
Esta concepção, em que a linguagem é um instrumento de comunicação, levou a um
ensino de língua calcado em exercícios de seguir modelo (drills) e preencher lacunas.
Como na primeira concepção, Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa a gramá-
tica normativa foi privilegiada e a função da linguagem se restringe ao locutor levar
a informação ao interlocutor [...] A crença de que a língua está depositada na cabeça
do falante e este a transforma de acordo com seu meio fez com que a língua fosse
tratada como um sistema de signos, no qual a função é a de transmitir uma informa-
ção para o outro, que posteriormente irá transformá-la de novo em mensagem. Nessa
perspectiva, ocorre a decodificação, na qual é extraído o sentido do texto, menospre-
zando aspectos como: contexto histórico, social, cultural e ideológicos presentes no
texto que produzimos. (BERGAMINI, 2009, p. 6)
1.2.3 Linguagem como lugar ou experiência de interação humana
Nessa concepção, a língua é mais do que tradução e exteriorização do pensa-
mento e, também, vai além da transmissão de informação ou da comunicação.
Ao usar a língua, o indivíduo é um sujeito que realiza ações, age e atua sobre
o interlocutor.
A linguagem é um “lugar de interação humana, de interação comunicativa
pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação
de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico” (TRAVAGLIA,
2009, p. 23).
Quem utiliza a língua não expressa apenas o pensamento, não comunica
somente alguma coisa, na verdade, ao usar a língua, o indivíduo ou os interlo-
cutores “interagem enquanto sujeitos que ocupam lugares sociais falam e ou-
vem desses lugares de acordo com as formações imaginárias (imagens) que a
sociedade estabeleceu para tais lugares sociais” (TRAVAGLIA, 2009, p. 23). Por
isso, o diálogo caracteriza tal concepção de linguagem, constituindo-se numa
dimensão privilegiada do uso da língua.
Para ilustrar essa concepção de linguagem, podemos evocar o exemplo
das conversações que são travadas por pessoas que estão ligadas por laços
afetivos ou por estreitas relações de trabalho. É comum nessas conversações
constatarmos uma interação verbal, um fenômeno social que estabelece mais
do que uma simples comunicação entre as pessoas ou a troca abstrata de for-
mas linguísticas.
20 • capítulo 1
O que se fala e o que se ouve têm poder de provocar reações, produzir mu-
danças, despertar sentimentos e paixões, desencadear processos e ações etc.
Também se considerarmos as palavras de um juiz, proferindo a célebre frase
“Eu vos declaro marido e mulher”, teremos um exemplo de que o uso da língua
pode ser mais do que expressão do pensamento ou comunicação de uma infor-
mação. Nesse caso, a fala da autoridade faz surgir ou realiza um ato social e jurí-
dico. Se um agente da lei, dirigindo-se a uma pessoa, dá voz de prisão e profere:
“Esteja preso!”, ele não está simplesmente exteriorizando seu pensamento ou
comunicando uma novidade.
A linguagem entendida como experiência de interação é, de certo modo,
uma elaboração teórica baseada em Mikhail Bakhtin e em concepções de
aprendizagem socioconstrutivistas.
Mikhail Bakhtin (1895-1975) apresentou uma nova concepção de linguagem,
a enunciativo-discursiva, que considera o discurso uma prática social e uma for-
ma de interação – tese que vigora até hoje. A relação interpessoal, o contexto de
produção dos textos, as diferentes situações de comunicação, os gêneros, a inter-
pretação e a intenção de quem o produz passaram a ser peças-chave. A expressão
não era mais vista como uma representação da realidade, mas o resultado das
intenções de quem a produziu e o impacto que terá no receptor. O aluno passou a
ser visto como sujeito ativo, e não um reprodutor de modelos, e atuante – em vez
de ser passivo no momento de ler e escutar. (SANTOMAURO, 2009)
É bom ressaltar aqui o fato de os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
de Língua Portuguesa incorporarem essa concepção de linguagem.
O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva,
pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e
defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento.
[...] A linguagem é uma forma de ação interindividual orientada por uma finalidade
específica; um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes
nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos momentos da sua história.
(BRASIL, 1998, p. 15, 20)
capítulo 1 • 21
Podemos resumir as três concepções de linguagem na tabela seguinte:
LINGUAGEMEXPRESSÃO DO PENSAMENTO
LINGUAGEMCOMUNICAÇÃO
LINGUAGEMINTERAÇÃO HUMANA
Exteriorização do pensamentoMeio objetivo para a comunicação
Veículo de interação humana
A expressão se contrói no interior da mente
A expressão nasce da necessi-dade de se comunicar
A expressão é também ação
Ato monológico,individual Diálogo superficialPrivilegia o diálogo e a interatividade
Regras para a organização ló-gica do pensamento: gramática normativa
Existência de códigos para a eficiência da comunicação
Valorização do contexto dos usuários da língua;adequação no uso da língua
Para quem se fala, em que situação e para que se fala não são preocupação no uso da língua
Preocupação com o meio, o destinatário, a mensagem e a utilização eficiente do código
Preocupação com as dimensões afetivas e sociais
1.3 Língua, cultura e sociedade
A partir das reflexões desenvolvidas no tópico anterior, compreendemos que a
linguagem é um fenômeno complexo, discutido a analisado a partir de diversas
concepções. Contudo, nos interessa a concepção que é proposta pelos Parâ-
metros Curriculares Nacionais, os quais postulam que “não há linguagem no
vazio, seu grande objetivo é a interação, a comunicação com o outro, dentro de
um espaço social [...]” (BRASIL, 2000, p. 5).
A língua, nesta abordagem, é instrumento de comunicação, interação e par-
ticipação social que permite ao homem, a intercomunicação social, a expressão
de ideias e pensamentos; O homem é um ser social, situado sócio, histórico
e culturalmente, assim, imprime através das diversas formas de linguagens a
cultura que o permeia.
Observa-se, assim, que existe uma relação estreita entre língua e cultura a
partir do reconhecimento de que a linguagem é um traço cultural adquirido
pelo indivíduo em função de estar inserido em determinada sociedade/grupo
social.
22 • capítulo 1
Quanto aos vínculos entre língua e cultura, existem porque a cultura inclui manifesta-
ções de base linguística, como a literatura (oral e escrita), o humor, as fórmulas e ri-
tuais para as diversas ocasiões da vida (nascimento, funeral, casamento, encontros na
rua etc.), e todas essas manifestações são marcadas por expressões linguísticas es-
peciais. A poesia, por exemplo, utiliza certos tipos de métrica, rima, aliteração etc., que
são específicas de cada língua. Além disso, a poesia lança mão constantemente de
associações que são específicas daquela cultura, e que deixam de funcionar quando
traduzidas: pode-se lembrar, por exemplo, como é difícil para um ocidental perceber a
beleza poética dos hai-kais japoneses quando traduzidos. (PERINI,2010,p.4)
A língua, na sua relação com a sociedade, espelha os valores e o acervo cultu-
ral historicamente construído. Então, as práticas linguísticas são influenciadas
pelo modo como a sociedade se estrutura (politica, econômica e culturalmen-
te), expressando todas essas relações através de traços culturais que se materia-
lizam na própria língua.
Entende-se, então, que ao considerar a linguagem e sua relação com a cul-
tura e a sociedade, reconhecem-se os diferentes usos da língua e suas variantes.
Veja então, que em nossa sociedade existem grupos diferentes e heterogêneos
que manifestam essas variantes (econômicas sociais e regionais) através da
linguagem.
O que pretendemos demonstrar com essas informações é que a língua é va-
riável e, essa variação deve ser considerada pelo professor ao ensinar Língua
Portuguesa. Assim, estudaremos essas variações de maneira fundamentada em
nosso próximo capítulo, contudo é importante que você perceba que o enten-
dimento da Língua e suas variações, está associada a fatores sociais, culturais e
geográficos que são estudados pela Sociolinguística.
ATIVIDADES01. Para aprofundar as discussões realizadas sobre Linguagem, sugerimos que você aces-
se o Link: https://www.youtube.com/watch?v=D3Cu0e_cTz0 e assista ao vídeo produzido
pela Univesp TV e construa um breve texto que apresente as concepções de linguagem que
estudamos e, que estão sendo discutidas no vídeo.
capítulo 1 • 23
REFLEXÃONeste primeiro capítulo apresentamos algumas concepções de linguagem, discutindo as
principais abordagens e pressupostos teóricos que as fundamentam. Compreendemos que
a língua não é estática e que, de acordo com a situação em que é realizada, diversifica-se. A
linguagem está sempre ligada a um tempo, espaço, situações que produzem sentido, então,
é, importante, para você enquanto futuro professor considerar os diferentes usos da língua e,
desta maneira perceber as potencialidades e desafios para o ensino da língua materna. Co-
nhecer, assim, cada uma das concepções de linguagem e suas bases teóricas contribui para
o norteamento das práticas pedagógicas, pois ao conceber seu aluno enquanto sujeito social,
inserido em um contexto cultural específico lhe permitirá construir práticas significativas para
o ensino de língua materna.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia. Mudanças didáticas e pedagógicas no ensino da língua
portuguesa: apropriações de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
BERGAMINI, Cláudia V. Concepções de linguagem e ensino de língua portuguesa: uma abordagem
em sala de aula. UniFil, Anais – Simpósio de Iniciação Científica, Ano XVII, nº 17, out., 2009.
BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª. Ed. Atualizada pelo. Novo Acordo Ortográfico.
Rio de Janeiro: Lucerna: 2009.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa: ensino de primeira a quarta séries.
Brasília: MEC/SEF, 1997.
_______ Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio: Língua Portuguesa. Brasília: Ministério
da Educação e Cultura – MEC, 2000.
CARDOSO, Sílvia H. B. Discurso e linguagem. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Tereza Cochar. Português: linguagens/literatura,
gramática e redação. 2.ed. São Paulo : Atual. 2004.
CHAUÍ, M. A linguagem. In: ______. Convite à filosofia. 13 ed. São Paulo: Ática, 2006. p. 136-151.
COELHO, Braz José. Linguagem: conceitos básicos. Goiânia: Trilhas Urbanas, 2006.
COSTA, CUNHA, MARTELOTTA. Linguística. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). et al. Manual de
Linguística. 2. ed. São Paulo/SP: Contexto, 2013, p. 15-25.
FUZA, Ângela Francine; OHUSCHI, Márcia Cristina Greco; MENEGASSI, Renilson José. Concepções
de linguagem e o ensino da leitura em língua materna, Linguagem & Ensino, Pelotas, v.14, n.2,
p. 479-501, jul./dez. 2011.
24 • capítulo 1
PERFEITO, Alba M. Concepções de linguagem, análise linguística e proposta de intervenção.
In: CLAPFL – I Congresso Latino-Americano de Professores de Línguas, 2007, Florianópolis. Anais do
I Congresso Latino – Americano de Professores de Língua. Florianópolis: EDUSC, 2007. p. 824-836.
PERINI, Mário A. Sobre língua, linguagem e Linguística: uma entrevista com Mário A. Perini.
ReVEL. Vol. 8, n. 14, 2010. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br].
SANTOMAURO, Beatriz. O papel da letras na interação social. Nova Escola, nº 221, abr., 2009.
SANTOS, Carmi Ferraz. O ensino da leitura e a formação em serviço do professor. Revista
Teias, Rio de Janeiro, ano 3, v. 05, n. jan/jun, p. 29-34, 2002.
TRAVAGLIA, Luiz C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. 9. ed. rev. São
Paulo: Cortez, 2009.
VANOYE, Francis. Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. São
Paulo: Martins Fontes, 1981. (Ensino Superior)
26 • capítulo 2
Ao analisar as relações entre linguagem, cultura e sociedade, compreendemos
que a linguagem é um fato social, produzido e ao mesmo tempo produtor da
cultura. Portanto, incorpora variáveis de acordo com o contexto, tempo, grupo
social e situação de uso no qual está inserida. Contudo, essas variações, que
muitas vezes, diferem da “língua padrão” prestigiada socialmente pelas ca-
madas não populares, são compreendidos como língua “errada”. Então, neste
capítulo discutiremos a existência da relação entre variação linguística, dife-
renças culturais e o conceito de certo e errado, pontuando a contribuição da
Sociolinguística para o desvelamento de alguns mitos linguísticos.
OBJETIVOS
Neste capítulo, esperamos que você:
• Análise as contribuições do estudo da Sociolinguística para o entendimento do conceito
de “erro” e “certo” em língua portuguesa;
• Compreenda o conceito de preconceito lingüístico;
• Perceba o importante papel do professor na desconstrução dos mitos e preconcei-
to linguísticos.
capítulo 2 • 27
2.1 Sociolinguística: conceitos, pressupostos e fundamentação teórica
Vimos no capítulo anterior que a língua estabelece uma relação importante
com a sociedade. Através da língua os sujeitos se comunicam, organizam, in-
terpretam, interagem e dão forma a suas experiências e à realidade em que vi-
vem. Isso significa dizer que se constroem enquanto sujeitos sociais a partir da
relação com a língua. Esta relação se constitui enquanto área ampla de investi-
gação da qual se encarrega a Sociolinguística.
A Sociolinguística, então, é uma das vertentes da Linguística que tem a lín-
gua como campo de estudo, considerando-a em sua estreita ligação com a so-
ciedade. Portanto, para a Sociolinguística a língua deve ser estudada conside-
rando a realidade cultural e diversificada em seu contexto social.
CONCEITOLinguística
A Linguística é uma ciência que ocupa-se da linguagem, pautando-se no estudo das re-
lações da língua e de suas estruturas. Os estudos científicos da Linguagem iniciam-se a par-
tir das observações de Ferdinand de Saussure, que foi professor da Universidade de Gene-
bra onde ministrou cursos de linguística geral. Então, após sua morte em 1913, seus alunos
organizam as ideias expostas nas aulas de Saussure e publicam, em 1916, a obra intitulada
Curso de Linguística Geral. A obra apresenta as ideias e fundamentações de Saussure sobre
a língua e, a partir de sua publicação a Linguística passou a ser considerada Ciência. Para
saber mais sobre os conceitos norteadores da proposta Saussuriana, sugerimos a leitura:
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. Organização de Charles Bally e
Albert Sechehaye com a colaboração de Albert Riedlinger. Trad. de Antônio Chelini, José
Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 24ª ed. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2002.
Consideramos importante e esclarecedor ressaltar que dentro da linguísti-
ca existe grande pluralidade teórica que nos permite identificar princípios que
sustentam outras abordagens como a estruturalista e a gerativista, que são im-
portantes teorias que influenciaram a sociolinguística (Borges Neto, 2004).
28 • capítulo 2
Essas correntes teóricas (estruturalismo e gerativismo) precederam a
Sociolinguística e analisavam, em geral, a língua enquanto estrutura homogê-
nea e estática, passível da aplicação de regras e, compreendida fora de seu con-
texto social.
O estruturalismo é uma corrente teórica, que se desenvolve a partir de duas
vertentes: americana e europeia. A vertente europeia tem Saussure como pre-
cursor, e compreende que a língua se constitui a partir de um conjunto de ele-
mentos que se organizam através de regras estruturadas a partir de suas rela-
ções internas. Assim, de acordo com Costa (2013) a abordagem estruturalista
entende que a língua é uma estrutura, e não considera os fatores e elementos
extralingüísticos, uma vez que a estrutura da língua deve ser descrita apenas a
partir de suas relações internas.
Saussure privilegia o caráter formal e estrutural do fenômeno linguístico,
definindo a língua por oposição à fala. Para ele, a língua se constitui enquanto
“uma soma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um
dicionário cujos exemplares todos idênticos, fossem repartidos entre os indiví-
duos” (Saussure, 2008, p. 27).
Assim, ele concebe a língua como sistema de signos pertencentes a todos os
membros de uma determinada comunidade linguística, que se realiza indivi-
dualmente através da fala (parole).
Então, para Saussure, a língua é social, pertencente a uma comunidade lin-
guística e, a fala é o uso individual da Língua que cada sujeito faz a partir de
combinações entre as unidades da Língua.
“[...] a língua é necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os seus
efeitos; mas esta é necessária para que a língua se estabeleça; historicamente, o fato
da fala vem sempre antes. [...] Por outro lado, é ouvindo os outros que aprendemos a
língua materna; ela se deposita em nosso cérebro somente após inúmeras experiên-
cias. Enfim, é a fala que faz evoluir a língua: são as impressões recebidas ao ouvir os
outros que modificam nossos hábitos linguísticos. Existe, pois, interdependência da
língua e da fala; aquela é ao mesmo tempo o instrumento e o produto desta. Tudo
isso, porém, não impede que sejam duas coisas absolutamente distintas” (SAUSSU-
RE, 2008, p. 27).
capítulo 2 • 29
Então, o estruturalismo apresenta uma tendência “sistêmica” que com-
preende a linguagem enquanto sistema autônomo, sem relações com os falan-
tes ou com o meio social (Borges Neto, 2004, p.60).
O estruturalismo norte-americano se desenvolve a partir das ideias de
Leonard Bloomfield e apresenta pontos de convergência com as ideias propos-
tas por Saussure. Para Bloomfield cada língua apresenta uma estrutura (foné-
tica, morfológica e sintática) específica e, se organizam a partir dessa estrutura
de maneira regular e reiterável.
A teoria formulada por Bloomfield apoia-se na psicologia behaviorista, que
tem Skinner como principal representante, e propõe uma explicação compor-
tamental dos fatos linguísticos. Sendo, neste contexto, a língua compreendida
como uma unidade autônoma que se constitui enquanto resposta a estímulos
dados pelo ambiente. Ou seja, a linguagem é um sistema que se desenvolve em
função do contato com o contexto linguístico no qual o sujeito está inserido.
AUTORLeonard Bloomfield (1887-1949) é considerado o fundador da linguística estrutural nor-
te-americana. Nasceu em Chicago e se formou como bacharel na Universidade de Har-
vard no ano de 1906, recebendo o doutorado na Universidade de Chicago em 1909. Em
1917 pesquisou o Tagalog e outros idiomas extensivamente, e na década de 1920 trabalhou
no agrupamento dos idiomas Nativos americanos. Teve um papel fundamental ao fundar a
Sociedade Linguística da América, em 1924. Bloomfield é mais conhecido pelo seu com-
promisso com a linguística como uma ciência independente, e sua insistência no uso de
procedimentos científicos. No início de sua carreira foi influenciado pelo Behaviorismo, uma
escola psicológica baseada no estudo objetivo do comportamento. Ele fundamentou seu
trabalho, especialmente pela aproximação do significado com os princípios behavioristas.
Seu trabalho principal, Language (Linguagem) (1933), é considerado por muitos como o
texto clássico de linguística estrutural, também tida com o próprio estruturalismo. O livro
sintetizou a teoria e prática de análise linguística. Na verdade, Bloomfield, junto com Edward
Sapir foi um precursor do estruturalismo americano, seguido por seu discípulo Zellig Harris.
Zellig Harris foi quem orientou Noam Chomsky em sua tese de doutorado em linguística no
ano de 1955, na Universidade da Pensilvânia. Chomsky, por sua vez, colocou em xeque todo
o fundamento da linguística estrutural desenvolvida por Bloomfield, opondo à visão behavio-
rista deste, uma visão mentalista da língua. (Wikipédia, disponível em https://pt.wikipedia.
org/?title=Leonard_Bloomfield)
30 • capítulo 2
De acordo com Costa (2013, p.128), para os behavioristas a linguagem era
interpretada como um condicionamento social, uma resposta totalmente pre-
visível que o organismo produzia mediante os estímulos que recebia a partir da
interação social. Ou seja, um fenômeno externo ao indivíduo, um sistema de
hábitos gerado através da repetição constante e mecânica, que se converte em
hábitos que caracterizam o comportamento linguístico dos indivíduos.
Em crítica à concepção estruturalista proposta por Bloomfield, a con-
cepção gerativista propõe pensar as relações da linguagem com os falantes;
Considerando a linguagem enquanto um produto da mente, ou seja, uma qua-
lidade inata, intrínseca do ser humano que se manifesta de maneiras diferen-
tes em detrimento da particular organização mental de cada indivíduo.
O gerativismo se desenvolve no final da década de 1950 e tem como precur-
sor Noam Chomsky que considera que a capacidade linguística dos indivíduos
está relacionada com a criatividade. Deste modo a língua tem uma possibilida-
de infinita de combinações e organizações que estão intrinsicamente, relacio-
nadas com a criatividade dos indivíduos.
Assim, reconhece-se que a fala, não é mera repetição de algo, mas a habili-
dade e capacidade de criar e produzir enunciados. Portanto, a abordagem gera-
tiva se fundamenta no princípio de Competência Linguística que está relacio-
nada com as escolhas que são feitas para produzir enunciados, considerando,
neste contexto, a vertente criativa da linguagem.
Depois de Chomsky, em meados do século XX, década de 1970, inicia-se os
estudos que fundamentam a Sociolinguística; Então, passou-se a considerar
a linguagem em seu contexto de uso, considerando as diferentes escolhas lin-
guísticas dos sujeitos.
2.2 Sociolinguística Variacionista: principais contribuições
A Sociolinguística se caracteriza como área de estudo a partir de 1964, tendo
como marco inicial um congresso organizado por William Bright onde os tra-
balhos, apresentados partem da hipótese que existe um conjunto de fatores so-
cialmente definidos com os quais se supõe que a diversidade linguística esteja
relacionada (ALKMIM, 2005).
capítulo 2 • 31
Considera-se, que a variação e a mudança são inerentes à língua, pois a
língua está inserida em um contexto sociocultural específico e, portanto, não
pode ser estudada fora deste contexto. Assim, a diversidade linguística ganhou
relevância e passa a ser estudada e analisada a partir de variáveis como idade,
sexo, ocupação, origem étnica, questões geográficas e situações de uso.
