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8/9/2019 Aristóteles, Horácio, Longino - A Poética Clássica(1)
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I
A
POETI L sSI
Aristóteles. Horácio e Longino
A des pei to do s mu itos séc ulos de co rridos des de a é poca em que
for am or igi na ri ame nt e escritos , be m como da ci rc un st ân ci a de repre -:
sentarem a teor ia ou pre ce ptlst ic a de u ma p rá ti ca l iterária m uito d ife-
ren te da nossa, os tr ês texto s reunid os nes te volum e ainda têm pl en a
at ualidade. Isso porq ue tanto a Poética, d e A r is tó te les, qu ant o a Arte
Poética, de Ho ràcio , e o Tratado do .Sublime, de Longino, que lhe re-
co lhe ram e am pl iar am as lições , represe ntam uma visão de conjunto
extremamente lúc ida da ess ên cia e. d a f in a li da d e d a l it er at ur a com o arte .
Do seu va lo r h is tôrico e da su a p e rma nente atualidade dá testemunho.
qu an do mais nã o fosse,
o
fa to de, em n osso século , prim eiram ent e a
Nova Cr ítica america na, depois o Estrutu ra li sm o f ra ncês, e, ma is re -
centeme nte, a Hermenêutica o u E st étic a da R ecepção alemã, terem a
eles voltado em busc a de nov os pontos de partida para a sua teo rizaç ào
ac erc a da pr áx is li te rár ia. Daí o ex cep ci ona l in te ress e, pa ra professores
e es tudantes de Let ra s, ass im como para outros leitores qu e ten ham a
at enção vo ltada para tal ca mpo de estud os, deste volume onde se coli-
ge m , para maior c om od id ade de leitura, co nsu lta e co tejo, os três
textos fund am entai s da Poét ica cláss ica. Fo ram eles traduzidos direta-
me nte do greg o e do latim , e anotados, pelo Pro]. Ja ime Bruna, do
De pa rt am en to d e Let ras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filo-
sof ia, Letras e Ciên cias Humanas da Unive rsidade de São Pau lo . e a
se u respeito esc reveu o Prof . Ro berto de Ol iveira Brandão, do mesmo
Departamento , o estudo introdutório também aqui reco lhido.
EDITOR ULTRIX
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CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte
Câmara Brasi le ira do Livro , SP
Aristóteles, 384-322A.C.
A 75p Apoética clássica/ Aristóteles, Horácio, Longino; introdução
7. Ed. por Roberto de Oliveira Brandão; tradução direta do grego e do
latim por Jaime Bruna. - 12, Ed. :-:::-São Paulo: Cultrix: 2005.
1.Po ética I, Horácio, 65-8A C.11.Longino, 2137-273. III
Brandão, Roberto de a li veira,: 1.~34- N.Bruna, Jaime, 1910-
V.TItulo.
81-0649
CDD-808.1
Índices para catálogo sistemático:
1.Arte poética: Retórica: Literatura 808.1
2. Poética: Retórica: Literatura 808.1
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I
ARISTOTELES, HORÁCIO, LONGINO
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A PO ÉT IC A
C L ÁS S IC A
Introdução
ROBERTO DE OLIVEIRA BRANDÃO
(Professor-assistente doutor de Literatura Brasileira
.da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Univer sidade de São Paulo)
Tradução direta do grego e do latim
JA IM E BRU NA
(Professor-assistente doutor de Latim da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo)
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EDITORA CULTRIX
São Paulo
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Copyright
©
Edito ra Cult rix.
Todos os di reitos rese rva dos. N enhu ma parte dest e liv ro pode ser repr od uzi da ou
usa da d e qual quer fo rma ou por qualqu er m eio, elet rônico ou mec ân ico , in c lusive
fo tocóp ias , gravações ou siste m a de arm az enarn en to em banco de dado s, sem
perm iss ão p or e scrito, exceto nos c a s os de trec hos curto s c it ados em rese nhas c rítica s
ou artigos de r evista s.
o primeiro número à e squerda indica a edi ção , ou reed ição , de sta obra. A primeira
dezena à direi ta indica ° ano em que esta edição, ou ree dição foi publicada .
Edição
] 6-] 7-] 8-] 9-20-2 ]- 22
11 -]2 -13- 14-15- 16-] 7
Direitos rese rva dos
EDITORA) 'ENSAMENTO-CULTR lX LT DA.
Rua Dr .M á rio V ice rue, 368 - 042 70- 000 - São Paulo, SP
Fo ne : 2 06 6-9000 - Fax : 2066-9008
E-mail : pensamento@ cult rix.c om.br
http:// ww w.pensam ento-cultrix.com.br
Foi feito o d epós ito lega l.
An o
SUMÁRIO
TRÊs MO MEN TO S
DA RETÓRICA ANTIGA tRo berto de Ol ive ira
Br andã o)
Aristótel es
ARTE POETICA
19
Horácio
ARTE POETTC A
55
Lo ngino ou Di on isi o
DO SUBLIME
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TREs MOMENTOS D POÉTI NTIG
1. A P.O~TICA DE AR ISTOTELES: DA REFLEXÃO A LEI
1.1. C om o r eflexão so bre às problemas da arte em geral e em
especial so br e a lite ratura, a
Poética
aristotélica ocupa hoje um lugar
re levante. A trajetória de sua im portância com eça efetivamente no
sécu lo XV I, pois mal conhecida durante a Idade Média, a través d e
compilaçõ es siríacas e árabes, só em
1498
sai a públ ico a prim eira
edição latina feita s ob re o or ig in al g rego cuia im press ão apàrece ape-
nas em 150 3. A pa rtir desse momento sua influência e seu poder
estimulante serão cada vez m aiores . .
N as inú meras leit ura s - traduções , comen tár ios, estudos - qu e
até os nossos dias já se fize ram de seu' texto ou po r s ua i ns pi ra ç ão ,
os
conceitos ali em itidos ora são vistos glob almente como problemas
a serem resolvidos e esclarecidos, da í
o
perm an en te tra balho ex e gé -
tico a que tem s id o s ub me tid o, com que se procura che ga r a o s en tid o
exat o de suas palavras, ora tais conceitos são encarados isolada-
L
mente e apr ofundados como form ulações deiinidoras do esp ecífico .,
literário enq uan to postura teórica preocup ada em explicar
o
funcio-
namento da lite ratura, ind ependente do contexto a ristotélic o o rig in al,
ora são considerados, no extrem o o po sto, como soluçõ es p rá ticas que
devem or ien tar tanto a criação quanto a crítica de obr as c on cr et as.
Es tas três tend ências na verdade n ão s ão e sta nq ue s, m as inter-
penetram- se freqüentement e. Aquilo que em A ristóteles correspondia
certament e a um trabalho de reflex ão a partir de um a realida de histó-
rico-artística-cu ltural pode dar lugar, e isso de f at o a con te ce u, ou a um
critério estratijicaâo qu e s e a plic av a às f orm as a rt ís ticas, ou, no m elhor
ca so, a um estímulo para reproduzir
os
atos de observação e de refle-
xã o -capaze s de en contrar no novo a dinâ m ica interna que perm anece.
1. Ver do Autor A Tradição Sempre Nova. São Paulo, Atica, 1976.
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1 .2. Apesar diss o, podemos dizer que a primeira tendência tem
sua forma exem plar nos comentários real izados pelo s h um an is tas ita -
lianos do Renascim ento . Foram eles que praticamente estabeleceram
a d outrina aristotélica da literatur a que se difundiu nos países oci-
dentais, traduzindo, co mentando , interpretando, e, em muitos casos,
rec riand o a Poética. De 1527, data em que G irolam o V id a p ub li co u
su a
De arte poetica,
at é 157 0, quando sai uma das mais importantes
obras do renascimento ita lian o, a Poetica d'Aristotile vulgarizzata e
sposta de C astelvetro , a visão renascentista da teoria arist oté lica da
lite ra tu ra já ap resenta seus contornos defin itiv os. Foram seus artí-
fices, entre outros, V id a (1527), Ro borte llo (1548), Segni (15 49 ),
M aggi (1550), Vettori (15 60), G iraldi Cint hi o (1554), Mint urno
(15 59 ), Scaliger (1561), Trissino (1563), Castelve tro (15 70). O papel
deste últim o foi decisivo no sentido de recriar a
Poética
aristotélica .
René Bray diz qu e ele não se contenta em expl icar se u tex to, como
haviam feito os
Vettori
e Ro bortell o, ele de du z, ac rescen ta , modific a
mesm o, e constró i as sim sob re as bases fragmentá ri as da
Poética
toda
u ma poé tic a p essoal . 2
Independentement e do maior ou menor sign ificado de cada um
daque les estudios os renascentisi as , o qu e importa notar é a hom o-
geneidade de suas pre ocup ações: conhecer, ex pl icar , difundir as for-
mu lações aris to té lica s. Nem destoam desse quadro as divergências ,
com o a de G irald i C int hio que nos Discorsi (1554), procura legiti -
ma r uma forma po ét ica para a qual Aristót eles nã o havia leg islad o, o
romanzo, espécie heróica criada por Ar ios to e Boi ardo. Na mesma
linha, Mintu rno e m 1563 es creve uma Arte poetica em que coloc a o
romanzo
ao lado da epop éia, a lém de buscar os exemplos não mais
na s lite raturas grega e latina, mas na ita lian a de se u tempo. Fat os
co mo esses, al iás , mos tram qu e os .ieáricos renascen tis tas nem sempre
obedeciam cegamente ao pensam ento dos Antigo s, mas, pelo contrá-
ri o, e stav am ate ntos ao que se passa va na p rodu ção viva de sua época .
1.3. A segun da te ndê ncia po r m im referida, a de encar ar is o-
ladamente ce rtos co nce ito s ari stotélic os como fonte estimu lante para
n ov as o bs er vações e novas refle xõ es sobre o fen ômeno artístico, pode
se r local izada em nosso s dias. Tomemos o conceito de
verossimilhan-
ça, que pe rtencia tanto JjO arsenal p oético quanto ao retórico. A ma-
n eira co mo o e nu nc io u A ri st ót eles na Poética, por sua concisão e
contundência , teve certamente papel decisivo na longa e rica traietô-
2. Forma/íon de Ia doctr ine classique. Paris, Nizet, 1963, p. 39.
2
~ 1
I
I
ria d esse c onc eito. N o ca pítu lo IX , quando o filó~ofo discute a dis-
tinção en tre história e poesia , o problema central é e x emp la rm ent e
co locado:
Ê claro, também, pelo que atrás ficou dito, que a obra do poeta
não consiste em contar o que aconteceu, mas sim coisas quais
podiam acontecer, possíveis no ponto de v ista da verossimilhança
ou da necessidade.
