UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE – UFCG
CENTRAL DE HUMANIDADES - CH
CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
ANIMÊS E ANIMENCONTROS: SEDUÇÕES DA CULTURA POP JAPONESA NO
BRASIL E EM CAMPINA GRANDE
TAYS PAULINO DE MÉLO
CAMPINA GRANDE,
DEZEMBRO DE 2010
ANIMÊS E ANIMENCONTROS: SEDUÇÕES DA CULTURA POP JAPONESA NO
BRASIL E EM CAMPINA GRANDE
Tays Paulino de Mélo
Monografia apresentada ao curso de Licenciatura em História, do Centro de Humanidades da Universidade Federal de Campina Grande, como requisito parcial para obtenção do titulo de Licenciado em História.
Orientador (a): Regina Coelli
Campina Grande,
Dezembro de 2010
TAYS PAULINO DE MÉLO
ANIMÊS E ANIMENCONTROS: SEDUÇÕES DA CULTURA POP JAPONESA NO
BRASIL E EM CAMPINA GRANDE
Monografia Avaliada em 03/12/2010 com o conceito ______
BANCA EXAMINADORA
Regina Coelli
Orientador (a)
Alarcon Agra
Examinador (a)
Iranilson Buriti Examinador (a)
RESUMO
Esta pesquisa tem o objetivo de analisar a presença da cultura pop japonesa no Brasil, a partir da apreciação dos jovens por mangás e animês. Com base na história cultural e utilizando como suporte teórico a ideia de apropriação em Chatier, procuro traçar um perfil acerca do desenvolvimento de ícones do pop japonês, cuja formação tem fortes influências ocidentais, recebidas por aquela sociedade anos subseqüentes à Segunda Guerra Mundial. As principais fontes utilizadas na elaboração deste trabalho foram: vídeos e imagens de animações e quadrinhos, entrevistas de fãs - áudio-gravado ou feitas via internet, revistas e sites especializados no tema mangá e animê. Estas fontes contribuíram para análise e maior compreensão dessa mídia. Ainda utilizei bibliografias que esclareceram as condições econômicas, sociais e culturais do Japão após o conflito mundial, tais como Uma nação renascida: Breve história do Japão de pós-guerra; e a obra JAPOP: O poder da cultura pop japonesa de Cristiane A. Sato que me auxiliou com informações atuais sobre a indústria do entretenimento japonês. A opção pelo tema se deu em razão de minha aderência ao movimento otaku (fãs de animê e mangá brasileiros) a partir de 2006, e pela notoriedade que esse movimento vem ganhando na mídia nacional, na medida em que o número de eventos que visam à celebração da cultura pop japonesa entre os jovens tem aumentado. As reflexões apresentadas nessa pesquisa sugerem: pensar a cultura pop japonesa, a partir de suas características nipônicas, uma vez que as influências ocidentais foram filtradas e adaptadas às necessidades internas de sua sociedade; analisar a recepção da cultura pop japonesa a partir da exibição de Os Cavaleiros do Zodíaco em 1994, em que destaco as características das animações nipônicas que mais atraem o público juvenil; apontar para os indícios da cultura otaku na cidade de Campina Grande, que todos os anos é celebrada num evento chamado Encontro Nipon.
Palavras-chave: cultura japonesa, animês, Encontro Nipon
Dedico este trabalho à minha
família, meus pais, Maria do Céu e José
Miguel. Às minhas irmãs, Tatiana e
Thamiris e ao meu irmão, Carlos, por
estarem sempre ao meu lado, me
motivando mesmo nos momentos em que
as dificuldades pareciam maiores e pensei
em desistir. Eles significaram a força para
a conclusão desta etapa.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................5
CAPÍTULO I.....................................................................................................14
Cultura Pop Japonesa: Imitação ou Reinvenção?
II CAPÍTULO....................................................................................................27
Recepção da cultura pop japonesa no Brasil: a “febre” dos Cavaleiros,
características do animês e as novas formas de se ver o Japão.
III CAPÍTULO...................................................................................................52
Encontro Nipon: uma expressão da cultura otaku em Campina Grande
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................72
GLOSSÁRIO......................................................................................................74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................76
ANEXOS I
ANEXO II
5
INTRODUÇÃO 1 De acordo com o livro A Crônica da Espingarda1, o primeiro contato entre o
Japão e o Ocidente foi com os portugueses, ainda no século XVI, um contato
interrompido por advento do Shogunato Tokugawa2 no início do século XVII e que
fechou as portas do Japão a qualquer influência estrangeira. Esse isolamento foi vencido
apenas no século XIX graças às pressões dos Estados Unidos que tinham interesse no
mercado japonês. Em 1854 o comodoro Matthew Perry forçou a abertura dos portos
japoneses sob ameaça de bombardeio. Um trecho retirado da edição especial sobre o
Japão da revista História Viva relata com clareza a atitude dos estadunidenses perante a
resistência japonesa:
Quando chegou à baía de Edo (denominação de Tóquio), em julho de 1853, o comodoro exigiu a presença de um emissário do xogum para entregar a carta do presidente Filmore. O documento deveria ser dado diretamente ao imperador Komei, o que significava que Filmore se julgava um igual perante aquele monarca de origens supostamente divinas. O ultimato de Perry, respaldado por canhões da armada americana, era inequívoco: ou o Japão concordava em estabelecer um comércio pacífico ou sofreria as conseqüências de uma guerra. (R.História Viva, Japão 2: 500 anos de história, 100 anos de imigração, 2008)
Este ato, além de pôr fim ao isolamento, acelerou a derrocada das estruturas
agrárias japonesas com a inauguração da Era Meiji e o início da modernização do Japão.
1 Crônica da espingarda - Teppo-ki. Escrito no Japão no início do século XVII, Teppo-ki narra a introdução da espingarda por três náufragos portugueses e descreve as observações de um chinês que teria atuado como intérprete dos estrangeiros: "Estes homens bárbaros do sudeste são comerciantes. Compreendem até certo ponto a distinção entre superior e inferior, mas não sei se existe entre eles um sistema próprio de etiqueta. Bebem em copo sem o oferecerem aos outros; comem com os dedos, e não com pauzinhos como nós. Mostram os seus sentimentos sem nenhum rebuço. Não compreendem os caracteres escritos. São gente sem morada certa, que troca as coisas que possuem pelas que não têm, mas no fundo são gente que não faz mal". (http://www.culturajaponesa.com.br/htm/quandoportugueses.html Acesso em: 05/07/2010). 2 O Tokugawa bakufu (徳川幕府) (conhecido também como Edo bakufu - bakufu é o termo japonês para o regime xogunato) foi uma ditadura militar feudal estabelecida no Japão em 1603 por Tokugawa Ieyasu e governada pelos xoguns da família Tokugawa até 1868. Esse período foi conhecido como Período Edo, que pegou seu nome emprestado da capital do xogunato Tokugawa, Edo, hoje Tóquio. O xogunato Tokugawa reinou do castelo de Edo até a Restauração Meiji, que acabou definitivamente com os xogunatos. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Xogunato_Tokugawa Acesso em: 05/07/2010)
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Foi então, o primeiro momento em que o Japão bebeu efetivamente das influências
ocidentais, que perduraram até o fim da década de 1920, quando o militarismo veio
ganhar força e proibir tudo que fosse estrangeiro em prol de um nacionalismo
exacerbado.
A Era Meiji inaugurou não apenas a modernização no que se refere à indústria, à
instalação de ferrovias, à chegada do cinema, mas também em hábitos cotidianos como
o modo de se vestir e se comportar, por exemplo. Os homens, principalmente, para
negociar, procuravam vestir-se com trajes ocidentais, usar cabelos curtos ao invés dos
cabelos compridos e deixar a barba e bigodes crescerem. Um filme, onde a introdução
desses novos hábitos pode ser observada é Hachiko Monogatari3 (A história de
Hachiko). Este filme foi produzido em 1987 e dirigido por Seijirô Kôyama. Embora o
foco da história não seja mostrar as interferências ocidentais nos hábitos japoneses, o
filme revela parte do cenário de 1923 a 1935, trazendo algumas das transformações
ocorridas devido às influências da modernização ocidental, entre às quais o uso de
cartolas, uniformes ocidentais para guardas, maquinistas de trens e homens de negócios
usando ternos. Vale salientar que estas mudanças eram bem vistas muito mais pelos
jovens de classe média e alta da época que se impressionavam, deixando-se fascinar
pelos estrangeirismos. Tais mudanças atingiram principalmente os homens, já que eram
estes os responsáveis pelas negociações com estrangeiros. As mulheres continuaram em
sua maioria a vestir-se de acordo com os padrões nipônicos.
Em fins da década de 1920, o militarismo se expandia no Japão, que passou nessa
época por crises que se agravaram com o craque da bolsa de Nova York. Começou um
verdadeiro período de repúdio aos estrangeirismos e foi lançada a censura sobre jornais,
cinemas e editoras que deveriam corroborar apenas os ideais militaristas. A partir daí
começa mais um período de isolamento do Japão para com o resto do mundo. Foi
somente após o segundo conflito mundial, que teve desfecho com as bombas atômicas
detonadas sobre Hiroshima e Nagasaki, que se pôde ver mais uma vez o Japão se abrir
às influências 2ocidentais. As forças de ocupação estadunidenses deram as novas
diretrizes e o povo japonês, apesar de derrotado, estavam tão exaustos do conflito que
3 Baseado numa história real, Hachiko Monogatari, conta sobre a lealdade de um cão da raça akita para com seu dono, um professor da universidade de Tóquio, Eisaburo Ueno. Uma história que comoveu o Japão e ultrapassou suas fronteiras, ganhando atualmente uma versão hollyoodiana, estrelada por Richard Guere em Sempre ao seu Lado. (http://www.nucleopet.com.br/htms/npet42-blog-historia-hachiko-monogatari.htm Acesso em: 09/11/2010).
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queriam apenas esquecer a tragédia e retomar suas vidas. Por um lado, as dores da
derrota e por outro, o alívio por tudo ter terminado. Mal sabiam os japoneses que o
Japão estava para renascer das cinzas da guerra e iria, em poucas décadas surpreender e
intricar o mundo por seu desempenho econômico, político e cultural.
Atualmente, o Japão, na maioria das vezes, é posto em reportagens e
documentários ocidentais como um país de contrastes, onde habita o modo de vida mais
avançado devido às tecnologias, por ele desenvolvidas, ao lado do requinte da cultura
tradicional japonesa. Falar do Japão tem se restringido a falar do seu desempenho como
potência econômica e tecnológica. Contudo, é importante perceber que os japoneses têm
ganhado visibilidade desde a década de 1990 por ter aguçado não apenas a curiosidade
da classe empresarial, das organizações comerciais, mas por ter alcançado o povo
comum do ocidente, por estar presente não apenas na loja de automóveis e
eletroeletrônicos, mas por estar nas ruas, nas bancas de revistas, na televisão, na
internet, na música, na moda, nos hábitos alimentares de pessoas comuns que buscam
cada vez mais conhecer a cultura japonesa. Através da cultura pop e principalmente dos
seus ícones, o mangá e o animê, ou seja, quadrinhos e desenhos animados, o Japão se
tornou exportador de cultura, de idéias, valores. Irônico dizer que todas as influências
que os japoneses receberam do ocidente na segunda metade do século XX,
principalmente de Hollywood, do american way of life4, estão sendo devolvidas com
embalagem e características tipicamente japonesas.
Esta pesquisa tem como principal objetivo trazer a tona indícios de como o
Japão adentrou sorrateiramente nossa casa, nossos hábitos sorrateiramente e como,
através dos animês, se tornou um país que incita pricipalmente os jovens brasileiros a
conhecê-lo, reproduzir seus hábitos, sua linguagem, sua moda e a se aproximar cada vez
mais de sua cultura. Utilizei-me então de vários tipos de fontes que abordassem
sobretudo o Japão de hoje, 3
4 American Way Of Life significa “estilo de vida americano”. Um ideal que foi propagado pelos Estados Unidos, principalmente nos anos da Guerra Fria, visando aumentar a influência do Capitalismo ao mostrar abundância e glamour do modo viver, através dos produtos de consumo, referencias artísticas e gostos do povo estadunidense. O american way of life foi desenvolvido na década de 20, amparado pelo bem-estar econômico que desfrutavam os Estados Unidos. O sinal mais significativo deste way of life é o consumismo, materializado na compra exagerada de eletrodomésticos e veículos. http://www.klickeducacao.com.br/conteudo/pagina/0,6313,POR-1307-10082-,00.html Acesso em: 09/11/2010.
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e, entre tantas fontes, são os animês, um dos principais veículos de cultura pop nipônica,
que me deram suporte. Para este trabalho foi indispensável assistir Os Cavaleiros do
Zodíaco, Naruto e One Piece, além de alguns outros animês cuja atenção dada foi
menor. Alguns deles não foi possível ver completamente, pois ainda continuam a ser
produzidos, a exemplo de Naruto e One Piece, que possuem, cada um, mais de duzentos
episódios.
Diferente da década de 1990, quando fãs se utilizavam de uma pequena revista
sobre animação e quadrinhos para trocarem informações através de cartas, hoje eles
podem compartilhar e ter acesso a quase tudo relacionado aos animês graças a uma forte
aliada: a internet, que se tornou a base para o surgimento de novas práticas culturais
entre os jovens do país. E assim, uma das fontes mais utilizadas para realizaçao deste
trabalho foram textos, vídeos, pesquisas divulgadas na internet. Foi não apenas pelo
Orkut5, mas
também pelo bate-papo Messenger6 que pude me comunicar com fãs de outros Estados
e colher entrevistas para concluir esta pesquisa. Com alguns deles eu me relaciono há
mais de três anos em fóruns ou comunidades virtuais, compartilhando informações
sobre cultura japonesa. Foi também com a ajuda da internet que vasculhei vários sites
relacionados ao tema Japão, animê e mangá. E onde também pude conseguir imagens
para análises mais minuciosas dos animês.
Além da internet, uma curta, porém ríquisssima e diversificada bibliografia foi
utilizada, na qual há nomes de jornalistas, sociólogos e historiadores como Chartier, que
me auxilou com sua obra A História Cultural Entre Práticas e Representações, da qual
pude extrair argumentos e me utilizar do conceito de apropriação para reforçar a
posição na qual insisto em pensar a cultura pop japonesa como algo original do Japão,
mesmo que nascida sob fortes influências ocidentais. Para isso, procuro destacar a idéia
de que a uma sociedade é possível receber, reproduzir hábitos de outro povo ao mesmo4
5 O Orkut (ou orkut) é uma rede social de relacionamento onde é possível publicar fotos e vídeos pessoais, criar comunidades em formato de fórum de discussão, enviar e ler novidades "scraps" de sua rede de contatos. Seu nome é originado no projetista chefe, Orkut Büyükkokten, engenheiro turco do Google. (www.creativehost.com.br/suporte/glossario/o.htm) ( pt.wikipedia.org/wiki/Orkut) http://www.google.com.br/search?hl=pt- Acesso em: 10/11/2010 6 Sistemas de mensagens online. Para compartilhamento de informações em tempo real; agilização do processo decisório; reuniões (texto, voz e imagem) online, etc. (www.2u-u.com/2uu20/index.php) ou Programa de mensagens instantâneas, tipo chat. opiniaoenoticia.com.br/vida/glossario-de-termos-tecnologicos/ http://www.google.com.br/search?hl=pt- Acesso em: 10/11/2010
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tempo que os rejeita e os nega, na medida em que é capaz de recriá-los, moldá-los e
torná-los próprios, de acordo os hábitos internos.
