Download - Augusto Boal - catálogo CCBB 2015
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auGusToBOALatos DE uM pERCuRso
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Centro Cultural Banco do Brasil
Rio de Janeiro
14 de janeiro a 16 de maro de 2015
Ministrio da Cultura apresenta
Banco do Brasil apresenta e patrocina
auGusToBOALExposio Teatro Show Leituras Oficina
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Ministrio da Cultura e Banco do Brasil apresentam
Augusto Boal, retrospectiva sobre a vida e a obra do dramatur-
go carioca, que atuou tambm como diretor, professor e ensas-
ta. Complementando a homenagem, est tambm programada
a realizao do espetculo Cancioneiro de Boal, com repertrio
composto por msicas utilizadas em peas do autor, de uma de
uma montagem com atores da Companhia do Lato, dirigida por
Srgio de Carvalho, alm de oficina e leituras dramatizadas.
Apaixonado pelo teatro desde cedo, Boal teve textos ence-
nados no Brasil e no exterior. Criou o Teatro do Oprimido, m-
todo composto de exerccios, jogos e tcnicas de interpretao,
hoje estudadas em vrios lugares do mundo. Encarando a dra-
maturgia como poderosa ferramenta de transformao, esteve
frente do Teatro de Arena de So Paulo e participou de pro-
jetos que abordavam os muitos problemas sociais e polticos
do Pas. Com a represso instituda durante o perodo militar,
chegou a ser preso e torturado, exilando-se por cerca de quinze
anos. O acervo da exposio abrange seis dcadas de uma pro-
duo engajada e reflexiva, que ocupa um lugar de destaque no
panorama da arte dramtica brasileira.
Com a realizao deste projeto, o Centro Cultural Banco do
Brasil reafirma o seu apoio ao teatro nacional e o compromisso
com o acesso democrtico cultura e com a formao de pblico.
Centro Cultural Banco do Brasil
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INDICE
Cheguem mais perto! Ceclia Thumim Boal
Arquivo Boal na UFRJ Priscila Matsunaga
Laboratrio da prxis Srgio de Carvalho
1953-1955
Da Qumica ao Teatro Maria Slvia Betti
1956-1963
Laboratrios do Teatro de Arena Paula Chagas
1964-1967
Arte de esquerda no ps-64 Paulo Bio Toledo
1968-1971
Teatro poltico em tempos de represso
Eduardo Campos Lima
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10
12
14
28
48
68
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86
100
116
132
147
149
156
1972-1976
Exlio na Amrica Latina Patrcia Freitas Santos
1977-1985
Teatro do Oprimido na Europa Clara de Andrade
1986-1996
Teatro popular ps-ditadura Geo Britto
19972009
Para uma esttica do oprimido Brbara Santos
Cecilia Augusto Boal
Sobre diferentes tempos da mesma guerra Julian Boal
Sobre a publicao
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ChEguEM MaIs pERto!
Estamos aqui, reunidos, para contar quem foi Augusto Boal.
Augusto gostava da me, gostava do mar, gostava das pessoas e
gostava, acima de tudo, de pensar. Gostava de pensar e convidar
todos e todas a pensar com ele. O seu teatro, o seu trabalho, a
sua obra toda so um convite para pensar juntos, para pensar
sempre. Para abrir olhos e ouvidos e no se deixar enganar, para
no deixar de buscar alternativas. Augusto Boal nos deixou um
importante legado do qual sou uma das depositrias. Agradeo
a todos aqueles que me ajudam na sua preservao. Neste even-
to queremos dar uma pequena mostra do que foi a sua intensa
vida, seu trabalho e seus ideais de cidado e militante. Queremos
dar uma imagem de seu trabalho no Teatro Arena de So Paulo
onde com um grupo de jovens, com Flvio Imprio, Guarnieri,
Vianinha, Paulo Jos, produziu novas formas para o teatro brasi-
leiro. Do tempo do seu exilio, das suas viagens pelo mundo. Do
desenvolvimento de seu mtodo chamado Teatro do Oprimido e
das suas prticas. Da sua passagem pela cmara de Vereadores
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para a qual foi eleito pelo Partido dos Trabalhadores e onde criou
o Teatro Legislativo. Sua vida foi uma sucesso impressionante
de propostas criativas. Dela tentamos nos aproximar com respei-
to e cuidado sabendo que nada poder traduzir e muito menos
aprisionar sua impressionante energia, seu talento, inteligncia e
generosidade. com essa atitude de respeito e admirao que o
Instituto Augusto Boal promove este encontro de Boal com o Rio
de Janeiro, cidade onde ele nasceu no ano de 1931 na Penha Cir-
cular. Queremos agradecer o apoio e a ajuda do Centro Cultural
Banco do Brasil, do Ministrio da Cultura, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, da Funarte e de tantos parceiros. E agora que
tudo o que devia ser dito j foi dito, senhoras e senhores, meninos
e meninas, cavalheiros e senhoritas, que se abra a exposio. Po-
dem se aproximar, cheguem mais perto, bem perto (como Boal
gostava de dizer). Mas ateno! Aproximem-se com muita delica-
deza. O nosso espetculo est aberto de hoje at 16 de maro, dia
em que, pela primeira vez, Augusto Boal encontrou a sua cidade.
Ceclia Thumim Boal
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aRquIvo Boal Na uFRJ
Priscila Matsunaga
Desde 2011, quando o acervo Augusto Boal foi abrigado pela
Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro
uma equipe de professores e estudantes d corpo a um desejo
partilhado com o Instituto Augusto Boal: depositado ali est no
apenas um acervo pessoal de um de nossos maiores teatrlogos
e sim um repertrio de possibilidades de pesquisa e prtica em
teatro. Pretendemos que o acervo promova estudos e reflexes
sobre o teatro brasileiro, de ontem e hoje. Do trabalho com os
alunos de graduao e ps-graduao no estudo das peas e
da teoria de Boal, passando por eventos para dar visibilidade ao
acervo, como a Ocupao Boal realizada pela Casa da Cincia
em 2012, tentativa de reelaborar a rede de colaborao entre
criadores e investigadores latino-americanos como buscamos
com o I Encontro latino-americano de teatro realizado em 2013,
o material inspira atitudes e envolvimentos de ordem poltica
e afetiva. Desse modo, a contribuio para esse evento que
rene exposies, leituras dramatizadas, peas teatrais, oficinas,
confirma o compromisso da Universidade Federal do Rio de
Janeiro com a memria artstica brasileira. Mas sabemos todos
que a instituio se faz pelas mos de gente que trabalha. A
contribuio da universidade para a realizao desse momento
s foi possvel pelo apoio da profa. Eleonora Ziller, diretora da
Faculdade de Letras e do professor Eduardo Coelho, responsvel
pela catalogao do acervo (e a colaborao dos funcionrios da
Biblioteca Jos de Alencar). O material que compe o catlogo
foi coletado por Anita Ayres (UFRJ), rika Rocha (USP) e Patrcia
Freitas (USP), e dirijo a elas meu especial agradecimento.
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laBoRatRIo Da pRxIs
Srgio de Carvalho
Em seu livro mais pessoal, Hamlet e o filho do padeiro, Au-gusto Boal se compara ao moo prncipe da Dinamarca: A trag-dia de Hamlet no ser ou no ser: ser e no ser. Hamlet os dois e s no sabe ser ele prprio. Sou especialista nessa dicotomia.
Em A Esttica do Oprimido, ltimo livro que escreveu, o jogo da no-identidade reaparece. Boal fala sobre os ndios Pirah, de Roraima, que mudam de nome porque acreditam que o avanar da idade os transforma em outras pessoas: Mentiriam se guardassem os mesmos nomes: j no so o que foram.
Boal foi aprendiz e mestre da dialtica, essa arte de conhecer o movimento das coisas, em relao ao movimento do prprio conhecimento. Era um artista interessado nas dinmicas da vida e na sua captura sempre impossvel. Sabia que o ser s no sendo, que o exame das contradies vivifica. Mas sabia tambm que a grande teoria deve se negar a si prpria como prxis, que as prticas definem o sentido do aprendizado, mesmo que o verde da rvore da vida precise do cinza da teoria para que suas linhas sejam visveis.
Boal fez uma obra de recusas imobilizao. Por outro lado, procurou em cada etapa de seu desenvolvimento artstico fixar tcnicas, estabelecer snteses, organizar o trabalho prprio e o alheio, verificando os limites e riscos dessa atitude necessria.
A utilizao dos chamados laboratrios teatrais para transmitir seu aprendizado ao grupo do Teatro de Arena, onde ingressou em 1956, recm chegado dos Estados Unidos, permaneceria na origem do Teatro do Oprimido, que se organiza nos anos 70 como um ensaio de transformao do real, um ensaio da Revoluo. O melhor teatro do Oprimido que se entende como laboratrio social realizado por grupos de pessoas que enfrentam sua condio de seres coisificados econmica
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e culturalmente. O exerccio da autonomia artstica surge como smbolo de uma participao poltica capaz de dialogar com uma histria social, orientada pela luta de classes. O critrio da ativao, portanto, no pode ser encontrado somente na obra (ou no fato simblico do espectador subir ao palco): a capacidade de uma ao conjunta daquele grupo em relao a sua condio histrica que define a fora poltica do ato simblico. Foi nessa perspectiva que Augusto Boal construiu o mais importante projeto da histria do teatro brasileiro.
Este livro-catlogo procura dividir o trabalho artstico e poltico de Augusto Boal em fases para que algo de seu movimento interno e externo possa ser visualizado. Seguimos aqui a sugesto desse artista-qumico, que gostava de separar os elementos, sabendo ser essa interveno uma suspenso sempre algo abstrata que visa realizao do concreto. Que esse registro feito de testemunhos e fragmentos colhidos por gente animada com o conhecimento das coisas transmitido por Boal d tambm algum testemunho da sua impressionante alegria. S algum que conheceu de perto a nefasta e mortal Melancolia seria capaz de uma obra to avessa resignao e ao conformismo, voltada para a colaborao com o outro da histria.
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1953 - 1955
Da Qumica ao TeaTro
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Da quMICa ao tEatRo
Maria Slvia Betti
Uma referncia que lera sobre o crtico John Gassner,
grande especialista no campo da dramaturgia, chamou a
ateno do jovem Augusto Boal na poca em que conclua sua
graduao em Qumica, em 1952. Alm de ser um nome central
na crtica, Gassner era professor da Universidade de Yale, e Boal,
embora estivesse se formando qumico, desejava desenvolver-se
como dramaturgo. Seu pai lhe havia prometido o custeio de um
ano de estudos no exterior, e isso o levou a escrever ao crtico
apresentando-se e pleiteando uma vaga sob sua tutela na rea
de dramaturgia.