Não é em metrificar ou não que diferem o historiador e o
poeta; a obra de Heródoto podia ser metrificada; não seria
menos uma história com o metro do que sem ele; a diferença
está em que um narra acontecimentos e o outro, fato s quais
podiam acontecer. Por isso, a Poesia encerr a mais filosofia e
elevação do que a História; aquela enuncia verdades gerais;
esta relata fatos particulares. Poét., IX)
Ob se rva -se que, embo ra im por tante, a verossimilhança é apen as
um dos comp onentes da poes ia , imp ortante po rqu e, ao situá-Ia na
esfera do possível, apr oxim a-a da filo so fia
(o
que não adm itia Pl atã o)
sem afas tá-I a da ex peri ên cia comum de todo ser humano (n o capítulo
IV da Poética ele dir á qu e o imi tar é natural ao homem ).
Em out ro lug ar, ao tra tar dos probl emas críticos, el e relac iona o
at o experimental que deve orient ar a cr iação da obra com a atitude
d o r ec ep tor :
Quando plausível, o impossível se deve preferir a um possível
que não convença lbid., XXIV).
Pormuidçõe s s ug es ti va s c om o e ss as, que colocam não apenas
o
pr oblema da relação da li te ra tu ra c om a realidade, mas também o pro-
blem a da convencional idade do rea l artístico, isto é, que sugerem um
c om p ro mi ss o e nt re
o
processo de rep resent ação como fator co nstruti-
vo e a naturez a da r ea lidad e repres en ta da c om o efeito de se ntido , nã o
é de admirar que te nham sido objeto de longas e aca lo rada s d iscu s sões
durante o Renascim ento ita liano e o Neoclassic ismo franc ês. M as se
nes ses moment os históricos
o
problema da
verossimilhança
[o i.semp re
abordado dentro do conte xto da poética como um todo, no s nosso s
dia s o conceito é retomado iso ladamente como problema autô nom o
qu e tanto se aplica ao d is cu rso literário co mo ao cinem a, à pub lic i-
dad e,
à
psican áli se , ele. Tal é o sen tido dos estudos real iza dos pela
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revista Communication 11 onde vár ios au tores estudam o conceito de
verossimilhança dentro do campo de s ua s e specialidade s e interesses.
3
1 .4.
Finalm ente, a tendência para ve r na
Poética
(e na
Retórica)
um preceitu ário de soluções práticas que devi am orienta r a c ria ção
e
a a va lj ação
d as o br as con cretas foi repres entada pelos m anuais de-
Ret óric a e P oé tica publicado s du ran te o séc ulo XIX.
Trib utá rio s n ão aoenas de Aristót eles , mas tam bém de outros
teó rico s antigos, Ho râcio , Cícero , Longino, Ou intíliano , esses manuais
sint et izam um momento do longo e lento processo de
enrijecimento
das pr im itiv as rejl exôes sobre a literatur a. A crença na possibil idade
de di sciplina r a força criativa inter ior , isto é,
o talento
ou
o engenho,
através da habi lidade téc nica
jornecida
pela arte
conceitolatino que
- tradu z a palav ra grega
techne)
es tav a na origem dos manuais e re pre-
sentava, em princípio, um esforço da razão por encontrar explicaçõe s
para a
natureza e o
fun cionamento da obra literária. Do ato de refle-
xã o, qu e cria um con he cim ento, à t ra nsm is sã o d es te em forma de pre-
ceito ou de regr a foi um passo qu e a es co la s e e nc ar regou de da r. In-
teg rados no proce sso escolar, aqueles m anuais passar am por um traba-
lho de sim pl ifi ca çã o e d e d ilu iç ão d os a nt ig os c on ce ito s,
transjorman-
do-os em lei s ríg id as e perm anentes. 4
Paul Valéry desc rev e a pa ssag em
do
ato de ref lexão inicial , cal-
cado na ob se rva ção dos p ro ce dimentos artístico s, para o estabeleci-
mento' da lei e da regra que devem ser obede cidas cegamente:
criado ra dos Ant igos se enco ntra petri fica da na
ideotogia paralisante
dos valores etern os, como se ob se rva nes tas palav ras de um manual
usado no Colégio Pe dra II do Rio de Janeiro :
Os antigos e primeiros ordenadores
das,
regras e preceitos tiveram
a intuição da verdade; estudaram muito acuradamente as leis
eternas e imutáveis da inteligência humana e por isso irá sempre
muito seguro aquele que lhes for ao encalço. S
Mas é necessário lembrar, m ais uma vez, que esse estágio não
sur giu já acabado. Nem sempre os nossos aut or es ia m d ir eta men te às
fontes antigas. Entre estas e aq ueles se interpuseram outros autores
que, a seu modo, já v in ha m rea liza nd o o mesmo processo de dilui -
ção, principalmente durante o século XV III, ent re eles: Lamy, 6 Gi-
bert ,
7
Blair
8
e,
já
no século XIX, os p or tu gu eses Freire de C arva-
lho
9
e Borges de Figueiredo ,
10
pa ra c itar apenas dois.
Para nós, hoje, e ssas diferentes tendências de leitura e interpre-
ta ção da Poética ari stot élica, bem como de outras obr as a nt ig as, assu-
mem um sig nif ic ad o d idático muito importante, pois mostram que, se
po r um lado, aque le texto goza de um grande poder sug estivo, po r
ou tro, reve la que cada época vê' e compreende
o
passado de acordo
C Om suas próprias maneiras de pensar, e o sign ificado histórico do
texto resulta, em última instância, da int eração das div ersas form as
de le it ur a o co rr id as. E, po is, nesse quadro que se insere a n ec es si da de ,
semp re re no va da, d e
voltarmos,
diretamente , ao texto da
Poética
pa ra
qu e a constelação de soluções já crista lizada s não impeça o exercício
.Mas, pouco a
pouco,
e em nome da autoridade de grandes
homens, a idéia de uma espécie de legalidade foi íntroduzida e
substituiu as recomendações iniciais de origem empírica. Racio-
cinou-se e o 'rigor da regra se fez. Ela exprimiu-se em fórmulas
precisas; a c'rítica armou-se; e então seguiu-se esta conseqüência
paradoxal: uma disciplina das artes, que opunha aos impulsos
do poeta dif iculdades racionais , conheceu um grande e durável
prestígio devido à extrema facilidade que ela dava para julgar
e classificar as obras, a partir da simples referência a um
código ou a um cânon bem definido.
5.
Silva, Dr. José Maria Velho da. Lições de Retóric a. Rio, Serafim
José
Alves,
editor,
s/d. (1882).
6. Larny, Bernard. La Rh étorique ou l'Art de pa rler.
ôê
éd., La Haye,
[737
(I.' ed.
1699).
7. Gibert,
Pe.
Balthasar.
Retórica ou Reg ras da eloqüênc ia. Traduzida
do francês. Porto, na oficina de Antônio Alvarez Ribeiro,
1789.
2
v.
8. Blair, Hughes. Cours de Rhétor ique et de Be/les Letlres . Genêve,
1808
(J.' ed. inglesa em
1782).
9.
Carvalho, Francisco Freire de. Li ções element ares de Eloq üência
Na cional.
6.'
ed., Lisboa, Tip. Rolandiana,
186[ (I.'
ed.
1834).
-- -, Li çõ es elementares de poética nacional.
3.'
ed. Lisboa, Tip.
Rolan-
diana, 1860 (I.' ed. 1840).
10. Figueiredo, A. Cardoso Borges de. Instituiçõe s El ementares de Retórica.
J2.' ed. Coirnbra, livraria Central de f. Diogo Pires, 1883 (I.' ed. 1851
em latim).
Tal fenôm eno pode ser co ns tatado nos numerosos ma nu ais ut ili-
za dos nas esc olas brasileiras do século passado , on de a observação
3. Communicction li Recherches Sém iolog iques _ Le Vraisemblable.
Paris, Seuíl,
1968.
. 4. Valéry, Paul. Prerniêre Leçon du Cours de Poétique . I n
Oeuvres I,
Pari s, Gal lirnard,
1957,
págs. 1341-1342.
4
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da ref le xã o p es so al ,
o
qu e co ns ti tui, c er ta me nt e, a m aior l iç ão d e ix a da
pe lo estagirita.
2. A ARTE PO~TICA DE HORACIO: O TRABALHO E A DISCIPLINA
COMO FATORES CRIATIVOS
2.1. A
Epistola ad Pisones,
mai s conhecid a pela designação de
Ars Poetica
com o lh e chamou Ou in tili an o (Inst. Or., V III ,
3),
expres-
sa o pensament o lite rár io maduro de Horâcio e his to ri ca me nt e e xe rc eu
importan te papel n a c on stitu içã o daquilo que se costuma e nte nde r pela
ex pressão teoria clás sica da lite rat ura . El a foi e sc rita nos últim os
an os da vi da do poeta, provave lme nte entre 14-13 a.C .
Antes da
Arte Poética,
Horáci o havia com posto seis poemas ond e
tratava de probl emas li te rários, três sát iras (I, 4; I, 10 ; Il, 1) e três
epístolas (I, 19; II , 1; Il, 2). Algumas das p os iç õe s a í a ss umi das serão
de po is r et om ad as e ap rojundadas na Arte Poética, ma s é de se notar
qu e rev elam já certas direções bá sic as d e s eu p en sa me nto: a p ro cu ra
de perfeição , a bus ca do eq uilíbrio expressivo, a valorização da poe-
sia contemporâ nea , a limitação da audiên cia como critério do go sto,
et c. De um modo ge ral tai s as pectos inser em- se no sentido pragmático
que foi sendo fo rjad o pelo pensamen to roma no e se cristalizarão nas
frases e ex pressões de certa m aneira em bl emáticas contidas na
Arte
Poética. Muito da rigidez que marcará os manuais de Poética de ex-
tração cláss ica poster iores es tá c e rt am ent e pre iigurada nas forma s lapi-
dares com que a
Arte Poética
coloc a
os
prob lemas literários.
