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A OFERTA DE PEÇAS E COMPONENTES DE REPOSIÇÃO
APÓS O TÉRMINO DA FABRICAÇÃO DE PRODUTOS
Lindsay Teixeira Sant´Anna1
Valéria Araújo Neves2
Vitor Falcão de Souza3
RESUMO
Com a mudança nos padrões de consumo da sociedade, pós Revolução Industrial, as
empresas se depararam com aumento exacerbado na busca pela aquisição de bens e,
logo, a preocupação com a qualidade perdeu campo para a fabricação em série, que
leva em consideração os inúmeros objetos fabricados em um curto espaço de tempo.
Apesar das crescentes insatisfações dos consumidores, o Código de Defesa do
Consumidor omitiu em seu texto legal o tempo mínimo que as peças de reposição
deveriam estar disponíveis no mercado. Neste contexto este artigo buscou o melhor
entendimento levando-se em consideração as recentes decisões jurisprudenciais, a
necessidade de uso dos produtos pelos consumidores e a disponibilidade de peças de
reposição pelos fabricantes.
PALAVRAS-CHAVE: Código de Defesa do Consumidor, fabricante, peças de
reposição, jurisprudência, informação.
SUMÁRIO: 1- Introdução. 2 – Panorama Social. 3 – Lei, Doutrina, Jurisprudência e o
Conceito de Vida Útil. 4 – Conclusão. 5- Bibliografia.
1 Bacharel em Direito, Especialista em Gestão Ambiental, Pós-graduanda em Direito Agrário e Ambiental (UFV), Diretora do PROCON-Viçosa.2 Acadêmica do 7º período do curso de Direito da UFV.3 Acadêmico do 5º período do curso de Direito da UFV.
1- Introdução
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, promulgado em 1990 trouxe a
sociedade brasileira uma nova fase na tutela das relações de consumo. No entanto,
apesar da amplitude do tratamento dado aos direitos do consumidor pelo Código e das
contribuições jurisprudenciais e doutrinárias dos últimos 17 anos, há ainda pontos
controversos e omissos acerca da aplicação de seus preceitos legais. Um dos principais
pontos omissos do Código refere-se ao artigo 32, parágrafo único que não estabelece o
tempo mínimo em que os fabricantes devem disponibilizar aos consumidores peças de
reposição após o término da fabricação de produtos.
Tal omissão tem dificultado a solução das reclamações nos órgãos
administrativos de defesa do consumidor, que encontram em vagas decisões
jurisprudenciais prazos razoáveis para a disposição de peças de reposição no mercado,
entretanto controversos, já que são estabelecidos prazos no caso concreto.
Uma vez que os órgãos administrativos de defesa do consumidor são
verdadeiros filtros de pequenas reclamações no Poder Judiciário, é mister que
entendimentos ponderados sejam adotados a fim de que não seja inviabilizada a rápida
solução das demandas que aqueles órgãos realizam.
A oferta de peças de reposição após o término da fabricação de produtos é uma
questão obscura, para a qual as fontes disponíveis - legais, jurisprudenciais e
doutrinárias – não encontraram solução pacífica. Contudo, não é de todo impossível
estabelecer um entendimento sobre a matéria norteado por princípios do direito do
consumidor, como o da hipossuficiência e da informação, que podem ser invocados
para trazer a elucidação da temática.
Sem pretender oferecer solução definitiva, mas tencionando contribuir ao
máximo para sua consecução, encontrar-se-á neste artigo uma abordagem da matéria,
com suas nuances problemáticas e um sugestivo entendimento para a solução do
impasse acerca do tempo mínimo de disponibilidade das peças de reposição dos
produtos.
