AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR Medos e desafios
Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes
Ricardo Marinho dos Santos
RESUMO: Neste artigo procura-se compreender o fenômeno da avaliação da aprendizagem
escolar, seja no sentido sociológico e político educacional, seja no sentido pedagógico, na busca de
possibilidades de ações para uma prática docente que passe do terreno das idéias à efetiva
concretização de movimentos que nos levem a avanços, neste desafio em que se constitui a
avaliação escolar. A partir de uma abordagem crítica pretende-se a enunciação de alternativas e o
levantamento de questões que permitam uma melhor apreciação do entendimento dessa temática
objeto de tantas discussões nas diversas unidades escolares do país e fora dele.
EVALUATION OF THE SCHOOL LEARNINGFears and challenges
ABSTRACT: This article tries to understand the phenomenon of the evaluation of the school
learning, either in the educational sociological and political sense, or in the pedagogic sense, in the
search of possibilities of actions for an educational practice that pass from the land of the ideas to
the effective materialization of movements that being us to progresses, in this challenge that the
school evaluation is constituted. Starting from a critical approach it is intended the enunciation of
alternatives and the rising of subjects that allow a better appreciation of the understanding of that
thematic object of so many discussions in the several units school of the country and out of him.
Introdução
A avaliação escolar vem sendo estudada por diferentes enfoques. Objeto de pesquisas
freqüentes, vários autores têm contribuído com proposições e posicionamentos inerentes a enfoques
de tratamentos tecnológicos, sociológicos, políticos, filosóficos e educacionais. Sendo uma prática
inerente ao exercício profissional, todo professor convive com o tema da avaliação da aprendizagem
desde a conclusão da graduação. Com o desenvolvimento da prática educacional, cada professor
tende a buscar uma formulação epistemológica sobre avaliação cuja conceituação obedece a
inúmeros fatores, entre eles, segundo minhas observações e conclusões no decorrer de 22 (vinte e
dois) anos de magistério:
Sua formação pedagógica fundada nas experiências adquiridas dos professores da
graduação;
Orientação recebida da instituição escolar que trabalha fundamentada no projeto escolar
da mesma;
Aquisição de conceitos pautados na qualificação profissional ( através de cursos e
seminários);
Por aquisição de conhecimentos pela eletiva leitura de autores que julga merecerem sua
atenção.
Os dois últimos fatores, infelizmente, se constituem em realidades mais distantes do
contexto dos professores que mal conseguem o suficiente para suas necessidades básicas, quanto
mais para aquisição de livros e, pior das conclusões, sem objetivo imediato ou imposição
profissional, tomarem aquisição de conhecimentos voluntário.
A maturação dos pressupostos conceituais revela inúmeras dúvidas que geram medos que
tornam a definição da avaliação de aprendizagem um ponto crítico na prática diária dos professores.
Como entendemos que a avaliação de aprendizagem não se dá em separado do projeto pedagógico
da escola, mas ao contrário o legitima e retrata, pensamos que muitos desacertos na escola
acontecem devido a esta indefinição para qual atividade serve a avaliação e qual a conotação que a
mesma se presta e /ou subsidia. O aprofundamento da compreensão da avaliação nos revela de
imediato, uma face autoritária que não só explica como justifica atitudes verificadas em professores
dos mais diversos níveis de escolarização. Em Equívocos teóricos na prática educacional (Luckesi,
1984) há uma série de textos, entre eles o intitulado ”Avaliação: otimização além do autoritarismo”,
que retrata os diversos equívocos teóricos exercidos nas práticas educativas. Explicitando-nos a
abordagem sob a visão do autoritarismo que permeia a prática avaliativa, situa a avaliação na
manifestação de práticas autoritárias na relação pedagógica, revelando a estreita relação de ligação
com o modelo autoritário traduzido pela sociedade.