Mas é necessário obse rv ar q ue n aq uelas obras não atingira ainda
H
orâcio
a prec isã o e a síntese que
o
caracterizariam na
Arte Poética.
Pe lo co nt rá rio, nota- se lá uma procura perm anente da expressão exata ,
pr ocura que se traduz na reiteração de certos temas e no tom polê-
m ico com
que
os aborda, como se o crít ico não tivesse encontrado
ainda sua formu lação ideal. A liás , es sa at itude mostra um aspecto
partic ular do pensamento horaciano: a busca de perfeição pelo traba-
lho con sta nte c ombin a-se com a re cu sa à s formas já cristalizada s. Nes se
sentido seu cla ssi ci sm o, a o a ce nt uar o fa to r
trabalho,
opõe -se a certas
tend ências poste riores de ver no clas sicismo não a busca de perfeiçã o,
ma s a reprodu ção das fq~'mas de perfeição já at ingidas .
Obs erva- se, portanto , nessas pr imeiras obras , um
Horácio
anti-
dogmático, recus and o os va lores preestab elecidos 11 e preocupado em
1 1 . Epístolas 11.
79-85.
6
; l,: ...--..,..t:~;::Of; -
cen tral' o mérito da obra em qualid ades qu e lhe parecem inerentes, a
econom ia, que im põe eliminar o sup érflu o q ue c an sa o ouvido, 12 o
eq ui líbrio, que leva a condenar tudo aquilo que vai além da justa
ex pr es são do pensamento , 13 e a harmonia , que não a dm it e t ra nsig ir
com a un idade do poema. 14
2. 2 . Tais preocupações antecipam um do s pontos cen trai s do
cla ssicismo ho raciano desenvolvido na
Arte Poética:
a ob ra é reg ida
po r le is qu e po dem se r apreendidas e fo rmu ladas.
O
que certamen te
não suspeitava Horâcio é que a racion al id ad e a nt ev is ta n a org anização
da obra como qualida de o bje tiv a e stava em verdade comprome tida
com o projeto da arte representativa e com os valores de sua épo ca.
E sintomática a r ejeição com que o crítico inicia a Arte Poética, rela-
tivam en te a um sup osto quadro sem unidade, que ele julga absu rdo:
Suponhamos que um pintor entendesse de ligar a uma cabeça
humana um pescoço de cavalo, ajuntar membr-os de toda prece-
dência e cobri-Ias de penas variegadas, de sorte que a figura, de
mulher formosa em cima, acabasse num hediondo peixe preto;
entrados para ver o quadro, meus amigos, vocês conteriam o
riso? Creiam-me, Pisões, bem parecido com um quadro assim seria
um livro onde se fantasiassem formas sem consistência, quais
sonhos de enfermo, de maneira que o pé e a cabeça não se
combinassem num ser uno. Art e Poé tica, 1·9)
Embora recuse aceita r e ss e q ua dro fan tástico ,
Horâcio
tem
con sciência de que há sempre uma lógica in terna que com anda a
composição da obra, e qu e a unidade nasce da ordem dos com ponen-
te s, o que implica. em última instância, na seleção dos aspectos a
serem reunidos em função do efeito tot alizan te fin al, como ele mo stra
em out ro lugar:
A força e a graça da ordenação, se não me engano, está em
dizer logo o autor do poema anunciado o que se deve dizer logo,
diferir muita coisa, silenciada por ora, dar preferência a isto,
menosprezo aquilo.
lbid.
42-45; ver também 151-152).
Essa p er ce pção do carát er
construtivo
da obra de arte estava bem
l iva ent re os artista s e os pen sad ores an tigos e co nstituí um dos fato -
res de sua perm anente atualidade. Mas . se neles as estruturas assumi -
'~
12. Sátiras 1, 10, 9-10.
n lbid.
1.
10. 67·70.
J4 Fpisrol as 1 1 . 1. 73-75.
7
••. ••~.~. : ' . : . -: 0; ' ~ .~ •••••• .. • • • • .. _ ' - ~.-
-
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ra m seu modo particular de ve r e se ntir o mundo, iss o decorr eu do
compromisso histórico entr e form a e conteúdo, fato qu e não perce-
beram
repetidores
e diluidores da poética clássica, que tomaram
o
acidental ( as s oluções d ad as ) p elo e ss en cia l (a busca de s ol uç õe s a de-
qu adas a novas ne cessidades). ,_
'
2.3.
Se a
ordem
e a
unidade
co ns tituem os fatores
estrutur an-
tes relativos
à
ob ra a ca bad a, a
razão, o trabalho
e a
disciplina
são os
meios com que
o
poeta rea liza seu objet ivo . Embora para
Hor ácio
o
pr incípio da
mediania,
a
aurea mediocritas,15
seja
o
ideal com o
pro -
jeto de vida e possa ser ac eitável co mo qu alificação profissional,
ao
poeta tal atributo é absolutamen te i na dm is s ív el, como ele declara: '
. Recolha na memória isto que lhe digo: é d;'justiça, em deter-
minadas matérias, consentir com o mediano e o tolerável; o
jurisconsulto e o causídico medíocres estão longe do talento do
eloqüente Messala e não sabem tanto quanto Aulo Ca ssélio ,
têm, não obstante, o seu valor. Aos poetas, nem os homens, nem
os deuses, nem as colunas das livrarias perdoam a mediocridade,
(Ar te Poética, 367-373)
E
O
poeta só atin girá a perfe ição se tiver pl eno do m ínio do ma-
teri al cr iativo, o que não será possí ve l se não através da razão, do
trab alho e da di sciplina , instâncias dif erent es de uma mesma ati vi -
da de de bu sc a d e p er fe iç ão a rtí st ic a. E ssas três instâncias estão impl í-
citas no conceito de
arte.
Ne ss e s en tido, a ra zã o re presenta
o
cí rcu lo
mais am plo enquanto c on sc iê ncia das necessidades fac e aos meios
à
dispo siç ão d o poeta ou a s erem criados. E ela que o ac ons elha a medir
as próp rias forças: .
Vocês , que esc revem, tomem um tema adequado a suas forças;
ponderem longamente o que seus ombros se recusem < 1 carregar,
o que agüentemo A quem domina o assunto escolhido não faltará
eloqüência, nem lúcida ordenação. lbid., 38-41)
N a realidade, o artista clás sico
é
inimigo da improvisação . A ob ra
ob tid a e st á sem pre c on dic ionada ao trab alho posto em açã o, d es de o
plan o e sb o çado no p en same nt o até a execução conc re ta f in al. Mas Ho-
râcio tom a cuidado em m ostrar que o papel da arte é insepará vel
da natureza , como fo nte a utô no ma d a in sp ir aç ão, mas que, no se u
es tado bruto, é inform e , c aó ti ca .
Arte
e
engenho
se co mpletam como
i ns tâ n ci as e s pecífic as , m as m utu ament e compromissadas:
15 ,
Odes,
li, 10, 5-8. Ver também
Epístolas,
r, 18, 9.
8
Já se perguntou se o que faz digno de louvor um poema
é
a
natureza ou a arte. Eu por mim não vejo o que adianta, sem
uma veia rica; o esforço, nem, sem cultivo, o gênio; assim, um
pede ajuda ao outro, numa conspiração amistosa. Muito suporta
e faz desde a infância, suando, sofrendo o fr io , abstendo-se do
amor e do vinho, quem almeja alcançar na pista a desejada meta;
o flautista que toca no concurso pítico estudou antes e temeu
o mestre. lbid., 408-415)
Obse rva-se q ue p ar a
Hor ácio
o trabalho do poeta não se res trin -
ge ao momento singular da criação, m as represe nta o
acúmulo
da
ex pe riência cri at iv a en te nd id a e sta co mo d is cip lina interio r e como
dom ínio dos atos criativos. E essa atividade vai além , não term ina
com a obra acabada, pois com preende ainda a necessidade de refazer
o qu e já fo i feito , to da vez que a consciên cia artística ju lgar con-
ve niente:
se você compuser versos, nunca o enganarão os sentimentos
ocul tos sob a pele da raposa. Quando se recitava alguma coisa
a Quintílio, ele dizia: Por favor, corrige isto e também isto ;
quando você, após duas ou três tentativas frustradas, se dizia
incapaz de fazer melhor, ele mandava desfazer os versos mal
torneados e repô-Ios na bigorna. Se, a modificar a falha, você
preferia defendê-Ia, não. diz ia mai s uma única palavra, nem se
dava ao trabalho inútil de evitar que você amasse, sem rivais,
a si mesmo e à sua obra.
lbid.,
436-444).
Esta última objeção - o fato de
o
poeta ficar restr ito
à
su a pr ó-
pria subj etividade por n ão a ceita r crítica s - mostra um dos aspectos
ma is im po rta ntes da concepção horaciana sobre a poes ia : a a tit ud e
'crítica está im plíci ta no ato criativo. P or o utr o la do , e sta a uto co ns-
ciênc ia da poesia como capacidade de refleti r so bre
si
mesma re pre-
senta um a resposta dada pelo Cla ss ic is mo d ia nte d a tr ip lic e c on de na -
ção platônica :
à
in cons ciência do po eta, ao ilus ion ismo da poesia e
ao po de r encan ta tó rio d a medide, do ritmo e d a harmon ia enquanto
componentes do poema.
2.4. V ê- se , p ois, que a atitude do poeta prejigura
o
pa pel da
audiênc ia como fat or implícito no poema. O de stinatário de certa
maneira passa a funcionar com o co-produtor da obra no sentido em
qu e su a ex pecta tiva determina as ex igê ncias es truturais qu e o po eta
dev e atende r se qu ise r ob ter a aprovação do p úbl ico:
Ouça você o que desejo eu e comigo o povo, se quer que a
platéia aplauda e espere, sentada, a descida do pano, até o
ator pedir aplaudi . tIbid., 153-155).
9
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I
11 :1
j~1
~
.
-
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o
fa tor de
adesão
nasce, portanto, do relac ionam ento que o pú -
b li co e st abelece entre a lógica interna da obra e
o
que ocorre na sua
exp eriên cia cotidiana onde ele a prendeu a ver um com prom isso rela-
tivament e es tá ve l e ntre as formas do
ser
e do
parecer
como processo
d e s ig n if ic ação do mundo natural.
O
ris o ou o choro, como manifes-
tações do
parecer,
p or e xe mp lo, rev elam a aleg ri a ou a tristeza, que
constituem espéc ies de
ser.