2 – Panorama Social
Qualquer trabalho que se insira no campo das ciências sociais e humanas deve
ter consciência da realidade fática onde o objeto de análise se encontra. Com a questão
da oferta de peças de reposição após o encerramento da fabricação de um produto não
há como ser diferente. Vivemos no ápice sociedade de consumo, onde a indivíduo
materialista vê no ato de consumir um meio para a satisfação pessoal e aceitação
social. Precisos são os comentários tecidos por MOTA e BRAICK a este respeito:
“A massa de consumidores procura, através dos movimentos da moda,
em todas as categorias, produtos que se identificam com a sua camada
social, formando a partir daí representações e símbolos próprios. O que
importa é o jogo de imagens criado por um grande complexo de
comunicação, informação e propagação, voltado para o comprador com
ofertas de bens e produtos.4”
Este complexo de comunicação, informação e propagação são, na verdade, as
estratégias de marketing competitivo das empresas contemporâneas, que alimentam
uma demanda cuja maior característica é a base no desejo de consumir, não na
necessidade de consumir. Atualmente, mesmo os bens mais básicos passaram a possuir
componentes não essenciais, que servem unicamente para torná-los mais desejáveis do
que outros similares, não por superioridade qualitativa, mas por atração estética. O
consumo atual é dominado por esta mentalidade, fruto do marketing acima referido e
da influência social sobre o consumo, onde mesmo bens essenciais são consumidos
seguindo os padrões da moda e imperativos essencialmente emocionais, não racionais.
Com a aceleração da evolução tecnológica, novas versões de produtos
tradicionais e bens inteiramente novos são lançados diariamente, inundando o mercado
com novos artigos e tornando produtos antigos ultrapassados numa velocidade cada
vez maior. Esta oferta ampliada, casada com a demanda social por novidades e
inovação, independente da necessidade real do indivíduo, torna determinados produtos
praticamente descartáveis. Artigos de vestuário perdem a utilidade de uma estação do
ano para outra, aparelhos celulares semi-novos em perfeito estado são substituídos por
outros com mais funções, computadores se tornam totalmente obsoletos em poucos
anos.
4 BRAICK, Patrícia Ramos et MOTA, Myriam Becho. História das Cavernas ao Terceiro Milênio. São Paulo: Moderna. 1998, pág. 627.
Os produtores e fornecedores, satisfeitos com o lucrativo dinamismo
econômico atual, estimulam, como exposto anteriormente, o consumo de novos bens.
A redução no tempo médio de uso dos bens observada atualmente apresenta-se como
um reflexo deste estímulo ao consumo. A preocupação excessiva com os aspectos
voluptuários dos produtos por parte dos fabricantes pode também contribuir para uma
redução de qualidade funcional.
Neste contexto, o consumidor que espera de seus bens uma durabilidade
compatível com expectativas mais elevadas encontra sérias dificuldades, especialmente
no tocante às peças de reposição. Com os produtos deixando de ser fabricados cada vez
mais cedo, torna-se difícil encontrar componentes originais disponíveis no mercado
para a realização de reparos, quando estes se mostram necessários em momento
posterior ao encerramento da fabricação e comercialização deste. Desta maneira,
mesmo os pequenos defeitos, que poderiam facilmente ser solucionados a fim de
restaurar a plena funcionalidade do produto podem torná-lo inadequado ao uso de
modo permanente, com prejuízo evidente para o consumidor. Cabe ao Estado,
atendendo ao comando constitucional do artigo 170, inciso V, defender o consumidor
contra este risco, acima do interesse econômico dos fornecedores.
3 – Lei, Doutrina, Jurisprudência e o Conceito de Vida Útil:
O Estado brasileiro, através da legislação ou da atividade jurisdicional, não
trouxe até o momento solução definitiva ao problema de como e por quanto tempo os
fornecedores devem manter no mercado a oferta de componentes e peças de reposição,
quando cessada a fabricação dos produtos a que estas se destinam.
O Código de Defesa do Consumidor em seu art.32 estabelece o seguinte:
Art. 32 - Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto.Parágrafo único: Cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei.
