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Análise histórica do processo de regionalização no Rio Grande do Sul e a construção

do planejamento regional

Historical analysis of the process of regionalization in Rio Grande do Sul and the

construction of regional planning

Autores: Cristian Fabiano Guimarães1, Rosane Azevedo Neves da Silva

2, Maria Isabel

Barros Bellini3, Ligia Maria Correa Geyer

4, Liane Belardinelli Prytoluk

5, Gabriel

Calazans Baptista6, Gladis Tyllmann

7, Ana Maria Mejolaro Dalla Valle

8, Cristiane Fischer

Achutti9, Renata Varela

10

Resumo: Este artigo discute como o processo de regionalização foi sendo construído no

Rio Grande do Sul, realizando uma crítica histórica da construção desse princípio do SUS

no território gaúcho. Ao resgatar a experiência de construção das regiões de saúde no

Estado, evidencia as mudanças organizacionais ocorridas no processo, desde a

implantação das regiões administrativas da Secretaria Estadual de Saúde (SES) nos anos

cinquenta até a atualidade. Desse modo, exploramos como a lógica burocrático-

administrativa induziu o processo de desenho da regionalização no Rio Grande do Sul e

como o modo de compreender esse processo foi se modificando ao longo dos anos,

destacando a emergência de novos sentidos para o planejamento regional no território

gaúcho.

Palavras-chave: regionalização; planejamento regional; governança regional; gestão em

saúde.

Abstract: This article discusses how the process of regionalization was being built in Rio

Grande do Sul, seeking conduct a review of the historical building that SUS principle,

from the analysis of the construction of the health regions in the state. Presents the

experience of building the territory of the health regions, shows the organizational

changes that occurred in the process, since the implementation of the administrative

regions of the state Secretaria Estadual de Saúde to the present. Thus, we explore how the

bureaucratic-administrative logic led the design process of regionalization in Rio Grande

do Sul from the sixties and as the way of understanding this process has been changing

1 Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul/IPA Metodista

2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul

3 Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul/PUCRS

4 Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul

5 Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul

6 Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul

7 Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul

8 Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul

9 Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul

10 Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul

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over time, with emphasis on the production of new directions for regional planning in the

state territory.

Key-words: regionalization; regional planning; regional governance; health

management.

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1. Introdução

A Regionalização é uma das diretrizes que fundamentam o SUS e ainda que nos

primeiros anos de implantação do sistema de saúde os gestores tenham se preocupado

prioritariamente com a municipalização e com o financiamento, pois lutavam com a

histórica centralização dos recursos em Brasília e no Ministério de Saúde, a

regionalização cada vez mais tem assumido um papel fundamental na consolidação do

maior sistema público de saúde do mundo. Durante os anos noventa o Sistema Único de

Saúde (SUS) foi ampliado no território nacional, se fazendo presente progressivamente

em todos os municípios, que passaram a contar com gestão e serviços de saúde de base

municipal, bem como com a participação social de diferentes atores por meio dos

Conselhos Municipais de Saúde, impondo, dessa forma, novos desafios aos gestores das

três esferas do governo.

A partir dos anos 2000 a reorientação do modelo de atenção à saúde exigiu que

gestores municipais e estaduais se debruçassem sobre a regionalização, buscando

aprimorar as ferramentas de gestão, especialmente aquelas relacionadas à gestão

colegiada/compartilhada, a fim de alcançar novas formas de administrar e arcar com as

demandas que surgiram frente às mudanças impostas pelo novo paradigma.

Criavam-se então novas alternativas de organização do sistema de saúde para a

população e novas estratégias para atender as suas necessidades, sendo fundamental a

composição de práticas de gestão cooperativas. Assim, a forma como o processo de

regionalização vem sendo desenvolvido no estado do Rio Grande do Sul é o objeto de

discussão desse artigo que faz uma crítica histórica da construção desse princípio do SUS

no Estado e apresenta uma análise do processo de construção das Regiões de Saúde e sua

(des)articulação ao conceito de região administrativa. Dessa forma queremos dar

destaque as mudanças organizacionais ocorridas no processo, desde a implantação das

regiões administrativas da Secretaria Estadual de Saúde (SES) até a atualidade,

evidenciando a singularidade dessa construção no território gaúcho. A reflexão para a

qual convidamos o leitor propõem problematizar o modo como a lógica burocrático-

administrativa induziu o processo de desenho da regionalização no Rio Grande do Sul a

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partir dos anos sessenta, e como modo de compreender esse processo foi se modificando

ao longo do tempo.

Este artigo foi construído a partir da experiência cotidiana da equipe da SES-RS

comprometida com a indução de processos de gestão compartilhada que tenham como

ponto de partida o território das regiões de saúde no cenário gaúcho. Assim, esse texto

apresenta um relato da experiência que foi sendo construída nos últimos anos no universo

da gestão estadual do SUS, a partir da construção de uma análise crítico-reflexiva da

realidade, articulada com a teoria existente sobre o assunto.