A jornalista Cristiane A.Sato e seu Livro JAPOP: O poder da cultura pop
japonesa tornaram-se fundamentais para validar o trabalho no que se refere a
conhecimentos sobre o universo pop japonês na atualidade, seus quadrinhos, sua
música, seu cinema etc. Sato cria o perfil de um Japão que se tornou sinônimo de
modernidade, consumo, um lugar de desejo e do belo, uma imagem exportada devido ao
anseio que os japoneses alimentaram de mudar as imagens de um povo fanático e
desumano criadas em tempos de guerra. E o Livro Uma Nação renascida: breve
história do Japão pós-guerra, de Jun Eto, que menciona algumas das tensões internas
da sociedade japonesa nos anos subsequentes ao segundo conflito mundial.
Para um conhecimento sobre as primeiras preocupações acerca da cultura
japonesa e o pensamento que, por longa data, esteve presente no imaginário brasileiro e
americano em geral, utilizei obras como O Crisântemo e a Espada da antropológa Ruth
Benedict e Próximo e Distante do sociólogo Renato Ortiz. Ruth traz informações de
uma sociedade que se baseia não no fanatismo, mas sobretudo no respeito a uma
hierarquia, base de seus valores e de sua ordem social. Ortiz menciona uma sociedade,
que apesar de seu conservadorismo adaptou-se rapidamente às tranformações culturais
da Globalização, se apropriando do que era mais útil a sua configuração interna.
Outras bibliografias foram importantes para a realização deste trabalho, entre os
quais estão, Cultura Pop Japonesa: mangá e animê de Sonia Luyten e Manga: Como o
Japão Reinventou os Quadirnhos do jornalista inglês Paul Gravett, que trazem perfis
históricos de como os quadrinhos e animações japonesas alacançaram os ocidentais e
inverteram a posição de seduzidos para sedutores culturais.
Também me utilizei da Revista Hitória Viva e sua Edição Especial sobre o
Japão, lançada durante o Centenário da imigração japonesa no Brasil em 2008, da qual
pude extrair passagens importantes da história do Japão e seus primeiros contatos com
estrangeiros. Utilizei-me de uma edição de Revista Veja de 1995, quando esta trouxe
uma matéria especial sobre o primeiro animê de impácto na tevê brasileira. Além de
revistas brasilerias especializadas em animação e quadrinhos japoneses como Herói e
Neo Tokyo, que trazem informações sobre lançamentos japoneses na área de
quadrinhos, animação, música, cinema, moda etc. Uma modesta pesquisa no jornal da
10
Paraíba também foi útil, pois através dela pude encontrar notícias relacionadas à
presença e influência dos animês em Campina Grande-PB, cidade que, como muitas
outras no Brasil, tem em boa parte de seus jovens admiradores do Japão.
Algo que foi de inestimável valor para a conclusão, principalmente do terceiro
capítulo: as entrevistas audiogravadas aos participantes do quinto Encontro Nipon,
ocorrido em 25 e 26 de setembro deste ano, em Campina Grande, e as fotos que estes,
gentilmente, me permitiram tirar de sua performance no evento.
As falas utilizadas são caras à análise e compreensão do universo construído
pela presença da cultura pop japonesa no Brasil. Já que a oralidade permite conhecer a
história dos personagens a partir de seus próprios sentimentos, do que os sensibiliza e o
que os motiva. A história oral “lança a vida para dentro da própria história” e faz do
povo comum o herói da narrativa, “ela pode dar um sentimento de pertencer a
determinado lugar e a determinada época. Em suma, contribui para formar seres
humanos mais completos.” (THOMPSON, 1992:44).
Quanto a importância e utilização destas falas e também das fotografias e
imagens, é inegável que a contemporaneidade é dominada pelas imagens, sejam elas
estáticas ou em movimento, e pelos sons provenientes da tecnologia. A pesquisa
histórica tem se rendido às imagens como fonte e acompanhado os pedidos de nosso
tempo. É a partir das tecnologias implantadas que as fontes históricas têm se
diversificado e enriquecido. A interpretação do cinema, da música, da animação e das
fotografias tornam-se assim linguagens da história, sendo vistas pelos históriadores
“como fontes primárias novas, desafiadoras” (...) fontes audiovisuais (que) devem ser
percebidas em suas estruturas internas de lingagem e seus mecanismos de representação
da realidade, a partir de seus códigos internos”.(NAPOLITANO, 2005; p. 235, 236). É
nesse sentido que os quadrinhos e animações vêm se tornar não apenas tema, mas
também fontes de vital importância.
A escolha do tema Cultura pop japonesa, com destaque para a presença dos
animês, não se deu de forma aleatória. Na década de 1990, quando eu tinha apenas 10
anos, me deixei fascinar, pela primeira vez, por um desenho japonês. Nessa época, não
existia a idéia do animê como designação para animações nipônicas e eu assistia Os
Cavaleiros do Zodíaco como se fosse apenas um desenho extraordinário, cujas
características não eram possíveis de serem copiadas por qualquer outro desenho da
época. Para mim, Os Cavaleiros era o melhor desenho do mundo. Irônico é que,
inicialmente, ao ver a chamada para assistir ao desenho na Rede Manchete, eu ingorava
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e criticava-os, pois os trechos de propaganda mostravam apenas combates entre os
persongens e efeitos especiais, visto que o desenho visava essencialmente o público
masculino. Somente após algum tempo de sua estréia, resolvi assistir apenas um
episódio pela curiosidade de entender o porquê de tantas crianças escreverem para o
programa infantil DudaAlegria - responsável pela apresentação do desenho – se dizendo
apaixonadas pelos Cavaleiros do Zodíaco. Deparei-me justamente com um episódio em
que dois Cavaleiros lutavam até a morte num torneio mundial, porém, nenhum deles
buscava glória e reconhecimento com o combate. Seiya lutava para encontrar sua irmã
desaparecida, na esperança de que ela o reconhecesse através da transmissão
internacional do torneio pela tevê. O outro, Shiryu, buscava agradecer ao seu mestre
pelos ensinamentos e esforços nele investidos em cinco anos de treinamento, de modo
que isso só seria possível se vencesse o torneio. Com motivações tão nobres e humanas,
os fãs ficavam confusos e não sabiam ao certo para quem torcer. No final, Seiya derrota
Shiryu, mas sai gravemente ferido. No entanto, atendendo a pedidos da irmã do
cavaleiro derrotado, Seiya levanta e desfere um último golpe que reverteu magicamente
o risco de morte do oponente, pondo em risco sua própria sobrevivência. Sob gritos
eufóricos do público, o coração de Shiryu volta a bater e ambos, no final de tudo,
tornam-se grandes amigos.
Foi a primeira vez que um desenho animado me arrancou lágrimas e me fez, por
várias vezes, brigar com meus pais, por não me permitirem acompanhar cotidianamente
a série. No colégio, meus amigos compravam bombons com figuras adesivas dos
personagens e trocavam comigo. Na rua, páginas de albuns e posters dos Cavaleiros
eram jogados e levados pelo vento, enquanto nas rádios as músicas de abertura na
versão em português convidavam as crianças a ir para o show do grupo infantil que
cantava as canções do seriado. Os Cavaleiros se tornaram meus melhores amigos de
infância e cheguei a pensar que era possível que existissem de verdade, despertaram
meu interesse por História Antiga e Medieval e embalaram, no início dos anos 90, os
sonhos de meninas e meninos que se identificavam com os sentimentos e valores dos
personagens. Eles eram heróis com poderes magníficos, baseados na mitologia grega, na
astrologia, na mitologia nordica, na mitologia oriental e vestiam seus corpos com
armaduras para defender uma menina de treze anos que representava a deusa mitólógica
Atena.
O animê, ao contrário das propagandas, não se resumia aos combates e guerras,
mas a diálogos longos, situações complexas em que os personagens discutiam sonhos,
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amores, exacerbavam gestos de lealdade, vivenciavam dramas e problemas
humanizados. Eram meninos e meninas órfãos e pobres, que encontravam nos laços de
amizade, a fuga da solidão que tanto amedronta os seres humanos. Enfim, mesmo sendo
heróis com poderes especiais, os cavaleiros, assim como milhares de brasileiros, eram
crianças que viviam problemas comuns aos de muitas crianças no mundo. Isso não
sensibilizou apenas a mim, mas rendeu uma legião de fãs que até hoje cultua Os
Cavaleiros. Pessoas que eram crianças em 1994 e 1995, mas que hoje, adultas,
buscaram conhecer a fundo as produções japonesas, o que as torna tão diferentes das
nossas produções e desvendar o segredo de como transmitir com tanta sensibilidade
características inerentes e próprias de nossa humanidade. Motivada pelo que ficou
conhecido como “a febre dos Cavaleiros”, decidi analisar suas contribuições na origem
de uma nova tribo juvenil brasileira, a tribo otaku, cujos significados iremos discutir nas
útimas páginas deste trabalho.
Cada capítulo a seguir representa gradualmente a expansão da cultura pop
japonesa no Brasil, desde seu potencial geral e em lugares comuns à presença forte de
japoneses e descendentes como Rio de Janeiro e São Paulo como em lugares mais
longínquos, nos quais esse contato só se dá através de fibras ópticas ou sinais via rádio
como Campina Grande, por exemplo.
O primeiro capítulo deste trabalho pretende analisar o movimento de formação
da cultura pop japonesa, buscando compreender como os japoneses foram capazes de
tornar próprios alguns aspectos da cultura ocidental em fusão com seus próprios
costumes. No segundo capítulo, falarei um pouco sobre como os jovens brasileiros,
desde a década de 1990, com a exibição de Os Cavaleiros do Zodíaco, se deixaram
seduzir pela cultura pop japonesa, analisando algumas das principais características dos
animês. Como essa mídia colaborou e colabora para criar novos olhares a respeito do
Japão? No terceiro discutirei como o Japão pop alcançou parte da juventude campinense
a ponto de uma cidade do interior nordestino promover, desde 2006, seu próprio
animencontro, um evento voltado para divulgação e celebração de ícones do pop
japonês.
É para estas questões que este estudo se direciona, muito embora eu acredite que
será preciso outras iniciativas de pesquisas para encontrar respostas que possam
esclarecer melhor o mistério da cultura japonesa.
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CAPÍTULO I
CULTURA POP JAPONESA: IMITAÇÃO OU REINVENÇÃO?
14
I. Cultura Pop Japonesa: imitação ou reinvenção?
Em meados da década de 1990, o Brasil passa a ter um maior contato com a
cultura japonesa. Isso ocorreu graças ao desenvolvimento de um mercado voltado para a
cultura do mangá e do animê. Muito embora o mangá tenha sido introduzido no Brasil
com os imigrantes, a partir de 1945, a leitura de quadrinhos japoneses só começou a se
expandir cada vez mais entre jovens brasileiros com a exibição dos animês na década de
1990, tanto em tevê aberta como em canais por assinatura. Um dos títulos precursores
para expansão do mercado do mangá e do animê no Brasil foi Os Cavaleiros do
Zodíaco, exibido pela extinta Rede Manchete em 1994.
O animê é um ícone caro à divulgação da imagem do Japão contemporâneo.
Tendo ganhado recentemente mais visibilidade, é através dos desenhos animados
japoneses que muitos ocidentais tiveram ou têm o primeiro contato com essa cultura.
Antes de adentrar propriamente na recepção dos quadrinhos e desenhos animados
japoneses no Brasil, se faz necessário entender que tipo de cultura é essa que nos chega
atualmente e a partir do que e de qual momento ela se formou.
A história do pós-guerra deixa claro que foi graças à ajuda estadunidense que os
japoneses conseguiram reerguer a economia do país arrasado pela guerra. Apoio não
apenas financeiro, mas a aplicação de regras políticas que o governo japonês deveria
seguir e orientar a população a fazer o mesmo. Teria sido de interesse dos Estados
Unidos que o Japão se tornasse um forte aliado do bloco capitalista durante a Guerra
Fria, já que este país se localizava estrategicamente em fronteira com a China comunista
e próximo à União Soviética.
É comum dizer que os japoneses assistiram pacificamente e resignados a entrada
das tropas estadunidenses em seu país, pois, cansados do sofrimento da guerra, da
corrupção dos governantes, estes queriam apenas esquecer o que houve e retomar suas
vidas. O escritor e crítico literário Jun Eto, natural de Tóquio e autor de Uma Nação
Renascida: Breve História do Japão pós-guerra, escreveu sobre a passividade japonesa
diante da ocupação que os japoneses tendem a resignar-se a infortúnios humanos como
se fossem catástrofes naturais. Em Hiroshima, muitos deles vitimados pela bomba
atômica aceitavam isso como uma calamidade natural e “reconciliaram-se com a dura
realidade da derrota, como os pacientes camponeses se resignam com a destruição
provocada por um tufão”. (ETO, p. 13-14).
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No entanto, é equivocado tomar essa “resignação” por mera submissão às forças
de ocupação e acreditar que, tendo a população japonesa caído em si, ao perceber que
haviam perdido a guerra, significava também que estes estavam dispostos a aceitar
prontamente as exigências dos vencedores. O próprio Jun Eto se mostra nacionalista e
crítico das interferências por parte dos Estados Unidos nas decisões políticas, econômicas
e sociais do Japão anos subseqüentes ao conflito, que tentavam lhe impor termos
democráticos estranhos à sua tradição. Como uma nação tão convicta de sua grandeza
poderia ter acatado a derrota sem nenhuma resistência significativa? Mais prudente que
apenas tomar os japoneses por uma nação que simplesmente se submeteu é pensar sobre
como os Estados Unidos estudaram com cautela os costumes japoneses, tendo o cuidado
de observar que tipo de política seria mais plausível inserir para impedir sublevações após
a rendição. Perceber a importância da hierarquia na sociedade japonesa, foi importante
para entender que o imperador, representando o cume dessa hierarquia deveria ser
mantido, ao menos que simbolicamente, em sua posição.
A antropóloga Ruth Benedict foi incumbida pelo governo dos Estados Unidos da
missão de estudar a cultura japonesa durante o período de Guerra (BENEDICT, 1972; p.