A sociolinguística variacionista,, então, se desenvolve a partir das contribui-
ções dos estudos do linguista William Labov e, parte do pressuposto que a va-
riação não é produto do acaso, mas um fenômeno que está relacionado com fa-
tores linguísticos e extralinguísticos. Em entrevista à Revista Virtual de Estudos
Linguísticos, Labov (2007, p.2) define que o objeto de estudo da Sociolinguística:
“É a língua, o instrumento que as pessoas usam para se comunicar com os outros
na vida cotidiana. Esse é o objeto que é o alvo do trabalho em Variação Linguística.
Existem outros ramos da Sociolinguística que estão preocupados primordialmente
com questões sociais: o planejamento linguístico, a escolha pela ortografia oficial e
outros que se preocupam com as consequências das ações de fala. Todas essas são
importantes áreas de estudo, mas eu sempre tentei abordar as grandes questões da
Linguística, como determinar a estrutura da linguagem – suas formas e organização
subjacentes – e conhecer o mecanismo e as causas da mudança linguística. Os
estudos da linguagem usada no dia-a-dia provaram ser bastante úteis para alcançar
esses objetivos”.
A língua é, nesta abordagem, um conjunto de variantes utilizadas pelos su-
jeitos de acordo com o contexto, onde estão inseridos, e com a situação de uso.
Perceba que você, por exemplo, não fala da mesma maneira com sua mãe e com
seu colega de curso, assim como sua mãe não fala da mesma maneira com você
e com seu chefe. Outra variação, facilmente, observável é a de falantes de ori-
gens geográficas distintas.
32 • capítulo 2
©
VASY
L D
UD
EN
KO
| D
RE
AM
STI
ME
.CO
M
Figura 2.4 – Exemplo de variação linguística situacional
©
HO
NG
QI Z
HA
NG
(AK
A M
ICH
AE
L Z
HA
NG
)
Figura 2.5 – Exemplo de variação linguística social
capítulo 2 • 33
As imagens acima exemplificam diferentes usos da língua que nos permitem
observar que, nestes casos, as escolhas linguísticas estão relacionadas à questão
situacional e, também à questão social. No primeiro exemplo (figura 5) observa-
mos que o contexto onde a comunicação ocorre, é um contexto profissional, for-
mal. Assim, a linguagem utilizada corresponde à uma situação de uso específico.
No segundo exemplo (figura 6) temos uma linguagem característica de um
grupo social especifico (jovens), informal e não padrão. Quais são os fatores
que determinam essas variações? É, sobre essas variações, que convidamos
você a refletir no nosso próximo tópico.
2.2.1 Variação Linguística
"Não há uma língua portuguesa, há línguas em português”.
José Saramago
Podemos afirmar que a diversidade é inerente à língua, ou seja, não pode-
mos considerar que exista uma língua única que seja usada de maneira homo-
genia por todos os sujeitos. Então, precisamos considerar que a língua sofre
modificações em função de questões geográficas, culturais, sociais, históricas
que se constituem enquanto variantes de uma língua. Observe o que nos diz
Fiorin (2002, p.27) a esse respeito:
“A variação é inerente às línguas, porque as sociedades são divididas em grupos: há
os mais jovens e os mais velhos, os que habitam numa região ou outra, os que têm
esta ou aquela profissão, os que são de uma ou outra classe social e assim por diante.
O uso de determinada variedade linguística serve para marcar a inclusão num desses
grupos, dá uma identidade para os seus membros. Aprendemos a distinguir a varia-
ção. Quando alguém começa a falar, sabemos se é de São Paulo, gaúcho, carioca ou
português. Sabemos que certas expressões pertencem à fala dos mais jovens, que
determinadas formas se usam em situação informal, mas não em ocasiões formais.
Saber uma língua é ser “poliglota” em sua própria língua. Saber português não é só
aprender regras que só existem numa língua artificial usada pela escola. As variações
não são fáceis ou bonitas, erradas ou certas, deselegantes ou elegantes, são simples-
mente diferentes. Como as línguas são variáveis, elas mudam”.
34 • capítulo 2
A variação, assim, nos parece algo inevitável que se manifesta a partir de
diferentes dialetos e registros que caracterizam os diferentes grupos sociais,
faixas etárias e regiões Contudo, é importante ressaltar que os diferentes usos
da língua estão relacionados com a escolha feita pelos sujeitos em detrimento
do contexto em que estão inseridos. Observa-se assim que a variação pode ser
de caráter, geográfico, social e de registro.
MULTIMÍDIAPara conhecer um pouco sobre a variação da Língua Portuguesa, sugerimos que você assis-
ta o documentário: LÍNGUA: vidas em português. Direção de Victor Lopes. Rio de Janeiro: TV
Zero/ Sambascope, 2004. Documentário.
O documentário apresenta entrevistas com diferentes falantes da Língua Portuguesa
que moram em Portugal, Moçambique, Índia, França, Japão e Brasil que, expõem seu cotidia-
no e suas culturas.
2.2.2 A variação regional ou geográfica
As variações regionais, também, conhecidas como diatópicas estão associadas
às variações linguísticas próprias de cada região/espaço geográfico. Assim, o
português que é falado em São Paulo, pode ser diferente do falado em Santa
Catarina, do mesmo modo que o Português que é falado no Brasil difere do que
é falado em Portugal.
É importante ressaltar que essas variações podem ocorrer em todos os ní-
veis: fonéticos, lexicais, morfológico e sintático. Então, as diferenças podem
ocorrer em nível de vocabulário, pronuncia e construções sintáticas.
Observe abaixo, através do texto de Millôr Fernandes, algumas diferenças
entre o Português de Portugal e o Português do Brasil.
Unificação linguística, que clareza!
Tem aí meia dúzia de urnigos, na calada da noite, arquitetando um plano
para a “unificação” da língua portuguesa. Escrevi o trecho abaixo em português
de Portugal para vocês verem como será fácil essa unificação. Estava a conduzir
meu automóvel numa azinhaga com um borracho muito gira ao lado, quando
capítulo 2 • 35
dei com uma bossa na estrada de circunvalação que um bera teve a lata de dei-
xar. Escapei de me espalhar à justa. Em havendo um bufete à frente convidei a
chavala a um copo. Botei o chiante na berma e ornamos ao criado de mesa, uma
sande de fiambre em carcaça eu, e ela um miau. O panasqueiro, com jeito de
marialva paneleiro, um chalado de pinha, embora nos tratando nas palminhas,
trouxe-nos a sande com a carcaça esturrada (e sem caganitas!) e, faltando-lhe o
miau, deu-nos um prego duro.
Como talvez vocês não tenham entendido alguma coisa, traduzo em brasi-
leiro, também conhecido como português do Brasil.
Eu dirigia meu carro por um caminho de pedras tendo ao lado uma gata
espetacular, quando vi um lombo na estrada de contorno que um escroto teve
o descaramento de fazer. Por pouco não bati nele. Como havia em frente uma
lanchonete, convidei a mina a tomar um drinque. Coloquei o carro no acosta-
mento e pedimos ao garçom sanduíche de presunto com pão de forma eu, e ela
sanduíche de lombinho. O gozador, com jeito de don Juan bicha, muito louco,
embora nos tratando muito bem, trouxe o sanduíche com o pão queimado (e
sem azeitonas!) e, não tendo sanduíche de lombinho, trouxe um de churrasqui-
nho duro.
(Millôr Fernandes apud FARACO & TEZZA. Prática de texto: língua portu-
guesa para estudantes universitários. Petrópolis: Vozes, 1992. pp. 57-58)
Tomemos, também, como exemplo as variações que ocorrem nas diferen-
tes regiões brasileiras, considerando que essas variações ocorrem na pronún-
cia, vocabulário e gramática. Observe a poesia, abaixo, de Mário de Andrade
que retrata alguns aspectos a variação linguística regional
“[….]
Que importa que uns falem mole descansado
Que os cariocas arranhem os erres na garganta
Que os capixabas e paroaras escancarem as vogais?
Que tem se os quinhentos réis meridional
Vira cinco tostões do Rio pro Norte?
Junto formamos este assombro de misérias e grandezas,
Brasil, nome de vegetal! [….]”
(Mário de Andrade. Poesias completas. 6. ed. São Paulo: Martins Editora, 1980.)
36 • capítulo 2
Neste contexto, de acordo com Cagliari (2001), ao reconhecer a existência
de variações linguísticas regionais, não se pode pensar em variante regional
“melhor”, “pior”, “bonita” ou “feia”. Não existe variação mais adequada e me-
nos adequada, existem marcas que identificam, regionalmente, cada grupo.
2.2.3 A variação social
A variação social, também denominada diastrática, é aquela associada as di-
ferenças entre os grupos socioeconômicos e, é resultante do agrupamento de
fatores como: nível socioeconômico, grau de escolaridade, faixa etária, gênero
(homem/mulher), grupos sociais, profissionais e outros.
De acordo com Cezario e Votre (2013), na dimensão social estão as diferen-
ças linguísticas entre o dialeto padrão, que é considerado correto e superior,
e o dialeto não padrão que é considerado inferior e incorreto. Assim, o dialeto
padrão compreende a norma culta e, o dialeto não padrão compreende o “po-
pular”, aquele que tem menos prestigio social.
Para exemplificar, convidamos você a refletir sobre o poema abaixo:
O poeta da roça
Sou fio das mata, cantô da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de páia de mío.
Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.
Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.
[...]
Patativa do Assaré/Antônio Gonçalves da Silva
Patativa do Assaré, em "Cante lá que eu canto cá". [Filosofia de um trovador
nordestino]. (Organização Antônio Gonçalves da Silva). 5ª ed., Rio de Janeiro:
Editora Vozes, 1984.
capítulo 2 • 37
O autor do poema, Patativa do Assaré, foi um poeta popular, filho de agricul-
tores nordestinos. Teve pouco acesso à educação e uma vida difícil que retrata-
va através de suas obras que, foram escritas com linguagem simples.
Podemos, a partir do poema, identificar a variação linguística social, per-
tencente à cultura caipira/sertaneja que se configura como expressão que re-
presenta um grupo social específico.
Outro importante fator ao considerar as variações linguísticas sociais, é a
faixa etária. Observamos, facilmente, que pessoas pertencentes a diferentes
faixas etárias tem a tendência de utilizar uma linguagem característica de seu
grupo etário.
Quando pensamos em variação social, também, precisamos considerar os
diferentes grupos profissionais que, por sua vez, utilizam uma linguagem téc-
nica e especifica de sua área de atuação. Um bom exemplo, desta variação, é a
linguagem médica. Você, possivelmente, já observou que eles utilizam termos
técnicos para descrever procedimentos e diagnósticos que são específicos da
sua área de atuação.
Ainda, dentro da variação social, podemos apontar a variação de gênero
(masculino/feminino) que ocorrem e caracterizam modos próprios da fala
masculina ou feminina.
LEITURAPara saber mais sobre a variação linguística de gênero, leia o artigo: “Homem e mulher, es-
tratégias linguísticas diferentes?”
Disponível em: http://www.filologia.org.br/ixcnlf/17/13.htm
2.2.4 A variação situacional ou de Registro
A variação situacional ou de registro está relacionada com o grau de formalida-
de do contexto e, com as diferentes maneiras de empregar a língua em situa-
ções comunicativas diversas.
De acordo com Cezario e Votre (2013) cada pessoa possui um repertório lin-
guístico que a torna capaz de adaptar a sua linguagem às diferentes situações.
Desse modo, o diretor da escola, pode exemplo, pode se expressar de diferentes
38 • capítulo 2
formas dependendo da formalidade que a situação exige. Assim, ele utiliza
uma linguagem técnica própria do campo educacional para conversar com pro-
fessores e funcionários e, uma linguagem menos formal para conversar com
seu filho sobre a escola.
2.2.5 A variação histórica
É uma variação que está relacionada com a dimensão histórica da língua. Ou
seja, a Língua Portuguesa sofre variações históricas que nos permitem observar
que o português falado hoje no Brasil é diferente do falado na década de 50, por
exemplo.
O texto, abaixo, de Carlos Drummond de Andrade nos ajuda a refletir sobre
a dimensão histórica da Língua Portuguesa.
Entre Palavras
Entre coisas e palavras – principalmente entre palavras – circulamos. A
maioria delas não figura nos dicionários de há trinta anos, ou figura com outras
acepções. A todo o momento impõe-se tornar conhecimento de novas palavras
e combinações.
Você que me lê, preste atenção. Não deixe passar nenhuma palavra ou lo-
cução atual, pelo seu ouvido, sem registra-la. Amanhã, pode precisar dela. E
cuidado ao conversar com seu avô; talvez ele não entenda o que você diz.
O malote, o cassete, o spray, o fuscão, o copião, a Vemaguet, a chacrete, o
linóleo, o nylon, o nycron, o ditafone, a informática, a dublagem, o sinteco, o
telex...Existiam em 1940?
Ponha ai o computador, os anticoncepcionais, os mísseis, a motoneta, a
Velo-Solex, o biquíni, o módulo lunar, o antibiótico, o enfarte, a acunputura, a
biônica, o acrílico, o ta legal, a apartheid, o som pop, a arte op, as estruturas e a
infra-estrutura.
Não esqueça também (seria imperdoável) o Terceiro Mundo, a descapitali-
zação, o desenvolvimento, o unissex, o bandeirinha, o mass media, o Ibope, a
renda per capita, a mixagem.
Só? Não. Tem seu lugar ao sol a metalinguagem, o servomecanismo,
as algias, a coca-cola, o superego, a Futurologia, a homeostasia, a Adecif, a
Transamazônica, a Sudene, o Incra, a Unesco, o Isop, a Oea, e a ONU.
capítulo 2 • 39
Estão reclamando, porque não citei a conotação, o conglomerado, a diagra-
mação, o ideologema, o idioleto, o ICM, a IBM, o falou, as operações triangula-
res, o zoom, e a guitarra elétrica.
Olhe ai na fila – quem? Embreagem, defasagem, barra tensora, vela de igni-
ção, engarrafamento, Detran, poliéster, filhotes de bonificação, letra imobiliá-
ria, conservacionismo, carnet da girafa, poluição.
Fundos de investimento, e dai? Também os de incentivos fiscais. Knon-
how. Barbeador elétrico de noventa microrranhuras. Fenolite Baquelite,.LP E
compacto. Alimentos super congelados. Viagens pelo crediário, Circuito fecha-
do de TV Rodoviária. Argh! Pow! Click!
Não havia nada disso no Jornal do tempo de Venceslau Brás, ou mesmo,
de Washington Luís. Algumas coisas começam a aparecer sob Getúlio Vargas.
Hoje estão ali na esquina, para consumo geral A enumeração caótica não é uma
invenção critica de Leo Spitzer. Está ai, na vida de todos os dias. Entre pala-
vras circulamos, vivemos, morremos, e palavras somos, finalmente, mas com
que significado?
(Carlos Drummond de Andrade, Poesia e prosa, Rio de Janeiro, Nova Aguiar,
1988)
Observe a questão abaixo que, também, propõe uma reflexão acerca da va-
riação histórica da Língua.
(ENEM 2014)
Em bom português
No Brasil, as palavras envelhecem e caem como folhas secas. Não é somente
pela gíria que a gente é apanhada (aliás, já não se usa mais a primeira pessoa,
tanto do singular como do plural: tudo é “a gente”). A própria linguagem cor-
rente vai-se renovando e a cada dia uma parte do léxico cai em desuso. Minha
amiga Lila, que vive descobrindo essas coisas, chamou minha atenção para os
que falam assim:
– Assisti a uma fita de cinema com um artista que representa muito bem.
Os que acham natural essa frase, cuidado! Não saberão dizer se viram um
filme com um ator que trabalha bem. E irão ao banho de mar em vez de ir à
40 • capítulo 2
praia, vestido de roupa de banho em vez de biquíni, carregando guarda-sol em
vez de barraca. Comprarão um automóvel em vez de comprar um carro, pega-
rão um defluxo em vez de um resfriado, vão andar no passeio em vez de passear
na calçada. Viajarão de trem de ferro e apresentarão sua esposa ou sua senhora
em vez de apresentar sua mulher.
SABINO, F. Folha de S. Paulo. 13 abr. 1984. (adaptado).
A linguagem varia no tempo, no espaço e em diferentes classes sociocultu-
rais. O texto exemplifica essa característica da língua, evidenciando que:
a) o uso de palavras novas deve ser incentivado em detrimento das antigas.
b) a utilização de inovações no léxico é percebida na comparação
de gerações.
c) o emprego de palavras com sentidos diferentes caracteriza diversida-
de geográfica.
d) a pronúncia e o vocabulário são aspectos identificadores da classe so-
cial a que pertence o falante.
e) o modo de falar específico de pessoas de diferentes faixas etárias é fre-
quente em todas as regiões.
A resposta correta está na alternativa B.
O texto propõe reflexão acerca da variação lexical observada na linguagem
utilizada por gerações distintas. A variação, neste caso, está relacionada com a
dimensão histórica da Língua.
Para observar outros exemplos de variação histórica da Língua Portuguesa,
faça uma pesquisa em jornais e revistas e verifique as diferenças ortográficas e
lexicais. Também, é importante conversar com seus avós e observar o vocabu-
lário que utilizam.
É importante destacar que as variações, que estamos apresentando, ocor-
rem tanto na escrita quanto na fala. Então, podemos concluir que não há lín-
gua homogênea, não há língua imutável. Todas as línguas variam, ou seja, não
há uma comunidade ou região onde todos falem da mesma maneira, de forma
homogenia. .
capítulo 2 • 41
Contudo, “há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é
atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as va-
riedades lingüísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas” (BRASIL,
1997, p.05).
2.3 Preconceito e Mitos Linguísticos
O preconceito linguístico, parte do pressuposto de que existe uma única língua
portuguesa e, neste sentido, tudo que difere desta língua considerada padrão, é
“errado”, portanto, discriminado e reprimido.
De acordo com Bagno (2001, p.36) “menosprezar, rebaixar, ridicularizar a
língua ou a variedade da língua empregada por um ser humano equivale a me-
nosprezá-lo, rebaixá-lo enquanto ser humano”
Contudo, é muito importante que você, enquanto futuro educador, conside-
re que embora a língua culta ou padrão é a que detém o prestígio na sociedade,
não se deve ter preconceito ou discriminação com aquele aluno que usa varie-
dades da língua menos prestigiadas ou valorizadas.
Achamos natural exigir que o aluno aprenda a norma culta para utilizá-la em determi-
nadas situações sociais de comunicação social, mas achamos absurdo, por exemplo,
exigir que alguém tivesse de aprender o dialeto caipira para falar com o pessoal da
zona rural de determinadas regiões do país (sobretudo sul de Minas Gerais e parte de
São Paulo). Por quê? Os falantes da norma culta ”exigem” que o caipira aprenda seu
modo de falar para circular entre eles, mas o contrário não acontece: os caipiras não
“exigem” que os falantes da norma urbana culta aprendam seu dialeto pra circular en-
tre eles. Aprender dialeto caipira será sempre uma “concessão” dos membros do outro
grupo social, por interesse científico, ou porque isso pode ser interessante, cômico,
exótico, etc. (TRAVAGLIA, 2009, p. 64).
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
(1997, p.26), “a questão do preconceito linguístico deve ser enfrentado, na es-
cola, como parte do objetivo mais amplo de educação para o respeito à diferen-
ça. Para isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa
livrar-se de alguns mitos”.
42 • capítulo 2
Esses Mitos, pontuados pelos PCN, são apontados por Bagno (2001), que os
classifica da seguinte maneira:
Mito 1 – A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade
surpreendente
Mito 2 – Brasileiro não sabe português/Só em Portugal se fala bem português
Mito 3 – Português é muito difícil
Mito 4 – As pessoas sem instrução falam tudo errado
Mito 5 – O lugar onde melhor se fala português é no Maranhão
Mito 6 – O certo é falar assim porque se escreve assim
Mito 7 – É preciso saber gramática para falar e escrever bem
Mito 8 – O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social
O primeiro Mito é, muitas vezes, um dos maiores equívocos para o ensino
de língua portuguesa. Assim, ao considerarmos o fato de existirem variações
linguísticas, devemos considerar que não há língua uniforme e homogênea.
Portanto, a língua portuguesa falada no Brasil não apresenta uma unidade.
Partindo do pressuposto que existem variações linguísticas e, considerando
que a norma culta, também, é uma variação. Então, não podemos considerar
a norma culta correta e as demais, enquanto “erradas” e, somando-se a isso
temos o fato de pessoas falarem de maneiras diferentes. Assim, considerar a
escrita da norma culta como a única correta, é menosprezar e diminuir a língua
falada. De acordo com Bagno (2004) a supervalorização da língua escrita, com-
binada com o desprezo da língua falada, é preconceito.
Outra importante reflexão está relacionada ao fato de que é preciso saber
gramática para falar e escrever bem. Sabemos que a gramática normatiza e
sistematiza o uso da Língua, contudo, embora seja necessário compreende-la,
apenas a gramática não é suficiente para que se fale e escreva bem. Existem
outros importantes fundamentos e conhecimentos que permeiam a habilidade
de leitura e escrita que não apenas a gramática.
Desconstruir esses Mitos linguísticos é essencialmente importante para o
ensino da Língua Portuguesa, considerando que quando não se reconhece a he-
terogeneidade linguística e as variações do português falado no Brasil, a escola
ensina a língua como se ela fosse única e comum a todos.
capítulo 2 • 43
LEITURAPara saber mais sobre os Mitos Linguísticos, sugerimos a leitura: BAGNO, Marcos. Precon-
ceito linguístico: o que é, como se faz. 54ed. São Paulo: Edições Loyola, 2011.
Neste Livro Bagno propõe uma interessante reflexão sobre o Preconceito Linguístico e,
desconstrói alguns mitos linguísticos.
Assim, de acordo com os PCN, a questão do ensino da língua não é de correção
da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização efi-
caz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido.
Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem nas diversas situações comuni-
cativas, especialmente nas mais formais: planejamento e realização de entrevistas,
debates, seminários, diálogos com autoridades, dramatizações, etc. Trata-se de propor
situações didáticas nas quais essas atividades façam sentido de fato, pois seria des-
cabido “treinar” o uso mais formal da fala (BRASIL, 1997, p.32).
Portanto, o papel do professor é propor espaços de construção e reflexão
que possibilitem ao aluno o entendimento e a utilização do uso da Língua, bem
como do aprimoramento de competências e habilidades comunicativas.
ATIVIDADES01. Observe o trecho do poema de Oswald de Andrade e reflita sobre a Linguagem utilizada
pelo autor. É uma Linguagem que apresenta variações? Por quê?
Vício na fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.
Oswald de Andrade
44 • capítulo 2
02. Leia o texto abaixo e, a partir do que estudamos neste capítulo, defina o que é precon-
ceito Linguístico e, qual a postura do educador diante da heterogeneidade linguística do
português falado no Brasil.
“Muitas vezes, cidadãos são marginalizados por não saberem empregar a norma culta na
hora de falar ou de escrever. Esse comportamento é chamado de preconceito linguístico. A
língua é viva e sofre modificações de acordo com o contexto. É um engano pensar que haja
certos ou errados absolutos. Há razões históricas para que comunidades inteiras se expres-
sem de uma forma e não de outra. Exigir que todos empreguem a mesma linguagem é um
desrespeito às diferenças.”
(Sarmento, Leila Lauar. Oficina de Redação. São Paulo:Moderna,
2003 vol. 3, 7ª série, pág. 131.)
REFLEXÃOIniciamos nossas reflexões neste capítulo, apresentando as idéias de Saussure enquanto
precursor dos estudos Linguísticos. As diferentes abordagens linguísticas analisam a Língua
sobre diferentes prismas, desenvolvendo acepções diferentes do funcionamento da língua,
algumas vezes partilham as idéias saussurianas, outras a criticam. Contudo, é a partir da críti-
ca ou da aceitação que se desenvolvem aprimoramentos e novas correntes teóricas.
Nosso objetivo foi descrever brevemente as abordagens linguísticas, pontuando as con-
tribuições da Sociolinguística para o desvelamento de alguns mitos linguísticos, principal-
mente, sobre o preconceito Linguístico.
Neste contexto a Sociolinguística apresenta importantes contribuições para o ensino
de Língua Portuguesa, pois apresenta um estudo da língua considerando a relação com as
questões culturais, sociais, econômicas e políticas. Evidenciando a possibilidade de diferen-
tes usos, sem, contudo, entender o que difere da língua padrão/culta como “erro”.
O professor de Língua Portuguesa deve, então, considerar a grande diversidade de con-
textos que fazem com que a língua se modifique, não apresentando apenas uma unidade.
capítulo 2 • 45
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALKMIN, Tânia. Sociolinguística. Parte I. In: Fernanda Mussalim, Ana Cristina Bentes (orgs.).
Introdução à linguística: 1. Domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. p. 21-47.
BAGNO, Marcos. Dramática da Língua Portuguesa: tradição gramatical, mídia & exclusão
social. 2 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
BORGES NETO, José. Ensaios da filosofia da linguística. São Paulo: Parábola, 2004
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & Linguística. 10.ed. São Paulo: Scipione, 2001.
CEZARIO, Maria Maura; VOTRE, Sebastião. Sociolinguística. In: MARTELOTTA Mário Eduardo (Org.).
Manual de linguística. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2013. P 141-155.
COSTA, M. (2013). Estruturalismo. In: Martelotta, M. Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2013.
p. 113-126.
FIORIN, José Luiz. “Os Aldrovandos Cantagalos e o preconceito linguístico”. In O direito à fala. A
questão do preconceito linguístico. Florianópolis. Editora Insular, pp. 27, 28, 2002.
LABOV, William. Sociolinguística: uma entrevista com William Labov. Revista Virtual de Estudos da
Linguagem - ReVEL. Vol. 5, n. 9, agosto de 2007. Tradução de Gabriel de Ávila Othero. ISSN 1678-
8931 [www.revel.inf.br].
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. Trad de A. Chelini, José P. Paes e I. Blikstein. São
Paulo: Cultrix, 2008.
TRAVAGLIA, Luiz C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. 9. ed. rev. São
Paulo: Cortez, 2009.
48 • capítulo 3
No decorrer do terceiro capítulo vamos analisar os mitos da língua portuguesa
e o preconceito linguístico, buscando entender as variações dialetais e com-
preender o impacto das diferenças regionais no aprendizado da língua portu-
guesa. Além disso será possível refletir sobre o conceito de leitura de mundo e
o mundo da leitura, pensando na importância do ato de ler para conhecer a si
mesmo e o mundo que o circunda.
OBJETIVOS
Neste capítulo esperamos que você possa:
• Entender o conceito de leitura de mundo e o mundo da leitura e a relação entre tais conceitos;
• Perceber a importância do ato de ler para conhecer a si mesmo e o mundo que o circunda.
• Entender as variações dialetais e compreenda o impacto das diferenças regionais no
aprendizado da língua portuguesa;
• Entender o critério de adequação e uso da língua e sua repercussão sociocultural na
aprendizagem da fala e da escrita;
• Identificar o papel do professor no tratamento das diferenças dialetais na construção lin-
guística do aluno.
capítulo 3 • 49
3.1 O conceito de leitura de mundo e o mundo da leitura
“... Na medida, porém, em que me fui tornando íntimo do meu mundo, em que
melhor o percebia e o entendia na “leitura” que dele ia fazendo, os meus temo-
res iam diminuindo.
Mas, é importante dizer, a “leitura” do mundo, que me foi sempre funda-
mental, não fez de mim um menino antecipado em homem, um racionalista de
calças curtas. A curiosidade do menino não iria distorcer-se pelo simples fato
de ser exercida, no que fui mais ajudado do que desajudado por meus pais. E
foi com eles, precisamente, em certo momento dessa rica experiência de com-
preensão do meu mundo imediato, sem que tal compreensão tivesse signifi-
cado malquerenças ao que ele tinha de encantadoramente misterioso, que eu
comecei a ser introduzido na leitura da palavra. A decifração da palavra fluía
naturalmente da “leitura” do mundo particular. Não era algo que se estivesse
dando supostamente a ele. Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa,
à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior
de meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz”.
(FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Agir, 1996.)
Sabemos que a leitura é um aspecto fundamental do ensino-aprendizagem
de língua portuguesa, sendo até mesmo o foco de instrumentos de avaliação da
Educação Básica, como a Prova Brasil. Por isso mesmo, é pertinente qualificar
sua contribuição e implicações na formação do leitor.
A leitura deve ser ao longo de toda escolaridade uma experiência de cons-
trução de conhecimento e de diálogo, além de servir como importante fator de
desenvolvimento das habilidades linguísticas do aluno e do processo de deco-
dificação1 da escrita. Assim, além de metodologias adequadas nas práticas de
leitura, é importante a reflexão e orientação teórica sobre o ato de ler.
A leitura pode ser entendida como sonorização de um texto; processo de
decodificação*; produção e atribuição de sentido; compreensão do mundo e
formulação de juízo crítico sobre determinado texto. Deve-se também identifi-
cá-la com uma experiência integral de conhecimento.
1 Decodificação está sendo usada com o sentido de conhecimento da correspondência entre os sons e as letras de uma palavra
50 • capítulo 3
A leitura deve ser entendida como um processo dinâmico que envolve a com-
preensão e a transformação de informações, de conhecimentos. Não basta sim-
plesmente aprender a decodificar os sinais gráficos. O leitor deve compreender
o significado do que lê, apoderar-se desse conhecimento e transformá-lo a partir
de sua experiência pessoal. Ler para aprender é, então, ampliar os conhecimen-
tos a partir da leitura de um determinado texto. (BRASIL, 2007, p. 11)
Pela leitura se constrói o conhecimento do mundo, do outro e de si mesmo:
A prática da leitura seria um adestramento reflexivo um exercício de conheci-
mento do mundo, de nós mesmos” (NUNES, 1998).
A leitura se torna formação e conhecimento quando os textos se constituem
em experiência de diálogo fecundo. Diálogo com textos plurais, com saberes
diversos e com diferentes subjetividades.
As atividades de leitura devem favorecer a percepção de que os textos são
janelas ou portas que se abrem para o mundo, para o outro e para as vivências
do próprio leitor. A leitura não se justifica como mera rotina escolar ou algo
confinado à sala de aula. Ler não se limita à percepção ou reconhecimento de
fatos gramaticais ou a técnicas de compreensão da estrutura textual.
O diálogo que o leitor trava com o texto deve ser também diálogo com o
contexto e o mundo do texto. O texto é um objeto histórico, que nos remete
a determinada época, a intenções do autor, a condicionamentos culturais e a
aspectos ideológicos. Por isso mesmo, é pertinente reconhecer as marcas que
o texto oferece de sua historicidade. Os procedimentos de leitura devem expli-
citar e identificar os recursos expressivos, as anotações e os elementos formais
do texto que o situam no seu contexto.
A partir da relação do texto com seu contexto, construímos o diálogo com
a nossa realidade, o nosso mundo. Lemos o mundo antes da palavra, já dizia
Paulo Freire, mas lemos também o mundo pela palavra do outro, pela visão de
mundo do outro. Não lemos os textos, entretanto, para reproduzirmos a visão
de mundo que nos é oferecida a cada leitura, mas lemos para também cons-
truirmos nossa visão de mundo.
O diálogo com a realidade, favorecido pela leitura contextualizada, aponta
para a necessidade do diálogo com o outro. Os textos podem nos conduzir ao
mundo do outro, ao reconhecimento da alteridade e da descoberta do outro.
Reconhecer nos textos diferentes abordagens e opiniões sobre um mesmo as-
sunto, saber dialogar a partir da diferença de ideias e da diversidade de autores
é experiência de formação para a cidadania e a construção de um sujeito que se
reconhece parte de um mundo plural.
capítulo 3 • 51
A leitura, enriquecida pela referência do outro, é ainda experiência de co-
nhecimento de si mesmo: “Na realidade, cada leitor é, quando lê, o próprio lei-
tor de si mesmo. A obra do escritor é somente uma espécie de instrumento de
ótica que ele oferece ao leitor a fim de permitir-lhe discernir aquilo que sem o
livro talvez não tivesse visto em si mesmo.” (PROUST, 1989).
A leitura, ainda que comporte uma dimensão coletiva e faça surgir o diálogo
com a realidade, é também uma experiência de introspecção, de autoconheci-
mento, pois “no ato da leitura, o leitor isola-se momentaneamente do mundo,
fazendo surgir uma conversa silenciosa e uma singular dialética entre nós mes-
mos e o texto” (NUNES, 1998).
O ato de ler, pode ser definido como uma prática que envolve descobertas e
amplia horizontes, para além da decifração de códigos, envolve a compreensão
de sentidos, e produção de significados. Portanto, deve ser encarado como uma
ação prazerosa, a ser incentivada desde a infância por pais, professores e meios
de comunicação a fim de que o gosto pela leitura esteja inserido no cotidiano
como algo divertido e enriquecedor. Isso é fundamental para a formação de lei-
tores assíduos e críticos.
O contato com a leitura é algo que ocorre antes da entrada na escola. Lemos
o mundo que nos rodeia, textos diversos constituídos por linguagens verbal e
não-verbal, realizamos leitura de imagens, símbolos, enfim, leituras inciden-
tais de tudo pode se constituir em objeto para ser lido.
Na escola, a leitura ocorre mediatizada por materiais específicos, como li-
vros didáticos e paradidáticos, mas também pode ser enriquecida com mate-
riais diversos, que constituem nosso cotidiano, todos com conteúdo voltado
para o domínio efetivo da língua e a formação do leitor.
Vale ressaltar que a leitura enquanto atividade da linguagem é uma prática
social, constituída da ação de sujeitos plenamente capazes de interagir com o
mundo e nele atuar como cidadãos.
A definição de leitura é, muitas vezes, encarada de forma simplista como sendo
apenas ato de decodificar sinais escritos. Isso se deve ao fato histórico da educação
brasileira que, até pouco tempo, não conseguia trazer para a escola grande parcela
da sociedade. Considerava-se “leitor”, a pessoa que conseguia assinar e decodificar
palavras simples. À medida que evoluiu, a sociedade, como um todo, passou a ter mais
possibilidades de acesso à escola (CONDÉ, 2011, p. 61).
52 • capítulo 3
E é a partir desta concepção que a leitura deixa de ser vista como mero deci-
framento/ decifração e repetição de algo conhecido e passa a ser instrumento
para explorar o mundo. Afinal a leitura vai além da decodificação, estabelecen-
do sentidos, que propõe intenções e possibilidades de um texto, bem como a
relação intertextual que assegura que um texto seja interpretado e não apenas
decodificado ou traduzido.
Neste movimento, a figura do leitor tem fundamental importância, sendo
ativo no processo. Ao compreendermos que o ato da leitura implica uma co-au-
toria, ou seja, o leitor, sendo aquele que interpreta, também atualiza o que lê,
o que pressupõe disposições individuais do leitor e do código social e cultural
inter-relacionado.
Sendo assim, ao trabalhar com atividades de leitura em sala de aula o pro-
fessor deve levar em conta cada passo do processo. Compreendendo a leitura
como um conjunto de ações o docente deve visar a formação de cidadãos com
capacidade crítica, mobilizando em suas práticas, atividades que considerem
os conhecimentos prévios que fundamental a composição de um texto e a inter-
pretação deles, à medida que se considera esse processo de leitura como funda-
mental para uma melhor compreensão do mundo.
É importante ressaltar que, para uma relação entre conhecimento de mun-
do e a leitura, cabe a escola e aos docentes responsáveis, o oferecimento de ati-
vidades que estejam apoiadas em conceitos e conhecimentos sociais, ou seja,
que os materiais e propostas ofertadas para os alunos tenham contexto e rela-
ção com o mundo que o circunda. Assim, o conceito de leitura de mundo e o
mundo da leitura estarão conectados, e a importância do ato de ler irá aconte-
cer de maneira ampla e interessante para os alunos, conhecendo a si mesmo e
o mundo.
Deste modo,
A leitura, na sociedade contemporânea, deve ser aquela que desperta no indivíduo
a capacidade de ler o mundo e suas entrelinhas, que leve a despertar para seus
melhores sonhos, acreditando sempre na sua capacidade de transformar o mundo e
sua própria realidade. É papel fundamental da escola criar esperanças, incentivar e
desenvolver potencialidades, produzir ilhas de solidariedade e coragem em meio a um
sistema que, muitas vezes, sufoca ou cria seres humanos para serem meros repetido-
res de informação (CONDÉ, 2011, p. 62)
capítulo 3 • 53
Algumas perguntas que constantemente são encontradas quando se fala
em prática de leitura e sua necessária conexão com o mundo, estão relaciona-
das a como inserir ao natural às crianças a prática da leitura? Outras perguntas
como: De que forma motivar os alunos à leitura? O que fazer para que se te-
nham leitores críticos? Como proporcionar o hábito de ler às crianças?
Todas estas questões parecem permear o universo didático e pedagógico,
e nos mostra que para um trabalho com leitura ser promissor e proveitoso, ele
deve estar inserido no universo do aluno, no universo social, produzindo senti-
dos e significados.
Nesse sentido,
O agrupamento entre jogos e livros poderá levar a criança a apropriar-se do gosto
pela leitura, instrumento de grande valia na sociedade. Na sala de aula, o professor
poderá utilizar tais instrumentos pra desenvolver nos educando o autodomínio emo-
cional nos momentos de trabalho em grupo, fazendo com que consigam desenvolver
o sentido de percepção do seu espaço e o do outro, ampliar a integração entre seus
colegas, desenvolver a sua própria linguagem oral, trabalhar a memória e a atenção e
valorizar um ambiente de convivência e de prazer (CONDÉ, 2011, p. 60).
Assim, é de fundamental importância, elucidar o fato, de que, para além de
um trabalho contextual, a leitura deve estar atrelada a práticas que deem espa-
ço para a imaginação, criatividade e ao lúdico, pois à medida que a criança as-
socia o prazer de brincar ao prazer de ler, ambas as atividades são potencializa-
das, contribuindo para o desenvolvimento pleno deste enquanto ser humano.
3.1.1 Portadores de texto: Instrumentos para leitura de mundo
Nos atos de leitura são necessários dois elementos: a pessoa que lê e o objeto
que está sendo lido. Entretanto, a presença desses dois aspectos não basta para
assegurar que um ato de leitura esteja sendo efetivado. É imprescindível iden-
tificar o objeto como algo que serve para ler, atuar sobre o objeto e também
interpretar a sua mensagem social.
O termo portador de texto é adotado para denominar qualquer objeto que
apresente algo que possa ser lido, ou seja, qualquer objeto que leve um texto
impresso. Em outras palavras, os portadores de texto são “veículos” ou “meios”
54 • capítulo 3
que transportam mensagens usando “textos escritos”. Quando a criança define
um portador de texto enquanto um objeto que serve para ler, supõe-se que ela
já descobriu alguns usos da escrita. Por isso, quanto maior a vivência da criança
com material escrito, maior será a sua facilidade em compreender as funções
da linguagem (MOREIRA, 1992).
Entendendo que a criança descobre os usos significativos da leitura partin-
do de seus esquemas de assimilação, construindo pontes entre as suas ativida-
des familiares com a linguagem escrita e as novas atividades que a escola exige,
é fácil verificar o papel valioso destinado a esta escola no desenvolvimento da
percepção dos propósitos da escrita usando objetos presentes na atividade ex-
periente da criança ou objetos que o meio social utiliza nas diferentes situações
(MOREIRA, 1992).
O trabalho com portadores de texto pode envolver quatro processos prin-
cipais: identificação do portador, reconhecimento dos atributos utilizados na
identificação do portador, especificação das funções do portador e predição do
conteúdo do portador.
LEITURAÉ importante observar que há portadores de texto e suportes de texto. O primeiro se refere a
objetos que, contendo diversos produtos, possuem marcas escritas e o segundo, os suportes
de texto, aos objetos elaborados especialmente para a escrita, como livros, revistas, papéis
administrativos, periódicos, documentos em geral.
Identificação do portador
A maioria dos portadores de texto reconhecidos pelas crianças são aqueles
que fazem parte de sua vida cotidiana fora da escola, tais como: receitas de bolo,
bulas, receitas médicas, notas fiscais, telegramas, revistas em quadrinhos, li-
vros infantis, instruções de jogos, propagandas políticas, mapas, dicionários,
cartazes, carnês, folhas de talão de cheque, revistas informativas, jornais, car-
tas, folhetos de orações de igrejas, rótulos de leite em pó ou achocolatado, em-
balagens de creme dental, de sabonete e de sabão em pó, caixas de leite, remé-
dio, entre outros.
É importante que a escola favoreça o conhecimento de variados objetos por-
tadores de texto, expondo os aprendizes a várias situações em que interagem
capítulo 3 • 55
leitores e texto. Dessa forma, a escola não pode desconsiderar as condições
concretas de vida da família da criança, tanto no sentido de usar aquilo que lhe
é próximo, quanto no sentido de ajudar a enriquecer cada vez mais o contato
com diferentes portadores, pois não podemos nos esquecer de que nem sem-
pre as crianças convivem em um ambiente rico e diverso em oportunidades.
Reconhecimento dos atributos utilizados na identificação dos portadores
de texto
Esse processo diz respeito aos meios usados pela criança para chegar à
identificação do portador de texto. Aqui, o professor pode refletir sobre as pis-
tas ou os atributos que a criança conhece e que a levam a identificar o portador.
Essas pistas funcionam como indicadores de várias condutas de interação com
os objetos. Por exemplo, uma criança pode identificar um portador de texto por
meio de atributos inerentes ao próprio objeto (elementos figurativos, formato,
presença de números, cor, leitura) ou a partir de elementos externos ao objeto
(presença em casa é de uso dos familiares, é de consumo individual). Segundo
Moreira (1992, p. 26):
Esse processo diz respeito aos meios usados pela criança para chegar à identificação
do portador de texto. Aqui, o professor pode refletir sobre as pistas ou os atributos
que a criança conhece e que a levam a identificar o portador. Essas pistas funcionam
como indicadores de várias condutas de interação com os objetos. Por exemplo, uma
criança pode identificar um portador de texto por meio de atributos inerentes ao
próprio objeto (elementos figurativos, formato, presença de números, cor, leitura) ou a
partir de elementos externos ao objeto (presença em casa é de uso dos familiares, é
de consumo individual). Segundo Moreira (1992, p. 26):
Moreira (1992) acrescenta que, na psicolinguística contemporânea, a leitu-
ra pode ser vista como um processo em que o leitor é guiado primariamente por
sua expectativa do que está escrito. Ou seja, a leitura reflete um processo sele-
tivo em que os leitores normalmente não levam em consideração os sinais im-
pressos sem um objetivo prévio e sem expectativa do que poderiam encontrar
no texto. Isso quer dizer que os leitores, na extração de significado de um texto,
são guiados por suas expectativas. Dessa forma, inferimos que “para formar
56 • capítulo 3
expectativas sobre um portador é necessário já ter entrado em contato com ele
ou pelo menos saber de sua existência” (MOREIRA, 1992, p. 30).
Especificação das funções do portador
As funções de um portador de texto dependem do grau de percepção do lei-
tor quanto ao seu uso. Quando vemos um objeto pela primeira vez, tendemos
a associá-lo a uma situação concreta de uso. De imediato, percebemos o uso
externo do objeto. Nesse caso, quando se trata de objetos portadores de tex-
to, a imagem construída sobre eles pode vincular-se a uma atividade externa e
observável, dirigida ao portador como um todo, ou “pode-se relacionar a uma
atividade interna, dirigida ao elemento definidor do portador, que é o texto”
(MOREIRA, 1992, p. 31).
Nos vários portadores, podemos perceber graus distintos de dependência
entre texto e objeto. Em uma caixa de remédio, por exemplo, o texto pode ser
importante para os adultos. Mas para as crianças talvez não o seja. A caixa, para
ela, pode ter mais valor que o texto, pois é na caixa que se guardam os remédios.
