Download - Atlas do Trabalho Escravo no Brasil
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Herv Thry
Neli Aparecida de Mello
Julio Hato
Eduardo Paulon Girardi
Com duas novas e poderosas ferramentas para os gestores de polticas pblicas, atores econmicos e financeiros: o ndice de probabilidade de trabalho escravo e o ndice de vulnerabilidade ao aliciamento.
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Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
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Atlas do TrabalhoEscravo no Brasil
Autoria
Herv Th ryNeli Aparecida de Mello
Julio HatoEduardo Paulon Girardi
A primeira etapa da elaborao dos mapas foi realizada usando o softwarePhilcarto, disponvel no endereo http://perso.club-internet.fr/philgeo
Reviso ortogrfi caValmir de Almeida
Capa e projeto grfi coCarlos Fernando Fres
Produo Luciane Simes
SupervisoMario Menezes e Roland Widmer
Apoiado por
Um projeto de
Amigos da Terra - Amaznia Brasileira, Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIP) reconhecida pelo Ministrio da Justia, existe desde 1989 e atua na promoo de interesses difusos, tais como direitos humanos, cidadania e
desenvolvimento, a partir da valorizao do capital natural. Atua nas polticas pblicas, nos mercados, nas comunidades locais e no mundo da informao, por meio de atividades inovadoras, com foco prioritrio, mas no exclusivo, na regio amaznica.
A entidade completamente independente. Participa de redes internacionais como BankTrack - que acompanha o setor fi nanceiro e seus impactos sobre as pessoas e o planeta - e BICECA, na escala sul-americana, assim como mantm acordos de parceria com grupos da rede Friends of the Earth International em diversos pases, porm sem qualquer vinculao formal.
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Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
Ficha catalogrfi caI.S.B.N. 978-85-86928-09-3
Th ry, Herv. Atlas do Trabalho Escravo no Brasil / Herv Th ry, Neli Aparecida de Mello, Julio Hato, Eduardo
Paulon Girardi. So Paulo: Amigos da Terra, 2009. 80 p.: 56 cartogramas, sete tabelas e dois grfi cos.
Copyright: Os direitos autorais de todo o material contido neste livro (quando no provenientes das fontes
externas citadas pontualmente) so propriedade de Amigos da Terra - Amaznia Brasileira ou dos autores
acima. A reproduo, adaptao, modifi cao ou utilizao do contedo disponibilizado neste atlas, parcial ou
integralmente, expressamente proibida sem a permisso prvia por escrito dos titulares dos direitos autorais.
Sobre os autores
Herv Th ry Possui graduao em Histria e em Geografi a, mestrado e doutorado em Geografi a. Atualmente pesquisador
do Centre National de la Recherche Scientifi que, professor convidado da USP, pesquisador convidado da
Universidade de Braslia e coordenador editorial da revista Confi ns (http://confi ns.revues.org). Participa do
Comit editorial das Revistas Espace Gographique e M@ppemonde (Online) e de grupos de pesquisa sobre
polticas publicas e desenvolvimento sustentvel.
Neli Aparecida de MelloGraduada em Geografi a, com mestrado em Arquitetura e Urbanismo e Gographie et Pratique du Dveloppement
e doutorado em Geografi a. Atualmente professora associada da Universidade de So Paulo. Suas temticas
de pesquisa so as dinmicas territoriais, polticas pblicas e gesto ambiental, gesto urbana e ordenamento
territorial e terras pblicas federais na Amaznia e o meio ambiente. Exerceu funes de direo no IBAMA,
SEMATEC-DF, MMA e coordenou o curso de gesto ambiental da EACH-USP. coordenador editorial da
Revista Confi ns (http://confi ns.revues.org).
Eduardo Paulon GirardiLicenciado (2003), Bacharel (2004) e Doutor (2008) em Geografi a pela Unesp de Presidente Prudente.
pesquisador do NERA - Ncleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrria, da FCT/Unesp, de
Presidente Prudente. Trabalha principalmente com Geografi a Agrria, Cartografi a Geogrfi ca e Geografi a
Regional. ([email protected] - www.fct.unesp.br/nera/atlas)
Jlio Takahiro HatoGraduado em Licenciatura pela Faculdade de Educao - Universidade de So Paulo (2007), graduado em Geografi a
pela Universidade de So Paulo (2007) e graduado em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de So Paulo (1981). Tem experincia em Geografi a, com foco em Anlise Regional.
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Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
ATLAS DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL
SUMRIO
PrefcioPrefcio 09
Resumo Executivo 11
Introduo 15
Primeira Parte: Avaliando o processo 19
1. Expresso territorial do trabalho escravo 21
2. De onde saem e para onde vo os trabalhadores escravizados? 26
3. A expresso temporal do trabalho escravo 30
4. As condies educacionais e sociais dos trabalhadores 31
5. Trabalho escravo e atividades econmicas 37
5.1 Atividade agropastoril e trabalho escravo 38
5.2 Pecuria bovina e o trabalho escravo 40
5.3 Cana-de-acar e trabalho escravo 41
5.4 Carvo e trabalho escravo 42
5.5 Madeira e trabalho escravo 42
5.6 Soja e trabalho escravo 45
5.7 Desmatamento e trabalho escravo 46
6. Terras protegidas e trabalho escravo 48
7. Trabalho escravo e violncia 49
Segunda Parte - Relacionando os fatores 53
1. Anlise dos fatores infl uenciadores do trabalho escravo 53
2. ndices sintticos: probabilidade de escravido e vulnerabilidade ao aliciamento 59
3. Correlaes 70
O que dizem os dados recentes: verifi cao experimental dos ndices 74
Naturalidade 75
Domiclios 76
Resgates 2007 77
Referncias bibliogrfi cas 81
NDICE DE TABELAS E GRFICOS Tabela 01 - Nmero de Trabalhadores libertados, de 1995 a 2006, por estado 20
Grfi co 01 - Trabalhadores escravizados - 1996-2006 20
Grfi co 02 - Atividades em que foram encontrados os trabalhadores (por propriedade) 37
Tabela 02 - ndice de probabilidade de escravido: os vinte primeiros municpios 63
Tabela 03 - ndice de violncia: os vinte vinte primeiros municpios 65
Tabelas 04 - ndice de vulnerabilidade ao aliciamento: os vinte primeiros municpios 69
Tabela 05 - Grupos mais numerosos de trabalhadores libertados em 2007 e 2008 77
Tabela 06 - Trabalhadores resgatados em 2007 80
Tabela 07 - Trabalhadores resgatados em 2008 80
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Sumrio
NDICE CARTOGRFICO
ndice de probabilidade de escravido (mapa simplifi cado) 11ndice de vulnerabilidade escravido (mapa simplifi cado) 12Par, Maranho, Tocantins e Mato Grosso - Caracterizao dos trabalhadores escravos, por municpio 23Brasil - Isometria dos trabalhadores escravos resgatados 24Par, Maranho, Tocantins e Mato Grosso - Isometria dos trabalhadores escravos resgatados 25Brasil - Fluxo dos trabalhadores escravos 26Brasil - Domiclio e naturalidade dos trabalhadores escravos resgatados entre 1995 e 2006 27Par, Maranho, Tocantins e Mato Grosso - Local de libertao e naturalidade dos trabalhadores escravizados 28Estado do Maranho - Trabalho escravo, por municpio 29Brasil - Trabalhadores liberados, por ano e microrregio 30Brasil - Analfabetismo funcional 32Par, Maranho, Tocantins e Mato Grosso - Naturalidade dos trabalhadores escravos e analfabetismo funcional, por municpio 33Brasil - Proporo de pardos na populao 34Brasil - Benefi cirios do Programa Bolsa Famlia 34Brasil - Naturalidade dos trabalhadores escravos resgatados e IDH 35Par, Maranho, Tocantins e Mato Grosso - ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) e naturalidade dos trabalhadores escravizados 36Brasil - Atividade agropastoril e trabalho escravo 38Trabalho escravo e taxa de masculinidade no Brasil 39Brasil - Fatores econmicos: bovinos, por municpio 40Brasil - Fatores econmicos: cana-de-acar, por municpio 41Brasil - Fatores econmicos: produo de carvo, por municpio 42Brasil - Fatores econmicos: produo de madeira, por municpio 45Brasil - Fatores econmicos: produo de soja, por municpio 46Desmatamento, por municpio 47Brasil - Terras protegidas 48Brasil - Taxa de homicdios e trabalhadores resgatados, por municpio 50Brasil - Taxa de bitos por arma de fogo e resgate de trabalhadores escravos, por municpio 51Brasil - Ano de instalao dos municpios e local de resgate dos trabalhadores, por municpio 52Variveis socioeconmicas e trabalho escravo - Componente 1 54Variveis socioeconmicas e trabalho escravo - Componente 2 55Variveis socioeconmicas e trabalho escravo - Componente 3 56Variveis socioeconmicas e trabalho escravo - Componente 4 57Fatores do trabalho escravo - Componente 1 58Fatores do trabalho escravo - Componente 2 59ndice de probabilidade de escravido. Fatores econmicos e presena de escravos 60ndice de probabilidade de escravido. Mdia geral e presena de escravos 61Par - ndice de probabilidade de escravido. Mdia geral e presena de escravos 62Maranho - ndice de probabilidade de escravido. Mdia geral e presena de escravos 62ndice de probabilidade de escravido. Mdia geral e presena de escravos 63ndice de probabilidade de escravido. Fatores econmicos e presena de escravos 64ndice de probabilidade de escravido. Violncia e presena de escravos 65ndice de vulnerabilidade escravido. Fatores sociais e lugar de nascimento dos escravos 67ndice de vulnerabilidade ao aliciamento. Fatores sociais e lugar de nascimento dos trabalhadores escravizados 68Par - ndice de vulnerabilidade ao aliciamento. Fatores sociais e lugar de nascimento dos trabalhadores escravizados 69Mortalidade infantil 70ndice de probabilidade de escravido. Regresso entre a mdia geral e a presena de escravos 71ndice de probabilidade de escravido. Regresso entre a mdia geral (levando em conta a presena de escravos) e a presena de escravos 72ndice de probabilidade de escravido. Regresso entre os fatores econmicos e a presena de escravos 73Brasil - Naturalidade dos trabalhadores libertados 75Brasil - Domiclio dos trabalhadores libertados 76ndice de probabilidade de escravido e resgates em 2007 78ndice de probabilidade de escravido e resgates em 2008 79
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Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
LISTA DE ACRNIMOS
ADE: Atlas da ExclusoADH: Atlas do Desenvolvimento HumanoCPT: Comisso Pastoral da TerraIBGE: Instituto Brasileiro de Geografi a e EstatsticaIBAMA: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenovveisIDH: ndice de Desenvolvimento HumanoIPEA: Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada MEC: Ministrio da EducaoMTE: Ministrio do Trabalho e EmpregoOCDE: Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento EconmicoOIT: Organizao Internacional do Trabalho PAM: Pesquisa Agrcola Municipal (IBGE) PEV: Pesquisa de Extrao Vegetal (IBGE) PPM: Pesquisa Pecuria Municipal (IBGE)SIM/MS: Sistema de Informao sobre Mortalidade/Ministrio da SadeSTE: Superior Tribunal Eleitoral
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Prefcio
ATLAS DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL
PREFCIO
Porque um estudo aprofundado sobre o tema do trabalho escravo por parte de
Amigos da Terra - Amaznia Brasileira, que no possui um histrico de atuao direta neste tema?