Vê-se claramente que o art. 32 é uma norma aberta que delega à outra lei a
tarefa de determinar qual seria o período de tempo razoável, para a oferta de peças de
reposição após o término da fabricação dos produtos. Respondendo a esta delegação, o
Decreto nº 2.181 de 20 de março de 1997, norma que veio regulamentar o Código de
Defesa do Consumidor, traz em seu art. 13, inciso XXI, no rol de práticas infrativas:
Art. 13 (...)XXI - deixar de assegurar a oferta de componentes e peças de reposição, enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto, e, caso cessadas, de manter a oferta de componentes e peças de reposição por período razoável de tempo, nunca inferior à vida útil do produto ou serviço.
Analisando tal dispositivo, percebe-se que a vida útil dos produtos passa a ser o
parâmetro legal para a definição do tempo de oferta dos componentes e peças de
reposição. Entretanto, a fórmula escolhida para o estabelecimento do tempo de oferta
de peças e componentes através desta vida útil é também inexata. Os fabricantes, que
poderiam informar mais precisamente qual seria a vida útil de seus produtos não o
fazem por falta de comando específico da lei neste sentido. Ideal seria que a lei
determinasse a obrigação de que os fabricantes informassem a vida útil de seus
produtos nos manuais fornecidos ao consumidor, pela importância patente desta
informação.
A doutrina, infelizmente, também não traça grandes considerações acerca do
tema. A maioria dos autores se exime deste debate, e os poucos que se ocupam dele
não se aprofundam no problema central da determinação precisa do tempo de oferta de
peças de reposição.
Antônio Herman de Vasconcellos e Bejamin, ao comentar o Art. 32 do Código
de Defesa do Consumidor, limita-se a afirmar o seguinte:
Mesmo após cessar a produção ou importação do produto, o fabricante, naquele caso, e o importador, neste outro, ainda devem cumprir o dever de assistência com peças e componentes. Só que tal obrigação não é ad eternum. De duas, uma: a lei ou regulamento fixa um prazo máximo, ou o juiz, na sua carência, estabelece o período razoável de exigibilidade do dever. Em todo caso, deve-se sempre levar em conta a vida útil do produto5.
5 BENJAMIM, Antônio Herman de Vasconcellos e in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. GRINOVER, Ada Pellegrini... (et al.). 8ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.p. 279.
Recai então, a responsabilidade, aos magistrados de determinar no caso
concreto, qual seria o prazo razoável. Tarefa difícil para este profissional com as
ferramentas que lhe são disponíveis, já que o mesmo não possui conhecimento técnico
sobre os produtos, e a nomeação de um perito para a solução desta questão levaria o
processo a um atraso desnecessário e dispendioso. Poderia o juiz solicitar do fabricante
que este informasse a vida útil do produto para fins de aplicação do artigo 13, inciso
XXI do Decreto 2.181/97, mas, no contexto do processo judicial, tal informação não
seria confiável.
Existe ainda, pouca jurisprudência sobre a temática a que poderiam os
magistrados recorrer para embasar suas decisões, e mesmo as poucas existentes pecam
pela ausência de critérios na fixação dos prazos razoáveis para a oferta de peças de
reposição.
Observa-se o Acórdão de recurso improvido no processo Nº 36454-1/1999, do
TJ-BA:
No presente caso, tratando-se de aparelho celular, levando-se em consideração a vida útil do bem, é certo que o fabricante obriga-se a colocação de peças de reposição, por pelo menos 5 (cinco) anos. Ao adquirir um bem de consumo durável, como no caso presente, não é justo que com apenas um ano de uso o mesmo apresente defeito e não se realize o conserto sob alegação de falta de peças6.
