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MARKETING: OPORTUNIDADES NA BAIXA RENDA
Oportunidadesna baixa renda
concentrao de renda no Brasil permanece como uma dasmais elevadas do mundo. A conseqncia a existncia deuma enorme massa de indivduos com baixo poder aquisi-
tivo. Entretanto, essa populao representa um grande mercado con-sumidor deixado s margens por nossas empresas. Este artigo, combase em pesquisa realizada no setor varejista, analisa as principais ca-ractersticas do consumidor de classe baixa e indica caminhos paraque as empresas se posicionem diante desse desafio.
A
por Juracy Parente e Edgard Barki FGV-EAESP (GVcev)
MARKETING
Mesmo se considerarmos que significativa parcela da po-
pulao mundial pertence classe de baixa renda, relati-
vamente pouco se tem pesquisado sobre esse segmento de
mercado. Em geral, as pesquisas e publicaes sobre estu-
dos de mercado e de comportamento do consumidor ten-
dem a focar nos segmentos de classes mdia e alta. Nessa
mesma direo, as polticas de marketing de grandes em-
presas costumam privilegiar a populao com melhor po-
der aquisitivo.
Enquanto isso, uma populao inteira de consumi-
dores potenciais relegada a segundo plano, isso quando
no completamente ignorada. Trata-se, entretanto, deIMAGE
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um segmento cada vez mais numeroso e influente, espe-
cialmente em pases como o Brasil. Referimo-nos ao mer-
cado de baixa renda, que at o momento tem sido consi-
derado um nicho ocupado por empresas secundrias, de
pouco prestgio.
O objetivo deste artigo estimular o debate, o inte-
resse e as pesquisas sobre o mercado de baixa renda no
Brasil. Neste contexto, ele abordar a viso das empresas
em relao a esse mercado, as caractersticas do compor-
tamento de compra desse segmento e alguns resultados
obtidos em pesquisa recente sobre esse tema no Brasil.
Base da pirmide. Qualquer que seja a metodologiaadotada, o Brasil est entre os pases mais desiguais do
mundo. Segundo o IBGE, em pesquisa realizada em 2003,
59% da populao brasileira tem renda familiar mensal
abaixo dos R$ 1.200,00, valor que equivale a uma renda
mdia diria inferior a 4 dlares por indivduo.
Entretanto, apesar do baixo rendimento, essa mesma
populao chega a absorver cerca de 20% do mercado de
bens de consumo do pas. Esse percentual ainda mais
expressivo dependendo do tipo de bem consumido. Por
exemplo, tal segmento responsvel por 47% do consu-
mo de gs de cozinha no pas, 33% dos alimentos e 30%
dos remdios e dos eletrodomsticos.
Em geral, as empresas no percebem o potencial des-
se mercado e, quando o fazem, no entendem adequada-
mente as necessidades desse segmento e as caractersticas
peculiares desse consumidor. No setor varejista, merecem
destaque os novos formatos de lojas desenvolvidos no pas.
Entretanto, apesar do mrito de tais esforos e do sucesso
de alguns desses novos formatos, o fato que muitas des-
sas novas propostas ainda no conseguem oferecer uma
proposta de valor compatvel com as expectativas desse
mercado. Vejamos alguns dos motivos disso a seguir.
Cultura de elite. Um grande obstculo para a identi-ficao das necessidades de consumo da populao de bai-
xa renda est dentro das prprias organizaes: trata-se
dos padres culturais que norteiam suas estratgias de
relacionamento com o mercado.
Empresas multinacionais, quase todas sediadas em
pases onde a renda mdia da populao muito maior
que a nossa, desenvolvem seus produtos e marcas globais
orientadas para os consumidores de seus pases de ori-
gem, com distinta formao sociocultural. A conseqn-
cia disso que a proposta das marcas globais se mostra
menos adequada para atender as necessidades e priorida-
des de grande parte dos consumidores dos pases emer-
gentes, como o Brasil.