A primeira demanda vem de nosso trabalho pioneiro, desde 2000, no setor financeiro,
com o projeto Eco-Finanas: em inmeras oportunidades, verificamos que o tema representa
uma preocupao forte por parte de bancos e fundos, que carecem de ferramentas para lidar
com o risco de envolvimento direto e indireto.
A segunda demanda oriunda de nossa conhecida tentativa de promover a
sustentabilidade nas cadeias vinculadas pecuria - que comeou na regio amaznica e que
nos obrigou a aprofundar o conhecimento das dinmicas de uma realidade - a do trabalho
escravo e forado - que ocorre com certa frequncia no segmento da produo primria,
conforme ressaltado pela prpria pesquisa.
Para responder a tais demandas, induzidas por nossa atuao, era preciso aprofundar
a compreenso do fenmeno em sua dimenso territorial, com uma abordagem de pesquisa
inovadora e aplicada, que no se limita a diagnsticos ou denncias, mas se preocupa em gerar
instrumentos aplicveis. Ningum poderia ser mais adequado, para tanto, do que uma equipe
de gegrafos destacados, parceiros acadmicos de longa data da nossa instituio, e ainda com
grande experincia a respeito da regio amaznica. Por sua vez, esta equipe j gozava da
confiana da Organizao Internacional do Trabalho, referncia oficial e mundial sobre o
assunto. Desta forma se realizou uma parceria que mais uma vez inova, testando produtos
que podem ser replicados e aprimorados em contextos semelhantes, a partir da experincia e
aprendizado que sero gerados por sua aplicao. Demoramos mais do que deveramos, mas
enfim temos um produto, no mnimo, interessante e provocador.
Ao mesmo tempo, queremos deixar claro que nada disso vai prosperar sem a presso
constante por parte da sociedade civil, liderada nesta rea por nossos incansveis parceiros da
Reprter Brasil, e do governo, por meio da Secretaria de Inspeo do Trabalho, do Ministrio
do Trabalho e Emprego: esta nossa modesta contribuio visa estimular os atores econmicos a
complementar seus esforos notveis.
Roberto SmeraldiDiretor, Amigos da Terra - Amaznia Brasileira
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Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
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ATLAS DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL
RESUMO EXECUTIVO
O Atlas do Trabalho Escravo no Brasil caracteriza pela primeira vez a distribuio, os fl uxos, as modalidades e os
usos do trabalho escravo no pas, nas escalas municipal, estadual e regional, utilizando fontes ofi ciais e consolidadas.
Tambm aponta as associaes mais frequentes do fenmeno, como aquela com o desmatamento.
Alm do diagnstico indito, o Atlas oferece dois produtos novos para a sociedade brasileira: o ndice de
Probabilidade de Trabalho Escravo e o ndice de Vulnerabilidade ao Aliciamento.
No primeiro caso, trata-se de uma ferramenta inovadora e essencial para gestores de polticas pblicas, que
pode contribuir expressivamente para o planejamento governamental da sustentabilidade socioambiental. uma
ferramenta de avaliao de risco: um risco baixo no deve levar a subestimar o problema, mantendo as polticas
de due diligence convencionais. J um risco alto deve levar a cautelas especiais.
ndice de probabilidade de escravido(mapa simplifi cado)( p p )
0.00
4,04
9,53
42,04
Presena de escravos
Mdia geral
6 47 88
N
0 500 km
HT/NAM/JH/EG/2007
Fonte: IBGE/MTE/SUS/CPT
Resumo Executivo
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12 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
No segundo caso, o da vulnerabilidade, trata-se de uma ferramenta a ser aplicada principalmente
por gestores de polticas pblicas e sociais. Ela aponta para ao urgente do Poder Pblico visando
a preveno do trabalho escravo em determinadas regies, assim como a proteo de grupos sociais
altamente expostos ao fenmeno. O mapa do ndice de Vulnerabilidade ao Aliciamento aponta para as
regies de origem do escravo e , portanto, complementar ao do ndice de Probabilidade de Trabalho
Escravo, que pe em foco reas de ocorrncia do problema.
ndice de vulnerabilidade escravido(mapa simplifi cado)
6,89
32,65
60,05
81,94
1 9 58 100
Naturalidadedos escravos
N
0 500 km HT/NAM/JH/EG/2007Fonte: IBGE/MTE/SUS/CPT
O Atlas tambm oferece um perfil tpico do escravo brasileiro do sculo XXI: um migrante
maranhense, do Norte de Tocantins ou oeste do Piau, de sexo masculino, analfabeto funcional, que
foi levado para as fronteiras mveis da Amaznia, em municpios de criao recente, onde utilizado
principalmente em atividades vinculadas ao desmatamento. importante observar que existem fluxos,
manchas e modalidades expressivas - e igualmente graves - de trabalho escravo em outras regies
principalmente no Centro-Oeste e Nordeste - e em outros setores, mas o perfil acima referido
decididamente majoritrio. H, pelo menos, vinte municpios com alto grau de probabilidade de trabalho
escravo localizados nas regies de fronteira na Amaznia brasileira. Nestas reas, coincidem a queima
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de madeira para a fabricao do carvo vegetal, as altas taxas de desmatamento, o trabalho pesado de
destoca para formao de pastagem e atividades pecurias nas glebas rurais ocupadas.
Na preparao do Atlas foram analisadas as dinmicas marcadas pelos movimentos das atividades econmicas e da
populao aliciada e foram usados dados sobre o fenmeno oriundos do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE).
Resumo Executivo
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14 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
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INTRODUO
A persistncia inaceitvel de casos de trabalho escravo no Brasil no limiar do sculo XXI explicita a profunda
contradio da modernidade tecnolgica alcanada pelo pas e a absurda explorao do ser humano qual esto
submetidas parcelas dos trabalhadores brasileiros. Para uma melhor interpretao da realidade na qual o trabalho escravo
est inserido, foram mapeados os dados sobre o fenmeno, especialmente os relativos de libertao de trabalhadores
escravizados e a denncias de casos de escravido. A partir desse mapeamento, que compreende correlaes temporais
e temticas, foram analisadas as estruturas, padres, fl uxos e tendncias da escravido contempornea no Brasil, o que
permitiu: a) compreender o fenmeno no territrio brasileiro e b) identifi car situaes que favorecem ou inibem o crime
de escravizao dos trabalhadores. Como resultado, observou-se que o fenmeno apresenta uma lgica territorial, com
concentrao em algumas regies, e que est relacionado s atividades especfi cas de uso do territrio. A grande novidade
deste trabalho apresentar todos esses dados espacializados, o que permite lanar novas luzes sobre a questo.
A existncia de situaes de trabalho escravo em nosso pas tem desafi ado as instituies competentes a organizar
aes visando erradic-lo. Parte deste esforo constiui-se na construo e difuso de indicadores que possibilitem
prevenir e monitorar o fenmeno. nesse sentido que este trabalho se insere.
Neste trabalho analisamos a forma contempornea de escravido que ocorre no campo brasileiro, onde
trabalhadores realizam tarefas rduas em condies desumanas, degradantes, sem receber nada por seu trabalho, bem
como em condies de privao de liberdade.
Devido gravidade do problema do trabalho escravo rural contemporneo no pas, a Organizao
Internacional do Trabalho (OIT) implementa desde 2002 o Projeto de Combate ao Trabalho Escravo. Desde
ento, a OIT atua em parceria com instituies nacionais comprometidas com o tema, especialmente aquelas que
fazem parte da Comisso Nacional para a Erradicao do Trabalho Escravo (CONATRAE). Criada em agosto
de 2003, a CONATRAE um rgo colegiado vinculado Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH)
da Presidncia da Repblica e tem a funo primordial de elaborar e monitorar a execuo dos Planos Nacionais
para a Erradicao do Trabalho Escravo.
A OIT abordou a questo do trabalho forado em duas convenes. Em 1930, a primeira conveno sobre
o tema Conveno sobre o Trabalho Forado (n 29) defi ne trabalho forado como todo trabalho ou servio
exigido de uma pessoa sob a ameaa de sano e para o qual ela no tiver se oferecido espontaneamente. A segunda
conveno Conveno sobre a Abolio do Trabalho Forado (n 105) adotada em 1957, relata que o trabalho
forado jamais pode ser utilizado para fi ns de desenvolvimento econmico ou como instrumento de educao poltica,
de discriminao, disciplinamento atravs do trabalho ou como punio por participar de greve.
No trabalho escravo contemporneo no Brasil, as vtimas so predominantemente homens, proveniente
de outras regies que no aquela onde so escravizados. Os trabalhadores so aliciados e saem de seus lugares
por desconhecerem as condies reais de trabalho que os esperam, ou pela falta de alternativa em seus lugares
de origem, mesmo conscientes das condies aviltantes que vo enfrentar.
Vrios autores tm estudado o trabalho escravo conceituando-o e adjetivando-o de diferentes formas,
dentre os quais destacamos Neiva (1994), Esterci (1999), Martins (1999), Vilela e Cunha (1999), Figueira (2004),
Girardi (2008), alm de instituies governamentais e intergovernamentais. Vejamos algumas de suas posies.
As adjetivaes mais comuns para o trabalho escravo so humilhado, cativo e forado e para as
formas de escravido encontram-se comumente os termos semi, branca e contempornea. Para a Anti-
Slavery International (ASI), algumas caractersticas distinguem a escravido de outras formas de violao dos
direitos humanos, sendo o trabalhador escravizado defi nido segundo quatro aspectos fundamentais:
Introduo
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16 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
i) quando ele forado a trabalhar - por meio de opresso fsica ou psicolgica; ii) quando ele
possudo ou controlado por um empregador, geralmente atravs de abuso mental ou psicolgico ou
ameaas de abuso; iii) quando ele desumanizado, tratado como um objeto ou comprado e vendido
como uma propriedade e iv) quando ele fi sicamente coagido ou submetido a restries no direito
de ir e vir. (ASI, 2005, no paginado, apud GIRARDI, 2008).
A CPT utiliza como critrio principal para a caracterizao do trabalho escravo atual
a sujeio do trabalhador. Esta sujeio pode ser fsica ou psicolgica. Meios de atingir a sujeio: a
dvida crescente e impagvel. (1995, p.46). [...] elementos que caracterizem o cerceamento da liberdade,
seja atravs de mecanismos de endividamento, seja pelo uso da fora (proprietrios ou funcionrios
armados, ocorrncia de assassinatos, espancamentos, e prticas de intimidao) [...]. (2003, p.138)
Outra caracterstica da escravido contempornea a durao do tempo de trabalho totalmente irregular.