A resposta afirmativa chegou algumas semanas depois
com a ressalva de que Gassner havia acabado de transferir-se
da Universidade de Yale, em New Haven (Connecticut), para
a de Columbia, em Nova Iorque. Columbia era uma das mais
prestigiadas e caras instituies acadmicas dos Estados Unidos,
integrante da famosa Ivy League, Nova Iorque era o grande plo
de inovao nas reas da encenao e da dramaturgia, e Gassner,
por sua vez, havia sido convidado a integrar o corpo docente da
School of Dramatic Arts de Columbia ministrando precisamente
Creative Playwriting (Criao de Dramaturgia), a disciplina de
maior interesse para Boal naquele momento.
O perodo de estudos que assim se iniciou, em 1953, estendeu-
se at julho de 1955. Um captulo inteiro da autobiografia que
Boal escreveria muitos anos depois viria a ser dedicado ao relato
de suas atividades no solo teatral novaiorquino nessa fase.
Como tivesse acabado de se graduar em Qumica, Boal foi
inscrito como estudante nessa rea, o que o obrigou a cursar
alguns crditos nesse campo de estudos, mas no representou
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impedimento, dentro da estrutura curricular ali vigente, para
que ele frequentasse as disciplinas desejadas no campo dos
estudos teatrais.
Diversos professores, ligados a campos especficos do teatro,
marcaram a sua formao nesse perodo: Milton Smith, Maurice
Valency, Norris Houghton e Theodore Apstein, todos ligados,
de alguma forma, a aspectos prticos da dramaturgia e da
encenao. Nenhum o marcou tanto, porm, como John Gassner.
Alm de ter sido o principal mestre e interlocutor de Boal, Gassner
foi, tambm, quem mediou os contatos que permitiram a Boal
assistir ensaios e oficinas de interpretao no Actors Studio, o
mais importante centro de preparao interpretativa de atores
dos Estados Unidos, conhecido por sua peculiar abordagem das
tcnicas interpretativas desenvolvidas por Stanislavski.
As concepes de Stanislavski no eram desconhecidas de
Boal antes de seus estudos em Nova Iorque, mas a experincia
de observao de oficinas no Actors o levou a travar contato
com a linha adotada por Lee Strasberg, fundamentada no uso
de tcnicas como a da memria emotiva, a da interiorizao
como fio condutor e a do se imaginrio. Tratava-se de um
Stanislavski que o prprio Boal descreveria, mais tarde, como
quase expressionista.
Vrias dessas tcnicas viriam a ser aplicadas pelo prprio
Boal em Ratos e Homens, a adaptao dramatrgica do romance
de John Steinbeck que ele dirigiria no Teatro de Arena de So
Paulo em 1956, pouco depois de voltar dos Estados Unidos, ca-
racterizando um trabalho que, em suas prprias palavras, foi o
primeiro estudo sistemtico de Stanislavski no contexto brasileiro.
Foi com o trabalho de Boal como diretor, desse momento em
diante, que o teatro norte-americano passaria a ser conhecido,
no Brasil, nos seus trs campos constitutivos: o da escritura
dramatrgica, cujo estudo Boal desenvolveu nos Seminrios do
Arena, o da interpretao, com os exerccios stanislavskianos
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que criou nos Laboratrios de Interpretao a partir de sua
experincia no Actors, e o do repertrio, com as montagens
que dirigiu de Ratos e Homens, de John Steinbeck, de A Mulher
do Outro, de Sidney Howard, ambas no Arena respectivamente
em 1956 e 1957, e, algum tempo depois, de Um bonde chamado
Desejo, de Tennessee Williams, que dirigiria no Teatro Oficina em
1961. Essas trs peas apresentavam na prtica a ressonncia
das concepes e do trabalho formativo de Gassner, que Boal
incorporara em seu trabalho como diretor e como formador.
De todos os contatos de Boal em Nova Iorque, durante
este seu perodo de estudos, um dos mais expressivos foi com
o dramaturgo e poeta negro Langston Hughes (1902-1967),
que havia sido convidado para uma conferncia dentro de um
programa de atividades culturais da Universidade. Boal levou
a Hughes, nessa ocasio, uma carta que lhe fora dirigida pelo
dramaturgo negro brasileiro Abdias do Nascimento, o fundador
do Teatro Experimental do Negro, com quem trabalhara, no rio
de Janeiro, pouco antes de viajar. O contato com Hughes em
Nova Iorque lhe valeu, desse momento em diante, uma srie de
convites no s para encontros (conversas de bar, em suas
palavras) mas tambm para espetculos no Apollo Theatre, no
bairro negro novaiorquino do Harlem (muito prximo do campus
de Colmbia) , dedicado a espetculos musicais.
Hughes havia lanado, em 1951, a antologia potica
intitulada Montage of a Dream Deferred (Montagem de um
Sonho Adiado) da qual fazia parte Harlem, poema que se
tornaria um marco das lutas pela igualdade racial nos Estados
Unidos, em consonncia com o apoio que o autor manifestaria,
em meados dos anos 60, com a frente de luta dos Panteras
Negras (Black Panther Party) e as lideranas revolucionrias do
movimento.
Boal cita vrios espetculos assistidos durante seu perodo
de estudos em Nova Iorque, e dentre eles destaca Tea and
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Sympathy (Ch e Simpatia) , de Robert Anderson, e Cat on a
Hot Tin Roof (Gata em Telhado de Zinco Quente), de Tennessee
Williams, que estrearam na Broadway respectivamente em
fevereiro e maro de 1955, ambas dirigidas por Elia Kazan.
Com a intensificao de seus contatos no meio teatral
novaiorquino, Boal passou a colaborar como correspondente
no remunerado do jornal Correio Paulistano, escrevendo sobre
teatro e publicando entrevistas com atores e diretores de grande
projeo na poca, como o ator, diretor e produtor portoriquenho
Jos Ferrer, o panamenho Jos Quintero, diretor do Circle in the
Square (um pequeno teatro em arena na Washington Square,
em Nova Iorque), responsvel por uma notvel remontagem de
Summer and Smoke (O Anjo de Pedra), de Tennessee Williams,
e a atriz Geraldine Page. Boal entrevistou, ainda, os diretores
Stella Adler, Harold Clurman e Elia Kazan, ligados histria dos
trabalhos stanislavskianos nos Estados Unidos, e tambm atores
dos elencos de Tea and Sympathy (Ch e Simpatia), de Cat on
Tin Hot tin Roof (Gata em Telhado de Zinco Quente), e bailarinas
do musical Wish you were here, baseado em pea de Arthur
Kober adaptada por Joshua Logan e com msica e letras de
Harold Rome.
No final de seu segundo e ltimo ano de estudos, Boal venceu
um concurso de dramaturgia promovido pela Universidade de
Colmbia com uma pea intitulada Martim Pescador. Como nem
o tema (pescadores brasileiros) e nem o estilo naturalista foram
considerados adequados para uma montagem no campus, seus
colegas dispuseram-se a encenar a pea dentro do Writers
Group, um ncleo de dramaturgia experimental do Brooklyn
organizado em torno de uma pauta de estudos e leituras. Martim
Pescador acabou sendo substituda por The Horse and the Saint,
outra pea escrita por Boal, que contou com elenco formado
pelos membros do grupo sob a direo dele prprio. Esta seria,
como ele prprio frisou, a sua primeira direo.
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Os anos que assinalaram os Seminrio de Dramaturgia
realizados no Teatro de Arena, no final dos anos 50, assinalaram
tambm, paralelamente, o aporte do teatro de Bertolt Brecht no
Brasil e da circulao de peas do dramaturgo alemo.
Boal e o ncleo central de dramaturgos do Arena passariam
a empenhar-se vigorosamente na construo de um teatro pico
dotado de caractersticas bem diferentes das do teatro norte-
americano com que Boal travara contato em Nova Iorque. E
desse empenho resultaria uma vigorosa renovao dramatrgica
e cnica, e seus frutos se multiplicariam amplamente at que
o impacto do da ditadura militar, em 1964, viesse colocar diante
deles cerceamentos de vrias ordens.
O teatro que se escreveu e que se encenou no Brasil ao longo
desse perodo possui estas duas facetas, dialtica e historicamente
opostas: a da moderna dramaturgia estadunidense do segundo
ps guerra, e a do pico brechtiano que ento comeava a ganhar
suas primeiras edies e produes nacionais, como parte de
um significativo movimento cultural da esquerda. O trabalho de
Boal apresenta elementos importantes e instigantes para que
todas estas perspectivas de dramaturgia e de encenao sejam
correlacionadas sem que se perca de vista as ricas conexes que
apresentaram. Com elas temos muito a aprender.
CRoNologIa
1950 Escreve alguns textos curtos inspirado em situaes da Penha: Maria Conga, Histrias do meu bairro e Martin Pescador. Alguns textos foram submetidos crtica de Nelson Rodrigues, de quem se aproximou durante o perodo em que cursou Engenharia Qumica na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1953 Boal frequenta aulas na Columbia University of New York para especializar-se em plsticos e petrleo. Paralelamente realizou
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estudos em dramaturgia , com John Gassner. Seus professores foram: Milton Smith, Maurice Valency, Norris Houghton, Theodore Apsteins entre outros. Colaborou voluntariamente com o Correio Paulistano, entrevistando artistas em evidncia no cenrio nova-iorquino. Foi aceito como ouvinte em sesses do Actors Studio de Lee Strasberg.
1954 Concludas as aulas em Qumica, Boal dedica-se integralmente ao teatro. Integra um grupo de dramaturgos, Writers Group, Brooklyn, ganha um concurso de peas em um ato na Columbia com Martim Pescador, o primeiro reconhecimento como dramaturgo.
1955 Junto ao Writers Group encena duas peas de sua autoria,
The house across the street e The horse and the saint. O elenco foi formado pelos dramaturgos do grupo, e os diretores, os autores. Em julho retorna ao Brasil.
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Augusto Boal em Nova Iorque, 1954.
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Nos jornais de hoje saiu uma poro de coisa sobre o Brasil. (...) A outra reportagem foi sobre uma mensagem que o Luiz Carlos Prestes escreveu na imprensa popular. Que que houve a sobre isso? O jornal dizia que a mensagem era estimulando o povo a depor Getlio, a confiscar tudo que fosse americano, a reatar relaes com a Rssia etc. Tambm falava no aumento de salario mnimo de 1200 para 2400 cruzeiros e trazia tambm notcias sobre a greve que os bancrios ameaam fazer. O Brasil est ficando famoso...
augusto Boal
Rascunho de carta famlia. Nova Iorque, 03.01.1954.
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a minha pea agora vai. Os ensaios j comearam. Eu estou dirigindo. O teatro, como eu j disse, um auditrio pequeno (feito um teatro de bolso) bem na rea da Broadway. A atriz que faz o papel central comeou em teatro em 1929, dois anos antes de eu nascer. A pea uma verso daquela coisa que voc viu. Por favor, procure esquecer o que voc viu o mais depressa possvel.
augusto Boal
Carta irm Ada. Nova Iorque, 12.05.1955.