Há a fixação do tempo de oferta de peças de reposição, segundo o TJ-BA, em
um prazo de cinco anos após o término da fabricação do produto. Outras decisões que
estabelecem o mesmo tempo, como o recurso provido do processo Nº 16453-4/2003.
também do TJ-BA:
Acontece que a lei 8.078/90 não estabelece prazo firmado, apenas argumenta que este prazo será razoável. Assim, tal obrigação não é ad infinitum. Ou a lei ou regulamento fixa este prazo, ou ao Juiz caberá estipulá-lo, ante a sua ausência expressa.Entende esta magistrada ad quem ser razoável o prazo de 05(cinco anos), inclusive tendo como paradigma para estabelecê-lo o prazo prescricional da ação tendo como objeto a reparação de danos causados pelo fato do produto ou do serviço (art. 27 do CDC)7.
No Acórdão acima, observa-se que o critério de fixação do tempo de oferta de
peças de reposição foi estabelecido, aparentemente, sem observar as regras do artigo
6 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Acórdão do Processo nº 36454-1/1999. Relatora: Juíza Maria Geraldina Sá de Souza Galvão. Acórdão. Bahia. TJ-BA, 1999.
7 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Acórdão do Processo Nº 16453-4/2003. Relatora: Juíza Ilza Maria da Anunciação. Acórdão. Bahia. TJ-BA, 2003.
13, inciso XXI, ou seja, não se levou em conta a vida útil do bem. Mas há escusas para
que o critério da vida útil não seja utilizado adequadamente, visto que para o
magistrado é difícil determinar, sem a utilização de perícia técnica, qual seria esse
tempo. E mesmo esta perícia não é o meio mais adequado de determinação da vida útil.
(Thuane) O princípio da economia processual estabelece que o Estado-juiz deve
utilizar-se dos meios mais céleres e menos dispendiosos para chegar à solução da lide.
De acordo com este princípio, vê-se que a determinação da vida útil, para melhor
andamento do processo, deveria se dar por meios externos ao procedimento em
contraditório, como a informação da vida útil pelos fabricantes, nos manuais de
instruções de seus produtos, conforme previamente mencionado. Mas na ausência de
determinação legal ou administrativa - no âmbito do CNDC -, torna-se indispensável a
utilização de perícia para a determinação da vida útil do bem, sob risco de decidir
injustamente no caso concreto.
Estabelecer um limite mínimo fixo de cinco anos para a oferta de componentes
de reposição seria estabelecer legalmente que a vida útil de quaisquer produtos em caso
algum seria superior a cinco anos, erro grave e inadmissível. Além disso, há produtos
que possuem uma vida útil inferior a cinco anos e estabelecer esse limite mínimo
ocasionaria um ônus grave ao fornecedor. Há uma imensa gama de produtos de
diferentes marcas e modelos, possuindo cada qual um tempo de vida útil diversa.
Consequentemente observa-se a necessidade de componentes e peças de reposição
totalmente diversas por períodos variáveis.
A vida útil de um celular é totalmente diversa da vida útil de uma geladeira, por
exemplo. Grande parte dos celulares atuais possui vida útil média menor do que cinco
anos, enquanto que de qualquer geladeira se espera uma durabilidade muito maior que
este tempo. Fixar um prazo de cinco anos para a vida útil desses produtos ou mesmo
qualquer limite fixo superior ou inferior para todos os tipos de produtos, geraria
decisões judiciais e administrativas injustas, ora em prejuízo do consumidor, ora do
fornecedor. Basear a fixação da vida útil no tempo máximo para a pretensão de
reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, previsto no art.27
do CDC, seria materializar todos os problemas acima tratados. Vê-se, portanto, que tal
critério não deve ser utilizado.
(Lindsay) Existem ainda correntes doutrinárias que alegam ser o prazo de vida
útil igual ao prazo de garantia. Tal determinação seria inaceitavelmente prejudicial ao
consumidor. Produtos feitos para durar longo tempo poderiam tornar-se inúteis por
falta de peças de reposição em tempo absurdamente curto. Basta imaginar, a titulo de
exemplo, que um carro Volkswagen novo possui garantia contratual de três anos para o
motor, chassi e alguns outros componentes. Imagine-se então que, após três anos da
compra do veículo, se interrompesse a fabricação destas peças de reposição. Inutilizar-
se-ia um bem obviamente feito para ser utilizado por período muito superior de tempo,
sem que nenhuma providência legal pudesse ser tomada a respeito.