Este caso de
conveniência (decorum)
di z
respeito à relaçã o a tor-e spectador:
O rosto da gente, como ri com quem ri, assim se condói de
quem chora; se me queres ver chorar, tens de sentir a dor
primeiro tu; só então, meu Télefo, ou Peleu, me afligirão os
teus infortúnios; se declamares mal o teu papel, ou dormirei,
ou desandarei a rir. lbid., 101-105)
Mas há outras modalida des de conveniências igua lmente neces-
sárias: entre as pala vras de uma personagem e sua pos tura [ac ial ou
sua situação, entre seu ca ráte r e sua idade ou seu comportamento,
en tre
o
es tilo da obra e seu gên er o, en tre a natureza de certas ações
e seu modo de apresentação: r ep re se nta da s d iretam ente no palco ou
relatadas po r u ma testemunh a. A representa çã o atra vés d e p erso na -
gens em ação cria o efeito de pr esentij icação , po is
o
ca ráter vi-
su al dos fatos confer e maior ve ro ssim ilh an ça porqu e os situa mais
próx imos da realid ad e, e xi gindo assim do espectador uma participação
ma is efetiva ; em resu mo, a vista com prom ete m ais com
o
p re se nte d o
que
o
ouvido:
Quando recebidas pelos ouvidos, causam emoção mais fraca do
que quando, apresentadas à fidelidade dos olhos, o espectador
mesmo as testemunha. lbid., 180-181)
A função pers uasiva, contida na enc ena ção ,
só
deve ser substi-
tuída pela narração quando algum imperativo maior o determinar,
como a econom ia da obra, a suscetibilidade do espectador e, princi-
palmente , a inverossimi lhança que aco ntecim en to s es tra nho s o u ch o-
can te s p ro vo ca m:
Não vá Medéia trucidar os filhos à vista do público; nem o
abominável Atreu cozer vísceras humanas, nem se transmudará
Procne em ave otr Cadrno em serpente diante de todos. Descreio
e abomino tudo que for mostrado assim. lbid., 343-344)
Mas se é fato que a au diên cia co ndic ion a
o
mod o de com posiçã o
da obra, não o
é
apenas por ex igê nc ia da neces sidade retórica de
10
ad esão. Esta , em ú ltim a instância, n ão p assa de m eio para se atingirem
fins mais im portantes, que Platão, em bora negasse à arte, entendia
como a utilid ad e m oral inscrita no con hecim en to d a verd ad e,
Aristô-
teles descrevia co mo uma forma de prazer es pecífico ,
o
autor do
Tratado do Sublime
apontari a como a manifesta ção da elev ação da
alm a h um an a, e
Ho rác io,
na
Arte Poética,
resu me na fó rm ula viscera l-
mente rom ana do
utile dulci. (Ibid. , 343-344)
3. O
TRATADO
DO
SUBLIME: ENTRE
O
CAOS E A ORDEM
3. 1. Tanto a autoria do
Tratado do Sublime
q ua nto a épo ca em
que teria sido com posto foram du rante muito tem po objeto de co n-
jeturas e controv érs ias. Hoj e apenas a data da comp os iç ão p ar ec e
de fin itiva men te ass en tad a: a primeira metade do século 1 da era
cristã. 16
C onform e se pode verifica r na leitura do te xto , a o br a fo i e sc rita
em resposta a um tratado anterior de Cec ilio (d e Calá cte) qu e o An ô'
nimo iulg ava ins ufic ie nte me nte d es en vo lv id o e e rr on ea men te orienta-
do, pois, segundo su as palav ras , não tocava nos ponto s essenciais .
Ceci lio , segundo os e stu dio so s, era um dos mais influentes re to res gre-
gos do tempo de Augusto e fazia parte de uma tendência que se ca-
racte rizava pela de fesa intran sig en te d o a tic is mo , isto
é,
co lo ca va a
c o rr eç ão g rama tica l e a pureza d a lin gua gem co mo qu alida des sup re-
m as do discurso. A ticis ta s era m ta mbém Dionisio de Halicarnasso,
am igo de C ecilio, e Apolodoro de
P é rg am o ,
preceptor de Augusto e a
cujo nom e costum a ser liga da essa ten dência de volta às fo rm as tr a-
dicionais da língua grega.
Tendênc ia oposta repr e se nt av a T eo do ro de Gádara para quem a
genialidade, o entusiasm o e a paixão, mesmo com pequenos defeitos ,
su peravam a pura correçã o e a m ed iocrid ad e. Idéia sem elha nte ex-
pr ess a
Horácio
q ua nd o r ec on hece que até H om ero às vezes dormita
(A.P.,
v.
359).
3.2. O Anônim o esposa as teorias de Teodoro, e
o
verificamos
em vá rio s m omentos de sua obra. Po r exemp lo, quando refere-se à
--------- ,----
16. Sobre o problema ver a introdução que. para a edição bilíngüe,
escreveu Henri Lebêcgue: Du Sublime. Paris, Societé d'Editions Les Bell es
Lettres , 1952;
e PLEBE, Armando. Breve História da Retórica Amiga.
Tradução e Notas de Gilda Macíel de Barros, São Paulo, Ed. Pedagógica -
Ed. da USP., 1978.
11
.~
-
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op in ião de Cec íl ia , para qu em Lis ias, orad or aicniense cujo discurso
se caracter iza va pela cla rez a e eleg ância , era superior a Platão que,
co m sua lin gu agem , cheia de figur as ou sadas, [r eqiient emen te se en-
c on tr av a c omo que sob a ação de um transporte báqu ico qu e p ro -
,du zia nele aleg ori as bom bás ticas (c . XXXII, 7). Esta ,po sição é
'atacad a pe lo Anônim o que, ironicam ent e, acusa C ecílio de se d eix ar
guia r po r do is se ntimentos pr ejudiciais à crítica ; ... amando
Lí sias ma is qu e a si mes mo , aind a assim vota mais 6dio a PIa tão do
qu e amor a Lisi as (c.
XXX II,
8) .
N o capítul o se gu int e o Anô nimo formula esse problem a fazendo
uma pergunta:
Sus, tomemos um escritor deveras límpido e irrepreensível. Não
vale a pena submeter a um exame geral exatamente este ponto:
se, em poesia e prosa, devemos preferir uma grandeza com
alguns defeitos, ou uma mediocridade correta, em tudo sã e
impecável? (c. XXXIII, 1)
Em se guid a ele faz outra pe rgunta , retomando e
rejormulando
a
an terior, mas deix an do su gerida a resposta de que
o
va lo r do estilo
é
um prob lema quali tativo e não quantita tivo :
E também, por Zeus se a preeminência na literatura cabe,
por justiça, às vir tudes mais numerosas, ou às maiores. (c.
XXXIII, 1)
E ,
co mo se não basta ssem essas opiniões indiretamente formula-
das,
o
Anônimo as sum e
o
lugar de sujeito de su as afirmaçõe s, mos-
t ra nd o q ue ele não critic a a correç ão por amor ao erro, mas porqu e,
ao se p re o cu par demasiadamente em não erra r, o e sc ri to r d esviará sua
ate nç ão d aq ui lo qu e re almente dev e se r s ua p reo cu paç ão, a expressão
da grand eza e d o s ub lim e:
Eu cá, no entanto, sei que as naturezas demasiado grandes
são as menos estremes; a precisão em tudo acarreta o risco
da mediania e nos grandes gênios, assim como na excessiva
riqueza, alguma coisa se há de negligenciar . (c. XXXIII, 2)
3.3 . Mas ele sa be muito bem que a liberdade absolut a em rela-
çã o à ene rgia que dá or igem ao su blime negaria a próp ria finalidade
de sua obra, que é encontr ar os meios capazes de criar a elevação do
estilo . A liás , a fa lta de ssa orien ta ção metodol6gica é um dos pontos
importa ntes dos motivos de crític a ao tr atado de Cec ília:
12
~... ) mas de que maneira poderíamos encaminhar nossa
própria natureza a determinada elevação, isso, não sei por
que, ele negligenciou, como desnecessário. (c. I, 1)
De fat o, como liv ro didático que era, e int eg rad o no espírito
pra gmát ico imp lícito na
techné retá rica
e po ética ant iga ,
o
Anônim o
es tá so bre tudo preocupad o em verifi ca r se
o sublime
enquanto fenô -
me no pod e ser sistematiza do no nível da razã o e, co nse qüent em ent e,
se os procedim en tos ca paz es de rep rod uzi- lo podem se r ensinados.
Desse mod o, ele de dica toda a parte que nos restou do segundo capí-
tulo a di scutir se ex iste uma
arte do sublime.
Lembra que havia
pessoas qu e afirmavam ser
o sublime
um dom inato e que não poderia
se r objet o de es tudo sistema tizado. Mas ele nã o partilha , e vi de nte -
mente, des sa opin ião. Pelo contrário, sustenta que o sublime tem em
si suas próprias leis. Se a n aturez a é sua fonte, cabe ao método mos-
trar os limites ad equados:
( ... ) ela constitui a causa. primeira e princípio modelar de toda
produção; quanto, porém, a dimensões e oportunidade de cada
obra e, bem assim, quanto à mais segura prática e uso; compete
ao
métod o
estabelecer âmbito e conveniência . (c. 11, 2)
3.4. Antes de dar início ao estudo das fontes do sublime , julga
co nve niente o Anônimo levantar duas preliminares. A primeira diz
res peito a certos procedimentos - o estilo afet ado , o estilo frio, o
pa tét ic o in op or tu no - qu e em bora não sejam defeit os p ro priamente
ditos, na da mais são do que qualida de s frustradas ou por irem além
ou por ficarem aqu ém do sublime, fato que revela a precariedade de
se us l im ites:
.'É
que as nossas virtudes e os nossos VIClOS de certo modo
costumam ter a mesma origem. Por isso, se os ernbelezamentos
do estilo, os termos elevados e, somados a esses recursos, os do
deleitamento concorrem para o bom resultado literário, esses
mesmos requintes vêm a ser fonte e fundamento tanto do êxito
quanto do malogro . (c. V)
3.5. Se essa con diçã o pr elim ina r al erta pa ra um risco ine ren te
ao es trato lingüís tica que ap reende o mo men to sublime, a segunda ,
pa ra a qu al chama a ate nç ão
o
An ônim o, diz res peito ao amparo ideo-
ló gic o, i sto é, à concepção que se deve ter da na tu rez a do su blime .
