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Artigo 5 da Constituio FederalArt. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes, nos termos desta Constituio; II - ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei; III - ningum ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; IV - livre a manifestao do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, alm da indenizao por dano material, moral ou imagem; VI - inviolvel a liberdade de conscincia e de crena, sendo assegurado o livre exerccio dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteo aos locais de culto e a suas liturgias; VII - assegurada, nos termos da lei, a prestao de assistncia religiosa nas entidades civis e militares de internao coletiva; VIII - ningum ser privado de direitos por motivo de crena religiosa ou de convico filosfica ou poltica, salvo se as invocar para eximir se de obrigao legal a todos imposta e recusar -se a cumprir prestao alternativa, fixada em lei; IX - livre a expresso da atividade intelectual, artstica, cientfica e de comunicao, independentemente de censura ou licena; X - so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua violao; XI - a casa asilo inviolvel do indivduo, ningum nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinao judicial;

XII - inviolvel o sigilo da correspondncia e das comunicaes telegrficas, de dados e das comunicaes telefnicas, salvo, no ltimo caso, por ordem judicial, nas hipteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigao criminal ou instruo processual penal; XIII - livre o exerccio de qualquer trabalho, ofcio ou profisso, atendidas as qualificaes profissionais que a lei estabelecer; XIV - assegurado a todos o acesso informao e resguardado o sigilo da fonte, quando necessrio ao exerccio profissional; XV - livre a locomoo no territrio nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao pblico, independentemente de autorizao, desde que no frustrem outra reunio anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prvio aviso autoridade competente; XVII - plena a liberdade de associao para fins lcitos, vedada a de carter paramilitar; XVIII - a criao de associaes e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorizao, sendo vedada a interferncia estatal em seu funcionamento; XIX - as associaes s podero ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por deciso judicial, exigindo -se, no primeiro caso, o trnsito em julgado; XX - ningum poder ser compelido a associar -se ou a permanecer associado; XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, tm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; XXII - garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atender a sua funo social; XXIV - a lei estabelecer o procedimento para desapropriao por necessidade ou utilidade pblica, ou por interesse social, mediante

justa e prvia indenizao em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituio; XXV - no caso de iminente perigo pblico, a autoridade competente poder usar de propriedade particular, assegurada ao proprietrio indenizao ulterior, se houver dano; XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela famlia, no ser objeto de penhora para pagamento de dbitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilizao, publicao ou reproduo de suas obras, transmissvel aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; XXVIII - so assegurados, nos termos da lei: a) a proteo s participaes individuais em obras coletivas e reproduo da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalizao do aproveitamento econmico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intrpretes e s respectivas representaes sindicais e associativas; XXIX - a lei assegurar aos autores de inventos industriais privilgio temporrio para sua utilizao, bem como proteo s criaes industriais, propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnolgico e econmico do Pas; XXX - garantido o direito de herana; XXXI - a sucesso de bens de estrangeiros situados no Pas ser regulada pela lei brasileira em benefcio do cnjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que no lhes seja mais favorvel a lei pessoal do de cujus; XXXII - o Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor; XXXIII - todos tm direito a receber dos rgos pblicos informaes de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que sero prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindvel segurana da sociedade e do Estado;

XXXIV - so a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petio aos Poderes Pblicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obteno de certides em reparties pblicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situaes de interesse pessoal; XXXV - a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito; XXXVI - a lei no prejudicar o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julgada; XXXVII - no haver juzo ou tribunal de exceo; XXXVIII - reconhecida a instituio do jri, com a organizao que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votaes; c) a soberania dos veredictos; d) a competncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; XXXIX - no h crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prvia cominao legal; XL - a lei penal no retroagir, salvo para beneficiar o ru; XLI - a lei punir qualquer discriminao atentatria dos direitos e liberdades fundamentais; XLII - a prtica do racismo constitui crime inafianvel e imprescritvel, sujeito pena de recluso, nos termos da lei; XLIII - a lei considerar crimes inafianveis e insuscetveis de graa ou anistia a prtica da tortura, o trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evit-los, se omitirem;

XLIV - constitui crime inafianvel e imprescritvel a ao de g rupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrtico; XLV - nenhuma pena passar da pessoa do condenado, podendo a obrigao de reparar o dano e a decretao do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos su cessores e contra eles executadas, at o limite do valor do patrimnio transferido; XLVI - a lei regular a individualizao da pena e adotar, entre outras, as seguintes: a) privao ou restrio da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestao social alternativa; e) suspenso ou interdio de direitos; XLVII - no haver penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de carter perptuo; c) de trabalhos forados; d) de banimento; e) cruis; XLVIII - a pena ser cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; XLIX - assegurado aos presos o respeito integridade fsica e moral; L - s presidirias sero asseguradas condies para que possam permanecer com seus filhos durante o perodo de amamentao; LI - nenhum brasileiro ser extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalizao, ou de comprovado

envolvimento em trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; LII - no ser concedida extradio de estrangeiro por crime poltico ou de opinio; LIII - ningum ser processado nem sentenciado seno pela autoridade competente; LIV - ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LVI - so inadmissveis, no processo, as provas obtidas por meios ilcitos; LVlI - ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria; LVIII - o civilmente identificado no ser submetido a identificao criminal, salvo nas hipteses previstas em lei; LIX - ser admitida ao privada nos crimes de ao pblica, se esta no for intentada no prazo legal; LX - a lei s poder restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem; LXI - ningum ser preso seno em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciria competente, salvo nos casos de transgresso militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; LXII - a priso de qualquer pessoa e o local onde se encontre sero comunicados imediatamente ao juiz competente e famlia do preso ou pessoa por ele indicada; LXIII - o preso ser informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistncia da famlia e de advogado; LXIV - o preso tem direito identificao dos responsveis por sua priso ou por seu interrogatrio policial;

LXV - a priso ilegal ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciria; LXVI - ningum ser levado priso ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisria, com ou sem fiana; LXVII - no haver priso civil por dvida, salvo a do responsvel pelo inadimplemento voluntrio e inescusvel de obrigao alimentcia e a do depositrio infiel; LXVIII - conceder-se- habeas-corpus sempre que algum sofrer ou se achar ameaado de sofrer violncia ou coao em sua liberdade de locomoo, por ilegalidade ou abuso de poder; LXIX - conceder-se- mandado de segurana para proteger direito lquido e certo, no amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsvel pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pblica ou agente de pessoa jurdica no exerccio de atribuies do Poder Pblico; LXX - o mandado de segurana coletivo pode ser impetrado por: a) partido poltico com representao no Congresso Nacional; b) organizao sindical, entidade de classe ou associao legalmente constituda e em funcionamento h pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; LXXI - conceder-se- mandado de injuno sempre que a falta de norma regulamentadora torne invivel o exerccio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes nacionalidade, soberania e cidadania; LXXII - conceder-se- habeas-data: a) para assegurar o conhecimento de informaes relativas pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de carter pblico; b) para a retificao de dados, quando no se prefira faz -lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo; LXXIII - qualquer cidado parte legtima para propor ao popular que vise a anular ato lesivo ao patrimnio pblico ou de entidade de que o Estado participe, moralidade administrativa, ao meio ambiente

e ao patrimnio histrico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada m-f, isento de custas judiciais e do nus da sucumbncia; LXXIV - o Estado prestar assistncia jurdica integral e gratuita aos que comprovarem insuficincia de recursos; LXXV - o Estado indenizar o condenado por erro judicirio, assim como o que ficar preso alm do tempo fixado na sentena; LXXVI - so gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certido de bito; LXXVII - so gratuitas as aes de habeas-corpus e habeas-data, e, na forma da lei, os atos necessrios ao exerccio da cidadania. 1. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata. 2. Os direitos e garantias expressos nesta Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte.

Liberdade religiosa e escusa de conscincia.Alguns apontamentosMaurcio Scheinman advogado em So Paulo, professor da Faculdade de Direito da PUC/SP, conselheiro departamental da PUC/SP, presidente da Comisso de Fiscalizao e Defesa da Advocacia da OAB/SPAssunto delicado que tem sido suscitado em diversas searas, instituies, administrativas ou judiciais, a questo da

liberdade religiosa e os seus limites. Na qualidade de Conselheiro Departamental da Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, fui nomeado para relatar processo envolvendo recurso formulado por discente que por ser praticante da religio judaica de forma ortodoxa, estaria impossibilitado de comparecer s aulas ministradas aos sbados, conforme a grade curricular e programa da Instituio. Buscando analisar a questo de forma legalista, mas sem abandonar a idia de que estamos em pleno perodo de exerccio dos direitos humanos em sua plenitude, pude preparar voto, dando pelo provimento do apelo ofertado. No mesmo voto, teci consideraes acerca da nova concepo dos direitos humanos, da liberdade do indivduo e da liberdade religiosa em espcie. No se trata aqui de mera compilao ou repetio do voto proferido e acatado por unanimidade pelo rgo recursal mas apenas de extrao dos conceitos fundamentais que nortearam a opinio legal, buscando trazer subsdios no s queles discentes que sofrem reveses em vista de professarem uma outra f, mas at mesmo objetivando traar, em linhas gerais, princpios aplicveis todas as situaes em que, de alguma forma, por imposio legal, estatutria, hierrquica, etc., se verifique o cerceamento da liberdade religiosa, no exerccio das atividades normais ou usuais do cidado. No tenho aqui a pretenso de esgotar o tema que se mostra deveras complexo, mas apenas de externar as razes que me levaram ao posicionamento adotado e que de alguma forma possam ser teis queles que sofram discriminao relativamente f que professam. Relativamente ao comparecimento s aulas, prestao de provas, realizao de trabalhos nos dias reputados "santificados", embora extremamente delicada a questo, o fulcro da mesma reside na proteo ou no outorgada pela Carta Constitucional queles que professam religio diversa da adotada pelo Pas e se, luz das disposies maiores, tm ou no o direito praticar, ou abster-se de praticar determinados atos em razo de impedimentos emergentes da f da qual so adeptos.