2. Justificativa

A regionalização impõe que os gestores dialoguem na construção de condições de

acesso a serviços de saúde, tendo em vista garantir a integralidade, universalidade e

equidade, ou seja, fazer com que os princípios que fundam o SUS sejam efetivados na

prática cotidiana. Dessa forma, com vistas a garantir a produção de redes de atenção à

saúde e a melhoria da qualidade do acesso às ações e serviços, percebe-se que o diálogo,

a construção e a pactuação de compromissos e responsabilidades compartilhadas entre os

gestores são alguns dos dispositivos essenciais no território da região de saúde. Para Paim

(2009), a regionalização é:

“(...) a articulação entre os gestores estaduais e

municipais na implementação de políticas, ações e

serviços de saúde qualificados e descentralizados,

garantindo acesso, integralidade e resolutividade na

atenção à saúde da população. Significa organizar os

serviços de saúde em cada região para que a

população tenha acesso a todos os tipos de

atendimento” (PAIM, 2009. p.49).

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A discussão sobre a regionalização não pode estar dissociada da construção das

redes de atenção à saúde. Essa questão é importante, pois:

“As redes de saúde dão ênfase ao entorno funcional.

O conceito de redes de saúde ou, de forma mais

abrangente, de redes de produção de saúde, procura

dar conta desta coprodução tensa entre a rede

assistencial (com suas normas próprias – necessárias)

e o território. Contudo, o território não é apenas

espaço de demanda ou depositário de necessidades e

recursos para a rede assistencial. O território também

se produz na medida em que a localização de pontos

da rede assistencial alteram o espaço vivido” (RIGHI,

2010. p.65).

O maior desafio que se coloca diz respeito à superação da visão fragmentada,

sendo que o modo de efetivar essa mudança é reunindo esforços no sentido de construir

compromissos coletivos entre os gestores sobre a realidade sanitária da região de saúde.

Para isso, se faz necessário ultrapassar a visão dos gestores municipais que, de maneira

geral, está focalizada no território do município, apenas. Com isso, busca-se ampliar a

visão para que os municípios se entendam enquanto conjunto, promovendo a cooperação

e a solução dos problemas que não são dificuldades individuais, mas coletivas.

A concepção do SUS sempre foi em formato de rede, e aparentemente simples

essa concepção ainda que inicial e visceral não garantiu que assim se efetivasse. Rede é

mais do que a soma das partes, é mais do um leque de serviços, estabelecimentos, ações e

de programas. Ampliando essa perspectiva, Santos e Andrade (2008) aportam a seguinte

compreensão:

Rede de serviços de saúde ou de atenção à saúde é a

forma de organização das ações e serviços de

promoção, prevenção e recuperação da saúde, em

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todos os níveis de complexidade, de um determinado

território, de modo a permitir a articulação e a

interconexão de todos os conhecimentos, saberes,

tecnologias, profissionais e organizações ali

existentes, para que o cidadão possa acessá-los, de

acordo com suas necessidades de saúde, de forma

racional, harmônica, sistêmica, regulada e conforme

uma lógica técnico-sanitária” (SANTOS &

ANDRADE, 2008. p.37)

A regionalização da saúde, ou a organização em rede é uma construção constante

e vem sendo pauta durante os 23 anos de consolidação do sistema brasileiro de saúde. A

importância da regionalização, ou da organização em rede é pontuada na seguinte

afirmação “Sem uma rede uma rede de serviços, não será possível garantir a integralidade

da atenção à saúde. Somente uma rede dará conta desse encargo”(SANTOS &

ANDRADE, 2008. p.23).

Embasados nesta premissa e nos princípios do SUS, o Grupo de Trabalho de

Planejamento, Monitoramento e Avaliação da Gestão em Saúde (GTPMA)11

, conduz um

processo de trabalho que agrega todos os departamentos da SES e representantes das

regionais de saúde e no coletivo constrói e executa metodologias que participam na

indução do planejamento regional com a conseqüente organização das regiões de saúde.

Esse processo, foi provocado “a partir da problematização da atual configuração

do processo de regionalização da saúde no Estado” (GUIMARAES & BELLINI, 2013,

p.40), ou seja, a partir de discussões e provocações norteadas pela legislação do SUS e

que tiveram como estofo a realidade da rede de atenção à saúde no Estado. Discutir o

sistema de saúde de maneira regionalizada é uma maneira de provocar a construção do

planejamento regional e de reforçar a necessidade de participação de diferentes atores na

11 Grupo de Trabalho de Planejamento, Monitoramento e Avaliação da Gestão da SES/RS (GTPMA),

formado por membros de diferentes departamentos/setores da SES e com a participação de algumas

Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS) ficando esse GTPMA sob a coordenação da Assessoria Técnica

e de Planejamento (ASSTEPLAN) /SES

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construção de um modelo de governança que valorize a dimensão do coletivo na

construção do SUS. Desse modo, é importante discutir a experiência produzida no Rio

Grande do Sul com relação ao processo de regionalização, tendo em vista fortalecer esse

princípio estratégico do sistema de saúde brasileiro, permitindo avançar o conhecimento

sobre essa característica importante da gestão estadual.