Es te é um trab alho dif ícil , rec onhece ele, porque
o
ju lgamento do
es ti lo é o re su ltado fin al de um a longa ex periência (c. VI .
~
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~-_~ -ôr:--
Em resumo, -considera belas e verdadeiramente sublimes as pas-
sagens que agradam sempre e a todos. Quando. po is, mau grado
da diversidade das ocupações, do teor de vida, dos gostos, da
idade, do idioma, todos ao mesmo tempo pensam unânimes o
mesmo a respeito duma mesma coisa, então essa, digamos assim,
sentença concorde de juízes discordes outorga ao objeto da admi-
ração uma garantia .sólida e incontestável. (c. VII, 4)
e u todos sã o termos e ng lo ba nt es i nerentes ao conceito de razão .
M as é preciso não esquecer que a poética clá ss ica ; pr es sion ad a p ela
crít ica p la tô nica , pr ocuro u d es en vo lv er um processo capaz de racio-
na liza r a na tu reza com o. m eio d e c on se gu ir sua l eg i timidade ar tistica.
Al ém disso ela tem um carát er tautológíco e um a fu nç ão fo rmadora,
mod elar. As grandes ob ras clássica s fornecem ao m esm o tem po
os
princípios construtivos e de avaliação, estab elecendo-se assim uma
cadeia ininterrupia em que a produção e
o
julgam en to são m ed ido s
por um único parâmetro. .
O
grande in ter esse dess e último trecho do
Tratado do Sublime
é que ele formula, talvez pe la prim eira vez,
o
ca rát er c ir cular da teo-
ria clássica da li te ratu ra. E tal [ormu la çã o vai ser repetida ainda no
sé cu lo XIX- Freire de Carvalho em 18 40, p ro curando uma regra
fixa p ar a a determ in ação do gosto, di rá:
[ .. . } aquilo que
os
h om en s con co rd em en te ad mirare m, iss o
deverá ser tido
por
belo, e
o
Go sto verda deiro e exato será aquele que
mais se conformar com o sentir universal do s homens.
17
E; n o B ra sil d o século XIX, Lopes Gam a, autor de um m anual
d e e lo q üê n cia, faz eco àquelas palav ras :
Devemos, po is, reconhece r que no homem há s en sibilidade fís i-
ca e ra zã o; que umas vez es a s en sib ilidade físi ca obra só, e então não
tem lugar
o
er ro, nem a d is pu ta; que outras vezes tam bém a raz ão
obra por si só, e neste caso ela é a expressão de algum a causa de
ob jetivo , e p or conseguinte de unive rsa l. Sé se reúnem a sen saç ão e
o
juizo, então existem um elem ento individual, e um elemento univer-
sa l: nó s sentimos co mo ind ivíduos e julgam os com o hum anidade; por
outra,
o
ju ízo tem uma alçada que se est end e fora da esfera pessoal. 18
.3 . 7. Finalmente, estabelecida s a quelas duas advertência s, u ma
sobre os cuidados com a form a da lingua gem que apreende e revela
o
su bl ime, ou tra sobre
o
c on ce ito q ue
o
de fine e
o
to rna possível,
es tá
o
Anônim o em condições de abordar as fontes da elevação do
estilo.
Sã o c in co a s fo ntes do subl im e literá rio. A s d uas p rim eira s d iz em
respeito aos pensam ento s e aos sentimentos, ist o é, a faculda de de
Quanto a este aspecto id eoló gico,
o
Anônim o indica duas solu -
ções, uma, pouco desenvolvida no texto, que ap resenta o sublim e
co mo u ma esp écie d e gr an deza de alma aue levá
o
h om em a d es pr ez ar
os bens materia is. E e le a lin ha
os
seguintes: riquez a, honrarias , fama,
realeza, tudo mais que apres en ta uma e xt er ioridade teatral (c. VI I, 1) .
Mas é necess ár io o bs er var qu e
o
desprendimento não pode apli-
ca r-se a quem nada possua nem a quem possua bens, mas não possa
di spor deles . O desprend imento de alm a que caracteriza
o
su blime
é
o
d e qu em , podendo possuir bens, os despr eza:
( ... ) mais admiração do que os possuidores deles desperta
quem, podendo possuí-los, por grandeza de alma os menoscaba.
(c. VII, 1)
3. 6 . A essa concepção elitista d o s ub lime como matéri a da re-
presenta ção co rres po nde o utr a equ ivalente aplicada ao receptor da
mensagem.
O
modelo do ouvin te id eal
é
caracterizado po r certas
qualificações reco rrent es : sensato , com grandeza de alma (c. VII ,
1 ), um hom em sensato (c. VII , 3), e po r uma resp osta es pecífica
que representa uma pr ojeção do subli me cri ado na obr a:
É da natureza de nossa alma deixar-se de certo modo empo lgar
pelo verdadeiro sublime, ascender a uma altura soberba, encher-se
de alegria e exaltação, como se ela mesma tivesse criado o que
ouviu. (c. VII, 3)
Des se m odo,
o
Anônimo chega a um a fórm ula de a valia çã o d a
o br a a pa re ntemente paradoxal. Se há pouco ele considera como pro-
dutor do sublime apenas aquele que podendo possuí-tos [ta is b en s],
p or g ra nd eza de alm a, o s m en os ca ba , ago ra ele alarga ao in finito
o
círculo dos ouvintes potencialm ente capaz es de apreciar
o
sublime:
Essa pos tura , e nt re ta nt o, deve ser com pre end ida dentro da situa-
çã o da poética cláss ica onde
o
caráter un ive rsa liza nte da razão de -
te rm ina a natureza da ap rec iação indi vidu al. A s expr es sões sempr e
17.-
.Carvalho, Francisco Freire de. Breve Ensaio sobre a crítica literária
ou Metajisica das Belas-Letras; para servir de continuação às Lições Elemen-
taresde Eloqüênc ia e de Poética Nacional, pp. 2617. Em Lições elementares de
Poética Nac ional, 6. ed., Lisboa, Tip. Rolandiana, 1860 (1.' ed. 1840).
18. Gama, Miguel do Sacramento Lopes.
Lições de Eloqüência Nacional.
2 vols. Rio, Tip. Imparcial de F. de Paula Brito, 1846. 2.° vol., p. 3.
1 4
15
-
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atear-se a p en samen to s sub lim ados e a emo ção veemente e ins pi-
rad a . São o s fa tores psíquico s, di sposiç õe s inatas , qu e cons ti tuem o
objeto da rep rese ntação . As três úl timas fontes, as figur as , a no -
breza da exp ressão e o ri tm o , sã o de na tur eza lingü ís tica, e, po r-
=;
tanto, produtos da arte . ,-
Ob se rve-se que tal divisão rep roduz o duplo modelo proposto
pela retó rica antiga: a relaçã o natura] ars qu e comanda a ati viclade
cria tiv a e correlata
à
relaç ão r esf v erba q ue c on st itui a matéria da
criação, o discur so.
Por tanto, apesar das diferen ça s,
os
dois grupos de fontes se com-
plementam . Aliás o Anônimo declar a qu e I ... ] no discurso ( ... )
O
pensamento e a linguagem se implicam mutuam en te e q ue a beleza
da s palavras é lu z p ró pr ia d o p en sa mento . (c. XXX, 1)
Mas há outro fator que une as duas ordens de fon tes: se a
ele -
vaç ão
ine rente ao su blime repr esenta um momento excepciona l ao
níve l ps íquico , como sugere o A nô nimo, não
é
a persuasão que
o
subl ime co nd uz
o
ouv inte, ma s a arrebatamento (c.
I, 4)
e
o
su -
blim e
é
o rebôo da grandeza de alma (c.
IX, 2),
as três ú lti mas fon tes
repres entam u ma e sp écie de a nom alia a o n ív el lingüístico. A este res-
pe ito de ve -se lembrar qu e a retórica antiga definia as figuras por se
afas tarem do modo simples e comum de falar . 19
Co mpreende-se , de sse m od o, qu e para
o
Anônim o a estrutura da
linguagem nã o era apenas o meio , mas a condição, o fator criat ivo
que instaur a
o
sub lim e:
( ... ) o hipérbato, figura pela qual a ordenação das palavras
e pensamentos
é
tirada da seqüência regular; é , por assim dizer,
o mais verdadeiro cunho de uma emoção violenta. ·(c. XXII, 1)
Em última instância, a complement ar idade exis tente en tre senti-
mento e ex pressão reflete um dos fundamentos da re alid a de a rt ís ti ca,
ist o
é
a ín tima fusão entre a natureza e a a rte:
( ... ) a arte é acabada quando com esta [a natureza] se
parece e, por sua vez, a natureza é bem sucedida quando dissimula
a arte em seu seio. (c. XXI[, 1)
ROBERTO DE OLIVEIRA BRANDÁO
19. Ouint., op. cit., 9, 3, 3.
16
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ARTSTÓTELES
POÉTICA
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Bibliografia:
Poética, de Aristóteles, nas seguintes ed ições:
Scriptorum Classicorum Bibliotheca Oxoniensis, recognovit 1. Bywater.
Clarendon, editio altera, 1953.
The Loeb Classical Library, with an English translation by W. Hamilton
Fyfe, London, 1960.
Soe. d'Edition
Les
Belles
Letrres ,
texte établi et traduit par T .
Hardy.
Paris. 1952.
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I
Falemos da natureza e espécies da poesia, do condão de cada
uma, de como se hão de compor as fábulas para o bom êxito do poe-
ma; depois, do número e natureza das partes e bem assim da demais
matéria dessa pesquisa, começando, como manda a natureza, pelas
noções mais elementares. .
A epopéia, o poema trágico, bem como a comédia, o ditirambo
1
e, em sua maior parte, a arte do flauteiro e a do citaredo, todas vêm
a ser, de modo geral, imitações. Diferem entre' si em três pontos:
imitam ou por meios diferentes, ou objetos diferentes, ou de maneira
diferente e não a mesma.
