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    Polticas de Segurana Pblica

    ndice

    Apresentao 2

    Contextualizao 2

    Relevncia 3

    Bibliografia 4

    Avaliao 7

    Aula 1: Abordagem histrico-cultural das instituies de Segurana

    Pblica e seu controle democrtico interno e externo 8

    Aula 2: O Estado Democrtico de Direito e o papel do policiamento no

    espao pblico 17

    Aula 3: Policiamento comunitrio 25

    Aula 4: Discusso e anlise crtica das concepes de Poltica de

    Segurana Pblica 31

    Aula 5: Poltica de Segurana Pblica cidad e poltica de extermnio

    do inimigo 38

    Aula 6: Formulao e anlise de polticas no campo da Segurana Pblica 45

    Aula 7: A intersetorialidade das Polticas de Segurana Pblica 51

    Aula 8: A Municipalizao das polticas de segurana 56

    Trabalho final 60

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    Apresentao

    Depois de termos estudado os papis dos profissionais de Segurana Pblica e suas

    diferentes relaes no processo de gesto integrada, e de termos analisado a relao

    desses atores com a tica, os Direitos Humanos e a cidadania, hoje, iniciaremos o estudo

    crtico das Polticas de Segurana Pblica.

    A despeito da polmica que o tema provoca na mdia, ainda raro encontrarmos

    discusses tcnicas sobre como construir uma Poltica de Segurana Pblica eficiente e

    democrtica. sobre isso que pretendemos pensar e discutir com vocs nesta disciplina.

    A proposta compreendermos fatores socioculturais relacionados s instituies de

    Segurana Pblica para, a partir disso, analisarmos: quais os passos necessrios

    formulao de polticas voltadas represso da criminalidade com respeito aos Direitos

    Humanos; qual o papel da polcia nesse processo; e a que estamos nos referindo quando

    falamos em Municipalizao da Segurana Pblica.

    Contextualizao

    A violncia urbana representa um dos principais temas de debate da atualidade. Seu

    controle e sua reduo se tornaram um dos maiores desafios dos gestores pblicos, que

    passaram a desenvolver discursos e aes materializadas em polticas que parecem estar

    distantes de objetivos propalados.

    O contedo desta disciplina pretende esclarecer concepes relacionadas temtica das

    Polticas de Segurana Pblica por meio da abordagem sociocultural das instituies de

    Segurana Pblica e da anlise do processo de formulao e manuteno dessas polticas

    como o conjunto de aes intersetoriais na sociedade.

    Estudos das Cincias Sociais e da Criminologia, realizados durante as duas ltimas

    dcadas, indicam a necessidade de evoluo dos modelos de anlise e tratamento do

    crime e da violncia. Essa concluso se deve ao fracasso do modelo repressivo clssico,

    baseado em uma poltica penal dissuasria de pretenso punitiva do Estado como nica

    resposta ao problema do aumento do delito e seus efeitos.

    Esse modelo enfrenta, demasiadamente tarde, o problema do delito bem como privilegia

    a polarizao Estado versus infrator, desconsiderando a questo da cidadania quando

    no ampara a vtima e no busca reintegrar o criminoso sociedade. O elevado custo

    social e a extemporaneidade das aes desse modelo no interferem no ambiente

    situacional.

    Estudar as diferentes concepes de polticas desenvolvidas e os problemas relacionados

    ao fenmeno da violncia significa aprofundar os conhecimentos, buscar solues e

    preparar os gestores, os operadores de segurana e a prpria sociedade para este

    desafio: controlar e reduzir a violncia em nossa sociedade.

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    Relevncia

    indiscutvel a presena da temtica da criminalidade no cotidiano dos moradores das

    zonas urbanas e rurais das cidades brasileiras, mas ainda se discute muito sobre quais as

    formas ideais de abord-la.

    Nesse contexto, indispensvel analisar, de forma crtica, os desafios institucionais e

    socioeconmicos da elaborao de Polticas de Segurana Pblica que tenham como

    objetivo a preveno da violncia e o combate criminalidade com respeito aos Direitos

    Humanos.

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    Bibliografia

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    http://diplo.uol.com.br/2002-06,a336

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    Avaliao

    Em todas as disciplinas da ps-graduao online, existem:

    Avaliao formativa

    No vale ponto, mas importante para o aprofundamento e a fixao do contedo. Essa

    avaliao contm:

    Atividades de fixao atividades de passagem, presentes dentro das aulas; so

    testes contextualizados ao contedo explorado;

    Exerccios de autocorreo questes para verificao da aprendizagem; so

    essenciais, pois marcam sua presena em cada aula.

    Avaliao somativa

    Forma sua nota final na disciplina. Essa avaliao inclui:

    Temas para discusso em frum que aprofundam e atualizam os temas

    estudados em aula; trata-se de um espao para tirar suas dvidas. Sua

    participao vale ponto;

    Prova em data especificada no calendrio acadmico do curso, que ser

    realizada em seu Polo;

    Trabalho final da disciplina resenha em 1 lauda (arquivo Word) do captulo III

    do livro A sndrome da rainha vermelha: policiamento e Segurana Pblica no

    sculo XXI, indicado na bibliografia do curso; ou uma resenha em 1 lauda

    (arquivo Word) do artigo O processo de gesto da segurana municipal, da

    pesquisadora Miriam Guindani.

    Orientaes sobre a realizao do trabalho podem ser obtidas com o professor no

    ambiente online, no Frum de Discusso , no tpico Orientaes do Trabalho.

    http://posestacio.webaula.com.br/Cursos/gen/calendarios/calendario_academico_politicas_e_gestao_em_seguranca_publica.pdfhttp://posestacio.webaula.com.br/Cursos/POS061/docs/Apres_mapps_4%20Mirian_103.pdf

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    Aula 1: Abordagem histrico-cultural das instituies de Segurana

    Pblica e seu controle democrtico interno e externo

    Ao final desta aula, voc ser capaz de:

    1. Estabelecer uma abordagem histrico-cultural das instituies de Segurana

    Pblica;

    2. Identificar quais as formas de controle democrtico interno e externo das

    instituies policiais.

    Estudo dirigido da aula

    1. Leia o texto condutor da aula;

    2. Participe do Frum de Discusso desta aula;

    3. Realize a atividade proposta;

    4. Leia a sntese desta aula;

    5. Leia a chamada para a aula seguinte;

    6. Realize os exerccios de autocorreo.

    Ol! Seja bem-vindo(a) primeira aula da disciplina Polticas de Segurana Pblica.

    Quando falamos em instituies de Segurana Pblica1, imediatamente fazemos a

    associao com as polcias em seus diferentes mbitos. Isso pode ocorrer em razo da

    representao coletiva2 que temos tanto do que significa Segurana Pblica quanto do

    que entendemos como o papel da polcia na sociedade.

    Trataremos mais adiante das concepes de Polticas de Segurana Pblica. Por ora,

    abordaremos alguns pontos-chave da histria da polcia no Brasil e de suas formas de

    controle social3 e institucional.

    Pronto para comear?

    1 Acesse a lista de sites oficiais das principais instituies de Segurana Pblica no Brasil, disponvel em: http://www.comunidadesegura.org/pt-br/node/90. 2 Segundo Durkheim (1978, p. 79), a representao coletiva: [...] traduz a maneira como o grupo se pensa em suas relaes com os objetos que o afetam. Para compreender como a sociedade representa a si prpria e ao mundo que a rodeia, precisamos considerar a natureza da sociedade, e no a dos indivduos. Os smbolos com que ela se pensa mudam de acordo com sua natureza [...]. Se ela aceita ou condena certos modos de conduta, porque entram em choque ou no com alguns de seus sentimentos fundamentais, sentimentos estes que pertencem sua constituio. Contemporaneamente, esse conceito tem sido usado por autores da Psicologia Social como representaes sociais: Um sistema de valores, ideias e prticas com uma dupla funo: primeiro, estabelecer uma ordem que possibilitar s pessoas orientarem-se em seu mundo material e social e control-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunicao seja possvel entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um cdigo para nomear e classificar, sem ambiguidade, os vrios aspectos de seu mundo e de sua histria individual. (MOSCOVICI, 2005, p. 21) 3 Conceito aqui entendido como o controle que a sociedade faz das instituies de Segurana Pblica por meio de Organizaes No Governamentais, Conselhos etc.

    http://posestacio.webaula.com.br/Cursos/POS061/docs/Aula_1_Representacoes_coletivas.pdfhttp://www.comunidadesegura.org/pt-br/node/90

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    A polcia4 surge no sculo XIX, nos pases europeus, como estrutura pblica, profissional

    e permanente, voltada manuteno da ordem pblica5 e garantia da segurana

    pblica. Sua primeira funo foi administrar as revoltas populares que, at ento, eram

    abordadas pelo Exrcito.

    No Brasil, as polcias foram estruturadas no perodo imperial com a criao da

    Intendncia de Polcia da Corte. No Perodo Colonial6, as polcias desenvolviam atividades

    judicirias e investigativas. Aps a Proclamao da Independncia, foi criada a Guarda

    Nacional, formada por cidados eleitores7, que discriminava a maioria absoluta da

    populao que no votava por no possuir renda.

    Recuemos, entretanto, um pouco no tempo para salientar a primazia histrica da polcia

    militar do Estado do Rio de Janeiro8. Em reconhecimento singularidade dessa trajetria,

    vale citar o relato que a prpria instituio divulga, em seu site9, sobre sua formao

    orgulhosa dos 200 anos que, em 2009, foram celebrados:

    No incio do sculo XIX, como consequncia da campanha Napolonica de conquista do

    continente europeu, a Famlia Real portuguesa, juntamente com sua Corte, decidiram se

    mudar para o Brasil. Chegando aqui, a Corte instalou-se no Rio de Janeiro, iniciando a

    reorganizao do Estado no dia 11 de maro de 1808, com a nomeao de Ministros. Na

    poca, a segurana pblica era executada pelos chamados quadrilheiros grupos

    formados por bons homens do Reino, armados de lanas e bastes, responsveis pelo

    patrulhamento das vilas e cidades da metrpole portuguesa, cujo modelo foi estendido

    ao Brasil colonial. Eles eram responsveis pelo policiamento das 75 ruas e alamedas da

    cidade do Rio. Com a chegada dessa nova populao, os quadrilheiros no eram mais

    suficientes para fazer a proteo da Corte, at ento, com cerca de 60.000 pessoas

    mais da metade escravos.