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1955 - 1963
LaboraTrios Do
TeaTro De arena
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laBoRatRIos Do tEatRo DE aRENa
Paula Chagas
O ano de 1956 marca a volta de Augusto Boal ao Brasil.
Foi o crtico teatral Sbato Magaldi quem sugeriu ao diretor
Jos Renato, fundador do Teatro de Arena, que chamasse Boal
para dividir com ele a direo das peas do grupo. Um ano
antes o Arena recebia os jovens integrantes do politizado Teatro
Paulista do Estudante (TPE), entre eles Gianfrancesco Guarnieri
e Vianinha, que pretendiam estudar teatro popular orientados
por Ruggero Jacobbi.
Boal vinha de uma experincia de aprendizado tcnico
segundo o modelo artstico do playwriting norte-americano,
essencialmente ligado ao drama (e suas formas crticas). Guarnieri
e Vianinha traziam a vivncia no Partido Comunista e j procuravam
uma arte de participao nos debates polticos da poca.
Em sua primeira incurso como diretor no Teatro de Arena,
j em 1956, Boal monta o drama social Ratos e Homens, do
autor norte-americano John Steinbeck. Nos ensaios o texto
era estudado na sua relao dialtica com a encenao, o que
implicava experimentao por parte dos atores e do diretor na
busca por uma representao realista, menos empostada. Veio
da a principal motivao para a implementao do Laboratrio
de Interpretao do Teatro de Arena. com o Laboratrio que
nesse momento Boal assume uma atitude cientfica perante o
teatro e passa a sistematizar sua prtica. Alm de exerccios
desenvolvidos pelo diretor e atores com quem trabalhava,
utilizavam-se tambm de alguns j realizados por outros grupos
e autores, principalmente pelo russo Constantin Stanislavski,
que eram continuamente reelaborados. O Laboratrio de
Interpretao inaugura o encaminhamento metodolgico das
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pesquisas de Boal e do Arena. ali que, pela primeira vez no
grupo, uma viso dialtica do trabalho artstico passa a ser
praticada.
Mas para que a pesquisa se aprofundasse, era necessria
uma maior autonomia dos integrantes do Arena em relao
dramaturgia. O Curso de Dramaturgia do Arena, qu e se inicia
ainda em 1956, como uma formao complementar aos exerccios
dos Laboratrios de Interpretao, nasce dessa necessidade
de compreenso tcnica. Assim, so os prprios atores que
propem a Boal que formule um curso em que divida com a
equipe seu aprendizado tcnico em dramaturgia. desse modo
que nasce o primeiro curso de dramaturgia do Arena, aberto ao
pblico, e que, por conta do grande afluxo de interessados, ser
repetido no ano seguinte. As aulas eram expositivas, seguidas
de debates que se estendiam pesquisa laboratorial do grupo.
Enquanto o Curso de Dramaturgia e o Laboratrio de
Interpretao prosseguiam gerando uma pesquisa inovadora
faltava atrelar as inovaes interpretativas a peas que tratassem
de questes nacionais e populares. No ano de 1957 Boal inaugura
sua trajetria como dramaturgo e encena, ele prprio, seu
primeiro texto: Marido Magro, Mulher Chata. Era uma precria
resposta inicial ao projeto de encenar um texto autoral capaz de
tratar de temtica nacional na forma de comdia. Apesar de ter
sido uma tentativa de um retrato brasileira, a pea de fato est
bem longe de qualquer sentido crtico politizado. Ainda assim,
de um ponto de vista cnico, incorporava o realismo laboratorial
e um desejo de representao popular.
levando adiante as orientaes de Boal sobre a dialtica
dramtica no Curso de Dramaturgia e sobre a procura de uma
gestualidade brasileira do Laboratrio de Interpretao que Gian-
francesco Guarnieri escreve e Jos Renato encena a pea Eles No
Usam Black Tie, tambm resultado de um processo partilhado, em
que o texto era discutido com os outros integrantes durante sua
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produo. O impacto da pea deve muito a seu tema inovador:
apresentava membros da classe operria como protagonistas.
Surgia assim uma nova encenao brasileira, decorrente da pes-
quisa laboratorial realizada h dois anos. Assumem, pela primeira
vez, um projeto esttico totalizante, que une todas as reas das
realizaes do grupo. Torna-se ainda mais forte a busca pela lin-
guagem teatral genuinamente brasileira e pelo engajamento.
A politizao crescente do grupo e a necessidade de
interao dialtica entre dramaturgia e interpretao ensejou
no mesmo ano a fundao do Seminrio de Dramaturgia, que
organizado como um laboratrio de escrita era constitudo por
encontros semanais de debates sobre escrita dramatrgica
com vistas a estimular a produo, tendo como base o modelo
metodolgico do grupo livre extra-acadmico que Boal conheceu
nos Estados Unidos, em 1954: o Writers Group. Em torno dos
integrantes do Seminrio parecia haver um consenso de que
para se discutir teatro era agora necessrio se discutir tambm a
realidade nacional. Essa tomada de posio vai alm dos temas.
Influencia diretamente a feitura das peas que sero discutidas.
Radicaliza-se o projeto de um teatro engajado socialmente, de
sentido nacional-popular, que traz para dentro da sala de ensaio
a discusso poltica e a reflexo sobre o momento social.
No Seminrio de Dramaturgia, que durou at meados de
1961, foram criadas sete peas, entre elas Revoluo na Amrica
do Sul, de Boal. No mesmo ano o grupo passa por uma grande
reformulao aps uma estada no Rio de Janeiro, onde apresenta
parte de seu repertrio. Vianinha e Chico de Assis ficam na
cidade e fundam o Centro Popular de Cultura (CPC) e Boal e
os demais integrantes viajam para diferentes locais do pas
fazendo parcerias no apenas com outros grupos teatrais, mas
tambm com movimentos sociais como o Movimento Popular de
Cultura (MCP), de Pernambuco. Alm disso, Boal institui outros
Seminrios, como o do Sindicato de Metalrgicos de Santo
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Andr e escreve a pea Mutiro em Novo Sol, em parceria com
o ator do Arena Nelson Xavier e os intelectuais Benedito Arajo,
Hamilton Trevisan e Modesto Carone, que foi representada em
um congresso de camponeses em Belo Horizonte e no Teatro de
Cultura Popular, em Pernambuco.
Ao mesmo tempo inauguram uma nova fase de pesquisa
dramatrgica e de interpretao no Teatro de Arena: a da
nacionalizao dos clssicos. Dentro desse novo projeto adaptam
alguns clssicos da dramaturgia mundial, entre eles A Mandrgora,
do autor italiano Nicolau Maquiavel e O Melhor Juiz, o Rei, do
espanhol Lope de Vega. A ideia preponderante era mostrar que
nenhuma arte universal se no for brasileira. E no que dizia
respeito interpretao, afastam-se da ideia da procura de um
corpo com gestualidade brasileira para alcanar uma interpretao
social de amplo espectro. Essa fase da pesquisa do grupo dura
at meados de 1964, quando o acirramento das tenses polticas
e sociais no pas leva ao golpe civil militar que interrompe essas
parcerias com os movimentos sociais que davam uma nova inflexo
para a pesquisa laboratorial projetando-a para fora do teatro e
mostrando cada vez mais sua fora nas ruas. A partir da ser
necessrio reformular a maneira como a pesquisa e os projetos de
Boal e do Teatro de Arena como um todo se intercambiam com
a sociedade, o que levar a montagem de musicais como o show
Opinio e as peas da fase do Arena Conta.
CRoNologIa
1956 Nelson Rodrigues indica Boal como tradutor para a Revista X-9. Atravs das tradues de romances policiais aprender a tcnica que o auxilia na escrita, anos mais tarde, da novela A deliciosa e sangrenta aventura latina de Jane Spitfire, espi
e mulher sensual, sobre o golpe de Estado na Argentina. Por indicao de Sbato Magaldi, Boal integra, como diretor
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artstico junto a Jos Renato, o Teatro de Arena de So Paulo. Estreou como diretor em setembro com Ratos e Homens de John Steinbeck. Na encenao, busca a essncia de cada cena, o sentido das coisas que so ditas e no tanto a maneira de
diz-las. A encenao volta-se para o ator e constitui a etapa realista do Teatro de Arena. Segundo Boal a melhor maneira de ensaiar seria, desde o primeiro dia, praticar Stanislavski. No foi sem alguma resistncia dos atores que Boal introduziu exerccios aprendidos no Actors Studio. O famoso Laboratrio de Interpretao contava, tambm, com exerccios criados pelo prprio Boal e posteriormente serviram de base para o livro Jogos para atores e no atores.
1957 Estreia no Brasil como dramaturgo com a comdia Marido magro, mulher chata. Recebe elogios como autor cmico: a comicidade da pea no resulta de aproveitamento de anedotas,
piadas ou ditos chistosos. Nasce com espantosa naturalidade da
maneira de ser das personagens. Dirige Juno e o pavo de Sean OCasey e organiza um Curso de Dramaturgia aberto ao pblico.
1958 O Teatro de Arena funda o Seminrio de Dramaturgia. Os convidados analisavam peas dos dramaturgos do Arena, como Boal e Vianinha, ou de convidados, como Jorge Andrade e Brulio Pedroso. Os textos eram submetidos a anlise esttica e poltica de, ao menos, dois relatores. Foi pelo Seminrio de Dramaturgia que os autores confrontaram-se com os problemas brasileiros, colocando em cena novos temas e personagens, instalando a etapa fotografia do Teatro de Arena iniciada pela encenao de Eles no usam black-tie de Gianfrancesco Guarnieri, com direo de Jos Renato.
1959 Augusto Boal dirige Chapetuba Futebol Clube de Oduvaldo Viana Filho, Gente como a gente de Roberto Freire e A farsa da esposa perfeita de Edy Lima, textos analisados pelo Seminrio de Dramaturgia.
1960 Realizao de vrias produes conjuntas entre o Teatro de Arena e o Teatro Oficina. Boal dirigiu, com o elenco do Oficina,
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A engrenagem de Jean Paul Sartre, adaptada em parceria com Jos Celso Martinez Correa. Neste mesmo ano dirigiu outras peas oriundas do Seminrio: Fogo Frio do ainda jornalista esportivo Benedito Ruy Barbosa e O testamento do cangaceiro de Francisco de Assis. Nesse ano, Jos Renato dirige Revoluo na Amrica do Sul.
1961 Dirige Pintado de Alegre de Flvio Migliaccio. Para marcar uma diferena de encenao e de nuances dentro da etapa
brasileira do Teatro de Arena (fotografia), Boal escreve: A comparao seja o caminho mais claro. Chapetuba F.C. uma pea seca, direta, objetiva. No movimento cnico, sua ideia central foi demonstrada por processos geomtricos. Pintado de Alegre, contrariamente, ditou uma encenao quase oposta. Seus personagens abandonam problemas fundamentais por motivos fteis, passando da intensa alegria ao total abandono. Estas caractersticas impressionistas do texto forneceram elementos bsicos da encenao. As marcaes procuram as curas, procuram os gestos inteis, so enriquecidas com o desnecessrio e o facultativo. Flvio Imprio multicoloriu os cenrios, acumulando detalhes.