A santificao e a guarda de um dia da semana representa um aspecto teolgico fundamental para diversas religies. Embora o sentido teolgico e histrico do dia da guarda ou adorao varie entre as diferentes religies, inegvel que a observncia de prticas religiosas, em particular ou em pblico, no "Dia do Senhor", possibilite conflitos entre obrigaes legais e princpios religiosos. direito fundamental de toda pessoa no ser obrigada a agir contra a prpria conscincia e contra princpios religiosos. Segue-se da, no ser lcito obrigar-se cidados a professar ou a rejeitar qualquer religio, ou impedir que algum entre ou permanea em comunidade religiosa ou mesmo a abandone. O direito de liberdade de conscincia e de crena deve ser exercido concomitantemente com o pleno exerccio da cidadania. Qualquer tentativa no sentido de pressionar o poder pblico na elaborao de leis civis que tenham em conta o dever ou a obrigao de santificar qualquer dia com o "Dia do Senhor", representa um retrocesso histrico inaceitvel e um atentado contra o direito de liberdade religiosa. A lei a todos obriga, sejam cristos, muulmanos, judeus, catlicos, protestantes, hindus, budistas, etc., tenham eles religio ou no. A utilizao geral de uma lei pelo Poder Pblico para impor todos os cidados determinados valores religiosos e doutrinrios, ligando a Religio ao Estado, a principal fonte de intolerncia religiosa ao longo da histria. A Organizao das Naes Unidas ONU -, na sua clebre DECLARAO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, assim disps: "ARTIGO 18. Todo homem tem direito liberdade de pensamento, conscincia e religio; este direito inclui a liberdade de mudar de religio ou crena e a liberdade de manifestar essa religio ou crena pelo ensino, pela prtica,

pelo culto e pela observncia isolada ou coletivamente, em pblico ou em particular". Para tornar esse dispositivo ainda mais claro, a mesma Organizao das Naes Unidas ONU, fez editar a DECLARAO SOBRE A ELIMINAO DE TODAS AS FORMAS DE INTOLERNCIA E DISCRIMINAO BASEADAS EM RELIGIO OU CRENA (Resoluo n. 36/55). Desse documento extramos os seguintes trechos: "Art. 1. Ningum ser sujeito coero por parte de qualquer Estado, instituio, grupo de pessoas ou pessoas que debilitem sua liberdade de religio ou crena de sua livre escolha". "Art. 6. O direito liberdade de pensamento, conscincia, religio ou crena incluir as seguintes liberdades: ......... h) OBSERVAR DIA DE REPOUSO e celebrar feriados e cerimnias de acordo com os preceitos da sua religio ou crena.". Neste sentido tambm a Conveno Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de So Jos da Costa Rica), ingressa no sistema ptrio nos termos do Decreto n. 678, de 06 de novembro de 1992, cujo art. 12, alnea 2, explicita: "Artigo 12. Liberdade de Conscincia e de Religio ....... 2. Ningum pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religio ou suas crenas, ou de mudar de religio ou de crenas.". Garante, ainda, o artigo 26 do Pacto dos Direitos Civis e Polticos: "Artigo 26. Todas as pessoas so iguais perante a lei e tm direito, sem discriminao alguma, a igual proteo da lei. A este respeito, dever proibir qualquer forma de discriminao e garantir a todas as pessoas proteo igual e eficaz contra

qualquer discriminao por motivo de raa, cor, sexo, lngua, religio, opinio poltica ou de outra natureza, origem nacional ou social, situao econmica, nascimento ou qualquer opinio.". Cabe lembrar que, por fora do disposto no 2., do art. 5., da Constituio Federal, tais tratados internacionais integram o Direito ptrio tal como se aqui originariamente positivados. O reconhecimento de que todos os seres humanos tm direitos e liberdades fundamentais inerentes condio humana e, de que toda nao tm a obrigao de respeitar os direitos fundamentais de seus cidados, parece ser uma caracterstica que marca o presente tempo. Embora essa idia tenha h muito tempo surgido na histria e no pensamento humano, a concepo de que os direitos fundamentais dos seres humanos constitua objeto de uma regulao por parte da Comunidade Internacional, isto , o seu reconhecimento, desenvolvimento, preservao e responsabilizao, emergiu somente aps as terrveis violaes dos direitos humanos pelos regimes totalitrios Alemo, quando verificou-se o que fora o holocausto, e o Sovitico. As atrocidades cometidas contra os seus prprios cidados, bem como contra estrangeiros, representou uma violncia que chocou a conscincia de toda a Humanidade. Sob este pano de fundo, as naes de todo mundo decidiram que a promoo dos direitos humanos e liberdades fundamentais deveria ser o principal objetivo da Organizao das Naes Unidas (ONU). Esses direitos no poderiam mais ser concebidos ou reconhecidos como uma generosa concesso dos Estados soberanos, mas passaram a ser considerados como inerentes ou inalienveis todos os seres humanos, e desta forma, no poderiam ser desrespeitados, negados ou reduzidos por qualquer motivo. Este grande movimento internacional de defesa dos direitos humanos, concretizado sob a forma de Tratados, Acordos ou Pactos Internacionais voltados proteo dos direitos humanos, baseado na concepo de que toda nao tm a obrigao de respeitar os direitos humanos de seus cidados e

de que todas as naes e a comunidade internacional tm o direito e a responsabilidade de protestar, se um determinado Pas no cumprir suas obrigaes. Quando um Estado ratifica um determinado Tratado, aceita as obrigaes jurdicas decorrentes do mesmo e passa a se submeter autoridade das instituies internacionais, que garantem a sua eficcia. No Brasil, a Constituio Federal, de 1988, consagrou de forma indita que os direitos e garantias expressos na Constituio "no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte." (art. 5, 2). Assim, os direitos garantidos nos Tratados de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil integram a relao de direitos constitucionalmente protegidos. Trata-se de inegvel avano no sentido da proteo dos direitos fundamentais, particularmente quanto ao direito de liberdade de conscincia e de liberdade religiosa. Os grandes textos histricos ou jurdicos que tratam dos direitos humanos consagram, unanimidade, a dignidade do ser humano como seu fundamento de validade. Nesse sentido a Declarao Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assemblia Geral das Naes Unidas em 1948, afirma categoricamente que "todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos" (art. 1). O reconhecimento e a proteo da dignidade humana tornou-se, em nossos dias, um imperativo categrico moral e jurdico para a maioria das Naes. Mas em que consiste, ao certo, a dignidade do ser humano? A elevao da dignidade humana ao mais alto patamar valorativo pela Comunidade das Naes pressupe que possamos encontrar uma resposta a esta persistente questo em que consiste a dignidade humana? que seja universalmente aceita por todos os povos, culturas e naes

que compem a Comunidade Internacional. Ser possvel estabelecer tal consenso? Para tentar responder a esta pergunta temos que enfrentar tambm outra difcil questo, qual seja, saber qual nosso conceito ou entendimento sobre a essncia ou natureza do ser humano. Qualquer tentativa em encontrar uma possvel resposta a estas duas necessrias e persistentes questes em que consiste a dignidade humana? o que entendemos como sendo a essncia ou natureza do ser humano? sofrer a influncia de valores morais, religiosos, culturais, filosficos, ticos, etc., daquele que se prope a apresentar uma resposta. Qualquer que seja nossa compreenso do que seja a natureza humana, parece-nos indiscutvel a aceitao de que existem direitos humanos inalienveis, inderrogveis e insubstituveis e que no podem ser objeto de restries ou limitaes por parte de nenhum pas, pessoa ou poder deste mundo. Ao enfrentarmos estas questes, talvez possamos reconhecer o que Kant, em sua obra "Fundamentos para uma Metafsica dos Costumes", tenha apresentado uma boa resposta. Para Kant, o homem o nico ser capaz de orientar suas aes a partir de objetivos racionalmente concebidos e livremente desejados. A dignidade do ser humano consistiria em sua autonomia, que a aptido para formular as prprias regras de vida, ou seja, sua liberdade individual ou livre arbtrio. A noo de autonomia do indivduo em relao aos demais membros de um determinado grupo social surgiu na Histria associada ao nascimento da Reforma Protestante. Pela primeira vez recuperou-se, em reformadores como Lutero, Calvino, Knox e outros, a conscincia individual como sendo a suprema norteadora das aes humanas. Cada ser humano deve agir com base na sua prpria conscincia sendo responsvel, neste mundo, por suas decises individuais. O desenvolvimento dessa conscincia tica individual colocou o livre arbtrio do ser humano, e a sua respectiva responsabilizao terrena ou religiosa de seus atos, no epicentro de um movimento verdadeiramente revolucionrio.

Em lugar da tradio e da autoridade suprema do clero e da nobreza, colocou-se a soberania de cada indivduo, em todos os aspectos relativos a sua vida ntima e social. Lanou-se, naquele momento, as bases daquilo que se chamaria soberania popular, em substituio concepo de soberania da Igreja e do Monarca. dentro dos marcos estabelecidos pela Reforma Protestante que surgiu o movimento em prol da declarao e do reconhecimento dos Direitos Humanos em sua primeira fase ("primeira gerao"). Destacou-se a obra dos puritanos anglosaxes que intentariam, posteriormente, fundar no Novo Continente, nos Estados Unidos, uma sociedade radicalmente contrria ao Estado monrquico-eclesistico existente no Velho Mundo (Inglaterra), opressor dos indivduos pela negao da sua liberdade de conscincia e de religio. fundamental destacarmos que a verdadeira certido de nascimento dos direitos humanos pode ser identificada precisamente na Declarao de Independncia dos Estados Unidos e no Bill of Rigths do Estado da Virgnia, em 1776. A Declarao de Direitos de Virgnia afirma categoricamente que "todos os seres humanos so pela sua natureza, igualmente livres e independentes" e o reconhecimento definitivo de que "todo poder pertence ao povo e, por conseguinte, dele deriva". (arts. 1 e 2) Nesse mesmo sentido a Primeira Emenda Constituio norteamericana, de 1791, dispe que "[O] Congresso no editar nenhuma lei instituindo uma religio, ou proibindo o livre exerccio dos cultos ; nem restringir a liberdade de palavra ou de imprensa; ou o direito do povo de reunir-se pacificamente, ou de petio ao governo para a correo de injustias". Podemos assim compreender porque a liberdade de conscincia, de crena e de opinio representou o fundamento ou a pedra angular sobre a qual se buscou construir uma sociedade livre para os habitantes da Amrica do Norte. A histria dos direitos humanos seguiu seu curso. Em 1789 a Assemblia Nacional francesa defendeu a universalizao dos