Ela temporria, de forma que, quando o trabalhador no mais necessrio ele dispensado sem nenhum tipo
de pagamento. Contudo, no raros so os casos em que os trabalhadores no retornam s suas casas, pois antes
disso so assassinados pelos criminosos que o escravizaram. Quando a libertao dos trabalhadores ocorre por
ao de poltica pblica, o MTE obriga o responsvel que cometeu o crime a pagar todos os salrios atrasados e
encargos sociais, alm de cobrir as despesas de retorno dos trabalhadores aos seus lugares de origem.
Alm disso, os trabalhadores resgatados passam imediatamente a receber os benefcios do seguro
desemprego1. As condies atuais do trabalho escravo so ainda mais dramticas que as de sculos passados,
pois o trabalhador no constitui um patrimnio (pela imobilizao de recursos do proprietrio). No racial nem
hereditria, ou seja, no passa de uma gerao para outra. Porm, nem todos os autores so unnimes quanto s
formas e existncia da escravido no Brasil, muitos dos quais optam por apoiar processos de dissimulao da
existncia do trabalho escravo contemporneo.
Convm resgatar o aparato legal brasileiro, com base no qual os vrios acordos de parcerias tm sido
realizados e as penas legais foram defi nidas. A Lei n 10 803, de 11 de dezembro de 2003, altera o artigo 149 do
Decreto-lei n 2848 de 07 de dezembro de 1940, e conceitua que o trabalho escravo
reduzir algum condio anloga de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forados ou a jornada
exaustiva, quer sujeitando-o a condies degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer
meio, sua locomoo em razo de dvida contrada com o empregador ou preposto.
Neste artigo foi tambm defi nida uma pena de recluso, de dois a oito anos, e multa correspondente
violncia. Esta pena pode ser aumentada em metade do perodo, caso o crime cometido seja contra uma
criana ou adolescente ou por motivo de preconceito de raa, cor, etnia, religio ou origem. Ainda no mesmo
artigo, defi nem-se como autores deste crime quem cercear o uso de qualquer meio de transporte por parte do
1 O Seguro Desemprego refere-se ao pagamento da assistncia fi nanceira temporria, no inferior a 1 salrio mnimo, conce-
dida ao trabalhador desempregado previamente habilitado. O Seguro-Desemprego, um dos mais importantes direitos dos trabalha-
dores brasileiros, um benefcio que oferece auxlio em dinheiro por um perodo determinado. Ele pago de trs a cinco parcelas
e seu valor varia de caso a caso. O Seguro Desemprego destina-se ao: trabalhador formal e domstico, em virtude da dispensa sem
justa causa, inclusive a dispensa indireta (aquela na qual o empregado solicita judicialmente a resciso motivada por ato faltoso do
empregador); trabalhador formal com contrato de trabalho suspenso em virtude de participao em curso ou programa de qualifi -
cao profi ssional oferecido pelo empregador; pescador profi ssional durante o perodo do defeso (procriao das espcies); tra-
balhador resgatado da condio anloga de escravo em decorrncia de ao de fi scalizao do Ministrio do Trabalho e Emprego.
Fonte: http://www.caixa.gov.br /Voce/Social/Benefi cios/seguro_desemprego/saiba_mais.asp.
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trabalhador, quem mantiver vigilncia ostensiva no local de trabalho ou se apoderar de documentos ou objetos
pessoais do trabalhador, com o objetivo de ret-lo no local de trabalho.
O trabalho escravo uma das formas de violncia presentes no campo e caracterstica da questo
agrria no pas. uma prtica contraditria, pois esse tipo de explorao humana coexiste e utilizada
em consonncia com as mais modernas tcnicas de produo agropecuria, caracterizando o que Oliveira
(2003) chama de barbrie da modernidade.
Sendo o trabalho escravo uma das formas de violncia recorrentes no campo brasileiro, necessrio que
entendamos a diferena entre confl ito e violncia no desenvolvimento. Fernandes (2005) apresenta uma anlise
na qual considera que confl ito e desenvolvimento so indissociveis. Para o autor, confl itualidade o processo
de enfrentamento perene que explicita o paradoxo das contradies e as desigualdades do sistema capitalista,
evidenciando a necessidade do debate permanente, nos planos tericos e prticos, a respeito do controle poltico
e de modelos de desenvolvimento (FERNANDES, 2005, p. 5). O desenvolvimento ocorre atravs das solues
aos problemas levantados nos debates e enfrentamentos ocasionados pelo confl ito. Neste contexto, o confl ito
no sinnimo de violncia. Para Girardi e Fernandes (2008), o confl ito uma ao criadora para transformao
da realidade e promoo do desenvolvimento em todas as suas dimenses. A violncia reao ao confl ito,
caracterizada pela destruio fsica ou moral exercida sobre as pessoas. (no paginado). A violncia defl agrada
como forma de anular o confl ito. Dessa forma, as violaes dos direitos humanos, explorao e atentados contra
a vida, que ocorrem no campo, so formas de barrar o desenvolvimento. Isso permite concluir que o trabalho
escravo contribui para barrar o desenvolvimento do campo brasileiro.
As origens e as formas do cerceamento de liberdade dos trabalhadores so diversas, indo desde o isolamento
geogrfi co at comportamentos ameaadores por parte dos empregadores. Elas envolvem, grosso modo, aspectos
ligados ao transporte, alimentao e aos salrios. O trabalho ocorre em locais de difcil acesso, cujo custo de
transporte normalmente caro e debitado aos trabalhadores; a intermediao entre o trabalhador e o empregador
feita por pessoas inescrupulosas, conhecidas como gato; a alimentao, comprada compulsoriamente em
armazns dos proprietrios das fazendas a preos elevadssimos, transforma-se em dvidas crescentes, as quais se
acumulam com o pagamento da viagem e dos instrumentos de trabalho e proteo, que deveriam ser fornecidos
pelo patro. As atividades desenvolvidas pelos trabalhadores escravizados so rduas, geralmente associadas s
condies degradantes pois, geralmente, moram em barracos ou em alojamentos comunitrios, cujas condies
de higiene so as piores possveis.
No basta, porm, libertar os trabalhadores encontrados nessa condio e reencaminh-los a novos setores
e atividades econmicas. fundamental a defi nio de uma poltica pblica, efi ciente e adequada, para que no
ocorram reincidncias, j que no so raros os casos de pessoas que so escravizadas por diversas vezes, como
relata Figueira (2004).
Em 2003 foi lanado o Plano Nacional pela Erradicao do Trabalho Escravo no Brasil. Um desafi o
imenso, considerando-se as difi culdades de meios existentes, alm de sombreamentos entre as atribuies da
Justia federal e dos Estados. Em 2008, em continuidade s aes engendradas no 1 Plano e com o objetivo de
preencher as lacunas deixadas pelo mesmo, o novo documento apresenta aes ligadas preveno e reinsero
dos trabalhadores resgatados. O 2 Plano Nacional enfatiza tambm questes ligadas reforma agrria,
articulao de aes governamentais no combate ao trabalho escravo, por meio da extenso de polticas sociais,
como, por exemplo, programas de transferncia de renda, aos trabalhadores resgatados, bem como ressalta a
necessidade de envolvimento do setor empresarial para o enfrentamento do problema (COSTA, 2009). Alm
disso, os debates polticos sobre o conceito de trabalho escravo causam lentido na implantao do Plano.
Introduo
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18 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
Do ponto de vista poltico, alm desses Planos, surgiu a Proposta de Emenda Constitucional (PEC
438/2001) que prev expropriao de terras no caso de comprovao de existncia de trabalho escravo,
revertendo a rea em assentamento dos colonos que j trabalhavam na respectiva gleba. A Constituio Federal
de 1988 prev que as terras que no cumprem a funo social so passveis de desapropriao para a reforma
agrria, sendo que um dos itens que compem o cumprimento de tal funo que a terra deve servir ao bem
estar do proprietrio e dos trabalhadores, o que, evidentemente, no ocorre no caso de trabalho escravo. A
aprovao da PEC 438/2001 ser um passo importante na luta pela erradicao dessa chaga no Brasil, visto
que, alm de desapropriar ela expropria, ou seja, confi sca sem nenhum pagamento as propriedades onde so
encontrados trabalhadores escravizados. A PEC 438/2001 foi aprovada pelo Senado, mas voltou Cmara dos
Deputados, sem previso de data para sua alterao e votao. Aps numerosas incluses, a ltima em junho de
2008, a matria ainda no foi votada. A resistncia poltica a esta lei ainda grande.
O acesso informao como um dos direitos cidadania elemento fundamental da prtica governamental. A
redemocratizao da sociedade envolve a transparncia deste conhecimento, o que inclui a produo, coleta e anlise
de dados sobre o problema. Ao estabelecer correlaes entre dados do trabalho escravo origem social e condies
de vida do trabalhador, atividades econmicas exercidas, tipos de violncia contra ele praticadas etc., detectamos as
principais estruturas do trabalho escravo no Brasil, fornecendo, assim, bases slidas para alguns pressupostos. Com a
anlise conjunta desses dados e outros fatores, objetivamos: a) orientar a busca e represso de situaes semelhantes,
j que por enquanto as aes de resgate so motivadas principalmente por denncias, e b) contribuir para a adoo de
polticas de preveno, detectando as regies mais vulnerveis ao aliciamento de trabalhadores.
para isto que colocamos disposio da sociedade um conjunto de mapas temticos e de sntese
acompanhados de anlises baseadas em mltiplos fatores. Os dados foram analisados e representados em escala
municipal - a mais detalhada possvel, ou, quando conveniente, por microrregio ou estado.
-
19
PRIMEIRA PARTE: AVALIANDO O PROCESSO
Duas fontes de dados sobre o trabalho escravo constituem a principal forma de conhecimento e
mensurao desse fenmeno: a CPT e o MTE. A CPT foi impulsionadora do processo, pois desde a dcada
de 1980 registra as denncias de trabalho escravo, ignoradas pelo Estado at 1995, quando o Governo
Brasileiro reconheceu ofi cialmente a existncia do problema e o Ministrio do Trabalho passou a inspecionar
os casos denunciados. Em 1995, o MTE criou o Grupo Especial de Fiscalizao Mvel, que ligado ao
Grupo Executivo de Represso ao Trabalho Forado (GERTRAF2) e Secretaria de Inspeo do Trabalho
(SIT), ambos do MTE. O grupo mvel, com o auxlio da Polcia Federal, realiza inspees em locais onde h
denncia de trabalho escravo. Quando se constata a ocorrncia, os trabalhadores so libertados, so aplicadas
multas ao empregador e efetuado o pagamento dos salrios e encargos, o que permite ao trabalhador o
recebimento do seguro desemprego. Em seguida, os trabalhadores so assistidos e encaminhados aos seus
locais de origem, sendo de responsabilidade do empregador os recursos destinados ao transporte.