Avaliação escolar: uma prática que privilegia a mensuração
Ao se colher a opinião de professores e alunos sobre o que representa a avaliação na prática
escolar, inevitavelmente encontraremos uma grande parcela de entrevistados que elegerão a figura
da prova, do exame escolar como instrumento presente na prática escolar intensamente valorizado,
quando não único. Principalmente se entre os consultados tivermos alunos e professores que atuam
na prática docente do Ensino Médio onde o temido vestibular direciona a prática educativa a um
caráter reducionista de resolução de questões conforme um modelo rígido, fechado que
possibilitaria ou não a inclusão desses eleitos no Ensino Superior passando pelo crivo do
treinamento, do exercício de resolver provas. Esses treinamentos exercidos principalmente nos
cursinhos preparatórios polarizam nossa atenção para a conseqüente compreensão de que esta
entrada para o ensino superior se constitui em mais um fator de exclusão social.
Presos à inevitável seleção que a prova determina, os atores principais desse processo de
seleção têm, cada qual sua visão, segundo Luckesi ( 2002, p.18), a saber:
Os alunos se esmeram em poder repetir o modelo criteriosamente explanado pelo professor,
sob pena de não alcançar a condição quase que divinal que é a aprovação no vestibular. A prova, o
exame, a meta a ser perseguida está bem delineada e aceita socialmente. Estar fora das expectativas
ou sem êxito na repetição e resolução de exercícios o situa fora da escala socialmente adequada. A
ênfase está na prova, no exame.
Os professores se apropriam da avaliação como detentores deste poder – só eles a detêm –e
fazem deste expediente sua bandeira, seu troféu. Esta bandeira pode ser utilizada como elemento
motivador dos estudantes, ou como ameaça. A avaliação segundo este enfoque representa o
procedimento de promoção social ou de coação ao estudante que se torna socialmente premiado ou
inadequado, expurgado. A prova, o exame escolar é maior e mais poderoso instrumento que sua
prática escolar pode facultar
Os pais têm suas atenções direcionadas aos exames. Nota boa no exame, para os pais
encerram qualquer discussão à respeito do aprendizado, da conduta social, do destino do aluno. Não
se importando muitas vezes ao que fora efetivamente ensinado, ou se por ventura fora ensinado, a
nota, o exame virá redimir o estudante de qualquer pergunta ou satisfação. Nota boa significa para
os pais aprendizado e aquisição de conhecimentos intelectuais, técnicos, morais e sociais. A nota é a
grande “vedete” das relações pais – escola. Mais uma vez a prova, o exame escolar está em
evidência e valorizado.
Os sistemas de ensino igualmente valorizam as notas e consequentemente as provas uma vez
que necessitam de legitimação de suas ações por intermédio de gráficos e relatórios que acentuam e
mesmo glorificam o percentual de aprovação segundo modelos internacionais.
Conclusão: O que delimita as relações e serve como único parâmetro é a nota. As médias
manipuladas pelos sistemas de ensino, o boletim escolar, a promoção de série, a capacidade de
aprovar ou reprovar são as característica inerentes aos atores do processo ensino/aprendizagem,
respectivamente sistemas de ensino, pais, alunos e professores. Não importa se o aluno aprendeu ou
o que aprendeu. Muito menos por quais caminhos trilhou para obter a nota.
Os professores ameaçam, os pais cobram, os sistemas de ensino legitimam e os alunos se
enquadram no que se convencionou chamar avaliação de ensino.
As escolas estão preocupadas com os resultados. Principalmente dos resultados das provas
finais pois a escola também passa pelo processo avaliativo da sociedade a qual presta serviço.