1962 Jos, do parto sepultura, de sua autoria, dirigida por Antonio Abujamra. Segundo Boal, Jos da Silva nasceu inspirado em Dom Quixote, com uma diferena fundamental: Quixote vivia anacronicamente, acreditando em valores passados, Jos acredita nos de hoje, falsos mas atuantes. O
texto centra-se na hiprbole, no exagero e absurdo. Com o elenco do Arena, Boal dirige A Mandrgora de Maquiavel. Inicia-se a etapa nacionalizao dos clssicos. Em sua avaliao, a fase fotogrfica tinha a desvantagem em reiterar o bvio: queramos um teatro mais universal que, sem deixar de ser brasileiro, no se reduzisse s aparncias. Ainda nesse ano dirige O melhor juiz, o Rei de Lope de Vega.
1963 Dirige O Novio de Martins Pena com o Teatro de Arena e Um bonde chamado desejo de Tenesse Williams com o Teatro Oficina.
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Chico de Assis em cena de
Chapetuba Futebol Clube,
1959, de Oduvaldo Vianna
Filho. Direo de Augusto
Boal.
Chico de Assis, Milton
Gonalves e Nelson Xavier
em cena de Chapetuba
Futebol Clube.
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Cena de Revoluo na Amrica do Sul, 1960. Texto de Augusto Boal, direo
Jos Renato.
Flvio Migliaccio como Jos da Silva em Revoluo na Amrica do Sul, 1960.
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Boal, como vo os ensaios de Lope de Vega? Espero que tenhas sucesso. Espero muito mesmo. No sei muito como vo as coisas a, mas pelo jornal verifico que houve um acelerado nas grandes montagens (...). O tempo passa e o Arena pode perder a vanguarda. Se que algum pode arremete-la. O que sei que o CPC da est muito ativado. Deixa esse teatro pequeno e burgus, Boal. Vamos fazer uma coisa grande! E continuar contribuindo para esse teatro subdesenvolvido.
NlsoN xavIER
Carta a Augusto Boal. Arraial do Bom Jesus,
Pernambuco, 28.06.1962.
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O documento mostra planos de trabalho dramatrgico de Boal, estabelecendo
prazos de escrita para a finalizao de cada pea.
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Anotao de trabalho de Boal sobre dialtica no teatro, provavelmente de 1963.
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Dialtica das emoesExemplo de Romeu dialtico: ama Julieta, porm, esse amor cria seu prprio desamor.
augusto Boal
Anotao de trabalho sobre dialtica no teatro,
provavelmente de 1963.
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Para Augusto Boal, desejando que o xito no desgaste a sua natureza selvagem homenagem ao seu talento ameaado.
NElsoN RoDRIguEs
Dedicatria a Augusto Boal, outubro de 1956.
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Equipe do Arena comemora o Prmio Saci, 1962.
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DEpoIMENto NLSON XAVIER
Terico no sentido do descobridor
O Boal era um dos nossos, ele no era o Boal que depois se
tornaria: essa figura imensa. Ele tinha feito muito jovem um curso
sobre teatro nos Estados Unidos, quando foi estudar qumica. E
tentava, no Arena, transmitir as coisas que tinha aprendido l. Foi
ele quem trouxe expresses como a emoo especfica da perso-
nagem. Fazamos laboratrios de formao baseados em Stanis-
laviski. Era um terreno timo, muito estimulante. Depois, quando o
Jos Renato se afastou para trabalhar fora, o Boal deixou o teatro
ainda mais nas nossas mos. E era to igualitria a nossa relao
que ficamos dirigindo coletivamente o Arena. Dividamos tudo. A
nossa relao se baseava na procura de uma prtica igualitria. E a
gente discutia muito. Boal conversava com a gente de uma manei-
ra para mim muito nova. Eu tambm estava estreando nisso. Tal-
vez seja verdade que ns, Vianinha, Guarnieri, Chico, puxssemos
o Boal para a esquerda. No meu caso, porque foi Pernambuco que
me puxou quando entrei no Movimento de Cultura Popular. Eu me
tornei comunista. Mas isso aconteceu tambm porque o Boal e o
Viana me deram livros. E me inscrevi no partido comunista quan-
do fui para Recife, em Pernambuco. O Boal pensava, sobretudo
no conjunto do ato teatral, pensava muito em como desenvolver
uma linguagem cnica e poltica. Para mim ele o grande terico.
Terico no sentido de descobridor. A contribuio dele junto
com a gente era de fazer do ato do teatro um produto da refle-
xo, da busca e da pesquisa. Sem descuidar de querer fazer uma
coisa popular mesmo. Queramos nos aproximar do homem da
rua, imitar o sindicalista, o operrio, conhecer o povo.
Depoimento de Nlson Xavier a Srgio de Carvalho para esta publicao.
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1964 - 1967
arTe De esQuerDa
no ps-64
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aRtE DE EsquERDa No ps-1964
Paulo Bio Toledo
Logo aps os tanques e fuzis tomarem conta da arena poltica
no Brasil, o teatro e a cano protagonizaram uma das mais
imediatas respostas no campo da cultura. O Show Opinio, no Rio
de Janeiro, dirigido por Augusto Boal ainda em 1964 (e produzido
pelo grupo liderado por Vianinha, Joo das Neves, Armando
Costa, Ferreira Gullar e Paulo Pontes) foi o primeiro gesto de
resistncia a reunir artistas ligados s tentativas de popularizao
da arte no perodo anterior e msicos de vrios estratos sociais.
Dizia em bom som: podem me prender/ podem me bater/ mas
eu no mudo de opinio. O diretor parece ter percebido ali um
frtil caminho de resistncia para o teatro. O sucesso do show
enorme. Agremia toda uma frao social inconformada com o
andamento da poltica. Seguindo esta trilha que Boal, junto com
Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo, e de volta ao Teatro de Arena
de So Paulo, escreve e organiza Arena Conta Zumbi, um dos mais
importantes acontecimentos teatrais do perodo.
O musical estreou no dia 1 de maio de 1965, dia internacional
dos trabalhadores e exatos um ano e um ms depois do Golpe
de Estado de 1964. A histria da luta do Quilombo de Palmares
foi matria-prima para uma tomada de posio ainda mais
enftica diante da inflexo ditatorial nos rumos do pas. Assim
como fora o Show Opinio no Rio de Janeiro em dezembro de
1964, Zumbi se valeu da msica como elemento fundamental na
composio cnica e marcou toda uma gerao com sua forma
esttica de resistncia. Algumas das canes de Edu Lobo para
o espetculo foram elevadas categoria de hinos de uma poca.
O espetculo sobre a resistncia em Palmares apresentou uma
cena nova e surpreendente. A histria era narrada e cantada por
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um coro, sem protagonismos como dito logo no incio da pea:
Os atores tem mil caras/ fazem tudo neste conto/ desde preto at
branco/ direitinho ponto por ponto. Assim, as figuras histricas
representadas em Arena conta Zumbi eram interpretadas por
vrios atores diferentes ao longo do musical, num primeiro esboo
daquilo que Boal teorizaria em 1967 como o Sistema Coringa.
Trata-se de um mtodo de representao no qual o que ficava em
primeiro plano no eram as particularidades histricas do fato, mas
a ao de contar este fato em cena e isso, nas palavras de Boal: de
uma perspectiva terrena bem localizada no tempo e no espao: a
perspectiva do Teatro de Arena, e de seus integrantes.
Zumbi era um musical em que atores do Teatro de Arena
contavam, em 1965, a histria de Palmares. Para isso, apoiavam-
se na prpria materialidade da cena, no jogo coral entre os
atores, no teatro como ato circunstancial. Tal estrutura propunha
uma relao direta e objetiva para com o pblico, que era,
afinal, o objeto indireto implcito do verbo contar empregado
no ttulo: o Arena (sujeito) se apresentava para contar Zumbi ao
pblico daquela apresentao. Transformava a particularidade
histrica em comentrio presente e transformava o teatro
numa gora de debate envolvendo o pblico e o grupo. Mais
do que simples atualizao temtica, a presentificao do
objeto histrico, neste caso, se realizava numa relao cnica
pica e experimental, que fazia do momento da apresentao
a sua fora. Um grande achado para o teatro do perodo.
Apresentava-se a histria do maior Quilombo que j se viu
no pas como se parte de uma luta que vence os tempos.
Durante a trama via-se o companheirismo e a conscincia dos
quilombolas como tradio de luta com a qual precisamos nos
conectar. O entusiasmo da pea estava nesse coro que dizia:
ns somos eles, eles so ns. Enquanto que, de outro lado,
brancos exploradores, violentos, autoritrios e comensais do
Capital em tudo se assemelhavam aos militares que tomavam
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o poder.
Naquele primeiro momento ps-golpe, Boal foi um entusiasta
deste caminho que nomear mais tarde de tendncia exortativa.
Bem ou mal, este esprito orientou as peas que dirigiu ou
escreveu at 1968 (fundamentalmente, Tempo de Guerra e Arena
conta Bahia, de 1965 e Arena conta Tiradentes, de 1967). Ele sabia
com quem estava falando, sabia que seu pblico era constitudo
por certa juventude universitria inconformada com os rumos
da poltica alm de setores mdios progressistas da sociedade.
E a tentativa defendida pelo diretor era conscientemente a de
realizar um gesto didtico que estabelecesse a unio entre
palco e plateia na resistncia possvel. De fato, esta primeira
produo cultural no teatro (na cano, no cinema etc.)
marcada pela exortao de uma frao social especfica, ajudou
a organizar em torno de si uma mentalidade que recusava a
regresso ditatorial. Esses gestos de resistncia no campo da
arte tiveram participao central na organizao de um novo e
significativo corpo social, segundo Roberto Schwarz, capaz de
dar fora material ideologia, fundamentalmente estudantil,
crtico e disposto a sair s ruas (como de fato saram). E o que
pareceu, no incio, mero devaneio de classe, foi ganhando fora
real nos anos subsequentes a ponto de assustar os generais.
Porm, a fora esttica do grito de resistncia lidava mal
com a realidade da derrota. Tanto os negros de outrora quanto
a esquerda pr-64 tinham assistido ao fracasso e interrupo
violenta de seus sonhos. Mas Zumbi tentava fazer da percepo
do fracasso uma conclamao vitria. A pea terminava, por
exemplo, com os atores de joelhos no palco, negros aniquilados
em Palmares, mas com os punhos erguidos, prontos pra luta.