11). De acordo com a antropóloga, os japoneses devem ser entendidos a partir de seu
condicionamento à hierarquia de sua sociedade, o que ela coloca como “assumir a
posição devida”. Não destituir o imperador, ao contrário, pedindo-lhe que rogasse ao
povo que colaborasse com as forças estadunidenses exigiu dos japoneses que tomassem a
posição que lhe cabia naquele momento, a de nação derrotada. Os japoneses logo
compreenderam que restava então, mostrarem-se dignos de respeito mesmo que
apequenados diante da derrota. Aceitar essa posição é uma das características mais
importantes na sociedade japonesa, pois:
(...) o respeito à hierarquia estava muito condicionado à noção de reputação, pautada pela vergonha, e, ademais, à condição de devedores em que os japoneses se colocavam. (História Viva – Japão: 500 anos de História, 100 anos de imigração 2; 2008; p.2)
Manter o imperador no topo dessa hierarquia tornou a administração do Japão
menos atribulada do que os Estados Unidos esperavam. Pode-se então inferir que os
japoneses não estavam simplesmente se submetendo ao ocidente, mas assumindo sua
nova posição diante o mundo.
16
Isso não simplifica dizer que não houve qualquer reação dos japoneses à sua
nova condição. Nos anos pós-guerra houve protestos de caráter nacionalista contra a
nova constituição elaborada pelos Estados Unidos e contra a proliferação de novos
hábitos na sociedade japonesa entre as décadas de 1950 e 1960. O suicído de Yukiu
Mishima7 chocou o país e significou um protesto contra a perda dos valores tradicionais
japoneses. Fala-se assim, em crise identitária quando, não tendo como escapar à
influência ocidental, os japoneses, que dependiam de importações ocidentais pelo fato
de sua agricultura estar devastada e sua indústria completamente destruída, passam
gradualmente a introduzir hábitos ocidentais à sua cultura, como por exemplo, comer
chocolates, tomar Coca-Cola, usar termos em inglês para se comunicar. Nasce uma
adoração por tudo que representava o ocidente, um voraz ímpeto consumista e a
importância da vida material em revés à ideia de frugalidade vigorante antes e durante a
guerra. Havia um conflito entre os japoneses mais velhos e a nova geração. Os
primeiros defendendo a tradição, os segundos repudiando esse mesmo tipo de vida que
consideravam retrograda e um obstáculo à modernização japonesa (ETO, 1976; p. 20 e
32).
Na década de 1950 inicia-se um rápido desenvolvimento das comunicações e a
indústria japonesa que engatinhava passou a produzir em qualidade inferior, mas com
preço acessível, tudo o que os japoneses não tinham possibilidades financeiras para
importar, produtos que lhes enchiam os olhos em cenas de filmes de Hollywood. O
cinema hollywoodiano chega aos japoneses e os deixam fascinados com a abundância, o
luxo e o materialismo da vida estadunidense. Se desenvolvendo pouco a pouco e se
espelhando nesse materialismo, o Japão superou potências como Estados Unidos e
Alemanha na venda de veículos automobilísticos, superando a qualidade na produção de
eletrodomésticos, eletroeletrônicos, microchips e todo tipo de tecnologias para
computadores, Enfim, tudo que os japoneses aprenderam com os ocidentais eles não
apenas aperfeiçoaram, adaptaram às necessidades da nova sociedade japonesa e,
posteriormente, absorveram mercados estrangeiros para seus produtos. Atualmente, o
Japão não é exportador apenas de tecnologias, mas se tornou exportador cultural. Na 5
cidade de Campina Grande, por exemplo, é possível observar fortes indícios da cultura
japonesa.
7 Yukiu Mishima era dramaturgo e escritor neo-nacionalista, que chocou o país com seu protesto contra o desaparecimento dos valores militares na sociedade japonesa, cometendo suicídio ritual no quartel-general das forças de Auto-defesa de Tóquio (SATO, 2007; p.19).
17
Figura 1: Todas as fotos foram tiradas em estabelecimentos e de produtos na cidade de Campina Grande. Correspondem respectivamente à loja da empresa Yamaha (Rua Floriano Peixoto); Fuji Filmes (Centro); pick-up Mitsubishi (observada no centro); Restaurante Yoi e logomarca do Restaurante Daikon no bairro da Prata; agendas Hello Kitty, cadernos Naruto e Power Rangers encontrados na casa do Colegial (Centro); quadrinhos Turma da Mônica jovem, Luluzinha em estilo mangá fotografadas na banca Revistalândia (Praça da Bandeira); bonecos do anime Dragon Ball Z, encontrados na loja Davi Variedades no Shopping popular (Centro);embalagem de Miojo, macarrão instantâneo idealizado por japoneses e muito popular no Brasil; Bonsai utilizado como logomarca de pousada campinense (Centro); propaganda da empresa Osaka, Concessionária Mitsubishi (Tirada na Av. Almirante Barroso). Todas afirmam a presença ou apreciação de produtos e cultura japonesa. Fotografadas em: 19-10-2010. (Fotos de acervo pessoal, capturadas em outubro de 2010)
Uma cultura pop, de massa e voltada, sobretudo, para o consumo. Esta cultura
está cada vez mais presente no cotidiano. Não apenas na leitura dos mangás, na exibição
dos animês em residências brasileiras ou na internet em comunidades virtuais de jovens
que se dizem apreciadores de cultura japonesa, mas também nos seus hábitos
alimentares, o consumo da moda, da música, na absorção de valores que se mesclam e
originam um hibridismo cultural que nos saltam aos olhos por sua presença sutil no
cotidiano.
O Japão não somente absorveu a cultura ocidental, mas é inegável que ele a
adaptou às novas necessidades de uma nova geração voltada para o consumo. No
documentário White Light Black Rain (Luz Branca, Chuva Negra,) produzido em 2007,
18
expondo e entrevistando vítimas sobreviventes das explosões atômicas, uma das vítimas
conta que os soldados dos Estados Unidos chegavam constantemente com suprimentos
e que eram gentis, dando-lhes chocolates e chicletes. Seria este um dos primeiros atos
que apontavam para a introdução de novos hábitos alimentares no Japão? O que era
então considerado “símbolos do inimigo” e por isso repudiado pelos japoneses durante
o governo militarista, começou a invadir o mercado japonês desenfreadamente. A
música, o cinema, jornais, revistas, comics, produções de Hollywood e big bands
(bandas musicais pops) estadunidenses, expressões em inglês tornaram-se corriqueiras
entre os jovens e a coca-cola passa a fazer parte do cardápio. (SATO, 2007; p.14).
A partir desta grande intervenção ocidental, mais precisamente dos Estados
Unidos, surgiu a cultura pop japonesa embalada pela indústria fonográfica, o cinema, os
quadrinhos, os desenhos animados, as novelas e a moda. Os japoneses têm essa
capacidade de acolher culturas externas e delas separar o que lhe parece mais útil a sua
própria. Parece desnecessário dizer que o pop japonês não se fez apenas com a cultura
do ocidente, mas com uma mescla entre esta e a cultura japonesa.
A cultura pop é caracterizada, sobretudo, pelo impacto da industrialização e da
massificação nas sociedades contemporâneas. Ela faz uso da mídia (música, cinema,
televisão, editoriais) para criar e divulgar novos ícones e contos que alcançarão o povo
de uma sociedade dita moderna, criando novas referências, estabelecendo novos
comportamentos, gostos e valores. O que integra a cultura pop é necessariamente algo
que tem ou teve grande identificação popular, permanecendo na memória geral e
tornando-se referência comum (SATO, 2007; p.12). Pode também ser basicamente
caracterizada por aquilo que está na moda e pode vir a se tornar tão banal a ponto de
fazer parte de um conhecimento universal de um povo. Sato exemplifica este tipo de
banalização mencionando Carmen Miranda:
Que brasileiro digno deste adjetivo não ouviu falar de Carmen Miranda? Raros são os estrangeiros que não relacionam Carmem Miranda ao Brasil. A mera citação do seu nome gera na mente imagens da mulher sorridente, com turbante na cabeça, saia de frutas, sapatos de plataforma altíssimos, revirando as mãos no ar e chacoalhando pulseiras de balangandãs, cantando “Mamãe Eu Quero” ou Tico-tico no Fubá”, sem necessitar maiores explicações. (SATO, 2007; p.13.)
19
Sem dúvida alguma Carmen Miranda se tornou um ícone pop brasileiro.
Todavia, para ser pop não é preciso atravessar as fronteiras do país. Desse modo, a
cultura pop japonesa se formou no Japão, inicialmente para os japoneses, ao contrário
do american way of life, que desde o início tencionava expandi-r se mundialmente e
frear as influências do bloco socialista durante a Guerra Fria.
Devido à influência cultural do american Way nos anos pós-guerra, o Japão se
refez em muitos de seus aspectos bem diferentes daqueles que estavam impregnados à
sua cultura antes da ocupação. Visando atingir o quadro moderno que o caracteriza nos
dias atuais e construindo sua imagem como uma nação pacífica e diplomática, aparece
no discurso ocidental como um país de contrastes, onde o tradicional coexiste com o
moderno em equilíbrio. Alguns intelectuais e até mesmo alguns leigos compartilham da
ideia de que o Japão acabou se descaracterizando devido à grande influência dos
Estados Unidos e que mesmo havendo algum tradicionalismo, a cultura japonesa – essa
que nos chega pelas mídias – é, senão completamente revestida, muito mais ocidental
que propriamente japonesa. 6Um artigo publicado no XIII Congresso de Ciência da Comunicação de autoria
do estudante Gustavo Dore8, lança a ideia de que quando consumimos o pop japonês
podemos estar apenas “consumindo produtos americanos10 com uma maquiagem
japonesa”, pois os próprios japoneses utilizam esta estratégia para vender no mercado
interno japonês, com apelos de celebridades estrangeiras em várias propagandas.
Todavia, embora os japoneses apreciem o consumo de produtos ocidentais, isso não
deve nos levar a pensar que seus produtos são apenas descaracterizados. Há
ressignificações e apropriações mesmo no modo de consumir. As leituras feitas acerca
da absorção de costumes e hábitos ocidentais levam mais a crer que os japoneses podem
muito bem ter se apropriado de vários e abundantes aspectos estadunidenses e deram-
lhe não só nova roupagem, mas de acordo com suas próprias necessidades culturais
internas, sejam econômicas, políticas, sociais eles a reinventaram. Afinal, o que tornaria
8 Gustavo Dore, na época em que publicou o artigo era graduando em Comunicação Social pela UFJF, Bolsista PET (SESu/MEC) e cursou um ano do curso na Universidade de Kanda para Estudos Internacionais em Chiba, Japão. http://www.petfacom.ufjf.br/arquivos/artigos/Japao,_explodindo_subcultura_Cultura_e_Midia_japonesa_no_Brasil.pdf Acesso em 18/11/2010.
9 Quando diz “americano”, o autor se refere aos produtos dos Estados Unidos
20
o pop japonês mera cópia da cultura ocidental? Ao chegar numa cidade como Tóquio
seria possível dizer que é o mesmo que estar em Nova York?
Os japoneses se adaptaram às mudanças no pós-guerra e mais que isso, eles não
simplesmente copiaram uma cultura que lhe foi imposta. Estas adaptações passam pelas
necessidades de também manter uma tradição dentro da própria sociedade. A
antropóloga Ruth Benedict, em seu estudo sobre o Japão nos tempos de guerra, acredita
que a qualquer tribo é possível compartilhar 90% de seus hábitos formais com povos,
vizinhos, e que isso pode se dar de forma a que os adaptem para que se ajustem a seu
modo de vida e seu próprio conjunto de valores que não seja compartilhado com sua
vizinhança. E, em meio este processo é possível e comum a rejeição de “algumas
disposições fundamentais que, embora pequenas em proporção ao todo, mudam seu
curso de desenvolvimento futuro em uma direção específica”. (BENEDICT, 1972; p.16)
Nesse caso, o Japão pode ter se tornado um país capitalista guiado por fortes influências
ocidentais, muito embora seu povo não tenha se tornado menos japonês e sua cultura
menos japonesa. Significa também dizer que embora os japoneses tenham se mostrado
receptivos ao estilo de vida ocidental, estes reconstruíram, reelaboraram e reproduziram
este estilo de vida de acordo com as possibilidades e necessidades de sua própria
sociedade.
Um exemplo claro que pode ser usado é o da sua indústria no final da década de
1950, que reproduzia em qualidade inferior, produtos cujo consumo só era possível
através da importação. Algo que o padrão de finanças do japonês médio não alcançava
ainda. Devido à impossibilidade de importar aquilo que viam nas telas do cinema
ocidental, surgiu a iniciativa de produzir eles mesmos os produtos que se tornaram
sonho de consumo dos japoneses, favorecendo dessa maneira, ao mercado interno.
Pode-se ainda dizer que existiu uma bricolagem no que diz respeito à aderência
japonesa ao american way of life, quando observamos que os japoneses envolveram a
cultura pop estadunidense com aspectos típicos de sua própria cultura. Um exemplo
pode ser dado, ao fazer uma ligeira comparação com o Brasil: as bandas de Heave Metal
brasileiras procuram cantar suas músicas em inglês fluente, porém, no Japão, o J-rock
(roque japonês) é cantado em seu próprio idioma e mesmo que a maioria dos arranjos
sejam ocidentais, eles podem ser combinados com instrumentos musicais típicos do
Japão. Existem sim bandas que cantam trechos ou a letras completamente em inglês, o
que poderia ser definido mais como hibridismo que como pura imitação. Mas,
principalmente quando se trata de “importação de programas televisivos, o Japão se
21
apresenta como mercado autônomo pouco influenciado pelas realizações estrangeiras”.
(ORTIZ, 2000; 162)
O sociólogo Renato Ortiz salienta ainda que não é que o Japão não se deixe
receber influência externa, mas que tendo já recebido estas influências, passou a
produzir em casa e se utilizar de suas próprias produções ao invés de continuamente
importá-las, desfavorecendo as produções nacionais. O cinema é originalmente uma arte
ocidental, mas no Japão, é o cinema nacional que bate record de bilheteria,
ultrapassando fenômenos do cinema hollywoodiano, o que significa que temáticas e
abordagem ao estilo japonês ainda são os mais apreciados. Os filmes japoneses contam,
sobretudo, histórias inerentes ao imaginário japonês, abordam temáticas presentes nas
preocupações da sociedade japonesa, mesmo que figurinos ocidentalizados façam parte
dos recursos de produção, o que é intrínseco à cultura e tradição ainda perdura.
Ingenuidade pensar que uma sociedade se tornou mera cópia de outras ou que mesmo o
consumidor brasileiro de cultura pop japonesa é tão tolo a ponto de nem sempre saber o
que está consumindo e o que realmente lhe agrada. O fato do produto, em muitos casos,
apenas parecer japonês nem sempre ludibria os apreciadores da cultura pop japonesa. E
para isso pode-se usar o exemplo do que ficou conhecido como pseudo-animês. Estes
são desenhos ocidentais que usam características dos mangás. Devido à expansão do
mercado de mangás nos Estados Unidos, é cada vez mais comum os estúdios de
animação investirem e renovarem seus designers com as influências dos quadrinhos
nipônicos. Desenhos animados como Ben 10, os Novos Titãs, Avatar, As Espiãs Demais
são todos influenciados pelas técnicas japonesas de animação. Obviamente, para quem
não está familiarizado com animês é natural pensar que são a mesma coisa. No entanto,
os apreciadores sabem discernir o “desenho” do animê10. 7No ocidente, a indústria de quadrinhos é tímida se comparada ao Japão, mesmo
quando se trata de heróis renomados como Superman, Batman, Homem Aranha etc.