    Em 13 de maio de 1809, dia do aniversrio do Prncipe Regente, D. Joo VI criou a

    Diviso Militar da Guarda Real de Polcia da Corte (DMGRP), formada por 218 guardas

    com armas e trajes idnticos aos da Guarda Real Portuguesa. A DMGRP era composta por

    1 Estado-Maior, 3 regimentos de infantaria, 1 de artilharia e 1 esquadro de cavalaria.

    Seu primeiro comandante foi Jos Maria Rebello de Andrade Vasconcellos e Souza, ex-

    4 Etimologicamente, o termo deriva da expresso grega politeia: a arte de governar a cidade ou a arte de tratar da coisa pblica. 5 M. Rolim (2006, p. 21) discute quais as funes e responsabilidades da polcia, entendendo que a manuteno da ordem pblica uma noo insuficiente, tendo em vista que a manuteno da ordem pode estar sustentada em uma injustia flagrante, como o caso do apartheid ou outras prticas totalitrias. 6 O Perodo Colonial comea com a expedio de Martim Afonso de Souza, em 1530, e vai at a Proclamao da Independncia por Dom Pedro I, em 7 de setembro de 1822. 7 A Constituio do Imprio, de 1824, determinava que apenas os cidados com renda mnima definida em seus artigos poderiam ser eleitores. A Guarda Nacional no fugia regra de que a riqueza e a propriedade estabeleciam o grau de direitos polticos.

    8 Para uma anlise profunda desse complexo processo histrico, recomendamos a leitura do artigo do professor Marcos Luiz Bretas A polcia carioca no Imprio, publicado na Revista Estudos Histricos, Rio de Janeiro, v. 12, n. 22, p. 219-234, 1998. 9 Acesse o site da Polcia Militar, disponvel em: http://www.policiamilitar.rj.gov.br/historia.asp.

    http://www.policiamilitar.rj.gov.br/historia.asp

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    capito da Guarda de Portugal. Um brasileiro nato foi escolhido como seu auxiliar: o

    Major de Milcias Miguel Nunes Vidigal.

    O aparelho repressivo estatal foi estruturado para agir frente aos no eleitores, ou seja,

    aos excludos sociais, principalmente a populao de etnia negra que, submetida

    escravido10, no era entendida como parte da raa humana, e sim como uma raa

    inferior que poderia ser vendida como mercadoria e forada a trabalhar sem

    remunerao.

    O regime escravocrata durou 300 anos no Brasil. Nesse perodo, os negros foram

    torturados e assassinados, fsica e simbolicamente, assim como as populaes

    indgenas11, que tambm tiveram suas tradies massacradas e suas terras roubadas.

    Quando conseguiam fugir de seus donos, os negros, ndios e miserveis protegiam-se

    em Quilombos12, no intuito de sobreviver e de resistir aos senhores de terras.

    Durante o Imprio, foram criados os Corpos de Guardas Municipais, a Intendncia de

    Polcia e instituies de estrutura militar, como a Fora Pblica, por exemplo. A estrutura

    organizacional e de competncias desses rgos encontra-se presente at hoje: cada

    instituio policial desenvolve aes distintas, e nenhuma das polcias cumpre o ciclo

    completo da atividade policial, que se caracteriza pela investigao e o policiamento

    ostensivo.

    No h concentrao de atividades em uma instituio policial: com a institucionalizao

    do inqurito policial13, a Intendncia de Polcia hoje Polcia Civil passou a ter a

    competncia legal de investigar e de realizar diligncias para o descobrimento dos fatos

    criminosos, de suas circunstncias, seus autores e cmplices. Por outro lado, o

    10 O Estado brasileiro possui uma dvida irreparvel em sua plenitude com a populao de etnia negra escravizada e massacrada no Brasil. Com seu trabalho, os negros construram o que hoje chamamos de economia do Pas. Em troca disso, foram privados do direito integridade fsica e psicolgica e ao estudo (pois eram proibidos de frequentar escolas e faculdades); de possuir bens materiais; do cultivo de suas religies africanas etc. Com a Abolio, em 1888, os negros continuaram sem ter direitos civis e sem poder estudar, e foram novamente condenados misria no Pas. 11 Sugestes de leitura: O povo brasileiro. A formao e o sentido do Brasil, do antroplogo Darcy Ribeiro; e as obras histricas do professor Marcos Bretas, como Ordem na cidade. O exerccio cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro: 1907-1930. 1. ed. v. 1. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. 221 p. 12 Sugesto de leitura: Do Quilombo favela: a produo do espao criminalizado no Rio de Janeiro. 13 Institudo pela Reforma Judiciria do Imprio Lei n 2.033, de setembro de 1871, regulamentada pelo Decreto n 4.824, de 22 de novembro de 1871. Trata-se do Instituto do Cdigo de Processo Penal, no qual so constitudas provas sem o crivo do contraditrio provas que vm a ganhar carter definitivo, orientando toda prova judicial. Esse Instituto atribui polcia poder sem controle, pois sua elaborao no conta com a presena do Ministrio Pblico e do advogado de defesa. Alm disso, mesmo sem implicar juzo de culpa definitiva, o indiciamento pode trazer danos irreparveis aos cidados, que tero contra si o preconceito estampado nas folhas corridas, ainda que diante de eventual pronunciamento posterior de inocncia.

    Disponvel em: http://www.soleis.adv.br/codigoprocessopenal.htm#DO%20INQU%C9RITO%20POLICIAL. Acesso em: 05 ago. 2007.

    Texto para reflexo: O princpio do contraditrio e o inqurito policial. Disponvel em: http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista10/Discente/MargaridaMaria.pdf.

    http://www.soleis.adv.br/codigoprocessopenal.htm#DO%20INQU%C9RITO%20POLICIALhttp://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista10/Discente/MargaridaMaria.pdf

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    policiamento ostensivo, uniformizado, de patrulhamento nas ruas e de atendimento das

    demandas urgentes da populao, era como hoje de competncia das instituies

    policiais militares, cuja organizao se baseava como ainda hoje se baseia nas regras

    do Exrcito, com treinamento para enfrentamento de inimigos (sustentado na lgica

    repressiva de combate com o uso de violncia).

    O modelo dualizado investigao e policiamento ostensivo teve continuidade no

    perodo republicano. A mudana se deu em relao centralidade da organizao policial

    nos estados federados antigas provncias do Imprio. Sendo assim, foi instituda a

    Polcia Federal, com carter investigativo e judicirio.

    No perodo da Ditadura Militar14, de 1964 a 1985 caracterizado pela supresso de

    direitos constitucionais, censura, perseguio poltica e represso aos que eram

    contrrios ao regime militar , foram extintas as guardas civis em 15 Estados brasileiros.

    Em alguns casos, elas se somaram s foras militares estaduais, dando origem a Polcias

    Militares, comandadas por oficiais superiores do Exrcito e coordenadas pela Inspetoria-

    Geral das Polcias Militares (IGPM)15, que acompanhava a execuo das atividades

    dessas novas instituies as PMs , de forma a no permitir desvios dos propsitos que

    lhes fossem estabelecidos pela Unio, na legislao pertinente.

    A partir do Decreto n 88.777 de 198316, editado pelo Presidente Joo Figueiredo que

    aprova o regulamento para Polcias Militares e Corpos de Bombeiros , os governos

    estaduais (via Secretarias de Segurana Pblica ou diretamente) ficaram incumbidos

    apenas da orientao e do planejamento das PMs, ou seja, do estabelecimento de

    diretrizes para as respectivas Polcias Militares estaduais.

    A Constituio Federal17 de 1988 (CF) foi um avano no que tange aos direitos individuais

    e coletivos, e aos direitos sociais (Artigo 5 ao Artigo 11). Entretanto, no que se refere

    estrutura institucional do setor de segurana, podemos afirmar que no houve mudanas

    significativas, inclusive, em certo sentido, a Carta Magna foi mais conservadora que a

    anterior (de 1969) no que tange s Justias militares estaduais, ao garantir foro

    privilegiado para julgamento de policiais (Artigo 125, Pargrafos 3 e 4). No Captulo III

    da CF Da Segurana Pblica18 , foi mantida a vinculao das Polcias Militares ao

    Exrcito, e, em relao Polcia Civil, permaneceu a mesma orientao do perodo de

    arbtrio: preservou-se seu papel de polcia judiciria na elaborao do inqurito policial.

    A dualidade (constitucional) da atividade policial cuja determinao indica que uma

    (Polcia Civil) realiza a investigao e a outra (Polcia Militar), o policiamento ostensivo

    representa o maior obstculo para o trabalho integrado das atividades policiais. Isso se

    14 Sugesto de leitura: Brasil nunca mais um relato para a histria. Rio de Janeiro: Vozes. 15 Criada pelo Decreto n 61.245, de 28 de agosto de 1967, com o objetivo de o Exrcito coordenar as aes das foras militares estaduais. 16 Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/D88777.htm. 17 Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. 18 Artigo 144, Pargrafo 6.

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/D88777.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm

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    deve ao fato de que as Polcias Militares criam mecanismos de investigao, assim como

    as polcias civis recorrem formao de unidades de policiamento ostensivo.

    O controle democrtico interno e externo das instituies de Segurana Pblica no

    ocorre apenas por regulamentos normativos, preceitos jurdicos ou sanes formais, mas

    como o produto de instituies, relaes e processos sociais mais amplos. Esses

    processos vo desde a criao de ouvidorias e corregedorias at a atuao de Conselhos,

    a vigilncia constante da mdia, o trabalho das ONGs/OSCIPs19 e de outras organizaes

    da sociedade civil organizada como os movimentos GLBTT, Social Negro, de defesa dos

    povos indgenas, de defesa dos Direitos Humanos, feministas e do hip hop.