Para ilustrar as dificuldades encontradas quando o critério acima é aceito,
segue-se trecho de reportagem publicada no Jornal da Tarde de 16/11/028:
A contato de vendas Hidegarda Fogo de Souza Silva se sentiu prejudicada na compra do fogão Bosch modelo PK Plus, fabricado pela BSH Continental. Ele começou a apresentar problemas ainda na garantia contratual, concedida pelo fabricante. ‘O forno apagava sozinho, a tinta saía e as chapas laterais enferrujavam’, conta. Hidegarda diz que, enquanto durou a garantia, todos os problemas foram sanados pela Bosch. “Depois, o fogão voltou a enferrujar, mas a empresa recusa-se a repará-lo com a alegação de que já havia acabado a garantia”, protesta. ‘Ora, a durabilidade do fogão é um ano, exatamente o tempo da garantia?’ 9
A resposta para o questionamento da consumidora entrevistada é dada pela
própria fabricante, e é trazida na mesma reportagem, em momento posterior:
O diretor industrial da BSH Continental, Valter Santos, explica que a vida dos fogões produzidos pela empresa é de cerca de 15 anos. “É claro que a durabilidade depende da manutenção. Se ela não for adequada, tende a ter uma vida útil menor10.
Fica claro com esse exemplo que estabelecer uma semelhança entre os dois
prazos também é um equívoco, já que garantia e vida útil são coisas totalmente
diversas. O prazo de garantia é aquele, como o próprio nome sugere em que se espera
do produto funcionamento perfeito, sem apresentar vícios ou defeitos, sendo que no
caso eventual de ocorrência destes, obriga-se o fabricante a saná-los sem custos para o
consumidor, em se tratando de garantia legal, ou com vantagens variáveis, no caso da
garantia contratual.
Sobre a distinção entre os tipos de garantias, diz-se garantia legal aquela
definida pelos os arts. 24 e 26 do CDC, que definem para produtos ou serviços
duráveis um prazo de garantia de 90 dias e para produtos e serviços não-duráveis um 8 Disponível em: < www.google.com.br>Acesso em 18 mar.2007. 9 JORNAL DA TARDE, Disponível em: < http://www.defenda-se.inf.br> Acesso em 14 de mar. 2007.10 Idem.
prazo de 30 dias, essa de garantia obrigatória. Sobre a garantia contratual, o art.50 do
CDC confere ao fornecedor a faculdade de ofertar garantia contratual complementar.
A vida útil, por outro lado, relaciona-se à durabilidade, ou seja, ao tempo que se
espera que o produto seja capaz de funcionar, atendendo às necessidades do
consumidor. Poder-se-ia conceituar vida útil como sendo o período pelo qual o produto
deve manter sua funcionalidade, desde que utilizado segundo as indicações do
fabricante por um consumidor médio, mesmo considerando-se reparos ordinários e
comuns à manutenção da funcionalidade do produto.
Assim, o uso correto pelo consumidor, que lê e segue adequadamente as
instruções do manual (que deve conter informações corretas, claras, precisas,
ostensivas e em língua portuguesa sobre as características do produto, seu modo de
usar, entre outras, além dos riscos que aquele produto possa apresentar à saúde) é um
dos parâmetros para a determinação da vida útil. Outro parâmetro seria a intensidade
do uso, devendo o proprietário utilizar normalmente o produto, ou seja, nem o utilizar
em demasia, nem o utilizar raramente. Sabe-se que existem consumidores que em
função de diversos fatores utilizam demasiadamente o produto, como é o caso de um
secador utilizado em salão de beleza ou fogão utilizado em restaurante. Esses produtos
provavelmente terão vidas úteis menores que a média. Por outro lado, há consumidores
que raramente utilizam os produtos possuídos, reduzindo consideravelmente o desgaste
natural dos bens, e consequentemente ampliando a vida útil daquele bem específico.