Assim como alguns imitam muitas coisas figurando-as por meio
de cores e traços (uns graças
à
arte; outros,
à
prát ica )e outros o fazem
por meio da voz, assim também ocorre naquelas mencionadas artes ;
todas elas efetuam a imitação pelo ritmo, pe la pa lavra e pela melod ia,
quer separados, quer combinados. Valem-se, por exemplo, apenas da
melodia e ritmo a arte de tocar flauta
e
da cítara, mais outras que
porventura tenham a mesma propriedade, tal como a das fístulas;
2
já a arte da dança recorre apenas ao ritmo, sem a melodia; sim, por-
que os bailarinos, por meio de gestos ritmados, imitam caraçteres,
emoções, ações.
A arte que se util iza apenas de palavras, sem ritmo ou metrifi-
cadas, estas seja com variedade de metros combinados, seja usando
uma só espécie de metro, até hoje não recebeu uni nome.
3
Não dis-
pomos de nome que dar aos mimos 4 de Sófron e Xenarcó ao mesmo
tempo que aos diálogos socráticos e às obras de quem realiza a imi-
1. Hino coral em louvor de Díoniso '(Baco).
2. Flauta de pastor. '
3. Diz-se hoje Literatura, muito se discutindo sobre o conceito.
4. Pequena farsa em prosa, de assunto ordinariamente familiar.
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tação
por meio de trímetros,
disticos
elegíacos ou versos semelhantes.
Nada impede que pessoas, ligando à metrif icação a poesia, dêem a uns
poetas o nome de elegíacos, a outros o de épicos, denominando-os,
não segundo a imitação que fazem, mas indiscriminadamente confor-
me ometro que usam. ,_
Costuma-se dar esse nome mesmo a quem publica matéria mé-
dica ou científica em versos, mas, além da métrica, nada há de comum
entre Homero e Empédocles; por isso, o certo seria chamar poeta ao
primeiro e, ao segundo, antes naturalista do que poeta. Semelhante-
mente, quem realizasse a imitação combinando todos os metros, como
Querêmon na rapsódia
Centauro,
mesclada de todos os metros, tam-
bém devia ser chamado poeta.
Quanto a este ponto, bastam as distinções feitas.
Artes há que se utilizam de todos os meios citados, quero dizer,
do ritmo, da melodia, do metro, como a poesia ditirâmbica, a dos
nomos,
5
a tragédia e a comédia; diferem por usarem umas de todos
a um tempo, outras ora de uns, ora de outros. A essas diferenças das
artes me refiro quando falo em meios de imitação.
II
Como aqueles que imitam imitam pessoas em ação, estas são ne-
cessariamente ou boas ou más (pois os caracteres quase sempre se re-
duzem apenas a esses, baseando-se no vício ou na virtude a distinção
do caráter), is to é, ou melhores do que somos, ou piores, ou então tais
e quais, como fazem os pintores; Polignoto, por exemplo, melhorava
os originais; Pausão os piorava; Dionísio pintava-os como eram. Evi-
dentemente, cada uma das ditas imitações admitirá essas distinções
e diferirão entre si por imitarem assim objetos diferentes.
Essas diversidades podem ocorrer igualmente na arte da dança,
na da flauta ou da cítara; bem assim no que tange à prosa e na
poesia não musicada. Homero, por exemplo, imitava pessoas superio-
res; Cleofonte, iguais; Hegêmon de Tasos, o primeiro a compor pa-
ródias, e Nicócares, o autor da
Dilíada , 6
inferiores; o mesmo se diga
quanto aos ditirambos e nomos; podem-se criar caracteres como· os
ciclopes de Timóteo e de Filóxeno.
5. Cântico ao som de harpa, em louvor de Apoio.
6. Dilíada lembra Ilíada,· mas celebra poltrões em vez de heróis, ao
que sugere o nome. O poema, aliás, é desconhecido.
Nessa mesma diferença divergem a tragédia e a comédia; esta os
quer imitar inferiores e aquela superiores aos da atualidade.
III
-
Uma terceira diferença nessas artes reside em como representam
cada um desses objetos. Com efeito, podem-se às vezes representar
pelos mesmos meios os mesmos objetos, seja narrando, quer pela boca
duma personagem, como fez Homero, quer na primeira pessoa, sem
mudá-Ia, seja deixando as personagens imitadas tudo fazer, agindo.
Essas, pois, as três diferenças que distinguem a representação,
como dissemos de início: meios, objetos e maneira.
Assim, dum modo
Sófoclês
7 é imitador no mesmo sentido que
Homero - pois ambos representam seres superiores - de outro, no
mesmo sentido que Aristófanes, 8 pois ambos representam pessoas
fazendo, agindo.
Essa, segundo alguns, a razão do nome
drama,
o representá-Ias
em aç ão.
Por isso também reivindicam os dórios para si tanto a tra-
gédia, quanto a comédia; a comédia, os megarenses 9 daqui, como
criada no tempo de sua democracia, e os da Sicíl ia , por ser dali Epi-
carmo, poeta muito anterior a Quiônides e Magnes; a tragédia, alguns
do Peloponeso. Alegam como prova a denominação, porquanto eles,
dizem, dão o nome de
com as
aos arrabaldes; os atenienses, o de
demo s.
Os comediantes tirariam o nome, não do verbo komâzein, 10 .
mas do fato de vaguearem pelos arrabaldes, tocados, com desprezo,
para fora da cidade; ademais,
ag ir,
no seu dialeto, é
dran,
ao passo
que os atenienses dizem
prâttein.
Quanto, pois, às diferenças de representação, seu número e na-
tureza, basta o que dissemos.
I V
Parece, de modo geral, darem origem à poesia duas causas, am-
bas naturais. Imitar é natural ao homem desde a infância - e nisso
7. Autor de tragédias.
8. Autor de comédias.
9. Duas cidades se chamavam Mégara: uma, p róx ima do Istmo de
Corinto; a outra, na Sicília.
10. Percorrer. as ruas em co rtejo, cantando e dançando.
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difere dos outros animais, em ser o mais capaz de imitar e de adquirir
os primeiros conhecimentos por meio da imitação :- e todos têm
prazer em imitar. '
Prova disso é o que acontece na realidade: das coisas cuja visão
é penosa temos prazer em contemplar a imagem quanto mais per-
feita; por exemplo, as formas dos bichos mais desprezíveis e dos
cadáveres.
Outra razão é que aprender é sumamente agradável não só aos
filósofos,mas igualmente aos demais homens, com a diferença de
que a estes em parte pequenina. Se a vista das imagens proporciona
prazer é porque acontece a quem as contempla aprender e identificar
cada original; por exemplo, esse é Fulano ; aliás, se; por acaso, a
gente não o viu antes, não será como representação que dará prazer,
senão pela execução, ou pelo colorido, ou por alguma outra causa
semelhante.
Por serem naturais em nós a tendência para a imitação, a melo-
dia e o ritmo - que os metros são parte dos ritmos é fato evidente -
primitivamente, os mais bem dotados para eles, progredindo a pouco
e pouco, fizeram nascer de suas improvisações a poesia.
A poesia diversificou-se conforme o gênio dos autores; uns, mais
graves, representavam as ações nobres e as de pessoas nobres; outros,
mais vulgares, as do vulgo, compondo inicialmente vitupérios, como
os outros compunham hinos e encômios.
De nenhum autor anterior a Homero podemos citar uma obra
desse gênero, embora seja provável que tenha havido muitos; pode-
mos, a partir de Homero, mencionar, por exemplo o seu
Margites
e
outros semelhantes, nos quais, em harmonia com o gênero, veio tam-
bém, o metro jâmbico 11 - ainda .hoje se denomina poesia jâmbica
esse gênero - porque nesse metro se trocavam doestos. Houve, pois,
entre os antigos, autores tanto de versos heróicos, 12 quanto de [ârn-
bicos.
Homero, assim como foi autor de poemas nobres - pois s6 ele
compôs obras, que, sobre serem' excelentes, são representação de
ações - assim também foi o primeiro a mostrar o esboço da comédia,
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11. O jambo é um pé de duas sílabas, a primeira, breve e a segunda,
longa. Usava-se nas invectivas.
12. Hexâmetro, verso teoricamente composto de sei s dáctilos, pés formados
de uma sílaba longa seguida de duas breves.
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dramatizando, não o vitupério, mas o cômico, pois o
Margites
está
para as comédias como a
Ilíada
e a
Od issé ia
para as tragédias.
Surgi das a tragédia e a comédia, os autores, segundo a inclinação
natural, pendiam para esta ou aquela; uns tornaram-se, em lugar' de
jâmbicos, comediógrafos; outros, em lugar de épicos, trágicos, por
serem estes gêneros superiores àqueles e mais estimados.
Examinar se a tragédia em suas variedades alcançou ou não
pleno desenvolvimento, julgada em si mesma e nos espetáculos,
é
outra questão.
Nasc ida , pois, de improvisações a princípio - tanto ela quanto
a comédia, uma por obra dos que regiam o ditirambo, a outra por
obra dos que regiam os cantos fál icos , costume ainda hoje conservado
em muitas cidades - a pouco e pouco a tragédia cresceu desenvol-
vendo os elementos que se revelavam próprios dela e, após muitas
mudanças, estabilizou-se quando atingiu a natureza própria.
Foi Ésquilo quem teve a iniciativa de elevar de um para dois o
número de atores; ele diminuiu o papel do coro e atribuiu ao diálogo
a primazia; o número de três atores e o cenário devem-se a Sófocles.
Adquirindo extensão com o abandono de fábulas curtas e da Iingua-
gem cômica, que trazia de sua origem satírica, a tragédia só tardia-
mente adquiriu majestade. O seu metro, de tetrâmetro trocaico.J
passou a jâmbico; a p rinc ípio usavam o tet râmet ro t rocaico porque o
poema era satírico
14
e mais chegado à dança, mas, tornando-se diá-
logo, achou naturalmente o metro próprio, pois o
jâmbico
é o metro
mais coloquial. Demonstra-o o fato de proferirmos na conversação
muitos trímetros jâmbicos e raramentehexâmetros, e estes, quando
saímos do tom de conversa,
O número de episódios e ornamentos em geral com que se diz
te rem sido -ordenadas as partes, demo-los por estudados, po is daria
longo trabalho discorrer sobre cada um.
v
A comédia, como dissemos, é imitação de pessoas in feriores; não,
porém, com relação a todo vício, mas sim por ser o cômico uma
:,
13. Tetrâmerro, verso formado de quatro metros, cada um de dois pés.
O troqueu, ou coreu, compõe-se de uma sílaba longa seguida duma breve.
14. Interlúdio curto e jocoso, interpretado por atores vestidos como
sátiras. O nome nada tem com o de sátira, que
é
latino.