    Nesse contexto, preciso distinguir o que Corregedoria do que Ouvidoria, em termos

    de objeto, finalidade, proposta e atribuies. A destinao da Ouvidoria canalizar,

    escutar, perceber e detectar problemas (ainda que tambm possa receber e registrar

    elogios e sugestes) para encaminh-los Corregedoria (ou aos comandos pertinentes,

    quando se trata de elogios e recomendaes), que quem tem atribuio para tomar

    medidas investigativas. Em outros pases como a Irlanda, por exemplo , a Ouvidoria

    tem mais peso, autonomia e autoridade para investigar e acusar diretamente a Justia. O

    ouvidor (ou a ouvidora) eleito(a), tendo mandato e recursos correspondentes s

    responsabilidades.

    No Brasil, as Ouvidorias da polcia foram criadas a partir de meados da dcada de 1990,

    com a finalidade de receber reclamaes ou elogios relacionados a policiais civis e

    militares. Mesmo quando os ouvidores tm mandato, no so eleitos e carecem de

    autonomia, autoridade e recursos para investigar por conta prpria. Trata-se de uma

    atividade tcnica, cujas atribuies so: ouvir as reclamaes de qualquer cidado contra

    os abusos de autoridades e agentes policiais, civis e militares; receber denncias contra

    os atos arbitrrios, ilegais e de improbidade administrativa praticados por servidores

    pblicos vinculados Segurana Pblica ou elogios relativos a atos virtuosos.

    J as Corregedorias tm como competncia promover as aes necessrias apurao

    da veracidade das reclamaes e denncias, e, nesse caso, tomar as medidas

    necessrias ao saneamento das irregularidades, ilegalidades e arbitrariedades

    constatadas, para responsabilizao civil, administrativa e criminal dos imputados.

    Se forem realmente autnomas e tiverem poder de auditar e fiscalizar as polcias, as

    Ouvidorias e Corregedorias de Polcia representaro um instrumento de controle

    democrtico da populao sobre as instituies de Segurana Pblica, podendo vir a ser

    um dos principais mecanismos para garantir o controle da atividade policial na tica dos

    Direitos Humanos. Para tanto, as Ouvidorias e Corregedorias precisam ser independentes

    Isso s ocorrer se houver mandato na execuo das atividades e se o ouvidor e o

    19 ONG a sigla de Organizao No Governamental. Sua designao negativa (No Governamental) revela a ideia inicial de independncia e ocupao do espao pblico por quem no do governo. No direito brasileiro, no h qualquer designao de ONG, mas um reconhecimento de cunho cultural, poltico e sociolgico. OSCIP, por sua vez, a sigla de Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico, conforme disposto pela Lei n 9.790/99. Trata-se de grupo e subgrupo, gnero e espcie. A OSCIP reconhecida como tal por ato do governo federal, emitido pelo Ministrio da Justia, ao analisar o estatuto da instituio. Para tanto, necessrio que o estatuto atenda a certos pr-requisitos que esto descritos nos Artigos 1, 2, 3 e 4 da Lei n 9.790/99.

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    corregedor no estiverem subordinados ao comando das polcias, Secretaria de

    Segurana ou ao Governador do Estado, o que dificultar o andamento de denncias

    contra o setor intermedirio e superior das instituies policiais.

    Outro ator fundamental para o controle democrtico das instituies policiais o

    Ministrio Pblico instituio do Estado cuja finalidade verificar se a lei est sendo

    obedecida e, em caso contrrio, provocar (geralmente atravs do Poder Judicirio) os

    rgos do Estado, com incumbncia de obrig-los a cumprir a lei. Nesse sentido, o

    Ministrio Pblico promove a aplicao das leis, a fim de que suas orientaes estejam

    presentes nas relaes sociais, e no apenas nos textos legais.

    A partir da Constituio Federal (Artigo 127)20, o Ministrio Pblico tornou-se uma

    instituio independente, no se vinculando a nenhum dos poderes do Estado, com

    garantias de autonomia administrativa e funcional. A autonomia baseia-se no fato de que

    o recrutamento de seus membros est em suas mos. Da mesma forma, a

    independncia funcional e as garantias constitucionais manifestam-se sob as formas de

    vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Entretanto, isso tudo

    discutvel, pelo menos at certo ponto, quando observamos que cabe ao Executivo

    escolher o Procurador Geral da Justia, com base em uma lista trplice encaminhada pela

    prpria instituio.

    Por outro lado, a capacidade efetiva de cumprir suas atribuies limitada por fatores

    como a dependncia em relao a outras instituies particularmente o Judicirio e a

    Polcia , j que elas podem facilitar, dificultar ou mesmo impedir o andamento de uma

    investigao, alm da possibilidade de vulnerabilidade a presses polticas. Sendo assim,

    20 Art. 127. O Ministrio Pblico instituio permanente, essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis. 1 So princpios institucionais do Ministrio Pblico a unidade, a indivisibilidade e a independncia funcional. 2 Ao Ministrio Pblico, assegurada a autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no Art. 169, propor ao Poder Legislativo a criao e extino de seus cargos e servios auxiliares, provendo-os por concurso pblico de provas ou de provas e ttulos, a poltica remuneratria e os planos de carreira; a lei dispor sobre sua organizao e funcionamento. (Redao dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998). 3 O Ministrio Pblico elaborar sua proposta oramentria dentro dos limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Oramentrias. 4 Se o Ministrio Pblico no encaminhar a respectiva proposta oramentria dentro do prazo estabelecido na Lei de Diretrizes Oramentrias, o Poder Executivo considerar, para fins de consolidao da proposta oramentria anual, os valores aprovados na lei oramentria vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do 3. (Includo pela Emenda Constitucional n 45, de 2004). 5 Se a proposta oramentria de que trata este Artigo for encaminhada em desacordo com os limites estipulados na forma do 3, o Poder Executivo proceder aos ajustes necessrios para fins de consolidao da proposta oramentria anual. (Includo pela Emenda Constitucional n 45, de 2004). 6 Durante a execuo oramentria do exerccio, no poder haver a realizao de despesas ou a assuno de obrigaes que extrapolem os limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Oramentrias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de crditos suplementares ou especiais. (Includo pela Emenda Constitucional n 45, de 2004).

    http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/103857/emenda-constitucional-19-98http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm#art127http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm#art127http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm#art127

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    para que seja realizado o controle democrtico eficiente, necessrio que ele seja

    interno e externo, como forma de evitar os riscos provocados pelo corporativismo.

    Quanto mais independente e fortalecida for a instituio que far o controle, menos

    riscos haver para seu funcionamento eficiente.

    Daremos continuidade ao tema das instituies de Segurana Pblica na prxima aula,

    cujo tema abordado ser: O Estado Democrtico de Direito e o papel do policiamento no

    espao pblico.

    Para saber mais sobre os tpicos estudados nesta aula:

    Assista ao filme Quase dois irmos.

    Sinopse: Miguel, senador da Repblica, visita seu amigo de infncia

    Jorge que se tornou um poderoso traficante de drogas do Rio de

    Janeiro para lhe propor um projeto social nas favelas. Apesar de

    suas origens diferentes, eles se tornaram amigos quando crianas,

    nos anos 1950, pois o pai de Miguel tinha paixo pela cultura negra

    e o pai de Jorge era compositor de sambas. Nos anos 1970, eles se

    encontraram novamente na priso de Ilha Grande. Ali, as diferenas

    raciais eram mais evidentes: enquanto a maior parte dos

    prisioneiros brancos estava l por motivos polticos, a maioria dos

    prisioneiros negros era de criminosos comuns. Este filme um

    retrato da relao entre a classe mdia e a favela carioca, marcado

    pela msica popular e pela histria poltica recente.

    Assista ao documentrio Vlado: 30 anos depois.

    Sinopse: Este documentrio conta a histria do jornalista Vladimir

    Herzog atravs de depoimentos de pessoas que conviveram com

    ele. Herzog foi assassinado na priso, em 1975, durante o Regime

    Militar brasileiro.

    Disponvel em: http://www.adorocinema.com. Acesso em: 05 ago. 2010.

    http://www.adorocinema.com/http://posestacio.webaula.com.br/Cursos/POS061/imagens/a01_t09_02.JPGhttp://posestacio.webaula.com.br/Cursos/POS061/imagens/a01_t09_04.JPGhttp://posestacio.webaula.com.br/Cursos/POS061/imagens/a01_t09_02.JPGhttp://posestacio.webaula.com.br/Cursos/POS061/imagens/a01_t09_04.JPGhttp://posestacio.webaula.com.br/Cursos/POS061/imagens/a01_t09_02.JPGhttp://posestacio.webaula.com.br/Cursos/POS061/imagens/a01_t09_04.JPG

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    ATIVIDADE PROPOSTA

    Suponha que uma pesquisa tenha sido realizada com os moradores das zonas mais ricas

    e das localidades mais pobres da cidade do Rio de Janeiro. Nessa pesquisa, cada morador

    teria sido questionado sobre o que entendia quanto s principais demandas em relao

    s polcias. Nesse caso, as respostas seriam certamente diferentes.

    Cada grupo social parte de sua realidade, ou seja, alguns que possuem segurana

    privada no prdio em que moram podem entender que o problema da polcia a falta

    de estrutura para investigar os crimes. Outros que no esto preocupados com a

    polcia judiciria e que nunca tiveram advogado querem chegar s suas casas sem que

    sejam atingidos por balas perdidas. Esses moradores almejam uma polcia prxima,

    honesta, que proteja a comunidade dos bandidos.

    Pense nisso e responda:

    1. Da maneira como esto constitudas hoje, as polcias atendem a todos do mesmo

    modo? Justifique sua resposta.