Da mesma forma que existem graus diferentes de dependência entre o texto e
o portador, podem existir variados graus de percepção dos usos ou das funções
dos portadores.
Moreira (1992) relata que uma criança que nunca viu um familiar fazer uso
de uma receita de bolo, ao falar sobre para que serve a receita, pode reportar-
se ao bolo, dizendo que serve para comer. Nesse caso, o texto enquanto ins-
trumento funcional e auxiliar não existe. “O que existe é o bolo que serve para
comer” (MOREIRA, 1992, p. 32). Quando o portador é visto somente por meio
de um uso particular, tem seu texto anulado, pois “a percepção contextualiza-
da do objeto impede que se atribua a seu texto uma função social” (MOREIRA,
1992, p. 32). Nessa perspectiva, o cartaz de propaganda política serve para ser
pregado na parede; embora no rótulo de leite a palavra esteja visível, o que tem
função é o leite que serve para dar de bebida a alguém; o folheto da igreja com
letras de música serve para cantar. São modos de ver o portador que indicam
que, para a criança, a extensão funcional da escrita ainda não é clara, isto é, ler
e escrever não faz, ainda, muito sentido.
Em contrapartida, quando o portador é visto como um suporte material de
texto, a função social do texto é o que importa. Dessa forma, uma criança pode
dizer que o rótulo de leite serve para uma pessoa saber que é leite; o jornal, para
saber o que está acontecendo; a receita, para ensinar a fazer bolo; o cartaz de
capítulo 3 • 57
propaganda política serve para fazer política eleitoral e o folheto da igreja com
letras de músicas serve para as pessoas lerem e cantar. Nesse ponto, a escrita
aparece como “uma técnica auxiliar, usada para propósitos psicológicos, pois
se compõe do uso funcional de linhas, pontos e outros sinais para lembrar e
transmitir ideias e conceitos” (MOREIRA, 1992, p. 33).
Ancorada, então, no aporte teórico de Luria, Moreira entende que não é a
compreensão que leva ao ato, mas o ato que permite surgir a compreensão. Ou
seja, “a evolução da compreensão da função social do portador acompanha
o amadurecimento da criança e é decorrente de sua familiaridade com ele”
(MOREIRA, 1992, p. 34).
Predição do conteúdo do portador
Tal processo refere-se ao conhecimento que a criança elabora previamente
em relação ao objeto portador, e que geralmente pode estar associado direta-
mente ao nome do objeto, como, por exemplo, o fato de a criança saber que em
uma caixa de remédio está impresso o nome deste, mesmo antes de saber ler.
É importante que a escola contribua para que a criança “leia” não somente o
nome do portador mencionado, mas que “leia”, também, o nome dos elemen-
tos pertencentes ao contexto social do portador, enfim, que entendam a função
social dos portadores de texto.
Como aponta Moreira (1992), se uma criança diz que no cheque está escrito
‘cheque’, não dá dicas de seu conhecimento sobre as relações do objeto com
elementos de sua situação social de uso. Entretanto, se a criança visualiza e lê
no cheque a palavra governo, então podemos dizer que ela vincula o portador
a banco, e o banco, como não deve ser de uma pessoa só, é vinculado à palavra
governo. Em suma, pode-se dizer que a mera presença dos objetos portadores
de texto não é suficiente. É necessário ter as condições de mediação que instru-
mentalizam as pessoas para o uso do objeto para que esse possa ser entendido,
questionado e analisado no que diz respeito à sua função e ao seu conteúdo.
Diante desses quatro processos que dizem respeito ao trabalho com por-
tadores de texto, Moreira (1992) conclui que as concepções construídas pelas
crianças sobre as funções e os sentidos de uso da escrita evoluem de uma inter-
pretação externa para uma interna.
Para interpretar o ato de ler como um expediente funcional, e não como
uma atividade autocontida, são extremamente relevantes a mediação do adul-
to e a valorização atribuída por este à leitura. Outro aspecto importante reside
no fato de que o conhecimento das funções sociais da escrita favorece, para as
58 • capítulo 3
crianças alfabetizadas, a antecipação de conteúdo dos portadores e a predição
de elementos de suas estruturas textuais.
Em resumo, podemos dizer que os portadores de texto constituem instru-
mentos relevantes no movimento alfabetizador. Possuem o aspecto material
concreto, que já atrai a atenção da criança, criando um sentido a mais no que
tange ao incentivo de querer compreender o texto, que se encontra no objeto.
O uso intencional do portador de texto, por sua vez, chama a atenção para o
conteúdo da escrita, que se bem trabalhado permite a compreensão da função
social à qual atende determinado portador de texto.
Quando se leva o aluno a compreender o conteúdo e a função social dos por-
tadores de texto, realiza-se um trabalho inteligente e reflexivo de pensar sobre o
que reside nas entrelinhas dos textos. Dessa forma, o aluno é capaz de entender
à qual ideologia o texto que lhe é portado visa servir. Ao deparar-se, então, com
um panfleto de propaganda eleitoral, o indivíduo capaz de entender os signifi-
cados sociais e ideológicos de tal por-tador de texto passará a “ler” as informa-
ções com um olhar crítico mais apurado. Ao comprar determinado produto no
supermercado, o indivíduo bem formado será capaz de ir além da estética do
portador; entenderá que aquela embalagem porta um texto com informações
mais precisas que ajudarão em sua decisão de compra.
A escola, por sua vez, não pode ignorar a relevância do trabalho com porta-
dores de texto. Em vez de realizar uma aprendizagem de escrita e leitura mecâ-
nica, isolada de sentidos e significados, que visa unicamente formar pessoas
decodificadoras de um alfabeto convencionalizado, pode centrar forças na for-
mação de sujeitos realmente capazes de ler e escrever sobre os significados so-
ciais do mundo em que vive, objetivando, desse modo, a concretização de uma
aprendizagem mais efetiva e não alienada.
Abaixo, seguem algumas ideias e propostas de atividades a serem realiza-
das com os alunos sobre os portadores de texto:
Proposta de atividade 1 (com grupos de crianças com 9 ou 10 anos):
– Pedir para que as crianças tragam diversificados portadores de texto com
conteúdos interessantes. O professor também pode contribuir. Discussão com
o grupo sobre usos, sentidos e significados presentes nos portadores.
capítulo 3 • 59
– Organizar as crianças em grupos; talvez a sala possa ser dividida em qua-
tro equipes. Cada grupo terá que elaborar uma história, incluindo no corpo do
texto a menção a alguns portadores.
– Cada equipe deverá eleger um representante. O representante de um gru-
po será responsável por escolher alguns portadores de texto e entregá-los para
os membros de um outro grupo, que deverão usar esses objetos na elaboração
de sua história.
– Depois que cada grupo terminou a sua história, o professor pode iniciar o
processo de leitura e correção coletiva das histórias. Quando esse movimento
estiver terminando, cada grupo elegerá uma história de um outro grupo para
poderem representá-la artisticamente. Por exemplo, os membros do grupo A
podem eleger a história do grupo C, e este, por sua vez, poderá escolher a histó-
ria do grupo B.
– Após a escolha, as crianças representarão, por meio de desenho, pintura,
colagem, história em quadrinhos ou modelagem, o conteúdo da história. As
histórias e suas respectivas representações poderão ser colocadas em exposi-
ção em outros locais da escola ou na própria sala dos alunos.
Proposta de atividade 2 (com grupos de crianças com 6 ou 7 anos):
– Coletar com a ajuda das crianças, várias embalagens (caixas, sacos, latas,
potes, recipientes plásticos etc.). Cada criança escolherá uma embalagem. Em
atividade com todo o grupo, cada criança apresentará a sua embalagem e falará
um pouco da identificação desse portador de texto. Por exemplo, a criança será
incentivada a falar o que é, para que serve, fazer predições sobre informações
escritas na embalagem, descrição sobre formato e cores, identificar se há ou
não a presença de números etc. Como a atividade é em grupo, se a criança tiver
dificuldades, outras crianças e o próprio professor podem ser mediadores.
– Depois de vários debates sobre a temática dos portadores, em que as crian-
ças foram bastante incentivadas a “falar” sobre os mesmos, será iniciada uma
outra fase da atividade. Cada criança irá criar uma embalagem para um deter-
minado produto, ou seja, cada criança irá inventar uma embalagem que porte
um texto sobre um produto.
– Para auxilar as crianças, o professor pode trabalhar uma ficha em que
as crianças pensarão sobre o produto. Decidirão sobre: nome, uso, informa-
ções necessárias para a embalagem e o tipo de recipiente.298 Metodologia da
alfabetização
60 • capítulo 3
Produto: ____________________________________________
Nome: ______________________________________________
Para que serve: _______________________________________
Informações que constarão na embalagem: ______________
Tipo de recipiente: ___________________________________
Depois que as fichas foram escritas, as crianças farão um desenho onde sua
embalagem, as fichas, juntamente com os desenhos, poderão ser colocadas
em exposição.
3.2 Variações Dialetais e o Ensino de Língua Portuguesa
“Utilizar o Mapa do Brasil como livro didático seria, no mínimo, conscientizar
o aluno para o exercício de uma digna cidadania. Simplesmente mostrar erros
de escrita é diferente de conscientizar sobre a escrita da língua, conhecer sua
história e seu percurso, pois, como sabemos, a escrita é uma criação histórica
do desenvolvimento dos homens. A aquisição da escrita não pode ser apenas
uma aquisição ortográfica, embora também o seja” (PESSOA, 2008, p. 144).
Ao pensarmos em leitura, é fundamental uma reflexão em torno de nossa
língua, afinal, para leitura de um texto, quaisquer que sejam os gêneros encon-
trados, é preciso dominar a língua, ou seja, conhecer as regras que definem
padrões linguísticos, bem como seus signos, significantes e significados para
compreensão dos sentidos a serem produzidos.
Para que a comunicação ocorra, o ser humano precisa de uma linguagem
que seja comum àqueles que estão na relação comunicativa. Neste sentido, a
língua, é o meio usado para que a comunicação aconteça, sendo um sistema de
símbolos usados por um grupo de pessoas de uma mesma comunidade.
A linguagem é um sistema constituído por elementos (gestos, sinais, sons,
símbolos ou palavras) que são usados para representar conceitos de comunica-
ção, ideias, significados e pensamentos. Já “Língua” é o tipo de código formado
por palavras e leis combinatórias, por meio do qual as pessoas se comunicam
e interagem entre si; são sistemas de representação cognitiva do universo, me-
diante os quais as pessoas constroem suas relações.
capítulo 3 • 61
Vamos pensar em nossa língua, a Língua Portuguesa, conhecida como:
Português. Ela é nosso ponto de partida ao tentar escrever uma carta, ler um
texto, interpretá-lo, ou mesmo nas ações cotidianas, para compreensão de in-
formações e regras com fins sociais.
Em nosso país a língua oficial é a Língua Portuguesa, no entanto, podemos
dizer que ainda assim, ao analisarmos regionalmente, em nosso território bra-
sileiro, fala-se várias línguas. O povo brasileiro é o resultado de uma mistura
de raças e etnias e de certa forma tal miscigenação trouxe peculiaridades para
todas as regiões brasileiras, com características específicas culturais e linguís-
ticas. Assim, podemos dizer que existem ainda possíveis dialetos que vigoram
dentro de nosso país.
Os Dialetos são as variedades originadas das diferenças de região, de ida-
de, de sexo, de classes ou de grupos sociais e da própria evolução histórica da
língua; são as variações de pronúncia, vocabulário e gramáticas pertencentes a
uma determinada língua. Vale ressaltar que embora essas variações na língua
produzam diferenciações nas expressões e pronúncias, os dialetos não impe-
dem a comunicação.
CONEXÃOLeiam o artigo: Formação de professores, variação Dialetal e aquisição da linguagem
oral e escrita em terra de migrantes: Uma constatação no portal da Amazônia – Brasil
(Maria do Socorro Pessoa)
In: Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(2): 137-152, 2008.
Disponível em http://www.uepg.br/olhardeprofessor
Assim, a língua falada no Brasil é oficialmente a Língua Portuguesa, no en-
tanto o “português” falado no Rio Grande do Norte pode ser considerado um
dialeto, assim como a língua falada pelos que vivem em Porto Alegre e isso ocor-
re praticamente em todas as outras comunidades de falantes de português no
Brasil.
Portanto, a partir da característica territorial do Brasil, temos linguagens
marcadas de acordo com a regionalidade, este contato leva a um processo de
interação que, em vários aspectos, passa a ser apenas aparente, e um desses
aspectos é o linguístico.
62 • capítulo 3
Vale lembrar que quando as diferenças impedem ou dificultam considera-
velmente a compreensão, não se trata de dialeto, mas sim de línguas diferentes.
Hoje no Brasil existem cerca de 210 línguas. É o país com o oitavo maior número de
línguas em uso!!! A maioria delas é das comunidades indígenas: 180! Você acha mui-
to? É realmente muita coisa, mas na época do Descobrimento havia muito mais. Eram
1.078. Já pensou? Mas olha só, naquela época também existiam mais índios. Cinco
milhões viviam no Brasil quando os portugueses chegaram. Hoje são apenas 734 mil
indígenas. Quer ver como o Português é uma língua rica, resultado da contribuição e
mistura de vários povos? Lá vai o desafio: de onde vêm as palavras “cutucar”, “bagun-
ça” e “cochilar”? Nosso professor Edu Coruja tem a resposta: “Cutucar” vem da palavra
kutúk, que em Tupinambá (uma língua indígena) significa tocar com objeto pontudo,
ferir. E “bagunça”? Mesmo não sabendo de onde vem, com certeza você sabe como
fazer, não é? Pois fique sabendo que “bagunça” vem da palavra bulungunza, que em
Quicongo (língua africana) é nada mais, nada menos que desordem, confusão. E
“cochilar” também vem do Quicongo: kushila quer dizer dormir levemente.
Para maiores informações acesse: www.plenarinho.gov.br
De acordo com os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), documen-
to em vigor que rege as orientações dos conteúdos curriculares no Ensino
Fundamental Brasileiro, é função do professor desenvolver atividades em que
os alunos produzam o próprio conhecimento, respeitando os diferentes modos
de falar.
Sendo assim, como visto acima, o trabalho com a língua materna, no nosso
caso brasileiro, a língua portuguesa, a escola deve “abraçar” a tarefa de promo-
ver a aprendizagem, valorizando as variações da língua, respeitando e utilizan-
do os procedimentos devidamente eficazes relacionados à fala e a escrita, em
contextos diversos.
Conforme Pessoa (2008) aponta, a aquisição da escrita pode ser, sim, um
processo prazeroso de interação linguística. O Ensino de Língua Portuguesa
deve considerar as variações linguísticas como elementos-chave para a eficácia
da aprendizagem da escrita e valorização de nossa cultura. A aquisição da lin-
guagem formal da escola, que passa pela aquisição da leitura e da escrita, exige
que o professor saiba articular, no mínimo, três variáveis: o aluno migrante, sua
variação dialetal e o ensino formal da língua.
capítulo 3 • 63
Sendo assim, a autora aponta ainda que,
O aluno precisa partir de sua cultura, de sua história pessoal para exercitar, aos pou-
cos e criticamente, uma consciência do seu papel no mundo social, no mundo que vai
além da sua sociedade familiar.
Para isso terá de ser estimulado, valorizado, respeitado. Parece-nos, aqui, que o me-
lhor livro didático, que localizaria toda essa diversidade e heterogeneidade linguístico
cultural, seria o próprio Mapa do Brasil. Localizar-se nesse imenso mapa já seria mo-
tivação para o aluno escrever sobre si e sobre o seu papel como brasileiro. (PESSOA,
p.146, 2008).
3.2.1 Dialetos da Língua Portuguesa
Ao falarmos sobre dialetos muitas vezes nos remetemos à uma variação que
envolve estrutura e regras especificas, no entanto, foi possível perceber que o
dialeto envolve variações mas não impede a comunicação. Assim, dentro de
uma língua específica, como a Língua Portuguesa, encontramos uma grande
variedade de dialetos, muitos deles com uma acentuada diferença lexical em
relação ao português padrão seja no Brasil ou em Portugal.
CONEXÃODe acordo com Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki) Dialeto pode ser definido da seguin-
te forma: Falantes de uma mesma língua apresentam diferenças nos seus modos de falar,
de acordo com o lugar em que estão (variação diatópica), com a situação de fala ou registro
(variação diafásica) ou, ainda, de acordo com o nível socioeconômico do falante (variação
diastrática). Dialeto é uma variante linguística constituída por características fonológicas,
sintáticas, semânticas e morfológicas próprias. Uma língua pode-se dividir em inúmeras va-
riedades dialetais, desde as mais abrangentes (e. g. português europeu e português brasilei-
ro) até às sub-variedades mais específicas - ar exemplo do grupo dialetal transmontano-alto-
minhoto, que se inclui nos dialetos portugueses setentrionais e o grupo dialetal gaúcho, que
se inclui no grupo dialetal do sul do Brasil.
64 • capítulo 3
Sabe-se que após a independência do Brasil em relação às antigas colônias
africanas, o português padrão de Portugal tem sido o escolhido pelos países
africanos de língua portuguesa. Dentro deste panorama, a Língua Portuguesa
tem apenas dois dialetos de aprendizagem, o europeu e o brasileiro.
Dentro da ideia de dialeto regional, em nosso país encontramos algumas va-
riaçõe, no entanto há pouca precisão na divisão dialetal brasileira. Alguns diale-
tos, como Caipira , já foram estudados e reconhecidos por linguistas. Contudo,
existem poucos estudos a respeito da maioria dos demais dialetos.
De acordo com estudiosos da área, os dialetos brasileiros podem ser dividi-
dos como descrito abaixo:
1. Caipira - interior do estado de São Paulo, norte do Paraná, sul de Minas
Gerais, sul de Goiás e leste de Mato Grosso do Sul (Sul, Sudeste e Centro-Oeste)
2. Dialeto nordestino do norte - dialeto falado no norte da Região
Nordeste, mais precisamente no Maranhão e Piauí, com influência do dialeto
nortista.
3. Dialeto nordestino do sul - dialeto falado no sul da Região Nordeste,
mais precisamente na Bahia, com influência do dialeto mineiro.
4. Fluminense (ouvir) - Estado do Rio de Janeiro (capital e regiões litorâ-
nea e serrana) (Sudeste)
5. Gaúcho - Rio Grande do Sul, com alguma influência do castelhano, ca-
racteriza-se principalmente pelo uso do "tu", da segunda pessoa do singular, no
lugar de "você", comumente falado nas demais regiôes do País. (Sul).
6. Mineiro - Minas Gerais (Sudeste)
7. Dialeto nordestino do centro - dialeto falado no centro da Região
Nordeste, mais precisamente nos estados de Alagoas e Sergipe e interior do
Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Os pólos regionais de
Recife, João Pessoa, Natal e Fortaleza apresentam um dialeto misturado
(ouvir), com fortes influências dos dialetos paulistano, fluminense, sulista e
naturalmente nordestino, devido a migração recente Sudeste e Sul e nordesti-
nos que voltam de São Paulo e Rio de Janeiro.
8. Nortista - estados da bacia do Amazonas - (exceto região do arco do
desflorestamento).
9. Paulistano - cidade de São Paulo e proximidades
10. Sertanejo - Estados de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais. Se asseme-
lha aos dialetos mineiro e caipira.
capítulo 3 • 65
11. Sulista - Estados do Paraná e Santa Catarina. Este dialeto sofre inúme-
ras variações de pronúncia de acordo com a área geográfica, sendo influencia-
do pela pronúncia de São Paulo e Rio Grande do Sul com influências eslavas no
Paraná e em algumas regiões de Santa Catarina, e na maioria das regiões deste
estado influências portuguesas e gaúchas. Há pequena influência nas áreas de
colonização alemã com sotaque.
12. Brasiliense - Devido as várias ondas de migração, a cidade de Brasília e
proximidades desenvolveram seu próprio sotaque que não se assemelha a ne-
nhum outro.
Após essa enumeração de todas as diferenças linguísticas divididas numa
diversidade de regionalismos correlatas, ainda existem pessoas que dizem que
não existem dialetos no Brasil e sim apenas falares regionais popularmente
conhecidos como sotaques, sendo estes variantes linguísticas do português
brasileiro. Porém muitos estudos questionam tais ideais e defendem que tais
variações brasileiras são sim dialetos.
Fonte: www.unicamp.br
ATIVIDADE
A partir dos conteúdos discutidos, vamos refletir sobre a Diversidade Social e as Variações
Culturais e Linguística do nosso Brasil.
01. Qual a importância da Educação e do Pedagogo no respeito as Variações Linguísticas?
REFLEXÃO
Pensando no Ensino de Língua Portuguesa nas séries iniciais do Ensino Fundamental, po-
demos afirmar que as variações linguísticas deveria ser consideradas como elementos-chave
para a eficácia da aprendizagem da escrita?
De fato é imprescindível para um curso de Formação de Professores de Alfabetização
ou de Ensino de Língua Portuguesa que se tenha como prioridade considerar a diversidade e
heterogeneidade linguística do país, afinal esta diversidade linguística, que também é social
e cultural, está em todos os cantos de nosso país, em nossas escolas.
66 • capítulo 3
Portanto, ao pensar na formação dos professores é necessário pensar em alcançar so-
luções para que os professores consigam administrar o ensino da escrita considerando a va-
riedade dialetal da fala, que já é socialmente conflituosa. Como visto, ao pensar na aquisição
da linguagem formal na escola, que considera a aquisição da leitura e da escrita, o professor
precisa articular questões que envolvem as variáveis do ambiente, considerando os alunos
que estão na sala de aula, com sua variação dialetal, proeminente dos estados de nosso país.