3. Regionalização da saúde: uma diretriz em movimento

A importância da regionalização como uma das diretrizes do SUS se dá e se

confirma quando ela condiciona o conhecimento da realidade de uma população

delimitada em uma área delimitada. Esse conhecimento da realidade deve aportar: todos

os problemas, facilidades, características, formas de acesso, cultura, fluxos de transporte,

etc, dessa população. Amparados nesse conhecimento e a partir dele as equipes de saúde

no processo de regionalização apropriar-se-ão da organização da região, das ações de

vigilância epidemiológica, sanitária, ações ambulatoriais e hospitalares que deverão

contemplar todos s níveis de complexidade. Essas ações e sua vinculação com os

estabelecimentos de saúde, sejam eles, hospitais, unidades, laboratórios, etc, serão

distribuídos de forma a contemplar as necessidades das regiões.

A regionalização enquanto concepção é uma conquista, mas enquanto efetivação

ainda é um desafio no cotidiano dos gestores e trabalhadores de saúde os quais são os

protagonistas desse processo, pois se acredita que “qualquer proposta de regionalização

da saúde no Brasil deverá contribuir para o fortalecimento da identidade local e de um

determinado território no qual o poder político-institucional é exercido por um amplo

conjunto de atores sociais envolvidos” (GUIMARÃES, 2005. p.1024).

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3.1. Processo de construção das Regiões de Saúde no Rio Grande do Sul:

Contextualização do Cenário Institucional

O GT PM&A com a participação de algumas Coordenadorias Regionais de Saúde

(CRS) e sob a coordenação da ASSTEPLAN ao findar o ano de 2010 iniciou um longo

processo de discussões e problematizações com vistas a atualizar o Plano Diretor de

Regionalização – PDR no Estado. Esse processo, por sua complexidade, se estendeu por

dose anos e foi desenvolvido nos GTs de Planejamento, Monitoramento e Avaliação

regionais que estão espalhados por todo o território gaúcho.

A realização deste trabalho, por sua densidade, exigiu vários encontros, todos

registrados em atas ou relatórios para futuras pesquisas e consultas e sempre garantiu a

participação de todos os GTs regionais, dessa forma buscou romper com as formas

tradicionais que pautaram a organização da Política de Saúde brasileira e principalmente

de planejar em saúde.

No Brasil, o estilo político tradicional é de resolver

as situações caso a caso e, de preferência, no

interior dos gabinetes, e não de forma clara, global,

transparente e pública. Assim, a efetiva

universalização da saúde e, nela, a eqüidade de

resultados são alguns dos grandes desafios que

supõe muita luta democrática da sociedade

(SPOSATI & LOBO, 1992. p.370).

Nesta perspectiva a forma de trabalho instaurada pelo GT PM&A se amparou nas

prerrogativas postas no texto constitucional, nas leis que embasam e regulamentam o

Sistema Único de Saúde (SUS) são elas: Lei 8.080 de 19/09/90 e Lei 8.142 de 28/12/90,

e no documento Descentralização das Ações e Serviços de Saúde: a Ousadia de Cumprir

e Fazer Cumprir a Lei aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde, em 15 de abril de

1993 quanto ao processo de descentralização da gestão das ações e serviços de saúde, e

também conforme referido na Portaria 545 no que se refere a regionalização:

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(...) entendida como uma articulação e mobilização

municipal que leve em consideração características

geográficas, fluxo de demanda, perfil

epidemiológico, oferta de serviços e, acima de tudo,

a vontade política expressa pelos diversos

municípios de se consorciar ou estabelecer qualquer

outra relação de caráter cooperativo (MINISTÉRIO

DA SAÚDE, 1993. p.3)

Os documentos que ampararam os estudos do GT PM&A incluíram a Norma

Operacional da Assistência à Saúde de 2002 a qual tinha como objetivo avançar o

processo de descentralização e organização do SUS, ampliar “as responsabilidades do

município na atenção básica” e estabelecer “o processo de regionalização como estratégia

de hierarquização dos serviços de saúde”, e assumia a responsabilidade pela integração

do Plano Diretor de Regionalização (PDR) à gestão do SUS. O PDR por sua vez tinha

como objetivo apresentar o mapa da regionalização da assistência à saúde num

determinado território, bem como identificar as necessidades de investimentos, desta

forma ambos se configuram como instrumentos para construir a regionalização da saúde.