direitos humanos durante a fase revolucionria. A Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, do mesmo ano, afirmou categoricamente: "Tendo em vista que a ignorncia, o esquecimento ou desprezo dos direitos do homem so as nicas causas dos males pblicos e da corrupo dos governos, [os representantes do povo francs] resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienveis e sagrados do homem". Foram reconhecidos e afirmados dessa forma os Princpios da Liberdade e da Igualdade tanto na Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 1789, quanto no Bill of Rights de Virgnia, de 1776. Foi apenas alguns anos mais tarde, com a Constituio francesa, de 1791, que a noo de Fraternidade ou Solidariedade veio a ser declarada, no como um princpio jurdico, mas como uma virtude cvica dos cidados franceses: "sero estabelecidas festas nacionais para manter a lembrana da Revoluo Francesa, promover a fraternidade entre os cidados e vincul-los Constituio, Ptria e s Leis" (ttulo primeiro). Uma vez constitudos e afirmados, os Princpios da Liberdade, Igualdade e Solidariedade, transformaram-se, ao longo do tempo, em valores supremos do sistema universal dos direitos humanos cuja validade atinge nossos dias. Resumidamente podemos identificar o desenvolvimento dos direitos humanos em trs fases. Inicialmente, afirmaram-se os direitos de liberdade, incluindo-se nestes todos os direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de Liberdade em relao ao Estado. Num segundo momento, afirmaram-se os direitos polticos, os quais concebendo a liberdade no apenas negativamente, como no impedimento, mas positivamente, como autonomia tiveram como consequncia a participao cada vez mais ampla, generalizada e freqente dos membros de uma comunidade no poder poltico. A Liberdade no Estado. Finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam a emergncia de novas exigncias e novos valores em busca da igualdade no apenas

formal mas sobretudo real e concreta. A busca do desenvolvimento social, do bem estar, caracterizou a Liberdade atravs ou por meio do Estado. Conforme bem esclarece Aldir Soriano, em tima sntese acerca do tema, externada em palestra anteriormente proferida, "a questo da Liberdade Religiosa extremamente complexa e delicada. complexa porque a compreenso desse tema depende de uma abordagem interdisciplinar e, por conseguinte, de incurses que vo alm da cincia jurdica (direito), envolvendo, tambm, a histria, a teologia, a antropologia, a cincia da religio e a filosofia. O tema delicado porque revela o desafio de se conviver num mundo plural, em que a intolerncia religiosa ainda est presente. Existe nas religies, como veremos, uma tendncia intolerncia. Ademais, o tema envolve questes complexas, como a observncia do sbado bblico, o ensino religioso nas escolas pblicas e o dilogo interreligioso. A violncia religiosa invadiu a propalada "era dos direitos" de Norberto Bobbio e se instalou no sculo XXI. Essa forma de violncia uma das questes centrais do presente sculo. Tal tendncia j havia sido verificada com o fim da Guerra Fria, pois o conflito bipolar entre o capitalismo e o socialismo foi substitudo pelos conflitos de natureza tnica e religiosa. Em plena era do direito internacional dos direitos humanos, surpreendente verificar que, ao redor do globo terrestre, pessoas so espancadas, perseguidas e mortas, simplesmente, porque mudaram de religio. Ademais, mesmo em pases democrticos e comprometidos internacionalmente com a proteo dos direitos humanos, os seus cidados so passveis de uma perseguio velada e dissimulada, com restries aos direitos econmicos, sociais e culturais. Por vezes, o acesso ao mercado de trabalho e aos cargos pblicos ou a conquista de um simples diploma, podem custar o sacrifcio da conscincia.". Neste ponto importante definir o que vem a ser a "liberdade religiosa", como uma das pedras angulares da civilizao moderna.

Alis, em que consiste a liberdade? a faculdade, como poder outorgado pessoa para que possa agir, pensar, comportar-se segundo a sua prpria determinao, respeitadas as regras ptreas institudas. Trata-se a liberdade, pois, da expresso da faculdade de se fazer o que se quer, de pensar como se entende, de ir e vir a qualquer parte, quando e como se queira, exercer qualquer atividade, tudo conforme a livre determinao da pessoa, quando no haja regra proibitiva para a prtica de ato ou no se institua princpio restritivo ao exerccio da liberdade (Cf. De Plcido e Silva). Os romanos assim definiam a liberdade: "a liberdade a faculdade natural de fazer cada um o que deseje, se a violncia ou o direito lhe no proibe". "Libertas est naturalis facultas e jus quod cuique facere libet, nisi si quid vi aut jure prohibetur." (Cf. Csar da Silveira, Dicionrio de Direito Romana). A liberdade religiosa consiste na aplicao do conceito de "liberdade" s prticas relacionadas f seja ela ela qual for, naturalmente no se podendo prestar a fins expressamente proibidos pelo sistema normativo. Neste toada, interessante trazer colao interessente digresso acerca do tema, (tambm cf. Aldir Soriano), verbis: "Foi no sculo III d.C que a expresso liberdade religiosa libertas religionis foi, provavelmente, utilizada pela primeira vez, por Tertuliano, advogado convertido ao cristianismo e que passou a defender a liberdade religiosa em face dos abusos do Imprio Romano. A liberdade religiosa , como se sabe, um direito humano fundamental, assegurado pelas Constituies dos diversos Estados democrticos e, tambm, por importantes declaraes e tratados internacionais de direitos humanos. Contudo, estamos tratando, at aqui, de apenas uma acepo da liberdade religiosa. H pelo menos mais duas acepes que devem ser abordadas. A liberdade religiosa comporta pelo menos trs acepes: jurdica, teolgica ou eclesistica e bblica. No que se refere liberdade religiosa na acepo jurdica, a mesma compreende, essencialmente, a liberdade religiosa como um direito fundamental da pessoa humana. Nesse sentido,

Segundo Jorge Miranda, a liberdade religiosa ocupa o cerne da problemtica dos direitos humanos. Ora, no curso da histria da humanidade, o direito liberdade religiosa representa uma conquista extremamente recente. Pode ser identificada nas trs fases da era dos direitos, mencionadas por Norberto Bobbio. Segundo o autor italiano, os direitos humanos "nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realizao como direitos positivos universais". Como direito natural, a liberdade religiosa surgiu no sculo XVIII, com as primeiras declaraes de direitos de 1776 (americana) e 1789 (francesa). Como direito efetivamente tutelado, a liberdade religiosa surgiu com a Constituio Americana. Como direito internacional, a liberdade religiosa surgiu no Segundo PsGuerra, com o desenvolvimento do sistema global de proteo aos direitos humanos ligado Organizao das Naes Unidas ONU. O discurso teolgico da liberdade religiosa compreende uma doutrina teolgica na qual s se reconhecem os direitos nos limites da Igreja Catlica. Essa doutrina foi fundamentada no pensamento de Santo Agostinho (Guerra Justa) e de Santo Toms de Aquino. A liberdade religiosa no sentido bblico um "Dom de Deus", como observa John Graz. O Criador concedeu o livre arbtrio para os homens. "Ora, o Senhor o Esprito; e, onde est o Esprito do Senhor, a est a liberdade." (Corntios 3: 17) Porm, todos prestaro conta a Deus.". Portanto, nas trs acepes da liberdade religiosa, quando uma instituio, como uma Universidade, impe a um discente a condio de renunciar, mesmo que temporariamente, sua crena para que possa conservar o direito de graduar-se, est, inquestionavelmente, limitando, restringindo, a liberdade desse aluno. Desta maneira, na busca por uma sociedade mais justa, nada mais natural que sejam observados os princpios fundamentais que norteiam a liberdade religiosa. Nas palavras de Rui Barbosa: "Onde h liberdade religiosa como na Constituio brasileira e na americana, no h, nem pode haver, questo

religiosa. A liberdade e a Religio so sociais, no inimigas. No h religio sem liberdade. Nasci na crena de que o mundo no s matria e movimento, os fatos morais no so um mero produto humano. O estudo e o tempo me convenceram que as leis do Cosmos sejam incompatveis com uma causa suprema, de que todas as coisas dependem.". Finalmente, de importncia crucial o art. 5 da Constituio Federal que traz em seus incisos VI, VII e VIII, dispositivos sobre liberdade religiosa, como segue: "Artigo 5. .... VI inviolvel a liberdade de conscincia e de crena; .... VIII ningum ser privado de direitos por motivo de crena religiosa ou de convico filosfica ou poltica, salvo se as invocar para eximir-se de obrigao legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestao alternativa, fixada em lei.". Impe-se notar, tambm, que os direitos e garantias fundamentais tm eficcia plena e aplicabilidade imediata, independendo, portanto, de qualquer outra norma infraconstitucional ou manifestao do Poder Pblico para produzir efeitos. Neste sentido, claro o texto constitucional, em seu artigo 5, 1, verbis: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata". Poder-se-ia questionar a procedncia do remdio constitucional em razo do princpio da igualdade. Deve-se dizer, no entanto, que tal princpio, para sua efetiva concretizao, deve ser analisado formal e materialmente. Pode ser que se imponha uma desigualdade formal para se garantir uma igualdade material. Assim, em determinados casos impe-se a autorizao de discriminao desigualdade do ponto de vista formal

para que se reafirme o princpio da igualdade em sua essncia material. Ora, para a esmagadora dos cidados do Pas, que so cristos e que guardam o domingo, no haver aulas, provas ou concursos no dia que consagram. O que se defende o tratamento igual queles que guardam o sbado. No se fere, portanto, o princpio da isonomia. Ademais, a prpria Constituio, protetora do princpio da igualdade, tambm autoriza certas limitaes mesma liberdade como na previso da chamada "escusa de conscincia", nos termos do artigo 5, inciso VIII, visando a garantia das liberdades de pensamento e opinio. Assim, evidente que a obrigao de praticar atividade num determinado horrio de sbado, ao ser descumprida porque a deciso recursal assim permitiu ou determinou, fixando-se uma alternativa, no fere a norma constitucional; ao contrrio, propicia a liberdade de convico sem fer-la. Sobre essa matria j existem julgados de nossos Tribunais, que naturalmente podem servir de norte para uma melhor inteleco da questo. Cita-se exemplificativamente os seguintes feitos e decises: O Tribunal Regional Federal da 4 Regio, Rio Grande do Sul, julgando em 12/12/95 o recurso contra sentena que concedeu mandado de segurana para a realizao de prova de concurso em dia diverso, por motivo de crena religiosa, negou provimento ao recurso confirmando a sentena que deu o benefcio, tendo o v. acrdo sido assim redigido: "TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL-TRF4. Relatora: Juza Silvia Goraieb. Deciso Unnime. Acrdo n RIP 04092560 EMENTA 1. No h prejuzo ao interesse pblico, nem ao procedimento do concurso se por fora de liminar a impetrante realizou a prova do concurso em momento no conflitante com sua crena religiosa, por pertencer Igreja Adventista do Stimo Dia, que tem o Sbado como dia de guarda.