LEITURAAcesse o link abaixo para baixar o livro “Emília no país da gramática” na íntegra. Ótima leitura!
http://www.miniweb.com.br/cantinho/infantil/38/Estorias_miniweb/lobato/Emilia_No_
Pais_Da_Gramatica.pdf
Emília no país da gramática – Monteiro Lobato
(Trecho do capítulo 1- Uma ideia da senhora Emília)
Emília pergunta à Senhora Etimologia:
A senhora conhece a África?
Como a Etimologia não conhece as coisas; só conhece as palavras que designam as coi-
sas. Ao ouvir aquela pergunta, julgou que a boneca se referisse à palavra Àfrica, e respondeu:
- Sim, é uma palavra de origem latina, ou melhor, puramente latina, porque não mudou.
A propósito...
- Espere - interrompeu Emilia. - A história da palavra Àfrica não nos interessa. Preferimos
conhecer a história de outras palavras mais importantes, como, por exemplo, Boneca.
A velha riu-se da presunção da criaturinha e respondeu:
- Boneca, minha cara, é o feminino de Boneco, palavra que veio do holandês Manneken,
homenzinho. Houve mudança do M para B - duas letras que o povo inculto costuma confun-
dir. A palavra Manneken, entrou em Portugal transformada em Banneken, ou Bonneken, e foi
sendo desfigurada pelo povo até chegar à sua forma de hoje, Boneco. Dessa mesma palavra
holandesa nasceu para o português uma outra - Manequim.
- Mas então o povo, isto é, os ignorantes ou incultos, influem assim na língua? - disse
Pedrinho.
- Os incultos influíram e ainda influem muitíssimo na língua - respondeu a senhora.
- Os incultos formam a grande maioria, e as mudanças que a maioria faz na língua aca-
bam ficando.
capítulo 3 • 67
- Engraçado! Esta aí uma coisa que nunca imaginei... falou Pedrinho.
- É fácil de compreender isso - observou a senhora. - As pessoas cultas aprendem com
professores e, como aprendem, repetem certo as palavras. Mas os incultos aprendem o pou-
co que sabem com outros incultos, e só aprendem mais ou menos, de modo que não só
repetem os erros aprendidos como perpetuam erros novos, que por sua vez passam a ser
repetidos adiante. Por fim há tanta gente a cometer o mesmo erro que o erro vira Uso e, por-
tanto, deixa de ser erro. O que nós hoje chamamos certo, já foi erro em outros tempos. Assim
é a vida, meus caros meninos.
- Vejamos a palavra latina Speculum - continuou a senhora. - Essa palavra emigrou para
Portugal com os soldados romanos, e foi sendo gradativamente errada até ficar com a forma
que tem hoje - Espelho.
- E os ignorantes de hoje continuam a mexer nela - observou Narizinho. A gente da roça
diz Espeio.
- Muito bem lembrado - concordou a senhora. Essa forma Espeio é hoje repelida com
horror pelos cultos modernos, como a forma Espelho devia ter sido repelida com horror pelos
cultos de dantes. Mas como os cultos de hoje aceitam como certo o que já foi erro, bem pode
ser que os cultos do futuro aceitem como certo o erro de hoje. Eu, que sou muito velha e
tenho visto muita coisa, de nada me admiro. O homem é um animal comodista. Daí a sua ten-
dência a adotar os erros que exigem menor esforço para a pronúncia. Espelho exige menor
esforço do que Speculum, e por isso venceu. Espeio exige menor esforço do que Espelho.
Quem nos diz que não acabará vencendo, nestes. mil ou dois mil anos?
Hoje está mais difícil a ação dos ignorantes sobre a língua, por causa do grande número
de livros e jornais que existem e fixam a forma atual das palavras.
Mas antigamente quem fazia a língua era justamente o ignorante. Dona Etimologia to-
mou fôlego e bebeu um golinho de chá. Emília foi cheirar a xícara para saber se era chá de
erva-cidreira...
- Mas qual a sua principal ocupação nesta cidade, minha senhora? - perguntou o menino.
- Eu ensino a origem e a formação de todas as palavras.
- Pois então nos conte a origem de algumas.
Dona Etimologia bebeu mais um golinho de chá (enquanto Emília cochichava para Nari-
zinho: "É de cidreira!" e começou:
- As palavras desta cidade nova, onde estamos, vieram quase todas da cidade velha, que
fica do outro lado do mar. Lá na cidade velha, porém, essas palavras levaram uns dois mil
anos para se formarem.
- Como foi isso? Explique.
68 • capítulo 3
- Nos começos, as terras em redor dessa cidade haviam sido ocupadas pelos soldados
romanos, que só falavam latim.
Esses soldados moravam em acampamentos (ou Castra, como se dizia em latim), de
modo que foi em redor dos acampamentos que a língua nova começou a surgir.
- Que língua nova?
- A portuguesa. Os moradores das terras ocupadas pelos romanos, ou Aliorígenes, eram
bárbaros incultíssimos, que foram aprendendo o latim lá à moda deles - isto é, estropiada-
mente, todo errado e com muita mistura de termos e modo de falar locais. Tanto estropiaram
o pobre latim, que ele virou um Dialeto ou uma variante do latim puro. Depois os romanos se
retiraram, mas o dialeto ficou vivendo a sua vidinha, e foi evoluindo, ou mudando, até tonar-se
o que chamamos hoje língua portuguesa.
- Então a língua portuguesa não passa dum dialeto do latim?
- Perfeitamente. E também a língua francesa, a espanhola e a italiana não passam de
outros tantos dialetos do mesmo latim. No começo, esses dialetos eram muito pobres em
palavras e modos de dizer. Com o tempo, entretanto, as palavras foram aumentando enorme-
mente e também foram aparecendo novos jeitos de combinar entre si as palavras. E desse
modo essas línguas enriqueceram-se.
- Mas as palavras foram aumentando como? Donde vinham? Quem era o fabricante? -
quis saber a menina.
- Umas nasciam lá mesmo, inventadas pelo povo; outras eram criadas pelos eruditos, que
são os sabichões; outras eram importadas dos países estrangeiros.
- Mas o povo? Como é que o povo forma palavras?
- Muito simplesmente. O povo combina entre si palavras já existentes e forma novas.
- Isso lá no sítio se chama "tirar cria" - lembrou Pedrinho.
- Em Gramática se chama Derivação, querendo dizer que uma palavra sai de outra, ou
deriva de outra.
[...] Portugália era uma cidade como todas as outras. A gente importante morava no cen-
tro e a gente de baixa condição, ou decrépita, morava nos subúrbios. Os meninos entraram
por um desses bairros pobres,chamado o bairro do Refugo, e viram grande número de pala-
vras muito velhas, bem corocas, que ficavam tomando sol à porta de seus casebres.
Umas permaneciam imóveis, de cócoras, como os índios das fitas americanas; outras
coçavam-se.
— Essas coitadas são bananeiras que já deram cacho — explicou Quindim. — Ninguém
as usa mais, salvo por fantasia e de longe em longe. Estão morrendo. Os gramáticos classifi-
cam essas palavras de ARCAÍSMOS. Arcaico quer dizer coisa velha, caduca.
— Então, Dona Benta e Tia Nastácia são arcaísmos! — lembrou Emília.
capítulo 3 • 69
— Mais respeito com vovó, Emília! Ao menos na cidade da língua tenha compostura —
protestou Narizinho.
O rinoceronte prosseguiu:
— As coitadas que ficam arcaicas são expulsas do centro da cidade e passam a morar
aqui, até que morram e sejam enterradas naquele cemitério, lá no alto do morro. Porque as
palavras também nascem, crescem e morrem, como tudo mais.
Narizinho parou diante duma palavra muito velha, bem coroca, que estava catando pulgas
históricas à porta dum casebre. Era a palavra Bofé.
— Então, como vai a senhora? — perguntou a menina, mirando-a de alto a baixo.
— Mal, muito mal — respondeu a velha. — No tempo de dantes fui moça das mais facei-
ras e fiz o papel de ADVÉRBIO. Os homens gostavam de empregar-me sempre que queriam
dizer Em verdade, Francamente. Mas começaram a aparecer uns Advérbios novos, que caí-
ram no gosto das gentes e tomaram o meu lugar. Fui sendo esquecida. Por fim, tocaram-me
lá do centro. "Já que está velha e inútil, que fica fazendo aqui?", disseram-me. "Mude-se para
os subúrbios dos Arcaísmos", e eu tive de mudar-me para cá.
— Por que não morre duma vez para ir descansar no cemitério? — perguntou Emília com
todo o estabanamento.
— É que, de quando em quando, ainda sirvo aos homens.
Existem certos sujeitos que, por esporte, gostam de escrever à moda antiga; e quando
um deles se mete a fazer romance histórico, ou conto em estilo do século XV, ainda me cha-
ma para figurar nos diálogos, em vez do tal Francamente que tomou o meu lugar.
— Aqui o nosso Visconde pela-se por coisas antigas — disse a menina. — Conte-lhe toda
a sua vida, desde que nasceu.
O Visconde sentou-se ao lado da palavra Bofé e ferrou na prosa, enquanto Narizinho ia
conversar com outra palavra ainda mais coroca.
— E a senhora, quem é? — perguntou-lhe.
— Sou a palavra Ogano.
— Ogano? O que quer dizer isso?
— Nem queira saber, menina! Sou uma palavra que já perdeu até a memória da vida
passada. Apenas me lembro que vim do latim Hoc Anno, que significa Este Ano. Entrei nesta
cidade quando só havia uns começos de rua; os homens desse tempo usavam-me para dizer
Este Ano. Depois fui sendo esquecida, e hoje ninguém se lembra de mim. A Senhora Bofé
é mais feliz; os escrevedores de romances históricos ainda a chamam de longe em longe.
Mas a mim ninguém, absolutamente ninguém, me chama. Já sou mais que Arcaísmo; sou
simplesmente uma palavra morta. . .
Narizinho ia dizer-lhe uma frase de consolação quando foi interrompida por um bando de
palavras jovens, que vinham fazendo grande barulho.
70 • capítulo 3
— Essas que aí vêm são o oposto dos Arcaísmos — disse
Quindim. — São os NEOLOGISMOS, isto é, palavras novíssimas, recém saídas
da fôrma.
— E moram também nestes subúrbios de velhas?
— Em matéria de palavras a muita mocidade é tão defeito como a muita velhice. O Neo-
logismo tem de envelhecer um bocado antes que receba autorização para residir no
centro da cidade. Estes cá andam em prova. Se resistirem, se não morrerem de sarampo ou
coqueluche e se os homens virem que eles prestam bons serviços, então igualam-se a todas
as outras palavras da língua e podem morar nos bairros decentes. Enquanto isso ficam soltos
pela cidade, como vagabundos, ora aqui, ora ali.
Estavam naquele grupo de Neologismos diversos que os meninos já conheciam, como
Chutar, que é dar um pontapé; Bilontra, que quer dizer um malandro elegante; Encrenca, que
significa embrulhada, mixórdia, coisa difícil de resolver.
— Outro dia vovó disse que esta palavra Encrenca é a mais expressiva e útil que ela
conhece, de todas que nasceram no Brasil — lembrou Pedrinho.
Depois que os Neologismos acabaram de passar, os meninos dirigiram-se a uma praça
muito maltratada, cheia de capim, sem calçamento nem polícia, onde brincavam bandos de
peraltas endiabrados.
— Que molecada é esta? — perguntou a menina.
— São palavras da Gíria, criadas e empregadas por malandros ou gatunos, ou então por
homens dum mesmo ofício. A especialidade delas é que só os malandros ou tais homens
dum mesmo ofício as entendem. Para o resto do povo nada significam.
Narizinho chamou uma que parecia bastante pernóstica.
— Conte-me a sua história, menina.
A moleca pôs as mãos na cintura e, com ar malandríssimo, foi dizendo:
— Sou a palavra Bamba, nascida não sei onde e filha de pais incógnitos, como dizem os
jornais. Só a gente baixa, a molecada e a malandragem das cidades é que se lembra de mim.
Gente fina, a tal que anda de automóveis e vai ao teatro, essa tem vergonha de utilizar-se
dos meus serviços.
— E que serviço presta você, palavrinha? — perguntou Emília.
— Ajudo os homens a exprimirem suas idéias, exatamente como fazem todas
as palavras desta cidade. Sem nós, palavras, os homens seriam mudos como pei-
xes, e incapazes de dizer o que pensam. Eu sirvo para exprimir valentia. Quando um
malandro de bairro dá uma surra num polícia, todos os moleques da zona utilizam-se de mim
para definir o valentão. "Fulano é um bamba!", dizem. Mas como a gente educada não me
emprega, tenho que viver nestes subúrbios, sem me atrever a pôr o pé lá em cima.
capítulo 3 • 71
Toda esta rapaziada aqui é gentinha da Gíria, como eu. Preste atenção naquela de olho
arregalado. É a palavra Otário, que os gatunos usam para significar um "trouxa" ou pessoa
que se deixa lograr pelos espertalhões. Com a palavra Otário está conversando outra do
mesmo tipo, Bobo.
— Bobo sei o que significa — disse Pedrinho. — Nunca foi gíria.
— Lá em cima — explicou Bamba —- Bobo significa uma coisa; aqui embaixo
significa outra. Em língua de gíria Bobo quer dizer relógio de bolso. Quando um gatuno diz
a outro: "Fiz um bobo", quer significar que "abafou" um relógio de bolso.
— E por que deram o nome de Bobo aos relógios de bolso?
— Porque eles trabalham de graça — respondeu Bamba, dando uma risadinha cínica.
Os meninos ficaram por ali ainda algum tempo, conversando
com outras palavras da Gíria — e por precaução Pedrinho abotoou o
paletó, embora seu paletó nem bolso de dentro tivesse. A gíria dos
gatunos metia-lhe medo. . .
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa: ensino de primeira a quarta série.
Brasília: MEC/SEF, 1997.
CONDÉ, M. A importância da leitura e dos jogos para o desenvolvimento da afetividade. In:
Alfabetização , letramento, leitura e produção de textos em sala de aula. Belo Horizonte: Conexa, 2011.
FREIRE, P. A importância do ato de ler. São Paulo: Agir, 1996.
KLEIMAN, A. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas: Pontes, 1989.
KLEIMAN, A. Texto e leitor – Aspectos cognitivos da leitura. 5 ed. Campinas: Pontes, 1997.
KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e prática. 5 ed. Campinas: Pontes, 1997.
MOREIRA, N. Portadores de texto: concepções de crianças quanto a atributos, funções e conteúdo.
In: KATO, M.A. (Org.). A concepção da escrita pela criança. Campinas: Pontes, 1992.
NUNES, B. Crivo de papel. São Paulo: Ática; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional;
PERRONI, M. C. Desenvolvimento do discurso narrativo. Campinas: Martins Fontes, 1992.
PROUST, M. Le temps retrouvé. Paris: Gallimard, 1989.
PESSOA, M. S. Olhar de professor. Ponta Grossa, 2008. Disponível em http://www.uepg.br/
olhardeprofessor.
SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998
74 • capítulo 4
Convidamos você, no quarto capítulo, a refletir acerca da expressão oral e es-
crita através dos gêneros discursivos como objeto de ensino e do texto como
unidade significativa. Assim, vamos aqui conhecer aqui os diversos gêneros,
elucidando sobre a importância dos mesmos no trabalho com a leitura em sala
de aula, e enquanto instrumentos de aprendizagem que possibilitam o desen-
volvimento de habilidades e competências na formação do leitor. Neste contex-
to, também iremos refletir sobre o papel do professor na mediação da leitura e
produção de textos.
OBJETIVOS
Neste capítulo esperamos que você possa:
• Entender a importância das competências e habilidades a serem desenvolvidas na forma-
ção do leitor;
• Entender o critério de estratégias de leitura no espaço escolar;
• Perceber o papel do professor na mediação da leitura em sala de aula e o papel da orali-
dade na formação do leitor
• Entender o conceito de gêneros discursivos;
• Conscientizar-se da importância de trabalhar a leitura de variados gêneros textuais para a
formação do leitor competente;
capítulo 4 • 75
4.1 Competências e Habilidades para Formação do leitor: Pensando o papel do professor
Ao pensarmos na formação de leitores se faz necessário compreender como a
leitura vem sendo entendida em nossa sociedade contemporânea. A leitura,
atualmente, deixou um viés de decifração e decodificação para ser aquela que
desperta no indivíduo a capacidade de ler o mundo, ou seja, compreender e
interpretar as mensagens escritas em suas entrelinhas.
Deste modo, o ato de ler deve despertar o leitor para seus sonhos, objetivos
e incentivar a sua capacidade de transformar sua própria realidade através da
criatividade e da interpretação construída durante a leitura.
Neste panorama, é papel fundamental da escola incentivar e desenvolver
potencialidades, à medida que produz leitores críticos e reflexivos. No entanto,
tal postura, está na contramão de um sistema que, muitas vezes, “sufoca ou cria
seres humanos para serem meros repetidores de informação” (CONDÉ, 2011,
p.62).
Em um momento de leitura, cabe à escola, por meio do papel do docen-
te, auxiliar o aluno nos caminhos de descoberta, propondo estratégias e des-
cobrindo, junto com o aluno, os objetivos de cada material escrito. Seja para
aprender a fazer uma receita, para aprender as regras de um jogo, para saber
das notícias e dos acontecimentos do dia ou para apreciar uma poesia, o aluno
precisa incorporar os objetivos pretendidos e orientar a sua interpretação me-
diante os caminhos à serem traçados.
Neste momento o leitor iniciante necessita de apoio para lançar mão de es-
tratégias que o ajudam a ter mais agilidade na própria leitura, à medida que
considera suas intenções e objetivos. Cabe assim ao docente propor situações
variadas em que os alunos possam de fato desenvolvê-las.
Segundo Solé (1998), embora toda leitura represente um processo contínuo
de formulação e verificação de hipóteses e de previsões sobre o que acontece no
texto, há previsões que podem ser estabelecidas antes da leitura. Para estabele-
cer essas previsões, baseamo-nos nos objetivos da leitura, nos conhecimentos
prévios do leitor e em aspectos do texto como: superestrutura, títulos, ilustra-
ções, cabeçalhos, grifos etc.
76 • capítulo 4
Ao entregar um texto para os alunos, o professor pode pedir para que leiam
o título e o subtítulo, olhem as figuras, se houver, e, pedindo para que não leiam
mais nada, indagar-lhes: o que vocês acham que encontrarão nesse texto? Do
que ele vai tratar?
Anotar as previsões das crianças é uma boa estratégia para ajudá-las a elabo-
rar hipóteses sobre a leitura e verificar se as expectativas se realizaram ou não.
Além do mais, contribui para dar significância à atividade que irão realizar.
Falar sobre as previsões, antes de ler o texto, e debater sobre as proximidades
ou os afastamentos das hipóteses com relação ao conteúdo do texto é algo bem
diferente e mais motivador do que simplesmente “ler a página 25”.
As crianças se tornam protagonistas da atividade de leitura, não só porque leem, mas
porque transformam a leitura em algo seu – o que é que eu penso, até que ponto
minha opinião é correta. Aprendem que suas contribuições são necessárias para
a leitura e veem nesta um meio de conhecer a história e de verificar suas próprias
previsões (SOLÉ, 1998, p. 109).
De acordo com Solé (1998), pode-se suscitar previsões de qualquer texto. A
autora comenta que, com uma narração, ou uma poesia, essa tarefa pode ser
um pouco mais difícil, por isso é importante ajudar os alunos
a utilizar diversos indicadores: título, ilustrações, o que se conhece sobre
autor, cenário, personagens. Já a notícia, por exemplo, é um texto mais fácil de
ajustar às previsões, pois o próprio título, em geral, proporciona boa informa-
ção sobre o conteúdo do escrito.
Como já dito, o uso de estratégias que permitem realizar previsões, hipóte-
ses e verificações sobre o que se lê é algo que precisa ser aprendido.
Um professor pode, diante de um texto, mostrar para os alunos como ele
formula suas próprias previsões, explicando-lhes, igualmente, em que se ba-
seia para chegar a elas. É também conveniente que algumas dessas previsões
formuladas pelo professor não se realizem, de modo que possa verificar junto
aos alunos por que isso aconteceu. A ideia é que os leitores iniciantes percebam
que o importante não é a exatidão, mas, sim, o ajuste e a coerência.
Além do fato de o professor poder servir de modelo, enquanto leitor que
explicita as suas estratégias de leitura, é imprescindível a participação do alu-
no nas escolhas das leituras e nos usos de estratégias, uma participação que,
capítulo 4 • 77
inicialmente, é mais dirigida pelo professor e que vai ganhando mais liberda-
de progressivamente.
O importante é pensar que, por um lado, os alunos e alunas sempre podem
aprender a ler melhor mediante as intervenções do seu professor e, por outro,
que sempre, no nível adequado, deveriam poder mostrar-se e considerar-se
competentes por meio de atividades de leitura autônoma. Às vezes essa compe-
tência será atualizada lendo o nome de um colega no cabide correspondente,
ou o título de uma história que já foi trabalhada e, mais tarde, em textos narra-
tivos e expositivos de complexidade crescente (SOLÉ, 1998, p. 117).
Observando as crianças, enquanto leem/olham livros, o professor terá opor-
tunidades de pensar em sugestões mais particularizadas para oferecer aos
alunos. As perguntas formuladas pelas crianças também costumam ser um in-
dicador eficaz tanto das dúvidas como dos conhecimentos. Como relata Solé
(1998, p. 63), algumas situações facilitam a exploração, por parte do professor,
mais do que outras. Nas salas de aula em que existem cantinhos de biblioteca,
cantos de inventar histórias, ou cantos de escrever livros, “os professores terão
muitas oportunidades, não só de ensinar a ler e a escrever, mas de observar os
progressos e as dificuldades dos alunos, o que facilitará o ajuste progressivo de
sua intervenção”.
Ao propor um texto como atividade, é importante que o professor já o co-
nheça, pois será o orientador nas predições sobre o desenvolvimento do texto,
ajudando os alunos com pistas e direcionamentos.