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espécie do feio. A comicidade, com efeito, é um defeito e uma feiúra
sem dor nem destruição; um exemplo óbvio é a máscara cômica , feia
e contorcida, mas sem expressão de dor.
As transformações por que passou a tragédia, bem como os seus
autores. são conhecidos; os da comédia, porém, são desconhecidos
por não te r ela gozado de estima desde o começo. Com efeito, s ã tar-
diamente o arconte
15
forneceu o coro de comediantes; antes, eram
voluntários. Ela já 'tinha adquirido certa forma, quando se passou a
lembrar o nome dos chamados poetas cômicos.
Não se sabe quem introduziu máscaras, prólogos, número de
atores e semelhantes particularidades; o compor fábulas é de Epi-
carmo e Fórmis. O começo foi na Sicíli a ; em Atenas, foi Crates o
primeiro a abandonar a forma jâmbica e compor diálogos e enredos
de assunto genérico.
A poesia épica emparelha-se com a tragédia em serem ambas
imitação metrificada de seres superiores; a diferença está em que
aquela se compõe num metro uniforme e é narrativa. Também na
extensão; a tragédia, com efeito, empenha-se, quanto possível, em
não passar duma revolução do solou superá-Ia de pouco; a epopéia
não tem duração delimitada e nisso difere. Não obstante, primitiva-
mente, procediam assim tanto nas tragédias como nas epopéias ..
Das partes componentes, umas são as mesmas; outras, peculia-
res à tragédia. Por isso, quem sabe discernir entre a boa tragédia e a
ruim sabe-o também quanto à epopéia, pois o que a epopéia tem está
presente na tragédia, mas nem tudo que esta possui se encontra
naquela.
VI
Da arte de imitar em hexâmetros e da comédia trataremos adian-
te. Falemos da t ragédia , tomando sua def inição' em decorrência do
que dissemos. E a tragédia a representação duma ação grave, de
alguma extensão e completa, em linguagem exornada, cada parte com
o seu atavio adequado, com atores agindo, não narrando, a qual,
inspirando pena e temor, opera a catarse própria dessas emoções.
Chamo linguagem exornada a que tem ritmo, melodia e canto; e atavio
adequado, o serem umas partes executadas com simples metrificação
e as outras, cantadas.
15, Magistrado 'executivo em Atenas.
24
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Como a imitação é feita por personagens em ação, necessaria-
mente seria uma parte da tragédia em primeiro lugar o bom arranjo
do espetáculo; em segundo, o canto e as falas, pois é com esses ele-
mentos que se realiza a imitação.
Por falas entendo o simples conjunto dos versos; por canto, coisa
que tem um sentido inteiramente claro. ,_
Como se trata da imitação duma ação, efetuada por pessoas
agindo, as quais necessariamente se distinguem pelo caráter e idéias
(pois essas diferenças empregamos na qualificação das ações), existem
duas causas naturais das ações: idéias e caráter, e todas as pessoas
são bem ou mal sucedidas conforme essas causas.
Está na fábula a imitação da ação. Chamo fábula a reunião das
ações; caráter, aquilo segundo o quê dizemos terem tais ou tais qua-
lidades as figuras em ação; idéias, os termos que empregam para
argumentar ou para manifestar o que pensam.
Toda tragédia, pois, comporta necessariamente seis elementos,
dos quais depende a sua qualidade, a saber: fábula, caracteres, falas,
idéias, espetáculo e canto. Com efeito, dois elementos são os meios
da imitação; um, a maneira; três, o objeto; além desses não há outro.
Deles, por assim dizer, todos os poetas se valem, pois todo drama
envolve igualmente, espetáculo, caráter, fábula, falas, canto e idéias.
A mais importante dessas partes é a disposição das ações; a tra-
gédia é imitação, não de pessoas, mas de uma ação, da vida, da feli-
cidade, da desventura; a felicidade e a desventura estão na ação e a
finalidade é uma ação, não uma qualidade. Segundo o caráter, as
pessoas são tais ou tais, mas é segundo as ações que são felizes ou o
contrário. Portanto, as personagens não agem para imitar os caracte-
res, mas adquirem os caracteres graças às ações. Assim, as ações e a
fábula constituem a finalidade da tragédia e, em tudo, a finalidade
é o que mais importa.
Ademais, sem ação não poderia haver tragédia; sem caracteres,
sim. As tragédias da maioria dos autores modernos carecem de ca-
racteres; a muitos poetas sucede, de modo geral, o mesmo que a
Zêuxis entre os pintores, em confronto com Polignoto; este, com
efeito, é um excelente pintor de caracteres, enquanto nenhum estudo
de caráter há na pintura de Zêuxis.
Outrossim, mesmo quando se alinhem falas reveladoras de cará-
ter, bem construídas em matéria de linguagem e idéias, não se realiza-
rá obra própria de tragédia; muito mais se obterá com uma tragédia
deficiente nessas partes, mas provida duma fábula e do arranjo das
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ações. Além disso, os mais importantes meios de fascinação das tragé-
dias são partes da fábula, isto é, as peripécias e os reconhecimentos.
Mais uma prova é que os que empreendem poetar logram exa-
tidão na fala e nos caracteres antes de a conseguirem no arranjo das
ações, como quase todos os autores primitivos.
A fábula é, pois, o princípio, a alma, por assim dizer, da tragé-
dia, vindo em segundo lugar os caracteres.
É
mais ou menos como
na pintura; se alguém lambusasse uma tela com as mais belas tintas
em confusão, não agradaria como quem esboçasse uma figura em
branco e preto. A tragédia é imitação duma ação e sobretudo em
vista dela é que imita as pessoas agindo.
Vêm em terceiro lugar as idéias, isto é, a capacidade de expri-
mir o que, contido na ação, com ela se harmoniza; tarefa, nos dis-
cursos, da política e da retórica. Os antigos faziam as personagens
falar como cidadãos; os modernos, como mestres de retórica.
Caráter é aquilo que mostra a escolha numa situação dúbia: acei-
tação ou recusa - por isso, carecem de caráter as palavras quando
nelas não há absolutamente nada que o intérprete aceite ou recuse.
Há idéias quando os intérpretes dizem que algo é ou não é, ou ex-
pressam alguma coisa em termos genéricos.
O quarto componente literário é a fala; entendo, como ficou
dito, que fala é a interpretação por meio de palavras, o que tanto
vale para versos como para prosa.
Dos restantes componentes é o canto o maior dos ornamentos.
O espetáculo, embora fascinante, é o menos artístico e mais alheio à
poética; dum lado, o efeito da tragédia subsiste ainda sem represen-
tação nem atores; doutro, na encenação, tem mais importância a arte
do contra-regra do que a dos poetas.
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Definidos os componentes, passemos ao problema do arranjo das
ações, pois esse é fator primeiro e mais importante da tragédia.
Assentamos que a tragédia é a imitação duma ação acabada e
inteira, de alguma extensão, pois pode uma coisa ser inteira sem ter
extensão. Inteiro é cque tem começo, meio e fim. Começo é aquilo
que, de per si, não se segue necessariamente a outra coisa, mas após
o quê, por natureza, existe ou se produz outra coisa; f im, pelo con-
trário, é aquilo que, de per si e por natureza, vem após outra coisa,
6
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quer necessana, quer ordinariamente, mas após o quê não há nada
mais; meio o que de si vem após outra coisa e após o quê outra
coisa vem.
As fábulas bem constituídas não devem começar num ponto ao
acaso, nem acabar num ponto ao acaso, mas utilizar-se das fórmulas
referidas.
Outrossim, a beleza, quer num animal, quer em qualquer coisa
composta de partes, sobre ter ordenadas estas, precisa ter determinada
extensão, não uma qualquer; o belo reside na extensão e na ordem,
razão por que não poderia ser belo um animal de extrema pequenez
(pois se confunde a visão reduzida a um momento quase impercep-
tível), nem de extrema grandeza (pois a vista não pode abarcar o
todo, mas escapa à visão dos espectadores a unidade e o todo, como,
por exemplo, se houvesse um animal de milhares de estádios). Assim
como as coisas compostas e os animais precisam ter um tamanho tal
que possibilite aos olhos abrangê-Ias inteiros, assim também é mister
que as fábulas tenham uma extensão que a memória possa abranger
inteira.
O limite de extensão com respeito aos concursos e à percepção
da platéia não é matéria da arte; se houvessem de concorrer cem
tragédias,
fá -le -iam
sob a clepsidra, como, dizem, já mais duma vez
aconteceu. Quanto ao limite conforme a natureza mesma da ação,
sempre quanto mais longa a fábula até onde o consinta a clareza do
todo, tanto mais bela graças à amplidão: contudo, para dar uma de-
finição simples, a duração deve permitir aos fatos suceder-se, dentro
da verossimilhança ou da necessidade, passando do infortúnio à ven-
tura, ou da ventura ao infortúnio; esse o limite de extensão con-
veniente.
VIII
Não consiste a unidade da fábula, como crêem alguns, em ter
um só herói, pois a um mesmo homem acontecem fatos sem conta,
sem deles resultar nenhuma unidade. Assim também uma pessoa pra-
tica muitas ações, que não compõem nenhuma ação única. Daí pa-
rece terem errado todos os autores de Heracleida s e Teseidas
16
e poe-
m1),~congêneres, supondo que, por ser Heracles um só, a fábula ga-
nharia também unidade.
16. Poemas sobre Heracles (Hércules) e Teseu, heróis de múltiplas
façanhas independentes umas das outras.
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Homero, assim como é superior em tudo mais, parece ter visto
muito bem também isso, seja pelo conhecimento da arte, seja pelo
seu gênio; escrevendo a Odissé ia , não narrou tudo quanto aconteceu
ao herói, por exemplo, o Ierimento no Parnaso.V a simulação de
loucura quando se arregimentava a tropa, 18 fatos dos quais a ocor-
\'ência de um não acarretava a necessidade ou probabilidade do outro,
mas compôs a
Odi ss éia
em torno duma ação única, como a entende-
mos, e assim também a
Ilíada.
Portanto, assim como, nas outras espécies de representação, a
imitação única decorre da unidade do objeto, é preciso que a fábula,
visto ser imitação duma ação, o seja duma única e inteira, e que suas
partes estejam arranjadas de tal modo que, deslocando-se ou supri-
mindo-se alguma, a unidade seja aluída e transtornada; com efeito,
aquilo cuja presença ou ausência não traz alteração sensível não faz
parte nenhuma do todo.