Para o Japão, a indústria de quadrinhos é uma das mais importantes e movimentam
trilhões de ienes por ano, devido a sua influência sobre diversos outros setores como
moda, papelaria, brinquedos, eventos, animação dentro e fora do Japão. O mangá, como
o conhecemos, deve suas características mais contundentes a Ozamu Tezuka.
Considerado, no Japão, o “Deus dos Mangás” (Manga no Kami-sama), Tezuka,
10 Para fãs de animação japonesa, desenhos são desenhos, animês são animês. Os primeiros são sempre ocidentais; os segundos são sempre japoneses. (http://discussaosobreanimes.blogspot.com/2010/05/anime-nao-e-desenho.html Acesso em: 18/11/2010)
22
inspirado pelo cinema ocidental, em 1946, publicou “ShinTakarajima”( “A Nova Ilha
do Tesouro”) que:
(...) trouxe inovações para os quadrinhos produzidos na época. Tezuka desenhou uma história longa, na forma de um storyboad de animação ao qual acrescentou balões com falas e onomatopéias, transferindo técnicas de narração cinematográfica ao mangá e fazendo com que o leitor tivesse a impressão de estar vendo um filme em ação. Esta forma aparentemente simples, mas revolucionária, de fazer quadrinhos teve um impacto e uma aceitação tão grande que 400 mil exemplares de “Shin Takarajima” foram vendidos logo em seu lançamento, tornando-se o primeiro Best seller do pós-guerra no Japão e dando início à primeira onda de intensa produção de mangás no pós-guerra em Osaka. (SATO, 2007; p. 126)
“Shin Takarajima” é um mangá de modalidade Shounen mangá, ou seja, feito
especificamente para meninos e conta as aventuras de um garoto que busca uma ilha do
tesouro, dirigindo seu carro em alta velocidade e enfrentando em sua aventura vários
malfeitores.
Figura 2: Seqüência de quadrinhos do mangá Shin Takarajima de Ozamu Tezuka: Imagem escaneada do livro Mangá: Como o Japão reinventou os quadrinhos de Paul Gravett, 2006; p.31).
23
As imagens acima mostram partes do mangá “Shin Takarajima” e como foi feita
a introdução de movimentações cinematográficas por Tezuka. Paul Gravett explica que
estas imagens geram a sensação de ação constante, impulsionando os personagens com
distorções de velocidade, imagens e onomatopéias representando efeitos sonoros, o suor
na face, dando a impressão ao leitor de muita ação e dos sentimentos que o artista deseja
transmitir. (GRAVETT, 2006; p.32). A aproximação de algumas cenas gera a ideia de
close de uma câmera de cinema. Desenhos com cabelos pontudos, olhos grandes para
dar maior expressividade são as características mais marcantes da obra de Tezuka, que
foi claramente influenciado pelas animações da Disney.
Ozamu Tezuka também foi um dos pioneiros na produção de animação para a
tevê. No início dos anos sessenta, ele criou um sistema chamado limited animation, que
possibilitou a redução dos custos para a produção de animações. Algo que só foi
possível graças à onda de prosperidade da economia japonesa, na época, nomeada pelos
ingleses como “milagre japonês”. Foi graças ao método super econômico desenvolvido
por Tezuka que seu mangá, “Tetsuwan Atomu”, adaptado para animação e conhecido
no ocidente como Astro Boy, deu início a era dos animês para televisão.
Esse breve relato sobre o pioneirismo de Ozamu Tezuka tem o objetivo de
explicitar não apenas a influência que arte do mangá e do animê encontra no cinema
ocidental, mas também considerar o que levou o criador do mangá moderno a se dedicar
com afinco a essa arte em tempos tão difíceis como a década de 1950. Ozamu Tezuka
era formado em medicina e quando adolescente vivenciou os horrores da Segunda
Guerra Mundial. Sensibilizado com o cenário de destruição que os ataques aéreos
causaram em sua cidade, Osaka, decidiu que queria ajudar a curar as feridas do povo
japonês seja como médico, seja levando otimismo e mensagens de paz, respeito através
dos quadrinhos e contar histórias para aqueles que traziam as feridas da guerra. O Japão
precisava de uma válvula de escape e as pessoas precisavam de esperança para o futuro.
As necessidades subjetivas do povo japonês inspiraram muitos artistas a se tornarem
mangakás (desenhista de mangá) e cineastas a desenvolverem obras de conforto,
protesto e apelos. Outros títulos como Ashita No Joe (Joe de Amanhã) e Berusayu no
Bara (Lady Oscar, A Rosa de Versalhes) retrataram idéias vigorantes na sociedade
japonesa da época. O primeiro trazia valores japoneses de antes da ocupação, como
sacrifício extremo por um ideal. No caso de Lady Oscar, obra dos anos 1970 de
24
modalidade Shoujo mangá (mangá para garotas), representou, para as japonesas, a
figura da mulher tentando se emancipar.
O início dos anos 70 foi uma época de grande agitação no Japão: a era das manifestações estudantis e do movimento feminista. Um número crescente de moças preparava-se para romper laços conservadores que as mantinham exclusivamente n vida doméstica e ir para o mercado de trabalho, almejando a independência financeira e a realização pessoal [...] (SATO, 2007; p. 50-51).
Assim, Lady Oscar, mangá que conta a história de uma moça, filha de um
general da guarda francesa do século XVIII, que foi criada como homem, defensora da
monarquia e se tornará uma revolucionária idealista, sensibilizada com as injustiças de
sua sociedade viria a se tornar uma inspiração para as jovens japonesas que buscavam
sua emancipação nas últimas décadas do século XX.
Todavia o mangá não é algo que aconteceu no Japão somente no pós-guerra. Foi
uma artista chamado Hokusai que, no século XIX, cunhou a expressão mangá para
intitular uma coleção de desenho caricaturais e humorísticos sobre diversos temas que
se tornou muito popular e tornou a expressão mangá sinônimo de “desenho
humorístico”. O mangá de antes da Segunda Guerra já tinha tido influências das HQs
(sigla de história em quadrinhos) ocidentais desde a Era Meiji, quando os contatos entre
Japão e ocidente haviam se restabelecido. Vários quadrinhos foram criados satirizando o
choque cultural entre os dois povos. Mas logo os Japoneses aprenderam com os
ocidentais que o mangá também serviria para abordar vários outros temas de seu
interesse, como a política, o amor, a guerra, as suas crenças. Através de Ozamu Tezuka,
no pós-guerra, houve então uma junção do que era o mangá de antes e as novas técnicas
cinematográficas ocidentais.
A cultura pop japonesa tem sua base na cultura de consumo, nos valores
erguidos nas décadas de 1950 e 1960. Após a derrota a Segunda Guerra mundial, o
nacionalismo e a auto-estima dos japoneses sofreram um baque. Isso teria gerado na
população um complexo de inferioridade em relação ao ocidente, o que levou a uma
aceitação e à tentativa de imitação de tudo que representasse os Estados Unidos. Assim,
os japoneses tentaram sim copiar o modelo de vida ocidental, sem o menor propósito de
transformar sua cultura. O que eles almejavam mesmo era substituí-la. Isso afetou de
maneira especial os jovens das décadas de 1950 e 1960 que discordavam dos valores
25
anteriores à guerra e tentaram refletir na adoção dos estrangeirismos o desejo de estar
em sintonia com o que acreditavam ser o mais moderno e sofisticado. Esse tipo de
comportamento foi identificado como gaijin konpurekusu (complexo de estrangeiro).
(SATO, p.215). Para Chartier:
(...) a cultura da maioria pode em qualquer época em virtude de uma colocação à distância, construir um lugar ou instaurar uma coerência própria aos modelos que lhes são impostos, à força ou com sua concordância, pelos grupos ou pelos poderes dominantes. (CHARTIER, p.60).
O que tenho em mente não é fazer uma apologia à cultura japonesa como tal,
tampouco dizer que esta sofreu alterações irrelevantes com a influência ocidental. O que
prima este capítulo é colocar em questão a maneira como o Ocidente tem caracterizado
a cultura japonesa moderna como se esta fosse mera cópia da nossa cultura, deixando de
levar em consideração a capacidade que cada sociedade tem de renovar-se, reinventar-se
de acordo com os seus anseios e necessidades. O ocidente, freqüentemente coloca o
Japão como a nação resignada, submissa aos Estados Unidos, principalmente durante o
pós-guerra, sem levar em conta que existia, paralelo a este, outro Japão, aquele que
promoveu protestos de caráter anti-americano, que reinventou sua própria indústria, que
teve nos trabalhadores a principal colaboração para seu desenvolvimento, que inventou
sua própria moda, seus próprios hábitos de acordo com a nova realidade imposta ao
Japão que renascia. Isso não é negar a influência ocidental e a introdução do capital
estadunidense na sua reconstrução, mas admitir que o Japão, mesmo durante a
ocupação, se desenvolveu com esforços de sua própria nação, mesmo se debruçando e
admirando o ocidente voluntaria e involuntariamente foi capaz de criar sua própria
cultura pop nos moldes exigido pelo capitalismo.
Sendo assim, é possível pensar que toda essa influência é a verdadeira inspiração
da cultura japonesa de então, e principalmente da cultura pop, porém a cultura japonesa
não deixou de ser japonesa para ser ocidental. Seria apenas absurdo dizer que ela
continua sendo a mesma, mas não que ela continua a ser mais japonesa do que nunca.
O foco do próximo capítulo será a análise de como a cultura dos mangás e,
principalmente, dos animês se expandiu sutilmente no Brasil e desenvolveu novos
olhares e interesses dos brasileiros sobre a cultura japonesa desde a década de 1990 com
exibição de Os Cavaleiros do Zodíaco.
26
CAPÍTULO II
RECEPÇÃO DA CULTURA POP JAPONESA NO BRASIL: A “FEBRE”
DOS CAVALEIROS, CARACTERÍSTICAS DO ANIMÊS E AS NOVAS
FORMAS DE SE VER O JAPÃO
27
II. Recepção da cultura pop japonesa no Brasil: a “febre” dos Cavaleiros,
características dos animês e as novas formas de se ver o Japão.
“A lenda nos diz que os cavaleiros sempre aparecem quando as forças do mal tentam apoderar-se do mundo. Numa era longínqua existia um grupo de jovens que protegiam Atena, a deusa da guerra. Eram os chamados “Cavaleiros de Atena” e sempre combatiam sem armas. Conta-se que com um movimento de mão eles eram capazes de rasgar o céu e de que com apenas um pontapé abriam fendas na Terra. Hoje, de novo, um grupo de cavaleiros com mesmo poder e idêntica coragem chegou à Terra.”(KURUMADA. Saint Seiya – Epi. 01 - As lendas de uma nova Era, 1986)
Ao ler a epígrafe, tem-se impressão de que ela introduz um filme épico, no qual
a mitologia grega é o foco, porém, mesclando-se com valores medievais: deuses que
presenteiam seus guerreiros com força e coragem em troca de sua lealdade. Sem
mencionar a fonte, poucas pessoas, na década de 1990, acreditariam que o trecho acima
foi originalmente retirado de um animê e escrito por um artista japonês, o mangaká
Masami Kurumada, criador de uma série chamada Saint Seiya, que teve repercussão em
quase todo ocidente com o título de Os Cavaleiros do Zodíaco.
Entre as décadas de 1960 e 1980, o Japão, após impressionar o mundo nas
olimpíadas de Tokyo de 1964 e com elevadas taxas na economia nos anos 1970, passou
a ser reconhecido e admirado mundialmente como potência econômica e industrial. Seu
reconhecimento também se deu através de sua cultura pop, como o cinema, por
exemplo. Seus filmes de samurais, gueixas, (SATO, 2007; p. 11) yakuza e arte do
karatê, influenciaram até mesmo Hollywood, que lançou o filme Karatê Kid,
despertando, nos ocidentais, interesse pelas artes marciais japonesas.
No Brasil, esse efeito se fez sentir de várias formas. Nossa aproximação com a
cultura midiática japonesa se deu através de emissoras que inauguraram pela primeira
vez, na década de 1970, a presença de heróis japoneses na tevê aberta, com a exibição
de seriados como National Kid e Ultraman. Na década seguinte, Record, SBT11, e 8
81 SBT é a sigla da empresa televisiva Sistema Brasileiro de Televisão
28
Rede Manchete, principais emissoras nacionais da época, utilizaram, além de filmes e
seriados, muitas animações japonesas em suas programações. Alguns canais como o
SBT, por exemplo, tinham programações deficientes e utilizavam também desenhos e
seriados estadunidenses para cobrir lacunas na transmissão.
No início da década de 1990, o SBT não tinha nada pra passar e repetia um seriado mais de uma vez por dia e várias vezes na semana, sabe. Era até irônico porque o nome do seriado era “História sem fim”. Teve vezes que eu tinha terminado de assistir e em seguida assistia o mesmo episódio. Eu era moleque... Não tinha nada para fazer mesmo. (Adriano -31 anos, assistente em manutenção domiciliar, Campina Grande-PB. Entrevista colhida em 25/08/2009)
“Tapar os buracos” da programação era uma das principais tarefas designadas
também às animações, pois no Brasil ainda reina no imaginário popular que animação é
produção de conteúdo ingênuo ou de baixa qualidade, voltada para o público infantil.
Na década de 1980, títulos de animação japonesa, principalmente, aqueles cuja
protagonista era sempre uma criança aventureira, chegaram aos montes às telinhas
nacionais.
Quando o brasileiro de classe média – pois só este podia ter uma televisão nessa
época - acompanhava as primeiras animações que aqui chegaram nas décadas da 1970 a
1980, provavelmente não tinha uma noção clara de que se tratava de animações
japonesas. Quando assistiam animações como Speed Race (1970) e Super Dínamo
(1973); A princesa e o Cavaleiro (1970-1980); Favos de Mel (1987); A menina das
Flores (1980); Príncipe planeta de 1970; e aos tokusatsu12 da década de 1980, tornavam-
se precursores na apreciação de uma mídia que se tornaria muito popular na década
seguinte, os animês. (Ver anexo I para uma melhor compreensão da trajetória da
animação japonesa no Brasil).
Os animês tiveram, nos anos de 1980, um espaço bem maior do que se acredita
na tevê aberta brasileira. Era uma época de abertura política e com o abrandamento da
censura, empresários como Adopho Bloch, líder da Rede Manchete e Silvio Santos,
dono do SBT, traziam programações ousadas, com filmes, seriados, programas de
auditório e muitos desenhos animados. 9
19 Tokusatsu (em japonês: 特撮=tokusatsu) é uma abreviatura da expressão japonesa "tokushu satsuei" (em japonês: 特殊撮影?), traduzida como "filme de efeitos especiais". http://pt.wikipedia.org/wiki/Tokusatsu Acesso em 26/11/2010.