Nenhum dos dois casos está contido no conceito de consumidor médio, sendo este o
que utiliza o bem de modo equilibrado, aquém de ambos os extremos.
Além disso, cabe diferenciar reparos ordinários de quaisquer outros tipos de
consertos. Entende-se como reparo ordinário aquele que restaura o bem a sua inteira
funcionalidade substituindo partes específicas da qual se espera certo desgaste. A troca
de pastilhas de freio ou velas de ignição de um carro, a troca da borracha de vedação
de um refrigerador e a substituição das pulseiras plásticas de um relógio são reparos
esperados, visto que certas partes do produto possuem durabilidade menor que o
restante deste. Tal reparo não pode alterar a estrutura do bem, apenas restaurá-lo à
condição de funcionamento do momento de fabricação. Entretanto, quando alterações
estruturais tornam-se necessárias devido ao desgaste, a vida útil estará encerrada.
Assim, se as placas metálicas de um refrigerador estão totalmente corroídas pela
ferrugem, e devem ser trocadas por chapas novas, ou ainda quando se deve trocar toda
a espuma de um estofado, pois a original ressecou e esfacelou-se com o uso, considera-
se a vida útil do bem encerrada. Note bem que a vida útil não está necessariamente
ligada ao período máximo de uso do bem. Certos produtos podem ser usados por
longuíssimo período de tempo, mas sem a funcionalidade original. A vida útil refere-se
ao período máximo de uso do bem sem que este perca suas características e
funcionalidades originais, mesmo que através dos reparos ordinários acima
conceituados.
Conceituada a vida útil, bem como os conceitos relacionados a esta, surge o
problema de determiná-la na realidade, a fim de aplicar com precisão o art. 13, inciso
XXI do Decreto N° 2.181/97.
É clara a desvantagem do consumidor em relação aos conhecimentos técnicos
necessários para fazer valer seus direitos, conhecimentos técnicos estes possuídos pelos
fabricantes. É clara, portanto, a hipossuficiência e vulnerabilidade deste ante o
fornecedor.
Rizzato Nunes, ao comentar sobre a inversão do ônus da prova previsto no
Código de Defesa do Consumidor, alega que a hipossuficiência tem sentido de
desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades,
de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, dos modos especiais de controle dos
aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do
vício,etc.11
Ressalta ainda o autor, ao comentar sobre a vulnerabilidade do consumidor,
princípio expresso no art. 4º, I, do CDC, que o reconhecimento dessa vulnerabilidade é
uma primeira medida de realização da isonomia garantida na Constituição Federal.
Significa este princípio que o consumidor é a parte fraca da relação jurídica de
consumo. Essa fraqueza é real, concreta e decorre de dois aspectos: um de ordem
técnica e outro de cunho econômico.
“O aspecto econômico está ligado aos meios de produção cujo conhecimento é monopólio do fornecedor. E quando se fala em meios de produção não se está apenas referindo aos aspectos técnicos e administrativos para a fabricação de produtos e prestação de serviços que o fornecedor detém, mas também ao elemento fundamental da decisão: é o fornecedor que escolhe o que, quando e de que maneira produzir, de sorte que o consumidor está à mercê daquilo que é produzido”.“É por isso que, quando se fala em ‘ escolha’ do consumidor, ela já nasce reduzida. O consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi oferecido no mercado. E essa oferta foi decidida unilateralmente pelo fornecedor,
11 NUNES, Luis Antônio Rizzato, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Direito Material (arts. 1º a 54), Saraiva: São Paulo,2000, p. 123.
visando seus interesses empresariais, que são, por evidente, a obtenção de lucro”.12
Assim, os fornecedores ao projetarem um produto, possuem conhecimento das
qualidades dos materiais utilizados, dos resultados do produto nos testes feitos durante
a elaboração deste, bem como de todo um histórico de defeitos e problemas com seus
produtos postos no mercado, fruto dos registros das assistências técnicas autorizadas.