Os dados do MTE so relativos aos casos em que foi constatada a existncia de trabalho escravo, e indicam
o nmero de trabalhadores libertados pelo Grupo Mvel entre 1995 a 2008. O nmero real de trabalhadores
escravizados sem dvida maior, visto que no possvel verifi car todas as denncias e, em alguns casos, as
operaes fracassam, pois ocorre o vazamento de informaes, e
de posse da ordem de servio, muitas vezes os fiscais e policiais so surpreendidos
por proprietrios que, sabendo da vistoria, tiveram tempo para preparar o ambiente.
(GUIMARES e BELLATO, 1999, p.72).
Segundo Figueira (2004), antes da criao do Grupo Mvel, em geral as denncias no eram apuradas,
devido ao medo das equipes, falta de recursos econmicos, que no possibilitava as operaes, e tambm s
omisses e desinteresse dos fi scais, os quais mantinham relao de amizade com os acusados.
Entre 1990 e 2006, a CPT registrou denncias sobre 133.656 trabalhadores escravizados e, entre 1995 e
2006, o Ministrio do Trabalho libertou 17.961 trabalhadores da escravido. A anlise dos dados de 1996 at
2006 mostra que a partir de 2001 houve um crescimento signifi cativo do nmero de trabalhadores em denncias
(CPT), bem como de trabalhadores libertados (MTE), expressados na tabela abaixo.
2 O GERTRAF j no existe. Ele foi, em certa medida, substitudo pela CONATRAE.
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
20 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
TABELA 01 - Nmero de Trabalhadores Libertados, de 1995 a 2006, por Estado
Fonte: Secretaria de Inspeo do Trabalho (SIT)
O Grupo Mvel, em consonncia com a CPT, aumentou o nmero de trabalhadores libertados e
ampliou sua rea de atuao, cobrindo onze estados brasileiros. Concentramos nossa anlise sobre os
dados do perodo de 1995 a 2006, porm, entre 2007 e 2008, ocorreram novas denncias e libertaes,
as quais sero analisadas no captulo conclusivo.
GRFICO 01 Trabalhadores escravizados 1996-2006
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
8000
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Trab
alha
dores
CPTMTE
-
21
1. EXPRESSO TERRITORIAL DO TRABALHO ESCRAVO
Todos os cartogramas elaborados procuram expressar as dinmicas do trabalho escravo no territrio
brasileiro, normalmente articuladas com os movimentos das atividades econmicas presentes na frente pioneira
da fronteira agropecuria, retratando um movimento de integrao do oeste do pas economia nacional.
A primeira confi gurao da dinmica do trabalho escravo j aparece quando so analisados aspectos
simples como a origem geogrfi ca dos trabalhadores (na fi gura a seguir), os lugares onde foram libertados, os
locais citados nas denncias e o local de sua residncia aps a libertao.
A resposta simples pergunta onde nasceram os trabalhadores encontrados em condies de trabalho
forado? , ou seja, qual a sua naturalidade, permite perceber que so provenientes, de forma geral, de todas
as regies do pas, exceo feita aos estados situados no extremo oeste do pas. Aparece, porm, uma rea
de concentrao principal: Maranho, Piau, extremo norte do Tocantins (regio conhecida como Bico do
Papagaio) e nordeste paraense. Um segundo eixo, tambm com elevados efetivos, est localizado em reas do
Polgono das Secas, principalmente na faixa nor-noroeste de Minas Gerais e centro e oeste da Bahia. Em um
terceiro eixo - centro de Gois, oeste do Paran e Santa Catarina e regies litorneas - ocorre uma distribuio
regular, apresentando nmeros relativamente baixos de trabalhadores libertados ali nascidos.
O segundo cartograma da fi gura a seguir expressa os locais de residncia dos trabalhadores logo aps a sua libertao,
quando recebiam o seguro-desemprego. So nestes municpios que os trabalhadores recebem o seguro-desemprego,
cujos dados passaram a ser disponibilizados somente a partir de 2002. De acordo com esta fonte, os maiores nmeros
de trabalhadores (o mximo aproximando-se de 400) residiam, ento, nas cidades localizadas no itinerrio da Rodovia
Transamaznica e nos municpios limtrofes entre o Par e Tocantins, Par e Maranho e Maranho e Piau. Porm,
outras concentraes so evidentes nos eixos das rodovias nos estados do Mato Grosso, Gois e Tocantins e nas faixas
nor-noroeste de Minas Gerais e oeste da Bahia.
Outro aspecto espacial ressaltado pelo terceiro cartograma a localizao dos municpios onde ocorreram
resgates de trabalhadores. Entre 1995 e 2006, no ocorreram resgates somente em cinco estados: Roraima e Amap, na
Amaznia, e Pernambuco, Alagoas e Sergipe, no Nordeste. Em todos os outros 22 estados brasileiros, mesmo os mais
ricos, o fenmeno est presente, embora o maior nmero de libertados tenha ocorrido nos estados do Par, seguido
pelo Mato Grosso, depois pelo oeste da Bahia e centro sul de Gois. Ainda que haja concentrao de libertados no leste
do Par interessante perceber que no estado de Mato Grosso e Bahia h uma disperso por todo seu territrio.
Ao considerarem-se os dados de denncias registrados pela Comisso Pastoral da Terra (CPT), a confi gurao
um pouco diferente daquela do nmero de escravos no pas. A maioria absoluta situa-se no Estado do Par,
acompanhado de perto pelo oeste da Bahia, Mato Grosso, leste de So Paulo e sudoeste de Minas Gerais. Apenas
nos Estados do Amazonas, Roraima, Cear, Paraba e Sergipe no ocorreram denncias de trabalho escravo.
A comparao dos dois mapas permite visualizar a diferena entre as denncias e os resgates no Estado da
Bahia: enquanto as denncias esto concentradas no oeste, as libertaes se disseminam por todo o estado. No
Mato Grosso do Sul acontece situao parecida: denncias ocorreram no oeste e libertaes em todo o centro-
sul. Esses fatos constituem, portanto, uma evidncia de que a fi scalizao espontnea do Grupo Mvel tambm
reveladora da ocorrncia do trabalho escravo. Mais uma vez pode-se concluir que a realidade do trabalho
escravo no pas ainda mais ampla do que se tem registro.
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
22 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
Fonte: MTE/SDTR, CPT
Domiclio 1995-2006
1 32 110 220 393
Naturalidade 1995-2006
1 15 96 164
Denncias,conforme a CPT1996-2005
1
140
534
1436
2079
EG,HT,JH,NAM-2007
Trabalhadoresresgatados1995-2006
1 59 203 452
784
Mudando de escala e dando um zoom na rea de maior concentrao do fenmeno, com o objetivo de
estabelecer um balano fi nal entre as quatro sries de dados, ressaltam-se dois grupos bem defi nidos (mapa a
seguir). O primeiro grupo mostra a relao estabelecida entre a residncia atual e a naturalidade, o que pode indicar
a origem destes trabalhadores. A concentrao deste sub-fenmeno acontece no extremo leste da regio, cobrindo
todo o Estado do Maranho e o Bico de Papagaio, no Tocantins. J o segundo, onde a relao estabelecida
entre as denncias da CPT e os trabalhadores libertados, a regio de ocorrncia o leste do Par e seus limites com
o Maranho. No entanto, embora em nmeros absolutos os valores sejam menores, h uma distribuio bastante
regular por todo o territrio do estado de Mato Grosso. Isto nos leva concluso de que o processo de aliciamento
e emprego dos trabalhadores escravizados tem uma confi gurao leste-oeste no territrio.
-
23
Par, Maranho, Tocantins e Mato Grosso - Caracterizao dos trabalhadores escravos, por municpio p
2 7 6 1 3 8 6 9
Trabalhadores resgatados Denuncias CPT Domiclio Naturalidade
Nmero de trabalhadores
Situao sem escala
RR
O c e a n o A t l n t i c o
PA
TO
MA
MT
AM
GO
AP
PI
MS
RO BA
N
EG,HT,JH,NAM-2007
Fonte: MTE/SDTR, IBGE, CPT
0 200 km
O diagnstico do trabalho escravo depe contra o discurso poltico de insero do Brasil no clube dos
pases mais avanados . denegrida a imagem de modernidade, riqueza e tecnologia avanada construda
pelo pas. Com o trabalho escravo se admite ser possvel (porm intolervel e indesejvel) a convivncia
com situaes nas quais parcelas da populao esto submetidas s condies degradantes e demonstra
a cumplicidade entre o arcaico e o moderno (VILELA e CUNHA, 1999), modo como se d entre ns o
desenvolvimento do capitalismo (MARTINS, 1999).
Quais as razes pelas quais h uma distribuio bastante regular do fenmeno em Mato Grosso e uma
forte concentrao em apenas uma sub-regio paraense e maranhense? Por que os trabalhadores escravizados so
encontrados longe dos locais onde nasceram? As razes econmicas dessas migraes podem ser resumidas na
inexistncia de trabalho em seus locais de origem, no tipo de trabalho oferecido, na exigncia de um tipo especfi co
de habilitao profi ssional? Qual a diversidade de situaes individuais dos trabalhadores libertados? O diferencial
das atividades econmicas realizadas no Mato Grosso em relao aos outros trs estados poderia ser uma hiptese:
o uso de mecanizao na produo da soja exige maior qualifi cao do trabalhador e o desmatamento j est em
estgio avanado. No caso do Estado do Par, a forte produo do carvo vegetal leva a uma maior necessidade de
trabalhadores dotados de muita fora fsica. Deixemos o debate para um pouco mais frente.
As dezenove microrregies brasileiras que se destacam pelo elevado nmero de trabalhadores libertados
so, em ordem decrescente: So Flix do Xingu (PA), Norte Araguaia (MT), Conceio do Araguaia (PA), Parecis
(MT), Paragominas (PA), Colorado do Oeste (RO), Redeno (PA), Barreiras (BA), Vale do Rio dos Bois (GO),
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
24 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
Tesouro (MT), Parauapebas (PA), Bico do Papagaio (TO), Alta Floresta (MT), Altamira (PA), Marab (PA), Jauru
(MT), Anicuns (GO), Chapada das Mangabeiras (MA) e Primavera do Leste (MT).
Ainda na escala nacional, outra forma de evidenciar este processo destac-lo pelo nmero de ocorrncias
em cada microrregio e represent-lo atravs da isometria. Os cinco intervalos do mapa a seguir englobam do
valor mnimo ao valor mximo verifi cado nas microrregies. Considerando-se os extremos, cujas amplitudes
encontram-se entre 0 e 1.343 resgatados, a categoria mais baixa signifi ca nenhuma ocorrncia, enquanto a mais
alta signifi ca o mais elevado nmero de ocorrncias.