29
Muitos animês foram exibidos em programas populares como Cometa Alegria e
Clube da Criança na Manchete, Show Maravilha e Bozzo no SBT13. 10Mesmo assim,
muitos desenhos que foram transmitidos não eram reconhecidos pelo público nacional
como animações japonesas. Esse quadro mudou completamente a partir de 1994 e teve
como principal apresentador do conceito de animê o título “Os Cavaleiros do Zodíaco”,
que iniciou não apenas o “boom dos animês” em terras tropicais, como também
preparou terreno para o desenvolvimento de uma cultura entre os jovens a partir de sua
apreciação por desenho e quadrinhos japoneses.
Quando chegou à rede Manchete, Os Cavaleiros14 tinha uma única missão,
popularizar e vender bonecos dos seus personagens em miniatura. Não era esperado
pelos investidores que um desenho tão diferente do que o público brasileiro estava
acostumado a ver ganhasse tamanho reconhecimento a ponto de retardar a falência da
emissora que, naquela época, se encontrava em sérias dificuldades. Uma animação cheia
de cores, com personagens de traços bem definidos, cada um com personalidades e
histórias de vida diferentes e contendo uma fusão dos mitos ocidentais com orientais foi
capaz de deixar aficionado o público entre 12 e 25 anos. Alavancou 13 pontos no ibope
da Manchete, quando no auge de sua transmissão, pontuação que, segundo especialistas,
na época e para uma animação, foi um record. A Revista Herói, que praticamente
inaugurou o tema animê e mangá no país, chegou a dar mais de quinze páginas aos
Cavaleiros, que estiveram presentes na maioria de suas edições.
Lançado, no Japão em 1987, pela Toei Animation, intitulado de Saint Seiya e
baseado no mangá do mangaká Masami Kurumada, Os Cavaleiros do Zodíaco gerou,
entre os jovens, um fenômeno chamado “a febre” dos Cavaleiros (SATO, 2007; p45). O
seriado teve imensa repercussão que virou manchete em alguns dos principais jornais e
revistas do país. A revista Veja, por exemplo, cedeu espaço em suas páginas por duas
vezes, uma em 1994 e a segunda em 1995, quando a série estava em seu auge, não
apenas sendo exibida na televisão, mas também nos cinemas nacionais.
110 Informações extraídas do site InfanTv : A Máquina do Tempo rumo à sua infância! http://www.infantv.com.br/ Acesso em: 09, 10 e 11/2010. 14 Forma abreviada de Os Cavaleiros do Zodiaco. Outra forma muito por fãs para se referir ao anime é sua sigla, CDZ.
30
Ora, em 1994, o público brasileiro estava dividido entre as programações das
principais emissoras brasileiras: Rede Globo, SBT e Rede Manchete. Os programas
infantis na parte da manhã, na Globo, eram Xuxa Park e a TV Colosso; no SBT havia a
Vovó Mafalda e Bom dia & CIA; na Manchete, eram acompanhados os seriados
japoneses (tokusatsu), o programa Duda Alegria e Clube da Criança, no final da tarde.
O público estava sedento por novidade e já fazia certo tempo que não se via nenhum
desenho japonês na tevê. Isso fez com que as peripécias dos Cavaleiros despertassem a
curiosidade do público infanto-juvenil quando transmitidas no programa Duda Alegria,
às 09h30min da manhã e no Clube da Criança à 18h00min da tarde. Os veteranos, fãs de
animação, reconheciam os desenhos japoneses como japanimation, portanto, Os
Cavaleiros se tornou um marco não apenas para a vinda de outros títulos, mas
sobretudo, para o reconhecimento do termo animê como designação de animações
nipônicas.
Tendo em vista que a exibição na TV de “Os Cavaleiros do Zodíaco” em 1994, se tornou o divisor de águas da popularidade do animê e do mangá no Brasil, alguns profissionais do segmento chamam o período anterior a 1994 de “AC” (Antes dos Cavaleiros) e o período posterior de “DC” (Depois dos Cavaleiros).No Brasil os jovens lêem os mangás sem distinção de sexo, mesmo aqueles que no Japão são classificados como mangá para meninas (HAYKAWA, 01 de dezembro de 2008 - Embaixada do Japão no Brasil).15
Se inicialmente, a intenção era vender bonecos, o desenho foi além do esperado,
possibilitando também uma tímida abertura do mercado para mangás e itens
relacionados. Os patrocinadores se surpreenderam com a procura das fitas de vídeos
trazendo longas-metragens da série que venderam 70.000 cópias no ano de 1995, e com
disco da trilha sonora em versões em português, que vendeu mais de 210.000 cópias
(VEJA, 1995; p.96 19/11/1995). Os bonecos dos Cavaleiros do Zodíaco eram os
brinquedos mais desejados no dia das crianças e no natal do mesmo ano. No Jornal da
Paraíba uma matéria sobre a venda de brinquedos do dia das crianças mencionava que11
os bonecos mais vendidos, naquele momento, era da linha dos Cavaleiros do Zodíaco,
réplicas dos personagens da tevê. (Jornal da Paraíba, 8 /10/ 1995).
15 HAYKAWA, Sakiko. Contexto do Mangá e do Animê no Brasil - adida cultural da Embaixada do Japão no Brasil. Traduzido do japonês, 2008. Divulgação e Cultura: Cultura Japonesa. Embaixada do Japão no Brasil. http://www.br.emb-japan.go.jp/cultura/manga_anime.htm e http://www.br.emb-japan.go.jp/; Acesso em 27/11/2010.
31
Figura 3: Pôsteres dos Longas-metragens dos Cavaleiros do Zodíaco na década de 90. O primeiro se refere ao filme A batalha Final, e o segundo, ao filme Os guerreiros do Armagedon. (Imagens extraídas do Site http://saintseyia.sites.uol.com.br em 25/11/2010).
Os pôsteres na imagem acima eram o chamado para as crianças e adolescentes
irem ao cinema prestigiar o seriado. Em todo o Brasil, Cavaleiros tornou-se a atração
dos cinemas nacionais. Segundo a revista Veja, estiveram presentes em 209 cinemas do
país e em julho de 1995, a revista escreveu que:
Nunca um filme estreou no país ocupando tantas salas ao mesmo tempo e poucas vezes um longa-metragem infantil enfrentou concorrência tão feroz numa temporada de férias de julho. (...) Os bonecos dos cavaleiros, importados, também não param nas prateleiras das lojas: 800.000 deles já foram vendidos até agora. Os dominós e quebra-cabeças com os personagens lançados por uma tradicional indústria de brinquedos paulista são responsáveis por 60% de seu faturamento. E também nas bancas de jornais os cavaleiros prometem arrasar: o número 36 da revista infanto-juvenil Herói, dedicado a eles, chegou às bancas com uma tiragem de 450.000 exemplares. (Revista Veja,p.96; 19/07/1995).
Essa adoração generalizada entre os jovens teria entre uma de suas motivações
uma história contada em doses homeopáticas, sendo necessário vê-la até o fim para se
descobrir todo o sentido da trama, com capítulos que se encerram deixando o
telespectador mais curioso ainda no momento em que este imaginava que iria descobrir
todos os segredos da história. Isso deixava muitos adultos confusos por não terem
paciência ou tempo de acompanhar toda a trama, preferindo dessa maneira rotular o
desenho de confuso e amador ao compará-lo com desenhos da Disney, que geralmente
tem em suas aventuras uma conclusão a cada episódio.
32
Personagens misteriosos, relacionados a heróis, seres e deuses mitológicos,
como Hércules, Perseu, Cerberus, Medusa, Pegasus, Andrômeda, Atena, Poseidon e
com poderes mágicos, mas, sobretudo com problemas bem humanizados. Entre muitos
outros aspectos, os cavaleiros demonstram ser, em alguns momentos, nada mais que
jovens normais, com problemas familiares, envolvidos em triângulos amorosos, tendo
decepções, desilusões, mas sempre determinados a enfrentar qualquer obstáculo. Fãs
daquela época ainda hoje relembram o porquê de se sentirem atraídos pelo animê. O
estudante de Letras pela UERJ, Rafael Shuabb diz que:
Os principais fatores que conseguiram me prender a Cavaleiros do Zodíaco foram: forte união entre os personagens (no começo do anime, dois momentos me marcaram muito: quando o Shiryuu quase morre para restaurar a armadura do Seiya e quando o próprio Cavaleiro de Dragão se cega para derrotar o Argol e, assim, salvar seus amigos); valores morais sendo defendidos até as últimas conseqüências (amizade, Justiça. honra etc); a relação entre mitologia e astrologia, dois temas que muito me interessam, e, por fim, a condução dramática das lutas, com a constante superação promovida pelos personagens principais da série (o que, entretanto, é comum a diversos animês do gênero). Uma vez que é um anime que fala sobre guerras entre deuses e seus guerreiros (de modo geral), as cenas violentas são totalmente pertinentes. Além disso, as cenas de violência em Cavaleiros do Zodíaco sempre são permeadas por dramas pessoais, luta por idéias etc. Nunca por pura e simples violência gratuita, sempre há motivo maior que as motiva. Obs: Vale lembrar que no Japão não há censura de desenhos para as crianças e jovens. Naquela sociedade, não há esse tipo de falso moralismo tipicamente ocidental. (Rafael Schuabb, 25 anos, Rio de Janeiro, RJ. Entrevista colhida via Orkut na comunidade Saint Seiya: The Lost Canvas)16
Através das colocações de Rafael podemos analisar vários pontos no roteiro dos
Cavaleiros do Zodíaco. Quando se fala em valores morais, deve-se sempre pensar que
sociedades tão distintas quanto a japonesa e a brasileira podem ter aproximações, mas
geralmente são as diferenças culturais as que mais se evidenciam. A violência, por
exemplo, dita “pertinente” por Rafael é algo a se observar. Ao mencionar que o 12
16Endereço eletrônico comunidade Saint Seiya: The Lost Canvas 7/10/2010. http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=22435107)Acesso ou http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=22435107 em 07/10/2010.
33
personagem Shiryu perfurou os olhos com os próprios dedos para não sucumbir ao olhar
da medusa, isso não é visto, pelo fã, como pura e simples violência, mas como algo
comovente. Desta atitude dependia a vida de seus amigos, Seiya e Shun que haviam
sido petrificados pela magia do escudo do Cavaleiro Algol de Perseu, como é possível
ver na imagem abaixo.
Figura 4: Cenas do episódio 28, O golpe de misericórdia do Dragão de os Cavaleiros do Zodíaco. (Imagem retiradas do próprio episódio 28 de Os Cavaleiros do Zodíaco, através do recurso Print Screen).
Na primeira imagem, Shiryu com olhos feridos destrói o escudo da medusa e
derrota o Cavaleiro de Perseu. Na Segunda, após a batalha, ele reencontra Seiya e Shun
que se livraram do feitiço do escudo de Perseu, cujo poder havia lhes tinha tornado em
pedra, porém lamentam a condição do seu amigo.
Os Cavaleiros do Zodíaco foi interpretado pelos críticos como uma péssima
influência para as crianças, pois reinava a idéia de que o desenho era visto somente pelo
público infantil, além de existir o estranhamento de valores de uma cultura que não se
conseguia assimilar de imediato. À época de sua exibição era considerado
extremamente violento, porque, para a sociedade brasileira, o animê não tinha todos os
pré-requisitos para uma classificação livre. Enquanto no Japão, o mesmo foi feito para
uma faixa etária a partir dos treze anos de idade. Para os apreciadores desta animação, a
violência que conduzia certas atitudes dos personagens era aceitável de acordo com a
finalidade dos atos. A diferença entre estas cenas violentas, ditas “pertinentes”, é que
esses atos não são de violência gratuita, mas que visa alcançar a paz felicidade para
todos. Porém, é preciso lembrar que, a classificação para um ato violento diferente em
ambas sociedades. Para um fã e/ou talvez para um japonês, é natural pensar que as
motivações dos personagens justificam o ato. Para o olhar ocidental, o que é válido é a
exibição do ato em si.
34
A Revista Veja dizia ainda que o desenho era melhor compreendido pelas
crianças do que por adultos, a história parecia não fazer sentido e que umas vezes
exacerbava ação e outras vezes era completamente “parado demais”(VEJA, p.97;
19/07/1995). O que explicaria estas colocações é que o desenho seguia um roteiro que
se distanciava das animações as quais se estava habituado e cuja compreensão só é
possível se acompanhado desde o primeiro até o último episódio da série. Os mais
jovens podiam compreendê-los melhor porque, além de acompanhar atentamente o
seriado, eles corriam de suas escolas, no final da tarde, para ver a reprise do que já
haviam visto pela manhã. Compravam tudo relacionado à série desde revistas até
armaduras de plásticos que eram anunciadas na tevê. Os críticos falavam de um desenho
que incitava as crianças à violência, enquanto a maioria dos fãs veteranos discordava e
explicava o seu ponto de vista. Diziam-se e dizem-se ainda atraídos pelos valores de
amizade, companheirismo e superação em cada personagem, o fascínio pela mitologia
grega e claro, os poderes mágicos e golpes de luz que cada um possuía.
Assim como Rafael, o estudante de Engenharia de Minas, Ricardo Miranda, da
cidade de Catú, na Bahia, relata que:
No início era apenas as armaduras, golpes essas coisas... Hoje em dia... Desde 94, fiquei muito mais próximo de CDZ* por causa da filosofia de superação que o anime transmite. Essa filosofia eu realmente aplico em minha vida. Eu acho que quando comecei ter essa noção de assistir e entender CDZ, eu passei a ser um fã, e não apenas um telespectador. (Ricardo Miranda, 23 anos, residente em Catú, Estado da Bahia. Entrevistado por MSN em 02/10/2010).