È possível identificar que nesta NOAS a concepção de regionalização está

localizada na organização territorial, na estruturação de um sistema funcional de saúde a

partir do ordenamento das ações e serviços assistenciais de forma hierarquizada para

garantir o acesso da população, considerando suas necessidades de saúde. Sendo assim, a

região de saúde é a “base territorial de planejamento da atenção à saúde, não

necessariamente coincidente com a divisão administrativa do Estado, a ser definida pela

Secretaria Estadual de Saúde, de acordo com as especificidades e estratégias de

regionalização da saúde em cada Estado, considerando as características demográficas,

sócio-econômicas, geográficas, sanitárias, epidemiológicas, oferta de serviços, relações

entre municípios, entre outras.” (Portaria MS/GM n. 373, 2002). Essa portaria também

tem um papel importante na medida em que delega às secretarias estaduais a

responsabilidade pela regionalização, segundo apontado por Guimarães (2005):

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Apesar de a portaria não exigir coincidência com a

divisão administrativa do país, ela confere às

secretarias estaduais de saúde o papel de condução

do processo de regionalização de cada estado

federado, o que, na prática, estabeleceu o

ordenamento jurídico do Estado brasileiro como

estrutura geral da proposta (GUIMARÃES, 2005.

p.1018)

Também para a NOAS o menor nível de complexidade é o módulo assistencial,

seguido pela microrregião e macrorregião de saúde e as regiões de saúde são discutidas

através da divisão do espaço a partir de grupos de procedimentos, contribuindo para a

fragmentação da assistência à saúde no SUS. O espaço passa a ser esquadrinhado

tomando como base a assistência à saúde, o que vai contribuir para o direcionamento do

olhar do gestor estadual para a média e a alta complexidade, em detrimento da atenção

básica que desde a NOB 96 é de responsabilidade dos municípios.

Como a SES-RS estruturou seu PDR à luz da NOAS 2002 o território gaúcho

então, foi recortado em 172 módulos assistenciais, 93 microrregiões e 07 macrorregiões

de saúde, sendo que o ponto de partida da discussão que animou a construção daquele

desenho foi o território das regiões administrativas. Importante esclarecer que, entende-se

por região administrativa o equipamento administrativo e burocrático do Estado cuja

função é fazer a gerência de um conjunto de municípios num dado território.

A partir do território administrativo, o GT PM&A, realizou o diagnóstico da

assistência à saúde, considerando capacidade instalada, fluxo de usuários, produção de

serviços e perfil de morbimortalidade, para que posteriormente fossem recortadas

microrregiões e desenhadas macrorregiões de saúde. O processo de redesenho das

regiões de saúde no estado do Rio Grande do Sul enfrentou uma organização de regiões

administrativas da SES que foi elaborada na década de sessenta e que sofreu poucas

mudanças nos últimos trinta anos. Esse é um destaque importante, pois dá a medida do

enfrentamento das equipes e dos gestores para as mudanças pretendidas pelo atual

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desenho que vem sendo animada pelas discussões fomentadas em nível nacional com a

introdução do decreto 7.508/2011.

3.2. Política de Saúde do RS: movimentos, nexos e características significativas

Na pesquisa documental realizada pelos autores encontrou-se que no Rio Grande

do Sul, em 1935 foi criada a Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Saúde

Pública, através do Decreto 5.969 do mesmo ano. Em 1958, foi instituída a Secretaria de

Estado dos Negócios da Saúde, separada da educação (Lei 3.602/1958), e, em 1964, foi

criado o Departamento dos Serviços Regionais (Decreto 16.773/1964) na Secretaria, com

gabinete e Delegacias Regionais. As regiões administrativas foram estruturadas com o

objetivo de gerenciar o sistema de saúde em nível regional.

As ex-delegacias regionais que são as atuais coordenadorias regionais de saúde

são equipamentos fundamentais para a gestão do SUS em nível locorregional. À medida

que é o órgão da SES que está mais próximo da realidade cotidiana dos municípios, dos

Prefeitos e dos Secretários Municipais de Saúde, possibilita que se constituam, também,

como espaço estratégico de intensa disputa política.

Nesta visita histórica encontrou-se que no período de dez anos que se seguiram à

publicação do PDR, pelo menos três aspectos são importantes: o primeiro diz respeito às

alterações de municípios entre regiões administrativas, microrregiões ou macrorregiões

de saúde, sem critério técnico, sendo que tais mudanças foram provocadas para atender a

demandas políticas antes de expressar uma necessidade de; o segundo se refere ao

desenho das redes de saúde no estado; e o terceiro, por sua vez, relaciona-se com a

criação de instâncias de pactuação regionalizadas, que no Rio Grande do Sul apresenta

peculiaridades importantes que fornecem subsídios para a compreensão de como foi se

configurando a governança regional no estado. Com relação à alteração de municípios de

regiões administrativas, é importante destacar que o PDR 2002 previa que, em médio

prazo, a independência das microrregiões e das macrorregiões de saúde do território

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administrativo, ou seja, sua característica de expressar o território vivo da saúde deveria

funcionar como indutora da necessidade de adequação das regiões administrativas.