Neste caso, a categoria mais elevada, revelada pela mancha mais escura, est concentrada no Estado
do Par, mas tambm se estende pela extensa faixa j mencionada, que vai at Rondnia. O foco principal
so as microrregies paraenses, acompanhadas em nmero pelas mato-grossenses, localizadas no limite
norte do estado e pelas microrregies do sul de Gois e noroeste da Bahia. Os valores intermedirios
revelados pela mancha alaranjada escura, entre 5 e 20 resgatados, chamam a ateno, pois indicam regies
em que j ocorrem resgates de trabalhadores, porm em menor nmero, e que podem ser potenciais locais
de ocorrncia mais expressiva do que as j conhecidas.
Brasil - Isometria dos trabalhadores escravos resgatadosg
1 1 0 - 1 3 4 3
2 0 - 1 1 0
5 - 2 0
0 - 5
0
Fonte: MTE/SDTR, IBGE
Quantidade de trabalhadores resgatados de 1995 a 2006
EG,HT,JH,NAM-2007
N
0 500 km
-
25
Em escala sub-regional (limitada a apenas quatro estados que concentram as maiores ocorrncias de
trabalhadores liberados), aparecem quatro categorias distribudas entre o mximo de 82 e nenhuma ocorrncia
(mapa abaixo). Pela ausncia de ocorrncia, destacam-se o extremo noroeste do Par, ao norte da calha do rio
Amazonas, o extremo noroeste do estado do Mato Grosso e o extremo leste do Maranho. Em todo o restante
da regio as variaes de 2 a 4 e de 5 a 82 ocorrncias cobrem praticamente a totalidade das microrregies.
Par, Maranho, Tocantins e Mato Grosso - Isometria dos trabalhadores escravos resgatadosg
Situao sem escala
O c e a n o A t l n t i c o
PA
TO
MA
MT
AM
GO
AP
PI
MS
RO BA
RR
Q u a n t i d a d e d et ra b a lh a d o re s resgatados(1995 a 2006)
5 - 82
2 - 4
0 - 1
0
N EG,HT,JH,NAM-2007
Fonte: MTE/SDTR, IBGE, CPT
0 200 km
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
26 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
2. DE ONDE SAEM E PARA ONDE VO OS TRABALHADORES ESCRAVIZADOS?
O mapa de fl uxo abaixo - local de nascimento e de moradia de trabalhadores - mostra o deslocamento
dos trabalhadores do seu municpio de naturalidade at aquele onde foi libertado do trabalho escravo. O
maior fl uxo de migrao - cerca de 800 trabalhadores , destacadamente, o do Maranho em direo ao Par.
O segundo fl uxo, do Tocantins para o Par, envolve em torno de 600 trabalhadores libertados. O quantitativo
do terceiro fl uxo constitudo por cerca de 400 trabalhadores que migraram do Maranho para o Tocantins.
A quarta categoria destes fl uxos, at 200 trabalhadores, indica que as sadas do Paran, Distrito Federal, Bahia,
Alagoas, Maranho destinam-se ao estado do Mato Grosso.
Brasil - Fluxo dos trabalhadores escravos
8 2 3
6 1 7
4 1 2
2 0 6
Origem e destino dos trabalhadores liberados
EG,HT,JH,NAM-2007
N
0 500 km
Fonte: MT/Cadastro seguro desemprego/1995-2006
-
27
O mapa a seguir, mostra de outra maneira, o mesmo fenmeno, ao relacionar o municpio de naturalidade
com o lugar de residncia aps a libertao. A espacializao dos dados mostra este balano, pois a distribuio
de nascimentos ocorre em todo o pas, mas h uma concentrao da residncia aps a libertao, principalmente
na Amaznia (Par, Maranho, Mato Grosso e Tocantins), no Centro Oeste (Gois), no Nordeste (Piau e
Bahia) e Minas Gerais, na regio Sudeste. O resultado fi nal desta expresso espacial do fenmeno o afl uxo de
trabalhadores para certas regies, frentes pioneiras onde o respeito s leis, trabalhistas entre outras, no - para
usar uma expresso bem neutra - completamente assegurado. Novamente, destaca-se a importncia do fato de
que os estados da Amaznia Ocidental ainda esto distantes da presso dos processos econmicos que utilizam
mo-de-obra escrava, o que poder facilitar ali a efetividade de polticas a serem adotadas. Os riscos dos mesmos
trabalhadores serem aliciados mais de uma vez nessas regies so muito grandes.
Brasil - Domiclio e naturalidade dos trabalhadoresescravos resgatados entre 1995 e 2006g
N
0 500 km EG,HT,JH,NAM-2007
Fonte: MTE/SDTR
Naturalidade
Domiclio
Quant. de trabalhadores
1 32 110 220
393
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
28 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
Quando se considera como universo de anlise uma rea menor e se focaliza os quatro principais
estados onde o fenmeno do trabalho escravo ocorre, pode-se relacionar melhor a naturalidade e o local
de libertao. Nesta mudana de escala, o processo de libertao dos trabalhadores escravos est altamente
concentrado nos Estados do Par e no Mato Grosso (mapa abaixo) No entanto, os locais de origem so,
sobretudo, o Maranho e o Tocantins e extremamente baixa a representatividade dos trabalhadores
nascidos nos estados do Mato Grosso e Par.
Par, Maranho, Tocantins e Mato Grosso - Local de libertaoe naturalidade dos trabalhadores escravizados
Situao sem escala
Fonte: MTE/SDTR, IBGE, CPT
Itaituba
Vera
Pocon
Local de nascimento
Local de liberao
Divisa municipal
Divisa estadual
Realizado com Philcarto - http://perso.club-internet.fr/philgeo
0 200 km EG,HT,JH,NAM-2007
N
1
60
203
452
784
Trabalhadores liberadosentre 1995 a 2006
Quantid. de trabalhadores
I bba
c
rarrara
O c e a n o A t l n t i c o
PA
TO
MA
MT
AM
GO
AP
PI
MS
RO BA
RR
Monte do Carmo
Sucupira
Nova Bandeirantes
Comodoro
Mirassol d`Oeste
Diamantino
Guiratinga
Rondonpolis
Campo VerdeNovo S. Joaquim
Carutapera
Paragominas
Ulianpolis
Anans
Bom Jesusdas Selvas
S. Raimundo Mangab.
Cod
Pastos Bons
Caxias Teresina/PI
Graja
So Lus
Passagem Franca
Parauapebas
Marab
Curionpolis
Sen. J. Porfrio
Cumaru do Norte Redeno
Uruac
Pacaj
Goiansia
Santana doAraguaia
So Flixdo Xingu
Confresa
Porto Alegredo Norte
S. Jos do Xingu
Novo Mundo
Juara
Sorriso
-
29
Mudando novamente de escala e focalizando a espacializao do fenmeno somente no estado do
Maranho, o mapa a seguir evidencia que ocorre uma diviso e um processo de migrao internos, do
leste para o oeste do estado, ou seja, os trabalhadores submetidos ao trabalho forado nascem no centro,
no leste, no sudeste e norte do Estado e migram principalmente para o oeste, onde so libertados. Na
histria contempornea, esta regio, limtrofe com o Bico do Papagaio, no Tocantins, tem sido uma das
reas onde ocorreu uma multiplicidade de problemas, marcada por processos intensos de transformao
econmica, social e ambiental, entre eles a grilagem de terras, as atividades ilegais de explorao dos
recursos naturais, a produo de carvo e o desmatamento.
Estado do Maranho - Trabalho escravo por municpio
Fonte: CPT 1996-2005 EG,HT,JH,NAM-2007
N
0 100 200 km
Aailndia
Bom Jesus das Selvas
Balsas
So Lus
Pastos Bons
PassagemFranca
Cod
CaxiasAmarante
SantaLuzia
Nova Iorque
Paraibanos
Buriti
Bom Jardim
Barra do Corda
Naturalidade dos trabalhadores
Quantidade detrabalhadores
Trabalhadores escravos resgatados
1
151
630
Carutapera
PA
TO
PI
O c e a n o A t l n t i c o
Localizao sem escala
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
30 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
3. A EXPRESSO TEMPORAL DO TRABALHO ESCRAVO Ponderando-se sobre a variao do fenmeno no tempo, e lembrando que a fonte usada o
cadastramento dos trabalhadores libertados de trabalho escravo, o mapa a seguir representa o nmero
de casos de libertao, por ano, de 1995 a 2006.
Brasil - Trabalhadores libertados por ano e microrregio
Nmero de trabalhadores liberados
1410 705 352
Ano da liberao
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006 Fonte: MTE/SDTR EG,HT,JH,NAM-2007
N
0 500 km
As variveis evidenciam, novamente, no s a distribuio relativa das libertaes de trabalhadores,
mas permite destacar tambm a percepo de que nos primeiros anos destas atividades, entre 1995 e 1998,
alm de reduzidos em termos quantitativos, os eventos ocorriam em, pelo menos, onze estados brasileiros.
A primeira tabela apresentada no Atlas mostra simultaneamente a disperso espacial por todo o pas e a
concentrao numrica nos estados do Par e do Mato Grosso.
Apesar de estudiosos alertarem h muito tempo para a existncia dessa prtica, as polticas tm se tornado
mais efetivas no pas nos ltimos dez anos, com o estabelecimento de parcerias institucionais. No apenas o
nmero de libertaes maior, mas tambm a regularidade do processo. Alm disso, outros compromissos so
fi rmados envolvendo parcerias com empresas e empresrios no sentido de colaborarem, ainda que de forma
-
31
indireta, para a desarticulao dos segmentos e atividades que utilizam mo-de-obra escrava. Alm deste aspecto,
perfeitamente visvel que no Estado do Par, especialmente, mas tambm em Mato Grosso e no oeste da Bahia,
h uma forte concentrao do processo identifi cao - cadastramento - libertao. So indicativos institucionais
da percepo do problema e do fortalecimento das polticas de combate a essa prtica.
Entre os anos de 1995 e 2008, o MTE libertou 32.783 trabalhadores, em 99 municpios brasileiros. As
aes do Grupo Mvel apresentam um crescimento contnuo, e, em sua maioria, estas operaes de fi scalizao
so efi cazes: em 2005, foram libertados, aproximadamente, 1000 pessoas na Fazenda Gameleira (MT) e, em
2007, outros 1000 trabalhadores foram resgatados na Fazenda Pagrisa (PA).
A que fatores poderemos atribuir tal crescimento: ao aumento do nmero de denncias, ao aumento do
trabalho forado ou ao aumento da fi scalizao trabalhista?
4. AS CONDIES EDUCACIONAIS E SOCIAIS DOS TRABALHADORES
O debate atual a respeito das condies de analfabetismo funcional tem ganhado visibilidade pblica. Nos
ltimos anos, os estudantes brasileiros de ensino fundamental e mdio (na faixa dos 15 anos), ao participarem
de avaliaes internacionais de cincias e do Programa Internacional de Avaliao Comparada (PISA), tm sido
classifi cados nos nveis mais baixos. Isto demonstra no apenas defi cincias no sistema de ensino no pas, mas,
sobretudo difi culdades de aprendizagem e baixo nvel de compreenso do que se est lendo. No sentido amplo,
tais defi cincias confi guram o analfabeto funcional .