Os PCN trazem algumas orientações sobre procedimentos de leitura:
O trabalho com leitura deve ser diário. Há inúmeras possibilidades para
isso, pois a leitura pode ser realizada:
• de forma silenciosa, individualmente;
• em voz alta (individualmente ou em grupo) quando fizer sentido dentro
da atividade; e
• pela escuta de alguém que lê.
No entanto, alguns cuidados são necessários:
• toda proposta de leitura em voz alta precisa fazer sentido dentro da ativi-
dade na qual se insere e o aluno deve sempre poder ler o texto silenciosamente,
com antecedência — uma ou várias vezes;
78 • capítulo 4
• nos casos em que há diferentes interpretações para um mesmo texto e faz-
se necessário negociar o significado (validar interpretações), essa negociação
precisa ser fruto da compreensão do grupo produzir-se pela argumentação dos
alunos. Ao professor cabe orientar a discussão, posicionando-se apenas quan-
do necessário;
• ao propor atividades de leitura convém sempre explicitar os objetivos e
preparar os alunos. É interessante, por exemplo, dar conhecimento do assunto
previamente, fazer com que os alunos levantem hipóteses sobre o tema a partir
do título, oferecer informações que situem a leitura, criar um certo suspense
quando for o caso, etc.;
• é necessário refletir com os alunos sobre as diferentes modalidades de
leitura e os procedimentos que elas requerem do leitor. São coisas muito dife-
rentes ler para se divertir, ler para escrever, ler para estudar, ler para descobrir o
que deve ser feito, ler buscando identificar a intenção do escritor, ler para revi-
sar. É completamente diferente ler em busca de significado — a leitura, de um
modo geral — e ler em busca de inadequações e erros — a leitura para revisar.
Esse é um procedimento especializado que precisa ser ensinado em todas
as séries, variando apenas o grau de aprofundamento em função da capacidade
dos alunos. (BRASIL, 1997, p. 44-45)
Leitura colaborativa
A leitura colaborativa ou coletiva é uma prática que proporciona a interação
entre os leitores durante a própria prática ou atividade de leitura.
Essa interação entre os leitores nasce da interação com o texto. Por meio da
orientação e provocação do professor durante a leitura do texto, os alunos têm
oportunidade de interagir com o textos e com os seus colegas.
Sobre essa atividade, os PCN apresentam algumas observações:
A leitura colaborativa é uma atividade em que o professor lê um texto com a classe e,
durante a leitura, questiona os alunos sobre as pistas linguísticas que possibilitam a
atribuição de determinados sentidos. Trata-se, portanto, de uma excelente estratégia
didática para o trabalho de formação de leitores. É particularmente importante que os
alunos envolvidos na atividade possam explicitar para os seus parceiros os procedimen-
tos que utilizam para atribuir sentido ao texto: como e por quais pistas linguísticas lhes
foi possível realizar tais ou quais inferências, antecipar determinados acontecimentos,
capítulo 4 • 79
validar antecipações feitas, etc. A possibilidade de interrogar o texto, a diferenciação
entre realidade e ficção, a identificação de elementos discriminatórios e recursos per-
suasivos, a interpretação de sentido figurado, a inferência sobre a intencionalidade do
autor, são alguns dos aspectos dos conteúdos relacionados à compreensão de textos,
para os quais a leitura colaborativa tem muito a contribuir. A compreensão crítica
depende em grande medida desses procedimentos. (BRASIL, 1997, p. 45)
Projetos de leitura
Os projetos de leitura apresentam como característica básica o fato de te-
rem “um objetivo compartilhado por todos os envolvidos, que se expressa num
produto final em função do qual todos trabalham”. Outro aspecto importante
diz respeito à questão do tempo de realização da atividade de leitura, já que os
projetos de leitura “permitem dispor do tempo de uma forma flexível, pois o
tempo tem o tamanho necessário para conquistar o objetivo: pode ser de al-
guns dias ou de alguns meses. Quando são de longa duração têm ainda a van-
tagem adicional de permitir o planejamento de suas etapas com os alunos”
(BRASIL, 1997, p. 45-46).
Durante a realização de um projeto de leitura, a possibilidade de estender as
atividades ao longo de determinado tempo favorece a participação efetiva dos
alunos em situações nas quais “eles podem tomar decisões sobre muitas ques-
tões: controlar o tempo, dividir e redimensionar as tarefas, avaliar os resultados
em função do plano inicial, etc.” (BRASIL, 1997, p. 46).
Os projetos de leitura são oportunidades de se trabalhar diversas habilida-
des relacionadas com a leitura e a escrita:
Os projetos são situações em que linguagem oral, linguagem escrita, leitura e produ-
ção de textos se inter-relacionam de forma contextualizada, pois quase sempre envol-
vem tarefas que articulam esses diferentes conteúdos. São situações linguisticamente
significativas, em que faz sentido, por exemplo, ler para escrever, escrever para ler,
ler para decorar, escrever para não esquecer, ler em voz alta em tom adequado. Nos
projetos em que é preciso expor ou ler oralmente para uma gravação que se destina a
pessoas ausentes, por exemplo, uma circunstância interessante se apresenta:
80 • capítulo 4
o fato de os interlocutores não estarem fisicamente presentes obriga a adequar a fala
ou a leitura a fim de favorecer sua compreensão, analisando o tom de voz e a dicção,
planejando as pausas, a entonação, etc. Os projetos de leitura são excelentes situa-
ções para contextualizar a necessidade de ler e, em determinados casos, a própria
leitura oral e suas convenções. (BRASIL, 1997, p. 46)
CONEXÃO
Nos links a seguir, você encontra informações e vídeos sobre alguns projetos de leitura no
ambiente escolar: Projeto de leitura entre alunos de escolas diferentes: http://revistaescola.
abril.com.br/gestao-escolar/ diretor/projetoentorno-
2008-parte-2-ciranda-literaria-537430.shtml
Projeto de leitura de textos informativos na educação infantil: http://revistaescola.
abril .com.br/educacao-infantil/4-a-6-anos/projeto-entorno-2010-leitura-textos-
informativos-616327.shtml
Projeto Sessões Simultâneas de Leitura: http://revistaescola.abril.com.br/ gestao-
escolar/diretor/projeto-entorno-2009-parte-2-sessoes-simultaneasleitura-537435.shtml
Oralidade e Prática de leitura em voz alta
Na leitura em voz alta, o objetivo é fazer com que os alunos aprendam a ler
com clareza, rapidez, fluência, com pronúncia adequada, respeitando normas
de pontuação e com boa entonação. São exigências que fazem com que o pri-
mordial seja respeitar aspectos específicos e “nestes casos a compreensão se
situa em um nível secundário” (SOLÉ, 1998, p. 98).
Muitas vezes, o professor, além de pedir para o aluno a leitura de um texto
em voz alta (em certas ocasiões, sem que o aluno conheça o texto previamente),
acrescenta o objeto da compreensão. Por isso, é frequente encontrarmos situa-
ções em que, depois de uma atividade de leitura em voz alta, o professor faça
perguntas sobre o conteúdo do texto a fim de avaliar a compreensão.
Se o pretendido é a compreensão de um texto, é relevante que o aluno tenha
a oportunidade de lê-lo com essa finalidade, seguindo o seu ritmo, justamente
capítulo 4 • 81
para que possa atingir o objetivo da compreensão. “Não se pode esperar que a
atenção dos alunos (especialmente nas etapas iniciais de aprendizagem da lei-
tura) possa distribuir-se da mesma maneira entre a construção do significado e
a necessidade de oralizar bem” (idem, 1998, p. 99).
Em contrapartida, para realizar uma leitura em voz alta com eficácia, é ne-
cessária a compreensão do texto. Por isso, a relevância da preparação da leitura
em voz alta, permitindo às crianças uma primeira leitura individual e silencio-
sa, antes da oralidade.
Proposta de atividades em sala de aula
a) Em sala de aula, o professor pode ler alguns textos com as crianças, fa-
zendo, também, um debate sobre a compreensão deles. Para as crianças que
estão iniciando a alfabetização, pode-se usar textos pequenos como os de par-
lendas, adivinhas, curiosidades e piadas. Com crianças maiores, pode-se usar
trechos de contos de fadas, fábulas, narrativas um pouco maiores, ou até mes-
mo textos informativos.
b) Como lição de casa, o professor distribuirá um desses textos para cada
criança. Elas deverão treinar a leitura em voz alta, cuidando dos aspectos en-
volvidos como: entonação, pontuação, clareza na dicção, entonação, fluência
etc. É importante que as crianças tenham muita clareza dos quesitos que serão
observados em sua leitura.
c) Marcar um dia para a apresentação da leitura na sala de aula (dar três
ou quatro dias de prazo para o treino em casa).
d) Na sala de aula, enquanto cada criança faz a leitura, o professor grava a
oralidade em fita cassete.
e) Em outro momento, o professor reproduz a fita para que cada criança
escute a sua própria leitura. Antes que ele fale alguma coisa, a própria criança
emitirá opinião sobre sua oralidade, lembrando-se dos quesitos estudados. Em
seguida, os outros alunos também poderão contribuir com observações, dicas
e sugestões, havendo, por fim, a síntese do professor sobre o que foi bom e o
que pode ser melhorado e entrará como meta para as próximas atividades de
leitura. Para que esse momento não fique cansativo, o professor pode fazer a
atividade com três crianças a cada dia.
f) Após o momento de observação e análise da oralidade, entregar uma
ficha a cada criança conforme o modelo:
82 • capítulo 4
1. Tom da minha voz está baixo.
está bom.está muito alto.
2. Minha entonaçãoestá boa (indico com a voz as interrogações, o final das frases, as exclamações).
precisa melhorar.
3. O ritmo da minha leitura leio muito rápido.leio em bom ritmo.leio as palavras por pedacinhosleio as palavras inteiras.leio muito devagar.
4. Minhas metas
g) A criança marcará com “X” a sua avaliação relativa aos três primeiros
itens e o professor, ou a própria criança, escreverá as metas a serem atingidas
na próxima atividade de leitura. Essa ficha poderá ser colada no caderno da
criança para poder ser consultada e comparada com outros momentos de de-
senvolvimento da oralidade, a serem realizados durante o ano.
Vale ressaltar que os PCN fazem uma distinção entre atividades de leitura
realizadas pelos alunos e coordenadas pelo professor e aquelas atividades que
são realizadas basicamente pelo professor. São atividades de leitura que os alu-
nos não fariam sozinhos: “É o caso da leitura compartilhada de livros em capí-
tulos, que possibilita aos alunos o acesso a textos bastante longos (e às vezes
difíceis) que, por sua qualidade e beleza, podem vir a encantá-los, ainda que
nem sempre sejam capazes de lê-los sozinhos” (BRASIL,1997, p. 47).
A atividade de leitura realizada pelo professor é comumente caracterizada
como a oralização de textos: “A leitura em voz alta feita pelo professor não é
uma prática muito comum na escola. E, quanto mais avançam as séries, mais
incomum se torna, o que não deveria acontecer, pois, muitas vezes, são os alu-
nos maiores que mais precisam de bons modelos de leitores” (BRASIL, 1997,
p. 47)
O desenvolvimento de atividades diversas de leitura por parte de alunos e pro-
fessores caracterizaria uma prática de leitura intensa no ambiente escolar. Os
PCN dão algumas razões para que a prática da leitura intensa seja desenvolvida:
capítulo 4 • 83
• ampliar a visão de mundo e inserir o leitor na cultura letrada;
• estimular o desejo de outras leituras;
• possibilitar a vivência de emoções, o exercício da fantasia e da imaginação;
• permitir a compreensão do funcionamento comunicativo da escrita: es-
creve-se para ser lido;
• expandir o conhecimento a respeito da própria leitura;
• aproximar o leitor dos textos e os tornar familiares — condição para a lei-
tura fluente e para a produção de textos;
• possibilitar produções orais, escritas e em outras linguagens;
• informar como escrever e sugerir sobre o que escrever;
• ensinar a estudar;
• possibilitar ao leitor compreender a relação que existe entre a fala e
a escrita;
• favorecer a aquisição de velocidade na leitura;
• favorecer a estabilização de formas ortográficas.
Uma prática intensa de leitura na escola é, sobretudo, necessária, porque
ler ensina a ler e a escrever. (BRASIL, 1997, p. 47)
4.2 Variedade de gêneros textuais e/ou discursivos
Após a reflexão sobre a formação de leitores, é válido elucidar sobre a variedade
de gêneros textuais e discursivos que permeiam o universo leitor.
A diversidade textual é uma temática amplamente discutida, uma vez que
são recomendados pelos documentos oficias que regem a educação brasileira
o uso de gêneros diversificados para trabalho da leitura e aquisição da língua.
Além de documentos oficiais, muitas pesquisas na área do ensino de língua
portuguesa, apontam a importância e a comprovada eficácia de um trabalho
pautado na perspectiva dos gêneros em sala de aula.
Podemos definir o termo “Gênero textual”, por determinadas característi-
cas de estruturação textual, linguagem, conteúdo e principalmente, pela fun-
ção exercida. Sendo os gêneros textuais apoiados e respaldados pelas práticas
sociais, nas práticas culturais e de comunicação, eles podem sofrer inúmeras
variações em suas unidades temáticas, forma, conteúdo e estilo.
84 • capítulo 4
Pesquisas reconhecidas pela seriedade, apoiadas em estudiosos como
Mikhail Bakhtin, apontam o quanto a diversidade linguística esta ancorada
em gêneros., discutindo como são fundamentais para a comunicação. Afinal,
nós nos comunicamos com o outro, falamos e escrevemos através de gêneros.
Assim que façamos uso da língua, da fala, precisamos fazer uso da estrutura da
linguagem, ou seja, dos diversificados gêneros linguísticos.
De maneira mais simples, podemos afirmar que os gêneros textuais, são os tex-
tos que encontramos em nosso cotidiano, em nosso dia-dia, nas variadas situações
comunicativas. Diferentemente dos tipos textuais, que podem ser classificados em
poucas categorias, os gêneros textuais formam uma lista aberta, sem uma defini-
ção exata de sua diversidade. Alguns exemplos de gênero textual são: bilhete, repor-
tagem, resenha, carta, romance, conto, receita, bula e assim por diante.
Exporemos brevemente a caracterização linguística de alguns textos que
podem ser trabalhados em sala de aula, tendo em vista a necessidade de que
todo o programa de leitura permita ao aluno entrar em contato com um univer-
so textual amplo e diversificado para desenvolver a competência comunicativa.
A classificação dos tipos de textos facilita a produção e a interpretação da-
queles textos que circulam em determinado ambiente social, ou seja, o aluno
aprende como produzir um tipo de texto tendo conhecimento de sua função, de
sua intenção e de sua circulação social, de acordo com o tipo de público leitor
que faz o uso da leitura de determinado tipo de texto.
Textos literários
O aspecto principal desses textos é a combinação de diferentes elementos
da língua, cuja intencionalidade é estética, para dar uma impressão de beleza.
Há o uso de variados recursos linguísticos que transgridem com frequência as
regras da linguagem com o objetivo de liberar a imaginação e a fantasia na cria-
ção de mundos fictícios. Por isso, é preciso que o leitor entre no jogo da imagi-
nação para captar o sentido das coisas não ditas.
Exemplos de textos literários: conto, novela, obra de teatro (dramas, tragé-
dias, comédias), poema, história em quadrinhos (charges).
No caso de histórias em quadrinhos contemporâneas, encontramos carac-
terísticas específicas que envolvem a interação entre a linguagem escrita e a lin-
guagem visual, objetiva e clara, utilizando recursos que estimulam o receptor,
levando-o a desenvolver a criticidade.
capítulo 4 • 85
Textos jornalísticos
Eles mostram um evidente predomínio da função informativa da lingua-
gem. Há adesão ao presente, à atualidade, indicando os acontecimentos mais
relevantes do momento em que são produzidos. Têm como suporte os jornais e
as revistas. Há distintas variedades de textos jornalísticos, sendo mais comuns
as notícias, os artigos de opinião, as entrevistas, as reportagens, as crônicas, as
resenhas de espetáculos.
Os textos jornalísticos cumprem certos requisitos de apresentação como:
tipografia legível, diagramação cuidada, fotografias adequadas, inclusão de
gráficos ou tabelas ilustrativas para fundamentar as explicações dele.É relevan-
te observar como é feita a organização desses textos no portador. A primeira
página, as páginas ímpares, a parte superior dos jornais geralmente trazem in-
formações que se quer destacar.
Textos de informação científica
São textos cujos conteúdos provêm do campo das ciências em geral.
Possuem uma escrita clara, sem ambiguidades sintáticas ou semânticas, voca-
bulário preciso, descartando aqueles termos com muitas significações. Alguns
exemplos desses textos são: as definições, as notas de enciclopédia, os infor-
mes de experimentos, as monografias, as biografias, os relatos históricos.
Textos instrucionais
Representam textos que oferecem informações precisas para que as pessoas
possam realizar ações. Há uma numerosa variedade de textos instrucionais: re-
ceitas, bulas de remédios, manuais, regulamentos, estatutos, contratos etc.
Textos epistolares
Buscam estabelecer a comunicação, por escrito, com um destinatário au-
sente. Os portadores dos textos epistolares mais conhecidos são as cartas, os
requerimentos e as solicitações.
Textos humorísticos
São textos que objetivam provocar o riso por meio do uso de recursos lin-
guísticos e/ou iconográficos que quebram a ordem natural das coisas ou acon-
tecimentos, ou transformam os traços dos personagens. Temos, nesse âmbito,
as tiras cômicas ou as historietas de humor.
86 • capítulo 4
Textos publicitários
Baseados na função apelativa da linguagem, uma vez que visam modificar
comportamentos, informam sobre aquilo que “é vendido”, a fim de suscitar no
receptor a vontade de comprar. São textos muito relacionados com as expecta-
tivas e as preocupações da comunidade. Geralmente não veiculam informações
completas; apresentam somente o lado positivo do que se quer pôr em consu-
mo, tentando transformar um produto em objeto de desejo. Exemplos de textos
publicitários são: cartazes, folhetos e panfletos.
Vale mencionar que os diferentes gêneros podem ser trabalhados de manei-
ra inter-relacionada, devendo o docente refletir junto aos alunos sobre as suas
características, semelhanças, diferenças e o que os define como tal gênero.
Exemplo disso, a poesia, que pode ser encontrada nas peças de teatro e cinema,
ou mesmo na música. A charge e outros textos que frequentemente encontra-
mos em textos jornalísticos como busca de uma intersecção de ideias. A organi-
zação de receitas, manuais de instrução como fonte de inspiração para projetos
educacionais, o uso de chats educacionais, conversas em internet e todas as de-
mais modalidades textuais que envolvam as diferentes áreas de conhecimento.
ATIVIDADESO gênero textual charge tem como características:
• Interação entre a linguagem escrita e a linguagem visual.
• Tem como objetivo tornar seus leitores competentes, críticos e capazes de transformar e
modificar a realidade em que se inserem.
• Não permite que o leitor faça qualquer análise social ou política sobre os fatos apresentados.
• Predominância da linguagem figurada, ou seja, geralmente utiliza-se de metáforas e ter-
mos literários.
01. Linguagem objetiva e clara, utilizando recursos que estimulam o receptor, levando-o a
desenvolver a criticidade.
a) Apenas 5 está correta.
b) 1, 2 e 5 estão corretas.
c) apenas 1 e 5 estão corretas.
d) apenas 3 e 4 estão corretas.
e) todas as alternativas estão corretas.
capítulo 4 • 87
REFLEXÃOPara que as práticas de leitura estejam atreladas à uma perspectiva transformadora é ne-
cessário que o docente auxilie o aluno leitor em seu trajeto, para que ele possa ir percebendo
os locais onde a leitura se encontra ou mesmo se “esconde”!
Assim ao nos depararmos com textos, sejam eles: literários, informativos, publicitários, ou
mesmo parte de outras produções como o cinema e outras produções culturais, explore! E
como docente, propicie que seu aluno faça o mesmo! É fundamental que todas as linguagens
e os gêneros textuais diversificados sejam explorados, somente assim, despertar-se- à o
prazer pela leitura e o gosto em ser um leitor!
Eu digo que a educação teria completado sua missão se conseguisse despertar o
prazer de ler. Por que os alunos não gostam de leitura? Primeiro porque a escola faz
questão de estragá-la. E a leitura deve ser uma coisa solta, vagabunda, sem ter de
fazer relatório. Ler um texto só para responder a um questionário de compreensão é
horrível, estraga tudo. Eu tenho aconselhado as prefeituras e as instituições a desen-
volver concertos de leitura, como existem os de piano. Para um concerto, todos têm
de saber o texto praticamente de cabeça e para isso têm de ensaiar. Lendo, apren-
dem a gostar. (ALVES, 2002)
LEITURA
Buscando complementar as reflexões deste capítulo, façam a leitura do livro: Gêneros Tex-
tuais - Reflexões e Ensino. Este livro foi produzido pelos autores: KARWOSKI, A. M. ; BRITO,
K. S. ; GAYDEZKA, B., publicado em 2011 pela editora: Parábola.
Boa leitura e ótimos estudos!
Leitura complementar
O trecho abaixo ilustra o potencial de um trabalho com literatura infantil como um impor-
tante gênero textual para aprender e se divertir com os alunos.
88 • capítulo 4
Trecho do artigo: BRINCAR COM A LINGUAGEM: UMA ABORDAGEM DO
LÚDICO NA LITERATURA INFANTIL
Maria Aparecida Valentim Afonso – UFPB
Resumo: Este artigo faz parte de uma pesquisa realizada no mestrado em educação –
UFPB com o título Ler e brincar: uma abordagem do lúdico na literatura infantil. Tem como
objetivo compartilhar a análise realizada do livro Salada, Saladinha, editado pela Moderna,
de Maria José Nóbrega e Rosane Pamplona, ilustrado por Marcelo Cipis, onde se pretende
discutir sobre a presença da brincadeira com a linguagem a partir do discurso das autoras
e do ilustrador. Tendo por base a perspectiva dos Estudos Culturais, dialoga-se sobre as-
pectos relacionados à literatura infantil, à criança e a textos específicos como as parlendas,
apoiando-se em pressupostos teóricos de autores pós-estruturalistas e pós modernos, como
Foucault, Veiga-Neto e Costa.