E as canes do espetculo reafirmavam, uma por uma, este
procedimento paradoxal. Vivo num Tempo de Guerra, saltava da
apresentao de um tempo sem sol, em guerra e digno de d, na
letra, para tornar-se, ela mesma, com seu andamento acelerado,
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crescente densidade sonora, coros exortativos no refro, um canto
de guerra, um hino de batalha. Em Zambi Morreu, que cantada
em seguida, o par derrota/resistncia a fora do refro: Zambi
morreu/ mas vai voltar/ em cada negrinho que chorar. Bem
como na cano O Aoite bateu, cantada logo aps o assassinato
de Ganga Zona e cujo refro reaparece no ltimo momento do
espetculo: O aoite bateu, o aoite ensinou/ bateu tantas vezes
que a gente cansou. Tambm a cano de Edu Lobo e Vinicius de
Moraes que origina o espetculo, Zambi, tem algo desta potncia
nascida da tragdia: Zambi morrendo, ei, ei Zambi (...) Ganga
Zumba, ei, ei, vem a/ Ganga Zumba, tui, tui, tui, Zumbi.
Este otimismo no desenvolvimento da luta, a despeito
da acachapante derrota de 1964, alimentava quimeras e se
desdobrava na sensao de que as peas produzidas no
perodo eram claros avanos estticos e polticos com relao
ao momento anterior, o que significava, no limite, acreditar que
nada foi perdido com a inflexo de 64. Guarnieri numa entrevista
anos mais tarde relembra o ambiente da montagem da pea
e diz: a gente sentia necessidade de romper com o que fazia
antes (...) era uma poca de euforia e alegria mesmo. Um tipo
de formulao que, diga-se de passagem, no foi privilgio de
um ou de outro, mas regra no campo da cultura de esquerda
ps-64. E para um leigo em nossa histria, ao ouvir isso deve
ser difcil acreditar que o pas vivia uma ditadura violenta e
que no primeiro dia de Golpe as grandes experincias culturais
de popularizao, como o Centro Popular de Cultura (CPC) e
o Movimento de Cultura Popular (MCP) de Pernambuco (nas
quais, bem ou mal, participaram estes mesmos artistas) foram
duramente reprimidas e interrompidas.
A verdade que sobrou muito pouco daquele momento
pr-64 em que, segundo o crtico Roberto Schwarz a produo
intelectual comeava a reorientar sua relao com as massas,
experincias que tentaram desenvolver, no limite dos projetos,
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o direito de que todos sobretudo os mais pobres tivessem
direito a produzir cultura e no apenas a consumi-la. O CPC e
o MCP foram violentamente interrompidos nas primeiras horas
da ditadura. No obstante, os artistas engajados nos crculos
do inconformismo de classe mdia ps-Golpe, como o Teatro
de Arena, puderam seguir produzindo espetculos nos quais
davam-se combates imaginrios e vibrantes desigualdade,
ditadura e onde no comparecia a sombra de um operrio.
As contradies oriundas da se esparramam no perodo
entre 1965 e 1968. Arena conta Tiradentes, de 1967, escrita
por Boal e Guarnieri, torna-as ainda mais graves, quando, por
exemplo, resolve criticar o suposto voluntarismo de elite que
teria regido a luta poltica e cultural entre 1960 e 1964 ou quando
a pea tenta retomar algo da empatia dramtica do naturalismo
crtico um expediente regressivo, como bem mostrou a famosa
crtica de Anatol Rosenfeld. Tambm boa parte da cano do
perodo, que fora o elemento forte do primeiro teatro ps-
64, passa a desenvolver-se autonomamente, dentro de uma
categoria estranha e paradoxal chamada de cano de protesto
que ao mesmo em que mostra a fora e o alcance da frao
social resistente ditadura, vem para atender a um crescente
segmento de mercado vido por consumir lembranas da
revoluo que no houve.
O momento torna-se um quebra-cabea de impasses,
recuos e contradies. Mas, afinal, e novamente, o prprio
Augusto Boal um dos primeiros a encar-las de maneira
produtiva e, assim, deflagrar e enfrentar a crise no campo da
cultura de esquerda. Em 1968, ele organiza a I Feira Paulista de
Opinio em So Paulo, que mais do que um espetculo de teatro,
era um ato artstico de enfrentamento, onde diversos artistas
foram convidados a responder esteticamente a pergunta: que
pensa voc do Brasil de hoje?.
No programa do evento, em texto intitulado Que pensa
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voc da arte de esquerda?, Boal percebe que o entusiasmo da
cultura naqueles anos era equivocado e desmedido, justamente
pela impossibilidade de estabelecer trocas produtivas com
os setores historicamente alijados da sociedade: o primeiro
dever da esquerda o de incluir o povo como interlocutor do
dilogo teatral. E avaliava: o mximo que se tem conseguido
fazer incluir estudantes nas plateias. Percebia que o contato
produtivo com as classes desfavorecidas tinha sido interrompido
em 1964. E a sada no era a adeso crtica ao mercado ou o
deslumbre com a contracultura, como alternativas derrota do
nacional-popular. Boal, como tantas vezes, foi o primeiro artista
do perodo a realizar uma crtica avanada da arte de seu tempo
e a trabalhar pela possibilidade de um outro caminho.
CRoNologIa
1964 Aps 5 meses do golpe militar, dirige O Tartufo de Molire. Ensaiei Tar-tufo enquanto se organizava o texto de Opinio. Estreamos dia dois de
setembro de 1964, evitando provocaes no dia sete!. Boal trabalhou na adaptao de O processo de Kafka: Nada mais parecido com o Brasil naqueles dias tenebrosos. No Rio de Janeiro, em dezembro, estreia o show Opinio, um dos mais importantes musicais polticos da histria do teatro brasileiro.
1965 Arena conta Zumbi estreia em 1 de maio, texto de Boal e Guarnieri. Com Zumbi inicia-se a etapa dos musicais, que se caracterizou pela introduo de msicas brasileiras de importantes compositores. Nas palavras de Celso Frateschi: o cenrio era um grande tapete vermelho e os atores usavam cala Lee, que era muito caracterstico da classe
mdia. No mitificava nenhum momento a ideia sobre a escravido.
Isso o Brasil de hoje. Alm disso, em Zumbi que o Sistema Coringa experimentado; o personagem desempenhado por diversos atores de acordo com as circunstncias. Nesse mesmo ano dirige Arena canta Bahia e Tempo de Guerra.
1966 Primeira viagem a Buenos Aires onde dirigiu O melhor juiz, o Rei de Lope de Vega. Nessa mesma viagem dirige A Mandrgora de Maquiavel na sala
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Planeta e d cursos. Conhece sua futura companheira, Ceclia Thumim.
1967 Estreia Arena conta Tiradentes, escrita em parceira com Guarnieri. Aquilo que nasceu com Zumbi ganha sistematizao em Tiradentes para o estabelecimento de uma nova conveno teatral. Ao jogo em cena apresenta-se um novo personagem, o Coringa, com a funo de se opor ao Protagonista. A funo do protagonista causar empatia no pblico, ele desempenhado em chave naturalista; em Coriolano, por exemplo, pode ser um homem do povo. O Coringa polivalente: todas as possibilidades teatrais mgicas e oniscientes so a ele conferidas. Nesta nova conveno, regras dramticas so propostas. A pea apre-senta dedicatria, explicao, distribuio em episdios, comentrios do coro, entrevistas e a exortao.
Cena de Opinio com
Joo do Vale. Participavam
tambm Maria Bethnia (que
substituiu Nara Leo) e Z
Keti. Espetculo de 1965 com
roteiro de Armando Costa,
Augusto Boal, Oduvaldo
Vianna Filho e Paulo Pontes.
Direo musical Dorival
Caymmi Filho.
Foto de divulgao de
Opinio, Maria Bethnia.
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Marlia Medalha e Dina Sfat em cena de Arena Conta Zumbi, 1965.
Em Zumbi, Boal sistematiza o Coringa: nenhuma personagem propriedade
privada de nenhum ator.
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Piti, Gilberto Gil, Gal
Costa, Maria Betnia, Tom
Z e Caetano Veloso em
cenas de Arena Canta
Bahia, 1965. Texto e
direo Augusto Boal.
Direo Musical Caetano
Veloso e Gilberto Gil,
com superviso Carlos
Castilho.
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Cena de Inspetor Geral, 1966, de Nicolai Gogol. Direo de Augusto Boal.
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Cenas de Arena conta Tiradentes, 1967, de Augusto Boal e Gianfrancesco
Guarnieri. Direo de Augusto Boal.
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O PROCESSO, de Joseph Kafka, adaptao de Augusto Boal, dispositivos cnicos simples, roupas modernas, muitos personagens podendo ser representados por 15 atores. Histria de um homem, Joseph K., que acusado, processado, condenado e executado sem jamais ter sido informado sobre os motivos da acusao.
No documento do banco de peas do Teatro de Arena,
Boal inclui sua adaptao de O Processo, de Kafka, escrita
aps o golpe de 64. Sua inteno era convidar para o
elenco pessoas que estivessem sendo perseguidas sem
saber por qu.
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No Sistema Coringa o personagem objeto-sujeito. Age primeiramente movido pela sua funo social, e sua ao apenas modificada e informada pelas suas caractersticas psicolgicas. Joaquim Silvrio dos Reis traiu a Inconfidncia Mineira porque era latifundirio, dono de muitos escravos e temia a abolio; secundariamente, Silvrio tambm era mau carter mesmo, sujeito mau.
A mscara passa de ator em ator, devendo apresentar-se ao espectador como um verdadeiro jogo. Aqui a mscara do campons retirante passa por todo o grupo baiano. Os atores ficam parados e a mscara do retirante percorre todos atravs do palco, enquanto cantam.
Sistema Coringa no Comportamento do Ator,
caderno de difuso do mtodo produzido pelo
Teatro de Arena.
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Equipe do Teatro de Arena em excurso internacional apresentando Arena Conta Zumbi e
Arena Conta Bolvar (censurada no Brasil), Nova Iorque, 1969.
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DEpoIMENto JOO DAS NEVES
Augusto Boal tinha uma grandeza que sempre me
comoveu muito. E essa estatura no era apenas artstica. Vinha
de uma coerncia como ser humano: ele vivia o que dizia,
agia de acordo com o que pregava. No toa que criou o
Sistema Coringa e bem depois o Teatro do Oprimido. No
tomou nenhuma atitude tendo em vista ser um revolucionrio.
Ele era um revolucionrio porque essas atitudes existiam
intrinsicamente nele. E assim que deve ser. tambm a minha
vida de artista, eu no conseguiria fazer de outra maneira. A
nossa opinio, a nossa arma, se realizam pelo teatro. com ele
que podemos combater. Foi onde o Boal deu uma contribuio
nica: seu trabalho em busca de uma modificao necessria
veio atravs do teatro.
Depoimento de Joo das Neves dado no evento Pompia Conta Boal, 2012.