A participao de alunos brasileiros nesse processo de avaliao comeou em 2000, repetiu-se em 2003
e em 2006, tendo sido concentrada nos alunos de 8 e 9 anos do ensino fundamental e nos 1 e 2 anos do
ensino mdio. Embora o desempenho seja avaliado em funo do nvel dos alunos, vrios indicadores sociais
e econmicos (PIB per capita, IDH e ndice de Gini para distribuio de renda) devem ser considerados nos
resultados. O Brasil foi o pas com o menor IDH entre os que participaram do PISA, em 2000.
Porm, o que mais nos interessa ressaltar na anlise a evoluo das taxas de analfabetismo entre alguns
dos pases participantes. O Brasil, apesar de ter conseguido promover uma reduo na taxa de analfabetismo (de
31;8% em 1970 para 15,1% em 1999) apresenta o mais elevado contingente de analfabetos, quando comparado
com outros pases participantes com nveis similares de desenvolvimento econmico.
Os resultados do primeiro exame internacional foram bastante signifi cativos. Apesar das ponderaes,
inegvel que a classifi cao do pas em ltimo lugar merece ateno especial e sinaliza a necessidade de
um trabalho sistemtico na escola, envolvendo um tratamento (trans) interdisciplinar do currculo e um
redirecionamento das polticas educacionais, visando, sobretudo, a soluo do complexo quadro que envolve
a situao especfi ca dos estudantes. Em 2003, o pas apresentou o maior ndice de melhoria, embora ainda
permanecesse no terceiro grupo, o de desempenho inferior mdia da OCDE..
Se projetarmos esta situao de avaliao, ocorrida em apenas uma pequena parcela das escolas brasileiras,
e associarmos com os indicadores do censo brasileiro a respeito do tempo de educao formal da populao
brasileira, podemos afi rmar que, grosso modo, uma grande parte da populao classifi ca-se no que, popularmente
convencionou-se chamar de analfabetismo funcional. O cartograma abaixo representa a taxa de pessoas de 15
anos ou mais de idade nestas condies, e permite constatar a espacializao dos maiores ndices de analfabetismo
em todos os estados do Nordeste e no extremo oeste no Estado do Amazonas e no leste do Par.
Aparece uma clara coincidncia entre as confi guraes territoriais do analfabetismo funcional e da
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
32 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
naturalidade dos trabalhadores libertados da condio de escravo. Evidentemente, o baixo grau de escolaridade
e de qualifi cao profi ssional, a necessidade de emprego, a difi culdade de discernir as promessas irreais da oferta
de empregos os expe mais ainda s possibilidades de se tornarem vulnerveis s ofertas, quase sempre fi ctcias,
dos intermedirios responsveis pela cooptao de trabalhadores.
Estes intermedirios aliciadores - os gatos - so responsveis pelo recrutamento, transporte e
manuteno dos trabalhadores. Eles os iludem com propostas de bons salrios, oportunidade de conhecer
novos lugares e poder fazer uma poupana para ajudar as suas famlias. Como o prprio gato cuida de toda
a viagem, em princpio, no parece haver motivo de desconfi ana dos trabalhadores, porm, como todas as
despesas so cobradas, cria-se um processo de dependncia por dvidas elevadas.
Esta dvida uma prtica muito prxima daquela presente nas fazendas de caf brasileiras para onde foram
levados os colonos europeus no fi nal do sculo XIX e incio do sculo XX. Segundo Esterci (1999 in Girardi, 2008)
tambm lanaram mo do endividamento para a privao da liberdade dos trabalhadores no Brasil o sistema de
morada nos canaviais do Nordeste e o aviamento nos seringais da Amaznia, tambm no fi nal do sculo XIX.
Brasil - Analfabetismo funcional
EG,HT,JH,NAM-2007
Fonte: IBGE - Censo 2000
4 a 17 266
18 a 27 1.009
28 a 37 1.358 38 a 52 1.466
53 a 64 1.095
65 a 92 313
Taxa de analfabetismo funcional(%) Quant. municpios
N
0 500 km
Notas:(1) So considerados analfabetos funcionais aqueles commenos de quatro anos de estudo.(2) No foram computados as populaes rurais dos estados da regio Norte, com exceo do Tocabtins.
Na escala dos estados mais afetados pela relao entre estas variveis sociais (analfabetismo
funcional e naturalidade dos trabalhadores escravizados) identificam-se dois blocos: o primeiro, no
Estado do Mato Grosso e o oeste do Par, onde so menores tanto as taxas de analfabetismo funcional
-
33
(variando entre 4 e 30%) quanto o nmero de trabalhadores nessa condio, e o segundo, englobando os
Estados do Tocantins, Maranho e leste do Par, cujas taxas de analfabetismo funcional variam entre 50
e 92% e concentram o maior nmero de trabalhadores por lugar de nascimento.
Par, Maranho, Tocantins e Mato Grosso - Naturalidade dos trabalhadores escravos e analfabetismo funcional, por municpio
0 200 km
Fonte: MTE/SDTR, IBGE, CPT
PA
MA
TO
MT
4
18
28
38
53
65
92
Taxa de analfabetismofuncional em 2000 (%)
EG,HT,JH,NAM-2007
N Naturalidade dos trabalhadores
1 15 47 96
164
Situao sem escala
Notas:(1) So considerados analfabetos funcionais aqueles commenos de quatro anos de estudo.(2) No foram computados as populaes rurais dos estados da regio Norte, com exceo do Tocabtins.
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
34 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
Brasil - Proporo de pardos na populao
N
0 500 km
EG,HT,JH,NAM-2007
Fonte: IBGE - Censo 2000
Proporo da populaoque se declara de cor parda (%)
70 a 100
58 a 70
45 a 58
30 a 45
15 a 30
1 a 15
Brasil - Benefi cirios do Programa Bolsa Famlia
161,98 a 241,81
124,96 a 161,98
80,41 a 124,96
47,75 a 80,41
21,16 a 47,75
0,68 a 21,16
Familias beneficirias da Bolsa Famliapor 100.000 habitantes
N
0 500 km
EG,HT,JH,NAM-2008
Fonte: Caixa Econmica federal 2008
-
35
Outro ndice que podemos correlacionar com a maior ou menor probabilidade para o recrutamento de
trabalhadores que sero submetidos s condies degradantes o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH),
que considera renda per capita e condies de vida (anos de estudo, expectativa de vida ao nascer).
No contexto nacional a situao da distribuio dos melhores e piores ndices de desenvolvimento
humano confirma a organizao interna do pas: duas grandes zonas se opem. O Nordeste, com valores
de IDH que variam entre 0 e 0,60 e o restante do pas, situado entre 0,69 e 0,91. Ainda que os baixos
valores do Nordeste ocorram tambm na Bahia (vale do So Francisco), Alagoas, sul do Estado do Cear
e Piau, a maior concentrao no Estado do Maranho.
bom lembrar que, tradicionalmente, o Maranho tem sido um estado de emigrao. As confi guraes
resultantes da espacializao das variveis sociais realam as condies que reforam esta caracterstica e que ser
sem dvida ampliada, se agregarmos as variveis econmicas de produo a tais condies.
Na escala nacional, a prtica de trabalho escravo predomina nos municpios com menor IDH.
Da mesma forma, assim como mostra o mapa abaixo, grande parte dos trabalhadores escravizados
originria de municpios com baixo IDH.
Brasil - Naturalidade dos trabalhadores escravos resgatados e IDH
0,00
sem dados
0,06
0,60
0,69
0,76
0,81
0,91
IDH / 2000
N
0 500 km
Fonte: MTE/SDTR, IPEA
EG,HT,JH,NAM-2007
Quantidade de trabalhadores de 1995 a 2006
1 15 47 96 164
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
36 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
Era de se esperar que a espacializao dos menores valores de IDH ocorresse nas mesmas regies onde
nasceram os trabalhadores libertados do trabalho escravo. A espacializao destas variveis tambm se faz em
dois blocos: o Estado do Mato Grosso, com os maiores valores de IDH e o menor nmero de trabalhadores
a nascidos, contrapondo-se ao bloco formado pelo Par, Tocantins (Bico do Papagaio) e Maranho, onde
coincidem baixo IDH e o grande nmero de trabalhadores natos.
Par, Maranho, Tocantins e Mato Grosso - ndice de desenvolvimentohumano (IDH) e naturalidade dos trabalhadores escravizados
Situao sem escala
Realizado com Philcarto - http://perso.club-internet.fr/philgeo [discrtisation 'Q6']
Fonte: MTE/SDTR, IPEA0 200 km
EG,HT,JH,NAM-2007
N
sem dado
0,00
0,06
0,60
0,69
0,76
0,81
0,91
IDH 2000
O c e a n o A t l n t i c o
PAMA
MT
AM
GO
AP
PI
MS
RO BA
RR
Naturalidade emquant. de pessoasde 1995 a 2006
1 15 47 96
164
-
37
5. TRABALHO ESCRAVO E ATIVIDADES ECONMICAS
Analisando os dados relativos s denncias, as informaes existentes nos Cadernos de Confl itos
no Campo, da CPT, desde o ano de 1986, e os registros de trabalhadores libertados pelo Grupo Mvel de
Fiscalizao do Ministrio do Trabalho, a partir de 1995, nota-se que o trabalho escravo ocorre sobretudo
nas seguintes atividades econmicas: companhias siderrgicas, carvoarias, mineradoras, madeireiras, usinas
de lcool e acar, destilarias, empresas de colonizao, garimpos, fazendas, empresas de refl orestamento/
celulose, agropecurias, empresas relacionadas produo de estanho, empresas da rea de citricultura,
olarias, cultura de caf, produtoras de sementes de capim e seringais.
Grfi co 02 - Atividades em que foram encontrados os trabalhadores (por propriedade)3
O prximo cartograma correlaciona o nmero de trabalhadores libertados e a percentagem das atividades
agrcolas no PIB municipal. Temos trs Brasis: o primeiro, uma extensa faixa no litoral, de sudeste a nordeste;
o segundo, no extremo oeste do pas, recobrindo especialmente os estados do Amazonas, Roraima, Amap e
Acre ambos os casos com menos de 50% das atividades econmicas ligadas agricultura; e o terceiro Brasil,
uma faixa longa e relativamente larga, que se estende do Rio Grande do Sul Ilha de Maraj, onde a agricultura
representa entre 50 e 88% das atividades econmicas.
As ocorrncias de libertao de trabalhadores localizadas no Estado do Par, oeste da Bahia, Tocantins e
Maranho incidem principalmente em regies onde h predominncia de atividade agropecuria.