Nota-se no discurso do entrevistado que desenho se tornou uma referência. Se
quando criança, ele apenas se encantava com os efeitos especiais, agora que se tornou
adulto, o desenho não deixou de lhe interessar. Isto acontece em razão do animê possuir
um roteiro que articula a fantasia com situações vividas por qualquer ser humano
comum, seja adulto, criança ou adolescente. Através dos Cavaleiros, Ricardo revela ter
construído um modelo de conduta, na qual ele acredita ter aprendido que é preciso
sempre se superar mesmo diante as mais duras dificuldades. Vanessa Bertola do Rio
Grande do Sul, disse que: 13 Quando eu comecei a notar que, diferente daqueles desenhos que eu sempre assistia e apenas serviam pra me fazer rir ou achar bonitinho, CDZ tinha algo a mais, eu tinha no máximo
*Sigla de Cavaleiros do Zodíaco
35
uns 7 ou 8 anos, mas ficava impressionada com os valores ensinados em Cavaleiros, eu chorava, sofria e aprendia. Os Cavaleiros eram e são pra mim como os amigos de caráter,generosos e prontos para dar a vida pelos outros que infelizmente eu jamais tive. (...) no caso de CDZ, até mesmo a violência tinha uma razão de ser, o ideal nunca foi matar e sim lutar pela vida. Bom, pelo menos pra mim foi o que eu sempre notei em CDZ e o que compensava uma cena mais violenta ou outra. (Vanessa Bertolla, 24 anos, Alvorada-RS. Entrevista colhida através do Orkut na Comunidade CDZ/SAINT SEIYA, realizada em 09/10/2010.17
14 Os Cavaleiros do Zodíaco exacerbava ideais de amizade, determinação,
fraternidade, solidariedade, trabalho em equipe, a capacidade de sacrificar-se pelo bem
dos entes queridos. Diferente dos desenhos ocidentais, os japoneses não censuram cenas
onde os personagens podem se ferir ou machucar outrem até a morte. A ideia em pauta
é a do modo de como se aborda ou se justifica o ato considerado violento. Muito
embora os Cavaleiros sangrassem ou não hesitassem em matar o oponente, a história
acontece no contexto de uma guerra sem trégua e onde até mesmo aqueles que nossa
cultura chamaria de vilões possuem valores de honra e lealdade. Para os fãs, é um
desenho que mesmo o que se coloca como violência segue uma lógica. É comum, para
eles, e aceitável ver nos animês, que um personagem ceda sua vida em prol de um bem
maior.
O que é realmente necessário frisar sobre a questão da violência, seja em Os
Cavaleiros, em desenhos ocidentais, filmes ou seriados, é que o ato violento não deve
ser banalizado. A obra a Violência na Sociedade Contemporânea, organizada por Maria
da Graça Blaya Almeida, reflete a idéia de que:
Todos somos potencialmente violentos. A maneira de administrar essa agressividade é que nos diferencia uns dos outros. Alguns encontram formas construtivas para canalizar a própria destrutividade. Mas há os que – influenciados por fatores endógenos e exógenos - costumam descarregar nos outros a sua violência. ( A violência na Sociedade Contemporânea (org. Maria da Graça B. Almeida; p.13, 2010).
17Endereço eletrônico da comunidade CDZ/SAINT SEIYA: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=21702325 Acesso em: 09/10/2010.
36
Figura 5: Imagens oficiais de Os Cavaleiros do Zodíaco criado por Masami Kurumada e produzido pela Toei Animation. Extraídas via internet em: http://www.rodrigoflausino.com/imagens/animes/cavaleiros_do_zodiaco/cavaleiros_do_zodiaco_01.jp; e http://www.os_cav_do_zodiaco.blogger.com.br/Os_Cavaleiros_Criancas.JPG. Acesso em 25/10/2010.
A imagem à direita mostra os cinco Cavaleiros unindo punhos como se
estivessem prontos para dar suas vidas juntos por um ideal. Na imagem à esquerda, os
Cavaleiros parecem adolescentes normais, pousando em um cenário de ruínas gregas,
como se a foto fosse uma lembrança de uma viagem. Com expressões simpáticas e
gestos de irmandade se ver quanto os personagens são próximos entre si. Eis as duas
faces dos heróis japoneses: na primeira, eles vestidos com suas armaduras para salvar a
humanidade e na segunda, como jovens normais que vivenciam momentos comuns a
qualquer ser humano. As expressões em cada uma das imagens são bem contundentes e
capazes de envolver o observador, fazendo com que este compreenda objetivamente os
sentimentos dos personagens.
Outra característica importante do anime é o destaque para a história e mitologia.
“Dar roupagem moderna à mitologia grega, misturando-a com a mitologia oriental foi o
grande trunfo de Kurumada, que criou “uma salada capaz de fazer simbologistas de
plantão delirar, mas ainda suficientemente acessível às crianças”. (SATO, 2007; p.43).
Observe a seguinte imagem.
37
Figura 6. Imagens dos protagonistas Os Cavaleiros do Zodíaco. Extraídas dos seguintes Endereços eletrônicos: (1) Ikki http://diegomaryo.files.wordpress.com/2008/08/011.jpg; (2)Shun http://cdzmania.flogbrasil.terra.com.br/fotos/c/5/1/cdzmania/1178057035.jpg; (3)Hyoga http://cavaleiroslego.blig.ig.com.br/imagens/hyoga.jpg; (4)Seiya e Shiryu http://img84.imageshack.us/img84/1901/bscap0004kp2.jpg; (5)Atena http://jbchost.com.br/henshin/imgmat/2008/09/18_jessica_alba_01.jpg; (6) Santuário de Atena http://i42.photobucket.com/albums/e323/Gemini-Saint/santuarioanoite.jpg
O personagem da imagem (1) se chama Ikki, o Cavaleiro de Fênix. Recebe este
nome porque a constelação que rege seus poderes é a constelação de Fênix, que também
se refere a uma ave mitológica grega que é imortal, pois conta-se que sempre padece em
chamas e ressurge de suas próprias cinzas. O personagem da imagem (2) se chama Shun
e sua constelação regente é Andrômeda e também se refere a uma personagem grega, a
princesa Andrômeda. Segundo a mitologia, ela foi acorrentada como sacrifício a um
monstro marinho para aplacar a fúria de Poseidon, deus dos mares. Na imagem (3)
observamos Hyoga, o Cavaleiro, cuja constelação regente é Cisne. Hyoga é um
representante da mitologia nórdica, sua terra natal é Asgard, onde governa o deus
nórdico Odin. Na imagem (4) temos dois dos personagens mais admirados do animê,
Seiya e Shiryu. Ambos representam a aproximação entre mitologia ocidental e oriental,
já que Seiya tem origem japonesa, mas recebe treinamento na Grécia, onde se torna
Cavaleiro de Pegasus. E Shiryu, embora lutasse por Atena representa lendas, valores e
crenças da cultura chinesa. A imagem (5) mostra Saori Kido, que embora criada no
Japão, nasceu na Grécia e é a representação da deusa mitológica Atena. A última
imagem, um local fictício, o Santuário da deusa e o cenário onde acontece a maior parte
da trama exibindo ruínas semelhantes às ruínas dos templos gregos existentes até os dias
atuais em vários locais da Grécia.
A imagem abaixo mostra o perfil da comunidade virtual no Orkut, intitulada
“Mitologia e Saint Seiya”, possui atualmente 14.398 membros, onde a maioria deles são
jovens que discutem sobre personagens e lendas da mitologia grega, oriental e nórdica,
dentro e fora do contexto do animê.
38
Figura 7: Imagem da página inicial da comunidade do Orkut “Mitologia e Saint Seiya”, adquirida através do recurso Print Screen e acessada em 25/11/2010 pelo endereço eletrônico: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=6371289.
Os Cavaleiros do Zodíaco fez, dessa forma, aflorar no imaginário das crianças e
adolescentes da década de 1990, o ideário mágico da antiguidade, no qual os heróis
míticos poderiam realmente realizar proezas com seus super poderes e permitiu que
estes “renascessem” em uma era moderna. Fizeram com que muitos destes jovens
confundissem realidade e ficção, chegando a acreditar na possibilidade dos personagens
serem reais envoltos numa mescla de mitologia e atualidade, já que embora a mitologia
reinasse, foi num Japão moderno, tecnológico e de comunicação de massa que a trama
teve início, e a princípio mostrando os personagens como pessoas normais.
(SATO,2007; p.45)
Para muitos jovens brasileiros dos anos 90, a mitologia grega foi apresentada
pelos Cavaleiros do Zodíaco. Heróis, deuses, semi-deuses, monstros e outros seres
mitológicos eram enfáticos, despertando curiosidade na medida que se descobria que,
em algum momento da história, houve seres humanos reais que acreditavam na
existência destes seres. Alguns fãs, como Rafael, desde então passaram a se interessar
39
por história e mitologia. Partindo daí, é pertinente questionar: Não seriam os animês,
ricos em temáticas históricas, um importante meio de fazer os jovens aprenderem
história através de uma fonte que os interessa, que os provoque, que os comove e os
chame a atenção? Não seria Os cavaleiros do Zodíaco um bom exemplo?
A proporção de carisma e sedução que cercava o animê foi capaz de atrair até
mesmo um inesperado público feminino. Seu público alvo eram garotos a partir dos
treze anos, já que o mangá e o animê foram produzidos visando o público masculino.
Porém, sua adoração se deu principalmente por meninas entre 11 e 20 anos. Algo que
surpreende quando lemos a sessão de cartas da revista Herói, na época da exibição do
seriado. A revista possuía um bloco intitulado Correio Galáctico, em clara referência a
um torneio existente na série, e nele não é incomum encontrar cartas de fãs que
discutiam sobre os personagens como se estes existissem. Os fãs elogiavam, brigavam e
solicitavam informações pessoais dos personagens como idade, signo zodiacal e até a
sexualidade dos mesmos era posta em questão. Não familiarizados o bastante com o
visual andrógeno dos personagens, os fãs da época não se permitiam pensar que um
personagem masculino poderia ser sensível ou vaidoso. Personagens como Shun de
Andrômeda, por exemplo, tinham sua sexualidade posta em dúvida até pelos editores da
revista.
Curiosas para saber sobre os rumos da história, já que na época a tevê aberta
atrasava a compra de novos episódios e até fazendo correções à revista, meninas
escreviam à Herói solicitando resumos. A leitora Sandra Midori tinha muitos
questionamentos sobre uma das principais abordagens da série. A mitologia grega:
(...) Apesar da minha idade, (18 anos) adoro muito desenhos e sou fã dos Cavaleiros do Zodíaco. Gostaria de fazer uma pequena crítica: vocês erraram o nome do personagem. Nas páginas 7 e 8, escreveram nos quadrinhos: “ Seiya luta sem a armadura” e “Seiya espreita o inimigo”. Na verdade, o personagem no quadrinho é Ike. Ah, queria saber sobre a história do Cisne, Dragão, Pegasus, Andrômeda, Fênix e Athena na mitologia.(...) Sandra Midori Araki. São Paulo-SP. (Revista Herói- Correio Galáctico, nº4)
40
Entre o ano de 1994 e 1996, a maioria das edições da revista Herói quase sempre
os trouxe nas capas a ponto ter sido considerada uma revista quase exclusiva para eles.
De pouco mais que uma centena de números, a revista dedicou 50 capas aos Cavaleiros
alem de matérias sobre eles em quase todas elas.18
Figura 8: Imagens de capa de edições da revista Herói da década de 1990. Imagens adquiridas em http://www.cavzodiaco.com.br/heroi.jsp Acesso em: 25/11/2010.
Publicada a princípio, pela Sampa Editora e depois pela Acme Editora, a Herói
trouxe muitas matérias sobre outros seriados japoneses, desenhos clássicos e filmes de
estréia no cinema. Mesmo com o término da série, a revista continuou com suas tiragens
mais modestas, porém atualmente não é mais publicada.15
Em 1997 cessam as reprises de Saint Seiya na Manchete. Porém, com o mercado
de mangás ganhando adeptos no final do milênio, em 2001, a Editora Conrad publicou
novamente o mangá dos Cavaleiros, obtendo record de vendas. Em 2004, os Cavaleiros
do Zodíaco voltaram à televisão brasileira pela Rede Bandeirantes, levantando
novamente uma considerável audiência. Atualmente estão sendo transmitidos episódios
inéditos da série pela mesma emissora às 08h00min da manhã de segunda à sexta.16
Sendo até hoje cultuado pela geração dos anos 90, este animê consegue, a cada
dia, mais adeptos entre a nova geração. Sua maior comunidade no Orkut “Os
Cavaleiros do Zodíaco”, possui 255.799 membros, a comunidade “Eu adoro os
Cavaleiros do Zodíaco” possui 17.132 membros e a maior comunidade do personagem
principal do animê, “Seiya de Pégaso”, possui 28.568 membros. Estas são as maiores
18 Informações extraídas do maior site brasileiro referente aos Cavaleiros do Zodíaco. http://www.cavzodiaco.com.br/heroi.jsp Acesso em 25/11/2010.
41
comunidades entre muitas outras espalhadas pela rede social. Curioso foi perceber a
existência uma comunidade virtual chamada “CDZ Agência de namoro de Fakes19”
com 3.238 membros, onde fãs da série, com perfis de personagens,17 interagem em
busca de relacionamentos virtuais.
Cristiane A. Sato, quando analisou o fenômeno provocado por Saint Seiya,
expressou bem uma característica de nossa sociedade, um dos vários motivos que
poderiam ter colaborado para aceitação e adoração desse animê entre os jovens
brasileiros. Para Sato,
No mundo contemporâneo, onde se nasce e se vive em zonas urbanas forte e artificialmente iluminadas à noite, as crianças não se reúnem mais a céu aberto para ver as estrelas e escutar histórias sobre heróis e deuses fantásticos, que ligavam a existência da humanidade aos corpos celestes. (...) a tevê foi o meio pelo qual antigas lendas foram contadas com uma embalagem modernizada, e é curioso constatar o apelo que tais lendas ainda exercem numa época em que há menos poesia diante da evolução tecnológica e cientifica(...). Os Cavaleiros mostrou que mesmo no mundo atual ainda há espaço para a fantasia épica, tanto quanto na antiguidade.(SATO, P.46, 2007)
Embora nossa sociedade pareça mais apressada e cética, as pessoas são capazes
de se comover com os heróis épicos representados em Cavaleiros. Isso significa que
talvez nosso tempo não seja mais desprovido de poesia que outras épocas. Essa poesia
está apenas enclausurada, enquanto as pessoas são submetidas à velocidade exigida pelo
nosso tempo. É interessante observar que são os jovens de uma sociedade capazes de
dar visibilidade e nova estética à poesia de seu tempo de acordo com suas próprias
necessidades. Nesse momento, a arte se torna válvula de escape e os Cavaleiros
representaram uma destas válvulas que atingiram mais facilmente a sensibilidade dos
jovens.
Mesmo que Os Cavaleiros do Zodíaco tivesse saído do ar, a porta estava aberta
para a introdução de outros animês na tevê brasileira. Posteriormente foram exibidos
Sailor Moon, Yu Yu Hakusho, Shurato, Samurai Warriows, Super Campeões, na
Manchete; Fly, Gerreiras Mágicas de Reyaerth, Street Figther II e Dragon Ball no SBT.
19 Fake ("falso" em inglês) é um termo usado para denominar contas ou perfis usados na Internet para ocultar a identidade real de um usuário. Fake é um termo usado em relação também aos jogos, por exemplo, quando são falsos e nada está contido lá dentro. Para isso, são usadas identidades de famosos, personagens de filmes, desenhos animados, animes e até mesmo de pessoas conhecidas do dono da conta. Como não se sabe a identidade real do usuário, é comum chamar o seu perfil de fake. http://pt.wikipedia.org/wiki/Fake Acesso em 27/11/2010.
42
Muitas revistas que os traziam como conteúdo principal possibilitaram ao público
jovem um maior acesso e conhecimento sobre o assunto.