    2. O papel das Ouvidorias importante nesse processo? Justifique sua resposta.

    Digite sua resposta e acesse o gabarito comentado desta atividade no ambiente online.

    Acesse o Frum de Discusso e debata sobre as seguintes questes:

    A integrao do ciclo completo das atividades policiais investigao e policiamento

    ostensivo poderia ser feita pela mesma instituio? Quais as vantagens e desvantagens

    dessa integrao?

    Ao desempenharem suas funes, as polcias reproduzem as desigualdades econmicas e

    sociais?

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    Nesta aula, voc:

    Compreendeu o contexto em que as instituies policiais foram criadas;

    Entendeu qual a funo de cada instituio;

    Conheceu as formas de controle externo e interno das polcias como rgos

    imprescindveis para a sociedade.

    Aps termos estudado as questes relacionadas abordagem histrico-cultural das

    instituies de Segurana Pblica e seu controle democrtico interno e externo, daremos

    continuidade ao assunto na prxima Aula, cujo tema abordado ser: O Estado

    Democrtico de Direito e o papel do policiamento no espao pblico.

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    Aula 2: O Estado Democrtico de Direito e o papel do policiamento no

    espao pblico

    Ao final desta aula, voc ser capaz de:

    1. Definir Estado Democrtico de Direito, democracia e lei;

    2. Avaliar o papel das polcias no espao pblico e os limites legais a que esto

    submetidas;

    3. Identificar a importncia da discricionariedade da funo policial.

    Estudo dirigido da aula

    1. Leia o texto condutor da aula;

    2. Participe do Frum de Discusso desta aula;

    3. Realize a atividade proposta;

    4. Leia a sntese desta aula;

    5. Leia a chamada para a aula seguinte;

    6. Realize os exerccios de autocorreo.

    Ol! Seja bem-vindo(a) aula O Estado Democrtico de Direito e o papel do

    policiamento no espao pblico.

    Devido ao sentimento coletivo de insegurana e ao destaque dado pela mdia, nos

    ltimos anos, ao aumento de casos de criminalidade nas cidades, discute-se,

    especialmente no meio acadmico e em algumas instituies de Segurana Pblica, o que

    se espera das polcias.

    Dependendo das diretrizes poltico-institucionais que determinam suas linhas de atuao

    junto sociedade, as polcias podem ter vrios papis que no necessariamente se

    excluem, como, por exemplo, prender criminosos e, ao mesmo tempo, priorizar

    estratgias de preveno da violncia.

    Entretanto, independente dessas opes, tanto as instituies de Segurana Pblica

    quanto a sociedade civil esto submetidas ao Estado Democrtico de Direito, ou seja, a

    lei soberana. Portanto, o arbtrio do policiamento no ilimitado.

    Com o advento da Constituio Federal do Brasil de 198821, foram incorporados ao

    Ordenamento Jurdico ptrio os princpios universais do Estado Democrtico de Direito. O

    21 Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: I a soberania; II a cidadania; III a dignidade da pessoa humana; IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V o pluralismo poltico. Pargrafo nico. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio.

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    conceito de Estado Democrtico deriva da etimologia do termo democracia e significa que

    nenhum indivduo presidente ou cidado comum est acima da lei.

    Os trs grandes movimentos poltico-sociais responsveis pela conduo ao Estado

    Democrtico foram: a Revoluo Inglesa, com influncia de John Locke22 e expresso

    mais significativa em Bill of Rights23 (1689); a Revoluo Americana, com seus princpios

    expressos na Declarao de Independncia das 13 colnias (1776); e a Revoluo

    Francesa, com influncia de Jean Jacques Rousseau24, que deu universalidade a seus

    princpios devidamente expressos na Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado

    (1789)25.

    A democracia um sistema poltico no qual o povo inteiro tem o direito de tomar as

    decises bsicas, determinantes, por sua vez pela mediao da representao , das

    decises polticas do pas. Esse direito garantido por um conjunto de regras

    fundamentais, tais como a Constituio brasileira e de outros pases26. Como o coletivo

    heterogneo, normalmente, leva-se em conta a vontade da maioria, seguindo o

    entendimento de que o nmero maior est mais perto de representar o todo. Essa

    posio gera crticas, pois o todo no a maioria, mas necessita de consenso e

    conciliao. Para que isso ocorra, necessrio que os indivduos estejam em p de

    igualdade relativamente s decises fundamentais. Em outras palavras, h democracia

    em uma sociedade na qual exista um grau razovel de igualdade social, econmica e

    cultural.

    22 Suas ideias fundamentam-se na noo de governo consentido dos governados, diante da autoridade constituda, e do respeito ao direito natural do ser humano de vida, liberdade e propriedade. Sem perder de vista o contexto histrico em que viveu, importante ressaltar que, ao mesmo tempo em que Locke defendia a igualdade entre os homens, tambm era defensor da escravido mas no aquela determinada pela raa, como ocorreu no perodo escravocrata do Brasil. Como sugesto, leia o texto sobre e de Locke, disponvel em: http://www.geocities.com/spaprado/textoslocke.html 23 Declarao de Direito de 1689, proclamada na Inglaterra pelo Parlamento que determinou, entre outras coisas, a liberdade, a vida e a propriedade privada, assegurando o poder da burguesia na Inglaterra. Acesse o texto da Declarao, disponvel em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/decbill.htm. 24 De acordo com Rousseau, (2001, p.17): Renunciar prpria liberdade o mesmo que renunciar qualidade de homem, aos direitos da humanidade, inclusive a seus deveres. No h nenhuma compensao possvel para quem quer que renuncie a tudo. Tal renncia incompatvel com a natureza humana, e arrebatar toda moralidade a suas aes bem como subtrair toda liberdade sua vontade. Enfim, no passa de v e contraditria conveno estipular, de um lado, uma autoridade absoluta, e, de outro, uma obedincia sem limites.

    Acesse, na ntegra, a obra Contrato social: princpios do Direito poltico, de Jean-Jacques Rousseau, disponvel em: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/contrato.pdf.

    25 Acesse a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, disponvel em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/dec1793.htm. 26 Leia sobre as Constituies e seus contextos, de Jos Saramago, disponvel em: http://caderno.josesaramago.org/2008/10/20/constituicoes-e-realidades/

    http://www.geocities.com/spaprado/textoslocke.htmlhttp://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/decbill.htmhttp://www.cfh.ufsc.br/~wfil/contrato.pdfhttp://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/dec1793.htmhttp://caderno.josesaramago.org/2008/10/20/constituicoes-e-realidades/

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    No Brasil, a democracia foi tolhida por um conjunto de obstculos como renda,

    propriedade, gnero, educao, idade e diversidade tnica, que levaram os grupos

    socialmente discriminados a se organizarem no que hoje chamamos de movimentos

    sociais cada um com sua histria, mas todos ligados pela excluso do processo

    democrtico e pela discriminao.

    A partir da democracia e da luta dos movimentos sociais organizados, foi conquistado o

    Estado Democrtico de Direito bandeira de luta contra o Regime Militar no Brasil e em

    outros lugares do mundo, em que governos tiranos27 imperaram sobre a vontade do

    povo. O Estado de Direito promove os direitos fundamentais, polticos, sociais e

    econmicos, protegendo o povo da tirania e da ilegalidade, e garantindo que os governos

    no tenham poder ilimitado, isto , que tambm estejam submetidos s normas legais.

    Nesse sentido, o princpio da legalidade28 presente no rol dos princpios do Estado

    Democrtico de Direito atua no s com regras, formas e procedimentos que excluem

    o arbtrio autoritrio do Estado enquanto meio de ordenao racional, mas tambm como

    alicerce para a construo da igualdade social29 no pas. Alm disso, o Estado

    Democrtico considerado, pelo menos em teoria, como possvel transformador da

    realidade, agindo como fomentador da participao pblica para sustentar a democracia,

    tendo em vista que esta implica necessariamente o combate desigualdade nas

    condies materiais de existncia dos cidados.

    Para chegarmos ideia atual de Estado Democrtico, foram necessrias inmeras

    rupturas e transformaes no Estado de Direito. Diferentemente da ideia a que se

    prendiam os outros modelos de Estado (liberal e social), o Estado Democrtico de Direito

    apresenta a incorporao de contedos novos, com o aumento de direitos e mudanas no

    prprio contedo do Direito. Verificamos uma mudana no carter da regra jurdica,

    substituindo-se o preceito genrico e abstrato pelo predomnio de um direito interpretado

    luz de um conjunto de valores e princpios. A concepo formal submetida

    predominncia de concepo material ou substancial. O Estado adquire um carter mais

    dinmico e mais forte do que previa sua concepo formal, ou seja, privilegia-se a viso

    segundo a qual as normas devem estar submetidas s variaes sociopolticas,

    analisando-as de acordo com os princpios democrticos de Direito.

    Nesse contexto, o papel do policiamento no espao pblico pode ser analisado por vrios

    ngulos. A maior parte das pessoas espera que a polcia prenda os que cometeram

    condutas tipificadas como crimes inaceitveis. Isso porque alguns tipos penais30 so

    27 Oposto de democracia. Trata-se de uma forma de governo em que h poder ilimitado por parte dos chefes de Estado. 28 Sobre o princpio da legalidade, o Artigo 5, Inciso II, da Constituio afirma: ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude da lei. 29 Por igualdade social, entende-se uma situao em que todos (homens e mulheres de todas as etnias, negros, ndios, ciganos etc.) tenham as mesmas condies de acesso educao, sade, ao mercado de trabalho, Segurana Pblica, ao lazer, e, como defende o escritor Eduardo Galeano, ao direito de sonhar. Acesse o texto O Direito de Sonhar, disponvel em: http://www.dhnet.org.br/desejos/sonhos/dsonhar.htm. 30 Modelo pelo qual o Estado, por meio da lei penal, descreve e classifica o comportamento humano transgressor. Veja um exemplo no Cdigo Penal:

    http://www.dhnet.org.br/desejos/sonhos/dsonhar.htm

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    mais aceitos que outros pela opinio pblica, como, por exemplo, a sonegao fiscal31 e

    o estelionato32. Com o princpio nullum crimen sine lege33, a Lei Penal34 impede que o

    arbtrio de cada um defina o que deve ou no ser considerado como crime, limitando, de

    forma positiva, a atuao policial, mesmo sabendo que ela no impede mecanismos

    culturais de seleo do que ou no condenvel.