A despeito de notrias excees, a postu-
ra das empresas nacionais no muito dife-
rente das multinacionais, e o fator cultural
um dos principais responsveis. Grande par-
te de nossos empresrios e dirigentes perten-
ce classe alta, manifestando em seus negci-
os um vis da cultura caracterizado por fortes
preconceitos sociais.
Adicionalmente, nossa formao histri-
ca, aliada intensa disparidade de renda no
pas, ajuda a alimentar uma espcie de com-
plexo de aristocracia, que leva nossos executivos a con-
centrarem seus interesses em produtos e servios direcio-
nados classe alta. O pressuposto, talvez at inconscien-
te, o de que haveria uma perda de identidade e status
caso eles viessem a atender as classes mais baixas.
Identidade prpria. O primeiro passo para venceressa barreira, imposta pela cultura dominante nas organi-
zaes, identificar as caractersticas prprias do com-
portamento do consumidor de baixa renda. Em outras
palavras, preciso reconhecer a identidade prpria desse
pblico para ento desenvolver produtos e servios com
uma proposta de valor apropriada. Com base em resulta-
A formao histrica do Brasil, aliada
disparidade de renda no pas, leva
os executivos a concentrarem seus
interesses em produtos e servios
direcionados s classes mdia e alta.
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dos de pesquisas divulgados por Haroldo Torres, da Data
Popular, e por Fernando Fernandes, da Booz Allen &
Hamilton, apresentamos, a seguir, algumas caractersti-
cas desse segmento:
O consumidor de baixa renda possui valores e com-
portamento mais conservadores do que os do consumi-
dor das classes mdia e alta. Ele (ou ela) fiel s marcas e
raramente se arrisca a mudar de produto, dado que seu
oramento restrito e incompatvel com experincias as-
sociadas a novos produtos.
Esse segmento da populao gosta de fartura, o que se
reflete na preferncia por lojas com espao amplo, com pro-
dutos vista e com grande volume e quantidade de itens.
Simbolicamente, isso est associado percepo de um es-
tabelecimento comercial generoso e com preos baixos.
Esse pblico possui uma baixa auto-estima, um senti-
mento de inferioridade relacionado sua renda. Por essa
razo, so sensveis imagem de cidados de segunda
classe, situao agravada pelo preconceito de que so
muitas vezes vtimas. Em compensao, essa uma popu-
lao que exibe uma grande preocupao em manter sua
dignidade e em no ser considerada desonesta. Nesse senti-
do, o consumidor de baixa renda reage muito mal s pr-
ticas rotineiras de segurana adotadas pelo
comrcio, como funcionrios muito prximos,
bolsas lacradas, exigncia de comprovante de
renda e de residncia.
A preferncia por lojas prximas de sua re-
sidncia outra caracterstica fundamental
desse consumidor. No caso do varejo alimen-
tar, por exemplo, esse um critrio funda-
mental de escolha. Por essa razo, o pequeno
varejo ainda capaz de se diferenciar e trazer
uma proposta de valor mais atraente , pois
est mais prximo e porque seu sortimento
mais adequado, tanto na seleo das marcas
como tambm no tamanho das embalagens e
no preo praticado.
A flexibilidade de crdito um fator funda-
mental que atrai tambm muitos consumido-
res de baixa renda, que, por no participarem
do mercado formal de trabalho, no tm regu-
laridade de ganhos. O intenso relacionamento
entre o pequeno varejo e o cliente possibilita um crdito
mais flexvel e ajustado a essas flutuaes de rendimento.
Uma outra caracterstica desse consumidor a dinmi-
ca entre exclusivo e inclusivo que marca seu relaciona-
mento com os produtos. Enquanto a classe alta aspira a
produtos feitos sob medida e que ofeream uma imagem
de exclusividade, a aspirao do consumidor de classe
baixa relaciona-se incluso social. Assim, ele buscar
produtos que despertem um sentimento de pertencimen-
to. O consumo, nesse caso, uma forma de faz-lo se sen-
tir parte da sociedade. por essa razo que ele valoriza
muito mais o relacionamento face a face e atitudes que
sinalizem respeito e considerao.