Ou seja, os fabricantes certamente possuem os meios adequados para determinar, ou
estimar com grande precisão, a vida útil dos produtos que colocam no mercado.
O artigo 6º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor estabelece que o
consumidor possui direito à “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos
e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade e preço, bem como sobre os riscos que se apresentem”.
Segundo Rizzato Nunes, a própria Constituição Federal de 1988, no art. 5º,
XIV, assegura de forma geral o direito de se informar, mas prevê limites, como no
próprio inciso XIV e os incisos X e XXXIII do mesmo artigo.
Ainda segundo o autor, sabe-se que o exercício de um direito subjetivo
significa a possibilidade da exigência de alguém. Isto é, a prerrogativa de um
corresponde à obrigação de outro. Assim, quando a Constituição garante a todos o
acesso à informação, tem-se de entender que essa informação deve estar coma a
obrigação de alguém que terá que fornecê-la. Salienta ainda o autor que, quando o art.
5º, XIV, impõe um limite ao direito de se informar assegurando o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional, este limite não é estanque, sofre
cerceamento de garantias constitucionais primeiras, além de só ser válido quando
estritamente necessário ao exercício da profissão. Assim, não é qualquer informação
que pode ser limitada pelo sigilo profissional, mas apenas aquela sem a qual a
profissão não poderia ser exercida 13.
Sendo a vida útil dado essencial ligado tanto à determinação, por parte do fornecedor,
da qualidade do produto, quanto da especificação de suas características, consideramos
que a vida útil dos produtos deveria ser obrigatoriamente informada pelos fabricantes,
12NUNES, Luis Antônio Rizzato, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Direito Material (arts. 1º a 54), Saraiva: São Paulo,2000, p. 106. 13 NUNES, Luis Antônio Rizzato, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Direito Material (arts. 1º a 54), Saraiva: São Paulo,2000, p. 48 e 49.
preferencialmente nos manuais de instrução que acompanham todos os produtos, nos
termos do artigo 50, Parágrafo Único do Código de Defesa do Consumidor. Cabe ao
CNDC interpretar a norma neste sentido, em benefício do consumidor.
A obrigatoriedade de informação por parte dos fabricantes da vida útil de seus
produtos poderia ser, no contexto econômico competitivo atual, um estímulo pela
busca de maior durabilidade dos bens por parte dos fabricantes. Ofertar uma vida útil
superior seria um dos diferenciais dos fornecedores que mais se comprometessem com
a durabilidade de seus produtos. Porém, pelo caráter unilateral desta estipulação, os
órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização de práticas comerciais desleais
deveriam atentar-se sobre a possibilidade de formação de acordos entre fabricantes de
um mesmo tipo de produto no sentido de padronizar a vida útil de seus produtos em
um patamar aquém do real, com patente prejuízo para o consumidor.
4 – Conclusão:
Por tudo o que foi apresentado anteriormente, nota-se o grande problema que
em se definir o tempo de oferta de peças e componentes de reposição após o término
da fabricação de produtos. No entanto, a solução definitiva é possível, sem a
necessidade de alterações nos textos legais.
Os fornecedores, ao projetarem um produto, possuem conhecimento das
qualidades dos materiais utilizados, dos resultados do produto nos testes feitos durante
a elaboração deste, bem como de todo um histórico de defeitos e problemas com seus
produtos postos no mercado, fruto dos registros das assistências técnicas autorizadas.
Ou seja, os fabricantes certamente possuem os meios adequados para determinar a vida
útil dos produtos que colocam no mercado.