Entretanto, ao analisar as mudanças ocorridas no período de dez anos, o que se

observa é que nos anos de 2004, 2006 e 2009 houve discussões e aprovação na CIB12

de

mudança de municípios entre regiões administrativas de saúde. Essas modificações foram

motivadas muito mais por interesses particulares dos municípios ou pela composição de

arranjos políticos específicos, ou ainda, pela dificuldade das regiões administrativas de

contribuir de forma qualificada com alguns municípios, do que efetivamente da

necessidade do território de saúde como um espaço vivo. Neste sentido, não foram as

microrregiões – ou mesmo as macrorregiões – que induziram mudanças nas regiões

administrativas. Assim, analisando as atas das reuniões da CIB onde essa discussão foi

realizada, observa-se que os municípios demandam a troca de região administrativa sem

justificar essa necessidade à luz das reais necessidades de saúde da sua população. Desta

forma, todos os municípios que trocaram de região administrativa no período são

municípios que se encontram no limite entre territórios de regiões administrativas.

Todas estas análises pautaram o planejamento coordenado pela ASSTEPLAN

junto ao GT PM&A, e ampararam as questões-hipóteses inicialmente elaboradas que

eram as seguintes: ou os fluxos de assistência e os serviços não sofreram mudanças

significativas nos últimos dez anos, ou existe um modo de funcionamento que tende a

produzir uma adequação dos municípios às regiões administrativas.

Entendendo que houve crescimento na última década do setor de serviços de

saúde no estado e que este processo foi interiorizado, ou seja, não ficou restrito à região

metropolitana de Porto Alegre, a segunda questão-hipótese era mais aceitável: havia um

processo centrípeto que empurrava os municípios para a composição de regiões de saúde

pautadas a partir do corte/desenho de região administrativa, o que terá um conjunto de

implicações, como por exemplo na compreensão do conceito de região de saúde; na

12 Comissão Intergestores Bipartite (CIB) é o fórum de negociação entre o Estado e os

Municípios na implantação e operacionalização do Sistema Único de Saúde(SUS). Como

colegiado bipartite é composta paritariamente por representantes da Secretaria de Estado da

Saúde e por representantes do Conselho de Secretários Municipais de Saúde (COSEMS).

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construção/desenvolvimento da governança regional especialmente no desenvolvimento

de práticas cooperativas entre os gestores, conforme se observará adiante; no desenho das

regiões de saúde atuais, uma vez que ficava evidente que muitos recortes territoriais

estavam pautados em escolha clientelistas/paternalistas, ou seja, na manutenção de

oligarquias de poder político, observadas em determinadas regiões. Esta questão gerou no

RS quando na discussão do novo desenho das regiões de saúde, grande resistência por

parte dos gestores, sendo que tal questão ficava mais evidente em regiões cujo sistema de

saúde, relações de trabalho e participação da comunidade

Foi através de problematizarão de conceito de região de saúde, que o gestor

estadual buscou provocar essa questão em conjunto com os municípios, com a finalidade

de diminuir as resistências que pudesse dificultar o processo de trabalho. Obviamente,

tais questões apontadas são construções históricas que precisam ser mais exploradas,

sendo que não cabe ao espaço desde texto oferecer solução ou realizar uma análise mais

rigorosa da questão.

Outro aspecto refere-se à composição das redes de atenção à saúde no Estado.

Para compreender como a discussão da rede nesse período está implicada com um

modelo de região de saúde que toma como base a região administrativa, é preciso discutir

dois aspectos importantes e complementares: a adesão dos municípios ao Pacto pela

Saúde e o processo de descentralização de um lado, e o funcionamento da gestão dos

prestadores no período pré-SUS de outro.

O Estado avançou de forma significativa nos dez anos que se seguiram à

publicação da NOAS na consolidação de um conjunto de serviços de saúde em

determinadas especialidades médicas, de acordo com os principais problemas de saúde

identificados a partir dos perfis epidemiológicos de morbimortalidade. Neste período,

convencionou-se chamar de “rede” o conjunto de serviços de assistência de média ou de

alta complexidade em alguma especialidade médica, tal como cardiologia, nefrologia,

oncologia, etc. Esses serviços assistenciais eram contratados pelo gestor estadual para

prestar serviços aos cidadãos nos municípios do Estado. Esse modo de funcionar que

centraliza a gestão/gerência dos prestadores de serviços para o SUS no gestor estadual

contribuiu para “colar” o conceito de região de saúde à região administrativa, e é muito

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próximo do modelo de gestão que pré-SUS, onde devia havia centralização de produção e

gerência dos prestadores, de forma não transparente.