Afinal a escola que consegue promover seus alunos, que apresenta gráficos que demonstram
relativos percentuais de promoção, pode se vangloriar de, na média, estar exercendo um bom
trabalho. Sobre os dados estatísticos Luckesi cita:
“As curvas estatísticas são suficientes, pois demonstram o quadro global dos alunos no que se refere ao seu processo de promoção ou não nas séries de escolaridade. A aparência nos quadros estatísticos, por vezes esconde mais do que a nossa imaginação é capaz de atentar. Mas essa aparência satisfaz, se for compatível com a expectativa que se tem. A dinâmica dos processos educativos permanece obnubilada, porém emergem dados estatísticos formais. Sua leitura pode ser crítica ou ingênua, dependendo das categorias com que forem lidos.( Luckesi, 2002)
Avaliação escolar: uma prática unilateral
No âmbito escolar temos a visão do professor que se utiliza das provas para testar a
capacidade dos alunos em reproduzirem o que fora ensinado. O aluno que reproduz bem o que fora
falado é promovido ao status de bom aluno, preferido, inteligente, dileto. Os que não reproduzem
fielmente, além de serem reprovados acadêmica e socialmente ainda passam pela cândida “tortura”
de serem lembrados, em todas as aulas, da proximidade da próxima prova. O professor lança mão
da prova como disciplinamento social dos alunos. Para tanto se utiliza de conteúdos com nível de
complexidade maior do que fora trabalhado em sala de aula. Prepara exames com linguagem
incompreensível para os alunos, com questões difíceis que, via de regra, servem de instrumento de
tortura prévia para os alunos ao serem anunciadas com protocolar antecedência: ” Elaborei questões
difíceis para esta prova” diz o professor, segundo podemos constatar em nossa prática diária.
Não se constitui em tarefa difícil encontrar o professor que se presta ao papel de aliciamento
dos ditos alunos fracos ao oferecer pontos adicionais em tarefas extra aprendizagem. “O aluno que
trouxer o uniforme completo e todos os cadernos na próxima semana ganhará ponto extra”. No que
incorre o acréscimo de conhecimentos do aluno que “carrega” todos os materiais em sua mochila?
Encontramos, talvez, explicação para estas atitudes na repetição de procedimentos das
pedagogias inseridas no século XVI, a pedagogia jesuítica, da pedagogia adquirida de antigos
modelos europeus, tal como a pedagogia comeniana e até dos reflexos da sociedade burguesa.
A pedagogia jesuítica (Mesnard, 1978) com suas normas para a orientação de alunos e
professores em seus estudos escolásticos, enfatizavam o ritual dos exames e da promoção chegando
a promover grandes festas de formatura que até hoje influenciam nossos formandos para igual
atitude. Mesmo considerando que a escola jesuítica se prestava à construção da hegemonia católica,
a mesma propunha procedimentos que visavam atingir um ensino eficiente. Com suas bancas de
exames e com a publicação de resultados, valorizavam a prova acentuando a necessidade de
enquadramento do estudante na necessidade de promoção, de culto à figura do exame como
principal peça da escola que se iniciava no Brasil.
A pedagogia comeniana (Comênio,1957; apud Piobetta, pp. 117-133, 1978)** inseri na
bibliografia Comênio que havia esquecido** preconizava a difusão do medo como “... excelente
meio para manter os alunos atentos às atividades escolares. Então eles aprenderão com muita
facilidade, sem fadiga e com economia de tempo.” Muito mais que o medo, Comênio insistia que a
educação não poderia prescindir dos exames como meio de estimular a atividade intelectual dos
estudantes. Por intermédio dos exames e do medo do fracasso o aluno evoluiria mental e
intelectualmente.
Nossa sociedade, de características burguesas, cristalizadas por séculos de repetições da
pedagogia tradicional, desde Tomé de Souza, nosso Primeiro Governador Geral, traduz as técnicas e
abordagens autoritárias que vêm se perpetuando em nossa sociedade aumentando a seletividade
escolar e seus processos de exclusão inerentes (Demo, 1975).
Avaliação escolar: quais suas influências em seu atual contexto?
Como a centralidade das ações da avaliação escolar está pautada na nota, no exame,
podemos admitir que a mesma não cumpre seu principal papel que é auxiliar a construção da
aprendizagem. Da forma como é exercida, secundariza o papel do ensino e da aprendizagem como
atividades que devem ter um significado, uma ação e uma intenção. Ao contrário superestima o
exame e perde a função de subsidiar a decisão de qualificar e não quantificar a aprendizagem.
De outra ótica temos que , da maneira como é exercida, a avaliação tem sido útil ao processo
de submissão das personalidades envolvidas tornando-as incapazes de estabelecer um limite de
acompanhamento e compreensão do processo de aprendizagem. A sociedade com suas práticas de
coação, por intermédio da avaliação, não só exclui como seleciona os “eleitos” . A autocensura, o
auto controle, a obediência a fatores e padrões externos, e toda a sorte de controles externos e até
internos ou psicológicos, vêm ditando as relações de avaliação inseridas no contexto escolar.