2. Resguardado no princpio constitucional que assegura a liberdade de crena e de conscincia. Bem como aqueles que regem a administrao quando se trata de concurso pblico. 3. Remessa oficial improvida.". No Estado do Pernambuco, na 2 Vara da Justia Federal (Autos n. 90.5816-3), julgou-se caso que envolvia a Universidade Federal de Pernambuco, a qual realizava as provas do vestibular nos dias de Sbado, tendo sido concedida liminar como segue: "Assim sendo com base no inciso II do art. 7 da Lei n 1533/51 e inciso VIII do art. 5 da Constituio Federal, concedo a liminar pleiteada e determino que o Sr. Presidente da Comisso de Vestibular das Universidades Federal e Rural de PernambucoCONVEST, Sr. Murilo Cezar Amorim Silva, ou seu substituto legal, tome as providncias para assegurar o direito de os impetrantes submeterem-se s provas do vestibular, marcadas para o prximo dia 08, Sbado, de tal forma que sejam respeitadas suas convices religiosas, ou seja, que possam iniciar a realizao das referidas provas somente aps o pr do sol do mencionado dia, ou no dia seguinte, a critrio da autoridade impetrada, sem prejuzo evidente da fiscalizao. Notifique-se a autoridade impetrada a apresentar informaes no prazo legal. No momento oportuno, ao MPF para ofertar parecer no prazo legal. Publique-se. Intime-se. Recife, 05 de dezembro de 1990. Francisco Alves dos Santos Jnior. Juiz Federal 2 Vara - PE.". No Estado de So Paulo, a Juza Maria de Ftima dos santos Gomes, ao julgar mandado de segurana impetrado por Frederick Malta Buarque de Gusmo, mdico cardiologista, em decorrncia de prova designada para o Sbado (06/06/98), em concurso da Polcia Militar, proferiu, ao final, a seguinte sentena, da qual se extraem alguns trechos: "Frederick Malta Buarque de Gusmo, mdico cardiologista, impetrou mandado de segurana, com pedido de liminar, contra o Sr. Coronel Diretor de Pessoal da Polcia Militar do Estado de So Paulo, alegando em sntese que a prova foi marcada para um Sbado, dia em que o impetrante no pode realizar o exame, por fora de credo religioso, com amparo constitucional... Foi

deferida a liminar (fls. 34). A autoridade apontada como coatora prestou informaes. O Ministrio Pblico opinou pela denegao; o relatrio. DECIDO. Trata-se de mandado de segurana interposto por inscrito em concurso pblico, insurgindo-se contra o indeferimento de requerimento para designao de nova data para realizao na data marcada, por fora de credo religioso. Malgrado o zelo e o esforo da digna autoridade coatora, de rigor a concesso da segurana, merecendo amparo a pretenso do impetrante. Com efeito, assegurada constitucionalmente a liberdade de credo religioso, sendo vedada qualquer privao de direitos por fora de opo religiosa como dispe o inciso VIII do art. 5 da Constituio Federal. De fato, nota-se que o impetrante, preenchendo os requisitos necessrios para a participao no concurso, est impossibilitado de exercer o direito de possibilidade de acesso funo pblica, assegurado a todos os brasileiros no inciso I do art. 37 da Carta Magna. Assim, a inadequao do concurso pblico com a liberdade do credo religioso, apresenta violao aos princpios da acessibilidade funo pblica, da igualdade e da liberdade de credo religioso. Ante o exposto, por esses fundamentos e por tudo o mais que dos autos constam, julgo PROCEDENTE o pedido, CONCEDENDO a segurana rogada, tornando definitiva a liminar concedida, a fim de ser julgada nova data para realizao do exame, arcando o impetrado com as custas e despesas processuais na forma da lei. So Paulo, 06 de julho de 1998. Maria de Ftima dos Santos Gomes. Juza de Direito". No mesmo sentido, o Juzo da 11. Vara da Justia Federal de Porto Alegre-RS, concedeu liminar em mandado de segurana, conforme deciso abaixo transcrita: "Impetrante: Valdson Silva Cleto. Mandado de Segurana n 98.0025525-7. Impetrada: Diretora Regional da Escola de Administrao Fazendria. Pelo presente mandado de segurana, pretende o impetrante ver assegurado o direito de realizar as provas do concurso de Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional-AFTN, no prximo dia 17, a partir das 19 horas, aps o crepsculo vespertino nutico. Narra na inicial que professa sua f segundo a Doutrina Adventista, que tem como dia de guarda o Sbado, e que, portanto, no poder submeter-se realizao

das provas no horrio designado para o dia 17 de outubro (13 horas), j que se trata de perodo em que se deve se abster de atividade que no as vinculadas diretamente sua religio. Fundamenta seu pedido na liberdade de crena garantida constitucionalmente. Examino o pedido de liminar. H relevncia nos fundamentos do impetrante. A Constituio garante, efetivamente, no inciso VI do art. 5, a liberdade de conscincia e de crena, assegurando o livre exerccio dos cultos religiosos. O impetrante membro em exerccio da Igreja Adventista do Stimo Dia, que tem o Sbado como dia de guarda, o que impe aos fiis que se abstenham de atividades seculares do pr-do-sol de Sexta-feira ao pr-do-sol de Sbado. A falta de simultaneidade no se constitui em circunstncias que afetem o interesse pblico e a isonomia, pois a prova ser realizada pelo requerente no mesmo dia, porm aps as 19 horas, com a mesma durao prevista para os demais candidatos e ser preservado o sigilo. Neste contexto, e para resguardar a liberdade de crena e de conscincia, defiro a medida liminar para o efeito de assegurar ao impetrante a realizao da prova do concurso para AFTN, designada para o prximo Sbado 17 de outubro, em horrio especial a partir das 19 horas, devendo a autoridade impetrada adotar as providncias necessrias preservao do candidato em condio de incomunicabilidade, nas dependncias do local onde se realizar a prova, a partir do horrio de incio previsto para os demais concorrentes. Oficie-se para cumprimento e informaes. Aps, ao Ministrio Pblico Federal, voltando conclusos para a sentena. Em 16 de outubro de 1998. Tas Schilling Ferraz. Juza Federal da 11 Vara.". Em outro mandado de segurana, impetrado por Jefferson Antonio Quimelli, residente em Curitiba-PR, a Juza Leda de Oliveira Pinho, da 2. Vara Federal, proferiu a seguinte liminar: "Mandado de Segurana n 98.0023378-4. Impetrante: Jefferson Antonio Quimelli. Impetrado: Diretor da Escola de Administrao Fazendria do Paran. DECISO (em planto). Trata-se de mandado de segurana com pedido de liminar para que o impetrado promova condies de o impetrante realizar a prova marcada para o dia 17/10/98 (Sbado) em horrio compatvel com sua crena religiosa, ou seja, aps o pr-do-sol desse dia,

devendo o incio da prova se dar a partir de 19:15 e trmino s 00:05 horas do dia 18/10/98. Sustenta, com fulcro no art. 5 "caput" e inciso 6, da Constituio Federal, seu direito lquido e certo de obrigar a autoridade coatora a providenciar condies para que participe das provas em horrio compatvel com sua convico religiosa. DECIDO. So relevantes os fundamentos da impetrao. Os princpios constitucionais devem ser interpretados harmoniosamente. Assim, a norma constitucional que prev o acesso aos cargos pblicos to s mediante concurso pblico, no pode violar outras garantias constitucionais, tais como o direito de liberdade, de conscincia e de crena, previsto no artigo 5, inciso VI, da Constituio Federal. Nesse sentido, a jurisprudncia do Tribunal Regional Federal da 4 Regio, conforme ementa a seguir transcrita: EMENTA: Administrativo. Mandado de segurana. Remessa oficial, direito de prestar prova fsica de concurso em dia diverso do determinado. Liberdade de crena religiosa. 1. No h prejuzo ao interesse pblico, nem ao procedimento do concurso pblico, se, por fora de liminar, a impetrante realizou a prova em momento no conflitante com sua crena religiosa por pertencer a igreja Adventista do Stimo Dia que tem o Sbado como dia de guarda. 2. Resguardo do princpio constitucional que assegura a liberdade de crena e de conscincia bem como aqueles que regem a administrao quando se trata de concurso pblico. 3. Remessa oficial improvida. (Proc.: REO 0409256-95/RS, Tribunal: TR4, Turma: 04, REL. JUIZ: Juza Silvia Goraieb, Deciso: 12/12/1995, unnime, DJ 24/01/96, PG: 02506). O "periculum in mora" evidente, porquanto o retardo na prestao jurisdicional ocasionar ao impetrante grave dano, uma vez que o concurso est marcado para o prximo dia 17. Pelo exposto, defiro a liminar, nos termos em que requerida. Oficie-se ao impetrado para que d cumprimento a esta liminar e para que, no prazo de 10 dias apresente as informaes que tiver. Curitiba, 15 de outubro de 1998. Leda de Oliveira Pinho. Juza Federal / 2 Vara em planto.". Verifica-se, portanto, que o prprio Poder Judicirio tem estado sensvel ao problema tal como suscitado pelo recorrente.