Observamos no Rio Grande do Sul, durante o processo de redesenho das regiões

de saúde, um entendimento da região de saúde que estava fixado no conceito de região

administrativa. Tal modo de entender o território da região de saúde (a partir da lógica

administrativa) produz modos de gestão centralizados na figura do gestor estadual,

especialmente na instância de pactuação regional. Esse modelo reforça a produção de

uma visão fragmentada da realidade, uma vez que a segmentação entre individual

(município) e coletivo (região) fica cada vez mais evidenciada. A experiência cotidiana

demostrou que, nas principais discussões com as equipes dos GTs de Planejamento,

Monitoramento e Avaliação das Coordenadorias Regionais de Saúde, o principal

problema levantado estava relacionado à contratualização, provavelmente em função da

pressão que os técnicos das Coordenadorias Regionais sofriam dos municípios para

abertura da “caixa-preta” dos contratos.

A contratualização de prestadores privados sempre foi considerada uma “caixa-

preta”, ou seja, os municípios não tinham acesso aos contratos e suas cláusulas, ao

mesmo tempo em que tinham dificuldades de garantir o acesso dos seus munícipes a estes

serviços. Por muitos anos o gestor estadual entendeu que a gestão dos prestadores

privados era sua atribuição essencial e quase exclusiva. Foi apenas com a adesão dos

municípios ao Pacto pela Saúde que se inicio no Rio Grande do Sul um movimento de

descentralização da gestão dos prestadores privados para os municípios. A história mostra

que o Estado realizava contratos, se comprometia com o financiamento desses, e não

pagava nos prazos conforme o contratado (é importante destacar que apenas no final dos

primeiros dez anos dos anos dois mil o gestor estadual conseguiu cumprir com suas

responsabilidades financeiras com relação ao pagamento dos prestadores, após um

histórico de constantes atrasos). Essa conduta do gestor estadual fez do mesmo, por

muitos anos, refém da iniciativa privada, o Estado se via moralmente impossibilitado de

monitorar, avaliar ou auditar os prestadores privados em função dos seus atrasos no

pagamento. Nos últimos anos essa relação se modifica no Rio Grande do Sul: agora o

problema é como monitorar e avaliar com qualidade, uma vez que se torna cada vez mais

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importante acompanhar de forma sistemática os contratos com os prestadores e ao mesmo

tempo dar publicidade aos acordos firmados.

Em contraposição, ou em um movimento de contranitência a essa histórica forma

de administrar, o SUS assume a descentralização como uma de suas diretrizes, e essa

diretriz “implica redistribuição de poder; redefinição de papéis e estabelecimento de

novas relações entre as três esferas de governo; reorganização institucional; reformulação

de práticas; e controle social” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1993. p.2), portanto impõe

outra postura dos gestores frente aos seus compromissos e responsabilidades na condução

da efetivação da regionalização.

4. Algumas reflexões sobre a experiência da gestão estadual no Rio Grande do Sul e

sua relação com o processo de regionalização

A adesão ao Pacto pela Saúde no Rio Grande do Sul foi um processo conflituoso,

que merece pesquisas para maior aprofundamento. Não é objetivo deste artigo realizar

uma análise das razões pelas quais os municípios gaúchos optaram pela não adesão ao

Pacto pela Saúde, o que resultou em 2011 na adesão de, aproximadamente, 30% dos

municípios gaúchos (n=153), quando o processo de pactuação foi extinto.

Entretanto, parece importante não atribuir a responsabilidade da não adesão

estritamente aos municípios, mas também ao gestor estadual. Havia, nos bastidores, o

medo da perda de poder político sobre os prestadores privados, pois com o avanço do

processo de descentralização, os municípios passariam a gerenciar e contratualizar seus

prestadores. Como apontamos anteriormente, a SES se reconhecia num modo de fazer

gestão do SUS que foi sendo construído historicamente, na qual a centralização e a gestão

dos prestadores ocupavam posição de destaque. No novo cenário da descentralização

introduzida com o Pacto pela Saúde, o gestor estadual se percebe diante de uma

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encruzilhada, que significava a perda de poder e não a possibilidade de construir um

modo radicalmente novo de construir a gestão estadual de forma mais ampliada e

cooperativa. Na realidade, tal questão sugeria a necessidade de aprofundar a reflexão com

relação ao papel da gestão estadual no Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que o

cenário da política pública de saúde desloca para os municípios a assistência direta à

saúde da população.

Com isso, temos dois fios que foram tecendo o vínculo quase indissolúvel entre a

região de saúde e a região administrativa: um aspecto reacionário sobre o entendimento

da região de saúde, que tende a manter ou reproduzir estruturas “tradicionais” de poder

que encontram condições de viabilidade numa estrutura burocrático-administrativa

adoecida e sem participação, associado a um modo de fazer gestão em saúde que

diferenciou ao longo dos primeiros vinte anos do SUS as atribuições do gestor estadual,

na medida em que elas estavam focadas na gestão dos prestadores privados. Na crise de

identidade introduzida com a criação do SUS na Constituição Federal de 1988, talvez o

ente mais prejudicado tenha sido o gestor estadual, pois o cuidado à saúde ficou sob a

responsabilidade do gestor municipal, enquanto a proposição e coordenação da política

de saúde, do gestor federal. No Rio Grande do Sul, a gestão estadual se estruturou ao

longo desses anos, no sentido do controle dos prestadores privados, sendo esta a principal

característica que a diferenciava dos outros entes federados.