Pesquisa de campo. Uma pesquisa realizada pelo Cen-tro de Excelncia e Varejo (GV-cev) da FGV-EAESP procu-
rou investigar a imagem e o comportamento do consumi-
dor em relao a trs varejistas de alimentos (ver Qua-
dro), trazendo resultados interessantes e contra-intuitivos
que ajudam a esclarecer o modo como se comporta o con-
sumidor de baixa renda.
O modelo de supermercado de desconto adotado
pela Loja A, por exemplo, de aspecto despojado e sim-
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Para atender adequadamente os segmentos
de baixa renda, preciso romper com as
perspectivas usuais e rever as abordagens
e prticas de marketing.
ples, em vez de proporcionar uma viso de baixo preo e
de maior valor, levou o consumidor a se sentir pouco va-
lorizado e at mesmo humilhado. Esse consumidor sim-
plesmente no entende que uma empresa varejista tenha
diferentes formatos para diferente segmentos e no per-
doa se a empresa escolher um formato mais despojado
(e, portanto, inferior) para sua regio.
A tcnica projetiva aplicada sugere que, apesar de os
entrevistados perceberem, racionalmente, que a Loja A
maior e possui uma grande variedade de produtos, do
ponto de vista emocional ou simblico essa percepo
prejudicada por emoes pouco favorveis. Podemos re-
presentar o modo como tais consumidores percebem sim-
bolicamente essa loja usando a metfora do empresrio
srio, que tem o corao gelado, estrangeiro, tem po-
der, no se mistura e s quer obter vantagens.
J a Loja C, que possua os menores preos, uma peque-
na variedade de produtos, instalaes despojadas e um aten-
dimento descuidado, foi capaz de gerar uma imagem negati-
va entre os consumidores. As tcnicas projetivas permitiram
revelar com mais acuidade os sentimentos dos clientes dessa
loja, que a personalizam como sendo um adolescente
desleixado, caracterizado como algum mal arrumado, que
no toma banho e deixa as roupas jogadas pela casa, dando a
impresso de que pouco se importa com as coisas.
O que mais chamou nossa ateno foi que a Loja B,
apesar de praticar preos 7% a 8% mais altos que seus con-
correntes, apresenta, na percepo dos consumidores, uma
proposta de valor mais adequada, sendo at mesmo perce-
bida como a loja com os melhores preos da regio. Dife-
rentemente das outras duas lojas, que foram especificamente
planejadas para atender a classe de baixa renda, a Loja B
teve origem no bairro e foi crescendo gradualmente, ajus-
tando-se de forma orgnica s demandas da regio.
Os clientes avaliam positivamente a variedade e a
qualidade de produtos, alm do bom atendimento que
a loja oferece, destacando como positiva a presena de
funcionrios atenciosos na rea de venda e operadores
de caixas gentis, aspectos que reforam o sentimento
de bem-estar e valorizam a experincia de compra dos
consumidores. Quanto ao resultado da tcnica projeti-
va neste caso, observa-se que a boa
imagem da Loja B fortemente in-
fluenciada por emoes positivas
que simbolicamente retratam essa
loja como uma boa sogra, ou seja,
que tem tudo, sabe de tudo, tem
corao de me, amorosa, gil,
econmica, experiente, uma pessoa
simples, do povo.
Na verdade, a Loja B apresenta uma ambientao mui-
to agradvel, fruto de um esmerado trabalho de visual
merchandising que insinua fartura de produtos, preos
baixos, ofertas e promoo, organizao e limpeza. A
pesquisa revela que o visual merchandising, apesar de
no ter sido explicitado pelos consumidores, exerce uma
grande influncia na formao da resposta emocional
dos clientes em relao loja.