Palavras-chaves: Criança, linguagem, literatura infantil, parlenda.
As relações entre literatura infantil e escola, remontam a sua origem e a objetivos comuns
de promover o desenvolvimento intelectual da criança. Tal fato, repercute na atualidade, pois
os vínculos com a escola permanecem, uma vez que a produção tem crescido consideravel-
mente nas últimas décadas devido à implementação de programas voltados para o “incentivo
à leitura”. Anualmente o “governo” compra grande parte da produção de livros de literatura
infantil, tornando se o principal cliente dessa indústria cultural e assim, a criança escolarizada
das escolas públicas passa a ser o público cobiçado. Nesta perspectiva, a literatura infantil
tende a capturar interesses e desejos desse leitor, com vistas a atraí-lo e conquistá-lo.
Nesse cenário, os discursos que permeiam a literatura infantil ganham validade e en-
gendramento social, se espraiam e penetram nos vários espaços sociais como: no discurso
educacional do professor em sala de aula, dos alunos, dos pais, dos especialistas, do governo,
promovendo o prazer, o entretenimento, o saber. Foucault (1979, p.183) considera esses
discursos poderosos, uma vez que “o poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas
os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de
sofrer sua ação”.
A linguagem dos livros de literatura infantil e os discursos que produz faz circular signi-
ficados culturais. Veiga-Neto (2000, p.56) argumenta que “os discursos podem ser entendi-
dos como histórias que, encadeadas e enredadas entre si, se complementam, se completam,
se justificam e se impõem a nós como regimes de verdade”. É nesse sentido que os livros
de literatura infantil podem ser considerados artefatos culturais que ajudam a constituir as
identidades das crianças.
capítulo 4 • 89
Especialistas, pareceristas, produtores, autores e ilustradores, estudiosos de várias áreas
do conhecimento são responsáveis por uma nova ordem discursiva, envolvidos com pro-
messas de formar cidadãos críticos através de uma leitura prazerosa, livre, crítica e lúdica.
Esses discursos tendem a divulgar ideias, concepções que interpelam cotidianamente seus
interlocutores. Costa (2000, p.77) analisa a força da linguagem e diz que: “quando alguém ou
algo é descrito, explicado, em uma narrativa ou discurso, temos a linguagem produzindo uma
‘realidade’, instituindo algo como existente de tal ou qual forma”.
Sintonizados com as tecnologias e os avanços da sociedade contemporânea, os discur-
sos dos livros de literatura infantil são especialmente construídos com o objetivo de educar,
entreter, seduzir a criança. Desse modo, considero que os livros de literatura infantil carregam
grande significação. Lajolo (2003, p.232) corrobora com essa ideia e afirma que:
A literatura trabalha na surdina. Enquanto formadora de imagens, a literatura mergulha
no imaginário coletivo e simultaneamente o fecunda, construindo e desconstruindo perfis de
crianças que parecem combinar bem com as imagens de infância formuladas e postas em
circulação a partir de outras esferas, sejam elas científicas, políticas, econômicas ou artísticas.
Sendo assim, a questão que está no centro dessa pesquisa consiste em reconhecer que
o discurso produzido pela literatura infantil, as ideias divulgadas por suas narrativas, imagens,
brinquedos e brincadeiras tendem a construir a criança. O discurso elaborado pelo autor tem
o poder de inventar e construir uma ideia sobre a criança e seu mundo. Essa construção faz
parte da imaginação, capacidade de criação, percepção do mundo e do universo de valores,
crenças que constituem o autor. Assim, disseminando idéias, modos de ser e perceber a
criança e o mundo, a literatura infantil é uma produção cultural “comprometida com a ordem
formativa”, como assevera Perrotti (1986).
O brincar com a linguagem
As parlendas constituem instrumentos poderosos para iniciar as crianças nas brincadei-
ras com a linguagem, pois são caracteristicamente marcadas pela sonoridade, musicalidade,
ritmos, pelo desafio da descoberta dos signos. Desde bem pequenas as crianças são incen-
tivadas pelas mães a repetirem versos, fórmulas, estimulando a sua linguagem oral. Dantas
(2002, p.115) afirma que no que se refere à ludicidade, vale destacar que: “existe também na
linguagem, marcando um gosto pela musicalidade, pelo ritmo, pela rima, pela assonância que
podem levar a melhor sobre o sentido”.
É importante reconhecer a função cultural dessas brincadeiras que agregam valor à in-
teração grupal das crianças. Tendo na linguagem oral uma importante aliada para o desen-
volvimento das brincadeiras, a parlenda, constitui uma forma de internalizar novas estrutu-
ras da língua e aprimorar a sensibilidade para expressões sonoras mais elaboradas. Neste
90 • capítulo 4
sentido, as parlendas constituem oportunidades para explorar o raciocínio, a memorização,
o entendimento e a decifração de códigos oriundos da tradição oral. Compondo-se de um
rico repertório das diferentes regiões do país, as parlendas sempre fizeram parte das brinca-
deiras infantis e constituem um acervo que tem atravessado séculos, enraizadas nos brincos
das crianças. Essas brincadeiras tradicionais, como as parlendas, fazem parte do patrimônio
lúdico-cultural infantil e manifestam os valores, costumes, formas e pensamentos aprendidos
na oralidade.
Se por um lado as crianças aprendem as parlendas com o adulto, de outro, cada grupo
de criança que brinca tende a construir outros significados, imprimindo às brincadeiras com a
linguagem características regionais. Variando e enriquecendo as parlendas a partir de novas
percepções sociais, as crianças implementam novas possibilidades na construção das brin-
cadeiras, a partir de elementos do cotidiano.
Cerizara (2002, p. 127) argumenta que “[...] parece ser possível perceber a influência
de elementos, não só das experiências vividas pelas próprias crianças, como também de
elementos advindos de experiências alheias por elas ouvidas”.
Fernandes (1979, p.173) reitera que “Neste caso, são as crianças que, dessa forma,
asseguram a continuidade das brincadeiras tradicionais, através de elementos da sua cultura,
continuidade essa posta em crise pelo desaparecimento absoluto ou parcial daqueles traços
da cultura adulta”. Assim, as brincadeiras com a linguagem, como as parlendas, podem ter um
importante papel no processo de manutenção e divulgação das formas de brincar das gera-
ções passadas, visto que, são transmitidas pela oralidade, mas renovam-se e transformam-se
com a incorporação de novos elementos, pelas crianças, em cada época.
As parlendas provocam a alegria das crianças, não importa se elas ainda não conseguem
entender o significado das palavras, pois a sonoridade, as rimas, a melodia expressas nessa
linguagem repercutem quando vão brincar. A sonoridade das palavras oferecidas, principal-
mente quando são iniciadas com estruturas mais simples, dão grande prazer às crianças, isto
acontece porque há uma percepção imediata da melodia das parlendas. Mas, quando não
compreendem o significado das palavras, as crianças as substituem por outras com o mes-
mo som, construindo variações que atravessam gerações. Assim, na percepção do ritmo das
palavras são encontradas formas de dizer que extrapolam as informações recebidas. E ainda
a reunião de fatores como criatividade, emoção, afetividade, aliados a uma dimensão corporal
e de movimento, ganham relevância e uma performance completamente reinventada pelas
crianças toma forma nas brincadeiras com a linguagem.
Desse modo, a literatura infantil traz para suas páginas a riqueza e a variedade de parlen-
das e brincadeiras com a linguagem, oriundas da cultura popular, permitindo o acesso desse
gênero a um número maior de crianças, “contribuindo para preservar e perpetuar modelos de
sentir, de pensar ou de agir tradicionais” conforme defende Fernandes (1979, p. 25)
capítulo 4 • 91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALVES, R. Só aprende quem tem fome. In: Nova Escola. São Paulo, nº 152, p. 45-7, maio de 2002.
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: _____. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
BRASIL, Ministério da Educação (MEC). Secretaria d Educação Fundamental (SEF). Parâmetros
Curriculares Nacionais. Brasília: MEC; SEF, 1997, v.2.
CONDÉ, M. A importância da leitura e dos jogos para o desenvolvimento da afetividade. In:
BOZZA, S. (org.). Alfabetização, letramento, leitura e produção de textos e sala de aula. Belo Horizonte:
Conexa, 2011.
SOARES, M. I. B. (Org.) Alfabetização Linguística: Da teoria à prática. Belo Horizonte: Dimensão,
2010.
SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6.ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
94 • capítulo 5
Convidamos você, neste capítulo, a refletir sobre as diferentes concepções de
gramática e o ensino de Língua Portuguesa. Quando pensamos no ensino de
Língua Portuguesa, quase sempre, associamos o processo de ensino a uma
perspectiva tradicional onde dominar a gramática normativa, através de um
conjunto de regras e normas, era a questão central do processo de ensino. Con-
tudo, compreendemos que o ensino de Língua Portuguesa deve ser discutido
em uma perspectiva mais ampla, considerando que a língua não é homogênea.
Mas, este é um assunto polêmico entre os educadores e pesquisadores do as-
sunto. Então, vamos apresentar algumas concepções de gramática que auxilia-
ram você, enquanto futuro educador, desenvolver reflexões que conduzam às
escolhas adequadas no ensino de gramática.
OBJETIVOS
Neste capítulo, esperamos que você:
• Conheça as diferentes concepções e tipos de gramática;
• Reflita sobre metodologias no ensino de gramática;
• Desenvolva reflexões que levem à escolha de abordagens e métodos
adequados no ensino de gramática.
capítulo 5 • 95
5.1 O ensino de língua portuguesa e gramática: objetivos e justificativas
De acordo com Travaglia (2001, p. 17), o objetivo de se ensinar a Língua Portu-
guesa é o desenvolvimento de três competências: comunicativa, gramatical ou
linguística e a textual, sendo as duas últimas necessárias àquela.
A competência comunicativa é a capacidade do interlocutor de fazer uso da
modalidade da língua adequada aos seus contextos de uso. Por exemplo, em
uma carta escrita à própria mãe não se usa o mesmo registro que se usaria pra
escrever uma carta ao presidente; no primeiro caso, o contexto é informal, o
que implica um registro de língua menos elaborado, mais próximo à oralidade;
já no segundo, a situação exige que se use um registro formal de língua, perten-
cente à norma culta.
A competência gramatical ou linguística permite ao falante produzir novas
e próprias estruturas gramaticais – ainda que de maneira inconsciente – dota-
das de certa lógica, como frases, enunciados. Tal competência também pode
ser chamada de gramática internalizada. Exemplo: o aluno não conjuga ou tem
contato com todos os verbos em particípio passado na escola, mas por dedu-
ção, a partir das amostras de língua que possui, consegue usar outros verbos
nesse mesmo modo.
No entanto, a gramática internalizada não se estende ao uso das irregulari-
dades da língua, fato que faz com que alguns erros sejam comuns aos alunos
mais jovens: se as formas no particípio passado dos verbos comer, beber e ter
são, respectivamente, comido, bebido e tido, deduz-se as conjugações de ver-
bos irregulares como escrever e eleger como escrevido e elegido, em lugar de
suas formas irregulares escrito e eleito. Dessa forma, o ensino pode aprovei-
tar-se dessa competência para reduzir o número de amostras linguísticas e dar
ênfase às irregularidades.
A competência textual, ou seja, a habilidade tanto de compreender como
de produzir textos, implica três outras capacidades: formativa, transformati-
va e qualificativa que possibilitam ao falante, respectivamente, compreensão
e produção ilimitada de textos; modificação / reformulação e; classificação
em gênero.
Pode-se desenvolver a habilidade formativa por meio de práticas de leitu-
ra e produção textual; o mito de que um bom leitor seja, portanto, um bom
96 • capítulo 5
escritor deve ser banido, pois ambos os exercícios são complementares de for-
ma que também há a necessidade de trabalhar a escrita. Só se aprende a escre-
ver escrevendo.
A capacidade de modificar e reformular textos pode ser considerada uma
consequência do bom desenvolvimento de práticas de leitura e produção tex-
tual, dado que as habilidades de leitora e escritora pressupõem a modificação
e reformulação textuais.
Por fim, a qualificativa pode ser trabalhada em sala de aula pela amostra
e estudo dos diferentes tipos de textos, suas especificidades, de forma que os
alunos, a partir dos aspectos observados, possam identificá-los e qualificá-los.
Uma vez tratados os objetivos, quais as justificativas de se ensinar Português,
neste caso a sua gramática, a indivíduos que já fazem uso dessa língua, isto é, já
conhecem ao menos sua forma oral e usam-no para se comunicar?
Podemos estabelecer algumas razões essenciais para o ensino da língua
materna e, portanto, de suas regras:
Do ponto de vista cognitivo, o estudo de uma língua, de suas estruturas, e
não necessariamente a materna, é capaz de desenvolver o raciocínio lógico, o
pensar, o refletir sobre as estruturas e usos. De acordo com Perini (1988), o estu-
do de um idioma encontra-se no “campo do desenvolvimento das habilidades
de observação e argumentação acerca da linguagem”, habilidades estas rele-
vantes às várias áreas do conhecimento.
No âmbito linguístico, ensina-se a Língua Portuguesa com a finalidade de
que seus falantes desenvolvam a habilidade comunicativa, ou seja, que saibam
comunicar-se e fazer-se ser entendidos em toda e qualquer situação comunicati-
va, seja ela formal ou informal, escrita ou oral. Nessa mesma esfera, o domínio da
norma culta, tida como padrão da língua, apesar de usada apenas em contextos
mais formais e, portanto, considerada elitista e excludente, é de suma importân-
cia e fator indispensável à inserção social, principalmente no que diz respeito à
entrada ao mercado de trabalho e integração com o mundo globalizado. Em ou-
tras palavras, o conhecimento da variante formal da língua permite ao indivíduo
ampliar suas oportunidades e, ao contrário do que se pensa, o domínio da norma
culta não é oposto ao (re)conhecimento das muitas variantes da nossa língua; es-
tes são conhecimentos complementares à capacidade comunicativa.
Para que se atinjam tais fins, é necessário que se conheçam a sua estrutu-
ra e suas funções, isto é, sua forma e função, a gramática, pois, considerando
a já tratada proposta dos PCN, segundo a qual o texto é a unidade de ensino
da língua,
capítulo 5 • 97
[...] não é possível produzir ou entender qualquer texto (desde os constituídos de uma
só palavra até os representados por volumes inteiros de livros) sem que se saiba gra-
mática, sem que se use a gramática de uma língua. A gramática não é, pois, algo que
se possa abandonar no ensino de qualquer língua (materna ou estrangeira) porque
a gramática como a apresentamos aqui é, como diz Franchi (1987: 42), a condição
mesma da criatividade linguística nos processos comunicativos em geral. É preciso
pois entender a gramática no sentido que Franchi (1987: 35) propôs e que tomamos
emprestado aqui com algumas pequenas modificações”: a gramática é na verdade o
estudo e o trabalho com a variedade dos recursos linguísticos colocados à disposição
do produtor e receptor de textos para a construção do sentido. Gramática é o estudo
das condições linguísticas da significação. É uma resposta sistemática e, quando
possível, explícita, à questão fundamental de por que e como (para quem e quando...)
as expressões das línguas naturais significam tudo aquilo que significam! – e como os
elementos da língua constituem enunciados. (TRAVAGLIA, 2001, p. 235)
Em suma, o que deve ser questionado não é o ensino da gramática em si,
dado que, como já foi visto, seu conhecimento é essencial e imprescindível
para o entendimento, domínio e uso eficaz da língua; mas a forma como tem
sido feito. Esta deve ser refletida a fim de se buscar uma forma mais adequada
e eficiente desse ensino, que atenda às reais necessidades e supra as dificulda-
des dos educandos. Conforme observa Antunes (2003), a gramática faz parte do
próprio uso da língua:
Gramática, como vimos, não entra em nossa atividade verbal dependendo de nosso que-
rer: ela está lá, em cada coisa que falamos, em qualquer língua, e é uma das condições
para que uma língua seja uma língua. Não existe a possibilidade de alguém falar ou
escrever sem usar as regras da gramática de sua língua (ANTUNES, 2003, p. 119).
98 • capítulo 5
5.2 Aprofundando o conhecimento de gramática
Uma vez justificado o ensino de gramática e seus objetivos, parte-se para o
aprofundamento desse conceito. Primeiramente, faz-se necessário esclarecer
que há diferentes concepções de gramática e cujo conhecimento pode trazer
contribuições significativas ao trabalho pedagógico desse conteúdo.
5.2.1 Gramática como norma
A gramática é concebida “como um manual com regras de uso da língua a se-
rem seguidas por aqueles que querem se expressar adequadamente” Assim,
gramatical é tudo aquilo que obedece às normas do bom uso da língua, con-
figurando o falar e o escrever corretamente. A língua é considerada apenas na
sua variedade dita padrão ou culta; todas as outras formas de uso da língua são
consideradas desvios, erros, deformações ou degenerações da língua (TRAVA-
GLIA, 2001, p. 24).
Essa concepção de gramática como norma ou regra está vinculada à norma
culta ou padrão em função de algumas razões ou argumentos.
Esses argumentos que estabeleceriam a norma culta e dariam base à gramá-
tica normativa seriam, de acordo com Travaglia (2001, p. 25-26), os seguintes:
• estética: uso de critérios como elegância, colorido, beleza, finura, expres-
sividade. Rejeição de vícios como a cacofonia, colisão, eco, pleonasmo vicio-
so etc.
• elitista ou aristocrática: opção pelo uso da língua pertencente à classe de
prestígio em detrimento do uso das classes populares.
• política: critério de purismo e vernaculidade. Rejeição de estrangeirismo
ou qualquer aspecto que “ameace” a identidade ou soberania da nação ou da
cultura nacional.
• comunicacional: critérios relacionados com a facilidade de comunica-
ção e compreensão. As construções e o léxico devem resultar na “expressão
do pensamento”.
• histórica: recorre-se à tradição para critérios de exclusão e permanência
de usos da língua.
capítulo 5 • 99
5.2.2 Gramática descritiva
A gramática é concebida como uma atividade linguística de descrição da es-
trutura da língua e de seu funcionamento. A gramática é concebida como um
conjunto de regras utilizadas pelos falantes na construção real de enunciados.
Gramatical será “tudo o que atende às regras de funcionamento da língua de
acordo com determinada variedade linguística” (TRAVAGLIA, 2001, p. 27).
Saber gramática significa, no caso, ser capaz de distinguir, nas expressões de uma
língua, as categorias, as funções e as relações que entram em sua construção, des-
crevendo com elas sua estrutura interna e avaliando sua gramaticalidade. O (linguista)
pode fazer gramáticas de todas as variedades da língua, propondo de acordo com
o modelo teórico quais as unidades e categorias da língua, bem como as relações
que podem ser estabelecidas entre elas e as suas funções, o seu funcionamento.
São representantes dessa concepção as gramáticas feitas de acordo com as teorias
estruturalistas que privilegiam a descrição da língua oral e as gramáticas feitas
segundo a teoria gerativa-transformacional que trabalha com enunciados ideais, ou
seja, produzidos por um falante-ouvinte ideal. As correntes linguísticas que dão base
a esse tipo de gramática têm em comum o fato de proporem uma homogeneidade
do sistema linguístico, abstraindo a língua de seu contexto, ou seja, elas trabalham
com um sistema formal abstrato que regulariza o uso que se tem em cada variedade
linguística. (TRAVAGLIA, 2001, p. 27-28)
5.2.3 Gramática internalizada
A gramática é um conjunto de “regras que o falante de fato aprendeu e das quais
lança mão ao falar, antes mesmo do processo de escolarização” (TRAVAGLIA,
2001, p. 28).
Nesse caso “saber gramática não depende, pois, em princípio de escolari-
zação, ou de quaisquer processos de aprendizado sistemático, mas da ativação
e amadurecimento progressivo (ou da construção progressiva), na própria ati-
vidade linguística, de hipóteses sobre o que seja a linguagem e de seus princí-
pios e regras”. Não existem livros dessa gramática, pois ela é o objeto de des-
crição, daí porque normalmente essa gramática é chamada de internalizada.
(TRAVAGLIA, 2001, p. 28-29)
100 • capítulo 5
5.3 Tipos de gramática
Depois de observarmos os principais conceitos de gramática, partimos agora
para uma tipologia das gramáticas, listando diversos tipos de gramática.
5.3.1 Gramática normativa ou prescritiva
Dedica-se ao estudo somente de aspectos da língua padrão e da língua escrita.
Prescreve o que é considerado correto e errado de acordo com as normas da
variante culta, a única considerada como válida. Tende a considerar apenas os
fatos da língua escrita, tomando a variedade oral da norma culta como idêntica
à escrita. Apresenta uma descrição do padrão culto da língua e dita normas de
bem falar e escrever, valorizando a correção gramatical. É a gramática larga-
mente utilizada nas escolas. (TRAVAGLIA, 2001, p. 30-31).
5.3.2 Gramática descritiva
Descreve e registra as unidades, categorias e mecanismos de uma determina-
da língua. Valoriza o trabalho de observação e descrição que se faz de uma de-
terminada língua em um momento e local específicos, procurando entender o
seu funcionamento.
A gramática descritiva é menos usada no ensino oficial e geralmente recebe
a denominação da corrente linguística a que pertence.
5.3.3 Gramática internalizada
Já mencionada, compreende o conjunto de regras “dominado pelos falantes de
um idioma e que lhes permite o uso normal da língua” (PERINI, 1976, p. 20-22,
apud TRAVAGLIA, 2001).