Implicitamente, os padrões de derrota internalizados nos processos de avaliação escolar vêm se
mostrando fatores negativos na construção da identidade de nossos estudantes. Se nossa sociedade é
dividida em classes e com isso já exercendo um fator de seletividade, a avaliação como fator
multiplicador da seletividade está, desta forma, completamente inserida neste contexto de
subjugação. A reprovação encontrada em nossas escolas e que se pretende combater, não por meio
de promoção automática como muitos defendem até como consolidação da seletividade, agora pelo
critério da incompetência que a mesma pode encerrar, mas sim pela qualificação de nossos
estudantes numa visão realista e construtiva de um aprendizado consolidado e duradouro. Este
aprendizado só poderá ser considerado efetivo se pensarmos a avaliação como prova de resistência
dos estudantes aos desmandos da sociedade em seus processos de exclusão (Luckesi, 2002).
As provas e exames têm que se relacionar diretamente com a aprendizagem. As médias não
podem ser encaradas apenas com a frieza dos dados estatísticos que as relacionam com um modelo
comparativo. Elas devem anunciar, sim uma expressão da aprendizagem dos conteúdos, seja ela mal
ou bem sucedida.
Avaliação escolar: uma prática a serviço de quem?
Na perspectiva de entendimento que se segue ao enunciado anteriormente, podemos concluir
que a avaliação escolar serve a propósitos delineados e definidos que atrelada `a concepções
teóricas da educação, se completa ao satisfazer aos impositivos da sociedade. A prática social aí
inserida descortina a manifestação autoritária da prática educacional que segundo Althusser
“... encerra um modelo teórico de compreensão que pressupõe a educação como um mecanismo de
conservação e reprodução da sociedade.” (Althusser, s/d.; Bourdieu & Passeron, 1975). De acordo
com esses autores o autoritarismo se traduz em elemento necessário para a garantia desse modelo
social, daí a prática da avaliação manifestar-se de forma autoritária.
Uma vez atrelada à praticas teórico conservadoras à serviço da sociedade que aliena e
exclui, necessário se faz situá-la em um contexto pedagógico para, então, entendê-la em sua real
função que é se transformar em mecanismo que leve à transformação da sociedade.
Avaliação escolar: o autoritarismo na prática avaliativa.
A classes dominantes manifestam sua dominação na perene tentativa de tornar totalizante
suas idéias. Um dos meios que se utilizam para atingir este objetivo é o controle da instituição
pedagógica que lhe serve de suporte. As instituições escolares são postas à serviço das ideologias
das classes dominantes que se utilizam dos agentes pedagógicos, do material pedagógico e até do
ritual pedagógico em suas intenções. Essa influência nas instituições se faz mais ou menos presente
conforme o grau de hegemonia da ideologia dominante. Já a ideologia se confirma nas relações de
dominação oriundas das forças implícitas no contexto das classes dominantes na sociedade e no
interior das instituições culturais. A existência de uma classe dominante e detentora das ações que
determinam o cumprimento de tais diretrizes, revela a existência de uma classe dominada, oprimida
que se faz executora de tais determinações. Este exemplo extraído das instituições escolares,
denuncia a presença de agentes sociais tais quais existentes na sociedade capitalista. Classes
antagônicas que podem assim ser explicitadas:
“É necessário considerar também, outro aspecto(. . .) fundamental para a análise da dinâmica cultural, que deriva do fato de que o grupo que reelabora e utiliza o produto cultural acabado tende a ser diferente daquele de que o produziu. Estando a distinção entre os produtores e consumidores de uma cultura presa a uma distinção de classe, a relação entre eles assume necessariamente uma conotação política . . . Neste novo contexto, as diferenças culturais aparecem, não como simples expressões de particularidades do modo de vida, mas como manifestações de oposições e aceitações que implicam num constante reposicionamento dos grupos sociais na dinâmica das relações de classe” ( Durham, 1977, p. 35)
Segundo Demo (1985, p. 88) “A tendência da classe dominante em se tornar totalizante no
campo cultural, buscando sobrepor-se à ideologia da classe dominada, torna-se um ato político, e
seu significado emerge das relações sociais de produção que estabelecem a divisão social do
trabalho e a desigualdade social”. Esta intenção de se tornar hegemônica, também no campo
cultural, pode ser vista como fator de reprodução das relações de produção onde a dinâmica do
educativo se confunde com a dinâmica do político. Confirma-se assim a intenção de imposição das
idéias pedagógicas das classes dirigentes no direcionamento das ideologias intelectuais e morais de
um grupo sobre outro, característica própria da hegemonia que pretende com isso, pela condução
das consciências, acentuar as relações de dominação.