A partir de 2000, a adesão aos animês se intensificou ainda mais. Os jovens
começam a discernir a arte do mangá e diferenciá-lo dos gibis. Começam a procurar
quadrinhos japoneses e algumas editoras, de modo cauteloso, passam a apostar no
mercado nacional com a introdução dos primeiros quadrinhos japoneses. Devido à boa
recepção dos animês, o número de mangás aumentou e passaram a ser publicados em
sua forma original, ou seja, lidos da direita para esquerda. Hoje, pode-se dizer que os
leitores de quadrinhos japoneses já superam os leitores de gibis. Essa aproximação
representou um estreitamento das relações entre nossa cultura e aquela que um dia nos
parecia quase impossível de assimilar. Neste ano de 2010 a revista brasileira Neo
Tokyo, especializada em cultura pop japonesa, preparou uma edição para comemorar os
dez anos de mangá em leitura oriental. Desde o ano 2000 as editoras Conrad e JBC são
as principais editoras de mangá no Brasil. A partir de então, foram lançados vários
títulos como, por exemplo, Samurai X (Hurouni Kenshin), Guerreiras mágicas de
Rayearth, Sakura Card Captor, Berserk, Inuyasha, Naruto, One Piece e Hunter X Hunter
(NEO TOKYO, nº55; p.22).
O número de adeptos às produções nipônicas está crescendo não apenas no
Brasil, mas em todo o ocidente, inclusive desafiando a hegemonia das produções em
animação dos Estados Unidos, que se encontra também influenciada pelo que hoje é
conhecido como estilo mangá. Junto com o estilo mangá, vêm os animês e outras
categorias da indústria de entretenimento japonesa, como música, moda, cinema, tevê,
em fim, comportamento e consumo. Desenhos animados como Ben 10, As Espiãs
Demais, Avatar foram criados com características típicas de mangá e Os Jovens Titãs.
Este último, produzido pela Waner Bros, além dos traços e onomatopéias típicos da
animação japonesa, chegaram ao ponto de ter a música de abertura interpretada por uma
banda japonesa Puffy AmiYumi, sendo considerado um pseudo-animê (Murikanime).
No Brasil, por exemplo, gibis como Luluzinha, Turma da Mônica Jovem, e Peter Pã
também foram publicados utilizando traços característicos dos quadrinhos japoneses.
As emissoras passaram a investir mais em exibições. Foram transmitidos pela
Rede Globo Inuyasha, Rurouni Kenshi (Samurai X), Pokémon, Digimom, Bey Blady,
Yugi Oh!; Dragon Ball, Shaman King, Sakura Card Captor e Hantaro; na Rede
Bandeirantes foram transmitidos Tenshi Muyo e Bucky; na rede Record havia
transmissão de Pokemon. A Rede TV! exibiu Full Metal Alchemist, Viewtiful Joe e
43
Hunter X Hunter. A emissora de televisão SBT começou a transmitir Naruto, que até
então angaria fãs em todo Ocidente em proporções que possivelmente alcancem ou
superem os Cavaleiros do Zodíaco. A mesma emissora também transmitiu One Piece,
que teve uma vendagem de mangás muito elevada e é atualmente um dos animês mais
populares do Japão20.
Todavia, para os fãs, emissoras de televisão brasileiras ainda pecam em suas
transmissões e são conhecidas por imposição de censura às séries e dublagens de má
qualidade. Alguns dos animês que chegam a ser transmitidos no Brasil são antes
editados por companhias estadunidenses, que se utilizam de cortes para “adequar” os
animês a sua ideia de “politicamente correto”. 1819
Segundo a adida cultural da embaixada japonesa no Brasil, Sakiko Hayakawa,
embora de Os Cavaleiros do Zodíaco tenham propagado a idéia do anime, essa
popularidade também deve ser atribuída à presença de imigrantes e descendentes
japoneses no país. A história dessas mídias começou após a Segunda Guerra Mundial e
muito antes de sua massificação em fins da década de 1990.
Hayakawa, também acredita que outros fatores tenham colaborado para essa
popularização tais como a “intensa relação de negócios entre os dois países,
intermediada por nikkeis21 e brasileiros residentes no Japão. Com base de negócios no
Japão, o intercâmbio e a conseqüente comercialização de animês e mangás, no Brasil,
foi intensificada”; a “existência de tradutores competentes em grande quantidade
(predominantemente nikkeis)” e elaboração de Fansubs, que consiste em legendas feitas
voluntariamente por grupos de fãs, “constituído por equipe de tradução, equipe de
revisão e equipe de editoração. No dia seguinte ao da transmissão no Japão, já circula na
Internet a versão com fansub”22.
. 20 As informações sobre One Piece foram encontradas no site:
http://www.animesubers.com/2010/05/audiencia-de-anime-na-tv-aberta.html Acesso em 25/11/2010 21 nikkei (em japonês: 日系?) é uma denominação em língua japonesa para os descendentes de japoneses nascidos fora do Japão ou para japoneses que vivem regularmente no exterior. Atualmente calcula-se que existam 2.950.000 nikkeis ao redor do mundo. As maiores comunidades nikkei estão no Brasil (São Paulo e Paraná), Estados Unidos (Califórnia e Havaí) e Filipinas. Há também importantes comunidades nikkei no Peru, China, Canadá e Inglaterra. http://pt.wikipedia.org/wiki/Nikkei Acesso em 27/11/2010 22 (HAYKAWA, 2008; http://www.br.emb-japan.go.jp/cultura/manga_anime.htm; Acesso em: 27/11/2010).
44
Isso se deve pelo fato de o número de animês que chegam à tevê brasileira não atender à
necessidade do público que geralmente baixa seus animês favoritos de sites e blogs
especializados. A maioria dos fãs de animês, brasileiros não nikkeis até preferem assistí-los com
legenda, devido aos erros em dublagens e à censura imposta em muitas seriados.
Assim, a internet acabou, de certa forma, diminuindo a tiragem de revistas sobre
anime. Afora todo potencial da internet, o sucesso estaria também nas histórias
dramáticas que se aproximam do cotidiano, da realidade vivida pelas pessoas. São
quadrinhos e desenhos produzidos para todas as idades, já que no Japão, animê e mangá
são como as novelas para o Brasil.
Todas as faixas etárias lêem, não apenas crianças ou adolescentes. E o mercado desse
tipo de entretenimento é um dos mais importantes movimentando bilhões de ienes por
ano.
Os personagens de animê têm traços bem definidos que expressam suas emoções
com veemência através dos seus olhos grandes, suas cores e alcançam a sensibilidade de
quem lê e ver mangás e animês. Expressões de desespero, ira, bom humor, seriedade,
tranqüilidade, preocupação, tristeza e solidão podem ser observadas de modo evidente
em cada personagem da imagem abaixo.
20
45
Figura 9: Na seqüência personagens Ruffy, Naruto e Saori dos animês One Piece Naruto e Cavaleiros do Zodíaco. As imagens acima foram retiradas das seguintes das seguintes fontes: http://cantodobardo.com/wp-content/uploads/2010/05/Monkey-D-Luffy.gif; Episódio 275 de One Piece cujo título é ”O passo de Robin, a garota que foi chamada de demônio”; http://4.bp.blogspot.com/_FzcKVUsjeT0/S94jKnH5A2I/AAAAAAAAABM/ch81mKqsKa4/s1600/uzumaki-naruto1.png; http://www.narutoimagens.com/img/naruto702651044.jpg; http://farm4.static.flickr.com/3516/3266267717_c71e2fd8f0.jpg?v=0; http://lh4.ggpht.com/_TPcJPEP3uzM/R1a8bd68OMI/AAAAAAAAAEs/7cf1w8Ps1SA/ali5.jpg Acessos em: 25/11/2010.
No primeiro quadrinho da imagem acima, observa-se respectivamente, Ruffy, do
animê One Piece, com duas expressões marcantes de sua personalidade. Ruffy é um
menino borracha, pois comeu um fruto amaldiçoado. Ele busca realizar o sonho de se
tornar o rei dos piratas. Ruffy é geralmente alegre, inocente, amigável e dócil, mas
torna-se extremamente poderoso, forte e ameaçador quando alguém fere seus amigos.
Na segunda seqüência temos Naruto – o personagem principal do animê que
leva seu nome – com uma expressão de firmeza, confiança e seriedade e outra de
tristeza e rejeição. Pergunto-me que telespectador não se comoveu quando Naruto
estava no balanço da escola, sozinho e chorando por não ter conseguido passar no
último exame da escola primária para ninjas, enquanto seus colegas comemoravam com
seus pais. Naruto, garoto de nove anos, aprendiz de ninja e é órfão. Ele tem um sonho, o
de se tornar Hokage, o líder da vila onde nasceu. Dessa forma, ele poderá proteger todas
as pessoas que ama, muito embora tenha sido rejeitado por elas, devido à maldição que
carrega desde que era apenas um bebê. No entanto, aos poucos ele vai conseguindo o
respeito de todos e, assim como Ruffy, consegue fazer amigos em todos os lugares em
que passa.
Na terceira seqüência, observamos a personagem Saori Kido, vestida com a
armadura de Atena, a deusa grega da sabedoria e em seguida a mesma personagem
envolta em luz flamejante, com um olhar que expressa sua divindade e com uma
vestimenta que seria uma versão moderna da armadura da deusa. Mas, Saori é,
sobretudo, uma garota de treze anos, com um grande instinto maternal e protetora de
seus amigos, além de ser apaixonada por um de seus cavaleiros. Tem um corpo frágil e
durante a infância foi muito mimada pelo seu avô, o que a tornou uma jovem egoísta e
autoritária que, somente após o convívio e experiências vividas ao lado de seus amigos,
se torna verdadeiramente madura.
46
Tendo personagens com poderes tão humanos, os quadrinhos e animês não
apenas seduzem os jovens brasileiros por estes se identificarem com a história, com a
criatividade, com a representação do real. Não são histórias que tratam quase que
exclusivamente de um super herói com poderes fantásticos que têm como função
principal livrar a Terra de forças opressoras e extraterrestres. Muito embora este clichê
também exista aos montes em histórias de desenhos e quadrinhos japoneses, o mangá e
o animê também trazem amplamente outras representações. Abordam na maioria de
suas histórias que os vilões da humanidade podem ser os próprios seres humanos e que
em outras situações pode não haver vilões e sim pontos de vista diferentes.
Temas polêmicos como homossexualidade, vida familiar, moda, vícios, política,
história, romances... Os personagens sempre são criados com personalidades bem
distintas, fortes, marcantes, os desenhos cheios de cores, visual andrógeno, com olhos
grandes, expressando emoções contundentes. Personagens que imitam a vida real e
cotidiana, que sofrem, amam, trabalham, que resolvem ou não problemas como uma
pessoa normal, sorriem, choram e passam por situações que qualquer pessoa comum
poderia passar, fazendo com que o leitor ou telespectador se identifique e veja na
história do personagem um pouco de sua própria história. E esse acaba sendo um grande
trunfo do quadrinho japonês. Ele não é feito só para o público infanto-juvenil como
geralmente costuma-se pensar. Ao contrário, o mangá, dependendo de sua história, é
direcionado às pessoas por faixa etária e por gênero. Existem mangás que são dirigidos
muito mais aos rapazes (shounen mangá) e aqueles que são dirigidos mais para meninas
(shoujo mangá), muito embora nada impeça que tanto garotas como garotos leiam o
shounen e shoujo respectivamente.
A cultura dos animês também pode mostrar um lado negativo. Ela é
representante de uma produção pensada totalmente para o consumo. Assim como
qualquer país, o Japão, sendo uma potência capitalista, produz animês visando
interesses econômicos, o que faz com que haja um incentivo de altas proporções ao
consumismo alienado. Mangá e animê, como já foi mencionado, não só se tornaram
uma indústria importantíssima pelo seu potencial educativo, informativo e cultural, mas
sobretudo por movimentar bilhões de ienes por ano. É uma indústria que se atrela a
várias outras categorias de entretenimento, como jogos, papelaria, alimentos, vestuário,
eventos, brinquedos e muitos outros setores. O próprio clássico Os Cavaleiros do
Zodíaco chegou às terras brasileiras no intuito de incentivar a venda de bonecos dos
personagens, uma vez que, no Japão, a companhia de brinquedos japonesa responsável e
47
uma das maiores do mundo atualmente, a Bandai, já havia auferido bons lucros com a
venda destes bonecos na década de 1980. Atualmente, é quase impossível não ver um fã
de Naruto sem uma bandana, um colete, camisetas ou com uma miniatura dos
personagens em eventos que vendem aos montes estes produtos. Mesmo que a cultura
de consumo tenha se tornado característica de países industrializados, no caso das
mídias audiovisuais é necessário educar as pessoas a selecionarem melhor seu conteúdo,
sejam animês, desenhos ocidentais, filmes ou novelas.
Parece óbvio que os fãs de animê queiram comprar ítens relacionados à cultura
pop japonesa, porém, a sua apreciação não se trata apenas de consumir o que deles é
proveniente. Através da presença da animação japonesa, uma série de fatores se pode
constatar, entre as quais está a formação de um novo comportamento, uma nova cultura
entre jovens brasileiros, que passaram a admirar e incutir no seu modo de viver, vários
aspectos do olhar japonês sobre o mundo, seus gostos, crenças, costumes, modos de
vestir, se alimentar, se comportar, amar, se divertir, todos embalados numa mescla de
modernidade, entretanto, sem abrir mão de aspectos importantíssimos da cultura
milenar japonesa. Uma cultura que, para alguns, de certo modo, se põe como alternativa
à cultura estadunidense, embora tenha tido nesta o seu suporte inicial e não alcance
ainda nem de longe suas proporções, com a diferença de que não é uma cultura
hegemônica e que, a princípio, passou a ser buscada voluntariamente.
Graças à influência dos animês, o Japão vem perdendo muito de seus antigos
estereótipos, embora tenha ganhado outros. São eles que levam e apresentam a outras
partes do mundo o olhar dos japoneses sobre eles próprios e são os jovens quem mais
recebem estas imagens.
De acordo com as propagandas de guerra, os japoneses eram um povo frio que,
de um fanatismo extremado pelo seu imperador, não se importavam com mais nada
além de levar o imperialismo japonês adiante. Esse pensamento não foi derrubado
facilmente mesmo com o fim da guerra. E mesmo com o Japão tendo progressos em se
adaptar ligeiramente ao capitalismo e às condições impostas pelos vencedores, algumas
vezes ainda é visto como país que perdeu originalidade, que tenta imitar o ocidente, mas
que mesmo assim, ainda é um país de hábitos estranhos, onde as pessoas comem peixe
cru, usam “pauzinhos” ao invés de talheres, são altamente conservadoras e aficionadas
por trabalho. Ideias mal formadas como: a ideia pura e simples de que gueixas são
prostitutas; japoneses, chineses e coreanos são todos a mesma coisa; todo japonês ler
48
mangá e gosta de animê; o Japão é o país da tecnologia, porém, por ter se ocidentalizado
perdeu quase que por inteira sua tradição e se tornou os Estados Unidos do Oriente.