Oportunidades. Esses resultados de pesquisa sugeremque a compreenso das necessidades e desejos dos consu-
midores no um processo trivial, mas exige tcnicas qua-
litativas mais sofisticadas que consigam desvendar os sen-
timentos e as motivaes mais profundas dos consumido-
res de baixa renda. O entendimento das necessidades dos
clientes, aliado a um formato organizacional focado na
manuteno de um bom clima de atendimento e de en-
volvimento na situao de venda, dever favorecer o es-
treitamento do relacionamento com esses consumidores e
o conseqente incremento do volume de negcios. Mos-
tra, ainda, que h uma lacuna a ser ocupada nesse merca-
do e que o primeiro passo nessa direo consiste em uma
reviso de velhos preconceitos e imagens distorcidas so-
bre as caractersticas de tal pblico.
As empresas no devem usar as mesmas estratgias
de lanamento e de distribuio de produtos que usam
quando tm a classe mdia-alta como referncia. Entre-
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tanto, devem tambm reconhecer que o segmento de bai-
xa renda possui um elevado nvel de exigncia e expecta-
tivas, e que sua percepo de valor engloba uma extensa
gama de atributos que no se restringe ao baixo preo.
Para alcanar sucesso nesses segmentos, as empresas de-
vero desenvolver estratgias de mercado que reconhe-
am as necessidades aspiracionais desses consumidores,
despertando neles o sentimento de estarem sendo inclu-
dos em estratos sociais mais elevados.
A Loja B conseguiu integrar com competncia as di-
versas variveis do composto varejista, reforando a auto-
estima do consumidor, facilitando e valorizando a sua ex-
perincia de compra. Fazer com que o consumidor se sin-
ta respeitado torna-se um requisito fundamental de su-
cesso nesse segmento. Por ser o elo com o consumidor, o
varejo encontra-se em posio privilegiada para buscar en-
tender todas as idiossincrasias de seu mercado e conse-
guir criar um sentimento de identidade comum, desen-
volvendo assim uma relao ganha-ganha. J os consumi-
dores tero acesso a novos produtos, sentir-se-o mais res-
peitados e tero reforada sua auto-estima com maior sen-
sao de pertencimento e incluso social.
Juracy ParenteProf. do Departamento de Marketing da FGV-EAESP e coordena-dor do GVcev Centro de Excelncia e VarejoE-mail: [email protected]
Edgard BarkiMestrando em Administrao na FGV-EAESP e pesquisador doGVcev Centro de Excelncia e VarejoE-mail: [email protected]
Raio X da pesquisaEsta pesquisa, patrocinada pelo Ncleo de Produo e Pesquisa da FGV-EAESP, foi realizada em um dos bairros mais pobres dacidade de So Paulo. Escolheu-se uma regio onde, em um raio de 500 metros, esto localizados trs diferentes modelos desupermercados, incluindo dois novos formatos de lojas desenvolvidos para a classe de baixa renda. A metodologia de coleta dedados baseou-se em entrevistas em profundidade e discusses em grupo com consumidoras desses estabelecimentos, classifica-das com rendas mensais entre R$ 600,00 e R$ 1.200,00. Para captao de contedos no-verbais, ou seja, para acessar ncleosmais profundos da personalidade desses indivduos, foram empregadas tcnicas convencionais de projeo psicolgica. Por fim,foram tambm realizadas pesquisas comparando os preos das trs lojas analisadas e observaes in loco pelos pesquisadores,bem como por consultores especialistas em varejo e em visual merchandising. A tabela a seguir mostra as principais caracters-ticas das lojas aqui investigadas, omitindo-se seus nomes reais.
Portendice de Nvel de PreoVariedade de ProdutosPadro das Instalaes e Equipamento das LojasQualidade do Visual MerchandisingNvel de Servios
Formato de Loja
Movimento de ClientesTempo de OperaoOrigem do Capital
CARACTERSTICASGrande
100Grande
DespojadoMdiaMdio
Supermercadode desconto
Mdio3 anos
Estrangeiro
LOJA AMdio107
MdiaMdiotimaAlto
Supermercadoconvencional
AltoMais de 20 anos
Local
LOJA BPequeno
99Pequena
DespojadoMuito Fraca
Baixo
Supermercadode desconto
Baixo3 anos
Estrangeiro
LOJA C
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