    Por outro lado, os policiais no lidam apenas com questes relacionadas criminalidade,

    mas desempenham tarefas burocrticas, auxiliam em eventos pblicos, buscam

    desaparecidos, escoltam autoridades, controlam multides em jogos de futebol,

    transportam doentes aos hospitais etc. Diante da complexidade de demandas com as

    quais os policiais se deparam cotidianamente, equivocado pensar que as polcias

    desempenham apenas atividades de combate criminalidade35. Suas funes no

    podem ser reduzidas luta contra o crime, pois, normalmente, abrangem uma enorme

    diversidade de tarefas.

    As polcias atuam segundo a legislao e seus estatutos, mas esses, como qualquer

    norma formal, necessitam da interpretao do indivduo que ir aplic-los. Essa

    sistemtica chama-se poder discricionrio dos profissionais de Segurana Pblica. A

    discricionariedade inerente ao trabalho; no se trata de descompromisso com a

    legalidade. A interpretao humana parte do conjunto de fatores de que composto o

    trabalho dos policiais.

    Para ser aplicada, a lei necessita de um agente que o faa. Isso implica escolha entre

    diferentes interpretaes possveis do fato. Por exemplo, algum foi agredido ou, na

    verdade, sofreu as consequncias da resistncia de sua vtima? O pedido da presena

    policial tinha o intuito de salvar uma vida ou de proteger um cidado e preservar direitos

    e liberdades, ou tinha a velada inteno de incriminar algum, fazendo com que

    aparncias ocultassem o que realmente aconteceu? Seria melhor apoiar a liderana local

    para obter a paz momentaneamente suprimida ou seria recomendvel solicitar reforo e

    agir, diretamente, para restaurar a ordem pblica? Haveria, de fato, riscos envolvidos

    em determinada situao, objeto de reclamao de alguns moradores e comerciantes,

    Art. 155 Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia mvel: pena - recluso, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. 31 Veja a tipificao da sonegao fiscal, disponvel em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/1950-1969/L4729.htm. 32 Veja a tipificao do estelionato, disponvel em: http://www.dji.com.br/codigos/1940_dl_002848_cp/cp171a179.htm. Para refletir sobre estelionato e impunidade, acesse : http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6223 33 Expresso latina que significa: no haver crime sem lei anterior que o defina. Em outras palavras, algum s pode ser preso se a lei (anterior ao fato) disser que sua ao ou omisso constitui um fato delituoso (Artigo 2 do Cdigo Penal Brasileiro). 34 Acesse, na ntegra, o Cdigo Penal Brasileiro, disponvel em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm. 35 Acesse o site da Revista do Frum de Brasileiro de Segurana Pblica, com artigos sobre o tema, disponvel em: http://www.forumseguranca.org.br/pdf/revista_3/RBSP_BAIXAres.pdf.

    http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/1950-1969/L4729.htmhttp://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/1950-1969/L4729.htmhttp://www.dji.com.br/codigos/1940_dl_002848_cp/cp171a179.htmhttp://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6223http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848compilado.htmhttp://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848compilado.htmhttp://www.forumseguranca.org.br/pdf/revista_3/RBSP_BAIXAres.pdf

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    em uma certa rua, ou se trata de preconceito contra adolescentes pobres, que apenas

    se divertiam na rea, sem cometer qualquer crime ou irregularidade?

    O atributo da discricionariedade na funo policial36 no pode ser entendido como medida

    arbitrria. Embora tenha carter subjetivo, trata-se de uma prerrogativa legal conferida

    Administrao Pblica para a prtica de atos administrativos quanto convenincia,

    oportunidade e ao contedo desses atos. A discricionariedade37 a liberdade de ao

    administrativa dentro dos limites estabelecidos pela lei. Portanto, no se confunde com

    arbitrariedade.

    Cabe salientar que os profissionais de segurana, tanto no momento de interpretar as

    normas quanto no atendimento ao pblico, podem adotar comportamentos desiguais, de

    acordo com as caractersticas de cada indivduo-alvo da abordagem por exemplo, se for

    pobre, negro, profissional do sexo ou estrangeiro (especialmente de pases latino-

    americanos). Essa postura no representa, necessariamente, um desejo consciente do

    indivduo profissional de polcia ou uma exigncia de seus superiores. Essa postura pode

    ser a reproduo do sistema sociocultural perverso e excludente no qual est inserido de

    forma involuntria, o que, por outro lado, no exclui sua responsabilidade enquanto

    cidado e profissional. Da mesma forma, nenhum preconceito culturalmente reproduzido

    deve servir de justificativa para a prtica de qualquer crime (como, por exemplo, o crime

    de racismo).

    No cotidiano das cidades, visvel que a percepo de segurana est sendo construda

    por estratgias particulares, as quais utilizam muitas vezes, de forma ilegal a

    segregao em vias pblicas para proteger condomnios por meio de cancelas e guaritas,

    com seguranas privados que, arbitrariamente, decidem quem pode transitar no local.

    Essas situaes refletem um dos maiores desafios a serem enfrentados na construo do

    papel do policiamento no espao pblico, pois dizem respeito herana autoritria e

    elitista na concepo do trabalho policial.

    Um aspecto a ser considerado porque pode influir no reforo da tradio autoritria

    a natureza militar de uma das Polcias Estaduais (o que no significa que no haja

    problemas relativos a essa questo nas Polcias Civis). As instituies policiais podem-se

    utilizar de caractersticas organizacionais do militarismo como o uniforme e a hierarquia

    , sem que isso exera qualquer impacto negativo sobre o comportamento e a postura

    adequados democracia. O que ameaa a atuao democrtica e compatvel com os

    Direitos Humanos por parte das polcias a perniciosa influncia do Exrcito sobre os

    assuntos de Segurana Pblica, que desconsidera as especificidades do trabalho policial.

    Dessa forma, partindo da ideia de que vivemos em um Estado Democrtico de Direito,

    entendemos que, mesmo a atividade policial sendo regida por estatutos legais, os

    policiais possuem poder discricionrio legtimo para desempenhar suas funes, as quais

    envolvem fatores complexos.

    36 Para refletir sobre o tema, leia um artigo sobre a funo policial militar como operador do Direito, disponvel em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9539. 37 Para refletir sobre o tema, leia um artigo sobre a discricionariedade da autoridade policial no inqurito policial, disponvel em: http://www.forumseguranca.org.br/artigos/o-sigilo-do-inquerito-policial.

    http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9539http://www.forumseguranca.org.br/artigos/o-sigilo-do-inquerito-policial

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    Para saber mais sobre os tpicos estudados nesta aula:

    Assista ao documentrio Notcias de uma guerra particular.

    Sinopse: Produzido pelo cineasta Joo Moreira Salles e pela produtora Ktia Lund, em

    1999, este documentrio tem como principais personagens os policiais, traficantes de

    drogas e os moradores das favelas. Nele, mostram-se, tambm, a vida no Morro Dona

    Marta, em Botafogo, na zona sul da cidade.

    Assista ao documentrio nibus 174.

    Sinopse: Produzido por Jos Padilha, este documentrio

    apresenta uma investigao cuidadosa, baseada em imagens

    de arquivo, entrevistas e documentos oficiais, sobre o

    sequestro de um nibus em plena zona sul do Rio de Janeiro. O

    incidente, que aconteceu em 12 de junho de 2000, foi filmado e transmitido ao vivo por quatro horas, paralisando o Pas.

  • 23/61

    ATIVIDADE PROPOSTA

    Leia a seguinte tirinha:

    Digite sua resposta e acesse o gabarito comentado desta atividade no ambiente online.

    Acesse o Frum de Discusso e debata sobre as seguintes questes:

    Sabemos que as polcias devem desenvolver suas atividades de acordo com a legislao,

    mas isso o que acontece na prtica? Se no, por que isso ocorre? Quais so os atores

    envolvidos nesse processo?

    Quais os o maiores desafios da democracia em relao Segurana Pblica?

    Esta tirinha de autoria do argentino Quino, criador da

    personagem Mafalda. Por meio de histrias em

    quadrinho, Quino imortalizou o perodo ps-ditadura

    vivenciado na Argentina.

    Nessa tirinha, vemos Mafalda surpresa com o significado

    da palavra democracia encontrado no dicionrio.

    Por que ser que a personagem achou to engraado o

    que leu? Qual a realidade dos pases democrticos em

    relao soberania do povo?

  • 24/61

    Nesta aula, voc:

    Compreendeu que o Brasil um Estado Democrtico de Direito;

    Entendeu que todos estamos submetidos ao ordenamento legal, inclusive as

    instituies policiais e as autoridades polticas.

    Dando continuidade reflexo sobre o papel do policiamento no espao pblico, na

    prxima aula, o tema abordado ser: O policiamento comunitrio. Analisaremos, com

    especial ateno, a diferena entre policiamento comunitrio e o policiamento entendido

    como militar, e o conceito de comunidade.

  • 25/61

    Aula 3: Policiamento comunitrio

    Ao final desta aula, voc ser capaz de:

    1. Definir policiamento comunitrio;

    2. Identificar os desafios para implementao de aes voltadas ao policiamento

    comunitrio;

    3. Descrever as vantagens desse tipo de policiamento;

    4. Avaliar o papel da comunidade nesse processo.

    Estudo dirigido da aula

    1. Leia o texto condutor da aula;

    2. Participe do Frum de Discusso desta aula;

    3. Realize a atividade proposta;

    4. Leia a sntese desta aula;

    5. Leia a chamada para a aula seguinte;

    6. Realize os exerccios de autocorreo.

    Ol! Seja bem-vindo(a) aula Policiamento comunitrio.