A avaliação escolar, enquanto função classificatória, constitui-se em instrumento opressor e
à serviço de modelos impostos pela sociedade (e por conseguinte da classe dominante) que viabiliza
a existência de uma escola que discrimina e exclui colocando o aluno muitas vezes na condição de
impossibilidade de continuidade de estudos e da terminalidade educativa.
Definido por alguns como momento privilegiado em que ocorre o ensino e a aprendizagem,
confronto de idéias entre professor e aluno, entre alunos e alunos, entre outras definições que
constantemente percebemos em nossa prática educacional vivenciada e dividida com outros
professores, definimos, nesta feita a ação de educar em sua raiz etmológica. Educar,
etmologicamente, significa “levar de um lugar para outro”, e levar de um lugar para outro, entre
interlocutores pode significar apropriar-se da perspectiva do outro e, da mesma forma, permitir que
a sua perspectiva seja alcançada estabelecendo assim uma troca enriquecedora. O que se destaca
desta conclusão é a compreensão de que toda e qualquer pessoa que pretenda transmitir um
conhecimento deve manter suas convicções e valores, sem estar fechado ao aprendizado e
interferências do outro, assim como a aceitação por parte do outro não deva ser subserviente. As
relações humanas no processo ensino aprendizagem devem estar claras uma vez que todos os
títulos acadêmicos que um professor possa ter adquirido lhe serão de pouca valia se, aliada à
titulação, não estiver presente a afetividade que propicia a aproximação necessária com seu
interlocutor. Se a aprendizagem não é estabelecida em bases de troca, os conteúdos perdem o sabor
do saber e desfilam nas salas de aula como elementos inertes e exteriores ao ambiente escolar.
Educar é estar sempre com o outro, e esta presença deve ser compreendida como
fundamental. Nas palavras de NOVASKI, “O que é necessário, tendo isso em vista, é que o
professor esteja atento aos apelos que no mais das vezes não são verbais”( Novaski, 1986, p. 14-15),
declarando, com essa afirmativa, a necessidade da interação afetiva entre professor e aluno para que
as nuanças contidas no processo ensino aprendizagem sejam percebidas e vividas por ambas as
partes envolvidas.
Avaliação escolar: o erro e o que ele representou e representa
Com uma conotação de culpa, o erro na prática escolar se associa, na maioria das vezes, com
o eminente castigo. Castigo este que, no passado, já teve características de agressões físicas e que
também assumiu e assume visões mais sutis. A prática de “sabatinar” uma classe inteira fazendo
perguntas a quantos alunos até que se encontre um que não possa responder à pergunta do
professor, demonstra uma evidente procura, não do acerto mas sim do erro, ridicularizando e
expondo o “aluno mais fraco” ao ridículo de ter sua dúvida potencializada e transformada em erro.
Bourdieu, em seu livro, A reprodução, classifica este procedimento como uma violência e a
denomina de “violência simbólica”( Bourdieu & Passeron, 1975). Esta prática encontrada até hoje
em nossas escolas, segundo o senso comum, tem como objetivo valorizar o aluno que aprendeu e
castigar o aluno que não conseguiu obter o aprendizado. O exemplo da vergonha pela qual tenha
passado um colega deve ser considerado como atitude necessária para a motivação do aluno aos
estudos para que não passe por igual humilhação quando perguntado pelo rigoroso professor.