Aventa-se a hipótese de que esta seja uma das razões pelas quais os municípios

gaúchos não aderiram ao Pacto pela Saúde, ou seja, uma política do gestor estadual que

se voltava para a manutenção do modelo de gestão tradicional, associada a baixa

capacidade de realizar uma reflexão sobre a mudança no modo de conceber o papel do

gestor estadual ao longo dos poucos mais de vinte anos do SUS. Entretanto, é necessário

ponderar que nem sempre tais questões estiveram tão evidentes ou mesmo que tenham

sido parte de uma estratégia política consciente. Embora tenha-se clareza de que o Pacto

pela Saúde foi, na maioria dos estados brasileiros, um processo burocrático, ou seja, o

simples preenchimento de termos de compromisso (que culminaram na publicação de

portarias de adesão de municípios ao Pacto pela Saúde, onde nem Termo de

Compromisso de Gestão era monitorado, nem mesmo Termo de Limite Financeiro Global

tinha valor real ou representava alguma responsabilidade financeira), com pouca

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discussão sobre as transferências de responsabilidades pela gestão do SUS e

descentralização das ações e serviços de saúde. Assim, no Rio Grande do Sul, parece que

o medo da perda do poder do gestor estadual impediu o avanço do processo de

descentralização, o que culminou nas dificuldades já aventadas com relação à

compreensão do conceito de região de saúde colado na região administrativa.

Resta abordar o terceiro ponto, que diz respeito à governança regional e às

práticas que foram se construindo ao longo do período estudado, e que diz respeito a um

modo de produzir as instâncias de discussão e pactuação regional no Estado. Novamente,

duas questões são relevantes para uma compreensão mais aprofundada desse processo: a

primeira, à luz do movimento municipalista, pautada na visão individual de cada

município, este que se vê responsável pela defesa dos interesses de saúde dos seus

munícipes; e a segunda, herdeira de uma herança administrativa que tem origem na

crença de que região de saúde é sinônimo de região administrativa, e que diz respeito ao

modo como o processo de construção das instâncias de pactuação regional foram sendo

pensadas pelo gestor estadual ao longo dos dez anos que se seguiram à publicação da

NOAS, que marca a introdução da noção de regionalização na agenda do gestor estadual.

Tomemos em análise a primeira questão: ao longo da década de noventa, cresceu

no Brasil um movimento denominado de municipalista. O municipalismo foi objeto de

discussão de conferência nacional de saúde nos anos noventa, dado sua importância na

consolidação do SUS no Brasil. Com relação à construção das instâncias de pactuação

regionais, o gestor estadual percebeu no final dos anos noventa a necessidade de

constituir grupos de pactuação entre os gestores de forma descentralizada, ou seja, no

nível da região administrativa de saúde. A partir deste momento, cada uma das dezenove

regiões administrativas passaram a contar com uma “CIB Regional”, embora essa

instância de pactuação não existisse formalmente nas normas constitucionais ou

infraconstitucionais do SUS. Alguns outros estados brasileiros também desenvolveram

essa experiência de constituição de CIBs regionais, à exemplo do Paraná.

Em 2006, com a publicação da Portaria que instituiu o Pacto pela Saúde no Brasil,

algumas mudanças importantes na concepção de processos de gestão do SUS foram

introduzidas, especialmente pelo Pacto de Gestão. O Pacto pela Saúde foi um avanço

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para o SUS, embora seus efeitos tenham sido minimizados em função da não

compreensão de conceitos fundamentais nele contidos. A adesão dos municípios ao Pacto

pela Saúde deveria significar um olhar para si do município, oportunizando a ele refletir

sobre seus processos de gestão interna, tendo em vista potencializar a capacidade do

gestor municipal e acrescentar à gestão as funções fundamentais que garantiriam o

desenvolvimento do SUS.

Como neste texto está-se abordando a realidade do Rio Grande do Sul, conforme

apontamos anteriormente, o único comentário mais generalista que se pode fazer com

relação a esse processo no Brasil, é que ele consistiu, de modo geral, num trabalho

burocrático de preenchimento de Termos de Compromisso, Termo de Limite Financeiro e

outros documentos. Assim, não se levou em consideração nos demais estados brasileiros

alguns pontos que, devido ao atraso que o Rio Grande do Sul sofreu nesse processo, era

tido como princípios na condução da adesão dos municípios ao Pacto pela Saúde.