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1968 - 1971
TeaTro poLTico em
Tempos De represso
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tEatRo poltICo EM tEMpos DE REpREsso
Eduardo Campos Lima
No fim da dcada de 1960, o Teatro de Arena de So
Paulo, dirigido por Augusto Boal, buscava novos caminhos para
prosseguir resistindo ao regime ditatorial instalado no Brasil com
o golpe militar. Os canais tradicionais de trnsito com o pblico
e de organizao da cultura fechavam-se progressivamente. Do
ponto de vista poltico, a derrota de 1964 impusera um processo
de profunda reconsiderao das tticas e dos mtodos do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), que at ali norteara a atuao da
maior parte da esquerda. As dezenas de organizaes polticas
que surgiram nos anos que se seguiram ao golpe tinham em
comum, apesar de importantes discordncias tticas, a mesma
urgncia em derrubar a Ditadura Militar e construir uma nova
sociedade o que uma parcela delas julgava possvel alcanar
com a luta armada.
Para Boal, o estado de coisas naquele momento impossibilitava
a continuidade do desenvolvimento artstico do Arena nos termos
em que o trabalho vinha sendo feito. Era preciso a um s tempo
empregar novas formas que dessem conta da conjuntura, propor
modelos originais de articulao dos artistas de maneira a construir
uma ofensiva cultural contra o regime e procurar instrumentos
eficazes para alcanar as parcelas politicamente mais avanadas da
sociedade. Com a Primeira Feira Paulista de Opinio concebida
pelo dramaturgo Lauro Csar Muniz e assumida pelo Arena, sob
direo geral de Augusto Boal , ocorria a tentativa inaugural de
cumprir essas tarefas.
A Feira reuniu os dramaturgos de mais destaque do Pas alm
de compositores e artistas plsticos em uma mesma encenao
contra a ditadura. A ideia era que, congregando artistas de tanto
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relevo, a censura no teria meios de impedir a apresentao.
Mas os textos acabaram recebendo cortes em 43 pginas, de
um total de 70, o que inviabilizava a montagem. A proibio
exigiu que os artistas articulassem um pronto movimento de
resistncia, que se estendeu amplamente pela categoria teatral
paulistana. revelia da represso, os organizadores expunham
ao pblico, em palcos cedidos momentaneamente por elencos
que interrompiam suas peas para isso , a perseguio poltica
que estavam sofrendo. Paralelamente, um grupo de advogados,
capitaneados por Luiz Izrael Febrot, trabalhava pela liberao
da Feira na Justia o que foi possvel obter alguns dias depois.
Fortalecia-se assim uma frente cultural de amplo espectro,
objetivo de Boal desde o comeo.
Do ponto de vista artstico, a Primeira Feira Paulista de
Opinio materializava os diferentes projetos esttico-polticos
que eram propostos para o teatro naquele momento. Mas salta
aos olhos mais fortemente o programa da luta armada, que
perpassa a Feira em diversos nveis e que o foco central das
peas de Gianfrancesco Guarnieri Animlia e do prprio Boal
A Lua Pequena e a Caminhada Perigosa. Por um lado, ento, a
Feira cumpriu com sucesso a tarefa de formar uma frente cultural,
ainda que muito fugaz. Por outro, apontava para um horizonte de
luta imediata. O descompasso espelhava os dilemas da esquerda
brasileira naquele perodo.
No fim de 1968, o Regime Militar fecharia violentamente
as possibilidades de vinculao ampla de artistas, setores
avanados da classe trabalhadora e organizaes de esquerda,
decretando o Ato Institucional n 5. Ficava ntido que no restaria
espao algum para a resistncia no teatro institucionalmente
estabelecido e seria necessrio ocupar novos espaos. O
movimento j era ensaiado nos anos anteriores pelos artistas
mais atentos e pelos estudantes que restavam como ltimo
movimento massivo organizado. Uma das decorrncias disso
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que o teatro comearia a ser decomposto em seus vrios
elementos, ento recombinados e ajustados a novas funes.
O texto de Boal na Feira Paulista de Opinio, que se baseava
no dirio boliviano de Che Guevara, indicava, ainda antes do AI-
5, um dos novos caminhos. Tratava-se de uma pequena obra
agitativa, com longos trechos fundamentados unicamente
no prprio texto do revolucionrio argentino, sem mediao
dramatrgica. precisamente esse recurso que ocupar o centro
da encenao em Teatro Jornal Primeira Edio. Do ponto de
vista temtico, A Lua Pequena tambm demonstra que j se
tomava cincia, no teatro brasileiro, de que a ditadura no era
caso isolado e se inseria em uma totalidade latino-americana.
Em 1970, um grupo de jovens artistas que haviam participado
de um curso de teatro no Arena resolve continuar trabalhando em
conjunto, no teatro, e pede indicao a Boal quanto s prximas
atividades. Boal ento sugere a eles uma ideia que havia desenvol-
vido com Oduvaldo Vianna Filho mas jamais concretizado no
comeo da dcada de 1960: encenar notcias de jornal.
Os atores (Dulce Muniz, Hlio Muniz, Celso Frateschi, Edson
Santana, Elsio Brando e Denise Del Vecchio) trabalharam
durante alguns meses no projeto, enquanto o elenco principal
do Arena fazia uma turn internacional, apresentando Arena
Conta Bolvar (pea que fecha a srie Arena Conta assumindo
de maneira mais expressiva a necessidade de uma articulao
latino-americana da resistncia ao imperialismo estadunidense
no continente). Ao voltar, o trabalho de teatralizao de notcias
j estava praticamente pronto e Boal sistematizou, a partir do
que viu, nove tcnicas de Teatro Jornal.
Teatro Jornal Primeira Edio era a apresentao objetiva
das tcnicas pelo Curinga, cada uma delas exemplificadas pela
encenao de determinada notcia. Como as reportagens j
haviam sido publicadas, esperava-se que no fosse necessrio
submeter a pea a novo processo de censura extremamente
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rigorosa, aps o AI-5. Tal era a artimanha de seus criadores, que
conseguiram de fato liberar as apresentaes. Com a exposio
didtica das tcnicas, seguida por um debate entre artistas e
espectadores, instava-se o pblico a formar ele mesmo novos
coletivos de Teatro Jornal. Dito e feito: aps alguns meses de
apresentaes clandestinas e oficiais, formaram-se dezenas
e dezenas de grupos de Teatro Jornal entre secundaristas,
universitrios, grupos da Igreja e coletivos de bairro, sempre com
auxlio inicial dos artistas.
O Teatro Jornal, portanto, era a um s tempo uma nova
forma, em que denncia e estimulao crtica arranjavam-se de
modo inteiramente novo no teatro brasileiro; uma ferramenta de
mobilizao poltica rpida e eficaz; e uma nova prtica teatral,
que prescindia do edifcio do teatro, do palco e do pblico
convencional. Abriam-se com ele os caminhos para um teatro
horizontalista e participante.
Pouco depois, enquanto ainda se formavam numerosos
grupos de Teatro Jornal e o elenco principal do Arena reensaiava
Bolvar, que seria apresentada no Festival Internacional de Teatro
Universitrio de Nancy, na Frana, Boal foi preso por agentes da
represso, sendo torturado e encarcerado por dois meses no
Presdio Tiradentes, em So Paulo. Aps sua libertao, seguiu
risca a advertncia do regime e partiu para o exlio, na Argentina.
Com o agravamento das condies polticas, o Teatro de Arena
resistiria apenas por mais alguns meses, sendo fechado em 1972.
Mas Boal intensificou, no exlio, os dois eixos do trabalho de
que participara na fase anterior. Nos EUA, organizaria uma nova
Feira de Opinio, dessa vez latino-americana, reunindo trabalhos
de autores de diversos pases do continente na igreja de Saint
Clements, em Nova York. L apresentou Torquemada, pea que
concebeu durante o perodo em que estava preso no Tiradentes
e que retrata sua prpria tortura. Em Buenos Aires, cidade em
que residiria at 1976, dirige o grupo El Machete e dedica-se
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-
a encenaes em espaos teatrais mas tambm desenvolve
experimentos no-convencionais.
Em sua autobiografia, Hamlet e o Filho do Padeiro, ele des-
creve o episdio em que, acompanhado de um grupo de atores,
realiza uma cena de Teatro Invisvel em um restaurante. A cena
tratava de uma lei argentina, propositalmente pouco divulgada,
que concedia a cidados pauprrimos o direito de comer de gra-
a em restaurantes, desde que no bebessem vinho ou pedissem
sobremesa. Valendo-se da lei, um ator come no restaurante e, ao
sair, anuncia que no pretende pagar. Instala-se a confuso, diri-
gida por outros atores presentes no estabelecimento.
Essa foi a primeira entre tantas experincias que ele faria na
Argentina e em outros pases latino-americanos. Em parte, Boal
recupera os avanos do Centro Popular de Cultura, no perodo
pr-golpe, e do prprio Arena. Alm disso, cria novas funes
para formas tradicionalmente empregadas por militantes da
esquerda revolucionria no teatro, desde o perodo da Revoluo
Russa. Seus experimentos com Teatro Invisvel, Teatro Frum,
Teatro Jornal e outras tantas metodologias se intensificariam a
partir da, para depois serem reunidas em seu livro Teatro do
Oprimido e Outras Poticas Polticas.
CRoNologIa
1968 Realizao da Primeira Feira Paulista de Opinio no Teatro Ruth Escobar,
que estreou com mandado judicial. A proibio da Feira gerou um
movimento de protesto dos artistas contra a censura praticada pelo
governo militar. Reuniu textos de seis autores: O lder de Lauro Csar
Muniz, O Sr. Doutor, de Brulio Pedrosa; Animlia, de Gianfrancesco
Guarnieri; A receita, de Jorge Andrade; Verde que te quero verde, de
Plinio Marcos; e A Lua pequena e a caminhada perigosa, de Augusto
Boal. No mesmo ano Boal traduziu e dirigiu Mac Bird, de Barbara Garson.
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1969 Boal escreve Bolivar, o lavrador do mar (Arena conta Bolivar). Aps
a assinatura do Ato Institucional n 5, em 13 de dezembro de 1968,
o Teatro do Arena excursionou pelos Estados Unidos, Mxico, Pere
e Argentina, reapresentando Arena Conta Zumbi. O grupo encenou
tambm Arena conta Bolivar, texto e direo de Augusto Boal,
censurada no Brasil
1970 Em setembro, de retorno ao Brasil, Augusto Boal montou o Teatro
Jornal - 1 edio, espetculo que se caracterizava pela improvisao
das notcias pelo elenco, com base na leitura dos principais jornais da
poca. Nesse mesmo ano, Boal dirigiu A Resistivel Ascenso de Arturo
Ui, texto de Bertolt Brecht, traduzido por Luiz de Lima e Hlio Bloch.
1971 Em fevereiro, Boal foi preso e torturado. Exilou-se em Buenos Aires,
onde residiu por cinco anos.
Foto de divulgao da Primeira Feira Paulista de Opinio, 1968.
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Ceclia Thumim em Primeira Feira Paulista de Opinio, 1968.
Arena Conta Bolvar, 1970, texto e direo de Augusto Boal, s foi apresentada fora do Brasil.