De fato, a sugesto de suprimento das faltas ou datas e horrios alternativos para a prtica de determinada atividade, de difcil, mas no de impossvel execuo, podendo, pois, ser acatada, j que no traz qualquer prejuzo ao interesse pblico, apenas protegendo a liberdade individual-religiosa daquele que por sua f, guarda o dia do sbado. Neste sentido, cita-se o constitucionalista portugus Jorge Miranda que ressalta a importncia da liberdade religiosa, e afirma que ela est "no cerne da problemtica dos direitos humanos fundamentais, e no existe plena liberdade cultural nem plena liberdade poltica sem essa liberdade pblica, ou direito fundamental". Na doutrina ptria, Rui Barbosa tambm preconizava: "de todas as liberdades sociais, nenhuma to congenial ao homem, e to nobre, e to frutificativa, e to civilizadora, e to pacfica, e to filha do Evangelho, como a liberdade religiosa.". Outrossim, em se tratando o Brasil de Estado que, na sua esmagadora maioria, professa a f crist, entendemos oportuno transcrever trecho de discurso proferido por Sua Santidade o Papa Joo Paulo II aos participantes da 69 Conferncia da Unio Interparlamentar (Vaticano, 18 de setembro de 1982), como segue: " oportuno mencionar ainda o problema da liberdade religiosa. Sabeis que a Igreja no pede privilgio algum ao poder civil; com uma clareza que, desde o Conclio, sobressai ainda melhor que no passado, definiu uma posio global segundo a qual a liberdade religiosa no seno uma das faces do prisma unitrio da liberdade: esta elemento constitutivo essencial de uma sociedade autenticamente moderna e democrtica. Por conseguinte, nenhum Estado pode pretender beneficiar de uma estima positiva e, com mais forte razo, ser considerado merecedor pelo nico facto de parecer conceder a liberdade religiosa, quando de facto a isola de um contexto geral de liberdade; e um Estado no pode definir-se "democrtico" se de qualquer modo pe obstculos liberdade religiosa no s no que diz respeito ao exerccio da prtica do culto, mas ainda participao num p de igualdade nas actividades escolares e educativas, como tambm nas iniciativas sociais, nas quais a

vida do homem moderno se articula cada vez mais. A histria, mesmo a mais recente, atesta que os responsveis civis preocupados com o bem do seu povo no tm nada a temer da Igreja, pelo contrrio, respeitando-lhe as actividades, proporcionam ao prprio povo um enriquecimento, porque utilizam um meio certo de melhoramento e de elevao.". Neste diapaso, importante trazer colao os termos da Declarao Dignitatis Humanae sobre a liberdade religiosa, de cujo texto extramos os seguintes trechos: "1. Os homens de hoje tornam-se cada dia mais conscientes da dignidade da pessoa humana e, cada vez em maior nmero, reivindicam a capacidade de agir segundo a prpria convico e com liberdade responsvel, no forados por coao, mas levados pela conscincia do dever. Requerem tambm que o poder pblico seja delimitado juridicamente, a fim de que a honesta liberdade das pessoas e das associaes no seja restringida mais do que devido. Esta exigncia de liberdade na sociedade humana diz respeito principalmente ao que prprio do esprito, e, antes de mais, ao que se refere ao livre exerccio da religio na sociedade. Considerando atentamente estas aspiraes, e propondo-se declarar quanto so conformes verdade e justia, este Conclio Vaticano investiga a sagrada tradio e doutrina da Igreja, das quais tira novos ensinamentos, sempre concordantes com os antigos. captulo i. ASPECTOS GERAIS DA LIBERDADE RELIGIOSA. Objeto e fundamento da liberdade religiosa. 2. Este Conclio Vaticano declara que a pessoa humana tem direito liberdade religiosa. Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coao, quer por parte dos indivduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matria religiosa, ningum seja forado a agir contra a prpria conscincia, nem impedido, dentro dos devidos limites, de proceder segundo a mesma, em particular e em pblico, s ou associado com outros. Declara, alm disso, que o direito liberdade religiosa se funda realmente na prpria dignidade da pessoa humana, qual a palavra revelada de Deus e a prpria razo a do a conhecer. Este direito da pessoa humana liberdade religiosa, na ordem jurdica da sociedade, deve ser de tal modo reconhecido que se torne um direito civil. Conforme a

prpria dignidade, todos os homens, visto que so pessoas dotadas de razo e de vontade livre e por isso mesmo com responsabilidade pessoal, so levados pela prpria natureza e tambm obrigados moralmente a procurar a verdade, antes de mais a que diz respeito religio. Tm tambm obrigao de aderir verdade conhecida e de ordenar toda a sua vida segundo as exigncias dela. Ora, os homens no podem no satisfazer a esta obrigao em conformidade com a prpria natureza, a no ser que gozem ao mesmo tempo de liberdade psicolgica e imunidade de coao externa. O direito liberdade religiosa no se funda, pois, na disposio subjetiva da pessoa, mas na sua prpria natureza. Por esta razo, o direito a esta imunidade persevera ainda naqueles que no satisfazem obrigao de buscar a verdade e a ela aderir; e, desde que se guarde a justa ordem pblica, o seu exerccio no pode ser impedido... ... A promoo da liberdade religiosa. 6. Dado que o bem comum da sociedade, que o conjunto das condies de vida social que possibilitam aos homens alcanar mais plena e facilmente a prpria perfeio, consiste sobretudo na salvaguarda dos direitos e deveres da pessoa humana, o cuidado pela liberdade religiosa incumbe tanto aos cidados como aos grupos sociais, aos poderes civis, Igreja e s outras comunidades religiosas, segundo o modo prprio de cada uma, e de acordo com as suas obrigaes para com o bem comum. Pertence essencialmente a qualquer autoridade civil defender e promover os direitos humanos inviolveis. Deve, por isso, o poder civil assegurar eficazmente, valendo-se de leis justas e outros meios convenientes, a tutela da liberdade religiosa de todos os cidados, e proporcionar condies favorveis ao desenvolvimento da vida religiosa, de modo que os cidados possam realmente exercitar os seus direitos e cumprir os seus deveres, e a prpria sociedade se beneficie dos bens da justia e da paz que derivam da fidelidade dos homens a Deus e sua santa vontade. Se, em razo das circunstncias particulares dos diferentes povos, se atribui a determinado grupo religioso um reconhecimento civil especial na ordem jurdica, necessrio que, ao mesmo tempo, se reconhea e assegure a todos os cidados e comunidades religiosas o direito liberdade em matria religiosa. Finalmente, a autoridade civil deve tomar providncias para que a igualdade jurdica dos cidados, a qual tambm pertence ao bem comum da

sociedade, nunca seja lesada, clara ou larvadamente, por motivos religiosos, nem entre eles se faa qualquer discriminao. Daqui se conclui que no lcito ao poder pblico impor aos cidados por fora, medo ou qualquer outro meio, que professem ou rejeitem determinada religio, ou impedir algum de entrar numa comunidade religiosa ou dela sair. Muito mais contra a vontade de Deus e os sagrados direitos da pessoa e da humanidade recorrer por qualquer modo fora para destruir ou dificultar a religio, quer em toda a terra quer em alguma regio ou grupo determinado. Os limites da liberdade religiosa. 7. no seio da sociedade humana que se exerce o direito liberdade em matria religiosa; por isso, este exerccio est sujeito a certas normas reguladoras. No uso de qualquer liberdade deve respeitar-se o princpio moral da responsabilidade pessoal e social; cada homem e cada grupo social est moralmente obrigado, no exerccio dos prprios direitos, a ter em conta os direitos alheios e os seus prprios deveres para com os outros e o bem comum. Com todos se deve proceder com justia e bondade. Alm disso, uma vez que a sociedade civil tem o direito de se proteger contra os abusos que, sob pretexto de liberdade religiosa, se poderiam verificar, sobretudo ao poder civil que pertence assegurar esta proteo. Isto, porm, no se deve fazer de modo arbitrrio, ou favorecendo injustamente uma parte, mas segundo as normas jurdicas, conformes ordem objetiva, postuladas pela tutela eficaz dos direitos de todos os cidados e sua pacfica harmonia, pelo suficiente cuidado da honesta paz pblica, que est na ordenada convivncia sobre a base duma verdadeira justia, e ainda pela guarda que se deve ter da moralidade pblica. Todas estas coisas so parte fundamental do bem comum e pertencem ordem pblica. Deve alis manter-se o princpio de assegurar a liberdade integral na sociedade, segundo o qual se h de reconhecer ao homem o maior grau possvel de liberdade, s restringindo esta quando e na medida que for necessrio. A educao para o exerccio da liberdade. 8. Os homens de hoje esto sujeitos a presses de toda a ordem e correm o perigo de se ver privados da prpria determinao. Por outro lado, no poucos mostram-se inclinados a rejeitar, sob pretexto de liberdade, toda e qualquer sujeio, ou a fazer pouco caso da devida obedincia. Pelo que este Conclio Vaticano exorta a todos, mas sobretudo aos que tm a seu

cargo educar, a que se esforcem por formar homens que, fiis ordem moral, obedeam autoridade legtima e amem a autntica liberdade; isto , homens que julguem as coisas por si mesmos e luz da verdade, procedam com sentido de responsabilidade, e aspirem a tudo o que verdadeiro e justo, sempre prontos para colaborar generosamente com os demais. A liberdade religiosa deve, portanto, servir e orientar-se para levar os homens a proceder mais responsavelmente no desempenho dos seus deveres na vida social... ... Concluso. 15. , pois, manifesto que os homens de hoje desejam poder professar livremente a religio, em particular e em pblico, e que a liberdade religiosa se encontra j declarada como um direito civil na maior parte das Constituies, e solenemente reconhecida em documentos internacionais. Mas, embora a liberdade de culto religioso seja reconhecida na Constituio, no faltam regimes em que os poderes pblicos se esforam por afastar os cidados de professarem a religio e por tornar muito difcil e insegura a vida s comunidades religiosas. Saudando com alegria aqueles propcios sinais do nosso tempo, e denunciando com dor estes fatos deplorveis, o sagrado Conclio exorta os catlicos e pede a todos os homens que ponderem com muita ateno a grande necessidade da liberdade religiosa, sobretudo nas atuais circunstncias da famlia humana. Pois patente que todos os povos se unem cada vez mais, que os homens de diferentes culturas e religies estabelecem entre si relaes mais estreitas, e que, finalmente, aumenta a conscincia da responsabilidade prpria de cada um. Por isso, para que se estabeleam e consolidem as relaes pacficas e a concrdia no gnero humano, necessrio que, em toda a parte, a liberdade religiosa tenha uma eficaz tutela jurdica e que se respeitem os supremos deveres e direitos dos homens quanto livre prtica da religio na sociedade. Encontrando-se a liberdade religiosa diligentemente garantida na sociedade, queira Deus, Pai de todos os homens, que a famlia humana seja conduzida pela graa de Cristo e pela fora do Esprito Santo sublime e perene "liberdade da glria dos filhos de Deus" (Rm 8,21). Promulgao. Todas e cada uma das coisas que nesta Declarao se incluem, agradaram aos Padres do sagrado Conclio. E ns, pela autoridade apostlica que nos foi confiada por Cristo, juntamente com os venerveis Padres as aprovamos no Esprito Santo, as decretamos e estabelecemos;

e tudo quanto assim foi estatudo sinodalmente mandamos que, para glria de Deus, seja promulgado. Roma, junto de So Pedro, aos 7 de dezembro de 1965. Eu, PAULO, Bispo da Igreja Catlica. (Seguem-se as assinaturas dos Padres Conciliares).".