3 Dados referentes s fazendas que constam na lista suja, at 25 de janeiro de 2007. Ao todo foram 163 fazendas pesquisadas, sob responsabilidade de 168 empregadores. Elaborao: Patricia Costa (OIT)
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
38 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
5.1 ATIVIDADE AGROPASTORIL E TRABALHO ESCRAVO
Brasil - Atividade agropastoril e trabalho escravo g p
Fonte: MTE/SDTR, IBGE
sem dado
0,00
1,84
15,39
29,19
48,92
71,15
88,07
Atividade agropastoril (% do PIB)
EG,HT,JH,NAM-2007
N
0 500 km
Trabalhadores resgatadosde 1995 a 2006
3 218 1674 2.903
Uma varivel reveladora do avano da frente pioneira na Amaznia a taxa de masculinidade, por
conta da necessidade de trabalho fsico duro: os tons quentes do mapa seguinte mostram a predominncia
de homens sobre o nmero de mulheres (valores de at 50% superiores aos de mulheres) por toda a regio
Centro-Oeste e Amaznia. Contrapem-se s regies com predominncia de mulheres situadas na extensa
faixa do Brasil litorneo. Essa espacializao correlacionada com o nmero de trabalhadores libertados,
em 2005, mostra claramente o predomnio de libertaes nas regies onde h predominncia de homens,
praticamente inexistindo sobre as regies em que as mulheres so mais numerosas. Por outro lado, tambm
resgatamos alguns dos indicadores anteriores para afi rmar a coincidncia das regies com baixa taxa de
masculinidade com as regies de origem dos trabalhadores escravizados.
-
39
Trabalho escravo e taxa de masculinidade no Brasil
Fonte: IBGE/MTE EG,HT,JH,NAM-2007
N
0 500 km
sem dado
83
95
100
108
150Taxa de masculinidade (2000)
Trabalhadores liberados entre1995-2006
1 59 203 452 784
Alm do aspecto de maior proporo de homens nas regies de maior ocorrncia de libertao de
trabalhadores, importante introduzir a correlao desses fatos com algumas atividades econmicas. A diversidade
de atividades econmicas que se desenvolvem no contexto destas microrregies envolve desde a produo
de carvo (Santa Maria da Vitria, por exemplo), a pecuria (So Felix do Xingu), minerao (Parauapebas),
explorao de madeira (Paragominas, Tom Au). H, portanto, ocorrncia do trabalho escravo mesmo em
segmentos bastante capitalizados e tecnologicamente modernos.
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
40 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
5.2 PECURIA BOVINA E O TRABALHO ESCRAVO
Brasil - Fatores econmicos: bovinos, por municpio
-1
-0,09
0
0,05
0,11
0,27
1
Variao do nmero de bovinos 2000-2005
N
0 500 km
HT/NAM/JH/EG/2007
Quantidade de bovinos em 2005
41 271.193
2.370.236 1.063.522
4.228.403
Fonte: IBGE/PPM
Considerando-se a variao do nmero de bovinos, por microrregio, um grande arco (praticamente o
mesmo Arco do Desmatamento) se forma ao sul da Regio Norte, segundo o IBGE, com o maior ndice de
aumento do rebanho, entre 2000 e 2005. As cores quentes so representativas desse processo, enquanto
as frias demonstram reduo no ritmo de da atividade. Ou seja, uma nova regio assume a liderana da
expanso pecuria, marcada pelo aumento do efetivo bovino, enquanto na antiga regio a atividade no cresce
mais como anteriormente. Assim, a acelerao do crescimento do rebanho bovino coincide espacialmente
com a libertao de trabalhadores, com destaque para o sudeste do Par.
-
41
5.3 CANA-DE-ACAR E TRABALHO ESCRAVO
Brasil - Fatores econmicos: cana de acar, por municpio
1
0.72
0.2
0
-0.07
-0.41
-1
278.767 235.396
8.555 690
Variao daproduo de cana de aucar2000-2005
Produomdia de cana2000-2005
N
0 500 km
HT/NAM/JH/EG/2007Fonte: IBGE/PPM
No centro das atenes nos ltimos tempos, em funo de seu crescimento acelerado, a produo de cana-
de-acar pode ser tambm considerada como um dos fatores econmicos de impulso s condies anlogas
ao trabalho escravo. Assunto polmico, pois, do ponto de vista formal, os cortadores de cana tm carteira de
trabalho assinada e material para trabalhar, no sofrem cerceamento da liberdade e nem esto submetidos a outras
irregularidades que caracterizam o trabalho escravo. Contudo, as condies subumanas de vida e de trabalho
s quais est submetido o trabalhador, a durao irregular do tempo durante o corte de cana e a estafa fsica e
mental a que est sujeito, tm provocado o debate entre segmentos da sociedade civil organizada (entidades de
representao dos trabalhadores, academia, organizaes de defesa dos direitos humanos, etc,).
Segundo dados do IBGE, as maiores reas de produo de cana-de-acar, entre 2000 e 2005, se localizam
em reas tradicionais: Zona da Mata, interior de So Paulo, norte do Paran, Rio de Janeiro, Esprito Santo e em
regies novas, como nos estados de Gois e Mato Grosso.
Mas, a variao positiva ou negativa - na produo pode ser vinculada de outra maneira s
condies de absoluto desrespeito dignidade de uma pessoa (OIT). medida que a produo da cana-
de-acar avanou, entre 2000 e 2005, para regies de frentes pioneiras, mais distantes dos principais
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
42 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
centros produtores, ela pode ser considerada um fator de preocupao e de indcio de ambiente propcio
ao surgimento de trabalho escravo. Isto porque a variao positiva do crescimento da produo (cores
quentes) ocorre tanto no oeste de So Paulo, Paran e sul do Mato Grosso do Sul, quanto na zona central
de Gois, no noroeste do Mato Grosso e no Maranho, regies que apresentam tambm outras atividades
econmicas s quais esto vinculados os trabalhadores resgatados.
5.4 CARVO E TRABALHO ESCRAVO
Brasil - Fatores econmicos: produo de carvo, por municpio
-1
-1
-0,21
0
0,06
0,97
1
1 19.882 69.164 171.344 314.680
Carvo 2005
Variao daproduo de carvo2000-2005
N
0 500 km
HT/NAM/JH/EG/2007Fonte: IBGE
Outra atividade que tem sido relacionada com a utilizao de trabalhadores em condies
-
43
degradantes a produo de carvo.
O mapa acima mostra essa relao. Seguindo o mesmo procedimento adotado na elaborao do ndice de
variao da produo de carvo, os dados espacializados mostram uma concentrao em quatro regies: a maior
delas est no oeste da Bahia, estado seguido por Mato Grosso do Sul, Maranho e Par.
Alguns dos estudos existentes abordam a questo da produo do carvo como fonte energtica
ou como origem do desmatamento (Lima e Souza, 2000; Monteiro et al, 2007). Enquanto o primeiro
ressalta os aspectos legais e socioambientais da produo de carvo, o segundo destaca o incremento do
desmatamento ligado atividade carvoeira.
notrio que as condies de trabalho na produo do carvo so extremamente precrias. A atividade
muitas vezes ilegal, o que facilita o aliciamento alm dos problemas sociais identifi cados.
Na produo de carvo, os autores enfatizam o dano ambiental causado pela explorao de espcies
madeireiras nativas, a exemplo da cupiba, pau-rainha, jarana, mat-mat e outras.
Quanto ao processo de carvoejamento, a regio de Rondon do Par (municpio onde o
desmatamento, em 2004, atingiu 216,39 km2), apresentou um incremento de 279,67% em relao ao
ano anterior, sendo o segundo maior em toda a Amaznia Legal (Monteiro et al, 2007 citando BRASIL,
2005, p.8). Afirmam, ainda, os autores, que a atividade comeou a se desenvolver desde os anos
1980, com carvoeiras, na sua maioria ilegais, utilizando fornos do tipo rabo-quente (MONTEIRO,
1996, p. 2), os quais carbonizariam os resduos da produo de pastagem, da plantao de roa, do
desmatamento primrio e secundrio (conhecidos como brocagem de mata). A maior parte do
carvo vegetal produzido na regio vai para as siderrgicas e a maioria das carvoarias de Rondon do
Par utiliza resduos da mata para produzir carvo.
Quanto ao ritmo da produo do carvo vegetal, houve variaes entre o perodo de 2003
e 2006, segundo os prprios produtores, afirma ainda a autora. Entre o ano de 2004 e 2005, essa
produo alcanou o seu auge em Rondon do Par, quando muitas carvoeiras foram surgindo e
adentrando para o seu interior em busca da mata nativa. Das 68 carvoeiras visitadas pela autora,
apenas 12% foram consideradas legais. Segundo os dados obtidos em campo e os disponibilizados
pelo Ministrio do Trabalho, essas carvoeiras produzem 13.872 m de carvo, por semana, o que
equivale remoo de 27.744 m de madeira da floresta. As grandes carvoeiras fornecem 8.848
m de carvo vegetal, as carvoeiras mdias 3.904 m e as carvoeiras pequenas 1.120 m do insumo.
Em concluso, afirma a autora que:
a atividade de carvoejamento, antes concentrada ao longo das rodovias e realizada,
predominantemente, a partir das serrarias, encontra-se em pleno processo de expanso. Ela est se
expandindo para reas mais fl orestadas, pois, as anteriores j foram, consideravelmente, desmatadas
pelas atividades preexistentes. Nesse sentido, a sua expanso representa uma estratgia obteno
de maior facilidade e quantidade de lenha para a realizao do seu processo produtivo, o que permite
concluir que ela vem acessando a biomassa vegetal com objetivo nico e especfi co de produzir o
carvo vegetal, sem preocupaes com o uso posterior das reas desmatadas. A produo carvoeira
realizada na Amaznia Oriental no deve ser considerada unicamente como uma fora auxiliar nos
processos de desfl orestamento. Ao contrrio, a produo do carvo vegetal deve ser includa dentre
as atividades que atuam, de maneira relevante, nas mudanas no espao amaznico, cuja forma de
aparncia manifesta mais evidente o desfl orestamento. (MONTEIRO, 1996, p.2).
Ao considerar o detalhamento do estudo realizado por Monteiro et al, podemos levantar a hiptese de
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
44 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
que, sendo a atividade ilegal, em sua maioria absoluta, os trabalhadores nela ocupados estaro, certamente, muito
longe de se encontrarem com todas as protees do emprego formal.
5.5 MADEIRA E TRABALHO ESCRAVO
Um dos produtos mais simblicos da ilegalidade da explorao de recursos naturais, especialmente
na Amaznia, a madeira.
So conhecidos os ciclos da fronteira pioneira: primeiro a garimpagem vegetal, a coleta seletiva das
madeiras mais valiosas, qual se segue normalmente o ciclo da pecuria, quando os pecuaristas terminam a
limpeza da propriedade e semeiam o pasto. O terceiro momento tem sido mais recentemente marcado pela
introduo da produo de gros (sobretudo a soja e o milho). Normalmente, a ponta avanada da frente
pioneira , ento, representada pelo aumento da produo da madeira. exatamente essa ponta avanada
que o mapa revela ao distribuir amplamente a variao da atividade pelo Estado do Amazonas e suscita a
tendncia de repetio do que j se passou em vrias outras sub-regies: primeiro a madeira, depois o gado,
e, quem sabe, a chegada dos gros. Alm da acentuada variao do crescimento da explorao de madeira, em
2005, no Amazonas, outras reas mais tradicionais como o norte de Rondnia, o leste paraense e o sudoeste
baiano so os pontos de maior variao da quantidade explorada.