Nesta cena de ensaio vemos: Lima Duarte, Ceclia Thumim, Zez Mota, Fernando Peixoto,
Isabel Ribeiro e Ben Silva.
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Bibi Vogel, Antonio Pedro e Gianfrancesco Guarnieri em cena de A Resistvel Ascenso
de Arturo Ui, 1970, de Bertolt Brecht. Direo de Augusto Boal.
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Cena de A Resistvel Ascenso de Arturo Ui, 1970.
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Uma das tcnicas do Teatro Jornal
AO PARALELA: a notcia lida por um ator ou emitida por um gravador enquanto sobre a cena se desenvolvem as aes que as explicam ou as criticam.
Texto de difuso das tcnicas de Teatro Jornal na Frana,
anos 70.
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imagem TEATRO DEGOLADO
Capa do programa da excurso do Arena pela Amrica Latina com Zumbi e
Bolvar, 1969.
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DEpoIMENto CELSO FRATESCHI
Teatro Jornal Primeira Edio
No tnhamos noo da potncia que Boal extrairia
daquela experincia absolutamente despretensiosa, realizada
com aquele pequeno grupo de jovens atores, naquele espao
minsculo na sobreloja do Teatro de Arena em So Paulo.
Quando Boal citava o Teatro-Jornal como o incio e base do
Teatro do Oprimido, sempre me enchia de orgulho e espanto.
Escrever sobre esse trabalho me obriga a refletir sobre esse
incio e talvez concluir o carter coletivo do fazer teatral e a
eficcia artstica e poltica da arte teatral a partir daquilo que
aparenta ser exatamente a sua fragilidade. O falar presencial
para poucos de cada vez. Eu, Denise Del Vechio e Edson
Santana, estvamos terminando o curso de teatro realizado
pela diretora Heleni Guariba e pela atriz Ceclia Thumim. Tinha
sido um ano muito intenso. A vida prematuramente deixara de
ser uma brincadeira. Heleni iria ser presa e assassinada pela
ditadura, (apesar de ser considerada desaparecida), Boal seria
preso e exilado, eu mesmo j tinha experimentado a minha
primeira priso, apesar de estar ainda distante dos meus
dezoito anos. A violncia avanava com AI-5. Toda liderana
estudantil havia sido presa no famoso congresso de Ibina, os
tempos se turvavam para aqueles que no se identificavam
com o estado de exceo que se implantara no pas. Eu fui
enquadrado no decreto 477 ao ser expulso da minha querida
escola na Vila Anastcio e impedido de continuar os meus
estudos em escola pblica. Queramos continuar fazendo teatro
no Arena. Estvamos preocupados com a orfandade que
iramos passar a viver. Num dos encontros com Boal, ele tinha
nos falado de uma experincia que ele queria ter feito antes
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da instituio da censura prvia: um jornal teatralizado. A idia
nos pareceu instigante como exerccio de ator e nos permitiria
continuar aplicando alguns ensinamentos da Ceclia e da Heleni.
A construo de nossas cenas, portanto tinha que lidar com
duas dificuldades: primeira a de transformar o fato jornalstico
em matria teatral e segunda a de contrapor a realidade
retratada com o retrato da realidade editado pela censura da
ditadura. Nesse sentido priorizvamos matrias onde a forma
com que se dava a sua publicao, j buscava esconder o
estado de terror implantado no pas pelos militares. Assim, ao
revelar um contedo mais prximo da realidade, revelvamos
tambm a manipulao daquele contedo pela mdia.
Criamos vrias tcnicas de teatralizao de notcias de jornal.
Percebemos que a simples leitura de uma notcia em um
espao inslito para o tema poderia possuir uma teatralidade,
assim a leitura sobre a fome e a seca do nordeste num restaurante
granfino ou mesmo no restaurante universitrio era eficiente
e comunicava. Percebemos que se lidssemos com a edio
das matrias cruzando notcias aparentemente contraditrias
poderamos revelar as mentiras e o cinismo da grande imprensa
censurada. Criamos muitas formas de transformar jornal em
teatro e comeamos a apresentar para amigos e comeou a vir
gente. Muita gente! Cada vez vinha mais gente. Isso comeou a
chamar a ateno do Boal e do Guarnieri. Muitos dos que vinham
nos assistir pediam nossa orientao para desenvolverem seus
prprios grupos de teatro jornal.
Boal veio conversar com a gente nos apontando uma
possibilidade de trabalhar a organizao das pessoas em
torno do grupo de teatro. Se transformssemos o jogo teatral
num jogo de salo estaramos, de alguma maneira, driblando
a censura ou respondendo censura. Esse foi o esprito com
que Boal organizou o Teatro Jornal Primeira Edio, como uma
aula de como jogar teatro com a mesma simplicidade que se
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joga futebol. Todo mundo joga futebol e conhece as regras, por
isso quando vai assistir um jogo no estdio consegue assistir
com qualidade um espetculo de futebol. Por que o teatro
no popular? Porque as regras do teatro so muito restritas.
Ento Boal props que a gente popularizasse as regras do jogo
teatral. E o que a gente fez? Comeamos a formar grupos de
estudantes. Em pouqussimo tempo tnhamos 40 grupos que
eram nosso pblico fixo e que, de alguma maneira, faziam o
Teatro Jornal em vrios lugares da cidade. No mais s nas
universidades, mas tambm nos bairros. Grupos que acabavam
se multiplicando, a ponto de voc perder a conta. A idia do
Boal vingou. Por isso Boal considera o Teatro Jornal como o
incio do Teatro do Oprimido, onde o teatro deixa a sala de
espetculo e ganha outros espaos. Onde o pblico ganha a
cena e a voz, onde o povo realiza o seu prprio teatro a partir
de seu prprio ponto de vista.
Edio do depoimento Teatro Jornal Primeira edio, publicado em
Vintem, nmero 7, Companhia do Lato, 2009.
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1972 - 1976
exLio na amrica LaTina
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ExlIo Na aMRICa latINa
Patrcia Freitas Santos
Nos cinco anos em que residiu em Buenos Aires, boa parte
deles na calle Gurruchaga, Augusto Boal buscou dar continui-
dade ao trabalho iniciado no Teatro de Arena, aliando uma pre-
ocupao social e tica a pesquisas de formas correspondentes
matria histrica. Mas as condies histricas e produtivas
eram bem diferentes.
Desde que deixou compulsoriamente o Brasil em 1971,
logo aps um brutal sequestro seguido de priso e torturas, o
teatrlogo iniciou uma longa jornada noite adentro por diversos
pases da Amrica Latina. Trabalhou incansavelmente no sentido
de no abandonar uma atuao teatral e poltica mesmo em
face do contexto de dificuldades em que se encontrava no exlio.
Boal torna-se assim sobretudo um maestro e um
sistematizador da teorizao produzidas nos anos anteriores, no
calor da hora do trabalho do Arena e das aulas na Escola de
Arte Dramtica. No ser um maestro no sentido hierrquico
do termo, mas pela simples e urgente tarefa de dialogar com
os mais variados pblicos da poca, ainda que deparado com
significativas barreiras geogrficas, ideolgicas e culturais. Suas
intervenes em congressos, aulas pblicas, oficinas de teatro,
cursos e debates em pases como Mxico, Peru, Venezuela, Cuba
e Colmbia permitiram o intercmbio de propostas de atuao
do artista na sociedade necessrio para a criao dos 9 livros
que Boal escreve durante os anos de Buenos Aires.
Tais escritos pretendiam lanar luz ao futuro por meio
da reflexo e da autocrtica sobre os experimentos teatrais
realizados at ento. Sua pungente e conhecida defesa do
carter tautolgico da expresso teatro poltico, no to
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evidente naquele perodo, ilumina o percurso de estudo do
autor ao longo de sua obra central, Teatro do Oprimido e Outras
Poticas Polticas finalizada em 1973.
Nesse livro central, Boal analisa padres da dramaturgia
ocidental desde Aristteles at as formas de escrita realizadas
nos anos 60. Procura debater padres da efetiva ligao possvel
entre forma artstica e ideologia. Ao defender e legitimar o
chamado teatro poltico ou instrumental, Boal no deixava
de elucidar, como bom pensador dialtico, a importncia da
dimenso temtica da forma: Mas, o teatro pode ser uma
arma de liberao. Para isso necessrio criar formas teatrais
correspondentes. necessrio transformar.
A transformao dos meios de criao teatral, entretanto,
no seria uma tarefa fcil. Uma tempestade se anunciava sobre
o Cone Sul. A suposta branda ditadura de Lanusse (expresso
um tanto paradoxal e bastante perversa, pois foi este mesmo
general quem sistematizou a tortura no pas) no ocultado a
intensa represso s manifestaes populares que ganhavam
flego. O peronismo, para alm dos sindicatos, mobilizava
majoritariamente a juventude argentina. Acreditava-se que uma
via democrtica em torno de Pern poderia potencializar um
processo de transio socialista.
Naqueles dias, Boal lanava mo da ironia de um brasileiro
que assistiu s runas de seus projetos polticos. Escrevia novas
verses de peas j esboadas no Brasil. em Buenos Aires que
Boal que finaliza e monta pela primeira vez O Grande Acordo
Internacional do Tio Patinhas, obra que pretendia dialogar com
o famigerado Gran Acuerdo de los Argentinos proposto por
Lanusse. Utilizava basicamente um texto escrito e censurado no
Brasil em 68. Tambm ao dirigir o grupo El Machete, do qual
faziam parte Mauricio Kartun, Salo Pasik, Daniel Villarreal, Ruth
Sonabend, Adolfo Reisin e Brbara Ramrez (desaparecida aps
o golpe em 76), que Boal monta uma adaptao de Revoluo na
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Amrica do Sul com um ttulo no pouco curioso: Ay, Ay, no hay
Cristo que aguante, no incio de 1973 na j extinta Sala Planeta.
Boal procurava um trabalho teatral que aliasse a experincia
histrica da fase anterior brasileira matria local de cada um
dos pases pelos quais percorreu. Mas reconhecia a dificuldade:
Eu no era argentino: estava em trnsito. Que peas escolher
e para quem? Procurava o meu povo: no qualquer povo...Que
poderia eu dizer aos argentinos, no sendo um deles?. Exilado,
apartado de seus colegas, obrigado a encontrar meios de
sobrevivncia, trava uma busca por sua prpria identidade: No
me bastava espelho nem memria: precisava me ver em algum
que me roubasse o nome, o Augusto Boal que eu pensava ser,
que trazia colado ao rosto, s mos, ao peito. J no sabia quem
eu era ou tinha sido.
Era urgente adaptar-se s novas circunstncias. Destaca-
se o carter autocrtico da maioria das produes artsticas e
tericas de Boal naquele momento. Os erros e descaminhos
da esquerda brasileira, principalmente da parcela vinculada
ao Partido Comunista, e, mais ainda, a avaliao do trabalho
cultural engajado (espcie de metonmia da revoluo esperada)
potencializaram um desgaste da prpria categoria autoral.