Liberdade religiosa e seus conflitos

Resumo A Liberdade Religiosa um direito que custou a ser conquistado atravs dos tempos. Ela teve seu surgimento, de modo contestado, na Inglaterra, e, de modo efetivo, na Frana. No Brasil surgiu em 1890. No ordenamento jurdico este direito assegurado pela Constituio Federal e protegido pelo Cdigo Penal. Contudo, h momentos em que a Liberdade Religiosa entrar em conflito com outros direitos. Um exemplo o sacrifcio de animais, onde ocorre conflito entre o direito dos animais com o direito a prtica religiosa. Neste caso como no pode ser substituda esta prtica sem a descaracterizao que causaria uma lacuna nos ritos religiosos e ainda, sabendo que milhares de animais so mortos para consumo que esta prtica deve ser mantida. Diferentemente, do direito da prtica religiosa e o direito de sossego onde, o direito de prtica religiosa est violando o direito de sossego sendo que, neste caso as igrejas tero de se adaptar as condies impostas em lei para poderem se localizar em bairros residenciais. Toma-se como fundamento para a afirmao acima o fato que as igrejas produzindo menos sons no haveria descaracterizao do culto religioso e sim uma adaptao que no causaria nenhuma perda nos ritos religiosos. Por tanto, a Liberdade Religiosa, como direito, prevalecer sempre nos casos de conflitos de direitos, onde o direito conflitante exigir uma descaracterizao dos ritos religiosos. E poder ser contestada se o direito conflitante exigir apenas uma simples adaptao do exerccio culto sem perda dos ritos religiosos. Palavras-chave: Liberdade; Religio; Constituio Federal; Igrejas. Introduo A religio, como crena em algo superior, acompanha o homem desde o incio de sua existncia. Porm, para que ela fosse aceita, era preciso que o lder do grupo manifestasse a mesma crena, caso contrrio, seus seguidores poderiam ser perseguidos e at mortos por isso. A liberdade religiosa, como conhecida hoje, algo bem recente, embora no passado haja exemplos isolados como a tolerncia romana aos cristos[3]. Mas a liberdade religiosa, apesar de no ter sido geral, tem seus frutos na Bill of Rights inglesa, pois neste documento publicado aps a famosa Revoluo Gloriosa, h a concesso da liberdade de religio para todos os protestantes exceto para os catlicos, que ainda continuariam a serem perseguidos e discriminados nas terras inglesas. Cem anos depois o mundo conheceria o primeiro documento que concederia liberdade de religio a todos, a celebre Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, que em seu artigo 10[4] assegurava o direito de ter qualquer opinio religiosa desde que no prejudicasse a ordem.

J os Norte americanos, que tiveram sua nao formada por fugitivos e perseguidos religiosos da Coroa Inglesa, publicam em 1791, na Bill of Rights.Esta Declarao estabelece que: Art. 1 - O Congresso no legislar no sentido de estabelecer uma religio, ou proibindo o livre exerccio dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo peties para a reparao de seus agravos. Alm disso, o artigo 12 do documento assinado pela Conveno Americana sobre os Direitos Humanos, cita sobre a inviolabilidade do direito a liberdade de conscincia e religiosa. Art. 12 - Liberdade de Conscincia e de Religio: 1 Toda pessoa tem direito liberdade de conscincia e de religio. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religio ou suas crenas. Ou de mudar de religio ou de crenas, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religio ou suas crenas, individual ou coletivamente, tanto em pblico como em privado. 2 Ningum pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religio ou suas crenas, ou de mudar de religio ou de crena. 3 A liberdade de manifestar a prpria religio e as prprias crenas est unicamente s limitaes prescritas pela lei e que sejam necessrias para proteger a segurana, a ordem, a sade ou a moral pblicas ou os direitos ou liberdades das demais pessoas. 4 Os pais, e quando for o caso os tutores, tm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educao religiosa e moral que esteja acorde com suas prprias convices. Porm, no Brasil, a liberdade de culto s foi aceita e legalizada aps Proclamao da Repblica, atravs do Decreto 119-A, de 1890, de autoria de Ruy Barbosa. E se tornou norma constitucional com a Constituio de 1891, que transformava, inclusive, o Brasil em um Estado Laico, portanto, sem uma religio oficial definida por lei. Hoje a liberdade religiosa algo amplamente difundido no ordenamento jurdico. Em nossa Constituio Federal podemos citar o artigo 5: Art. 5 - Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e estrangeiros residente no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: (...) VI- inviolvel a liberdade de conscincia de crena, sendo assegurado o livre exerccio dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteo aos locais de culto e a suas liturgias; VII- assegurada, nos termos da lei, a prestao de assistncia religiosa nas entidades civis e militares de internao coletiva;

VIII- ningum ser privado de direitos por motivo de crena religiosa ou de convico filosfica ou poltica, salvo se as invocar para eximir-se de obrigao legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestao alternativa, fixada em lei; (...) Alm disso, estes direitos gozam da proteo que lhes atribuda pelo Cdigo Penal no artigo: Art. 208. Escarnecer de algum publicamente, por motivo de crena ou funo religiosa; impedir ou perturbar cerimnia ou pratica de culto religioso. E ainda de acordo com o doutrinador Mirabete, 1998, pg. 394 temos que: Embora sejam admissveis os debates, criticas ou polmicas a respeito das religies em seus aspectos teolgicos, cientficos, jurdicos, sociais ou filosficos, no se permitem os extremos das zombarias, ultrajes ou vilipndios aos crentes ou coisas religiosas. Contudo, atravs do que pode ser observado acima, a Liberdade Religiosa um direito que foi de difcil conquista e que deve ser feito observncia a sua preservao em todo ato e processo jurdico. Discusso Terica do Tema A Liberdade Religiosa um direito absoluto que deve ser mantido a todo custo. Porm, s vezes este direito entra em atrito com outro direito. Um exemplo de conflito para com o Meio Ambiente, onde em algumas religies adotada a prtica da Imolao. A Imolao consiste em se matar um animal como forma de sacrifcio a um ente superior. Algumas religies como o Candombl, Umbanda e at mesmo o Islamismo adotam essa prtica em seus ritos religiosos. Porm, uma questo a ser levantada se o direito a liberdade de culto pode ser limitado pelo direito proteo dos animais. Se tomada a viso biocntrica, ser observada que os animais como seres integrantes da natureza, assim como o homem, teriam os seus direitos a vida que no poderiam, nem sobre o pretexto de proteo da religio ou cultura do homem, ser violados. Uma vez ainda que essa viso no distingue os direitos humanos e direitos animais, pois ela compreende que animais e seres humanos teriam os mesmos direitos. No entanto, a viso antropocntrica afirma que o homem, sob os pretextos citados acima, poderia praticar tal ato, devido ao fato de que assim ele preservaria sua religio e cultura. E, ainda, alegando que o sacrifcio deve ser feito com o consentimento da vtima, portanto no se constitua um ato de crueldade. Sobre isso argumenta Fiorillo & Rodrigues, 1999, pg. 330: Se matar um animal um ato cruel, o que dizer dos 200mil frangos abatidos por dia, no Brasil, sem que ningum tome providencias a respeito?

E sob essa viso concedemos ao homem uma viso de um ser diferenciado dentro da natureza. Que seria portador de direitos e deveres aos quais os animais, se querer, teriam acesso. E sob essa viso que se encontra moldado o nosso ordenamento jurdico. Outra questo a ser levantada a questo da poluio sonora causada por algumas igrejas e o fato disso incomodar a vizinhana. Segundo o CONAMA[5] o limite de produo sonora de 40 (quarenta) a 50 (cinqenta) decibis para as igrejas e templos. Ento qual direito prevalece? Em uma analise mais detalhada do fato ser observado o confronto de direitos, em uma esfera os crentes e praticantes do culto, que exercendo seu direito de liberdade religiosa e gozando da proteo ao seu local de culto assegurados pela Constituio alegam que tem o direito de poder exercer seu culto sem que algum os interrompa, do outro lado da esfera vizinhana que alega que algumas igrejas os impedem de exercer, de fato o seu direito de sossego que determinado na Lei das Contravenes Penais: Art.42. Perturbar algum, o trabalho ou o sossego alheios: (...) III abusando de instrumentos sonoros ou sinais acsticos; (...) Neste caso ento, ambos os lados se baseiam em princpios legais quando afirmam possurem direitos. Consideraes Finais Conclui-se, com base nos dados acima, que a Liberdade Religiosa um Direito que custou a ser conquistado, sendo que o mesmo s surgiu no mundo na transio histrica entre Era Moderna e Contempornea e que no Brasil s foi conquistado com o advento da Repblica. Isso torna tpico o comportamento do legislador quando o mesmo criou, no sistema legislativo, normas que impunham esse direito e outras que penalizavam a infrao contra esse direito. Contudo, existem momentos em que h conflitos de direitos e neste caso necessrio um minucioso estudo para descobrir em qual lado a balana deve pender. Mas acima de tudo no se deve negar o direito a crena, e sim adapta-lo. Um exemplo de conflito de interesses o direito dos animais e a liberdade religiosa. Neste caso embora os animais tenham seus direitos, existem religies onde o sacrifcio um sacramento essencial e no pode ser substitudo ou mesmo extinguido pelo Estado. Alem disso, vrios animais morrem para o consumo dirio e esses animais sacrificados so mortos com a preocupao de que eles no sofram, como ocorre na maioria das religies que adotam essa prtica. Portanto, prevalece o direito de livre culto. Outro exemplo, porm esse um pouco mais polmico o conflito existente entre o direito ao sossego e o direito ao culto. Neste caso, porm, as igrejas que se instalarem em bairros residenciais tm que estarem cientes de que tero que obedecer a certas

normas e direitos alheios quando estes lhes forem reivindicados. Portanto, neste caso prevalece o direito de sossego dos vizinhos, uma vez que o direito ao culto estar mantido e o que haver uma adaptao deste direito com a reduo do som produzido. Ento, se conclui que a Liberdade Religiosa uma direto que no pode ser negado a ningum. que se em algum momento esse direito entrar em conflito com algum outro ser necessrio uma anlise minuciosa para saber se o direito conflitante se for atendido, descaracterizar ou colocar em xeque o direito de livre culto. Pois se o direito conflitante, para ser atendido, necessitar apenas de uma simples adaptao para ser atendido, como no caso da poluio sonora, este direito poder ser reivindicado. Bibliografia BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 21 ed., So Paulo, Saraiva, 2000. CRETELLA JNIOR, Jos. Comentrios Constituio Brasileira de 1988. vol.1. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1988. FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 9ed., So Paulo: Saraiva,1998. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 1 ed., So Paulo: Saraiva, 2000. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco e RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Ambiental e Legislao Aplicvel. 2 ed., So Paulo: Max Limonad, 1999. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 14 ed., So Paulo: Atlas, 1998. MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 2 ed., So Paulo: Atlas, 1998. PIERUCCI, Antnio Flvio e PRANDI, Reginaldo. A Realidade Social das Religies no Brasil. 1 ed., So Paulo: Hucitec, 1996. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 2 ed., So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. SILVA, Jos Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13 ed., So Paulo: Malheiros, 1997. SORIANO, Aldir Guedes. A Liberdade Religiosa no mbito do Direito Constitucional Brasileiro. In: Revista Nacional de Direito e Jurisprudncia, Ribeiro Preto/sp, vol. 19, jul./2001. SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. 1 ed., So Paulo: 2002. Notas:

[3] Edito de Milo, 313 publicado pelo imperador Constantino [4] Art. 10:Ningum deve ser molestado por suas opinies, mesmo religiosas, desde que as manifeste por modo a no perturbar a ordem pblica estabelecida pela lei [5] Conselho Nacional do Meio Ambiente

Thiago Oliveira Catana e Srgio Tibiria Amaral Thiago Oliveira Catana: Discente do curso de Direito pelas Faculdades Integradas Antnio Eufrsio de Toledo de Presidente Prudente/SP. Srgio Tibiria Amaral: Graduado em Direito pela TOLEDO de Bauru. Especialista em Interesses Difusos e Coletivos. Mestre em Direito das Relaes Pblicas pela Universidade de Marlia e em Sistema Constitucional de Garantias (ITE-Bauru). Inserido em 5/10/2006 Parte integrante da Edio no 198 Cdigo da publicao: 1580 Este artigo j foi acessado 8942 vezes.

Liberdade religiosa e o pleno exerccio da cidadania

Ttulo: Liberdade religiosa e o pleno exerccio da cidadania : ponderaes sobre o descanso semanal como dia sagrado a partir do sistema constitucional brasileiro Autor: Oliveira, Neidsonei Pereira de Data de Publicao: 2007 Resumo: Analisa primordialmente a atuao do Estado enquanto garantidor do direito fundamental liberdade religiosa quando, para o exerccio de direitos, haja obrigaes legais que venham com aquela conflitar, em especial, a crena do descanso semanal enquanto dia sagrado. Trata do significado de cidadania e sua extenso em um Estado Democrtico de Direito, com nfase nos direitos educao, acesso aos cargos pblicos e liberdade religiosa. Esclarece as caractersticas da liberdade religiosa enquanto direito fundamental, caracterizando seus limites, estabelecidos pela moderna doutrina jurdica,

e suas relaes com outros princpios constitucionais, sem olvidar o adequado significado do princpio do Estado laico. Enfoca as normas e princpios constitucionais que fundamentam a tutela da liberdade religiosa, alm da efetividade do direito objeo de conscincia previsto no art. 5, inciso VIII da Constituio Federal de 1988, como pleno exerccio da cidadania. Realiza ampla anlise da jurisprudncia, pertinente ao tema, dos principais tribunais brasileiros, bem como pareceres do Ministrio da Educao e Cultura, identificando o posicionamento da jurisdio constitucional brasileira, na maioria das vezes no uniforme, com divergncias muitas vezes no prprio tribunal. Atenta para a negativa do direito liberdade religiosa e objeo de conscincia pelos tribunais, analisando o fundamento utilizado da ausncia de norma federal infraconstitucional regulamentadora, a despeito da base constitucional constatada. Em contrapartida, registra-se a existncia de projeto de lei federal em tramitao, e considervel legislao nas esferas estaduais e municipais que tratam do presente tema, tendo sido, algumas dessas leis, objeto de Ao Direta de Inconstitucionalidade no STF, Tribunal que j decidiu pela procedncia da que contesta Lei do Rio Grande do Sul, por vcio formal. Por fim, aduz que o Estado brasileiro deve garantir por meio de aes afirmativas, conforme alguns precedentes j aplicados pelos tribunais do pas, o atendimento do princpio da liberdade religiosa concomitante ao pleno exerccio da cidadania a todo o seu povo, independente do credo adotado, de modo que o seu Texto Constitucional faa jus ao ttulo recebido de Constituio Cidad.

Artigo

As razes do outroPor Telma Maria Santos[1]

Ano passado publiquei um artigo que se reportou aos equvocos e injustias da nefasta prtica do julgamento social, aquele em que nos arvoramos ser o juiz do comportamento de algum sem que tenhamos conhecimento da real situao ou apresentemos uma conscincia que nos faculte tal procedimento. No caso, temos dificuldade de nos projetar no universo do observado, pela individualidade de cada um, concretizada em sentimentos, ressentimentos, desejos, averses, sonhos, desencantos, motivaes e rancores muito prprios. Quase nunca senhores da nossa realidade interna, j que possumos recnditos inabitados dos quais fugimos consciente e inconscientemente, evidenciamos inmeras limitaes que nos impedem de perceber a realidade subjacente, principalmente a do outro. Esta constatao deveria nos estimular a uma prtica que, embora tendente a diminuir este abismo, quase nunca lembrada nos momentos mais conflituosos: ouvir. E ouvir aqui ganha uma acepo larga porque significa no somente ouvir o outro, mas procurar analisar, desapaixonadamente e sem projetar a prpria sombra, os motivos do outro, para, somente a partir da se pensar em corrigir erros que estejam afetando a convivncia saudvel e tica. Misso difcil? Sem dvida. Mas o que somos seno eternos aprendizes em busca do crescimento integral? Na verdade, as inmeras dificuldades que temos em procurar entender

(ateno, no estou dizendo concordar) o outro tem origem em nossa superficial viso acerca de ns mesmos. Da a eterna contemporaneidade da sabedoria agasalhada na frase de Scrates que nos conclama ao autoconhecimento. Pois bem. Trazendo o tema para o campo do julgamento tcnico, procedido por um rgo constitucionalmente destinado para tal, e cujos detentores desta parcela de poder tenham todas as garantias para julgarem com a independncia indispensvel, tem-se uma srie de regras direcionadas para garantir igualdade de condies s partes, especialmente no que se refere a poder contradizer o que contra si foi aventado. O Juiz, portanto, que deve se valer do que se avista nos autos, um profissional que no seu mister se habitua a sempre ouvir o outro lado, antes de formar o seu juzo de valor definitivo. Mas isto no significa que ns Magistrados estamos isentos de esquecer a aplicao disso na vida social. Semana passada, pude refletir mais amide sobre o tema deste artigo por conta de um processo que chegou s minhas mos para decidir um pedido de liminar. Resumidamente, sem citar nomes, evidentemente, tratava-se de um pedido de um aluno adventista para que a faculdade por ele freqentada lhe oferecesse opes para as aulas do dia do sbado, pois, segundo alegou, atender proposio da instituio de ensino superior equivaleria a violar o 4 (quarto) Mandamento. Tema polmico, alis, como todos os temas que se relacionam com religio, futebol e poltica, procurei teorizar o que, na minha viso, os defensores de cada corrente poderiam dizer de razovel para terem os argumentos aceitos e, assim, verem a tese defendida prevalecer. Assim, parte da minha deciso teve o teor abaixo[2] subscrito, entre aspas. Por ser o Brasil um Estado laico[3], nenhuma religio pode exercer presso ideolgica junto aos cidados livres, nem imprimir sua marca ou papis do Estado, porque no h verdadeira democracia sem liberdade religiosa, isto , sem igualdade de os cidados professarem a f que lhe repercute no seu mago, justamente naquela poro transcendente que pode levar o ser humano a pairar alm dos valores efmeros, e se reconhecer como criatura eterna, originada da centelha divina. Desnecessrio tambm dizer que a liberdade religiosa h de estar em

perfeita consonncia com os princpios constitucionais, no se admitindo invocar tal liberdade para fins no agasalhados pela ordem constitucional. No caso presente, de se observar que a impetrante, no propsito firme de respeitar os dogmas da sua crena, no pretende eximir-se da obrigao de submeter-se s aulas, s avaliaes ou de realizar as atividades propostas, mas to-somente a realizao de tais atividades em horrio diferenciado, no compreendido no perodo do sbado bblico. No h como no trazer mente uma passagem da obra Filosofia do Direito: dos gregos ao ps-modernismo, de Wayne Morrison, professor de direito no Queen Mary and Westfield College e da Universidade de Londres, exatamente onde ele se reporta concepo Tomista do Estado, a qual, no obstante reconhea a legitimidade do Estado, evidencia que este no pode obstaculizar o homem na busca da sua espiritualidade:A partir da definio aristotlica do homem como animal social nascido para a sociedade poltica, Santo Toms concorda que o Estado uma instituio natural derivada da natureza humana, mas postula que o Estado tambm tem o dever que lhe imposto no sentido de ajudar o homem a cumprir seu fim natural. (...). Ao contrrio de Santo Agostinho, Santo Toms no v o Estado como produto da pecaminosidade do homem (...). Santo Toms afirmava a legitimidade do Estado e sua autonomia em sua prpria esfera, subordinando-o Igreja apenas para assegurar que o fim espiritual ltimo do homem fosse levado em considerao.[4]

A reflexo a se fazer, portanto, h de encarar a prevalncia (ou no) de uma crena religiosa frente a uma obrigao aos demais imposta, luz do ordenamento constitucional vigente.