Os pontos que foram tidos como estratégicos na condução da adesão dos

municípios ao Pacto pela Saúde foram o avanço do processo de descentralização do SUS

no estado, que encontrou bastante resistência em função da lógica vigente no cenário da

SES-RS, e a melhoria da qualidade da gestão municipal. Ao longo das discussões com os

municípios, os principais problemas que foram colocados como dificuldade dos gestores

municipais na adesão ao Pacto pela Saúde, diziam respeito à ínfima participação do

gestor estadual no financiamento do SUS, bem como às dificuldades com as referências

dos pacientes para outros municípios do estado, especialmente aqueles denominados de

“gestão plena”, cuja gestão dos prestadores de serviços privados de saúde não estava sob

a gestão do estado, mas dos municípios nessa condição de gestão.

O Pacto pela Saúde institucionalizou os Colegiados de Gestão Regionais (CGR),

ampliou a discussão sobre regionalização (neste momento, não mais vista apenas como

regionalização da assistência, modificando com isso a concepção introduzida pela NOAS

2002), enriqueceu a discussão sobre o planejamento em saúde, entre outras questões. Foi

apenas a partir deste momento que muitos estados construíram o seu Plano Diretor de

Regionalização. O Rio Grande do Sul considerou, nessa época, que seu Plano Diretor de

Regionalização estava adequado, embora necessitasse de algumas alterações nos limites

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das regiões administrativas. Da mesma forma, o gestor estadual entendeu que as CIBs

Regionais consistiam no que o Pacto pela Saúde chamava de Colegiados de Gestão

Regionais (CGR). Bastava, portanto, mudar o nome e institucionalizar esta última

instância de pactuação regional.

E é exatamente isso que foi feito. Elegeu-se o CGR como espaço de pactuação

sobre a região de saúde, fixando-a no conceito a região administrativa. Com o Decreto

Presidencial 7.508/2011 o Colegiado de Gestão Regional (CGR) foi substituído pelas

Comissões Intergestores Regionais (CIR). Esse movimento que naturalizou a

compreensão de região de saúde no Rio Grande do Sul, sedimentando a ideia de que a

região administrativa é a região de saúde, teve profundas implicações na discussão mais

atual sobre regiões de saúde desencadeada no estado. Entre os problemas gerados por

essa unidade conceitual em torno da região administrativa, pode-se destacar: 1) os CGR

se constituíram como estruturas amarradas na estrutura burocrático-administrativa das

regiões administrativas e, portanto, não independentes; 2) a concepção de região de saúde

amarrada na estrutura administrativa.

Todo esse processo aponta para a maneira como o princípio da regionalização foi

sendo construído no território gaúcho e como o conceito de região de saúde foi sendo

estruturado. No processo de indução do planejamento regional no Rio Grande do Sul, a

problematização desse conceito é particularmente importante, uma vez que ele esteve

associado historicamente ao território administrativo. Assim, observamos a necessidade

de ampliar o olhar prestar atenção para o papel do gestor estadual no sistema de saúde. O

planejamento regional implica partir de um entendimento comum/sólido sobre o conceito

de região de saúde, colocando em evidencia os elementos que contribuem para a sua

formação ao longo da história.

5. Reflexões Finais

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A experiência da gestão estadual do SUS no Rio Grande do Sul é fortemente

atravessada pelo modo como as ferramentas de gestão são operacionalizadas na prática

cotidiana. Pensar essas ferramentas e reorienta-las para a produção de práticas

cooperativas de gestão é fundamental na atualidade. Embora haja uma mudança do

modelo de gestão que foi evidenciada ao longo desse texto, é perceptível a dificuldade de

muitos atures para entender o significado desse processo de mudança que, em última

análise, diz respeito à modificação do papel do Estado no Sistema Único de Saúde (SUS).

Ao resgatarmos a construção das regiões de saúde no território gaúcho e algumas

questões relacionadas à adesão dos municípios gaúchos ao Pacto pela Saúde, procuramos

evidenciar a realidade singular do Rio Grande do Sul e, ao mesmo tempo, colocar em

discussão como estamos interpretando a realidade, uma vez que o modo como

entendemos o passado vai desenhando o presente e colocando questões para o futuro. No

contexto da gestão estadual do SUS estamos cotidianamente aprendendo novas

estratégias para fazer avançar o sistema de saúde, sendo que esta postura com relação à

realidade ganha relevo ao percebermos que a gestão da saúde envolve uma multiplicidade

de atores e um cenário complexo. Tal aspecto tem nos levado a compreender a

importância de agregarmos novos atores às discussões, buscando novas construções sobre

a realidade.

Para finalizar, ao explorarmos como a lógica burocrático-administrativa induziu o

processo de desenho da regionalização no Rio Grande do Sul a partir dos anos sessenta, e

como o modo de compreender esse processo foi se modificando ao longo do tempo,

buscamos dar ênfase à produção de novos sentidos para o planejamento regional no

território gaúcho. Longe de encerrar nossa discussão neste artigo, salientamos a

importância de seguir analisando o processo de regionalização no Rio Grande do Sul,

tendo em vista contribuir para avançar na construção de ferramentas de gestão para o

SUS no território gaúcho e, de forma mais ampla, para o sistema de saúde brasileiro.

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6. Referências

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