Comênio, em seu livro Didática Magna, recomenda este procedimento aos professores (Comênio,
1957).
A escola ainda terá que investir muito em mudanças que atinjam não só os alunos como
também aos professores para que esta prática do medo, que envolveu e envolve a avaliação, seja
modificada e entendida pelos atores principais do contexto escolar. Estas atitudes têm a
conseqüência observada em sala de aula com a “...internalização do medo que tolhe a liberdade,
criando a dependência e a incapacidade para ir sempre em frente” ( Luckesi, 2002, p. 51). Mas
afinal, no que se constitui o erro? Qual o parâmetro para o julgamento da existência do erro? A
idéia do erro se funda na existência de um padrão. Um exemplo que deva ser considerado como
correto. Ao apontarmos um erro, em verdade estamos apontando uma discrepância do modelo que
julgamos correto. Se considerarmos que há um objetivo a ser alcançado, no mais das vezes
reproduzido, estaremos realmente discernindo uma comparação e na comparação pode existir a
distinção. Contudo se considerarmos que a solução de um problema pode ser bem sucedida ou não,
temos aí, não uma busca à comparação e sim uma tentativa de solução que pode não ter sido
finalizada com sucesso. A própria humanidade constrói sua trajetória por intermédio de erros e
acertos, reelaborando a cada insucesso seus passos e suas decisões. O insucesso deve ser encarado,
com o conseqüente erro, como
“... manifestação de uma conduta não aprendida, que decorre do fato de que há um padrão já produzido e ordenado que dáa direção do avanço da aprendizagem do aluno e, consequentemente à compreensão do desvio, possibilitando a sua correção inteligente. Isso significa a aquisição consciente e elaborada de uma conduta ou de uma habilidade, bem como um passo à frente na aprendizagem e no desenvolvimento” (Luckesi, 2002, p. 57).
Acrescentamos que não se tem aqui uma defesa ao erro ou uma tendência à tolerância
paternalista do insucesso. Alinhamos nossa opinião a autores como Lucksi, Demo, Perrenoud entre
tantos que defendem o erro como percalços de travessia que devem se tornar instrumentos de
crescimento e não motivo de culpas, sofrimentos e humilhações. Se pudermos suprimir o erro de
nossa prática educacional, tanto melhor, porém se ele existe e nos confronta com a realidade de
maior esforço na tentativa de aniquilá-lo, que este desafio possa ser exercido com respeito ao aluno
e consciência crítica para a utilização de técnicas que levem o aluno ao crescimento sem traumas.
Avaliação escolar: o aspecto afetivo da aprendizagem como fator facilitador da aprendizagem
Se considerarmos etimologicamente a palavra educar, teremos como primeiro pensamento a
noção de colocar para fora. Visto por esta ótica, podemos associar a idéia de educação ao despertar
de qualidades, valores, condições de se propiciar o desenvolvimento de alguma habilidade. Se
vemos o educando como detentor de defeitos tais como impaciência, falta de postura,
desorganização,preguiça, etc., teremos partido de uma visão negativa deste educando e, poderemos
esperar deste, apenas ações negativas. Se contudo acreditamos que neste mesmo educando há uma
pessoa de qualidades como paz, sede de saber, harmonia, etc., mesmo que adormecidas, poderemos
confiar em que, com a devida estimulação, poderemos extrair deste educando o melhor que há em
seu interior rico e fecundo. Toda uma relação de respeito e cumplicidade deve imperar nesta postura
fazendo surgir toda uma energia positiva que direcionará o cotidiano escolar. Sempre que os
imperativos de tempo e de espaço permitirem, a atenção especial deverá ser dada a cada aluno
individualmente. Se não existir a proximidade pessoal, o laço afetivo é tênue e sem afetividade a
criança demora mais, quando não nega, a oferecer resposta ao chamamento de propostas
pedagógicas realizado pelo professor. Uma palavra, um gesto, um olhar de cumplicidade e,
principalmente um elogio, por vezes se mostrarão mais eficientes do que muitas iniciativas
didáticas. Voltando ao enfoque deste artigo que se especifica na avaliação de ensino, queremos