5.3.4 Gramática implícita
Conhecimento inconsciente de todos os níveis de constituição e funcionamen-
to da língua (fonológico, fonético, sintático, morfológico, semântico, pragmá-
tico e textual-discursivo) por parte do falante que lhe permite fazer um uso au-
tomático da língua.
capítulo 5 • 101
5.3.5 Gramática explícita ou teórica
Compreende todos os estudos da língua, por ela mesma, que procuram explici-
tar sua estrutura, formação e funcionamento. Dessa forma, todas as gramáticas
normativas e descritivas também são explícitas, ou teóricas.
5.3.6 Gramática reflexiva
Envolve as atividades de observação e reflexão sobre a língua que procuram
identificar e explicitar a sua formação e o seu funcionamento e, a partir destes,
tenta explicar a gramática implícita do falante.
5.3.7 Gramática contrastiva ou transferencial
Descreve duas línguas em concomitância, contrastando-as afim de detectar
aspectos comuns a ambas. Esse procedimento contribui muito ao ensino de
línguas estrangeiras, pois permite compará-las à língua materna e identificar
quais os pontos conflitantes e, portanto, de maior dificuldade e necessidade
de atenção, bem como aqueles que são semelhantes e, por isso, resultam mais
fáceis de aprender.
5.3.8 Gramática geral
“Compara o maior número possível de línguas, com o fim de reconhecer to-
dos os fatos linguísticos realizáveis e as condições em que se realizarão. Não se
preocupa com o realizado, mas com as possibilidades que estão por trás dele – é
uma gramática de previsão de possibilidades gerais” (BORBA, 1971, p. 81, apud
TRAVAGLIA, 2001).
5.3.9 Gramática universal
“Gramática de base comparativa que procura descrever e classificar todos os
fatos observados e realizados universalmente (TODOROV e DUCROT, 1978: 15,
apud TRAVAGLIA, 2001), ou seja, investiga quais características linguísticas
são comuns a todas as línguas do mundo ( PERINI, 1976, p. 24, apud TRAVA-
GLIA, 2001).”
102 • capítulo 5
5.3.10 Gramática histórica
Estuda a origem e a evolução de uma língua, acompanhando todas as suas fases
nesse processo.
5.3.11 Gramática comparada
Realiza o estudo que a gramática histórica faz, mas de várias línguas com o ob-
jetivo de encontrar aspectos comuns entre elas. Após essas explicações sobre as
várias definições de gramática, faz-se necessário remeternos a uma citação de
Travaglia sobre esse conceito; na verdade, a gramática de uma língua é única,
seja ela falada em um ou vários países, de forma que as diferenças existentes
em uma mesma língua definem-se por variantes. A multiplicidade de concep-
ções de gramática anteriormente exposta refere-se a como esta é abordada de
diferentes formas, com a finalidade de atender a distintos objetivos.
A relevância de se reconhecer essa gama de conceitos está na reflexão com
intuito de entender como esse conhecimento pode subsidiar o trabalho com
a gramática na escola, contribuindo para uma melhor qualidade de ensino. É
importante, portanto, salientar que:
[...] no exercício de sua prática docente, o professor de língua portuguesa tem de propor ati-
vidades de gramática de uso (este tipo de gramática busca desenvolver os princípios de uso
dos recursos das diferentes variedades da língua); gramática reflexiva (na qual, busca-se
uma reflexão voltada para a explicitação das unidades linguísticas, assim como, os efeitos
que tais unidades podem produzir nos textos); gramática teórica (é uma sistematização
teórica, de caráter legislativo e metalinguístico, a respeito da língua) e gramática normativa
(dita as normas de uso da língua segundo a variedade culta, padrão). (Cf. Travaglia, 2006).
Portanto, um dos maiores desafios de uma prática significativa de gramática é, a nosso
ver, a superação de uma ótica exclusivamente prescritiva. “A insistência numa perspectiva
normatizante é, sem dúvida, um sintoma bastante revelador do tipo de trabalho que se vem
conseguindo realizar até o ensino médio” (Rocha, 2000, p. 259). A ineficiência da aborda-
gem prescritiva verifica-se pela manutenção de diferentes entraves: o insucesso escolar,
a falta de gosto pela leitura, a resistência em escrever, a memorização momentânea de
nomenclaturas gramaticais para fazer provas, o medo de errar que induz o aluno a escrever
pouco para que erre menos e o sentimento de inferioridade e incapacidade perante a pró-
pria língua. Logo, é imperativo que a noção de gramática seja apreendida em sua pluralida-
de. (MARTINS; PEREIRA, 2008, p. 39)
capítulo 5 • 103
5.4 Ensino de Gramática: alguns mitos
Para uma língua que é produção e expressão de sentidos, de representações sociais,
que é atividade textual-discursiva de interação e de intervenção, não basta o ensino
das regularidades inerentemente linguísticas da gramática. Menos ainda, o ensino da
terminologia e da classificação das unidades linguísticas. Não basta mesmo (Antunes,
2002:130)
De acordo com o que apresentamos, o termo gramática pode estar associa-
do a diferentes acepções, diversidade de definições e de campos de abrangên-
cia que, impreterivelmente trazem diferentes olhares e implicações para o en-
sino da língua.
Assim, de acordo com Antunes (2007) existem equívocos em torno das ques-
tões gramaticais e de seu ensino que apresentam concepções reducionistas
acerca do ensino de língua, resultando em práticas pedagógicas pouco relevan-
tes e significativas.
Segundo o referido autor (p.38), esses equívocos estão relacionados a al-
gumas crenças, tais como: Língua e gramática são a mesma coisa; Basta saber
gramática para falar, ler e escrever com sucesso; Explorar nomenclaturas e clas-
sificações é estudar gramática; Toda atuação verbal tem que se pautar pela nor-
ma prestigiada; O respaldo para a aceitação de um novo padrão gramatical está
prioritariamente nos manuais de gramática.
CONEXÃO
Para saber mais sobre equívocos no ensino de gramática, acesse o link abaixo para ler o ar-
tigo: Gramática sem decoreba.
http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/gramatica-
decoreba-423568.shtml
Boa leitura!
Partindo-se do pressuposto que a Língua não se constitui enquanto fato
isolado, é social, política, histórica e, está inserida em um espaço e tempo
104 • capítulo 5
específico, não podemos reduzi-la a um único sistema de regras. Desta manei-
ra, de acordo com Bagno (2004, p. 31), “saber uma língua, ou seja, saber a gra-
mática de uma língua, não tem nada a ver com saber a ortografia dessa língua.
São dois saberes diferentes, um é natural, o outro é artificial. Um é adquirido
espontaneamente, o outro é aprendido através de treinamento e memoriza-
ção consciente”.
Assim, podemos compreender que Língua e gramática não são a mesma
coisa e, desta maneira é importante ressaltar que embora a gramática tenha
caráter regulador, muitas das normas que definem o uso da língua extrapolam
o conjunto das regras gramaticais.
Nossos alunos, antes de ter contato com a escola, fazem uso da língua, siste-
matizando-a através de diferentes empregos lingüísticos. Ou seja, conhecem a
gramática e fazem uso mesmo sem conhecer as regras. Neste contexto, “Língua
e gramática não se equivalem e saber gramática não é suficiente para uma atua-
ção verbal eficaz e competente” (Antunes, 2007, p. 53).
Temos aí, outro equívoco do ensino de Língua Portuguesa: “Basta saber gra-
mática para falar, ler e escrever com sucesso”. Sabemos que para ler, escrever,
compreender um texto e se expressar de maneira competente e adequada, pre-
cisamos de muito mais que conhecimentos gramaticais.
É importante também ter a consciência de que “saber gramática” não implica neces-
sariamente em “falar bem” ou “escrever corretamente”. Isso é só mais um dos muitos
mitos que compõem o preconceito linguístico tão vigoroso nossa sociedade. Se o co-
nhecimento da gramática normativa garantisse o ‘escrever bem’, todos os professores
de língua seriam excelentes escritores, prosadores criativos... Isso não acontece, não
é? Os gramáticos, então seriam os maiores artistas da língua! Ora, sabemos que não
é bem assim. Aliás, muito pelo contrário: a maioria dos gramáticos escreve num estilo
rebuscado, empolado, pouco ágil, usando recursos retóricos antiquados, justamente
porque se apegam demais à tradição. (BAGNO, 2004, p. 160)
Nessa perspectiva, de acordo com o que propõe os PCN, “não é possível to-
mar como unidades básicas do processo de ensino as que decorrem de uma
análise de estratos letras/fonemas, sílabas, palavras, sintagmas, frases que,
descontextualizados, são normalmente tomados como exemplos de estudo
gramatical e pouco têm a ver com a competência discursiva”( Brasil,1998, p.23).
capítulo 5 • 105
CONEXÃOOs Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são importantes documentos que apre-
sentam referências para o ensino das diferentes áreas. Para consultar o PCN de Língua
Portuguesa para o ensino fundamental, acesse o site: http://portal.mec.gov.br/seb/ar-
quivos/pdf/livro02.pdf
Assim, para ser eficaz comunicativamente não basta, portanto, saber ape-
nas as regras específicas da gramática, pois embora seja necessário, não é sufi-
ciente (Antunes, 2007, p. 41).
O ensino de gramática, então, deve ir além de explorar nomenclaturas e regras
que nos apresentam classes gramaticais e seus elementos de maneira descontex-
tualizada. Não podemos conceber o ensino de gramática enquanto compreensão
de nomenclaturas e classes gramaticais. É preciso considerar que o bom aprendi-
zado da língua implica em possibilitar o uso da linguagem e seu entendimento,
desenvolvendo no aluno habilidades e competências linguísticas que ampliem
sua possibilidade de participação social. A esse respeito, os PCN propõe desen-
volver a gramática a partir de atividades com textos, explorando sua diversidade
de gêneros e, desta maneira, contextualizando o ensino da língua.
Tomando-se a linguagem como atividade discursiva, o texto como unidade de ensino
e a noção de gramática como relativa ao conhecimento que o falante tem de sua
linguagem, as atividades curriculares em Língua Portuguesa correspondem, princi-
palmente, a atividades discursivas: uma prática constante de escuta de textos orais e
leitura de textos escritos e de produção de textos orais e escritos, que devem permitir,
por meio da análise e reflexão sobre os múltiplos aspectos envolvidos, a expansão
e construção de instrumentos que permitam ao aluno, progressivamente, ampliar
sua competência discursiva. Deve-se ter em mente que tal ampliação não pode ficar
reduzida apenas ao trabalho sistemático com a matéria gramatical. Aprender a pensar
e falar sobre a própria linguagem, realizar uma atividade de natureza reflexiva, uma
atividade de análise linguística supõe o planejamento de situações didáticas que
possibilitem a reflexão não apenas sobre os diferentes recursos expressivos utilizados
pelo autor do texto, mas também sobre a forma pela qual a seleção de tais recursos
reflete as condições de produção do discurso e as restrições impostas pelo gênero e
pelo suporte (BRASIL, 1998, P.28)
106 • capítulo 5
Esperamos que você, enquanto futuro educador, tenha compreendido quão
polêmica é a questão do ensino de gramática na escola e, neste sentido, cons-
cientize-se que o sucesso no ensino de língua depende da atuação do professor
e do seu entendimento acerca das concepções de língua e gramática, que nor-
tearão suas práticas.
Finalmente, destacamos que
Observando o ensino da gramática em nossas escolas, primeiro enquanto alunos,
depois, enquanto professores de língua materna, percebemos que a gramática
tradicional tem sido privilegiada e enfocada sempre como uma obra acabada, sem
consideração para o que tenha representado em termos de esforço de pensamento.
Aula de Português tem sido sinônimo de aula de gramática. É comum ouvirmos de um
aluno, não importa o grau, a série, a idade, o sexo ou outros fatores, que ele não gosta
de Português. Como não gosta de Português se é a língua que ele fala cotidianamen-
te, com a qual se comunica, ouve, lê e pensa? Na verdade, esse aluno não gosta é do
modo como lhe é passado o conteúdo da matéria Português, quase sempre através
de regras, exercícios descontextualizados de uma estrutura que ele só vê nos livros,
nunca no seu dia a dia. (RIBEIRO, 2001, p. 145)
Convidamos, agora, você para refletir, através das atividades propostas, so-
bre as concepções de Língua e gramática desenvolvidas até aqui. Vamos lá?
ATIVIDADES01. ENEM_2014
Só há uma saída para a escola se ela quiser ser mais bem-sucedida: aceitar a mudança
da língua como um fato. Isso deve significar que a escola deve considerar qualquer forma da
língua em suas atividades escritas? Não deve mais corrigir? Não!
Há outra dimensão a ser considerada: de fato, no mundo real da escrita, não existe ape-
nas um português correto, que valeria para todas as ocasiões: o estilo dos contratos não é o
mesmo do dos manuais de instrução; o dos juízes do Supremo não é o mesmo do dos cor-
delistas; o dos editoriais dos jornais não é o mesmo do dos cadernos de cultura dos mesmos
jornais. Ou do de seus colunistas.
POSSENTI, S. Gramática na cabeça. Língua Portuguesa,
ano 5, n. 67, maio 2011 (adaptado).
capítulo 5 • 107
Sírio Possenti defende a tese de que não existe um único “português correto”. Assim
sendo, o domínio da língua portuguesa implica, entre outras coisas, saber
a) descartar as marcas de informalidade do texto.
b) reservar o emprego da norma padrão aos textos de circulação ampla.
c) moldar a norma padrão do português pela linguagem do discurso jornalístico.
d) adequar as formas da língua a diferentes tipos de texto e contexto.
e) desprezar as formas da língua previstas pelas gramáticas e manuais divulgados
pela escola
02. (VUNESP_SEED/SP_2012)
Considere o texto:
• em lugar de ajudar o aluno a refletir sobre a ortografia de nossa língua, essas atividades
são conduzidas com o espírito de verificar se ele está escrevendo corretamente ou não;
• levam o aluno a assumir ante a ortografia uma atitude mecânica, passiva, de quem aprende
“repetindo”, “imitando um modelo certo”, de modo que ele pode chegar a cumprir as exigên-
cias do professor (e acertar!) sem ter deduzido ou inferido nada.
(Artur Gomes de Morais, Ortografia: ensinar e aprender)
As atividades a que o texto se refere estão devidamente exemplificadas em:
a) o quadro de regras, os exercícios de treino, a classificação de palavras e a comparação.
b) a comparação, a cópia, o uso do dicionário e a reescrita de textos.
c) o uso de gramática, a reescrita de texto, a visita à biblioteca e a cópia.
d) o ditado, a cópia, os exercícios de treino e a recitação de regras.
e) a reescrita de textos, as atividades de classificação, os exercícios de treino e o ditado.
03. (Vunesp) Prefeitura Municipal de Rio Claro_ 2012)
Leia o texto:
Não se justifica tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas de linguagem. É o
caso, por exemplo, da gramática que, ensinada de forma descontextualizada, tornou-se em-
blemática de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova e
passar de ano – uma prática que vai da metalíngua para a língua por meio de exemplificação,
exercícios de reconhecimento e memorização de terminologia. Em função disso, discute-se
se há ou não necessidade de ensinar gramática. Mas essa é uma falsa questão: a questão
verdadeira é o que, para que e como ensiná-la.
108 • capítulo 5
(Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: lín-
gua portuguesa)
A concepção de gramática que é criticada no texto prioriza o ensino das:
a) descrições linguísticas da língua internalizada.
b) possibilidades de expressão da língua coloquial.
c) variantes linguísticas próprias da escrita.
d) normas gramaticais desvinculadas de contextos de uso.
e) formas de comunicação próprias da oralidade.
REFLEXÃONeste capítulo, propusemos uma reflexão acerca do ensino de gramática, apresentando
suas diferentes concepções. Nosso objetivo foi possibilitar a compreensão acerca do objeti-
vo do ensino da Língua portuguesa, distinguindo o ensino de língua e gramática.
O ensino de Língua Portuguesa, como já vimos, tem por objetivo formar cidadãos com-
petentes comunicativamente. Contudo, sabemos que para atingir tal objetivo não podemos
ter uma concepção reducionista do ensino da língua e, neste sentido compreendemos que
embora ensinar gramática seja fundamental, somente ela não é suficiente para desenvolver
habilidades e competências comunicativas.
Assim, esperamos que você, futuro professor de Língua Portuguesa reconheça que a
língua é variável com relação às dimensões de tempo, espaço geográfico, classes sociais e
faixa etária. E, deste modo, compreenda que ensinar a gramática em uma perspectiva norma-
tiva, considerando o conjunto de regras que normatizam a língua culta, é reduzir a língua a um
modelo único que, muitas vezes, tem pouco a ver com os hábitos linguísticos de seus alunos.
Então, finalizamos com Possenti (2012, p.86) que nos alerta que “Ensinar gramática é ensi-
nar a língua em todas as suas variedades de uso, e ensinar regras é ensinar o domínio do uso”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASANTUNES, I. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003.
__________. Muito Além da Gramática: por um ensino sem pedras no caminho. SP: Parábola
Editorial, 2007.
capítulo 5 • 109
BAGNO, M. Português ou brasileiro? um convite à pesquisa. 4 ed. São Paulo: Parábola, 2004.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua
portuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
MARTINS, K. C.; PEREIRA, M. H. Gramática e reflexão: por um ensino crítico em prol da competência
comunicativa. Cadernos do CNFL, Rio de Janeiro, CIFEFIL, vol. XII, n. 05, 2008.
PERINI, M. A. Sofrendo a gramática. 3 ed. São Paulo: Ática, 2005.
POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, SP: ALB: Mercado de Letras,
1996. Coleção Leituras no Brasil.
RIBEIRO, O. M. Ensinar ou não a gramática na escola: eis a questão. Linguagem & Ensino, vol. 04, n.
01, 2001.
TRAVAGLIA, L; C. A sistematização do ensino de gramática em atividades de gramática reflexiva e
outras. In: BASTOS, N. B. (Org.). Discutindo a prática docente em Língua Portuguesa. São Paulo:
IP- PUC/SP, 2000.
____. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º. Graus. São Paulo:
Cortez, 2001.
____. A gramática na escola: língua portuguesa, o ensino de gramática. In: BRASIL. Ministério da
Educação/SEED. Um mundo de letras: práticas de leitura e escrita. Salto para o futuro, Boletim 03, abr.
2007.
GABARITOCapítulo 1
01.
O programa apresenta três concepções de linguagens -- linguagem como espelho
do mundo, linguagem como instrumento de comunicação e linguagem como forma
de interação. A partir daí, o espectador é levado a refletir sobre o dialogismo, conceito
criado pelo filósofo russo Mikhail Bakthin. Para ele, a linguagem é um produto das
relações sociais e das condições materiais e históricas de cada tempo.
110 • capítulo 5
Capítulo 2
01.
O poema retrata uma variação linguística que ocorre devido às diferenças geográficas
e socioeconômicas. Assim, o poema apresenta uma fala que difere da norma “padrão”.
De acordo com o que estudamos, neste capítulo, as condições sociais como: nível de
escolaridade, idade, gênero, profissão, caracterizam o modo de falar dos indivíduos,
gerando certas variações.
02.
O preconceito Linguístico está relacionado com discriminação que se tem em relação
à linguagem que difere do dialeto padrão, ou seja, da norma culta. Assim, ao consi-
derar que a Língua não é estática e homogênea e, portanto, sofre variações, a escola
deve enfrentar a questão do preconceito. Neste contexto, é importante que os edu-
cadores possibilitem espaços para o desenvolvimento das competências comunicati-
vas, levando em consideração os diferentes usos da língua, bem como os diferentes
contextos sócio culturais nos quais seus alunos estão inseridos.
Capítulo 3
a) A língua portuguesa tem grande variedade de dialetos, muitos deles com uma acen-
tuada diferença lexical em relação ao português padrão seja no Brasil ou em Portu-
gal. Há pouca precisão na divisão dialetal brasileira, mas sabe-se que em nosso país
há, principalmente, dialetos regionais (caipira, nordestino, sulista...) e que nenhum
pode, no entanto, ser considerado como intrinsecamente melhor ou mais perfeito
do que os outros. Como educadores, é fundamental conhecermos as variações de
nossa língua, reconhecendo todas como um importante subsidio para a compreen-
são e o ensino da língua portuguesa.
capítulo 5 • 111
Capítulo 4
a) B ( 1, 2 e 5 estão corretas).
Como já apontado em nossas reflexões a charge, como um exemplo do gênero textual
literário, tem características específicas, que envolvem a interação entre a linguagem escrita
e a linguagem visual. Como mencionado na afirmativa 2, possui objetivo tornar seus leitores
competentes, críticos e capazes de transformar e modificar a realidade em que se inserem.
Sua linguagem objetiva e clara, utilizando recursos que estimulam o receptor, levando-o a
desenvolver a criticidade.
Capítulo 5
01. A alternativa que apresenta a resposta correta é a D.
Observe como a atividade, retirada do ENEM 2014, propõe uma reflexão sobre o concei-
to de certo e errado no ensino de língua. Sírio Possenti(2011), bem como Travaglia(2002)
e outros, defendem a ideia de que não existe um único “português correto”. Assim sendo,
não se concebe como “erro” o uso inadequado da variedade linguística empregada num
determinado contexto comunicativo. Desta maneira, trata-se de adequar as formas da língua
a diferentes tipos de texto e contexto.
02.
Resposta: D
As atividades a que se refere o texto podem ser exemplificadas a partir do ditado, cópia,
exercícios de treino e a recitação de regras. Ou seja, atividades de cunho mecânico, pouco re-
flexivas e descontextualizadas que apresentam um caráter reducionista do ensino de Língua.
03.
Resposta: D
Nesta questão, temos novamente uma reflexão acerca da gramática normativa. Então,
de acordo com as reflexões que foram propostas neste capítulo, é possível compreender
que papel da escola deve ir além do ensino de regras e nomenclaturas. O objetivo do ensino
de Língua Portuguesa é desenvolver habilidades e competências comunicativas em seus
alunos, contribuindo desta maneira, para sua efetiva participação social.