    O papel do policiamento nas cidades brasileiras est contaminado pela falta de

    credibilidade da polcia perante a populao. Se, por um lado, as polcias deixam a

    desejar, por outro, os policiais no possuem condies materiais e humanas para dar

    conta das demandas que a sociedade lhes dirige no cotidiano.

    A populao, da qual os policiais fazem parte, no reconhece ou valoriza o trabalho da

    polcia, principalmente dos policiais honestos, os quais, mesmo sem condies, querem

    diminuir a criminalidade e a violncia.

    A partir do reconhecimento da importncia dessa relao entre cidado comum e polcia,

    foi idealizado o chamado policiamento comunitrio um conjunto de aes que visam

    prevenir a violncia por meio da criao de canais de integrao e de participao social,

    sustentados pela confiana mtua e pela colaborao entre polcia e comunidade.

    H uma distncia cultural que afasta os policiais dos cidados e vice-versa. So muitos

    os obstculos para essa aproximao, como o descrdito das polcias e a falta de espaos

    de dilogo. A polcia comunitria surge como resposta a esse conjunto de problemas,

    visando oferecer, a um s tempo: melhores servios de segurana, em uma perspectiva,

    sobretudo, preventiva; novas bases para a restaurao da confiana abalada ou perdida

    (o que, caso se concretize, ter efeito sobre a prpria qualidade do trabalho policial,

    fortalecendo-o com boa dose de renovada legitimidade); e novos canais de comunicao

    direta com cada comunidade local.

    A polcia comunitria um novo modelo de policiamento que ganhou fora nas dcadas

    de 1970 e 1980, quando as organizaes policiais, em diversos pases da Amrica do

    Norte e da Europa Ocidental, comearam a promover uma srie de inovaes em sua

    estrutura e na forma de lidar com o problema da criminalidade. Em distintos pases, as

    organizaes policiais promoveram experincias e inovaes diversificadas, ou seja, os

    contextos de cada lugar foram levados em conta na elaborao de estratgias a serem

    desenvolvidas.

  • 26/61

    No Brasil, o policiamento comunitrio38 normalmente entendido como uma filosofia de

    atuao e construo de estratgias de policiamento baseadas na cooperao entre a

    polcia e a comunidade. Essa filosofia estaria voltada para a melhoria da Segurana

    Pblica atravs da identificao e resoluo dos problemas da comunidade que

    aumentam o risco de crimes.

    A proposta desse policiamento associar, de forma inteligente, elementos para

    preveno de crimes, que, frequentemente, so dissociados e desvalorizados pela polcia

    como a participao popular e parcerias entre a polcia e a comunidade (vale reiterar)

    na identificao e resoluo de problemas locais. Por essa razo, o policiamento

    comunitrio tambm chamado de policiamento orientado para a comunidade,

    policiamento orientado Para a identificao e resoluo de problemas da comunidade e

    policiamento orientado para a manuteno da ordem pblica e para a melhoria da

    qualidade de vida da comunidade39.

    A proposta do policiamento comunitrio no exclui ou substitui, nas instituies policiais,

    o indispensvel investimento em recursos humanos e materiais. Pelo contrrio, essa

    proposta visa, justamente, qualificar os profissionais e suas condies de trabalho como

    forma de alcanar maior eficincia, mas tambm como um meio de reconquistar a

    credibilidade pblica o que se cumpre com melhores resultados na proviso de

    segurana, com abordagens mais adequadas, inteligentes, civilizadas, eficientes e de

    acordo com a legalidade.

    O policiamento comunitrio constitui uma metodologia, uma concepo e at mesmo um

    paradigma tcnico-profissional alternativo ao modelo atual, que pode ser entendido como

    algo militarizado e de combate do inimigo. A ideia de policiais atuarem em colaborao

    com a comunidade supe uma mudana40 de paradigma41 da polcia tradicional. Para

    isso, muitos obstculos tm de ser superados.

    Ao longo dos 200 anos de sua histria, as organizaes policiais do Brasil42 estiveram

    quase sempre voltadas para a proteo do Estado contra a sociedade. At mais ou

    menos a dcada de 1970, essas organizaes foram, por fora de lei, foradas a

    abandonar seu lugar de polcia em favor de outro lugar, cuja funo poder-se-ia definir

    38 Para refletir sobre o policiamento comunitrio, leia um artigo disponvel em: http://www.upis.br/nusp/downloads/nusp10.pdf. 39 O quality of life policing valoriza e chama a ateno para a importncia de manter a ordem pblica e melhorar a qualidade de vida da comunidade, a fim de promover a Segurana Pblica. Esse tipo de policiamento ficou conhecido principalmente atravs dos programas Tolerncia Zero, inspirados na teoria das janelas quebradas que ser abordada na Aula 4. 40 [...] mudar quer dizer alterar o modo corrente de interao no seio do sistema com os usurios e a populao em geral. Trata-se de diminuir a dependncia em relao lgica burocrtica e de confiar, cada vez mais, em consenso e participao, transformando a experincia de todos e cada um com o sistema de justia.

    Disponvel em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7359. Acesso em: 05 ago. 2007. 41 Para refletir sobre o assunto, leia o artigo Reinventando a polcia: a implementao de um programa de policiamento comunitrio, disponvel em: http://www.crisp.ufmg.br/reinventando.pdf. 42 Sobre as organizaes sociais do Brasil, acesse a entrevista com a antroploga Jacqueline Muniz, disponvel em: http://www.comciencia.br/entrevistas/jacquelinemuniz.htm.

    http://www.upis.br/nusp/downloads/nusp10.pdfhttp://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7359http://www.crisp.ufmg.br/reinventando.pdfhttp://www.comciencia.br/entrevistas/jacquelinemuniz.htm

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    como a imposio da ordem do Estado. Dessa forma, o processo de afastamento da

    polcia em relao sociedade teve curso, no Pas, desde a fundao das instituies

    policiais. A ideia que se tinha e que vigorou por um bom tempo como nica forma de

    entender as polcias que essas instituies deveriam proteger-se de uma sociedade

    insurreta e rebelde, porque os germes da desordem poderiam contamin-las ou polu-las.

    A partir da dcada de 1990, as instituies policiais procuraram estabelecer novos

    caminhos de atuao e buscar sua identidade como instituio que deve proteger o

    cidado e garantir-lhe sua liberdade e seus direitos, atravs de um protocolo vinculado a

    uma prtica cidad. Resgatando sua funo essencial para o Estado Democrtico de

    Direito, os processos de reestruturao da polcia tentam romper com prticas abusivas

    utilizadas rotineiramente, naturalizadas no mbito das culturas corporativas tradicionais

    e forjadas em perodos autoritrios da vida nacional.

    O modelo de policiamento comunitrio como o prprio nome diz concede

    comunidade ou s comunidades um papel central. Esse lugar lhes concedido a ttulo

    duplo: como vtimas diretas da atuao do Estado em suas vidas e como participantes da

    construo de novas formas de administrar os conflitos locais entendendo-se que,

    quando algum afetado por alguma forma de violncia criminal, esta atinge no s a

    pessoa diretamente prejudicada pela criminalidade mas tambm a comunidade mais ou

    menos prxima da vtima direta.

    Essa ideia de que a comunidade ser lesada, indiretamente, pela violncia baseia-se em

    uma orientao que desloca o foco de uma justia clssica punitiva na qual o Estado

    tido como a entidade prejudicada pelo crime para um movimento restaurativo43, no

    qual as pessoas e suas comunidades, junto polcia, sofrem os contragolpes da violncia

    e da criminalidade.

    Para que exista, efetivamente, uma polcia comunitria, no demais repetir: preciso

    construir, desde que haja vontade poltica, canais de participao e colaborao da

    populao com a polcia, entendendo que os policiais tambm so cidados e esto ali

    desempenhando suas funes de profissionais de Segurana Pblica. O desafio inserir

    os policiais enquanto membros das comunidades, e no como seus inimigos. Resta a

    pergunta: o que uma comunidade e o que seria uma comunidade genuna44?

    O conceito de comunidade comumente utilizado para identificar um grupo de pessoas

    que, convivendo em um mesmo local, compartilham dos mesmos interesses e

    problemas. H a expectativa de que, nas comunidades, todos sejam fraternos entre si e

    43 Movimento referente justia restaurativa e resoluo de problemas de forma colaborativa. Prticas restaurativas proporcionam queles que foram prejudicados por um incidente ou transgresso a oportunidade de reunio para expressar seus sentimentos, descrever como foram afetados e desenvolver um plano para reparar os danos ou evitar que aconteam novamente. A abordagem restaurativa reintegradora e permite que o transgressor repare danos e no seja mais visto como tal. O engajamento cooperativo elemento essencial da justia restaurativa. Trata-se, enfim, de suprir as necessidades emocionais e materiais das vtimas e, ao mesmo tempo, fazer com que o infrator assuma a responsabilidade por seus atos, mediante compromissos concretos. 44 Na obra A ideologia alem (apud BOTTOMORE, 2001), Marx e Engels afirmam: [...] em uma comunidade genuna, os indivduos conquistam sua liberdade na/e atravs de sua associao.

  • 28/61

    vivam em concordncia com os mesmos valores, mas sabemos que no essa a

    realidade.

    Uma comunidade caracteriza-se justamente pela diversidade. a partir do dilogo entre

    diferentes opinies, religies e concepes que se torna possvel criar canais de

    interlocuo com a comunidade em seu conjunto entendida como uma rede de

    segmentos diferenciados. Se as instituies policiais desejam criar fluxos positivos e

    abertos de interlocuo, tm de faz-lo respeitando e trabalhando com essa pluralidade

    constitutiva da comunidade. As relaes internas s comunidades so complexas por

    natureza, e no haver uma harmonia comunitria idealizada para interagir com a

    polcia.