Pois bem. Compreendo que muitos que no professam os mesmos dogmas defendidos pela impetrante tm inmeros argumentos respeitveis do ponto de vista argumentativo, filosfico e religioso, seno vejamos:

1. afirmao da autora de que, por ser crist e respeitar os 10 mandamentos, no se lhe poderia exigir o comparecimento desde o entardecer da sexta-feira at o pr-do-sol do dia seguinte, outros cristos protestantes, catlicos, espritas etc., poderiam contrapor o argumento de que tambm eles guardam os 10 mandamentos, na medida em que a guarda do sbado sofreu, ao longo do tempo, algumas interpretaes, dando-se nfase, evidentemente, quelas que engrandecem a misericrdia de Deus. Sob tal aspecto, que os cristos, inclusive os prprios adventistas

buscam na prpria vida e atitudes do Cristo, a melhor forma de entender tal mandamento. Das narrativas dos evangelistas, ater-nos-emos a duas, encartadas nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, em que Jesus deixa muito evidente a forma de se dar cumprimento guarda do sbado: 1.1. Uma passagem se refere ao episdio em que os discpulos, famintos, arrancam espigas de uma plantao para comer e os fariseus aproveitam tal atitude para criticar Jesus por no ter impedido o fato, ao que Ele responde:No lestes o que fez Davi e seus companheiros quando tiveram fome? Como entrou na casa de Deus e como eles comeram os pes da proposio, que no era lcito comer, nem a ele, nem aos que estavam com ele, mas exclusivamente aos sacerdotes? Ou no leste na Lei que com os seus deveres sabticos os sacerdotes do Templo violam o sbado e ficam sem culpa? Digo-vos que aqui est algo maior do que o Templo. Se soubsseis o que significa: Misericrdia que eu quero e no sacrifcio, no condenareis os que no tm culpa. Pois o Filho do Homem senhor do sbado.[5]

1.2. A outra narrativa citada refere-se cura de um homem que tinha uma mo atrofiada e que Jesus curou em pleno sbado. Neste episdio, tentaram testar Jesus, para acus-lo depois. Mateus assim descreve:

Partindo dali, entrou na sinagoga deles. Ora, ali estava um homem com a mo atrofiada. Ento perguntaram-lhe, a fim de acus-lo: lcito curar aos sbados? Jesus respondeu: Quem haver dentre vs que, tendo uma s ovelha e caindo ela numa cova em dia de sbado, no vai apanh-la e tir-la dali? Ora, um homem vale muito mais do que uma ovelha! Logo lcito fazer o bem aos sbados. (...).[6]

Pois bem, tais registros evanglicos deixam evidentes que para o cristo lcito fazer o bem em qualquer dia da semana. Neste aspecto, as palavras de Jesus se harmonizam perfeitamente com as suas lies e conduta de vida, j que foi enftico em dizer que devemos fazer aos outros o que desejamos que os outros nos faam, numa evidente chamada de conscincia para ir alm de no fazer o mal, passando, tambm, a fazer o bem. O apstolo Paulo compreendeu como ningum tal proposio quando, em I Corntios, XIII, 1 a 13, um dos mais belos poemas de que a humanidade tem notcia, assim terminou o captulo: Agora, portanto, permanecem f, esperana, caridade, essas trs coisas. A maior delas, porm, a caridade. Nenhuma dvida, portanto, de que a caridade, no contexto cristo, a f em movimento, a f que age na construo de um mundo melhor, afinal, conforme tambm narra Mateus (VII, 21), Jesus afirmou que nem todo aquele que me diz Senhor, Senhor entrar no Reino dos Cus. Com o que, nos moldes das propostas neotestamentrias, a melhor forma de adorao a Deus colocando em prtica a caridade material

e moral. 1.2. Por sua vez, poderiam ainda argumentar os defensores da corrente contrria, partindo do pressuposto de inexistirem dvidas de que a caridade, tanto a material quanto a moral, elevada condio de salvao na Doutrina Crist, se estudar no dia da semana guardado pelos adventistas pode ou no situar-se no que Jesus classificou como fazer o bem, excepcionando, desta forma, a guarda do sbado. A esta altura, no se pode fugir da indagao: estudar se enquadra em fazer o bem? Antes de ripostar tal questionamento, h de se refletir que os opositores ao direito pleiteado entendem que na concepo Crist no ex iste relatividade para a finalidade do estudo: h de sempre ser direcionado para o bem da pessoa, para os que esto ao seu redor, enfim, para a comunidade, justamente pelo fato de ele preparar o cidado para cumprir bem o seu papel social. Afinal, diriam, uma mente que se ilumina torna-se um ponto de irradiao de luz, trazendo benefcios para si e para os que interagem, de alguma forma, com a pessoa. 2. Mas os defensores da guarda do sbado tambm trazem argumentos de peso, os quais no podem ser desconsiderados. Apoiando-se na constatao de que a natureza humana ainda est sujeita a inmeras vicissitudes, derivadas da condio de seres ainda imperfeitos, ganham relevo as ponderaes no sentido de que o sbado deve ser reservado para reflexes que repercut m na cura a espiritual; que o descanso equivaleria a no se deixar arrastar pela correnteza da ambio, da disputa de poder, da ansiedade de competio pelos primeiros lugares neste mundo transitrio; que tal espao de tempo no dedicado inanio, mas sim convivncia familiar dentro de uma atmosfera de estudos e reflexes que visam ao aperfeioamento espiritual, e, assim ocorrendo, h tambm um bem inestimvel sendo construdo e semeado. Para os que assim pensam, a caridade material e moral a tambm se faria atuante. Diante dos argumentos acima, haveria de se indagar, ento, qual das vises oferece o bem mais desejvel e se o escolhido poderia ser imposto ou ao requerente ou sociedade e mesmo ao poder pblico. Tal pergunta, entretanto, no a melhor a ser formulada, tampouco a resposta dela poderia nortear uma deciso judicial, haja vista a profundidade filosfica e o subjetivismo com que se reveste.

A mais sensata indagao, portanto, se cabe ao Estado, subordinado a uma ordem constitucional garantidora da preservao da dignidade da pessoa humana, e que positivou na sua Lei Suprema a inviolabilidade liberdade de conscincia e de crena, garantindo, ainda, que ningum ser privado de direitos por motivo de crena religiosa, a menos que a invoque para se furtar de obrigao legal imposta a todos e se recuse a cumprir prestao alternativa, impor ou permitir que um delegatrio seu

imponha (o) impetrante o pensamento da corrente contrria sua crena. Eis os preceptivos constitucionais delineadores de tal assunto:Art. 5 (omissis).

VI - inviolvel a liberdade de conscincia e de crena, sendo assegurado o livre exerccio dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteo aos locais de culto e a suas liturgias;

(omissis) VIII - ningum ser privado de direitos por motivo de crena religiosa ou de convico filosfica ou poltica, salvo se as invocar para eximir-se de obrigao legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestao alternativa, fixada em lei.

Convm frisar que a Declarao Universal dos Direitos do Homem e do Cidado, contemplou, no artigo XVIII, esta regra de ouro indispensvel para a convivncia pacfica num mundo de inmeras interpretaes da vontade do Criador, interpretaes, diga-se de passagem, nem sempre em harmonia com a grandeza da Divindade. Mas atentemos para a letra do artigo referido acima:Todo ser humano tem direito liberdade de pensamento, conscincia e religio; este direito inclui a liberdade de mudar de religio ou crena e a liberdade de manifestar essa religio ou crena, pelo ensino, pela prtica, pelo culto e pela observncia, em pblico ou em particular.

A complexidade da questo reside exatamente no alcance a ser dado referida liberdade. Mas tal complexidade est longe de ser dirimida pelos filsofos e jusfilsofos de todos os tempos. Ronald Dworkin traz-nos a seguinte contribuio sobre este tema eternamente palpitante:Qualquer pessoa que adote a liberdade ou a igualdade como ideal normativo deve ter alguma opinio sobre os modos como as pessoas deveriam ser livres e os aspectos nos quais deveriam ser iguais ou tratadas como iguais, e cada pessoa ter uma opinio diferente. A liberdade e a igualdade, em outras palavras, so conceitos que admitem diversas

interpretaes ou concepes. Se achamos que a liberdade e a igualdade entram em conflito como ideais de pender, indubitavelmente, de quais concepes de cada adotamos.[7]

Na histria da humanidade, a conquista da liberdade de crena, foi marcada, em geral, por sangue de mrtires incontveis de todas as pocas. A consolidao paulatina tambm pede reafirmaes diuturnas. Norberto Bobbio ao discorrer sobre outro direito que tambm se avultou entre guerras incontveis, no caso, o poltico, situou bem a questo:Os direitos do homem, apesar de terem sido considerados naturais desde o incio, no foram dados de uma vez por todas. Basta pensar nas vicissitudes da extenso dos direitos polticos. Durante sculos no se considerou de forma alguma natural que as mulheres votassem. Agora, podemos tambm dizer que no foram dados todos de uma vez e nem conjuntamente. Todavia, no h dvida de que as vrias tradies esto se aproximando e formando juntas um nico grande desenho da defesa do homem, que compreende os trs bens supremos da vida, da liberdade e da segurana social.[8]

Aprisionando todos os argumentos vistos no dilema da autora, que se prontificou exigida prestao alternativa, a mim, enquanto parcela do Poder Judicirio, no resta outra soluo que se amolde aos princpios norteadores da liberdade e da dignidade da pessoa humana que no seja o reconhecimento da pertinncia do seu pedido. (...).

Confesso que aps este exerccio de retrica simples e despretensiosa, percebi mais profundamente que ouvir, mais do que um favor ou obrigao, um aprendizado de vida e do mundo; uma forma de se autoconhecer tambm, porque atentar para os desejos, motivaes, angstias, esperanas e perspectivas do outro nos leva a refletir e identificar quais so os nossos verdadeiros desejos, valores, nossas metas, propenses e disposies. Saber ouvir, portanto, um reflexo do amadurecimento do ser e, ao mesmo tempo, direciona-o sempre para mais altos patamares de conscincia evolutiva. As razes do outro podem ser, ento, as razes que nos levam a desvestir o que ainda est oculto em ns.

[1]

Juza Federal da 1 Vara da Seo Judiciria de Sergipe.

[2]

Ressalvadas as correes de erros de digitao feitas neste artigo.

[3]J que no possui religio oficial.[4]

MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao ps-modernismo;

traduo Jefferson Luiz Camargo; reviso tcnica Gildo S Leito Rios. So Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 82/83.[5] [6] [7]

Mateus, XII, 1 a 8. Bblia de Jerusalm, So Paulo : Paulus, 2002, p. 1724. Mateus, XII, 9 a 14. Idem. DWORKIN, Ronald. A virtude soberana : a teoria e a prtica da igualdade;

traduo Ccero Arajo e Luiz Moreira. So Paulo : Martins Fontes, 2005, p. 166.[8]

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos; traduo Carlos Nelson Coutinho. Rio de

Janeiro : Editora Campos, 2004, p. 229.

PLS - PROJETO DE LEI DO SENADO, N 261 de 2004

Autor: Ementa: Data de apresentao:

SENADOR - Ana Jlia Carepa Dispe sobre perodo para realizao de exames vestibulares, concursos pblicos, provas de disciplinas curriculares e d outras providncias. 15/09/2004 Local: 13/11/2008 - Comisso de Educao Situao: 22/10/2008 - MATRIA COM A RELA


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