A maioria absoluta da madeira produzida ilegalmente, ou seja, as reas fl orestadas passveis de explorao
no possuem plano de manejo. Novamente, a hiptese anterior cabvel: se a atividade produtiva ilegal, o que
pensar dos trabalhadores que esto nela envolvidos? Tornar a atividade legal pode resultar em impactos menos
agressivos para a fl oresta e inviabilizar a prtica do trabalho escravo.
Brasil - Fatores econmicos: produo de madeira, por municpio
-
45
-1
-1
-0,32
0
0
0,54
1
N
0 500 km
HT/NAM/JH/EG/2007
1 124.488 501.455 1.184.601 1.999.369
Madeira 2005
Variao da produo de madeira 2000-2005
Fonte: IBGE
5.6 SOJA E TRABALHO ESCRAVO
A soja freqentemente acusada de ser um dos principais viles da Amaznia j que, no seu
deslocamento que a levou do Sul (onde comeou a produo nos anos 1970), ela percorreu toda a
extenso dos cerrados, atravessou a zona de fl oresta de transio e est hoje entrando francamente na
mata ombrfi la. O mapa a seguir mostra a tendncia nacional: diminuio no sul (valores negativos e cores
frias), aumento no norte (valores positivos e cores quentes), a frente da soja atingiu o norte de Mato
Grosso na Amaznia Ocidental e avana, via Tocantins e Maranho, rumo ao Sul do Par, na Amaznia
Oriental. Porm, os produtores da commodity negam a sua responsabilidade quanto ao desmatamento e mais
ainda quanto ao uso de trabalho forado, fato confi rmado pelos dados que lhes do suporte defesa: as
regies onde se situa hoje o grosso da produo de soja no coincidem, ou coincidem apenas parcialmente,
com aquelas de concentrao de pessoas em situao de trabalhado escravo.
Duas razes podem ser avanadas: a frente de desmatamento, que utiliza muita mo de obra e trabalho
escravo, j ultrapassou essas regies e, sendo o sistema de produo de soja altamente capitalizado, o sojicultor
prefere recorrer mecanizao, exigindo trabalhadores mais qualifi cados. Isso no quer dizer que no existam
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
46 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
trabalhadores a resgatar nessas regies, e, sim, que devem ser procurados nas margens do sistema, onde ele
ainda est sendo implantado, e no no seu corao produtivo.
Brasil - Fatores econmicos: produo de soja, por municpiop j p p
Variao 2000-05 1
1
0.97
0.65
0
-0.66
-1
Fonte: IBGE/PAM
N
0 500 km
HT/NAM/JH/EG/2008
Produo anual mdia 2000-2005 (ton)
4.163.556 Alto Taquari / MT
180.868 Augusto Pestana / RS 101.940 Aragoinia / GO
26.574 lvaro de Carvalho / SP
1.513.015 Aparecida do Taboado / MS
5.7 DESMATAMENTO E TRABALHO ESCRAVO
Alm destes segmentos econmicos, o processo de desmatamento concentra grande parte da
prtica do trabalho escravo.
A correlao entre desmatamento e trabalho escravo muito mais forte, tanto pela bvia coincidncia
territorial (ao comparar o mapa abaixo e o dos trabalhadores resgatados) como pelo uso notrio deste tipo de
trabalho na fase inicial do desmatamento (broca da vegetao de sub-bosque, abertura de picadas etc.). Apesar
do mapa do desmatamento se limitar Amaznia Legal, ele cobre as principais reas de concentrao de trabalho
escravo, na Amaznia Oriental e no norte do Centro-Oeste e das atividades econmicas usurias de trabalho
braal pouco qualifi cado, freqentemente associado ao trabalho escravo.
H uma estreita vinculao entre desmatamento e trabalho escravo na Amaznia, um aspecto previsvel da
-
47
problemtica estudada, em vista do desordenamento da ocupao territorial na regio. O territrio amaznico possui
21% de suas terras ofi cialmente reconhecidas como devolutas, 21% sob disputa onde ocorre, hoje, a maior parte dos
confl itos pela posse da terra e o emprego de trabalho escravo - e 4% sob domnio privado (os restantes 43% esto sob
regime de reas protegidas - terras indgenas e unidades conservao, principalmente). Os 42% devolutos ou em disputa
constituem terras pblicas, predominantemente pertencentes Unio, sob cujo domnio efetivo deveriam se encontrar,
tendo em vista sua gesto e o controle do intenso processo de expanso sobre a fl oresta. No entanto, o poder pblico
no apenas deixa de fazer a gesto desses territrios sob sua responsabilidade direta, como est ausente das reas de
expanso (linhas de frente) do desmatamento, deixando, ali, os trabalhadores ainda mais vulnerveis aos empregadores e
agenciadores de mo-de-obra escrava. Para agravar esse quadro de no governana, o Governo brasileiro vem adotando
iniciativas estimuladoras da expanso econmica e especulativa sobre a fl oresta, a exemplo da Medida Provisria 458, de 10
de fevereiro de 2009. Aprovada pelo Congresso Nacional, essa MP permite a regularizao de at 1.500 ha., na Amaznia,
sem licitao, num contexto onde, segundo o Incra-Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria, as mni e as
pequenas propriedades, de at quatro mdulos fi scais (400 hectares), representam 80% do total, ocupando menos de
11,5% da rea a ser regularizada, enquanto as mdias e grandes, que so apenas 20% do total, ocupam 88,5% da rea. H
na regio, hoje, 67 milhes de hectares regularizveis e/ em condies de entrar nesse processo de regularizao.
Previsivelmente, medidas com esse perfi l levam a mais desmatamento e a mais emprego de mo escrava na regio.
Desmatamento, por municpio
N
0 500 km
HT/NAM/JH/EG/2008
rea do municpio desmatada at 2006 (%)
97.9
31.1
9.9
3.6
1
0.1
0
870 So Flix do Xingu / PA
456 Novo Repartimento / PA
177 Machadinho D'Oeste / RD 66 Buritis / RD
7 Nova Nazar / MT
rea desmatada 2001-06 (em km2)
Fonte: INPE/PRODES Obs: Os dados referem-se apenas a rea da Amazonia Legal
Primeira Parte: Avaliando o processo
-
48 Atlas Do Trabalho Escravo No Brasil
6. TERRAS PROTEGIDAS E TRABALHO ESCRAVO
Outro tema, o de terras protegidas, merece ser analisado principalmente no sentido de entender se existem
relaes claras com a ocorrncia de trabalhadores resgatados. Ocorre trabalho escravo em reas legalmente
protegidas? Ou, ao contrrio, o fato de existirem terras indgenas e de ter sido criado um conjunto grande de terras
destinadas conservao ambiental serviria como um obstculo ao avano de atividades econmicas na frente
da frente pioneira? Em que medida estas condies podem contribuir para, ao mesmo tempo, se implementar
polticas pblicas de combate ao trabalho escravo e de combate a processos de grilagem do territrio nacional?
notrio que em reas de frentes pioneiras, a ausncia do aparelho de Estado permite a instalao
de processos ilegais, tanto no que diz respeito incorporao de novas reas ao processo econmico, como
no desrespeito s regras e benefcios sociais aos trabalhadores. A violncia da instalao de atividades
econmicas resulta em fortes impactos ambientais.
Assim, identifi car onde esto as terras em poder da Unio pode indicar aes de poltica pblica, j que
as terras protegidas formam uma barreira ao avano das atividades econmicas, entre as quais aquelas que tm
se utilizado de mo-de-obra escrava. Nesse sentido, o mapa abaixo aponta os locais onde foram resgatados
trabalhadores escravizados esto afastados dessas terras.
Brasil - Terras protegidas
N
0 500 km
EG,HT,JH,NAM-2007
0 500 km
HT-2006
Fonte: IBGE, Ministrio do Meio Ambiente, Funai
Trabalhadoresresgatados (96~2005)
1 59 452 784
Terras indgenas
rea de particular interesseecolgico
Florestas nacionais
Estaes ecolgicasReservas biolgicas
Reservas extrativistas
Parques nacionais
-
49
7. TRABALHO ESCRAVO E VIOLNCIA
Violncia e trabalho escravo so, certamente, patologias sociais que possuem uma correlao bem estreita.
Estudo elaborado pela Delegacia Regional do Trabalho do Par (2006) relaciona um conjunto complexo de variveis
que contribuem fortemente para a ocorrncia simultnea dos dois processos.
O Caderno Confl itos no Campo 2008 da CPT aponta 28 pessoas assassinadas em confl itos pela terra em
2007, nmero menor que em 2006, quando foram registrados 39 assassinatos. Esta diminuio deveu-se reduo de
mortes no Par (5 mortes em 2007 contra 24 registradas em 2006). No entanto, no restante do pas houve um aumento
de 50% no nmero dos assassinatos, em 14 estados, enquanto em 2006 as 39 mortes registradas se concentraram em
apenas oito estados. A concluso da CPT que a violncia se espraia pelo Brasil, dominando novos espaos.
Para Oliveira (2001), a violncia a caracterstica que marca a luta pela terra no Brasil. Se, entre os anos 1960 e
1970, o foco principal do processo era o Nordeste, a partir de 1972 o fenmeno concentrou-se na Amaznia, atingindo
tanto posseiros como indgenas. As mortes em confl itos no campo, em todo o pas, demonstram a continuidade
temporal e espacial da violncia. Especialmente no Estado do Par, episdios como o de Eldorado de Carajs, em
1996, com a morte de camponeses sem terra, estaro sempre na memria.
Ainda para Oliveira (2001), as ocupaes de terra entre 1987 e 2000, como uma estratgia tpica dos
movimentos sociais em luta pela terra, assumiram uma escalada crescente, concentrando-se especialmente no
perodo do Governo Fernando Henrique Cardoso (entre 1995 e 2000), que, em resposta, assentou, em seis
anos, 373 210 famlias, em 3 505 assentamentos, 62% dos quais na Amaznia. Neste conjunto de assentamentos
incluram-se as regularizaes fundirias (das posses), os remanescentes de quilombos, os assentamentos
extrativistas, os projetos Casulo4 e Cdula Rural5, e os projetos de Reforma Agrria.
Se associarmos o nmero de trabalhadores libertados em 2005 com a taxa de homicdios, a taxa mais elevada
(entre 40 e 165 por mil pessoas) encontrada no sudeste do Par e no norte do Mato Grosso. Um segundo arco
acompanhando toda a extenso desse limite identifi cado claramente em todo o centro-sul do Mato Grosso, o Mato
Grosso do Sul, o leste do estado de Gois, todo o estado de Pernambuco e o centro-sul de Roraima.
4 O Projeto Casulo, criado em setembro de 1997, tem como fi