    A palavra comunidade evoca, muitas vezes, tudo aquilo de que sentimos falta e de que

    precisamos para vivermos seguros e confiantes no mundo moderno. O conceito de

    comunidade no pode ser idealizado de forma clida45, ou seja, um lugar em que todos

    se entendem bem, no qual podemos confiar no que ouvimos, no qual no h

    estranhamento entre os indivduos e onde todos vivem em harmonia.

    Geralmente, as pessoas esperam das polcias um atendimento individualizado, pautado

    por ocorrncias, com culpados punidos imediatamente. A expectativa da opinio pblica

    a de que se efetue o combate criminalidade de forma tradicional (militarizada). Em

    outras palavras, da forma como tem atuado at este momento, se a polcia no

    conquistou a confiana da populao, certamente no foi por falta de sintonia ideolgica

    com o pensamento mdio da sociedade, mas por suas deficincias, inclusive, na

    execuo do modelo tradicional de segurana, bem como por conta das limitaes

    intrnsecas a esse modelo. Ignorando-o, a opinio social mdia acaba atribuindo s

    polcias os defeitos do modelo que ela mesma idealiza.

    Ainda no vivemos a cultura da preveno, do trabalho em parceria para cuidar de todos,

    e no do individual. A diferena do que pblico para o que privado constitui um

    desafio importante a ser superado para aproximar as instituies policiais do cidado

    comum, at porque, no Brasil, o que pblico no necessariamente o para todos da

    mesma forma. A maioria da populao no conhece os museus, os teatros, no pode

    entrar nos shoppings, no frequenta as universidades pblicas etc. Nesse processo, a

    construo da comunidade passa pelo entendimento de que cuidar do que pblico e

    coletivo tambm cuidar do privado e do individual.

    Sendo assim, para falarmos de polcia comunitria, temos de analisar no s o papel dos

    policiais mas tambm o papel da comunidade, que, no raro, espera apenas a ao

    reativa e repressiva, cuja lgica da punio a nica forma de atender as demandas de

    Segurana Pblica. O investimento deve ser intersetorial46, abrangendo desde a reduo

    45 Nas palavras de Bauman (2003, p. 8): [...] em uma comunidade, podemos contar com a boa vontade dos outros. Se tropearmos e cairmos, os outros nos ajudaro a ficar de p novamente. Ningum rir de ns nem ridicularizar nossa falta de jeito e alegrar-se- com nossa desgraa. Se dermos um mau passo, ainda podemos nos confessar, dar explicao e pedir desculpas, arrepender-nos se, necessrio; as pessoas ouviro com simpatia e nos perdoaro, de modo que ningum fique ressentido para sempre. 46 Para problemas com causas complexas, devem ser oferecidas resolues que atendam a multiplicidade de fatores envolvidos.

  • 29/61

    da rotatividade de pessoal para que os policiais possam conhecer, aos poucos, as

    pessoas, estabelecendo vnculos de confiana com os moradores at o aumento de

    efetivos, viaturas, coletes etc. ou mesmo a realizao de melhorias no bairro e a

    revitalizao de espaos pblicos abandonados com a participao dos moradores no

    como mo de obra, mas na construo do conceito do que se espera para o local. Outra

    decisiva exigncia para um policiamento comunitrio a valorizao do policial como

    cidado e trabalhador, para que, sentindo-se respeitado como profissional e membro da

    sociedade, tambm o seja pela comunidade na qual desenvolve suas atividades.

    Para saber mais sobre os tpicos estudados nesta aula:

    Assista ao filme Justia.

    Sinopse: Este documentrio, de Maria Augusta Ramos, pousa a cmera onde muitos

    brasileiros jamais puseram os ps o Tribunal de Justia do Rio de Janeiro ,

    acompanhando o cotidiano de alguns personagens.

    H os que trabalham ali diariamente (defensores pblicos, juzes, promotores) e os que

    esto de passagem (rus).

    Disponvel em: http://www.justicaofilme.com.br. Acesso em: 05 ago. 2010.

    ATIVIDADE PROPOSTA Lei o fragmento a seguir:

    [...] em uma comunidade, podemos contar com a boa vontade dos outros. Se

    tropearmos e cairmos, os outros nos ajudaro a ficar de p novamente. Ningum rir de

    ns nem ridicularizar nossa falta de jeito e alegrar-se- com nossa desgraa. Se dermos

    um mau passo, ainda podemos nos confessar, dar explicao e pedir desculpas,

    arrepender-nos se, necessrio; as pessoas ouviro com simpatia e nos perdoaro, de

    modo que ningum fique ressentido para sempre. (BAUMAN, 2003, p. 8)

    Comunidade no sinnimo de homogeneidade e paz entre os moradores. Sendo assim,

    as aes de policiamento comunitrio devem ser desenvolvidas apenas nos locais em que

    h respeito e integrao entre os moradores? Justifique sua resposta.

    Digite sua resposta e acesse o gabarito comentado desta atividade no ambiente online.

    http://www.justicaofilme.com.br/

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    Acesse o Frum de Discusso e debata sobre o seguinte tema:

    O policiamento comunitrio no exclui outras formas de policiamento, apenas abre

    espao para que seja criado um novo paradigma, no qual a polcia desempenha suas

    atividades em colaborao com a comunidade. Quais os benefcios dessa nova forma de

    pensar a polcia?

    Nesta aula, voc:

    Conheceu o novo paradigma de atuao das polcias;

    Realizou uma anlise crtica do papel das polcias junto s comunidades;

    Entendendo que, no processo de preveno violncia, a responsabilidade no

    s da polcia mas tambm da populao como um todo.

    Nesta aula, analisamos a transformao do papel do Estado e de suas funes de

    controle da ordem pblica, por meio da ideia de policiamento comunitrio, entendendo

    que no h a comunidade idealizada, e sim uma diversidade de fatores que devem ser

    levados em conta.

    Na prxima aula, abordaremos o tema das Polticas pblicas como processo de escolha

    das aes do Estado.

  • 31/61

    Aula 4: Discusso e anlise crtica das concepes de Poltica de

    Segurana Pblica

    Ao final desta aula, voc ser capaz de: Definir o caminho terico-histrico

    percorrido at chegarmos aos modelos de Polticas de Segurana Pblica conhecidos na

    atualidade.

    Estudo dirigido da aula

    1. Leia o texto condutor da aula;

    2. Participe do Frum de Discusso desta aula;

    3. Realize a atividade proposta;

    4. Leia a sntese desta aula;

    5. Leia a chamada para a aula seguinte;

    6. Realize os exerccios de autocorreo.

    Ol! Seja bem-vindo(a) aula Discusso e anlise crtica das concepes de

    Poltica de Segurana Pblica.

    Na aula anterior, abordamos o tema do policiamento comunitrio como o conjunto de

    aes que envolvem tanto o Estado por meio das polcias quanto a populao por

    meio de suas comunidades.

    Nesta aula, abordaremos a temtica das concepes de poltica de segurana, buscando

    analisar aspectos tericos relevantes para a construo do que hoje entendemos que

    deva ser, no Estado Democrtico de Direito, a relao entre o Estado responsvel por

    garantir a segurana dos cidados e a populao.

    As polticas atuais pensadas para controlar a criminalidade urbana no mundo esto

    baseadas nas teorias construdas ao longo da histria do pensamento social,

    particularmente em suas concepes sobre as relaes sociedade-indivduo e sobre as

    ideias de consenso e conflito.

    A relao entre o Estado e a administrao da violncia vem sendo abordada, de formas

    diversas, por filsofos e cientistas sociais. A problemtica que envolve a relao entre

    violncia e Estado foi introduzida no pensamento social moderno por Thomas Hobbes e

    Nicolau Maquiavel. Nicolau Maquiavel47 tratou o tema da violncia, desnudando as

    hipocrisias vigentes e trazendo luz o fato de que a fora o recurso elementar e

    inevitvel do poder. Segundo suas teses, a violncia ocupa funo destacada nas

    disputas e estratgias para comover o povo ou acu-lo, e produzir reaes de acordo

    com as convenincias polticas. A tese hobbesiana48 atravessou, com revises e

    47 Acesse o texto completo de O prncipe, disponvel em: http://www.culturabrasil.org/zip/oprincipe.pdf. 48 A tese de Thomas Hobbes afirma: Sem a fora, os pactos no passam de palavras sem substncia para dar qualquer segurana a ningum. Apesar das leis naturais que cada um respeita quando tem vontade e o faz com segurana , se no for institudo um poder suficientemente grande para nossa segurana, cada um confiar e poder, legitimamente, confiar apenas em sua prpria fora e capacidade, como proteo contra todos os outros.

    Acesse o texto completo, disponvel em: http://www.arqnet.pt/portal/teoria/leviata.html.

    http://www.culturabrasil.org/zip/oprincipe.pdfhttp://www.arqnet.pt/portal/teoria/leviata.html

  • 32/61

    mudanas, os sculos do pensamento social, baseando-se na ideia-chave de que a

    concentrao desptica da violncia no Leviat-Estado representa condio indispensvel

    para a domesticao da violncia selvagem e ilimitada concebida como ameaa, por

    excelncia, ordem social.

    A violncia por parte do Estado no subsidiria ordem social estabelecida entre os

    indivduos. Pelo contrrio, os indivduos necessitam ser controlados, de forma ostensiva,

    para viverem em sociedade com harmonia ou, no mnimo, sem a guerra generalizada de

    todos contra todos. Para Hobbes, o meio encontrado para concentrar esse poder central

    foi o estabelecimento do Estado poltico. Hobbes props, ento, a necessidade de criao

    do Leviat: monstro que morreria se no realizasse sua misso proporcionar a

    segurana dos sditos, isto , evitar a guerra. Leviat considerado um ser artificial e

    age de acordo com sua vontade, porque sua autoridade foi consentida pelos membros da

    sociedade. Dessa clusula, Hobbes deduz que todos os atos do Leviat-Estado

    representam, necessariamente, os desejos de toda a coletividade e, como consequncia,

    quem o contestasse estaria se opondo a si mesmo.