O artigo 6º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor estabelece que o
consumidor possui direito à “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos
e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade e preço, bem como sobre os riscos que se apresentem”. Sendo a vida útil, a
nosso ver, dado essencial ligado tanto à determinação, por parte do fornecedor, da
qualidade do produto, quanto da especificação de suas características, consideramos
que a vida útil dos produtos deveria ser obrigatoriamente informada pelos fabricantes,
preferencialmente nos manuais de instrução que acompanham todos os produtos, nos
termos do artigo 50, Parágrafo Único do Código de Defesa do Consumidor. Cabe ao
CNDC interpretar a norma neste sentido, em benefício do consumidor.
A obrigatoriedade de informação por parte dos fabricantes da vida útil de seus
produtos poderia ser, no contexto econômico competitivo atual, um estímulo pela
busca de maior durabilidade dos bens por parte dos fabricantes. Ofertar uma vida útil
superior seria um dos diferenciais dos fornecedores que mais se comprometessem com
a durabilidade de seus produtos. Porém, pelo caráter unilateral desta estipulação, os
órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização de práticas comerciais desleais
deveriam atentar-se sobre a possibilidade de formação de acordos entre fabricantes de
um mesmo tipo de produto no sentido de padronizar a vida útil de seus produtos em
um patamar aquém do real, com patente prejuízo para o consumidor.
Na atual conjuntura, devem os órgãos administrativos utilizar-se do art.55,
§4ºdo CDC para solicitar dos fabricantes, sob pena de desobediência, que informem a
vida útil do produto em questão. Esta informação não é segredo industrial, pois em
nada contribui para a exposição das técnicas de produção do fabricante. Portanto, é
legítimo que os órgãos administrativos de defesa do consumidor apliquem este
dispositivo legal como uma ferramenta para solução de questões relacionadas. O art.
33, §§1º e 2º do Decreto Nº 2.181/97 determinam que mesmo antes da instauração do
processo administrativo, pode o órgão público responsável solicitar esta qualidade de
informações, sob pena de desobediência, conforme previamente explicitado.
A forma escolhida pela lei para disciplinar o tempo de oferta de peças de
reposição após o término da fabricação do produto foi aberta, sujeita a diversas
interpretações contraditórias. Mas a própria lei confere aos órgãos públicos de defesa
do consumidor os instrumentos necessários para a solução desta questão
definitivamente. Tal solução depende da determinação expressa por parte dos órgãos
governamentais competentes da obrigatoriedade de informação da vida útil em todos
os manuais de instruções, eliminando assim uma série de inconvenientes práticos e
interpretações desfavoráveis. Enquanto tal entendimento não se torna universal, a saída
para os PROCON será a aplicação dos artigos 55 §4º do CDC e 33, §§1º e 2º do
Decreto Nº 2.181/97.
5 – Bibliografia:
“A Falta de Peças de Reposição pode Impedir que o Produto seja Consertado?”.
Disponível em:< http://www.defenda-se.inf.br.> Acesso em 14 mar. 2007.
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconsellos in Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. GRINOVER, Ada Pellegrini...
(et al.). 8ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Acórdão do Processo Nº 36454-
1/1999. Relatora: Juíza Maria Geraldina Sá de Souza Galvão. Acórdão. Bahia. TJ-BA,
1999.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Acórdão do Processo Nº 16453-
4/2003. Relatora: Juíza Ilza Maria da Anunciação. Acórdão. Bahia. TJ-BA, 2003.
BRASIL. Lei Nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Brasil, 1990.
BRASIL. Decreto-Lei Nº 2.181 de 20 de março de 1997. Brasil, 1997.
BRAICK, Patrícia Ramos et MOTA, Myriam Becho. História das Cavernas ao Terceiro Milênio. São Paulo: Moderna. 1998, pág. 627.
“Qual o Tempo de Vida Útil de um Bem Durável?”. Disponível em:<
http://www.defenda-se.inf.br> Acesso em 14 de mar. 2007.
RIBEIRO, Milton Gomes Baptista. Da obrigatoriedade de fabricação de peças de
reposição nas legislações consumeristas brasileira e portuguesa. Disponível em:<
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7021> Acesso em 14 mar. 2007.