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Page 1: Artigo equina 17 mai jun-2008

A crise dos Estados Unidos(subprime) e o

agronegócio do Brasil.

Roberto Arruda deSouza Lima

Engenheiro agrônomo,Doutor em

Economia Aplicada,Prof. da ESALQ/USP,

Pesquisador do [email protected]

Desde a segunda metade do ano passado, amídia tem noticiado sobre uma crise iniciada nomercado imobiliário americano. As conseqüênci-as dessa crise têm repercutido, em diferentes in-tensidades, nas diversas partes do mundo. Umadas questões, ainda em aberto, é referente aosimpactos da crise no agronegócio brasileiro. Nes-te artigo, será apresentada uma breve discussãodas origens e estágio atual da crise, e, na seqüên-cia, os potenciais impactos no agronegócio brasi-leiro.

Para melhor compreensão da atual crise, pode-se recordar a crise enfrentada pela agricultura nor-te-americana no final do século passado. Comoserá analisado a seguir, em ambos os casos o cres-cimento da dívida foi estimulado por ganhos decapital (valorização) dos ativos. A crise surge dofato dos ganhos de capital não serem sustentadose de um relaxamento de políticas de crédito quan-do tudo, ao menos aparentemente, anda bem.

Vejamos a história. Durante a década de 1970

Nota: Dados normalizadosFonte: Stein (2008)

Figura 1: A crise daagricultura nos EUAnos anos 1980.

houve forte crescimento da agricultura. As ex-portações elevaram-se de forma rápida, assimcomo a renda dos agricultores. Isso fez com quehouvesse valorização dos ativos (terra, máquinas,equipamentos, entre outros) utilizados na produ-ção agropecuária. Na época o crédito era farto ebarato. Com seus ativos (e patrimônio) valoriza-dos, os agricultores apresentavam sólidas garan-tias para obterem financiamentos. As constantesvalorizações da terra e demais fatores de produ-ção, devido ao momento favorável em que a agri-cultura atravessava, permitiram que os produto-res rurais levantassem cada vez mais recursosjunto aos bancos. Entretanto, no ano de 1979ocorreu significativa mudança nesse cenário. Pre-ocupado com o controle da inflação, o FederalReserve (banco central dos EUA) elevou drasti-camente as taxas de juro naquele ano, o que pro-vocou valorização cambial. O resultado foi a re-dução nas exportações de produtos agrícolas, fatoagravado com a crise da dívida que ocorria nospaíses em desenvolvimento (o que reduziu aindamais a demanda mundial). Verificou-se, no perío-do de 1981 a 1986, redução em 40% nas expor-tações agrícolas dos EUA, em um momento emque a capacidade de produção havia se elevado,conforme discutido anteriormente. A conseqüên-cia foi formação de grandes excedentes de com-modities agrícolas no início dos anos 1980, pro-vocando queda nos preços e forte desvaloriza-ção dos ativos e patrimônio dos agricultores. Emfunção desses acontecimentos, a inadimplênciaelevou-se fortemente (Figura 1).

Vejamos a crise atual. O setor imobiliário nor-te americano, como ocorre em todos os países,sempre mereceu atenção especial, tanto por ge-rar muitos empregos e renda, quanto pela impor-tância social de ofertar moradia para a popula-ção. Nos anos da 1980, em resposta às criseseconômicas da época, o setor imobiliário recebeugrandes incentivos, através de reformas tributá-rias (Tax Reform Act), alterações na forma das

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instituições financiarem esse mercado e por ino-vações financeiras (destacando-se o surgimentoe crescimento de operações securitizadas). Es-sas alterações implicaram em crescimento dademanda por imóveis e os preços, nesse merca-do, passaram a apresentar firme crescimento. Nomesmo momento, havia muita liquidez no merca-do financeiro, ou seja, disponibilidade de emprés-timos e financiamentos com baixas taxas de ju-ros. Iniciou-se, então, um perigoso ciclo virtuoso(Figura 2).

O crescimento no apetite dos bancos em rea-lizar financiamento com base em garantias, queestavam continuamente se valorizando, provocou,entre outros, dois eventos que elevaram o riscodas operações. Primeiro, na busca de mais clien-tes, os bancos relaxaram os critérios de seleção(afinal, o que contava era a garantia, o imóvel fi-nanciado...). Cresceu, assim, o número dos cha-mados empréstimos NINJA, para pessoas semrenda, sem trabalho fixo e sem bens (do inglês,No Income, No Job or Asssets). O segundo fatofoi que muitos devedores enxergaram a oportuni-dade de se endividarem ainda mais. Como o imó-vel (garantia) se valorizava, o mesmo bem pode-ria garantir montantes crescentes de empréstimos.Muitos refinanciaram suas hipotecas, liquidandoa dívida anterior e levantando recursos adicio-nais (para consumo) com a mesma garantia dahipoteca original. Cresceu, assim, a quantidadede empréstimos denominados subprime, ou seja,avaliados como de risco maior de entrar eminadimplência. Muitos destes financiamentos pre-viam uma carência longa e, em diversos casos,com juros repactuados. A elevação das taxas dejuros, já neste século, implicou em dificuldades paraos devedores e reduziu a demanda por imóveis.O ciclo (visto na Figura 2) se inverteu. Os preçosdos imóveis começaram a baixar, os bancos aoverificarem o aumento da inadimplência e a per-da de valor da garantia, reduziram o crédito, oque reduzia ainda mais a demanda por imóveis,retomando o ciclo, agora, vicioso. Este processoavançou ao ponto que muitos imóveis, desvalori-zados, passaram a valer menos que a dívida quegarantiam. O resultado: desincentivo para os de-vedores quitarem suas dívidas, pois ficou maisbarato entregar o imóvel do que continuar pagan-do o empréstimo. Rapidamente, os credores dosempréstimos imobiliários começaram a apurarprejuízos significativos. As operações de engenha-ria financeira e a globalização aceleraram o con-

Figura 2:Crescimento do

financiamentoimobiliário

tágio entre os participantes do mercado, institui-ções financeiras e fundos de investimento.

Assustados e abalados com as perdas, os in-vestidores trocaram suas aplicações em bancos efundos por aplicações em commodities. Isto con-tribui para elevação dos preços do petróleo, me-tais e alimentos (que já estavam pressionadospelas políticas de biocombustíveis). Note que oaumento dos preços das commodities pressionama inflação em todos países. A ameaça de eleva-ção de inflação, no Brasil ou em qualquer lugardo mundo, resulta em políticas econômicas con-tracionistas (para redução da demanda, comoaumento das taxas de juros e redução de gastos).

E o agronegócio brasileiro, onde entra nessahistória? Em várias partes. Primeiro, o ponto po-sitivo: como somos exportadores de commodities,a alta dos preços é favorável ao setor. Mas ospontos negativos são mais sérios. A preocupaçãocom a inflação e as políticas para combatê-la im-plicam em menor procura pelos produtos expor-tados pelo Brasil. A redução de crédito (os inves-tidores estão cobrindo as perdas devido à criseamericana e estão mais sensíveis aos riscos) im-plica em maior dificuldade de financiamento parao agronegócio (menor quantidade de crédito e maiscaro). No médio e longo prazo, há necessidadede rever como será financiado o agronegócio.Ressalte-se que os novos instrumentos de finan-ciamento, recentemente introduzidos na agrope-cuária, como o Certificado de Recebíveis, estãofundamentados no mercado de operações finan-ceiras estruturadas, como a securitização, alvosde questionamentos, análises e reformulação emnível mundial. O momento é de cautela, sem mui-to otimismo quanto aos desdobramentos da crisedo subprime norte americano.


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