    Se o estado de natureza ou seja, a situao anrquica, sem Estado corresponde

    guerra generalizada, em que o ser humano se torna lobo do ser humano, a soluo

    autoritria e centralizadora (o Estado-Leviat) emerge, via contrato social, como uma

    derivao da natureza humana mediada pela razo e animada pelo desejo de viver e o

    medo de morrer enquanto realidade coletiva.

    Por outro lado, o francs Jean Jacques Rousseau entendeu a ordem social como um

    direito sagrado que serve a todos, mas que no advm da natureza, e sim de convenes

    a base de toda autoridade legtima entre os homens. Na teoria rousseauniana49, o

    Estado constitui uma pessoa moral, cuja vida consiste na unio de seus membros por

    meio do pacto social, que d ao corpo poltico poder sobre todos. Esse mesmo poder

    dirigido pela vontade geral recebe o nome de soberania.

    Essas diferentes teorias sobre a relao entre Estado e violncia mostram-se como o

    reflexo da preocupao a respeito de como poderia ser construda uma forma de

    proporcionar segurana estatal para os indivduos em sociedade e quais as repercusses

    que ela teria no poder do prprio Estado. Vemos que, historicamente, o Estado foi

    entendido, por filsofos e cientistas sociais e polticos, como detentor da fora e

    regulador das relaes tidas como potencialmente violentas. Ainda hoje, esse tema est

    sendo abordado de forma analtica no que tange s possveis repercusses da utilizao

    de mecanismos controladores ou estimuladores da coao fsica do Estado em relao

    populao.

    As teorias clssicas de Maquiavel, Hobbes e Rousseau serviram de base para novas

    perspectivas de anlise da relao entre Estado, violncia e populao. Exemplo disso a

    49 A conveno seria um acordo em que as foras existentes estariam unidas em prol do coletivo. Nas palavras de Rousseau: Trata-se de encontrar uma forma de associao que defenda e proteja, com toda fora comum, a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, s obedea, contudo, a si mesmo e permanea to livre quanto antes.

    Acesse, na ntegra, a obra de Rousseau, disponvel em: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/contrato.pdf.

    http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/contrato.pdf

  • 33/61

    Escola de Criminologia Clssica, que teve sua origem na filosofia iluminista, na qual os

    direitos do homem tinham de ser protegidos da corrupo e dos excessos das

    instituies, como penas arbitrrias e delitos mal definidos. Nesse contexto, Csar

    Beccaria50, em sua obra Dos delitos e das penas51, formulou, pela primeira vez, os

    princpios da criminologia clssica, baseados nas teorias de Hobbes, Rousseau e

    Montesquieu52, e escreveu o primeiro texto sobre preveno do delito: Dos meios de

    prevenir o crime53. A ideia principal defendida pelo autor a de que melhor prevenir os

    crimes do que ter de puni-los, e todo o legislador sbio deve procurar antes impedir o

    mal do que repar-lo. Beccaria afirma ainda que uma boa legislao a arte de

    proporcionar aos homens o maior bem-estar possvel e preserv-los de todos os

    sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o clculo dos bens e dos males da vida.

    Os princpios clssicos da criminologia se limitaram concentrao do foco no ato

    delitivo, desdenhando as diferenas individuais entre os atores tidos como delinquentes.

    Isso fez com que advogados e penalistas da poca imprimissem esforos e expandissem

    suas ideias, desenvolvendo o que se convencionou denominar Escola Neoclssica, que

    forneceu os parmetros para a maioria dos regimes jurdicos do Ocidente. Os

    neoclssicos focaram sua preocupao em introduzir a ideia de que o contexto dos atos

    delitivos, os antecedentes do autor do delito e sua capacidade de atuar livremente

    exigiam a ateno prioritria dos magistrados no momento de impor penalidades. Da

    mesma forma que a clssica, a teoria neoclssica entende que o homem deve responder

    por seus atos, mas introduz a importncia de seus antecedentes e as circunstncias em

    que foi cometido o ato delitivo como determinantes da possibilidade da pena. Em outras

    palavras, o delinquente no era mais o indivduo isolado e racional da teoria clssica

    pura.

    Enfim, esse modelo trouxe a ampliao da forma de abordar a relao entre o delito e a

    pena, entendendo o homem dentro de um contexto complexo, e no de forma isolada da

    sociedade. Foi a partir dessa nova abordagem que surgiu a Escola Positivista da

    Criminologia, que teve o papel de desvincular o estudo do delito do funcionamento e da

    50 Ligado ao movimento filosfico-humanitrio, da segunda metade do sculo XVIII, que reagia contra as distines sociais exclusivamente baseadas nos privilgios de certas classes, o filsofo italiano denunciava: a falta de preocupao com as irregularidades dos processos criminais; os abusos de poder sem limites; e o fazer cessar os exemplos bem frequentes de frias atrocidades que os homens poderosos encararam como seus direitos. O autor entendia essas situaes como uma barbrie absoluta em relao liberdade do homem. Em razo disso, Beccaria buscou investigar: quais eram as origens das penas e do fundamento de punir; quais seriam as punies aplicveis aos diferentes crimes; se a pena de morte era verdadeiramente til, necessria e indispensvel para a segurana e a boa ordem da sociedade; se os tormentos e as torturas eram justos; quais eram os melhores meios de prevenir os delitos; e quais as influncias que esses meios exerciam sobre os costumes. 51 Acesse, na ntegra, esse texto, disponvel em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/delitosB.pdf. 52 Sua principal obra O Esprito das Leis, disponvel em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_montesquieu_o_espirito_das_leis.pdf 53 De acordo com Beccaria (1950, p. 196): [...] o meio mais seguro, mas, ao mesmo tempo, mais difcil de tornar os homens menos inclinados a praticar o mal, aperfeioar a educao. Se prodigalizardes luzes ao povo, a ignorncia e a calnia desaparecero diante delas, a autoridade injusta tremer e s as leis permanecero inabalveis, todo-poderosas. O homem esclarecido amar uma constituio cujas vantagens so evidentes, uma vez conhecidos seus dispositivos uma constituio que d bases slidas Segurana Pblica.

    http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/delitosB.pdfhttp://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_montesquieu_o_espirito_das_leis.pdf

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    teoria do Estado. Nesse contexto, outra teoria importante a positivista radical, que

    rompe com a ideia, at ento tida como pressuposto pela teoria criminolgica, de que o

    delito fundamentalmente uma atividade prpria de pessoas jovens, do sexo masculino,

    pertencentes classe trabalhadora, para entend-lo como manifestao de desvio em

    todos os setores da sociedade. Essa linha terica compreendeu que a eficcia do controle

    social, em toda sociedade, no era to grande quanto parecia, e que os juzes no

    aplicavam critrios cientficos, baseados no consenso moral incorporado legislao nas

    decises tomadas sobre o destino dos delinquentes.

    Em relao ao que as duas teorias abordam, a diferena est em que a teoria clssica

    determina que o carter delitivo dos atos realizados livremente define-se pelas normas

    morais implcitas no contrato social e supe que quem age de forma delituosa malvado

    e ignorante, e assim faz por ser impulsionado por foras de que nem ele prprio tem

    conscincia. Disso resulta a importncia de se investigar a motivao. Por outro lado, os

    tericos positivistas entendem que a vida social deve-se explicar por si s, e as causas

    dos atos delituosos no esto relacionadas a questes morais, mas o delito pode ser

    explicado cientificamente da mesma forma que os fenmenos, seres ou objetos do

    mundo natural.

    Na mesma linha de raciocnio, um grupo de socilogos da Universidade de Chicago iniciou

    estudos sobre as condies sociais urbanas e as possibilidades de formulao de polticas

    pblicas na cidade. Essas investigaes focavam o que foi batizado de Ecologia Social54

    da cidade. A ideia da cultura diferente ou subcultura foi desenvolvida tambm pela Escola

    de Chicago, a partir da hiptese de que a sociedade no era consensual, e os valores que

    no faziam parte do consenso tambm existiam como tais. Em outras palavras, essa

    teoria importante, que surgiu no comeo do sculo XX, repelia a tese segundo a qual

    haveria um grupo de pessoas culturalmente organizado e outro desorganizado, que no

    possuam normas culturais ou valores.

    O pressuposto da consensualidade estava presente nas teorias anteriores. Nesse sentido,

    a Escola de Chicago constituiu um avano, ainda que, nela, mesmo com o mrito de a

    reconhecer, a questo da diversidade seja tratada em termos limitados. O fato que

    nenhuma dessas teorias se props a buscar, objetivamente, o que acontece dentro

    desses indivduos que cometem delitos e de que forma essa motivao est relacionada

    opresso do Estado, da lei, desigualdade social e s estruturas da sociedade.

    A partir disso, surgem questionamentos que no mais se baseiam na ideia de consenso,

    e sim de conflito, negando o pressuposto de que a sociedade se estrutura com o objetivo

    de manter-se funcionando em harmonia. Trata-se das chamadas teorias do conflito, que

    surgem em razo de acontecimentos reais, e no do intuito de reexaminar teorias

    criminolgicas clssicas. A teoria do conflito pressupe a inexistncia de um consenso ou

    um acordo valorativo entre as pessoas em sociedade. Seus tericos, como o socilogo

    54 Na opinio de Ian Taylor (1990), a teoria ecolgica da Escola de Chicago est baseada em conceitos positivistas que se traduzem pela quantificao e codificao de dados utilizados para explicar a estrutura social da cidade e os agrupamentos humanos, de forma analgica com a ecologia e a vida vegetal. Essa teoria tem como precursor Robert Ezra Park, que defende a ideia de que, se, nas comunidades vegetais, a simbiose perfeita o equilbrio situao que surge quando todos os processos que intervm na reproduo das plantas

    esto em estado de equilbrio , a tarefa do socilogo descobrir esses mecanismos mediante os quais se poderia alcanar e manter o equilbrio biolgico na vida urbana.

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    alemo Ralf Dahrendor


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