O artista, anteriormente privilegiado por sua posio central
como porta-voz dos interesses do povo subjugado, verifica seu
desalento ao perceber que sua funo torna-se similar ao apoio
do mosquito ao elefante.
A transformao social, portanto, deveria ser agora
planejada cuidadosamente. E protagonizada pelas classes
desfavorecidas. Ao intelectual e artista cabia conceder auxlio
atravs do fornecimento de instrumentos necessrios para a
vitria final do socialismo. inserido nesse zeitgeist que Boal
escreve um grande nmero de obras em que relata histrias
a ele contadas ao longo de suas viagens pela Amrica Latina.
Utilizado como categoria de legitimao de um potente carter
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poltico, o relato popular surge em obras como Torquemada,
Milagre no Brasil e Crnicas de Nuestra Amrica e, ainda que
implicitamente, em As Mulheres de Atenas.
Junta-se a isso a intensa insegurana e estado de alerta da
esquerda em Buenos Aires que assistia a assassinatos, atentados
e sequestros pela ala da extrema direita (Triple A), cujo caso
paradigmtico o incndio ao Teatro Argentino na ocasio de
estreia do espetculo Jesus Cristo Superstar em maro de 73.
Faz-se necessrio, assim, a criao de uma nova teoria
e prtica teatrais. Ele experimenta tcnicas como a do teatro
invisvel, com o grupo El Machete. Retoma eo teatro-jornal com
o El Equipo. A partir da Boal iniciar sua clebre sistematizao
de tcnicas para a realizao do arsenal do Teatro do Oprimido.
Por meio de obras como Exerccios para Atores e No-
Atores, Tcnicas Latino-Americanas de Teatro Popular, Teatro do
Oprimido e Outras Poticas Polticas, Boal conhecer grandes
pblicos e grupos de teatro por todo continente. Ariel Dorfman,
Roberto Fernndez Retamar, Miguel Torres, Atahualpa del
Cioppo, Norman Briski, Oscar Castro, Liber Forti, entre outros so
alguns que entraram em contato e dialogaram com o trabalho
de Boal na poca. No h sombra de dvida de que a teoria foi
impulsionada por uma ambio de multiplicar a prtica de teatro
engajado, levando em conta seu poder de modificao coletiva do
panorama poltico da Amrica Latina. O novo caminho conjugava
o ceticismo gerado pela derrota da esquerda com a busca de
participao nas insurgncias populares na Amrica Latina. Sua
teoria organizada no perodo do exlio a partir do passado
teatral no Arena buscou resolver o que na prtica estava ainda
fora de alcance. No se contentou com a postura contemplativa
do melanclico, muito menos com a introspeco e o fatalismo. A
lucidez de seus escritos est no projeto de converter a experincia
traumtica dos tempos sombrios em fora produtiva.
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CRoNologIa
1972 Apresentao de Torquemada, sob sua direo, no New York University. Nesse mesmo ano, a pea foi encenada no Teatro La Mama, em Bogot, e no Teatro del Centro, em Buenos Aires. Trabalho em Buenos Aires com o grupo El Machete. Primeira sistematizao das Categorias de Teatro Popular, publicadas pela Editora CEPE, Buenos Aires.
1973 Participao no Plano Alfin (Programa de Alfabetizao Integral) nas cidades de Lima e Chaclacayo.
1974 Primeira edio no Brasil de Teatro do Oprimido e outras poticas polticas. Sistematizao da estrutura dialtica da interpretao.
1975 Publicao de Tcnicas Latino americanas de teatro popular: uma revoluo copernicana ao contrrio.
1976 Escreve as adaptaes de A tempestade William Shakespeare, com foco na figura do Caliban, como smbolo de resistncia do colonizados; e Mulheres de Atenas, uma adaptao de Lisstrata de Aristfanes, com msica de Chico Buarque. Muda-se para Lisboa, onde dirige o grupo recm-criado A Barraca.
Cena de Torquemada, pea que
Boal escreveu quando foi preso.
Representada em Buenos Aires em
1971-72.
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Cena de Torquemada, representada pelos alunos da New York University em 1971-72.
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Infelizmente, eu j assisti a muitas primaveras: primeiro foi a de Goulart, pouco antes de 64. Tnhamos a certeza de que as transformaes sociais j feitas eram absolutamente irreversveis. E foi aquele desastre que perdura at hoje. A ltima, foi a de Cmpora, aqui na Argentina, em 73. Nunca vi um povo to feliz (a no ser nas fotos que nos chegavam de Portugal). Tambm pouca vezes tenho visto um povo to revoltado, como o da Argentina hoje. Vi tambm a primavera chilena de Allente e hoje sinto nuseas quando, nessas viagens que fao, sou obrigado a fazer escala por alguns minutos no aeroporto de Santiago. Em todos os esses desastres existiu sempre uma constante: a desunio da esquerda.
augusto Boal
Carta Carlos Porto. Buenos Aires, 23.09.1973.
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Trecho de carta de Boal sua me. Santiago, Chile, 25 janeiro de 1973.
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DEpoIMENto MAURCIO KARTUN
Trabalhvamos sob o marco saudvel das posies claras
Minha relao com Boal tem trs etapas: como artista,
como professor e a terceira num nvel mais pessoal. Quando
conheci Boal eu estava inquieto por muitas razes. Eu queria
fazer um teatro que tivesse que ver com o que agitava minha
gerao, uma gerao muito politizada, mas na qual o teatral
no encontrava modelo. Porque o modelo sobre o qual
trabalhava a esquerda naquele momento era de uma solenidade
insuportvel. Em 1970 junto com um amigo trabalhei em
Exposhow, um evento sobre o mundo do entretenimento. Uma
noite descobrimos que faziam apresentaes de obras teatrais
e que tinha um espetculo brasileiro, Arena Conta Zumbi. E
aquilo literalmente ns arrebatou, samos dizendo: isto, isto
que teatro politico, cantam, danam, riem, se divertem, o
que transmitem tem alegria, tem verdade e latino-americano.
O impulso foi to poderoso que duas semanas mais tarde dei
por mim montando um elenco para montar um espetculo la
Boal. O segundo contato foi alguns anos depois. Augusto tinha
chegado em Buenos Aires em seu exilio e em 1972 ofereceu um
curso de atuao. Preocupava-me a ideia que fosse de atuao
porque como todo escritor eu morria de vergonha do palco.
Uma tarde fui me inscrever de ouvinte. As primeiras classes
foram de exerccios grupais, o que dava um certo anonimato.
Mas depois Augusto props um exerccio individual e naquele
momento estive a ponto de ir embora, porque a ideia de subir
num palco me dava pnico. Mas a entendi uma coisa que
logo na vida me deu alguns bons resultados: frente ao medo o
melhor escapar para frente. Se eu fugisse ia ficar a vida inteira
com uma sensao de vergonha, ento levantei a mo, me
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propus para o primeiro exerccio e assim o exorcizei. Augusto
produziu o milagre e l estava eu atuando e entendendo enfim
o que propunha. O que Boal me ensinou sem querer foi que a
tcnica a gente entende no corpo, e no na cabea. O terceiro
momento da aproximao foi trabalhar com ele. Ele montou
um trabalho em Buenos Aires que se chamou Ay, Ay, ay, no
hay Cristo que aguante no hay. A gente estreou em 1973, logo
antes daquelas eleies em que ganhou Cmpora. As pessoas
nas ruas fazendo uma campanha com uma fora de agitao
enorme e com a esperana do iminente retorno a democracia.
Augusto paralelamente comeou com alguns de ns a
experimentar suas primeiras experincias de teatro na rua, nas
filas, nos trens. Foi o momento do grupo Machete.
Boal sempre manifestou aqui na Argentina um marxismo
genrico, no podia se comprometer numa realidade politica e
partidria cotidiana que no lhe correspondia pela sua prpria
experincia histrica. Alm do mais, ele tinha sua opinio
pessoal em relao ao peronismo as vezes critica e as
vezes apoiando certas derivaes prxima a esquerda latino-
americana , ne frente do grupo com o qual trabalhvamos
abria o jogo. A gente agradecia sua posio genrica j que
ele sabia separar sua prpria analise do que o grupo, enquanto
teatro politico nacional e comprometido com o dia a dia,
sentia que tinha que manifestar. Com ele se trabalhava sob o
marco saudvel das posies claras, este lugar que tem tido
tradicionalmente a esquerda como espao de debate e de
brigas. E ramos gratos por isso.
Com Boal apareceram pequenos grupos que trabalhavam
tomando uma esttica desestruturante, que era sua marca
registrada, interpeladora, pondo em questo absolutamente
tudo. Deixou marcas indelveis na esttica e nos corpos dos
criadores que tentvamos ento o teatro desde a ideologia.
Sabamos que tinha uma semente, claro, o que a gente no
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podia imaginar era o tamanho da arvore. Eram tcnicas que
Augusto propunha e nas quais a gente acreditava, mas que
ainda no estavam institudas. ramos um grupo de 5 ou 6
que estava se formando com suas propostas, continuamente
provocados por ele para fazer outras coisas, procurando uma
esttica para aquele Homem Novo. Imaginando uma arte
latino-americana pensada, at que enfim, desde uma hiptese
da esquerda. A gente vivia aquilo, adorava, mas no estava
institucionalizado, era algo sustentado pelo carisma de algum
que investigava simplesmente em como aproveitar o contexto
de teatralidade criado pela prpria realidade.
Depoimento recolhido por Cora Fairstein. Buenos Aires, 2012.
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1977 - 1985
TeaTro Do oprimiDo na europa
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tEatRo Do opRIMIDo Na EuRopa
Clara de Andrade
Foi no ano de 1976 que Augusto Boal, exilado, adentrou pela
primeira vez a terra natal de seus pais: Portugal. O dramaturgo
partiu para Lisboa levando a esperana de poder transmitir as
formas de teatro que criou e testemunhou durante os anos em
que viveu na Amrica Latina. Enquanto o fascismo tomava conta
do continente latino-americano, Portugal havia feito a Revoluo
dos Cravos em abril de 1974 e deposto o governo autoritrio de
Salazar. No entanto, passados apenas dois anos, a esperana
revolucionria esvanecia, e a esquerda j no era mais to bem-
vinda no pas. O teatrlogo diz ter encontrado os poticos
cravos j secos e murchos, exalando apenas perfumes tristes e
as memrias de uma revoluo.
Neste contexto ps-Revoluo dos Cravos, Boal foi
convidado a trabalhar como diretor artstico do grupo A Barraca,
para o qual dirigiu: Barraca conta Tiradentes; Ao Quisto Chegou,
uma colagem de autores portugueses; e Z do Telhado, de Hlder
Costa e msica de Jos Afonso, autor da cano Grndola, vila
morena, cone da Revoluo dos Cravos.
Ao mesmo tempo, distante do Brasil j h cinco anos,
recebia notcias de que a situao brasileira piorava cada vez
mais. Foi em Lisboa, almoando em sua casa com Paulo