IX
É
claro, também, pelo que atrás ficou dito, que a obra do poeta
não consis te em contar o que aconteceu, mas sim coisas quais podiam
acontecer, possíveis no ponto de vista da verossimilhança ou da
necessidade
Não é em metrificar ou não que diferem o historiador e o poe-
ta; a obra de Heródoto podia ser metrificada: não seria menos uma
história com o metro do que sem: ele; a diferença está em que um
narra acontecimentos e o outro, fatos quais podiam acontecer. Por
isso, a Poesia encerra mais filosofia e elevação do que a História;
aque la enuncia verdades gerais; esta relata fatos particulares. Enun-
ciar verdades gerais é dizer que espéc ie de coisas um indivíduo de
natureza ta l vem a dizer ou fazer verossímil ou necessariamente; a
isso visa a Poesia, ainda quando nomeia personagens. Relatar fatos
particulares é contar o que Alcibíades
19
fez ou o que fizeram a ele.
17. Mordido por um javali, na adolescência, numa caçada com o avô.
Ao exemplar da Odisséia de que dispunha Aristóteles faltava provavelmente
a descrição que se lê no canto XIX a partir do verso 395.
18. Em Aulís, a fim de não embarcar para a guerra, Odisseu fingiu ter
enlouquecido, mas Palamedes o desmascarou.
19. Alcibíades é aqui como se dissesse Fulano.
8
No que concerne à comédia, isso a esta altura já se tornou evi-
dente, pois a fábula
é
composta segundo as verossimilhanças e depois
é que se dão nomes quaisquer às personagens, não como os poetas
[ârnbicos, que escrevem visando a pessoas determinadas.
Já nas tragédias, os autores se apóiam em nomes de pessoas que
existiram;
20
a razão é que o possível é crível; ora, o que não aconte-
ceu não cremos de imediato que seja possível, mas o que aconteceu
o é evidentemente; se impossível, não teria acontecido.
Não obstante, nalgumas tragédias são familiares uma ou duas per-
sonagens; as demais, fictícias; noutras, nenhuma, como no
Anteu
de
Agatão: nesta, tanto a ação como as personagens são imaginárias;
nem por isso agrada menos.
Assim, não é imperioso procurar ater-se a todo custo às fábulas
tradicionais, em torno das quais tem girado a tragédia.
É
esse um
empenho risível, dado que as fábulas conhecidas o são de poucos e,
não obstante, agradam a todos.
Isso evidencia que o poeta há de ser criador mais das fábulas
que dos versos, visto .que é poeta por imitar e imita ações. Ainda
quando porventura seu tema sejam fatos reais, nem por isso é menos
criador; nada impede que alguns fatos reais sejam verossímeis e pos-
síveis e é em virtude disso que ele é seu criador .
Das fábulas e ações simples, as episódicas são as mais fracas.
Chamo episódica aquela em que a sucessão dos episódios não de-
corre nem da verossimilhança nem da necessidade. Dessas fazem os
poetas medíocres por serem o que são, e também os bons por aten-
ção aos atores; compondo para concursos e dilatando a fábula além
do que ela suporta, são amiúde forçados a contrafazer a seqüência
natural.
O objeto da imitação, porém, não é apenas uma ação completa,
mas casos de inspirar temor e pena, e estas emoções são tanto mais
fortes quando, decorrendo uns dos outros, são, não obstante, fatos
inesperados, pois assim terão mais aspecto de maravilha do que se
brotassem do acaso e da sorte; com efeito, mesmo dentre os fortuitos,
despertam a maior admiração os que aparentam ocorrer, por assim
dizer, de propósito; por exemplo, a estátua de Mítis em Argos matou
o culpado da morte de Mítis, tombando sobre ele, quando assistia a
um festejo; ocorrências semelhantes não se afiguram casuais; segue-se
necessariamente que as fábulas dessa natureza são mais belas.
20. Segundo a tradição.
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Umas fábulas são simples, outras complexas; é que as ações
imitadas por elas são obviamente tais. Chamo simples a ação quando,
ocorrendo ela, como ficou definido, de maneira coerente e una, se dá
mudança de fortuna sem se verificarem peripécias e reconhecimen-
tos; complexa, quando dela resulta mudança de fortuna, seja com
reconhecimento, seja com peripécia, seja com ambas as coisas.
Essas ocorrênc ias devem nascer da própria const ituição da fábula,
decorrendo por necessidade ou verossimilhança de eventos anterio-
res; muita diferença vai entre acontecer isto, dum lado, por causa
daquilo e, doutro, após aquilo.
X I
Peripécia é uma viravolta das ações em sentido contrário, como
ficou dito; e isso, repetimos, segundo a verossimilhança ou necessi-
dade; como, no Edipo, quem veio com o propósito de dar alegria a
Edipo e
libertá-Io
do temor com relação à mãe,
21
ao revelar quem
ele era, fez o contrário; igualmente, no Linceu; este é levado para
morrer e Dânao vai empós para o matar, mas, em conseqüência dos
fatos, acabou morrendo Dânao e salvando-se Linceu.
O reconhecimento, como a palavra mesma indica, é a mudança
do desconhecimento ao conhecimento, ou à amizade, ou ao ódio, das
pessoas marcadas para a ventura ou desdita. O mais belo reconheci-
mento é o que se dá ao mesmo tempo que uma peripécia , como acon-
teceu no B â i p o • •
Existem outras formas de reconhecimento, pois, com respeito a
coisas inanimadas e triviais, sucede por vezes o que acabamos de
dizer e se pode reconhecer se alguém praticou ou não uma ação.
Porém o mais próprio da fábula e mais próprio da ação é o que foi
exposto acima. Com efeito, um reconhecimento dessa espécie, com
peripécia, acarre ta rá pena ou temor; de ações com tais efeitos é que
se entende ser a-tragédia uma imitação. Outrossim, a má ou boa
sorte dependerá de semelhantes ações.
I
i
I
I
i
21'. Mérope, suposta mãe; o que Édipo temia estava acontecendo com
a verdadeira,
J
ocasta.
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Como o reconhecimento se dá entre pessoas, às vezes é apenas
uma personagem que reconhece outra, quando não há dúvida sobre
a identidade de uma delas; às vezes ambas devem reconhecer; por
exemplo,
Ifi gê nia
foi reconhecida por Orestes
22
pelo envio da carta,
mas para ele ser reconhecido por ela era preciso outro reconhecimento.
Nesse passo se verificam duas partes da fábula, a peripécia e o
reconhecimento; mas há uma terceira, o patético. Das três já estuda-
mos a peripécia e o reconhecimento; o patético consiste numa ação
que produz destruição ou sofrimento, como mortes em cena, dores
cruciantes, ferimentos e ocorrências desse gênero.
XI I
Dos elementos constitutivos da tragédia que -cumpre uti li zar tra -
tamos atrás; quanto à extensão e divisão em secções distintas, estas
são as partes:
prólogo,
episódio, êxodo, canto coral , dist inguindo-se
neste último o párodo e o estásimo; estas partes são comuns a todas
as tragédias; os cantos dos atores e os
comos
são peculiares a algumas.
Prólogo é toda a parte da tragédia que antecede a entrada do
coro; episódio, toda uma parte da tragédia situada ent re dois cantos
corais completos; êxodo, toda a parte da tragédia após a qual não
vêm canto do coro. Do canto coral, o párodo é todo o primeiro pro-
nunciamento do coro; estásimo, o canto coral sem anapestos e tro-
queus; 23 como, um lamento conjunto do coro e dos atores.
Dos elementos constitutivos da tragédia que cumpre utilizar tra-
tamos atrás; quanto
à
extensão e
à
divisão em secções d istintas, são
essas as partes.
x m
O que é preciso visar, o que importa evitar na composição das
fábulas, por que meios lograr o efeito próprio da
tragédia,
eis o que
cumpre expor em continuação ao que ora foi di to.
Como a estrutura da tragédia mais bela tem de ser complexa e
não simples e ela deve consistir na imitação de fatos inspiradores de
temor e pena - característica própria de tal imitação - em primeiro
22. Em Eurípides, ljigênia em Táuride.
23. Anapestos são pés formados de duas sílabas breves seguidas duma
longa. Estásirno é canto coral que separa dois episódios.
31
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8/9/2019 Aristóteles, Horácio, Longino - A Poética Clássica(1)
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'I
n
lugar é claro que não cabe mostrar homens honestos passando de
felizes a infortunados (isso não inspira temor nem pena, senão indig-
nação); nem os refeces, do infortúnio à felicidade (isso é o que há de
menos
trágico:
falta-lhe todo o necessário, pois não inspira nem sim-
patia humana, nem pena, nem temor); tampouco o indivíduo per-
verso em extremo tombando da felicidade no infortúnio;' semelhante
composição, embora pudesse despertar simpatia humana, não inspira-
ria pena, nem temor; de tais sentimentos, um experimentamos com
relação ao infortúnio não merecido; o outro, com relação a alguém
semelhante a nós; a pena, com relação a quem não merece o seu
infortúnio; o temor, com relação ao nosso semelhante; assim, o resul-
tado não será nem pena, nem temor.
Resta o herói em situação intermediária; é aquele que nem
sobreleva pela virtude e justiça, nem cai no infortúnio em conseqüên-
cia de vício e maldade, senão de algum erro, figurando entre aqueles
que desfrutam grande prestígio e prosperidade; por exemplo, Edipo,
Tiestes e homens famosos de famílias como essas.
Necessariamente, pois, deve a fábula bem sucedida ser singela
e não, como pretendem alguns, desdobrada; passar, não do infortú-
nio à felicidade, mas, ao contrário, da felicidade a infortúnio que
resulte, não de maldade, mas dum grave erro de herói como os men-
cionados, ou dum melhor antes que dum pior.
Di-Io a prática; a princípio, os poetas narravam as fábulas sem
escolha; hoje, as mais belas tragédias se compõem em torno dumas
poucas casas, por exemplo, as de Alcmeão, Edipo, Orestes, Meléagro,
Tiestes e Télefo, e quantos outros vieram a sofrer ou causar desgra-
ças tremendas.
A mais bela tragédia, portanto, à luz dos preceitos da arte, tem
essa estrutura.
Portanto, nisso precisamente