reafirmar o valor degenerativo do realce das negatividades na obtenção de uma aprendizagem
segura. Ao focalizar as negatividades, as aulas se tornam comuns e repetitivas. O interesse em
acompanhá-las se perde na medida em que, realçando os erros cometidos pelos alunos e seus
insucessos escolares, falar sobre os erros, mesmo com o intuito de corrigir, acaba tendo o efeito de
potencialização do erro, de reforço. A correção das avaliações efetuadas pelos alunos não pode
objetivar/gerar sofrimento, mas ao contrário, funcionar como um alívio para eles próprios se
libertarem daquilo que os angustia: o erro. A repetição de seus erros feita de maneira elucidativa,
sem irritabilidade, funcionando como ato de correção benéfico aà sua evolução como aluno e
tornando-o um vencedor por Ter ultrapassado mais este estágio, fará o aluno se sentir valorizado, e
compreendido em suas dúvidas. A prática de auto-avaliação permitirá por sua vez que o estudante
perceba seu desempenho nas atividades escolares, tornando-se assim, mais participativo mo
processo de aprendizagem.
Conclusão
A avaliação deve ser feita por critérios, pois assim o aluno pode ter a possibilidade de mais
informação e orientação em seu processo de construção do conhecimento. Os critérios quando bem
estabelecidos permitem uma análise mais justa, mais efetiva por parte do aluno que assim poderá se
basear de maneira mais segura em sua prática avaliativa. O que se denomina avaliação, há pouco
tempo atrás era chamada de medida educacional. Segundo Mendes, a denominação de medida
“...teve origem no início do século junto ao movimento dos testes educacionais desenvolvido pelo
americano ROBERT THORNDIKE. Este estudioso defendia a questão da mensuração das
mudanças comportamentais, defendendo que a aprendizagem consistia numa mudança de
comportamento, mudança de atitude, já que o enfoque educacional americano estava muito voltado
para a abordagem comportamental”( Mendes, 2001).
Ainda segundo Mendes, temos que a avaliação fora entendida como um desdobramento de
uma compreensão do sentido de mensuração. Na década de 30 essa idéia de mensuração fora
ampliada por TYLER que propunha escalas de atitude, inventários, fichas de registros
comportamentais, questionários revelando uma perspectiva longitudinal em relação à obtenção dos
objetivos curriculares.
Se procurarmos determinar o momento em que a literatura específica sobre avaliação,
efetivamente, chegou ao Brasil, descobriremos que por volta de 1960 os primeiros escritos deste
tema iniciaram a nortear o meio acadêmico brasileiro. Com sua chegada ao Brasil com
aproximadamente dez anos de atraso em relação à produção de conhecimento já efetiva nos EUA,
podemos observar a forte influência do modelo de avaliação, pelo positivismo. Não só pela
disseminação que se determinou pela difusão de tais escritos, esta postura importada e positivista
fora oficializada pela legislação federal e estadual que assumiu e orientou a nossa práxis. A
reformulação do pensamento com enraizamento tão profundo depende não só da mudança em nossa
prática individual assim como da mudança de todo o sistema educacional. Ainda nos dias de hoje,
nossa avaliação está intrinsecamente ligada ao fator numérico. A aprendizagem, com isso, fica
relegada ao segundo plano. O aluno quando sujeito a um processo avaliativo, deve ter como
orientação a justa percepção de seu processo de aprendizagem. A avaliação deve ser voltada para
elementos qualitativos. Difícil será o desvencilhamento de modelos e critérios que nos orientam há
décadas e mudar de maneira radical a avaliação que se faz por processos quantitativos. O professor,
para exercer tais mudanças, deverá estar disposto a mudar. Mudar suas próprias posturas, idéias, sua
prática e abandonar velhos vícios.
Infelizmente, a mudança pretendida passa por interesses políticos, sociais e econômicos. O
professor desmotivado se vê impedido de crescer por falta de recursos econômicos e sociais até na
sua formação.
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