Ora, é claro que, para ocidentais, comer com hashi, os conhecidos “pauzinhos
que substituem os talheres e são usados pelos japoneses em suas refeições, não é
comum, o que não significa que servimos de modelo para nenhuma outra cultura por
utilizarmos garfo e faca. Em compensação, a culinária japonesa já é uma das mais
apreciadas entre os brasileiros, tanto que o próprio hashi já foi adaptado ao manejo do
brasileiro que não tem prática.
Figura 10. Hashis. Utilizados por japoneses em suas refeições. À direita da imagem, hashis originais e, à esquerda, um hashi adaptado ao manejo brasileiro. (Imagem de acervo pessoal)
Como se ver na imagem, ao invés de soltos, os brasileiros o utilizam o hashi com
uma de suas extremidades presas por uma liga que facilita o manejo e impede que se
perca o equilíbrio quando levar a comida à boca.
Entre a massa perdura ainda a idéia de que orientais são todos iguais, mas para
os admiradores de cultura japonesa e do leste asiático em geral, isso não procede e
muitos deles dizer ser capazes de distinguir etnias e ter suas favoritas. O que pode
significar que os filhos desta geração possivelmente não formem esse tipo preconceito.
Ao contrário do que se pensa, nem todo japonês gosta de mangá e animê. Muitos
deles podem até ler um mangá aleatoriamente e ver um longa-metragem de animação no
cinema, mas isso não significa que todos sejam colecionadores desse tipo de mídia.
Muitos consideram o mangá apenas uma subliteratura, algo comercial.
Com relação à obsessão por trabalho, os japoneses deveras se dedicam ao
máximo, por que reina naquela sociedade a ideia de superação, de dar sempre o melhor
49
de si, cada um fazendo sua parte em prol do crescimento do país. A ética do trabalho é
revestida pelo ideal de comunidade presente nas corporações e firmas japonesas.
Diferente da ética do trabalho no mundo ocidental, o empregado japonês não procura competir em função de uma mobilidade ascensional na empresa. A motivação e a satisfação do trabalho estão estreitamente vinculadas com o sentimento de “comunidade” da empresa, considerada como uma extensão do lar e da família. (HATTNER, 1983, p.15)2321
Se um empregado faz parte de determinada firma, ele terá subsídios tais como
empréstimos para compra da casa própria, serviço médico, transporte e garantias para
educação dos filhos. No entanto, tal empregado deve mostrar-se parte da “família”,
imagem a qual a firma tenciona promover (ORTIZ, 2000; p.96).
Contudo, nem todos os japoneses se curvam a essa mentalidade acerca do
trabalho. Ortiz menciona que, na década de 1980, surgiu um grupo de jovens que
ganhou o título depreciativo de Shinjirui. Era um grupo denominado pela mídia
japonesa de “nova raça” ou uma espécie alienígena por sua recusa em se adequar ao
comportamento padrão cultivado pelos mais velhos. Eram considerados preguiçosos,
sem entusiasmo pelo trabalho, egoístas e sem compromisso pela família, pelos patrões e
desrespeito aos idosos. O que os Shinjirui reprovavam era aquilo que consideravam uma
invasão de privacidade por parte das empresas, ao interpretarem sua política familiar
como um controle das rédeas da vida do trabalhador. Para Ortiz, a temática dos Shinjirui
introduz uma ruptura em relação aos padrões seguidos pelos mais velhos, mas é algo
que não pode ser resumido à preguiça de uma nova geração. O que se coloca aqui é que
os Shinjirui estão rejeitando os antigos valores pelos quais os mais velhos acreditavam
que sem trabalho não são nada e acreditam muito mais na idéia de equilíbrio entre
trabalho e lazer (ORTIZ, 2000, p.100). São características que devem ser analisadas a
partir de suas raízes históricas, de como se formaram valores acerca da ideia do homem
e sua relação com o trabalho foram construídas, para que evitem generalizações.
O Japão pode ser considerado o país da mais alta tecnologia porque, mesmo a
maioria de produtos tecnológicos tenha sido criada pelos ocidentais, eles se têm
23 Henrique Hattner é Professor da FEA (USP), IPT e membro da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças (ABDL). Autor do prefácio da obra Pequena e média empresa no Japão, de Itiro Iida e de onde foi extraído o trecho acima. http://www.espacoacademico.com.br/arquivo/rattner.htm Acesso em 28/11/2010.
50
destacado por aprimorá-las, torná-las mais eficientes desde eletrodomésticos a
tecnologias médicas, mecânicas e de informática. Porém, o fato do Japão absorver com
eficácia o aprendizado de outras culturas, isso não o torna menos nipônico, mesmo que
não se possa dizer que esta sociedade continua a mesma. Essa é uma das principais
lições que os brasileiros estão aprendendo com os animês e que faz com que se tornem,
a cada dia, mais curiosos e apreciadores dessa cultura.
O novo deixa os jovens curiosos e aptos a desvendar os mistérios do Japão já
que esse povo tem conseguido representar com tamanha sensibilidade, o ser humano em
todos seus aspectos. Partindo do encanto e da introdução da cultura pop japonesa em
práticas juvenis, o terceiro capítulo irá refletir sobre o surgimento de um evento, em
Campina Grande, que revela estas mesmas práticas também entre jovens campinenses,
assim como em todo o Brasil.
51
CAPÍTULO III
ENCONTRO NIPON: UMA EXPRESSÃO DA CULTURA OTAKU EM
CAMPINA GRANDE
52
III. Encontro Nipon: uma expressão da cultura otaku em Campina Grande
Otaku não assiste desenho, vê anime. Otaku não assiste especiais, vê OVAs Otaku não assiste filmes, vê MOVIES Otaku não vai pro paraiso, vai para a Soul Society Otaku não vai a ”carnaval”, vai a Eventos Otaku não tem Show de Calouros, tem Talento Otaku Otaku alpinista não usa cordas pra escalar as paredes, concentra o chakra nos pés e sobe andando Otaku não estuda ele usa o sharingan nas provas Otaku não se fantasia, faz cosplay Otaku não vai pra escola, manda um bunshin e eh feliz Otaku não cola , retira informações sem que os mais habilidosos percebam Otaku não ora antes de comer... mas grita “ITADAKIMASU !” Otaku não é idiota, é Baka Otaku não come macarrão, come lamen Otaku não tem ilusão, tem objetivo Otaku não cresce, ele evolui Otaku não mostra o dedo do meio...e sim libera BANKAI Otaku não faz nada errado... quem faz é um bushin Otaku não presta vestibular, presta Chuunin Shiken Otaku não fica bravo vira Super Sayajin Otaku não escreve no caderno, ele escreve no Death Note Otaku não morre vira anime Orkut, acesso 16-10-2010.24
Ler a descrição na epígrafe sobre como se comporta ou deve se comportar um
otaku brasileiro25 deve ser incompreensível a muitas pessoas que ainda não fazem parte
ou estão familiarizadas com este universo. Quem são os otakus26 e que códigos são estes
que eles utilizam, qual lugar eles preenchem na sociedade brasileira atual?
O termo otaku pertence originalmente à língua japonesa e já existia antes da
década 1980, mas não traduzindo o que traduz atualmente, e sim, significando “casa” ou
“vossa casa”. A palavra otaku, com seu sentido atual, foi cunhada pelo jornalista
japonês, Akio Nakamori, em 1983 e, segundo Nakamori, o que caracterizava um otaku
era sua dedicação obsessiva a um hobby, sua atitude introvertida e de isolamento da
sociedade, se rebelando contra as regras sociais e se recusando a assumir as
responsabilidades do mundo dos adultos (NAGADO, 2005; p.55). Ser um otaku, no 22
24 Este texto foi retirado do perfil de um otaku no Orkut. Escrito tal e qual para manter sua
originalidade ignora as regras gramaticais da norma culta da escrita. http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=5886447759173618958 Acesso em 29/09/2010.
25 O termo otaku brasileiro é aqui utilizado para que se possa ter em mente que os jovens que se nomeiam otakus no Brasil não seguem o padrão dos otakus no Japão. Ele foi utilizado também pelo professor Machado em sua tese porque segundo ele é dessa forma que os próprios otakus preferem ser tratados. http://www.anped.org.br/reunioes/32ra/arquivos/trabalhos/GT16-5591--Int.pdf Acesso em 25/10/2010.
53
Japão, tornou-se assim, sinônimo de vadiagem, irresponsabilidade juvenil, e de ser uma
pessoa que, enclausurada no seu próprio mundo, dedica-se apenas às suas manias, seja
animê, mangá, jogos de vídeo game, carros, fotografia, aparelhos eletrônicos, em fim,
um fanático por algo. Nesse sentido, o termo ganhou conotação pejorativa e ainda hoje,
no Japão, taxar ou chamar alguém de otaku tornou-se quase um insulto.
Já no Brasil, ser otaku é simplesmente ser fã de animês e mangás e não precisa
ser fanático por esse tipo de mídia ou leitura, basta apreciar. Ser otaku, no Brasil, é,
segundo Nagado, algo muito distante do otaku em seu sentido original. Os otakus
brasileiros caracterizam-se por serem desinibidos, comunicativos, expressarem com
orgulho seus gostos, chamam atenção com seus gestos e linguagem exclusivos, figuras
completamente distantes daquelas que vivem em casulos e tentam se isolar do mundo
(NAGADO, 2005; p.56). Mesmo assim, devido ao sentido original, o termo, até pouco
tempo atrás e ainda hoje, em menor proporção, é sinônimo de polêmica entre fãs
brasileiros. No Orkut, há algumas comunidades de fãs de animê, nas quais eles próprios
repelem o termo e se consideram mais sensatos que aqueles que assumem a identidade
de otaku. Essa confusão se dá em razão de que, no Japão, o termo tornou-se deveras um
xingamento e muitos fãs brasileiros ainda o entende em sua conotação nipônica.
No entanto, revistas especializadas em animê e mangá foram cada vez mais
promovendo a palavra com sinônimo de fã de animê e comunidades de otakus no Orkut,
nos fóruns, sites específicos não pararam de crescer no Brasil, que atualmente tem em
sua juventude uma das maiores apreciadoras de cultura pop japonesa27. Muitos deles
fazem questão de dizer: "Sim, eu sou otaku". A comunidade no Orkut intitulada: "Sou
Otaku, com orgulho!" possui atualmente 35.529 membros e a "Otaku não morre, vira
anime" 37.663 membros; "Vou ficar velho vendo anime" possui 42.906 membros, onde
os fãs trocam informações sobre personagens, downloads, paqueram e discutem temas
polêmicos em seus animês e mangás favoritos. O correspondente feminino é Otome,
porém as meninas também se apropriaram mais do termo Otaku, que no Brasil, já não
faz distinção de sexo entre muitos fãs. Abaixo, na imagem, veja o perfil de uma das
maiores comunidades de otaku do Orkut.23
26A palavra otaku neste trabalho terá o s acrescentado quando usada no plural. Entretanto, sendo uma
palavra de origem estrangeira, a flexão para o plural não deve se aplicar como norma.
237 Informações extraídas do site da Embaixada Japonesa no Brasil. http://www.br.emb-japan.go.jp/ Acesso em: 25/10/2010
54
Figura 11: Página Inicial da comunidade “Otaku não morre, vira anime”. (Orkut, http://www.orkut.com.br/Main#CommPending?cmm=4860468, Acesso em 17-10-2010)
Outra palavra que ganhou significado e pronúncia diferente, no Brasil, foi o
próprio termo "anime" que os japoneses pronunciam animê, uma vez que é proveniente
do inglês animation, porém, os fãs brasileiros pronunciam "aníme". Para os japonese
“anime” designa qualquer produção seja ocidental ou oriental, mas no ocidente,
“anime” se refere apenas às produções nipônicas. Isso mostra que a cultura otaku está
envolta de ressignificações para que se adéqüe mais facilmente aos costumes, gostos e
linguagem do público brasileiro. Disso resultou a observação por parte de pesquisadores
do assunto como o jornalista Alexandre Nagado e o professor e pesquisador Carlos
Alerto Machado, de que há especificamente um otaku brasileiro, que tem características
próprias e se diferencia muito dos otakus introvertidos, tímidos e enclausurados,
definidos pelo significado original da palavra. É possível conhecer o otaku no espaço
onde seu modo de ser se consagra: nos Animencontros. 24
Um estudo feito pelo professor Carlos Alberto Machado28 sobre Animencontros,
eventos organizados por grupos de jovens que se dizem otakus, mostra que estes podem
ser considerados uma das mais recentes tribos juvenis no Brasil, caracterizados pelo seu
28 Carlos Alberto Machado é professor universitário e doutor em educação na linha de Processos Culturais, Instâncias da Socialização e a Educação na PUC-Rio de Janeiro, onde estudou a relação educacional dos animês (desenhos japoneses) com os freqüentadores dos animencontros.
55
gosto por animês e mangás. Os otakus criaram um espaço para eles mesmos a partir da
admiração da cultura japonesa, um espaço que se materializa nesses animencontros.
Para o professor Carlos, os rituais praticados nos animeencontros “resultam de um
processo mais ou menos aleatório de apropriação – utilizado aqui no sentido de tornar-
se próprio, incorporar – de elementos originalmente estranhos uns aos outros, criando
configurações que poderiam ser definidas como híbridas.” MACHADO, 2009; p.6).
É a partir da interação e apropriação destes elementos da cultura japonesa com
sua própria cultura que os otakus brasileiros inventaram seu modo de falar, de vestir, de
se comportar, expressar-se e se comunicar através de gestos significativos absorvidos
dos animês. Em conclusão, ser otaku tornou-se, para estes jovens, um estilo de vida, um
modo de ver e definir o seu lugar no mundo.
Os otakus criaram seus próprios códigos de comunicação a partir da fusão do
português com a língua japonesa. Isso se expressa uma comunidade “Falamos
Japortunês” que possui 6.851 membros, criada para demonstrar a presença de
expressões da língua japonesa na fala cotidiana dos otakus. Isso explica o “código
otaku” da epígrafe. (Ver glossário para compreensão).
Figura 12: Página inicial da comunidade Falamos Japortunês. http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=7789164 Acesso em: 17/10/2010
56
Formado na área de educação e com tese de doutorado baseada em sua pesquisa
sobre animencontros, o professor Machado, constatou que no Brasil existem três
categorias de eventos como esse.
A primeira categoria são os eventos de Pequeno Porte com a média de 200 a
1.000 participantes; a segunda categoria são os de Médio Porte, que conta com a
presença média de 1.000 a 3.000 pessoas e os de Grande Porte, que tem sempre entre
3.000 e 40.000 pessoas. Esses eventos tiveram como precursores reuniões de um grupo
de fãs de HQ criado pela professora Sonia Luyten29, nomeado de Associação dos
Amigos do Mangá e posteriormente se tornou a ABRADEMI (Associação Brasileira de
Desenhistas de Mangá e Ilustrações). Foi a Abrademi quem organizou a primeira
exposição de Mangá em Curitiba em 1995 e, em 1996, organizou o Mangacon em São
Paulo. Estes dois se tornaram os primeiros eventos brasileiros de animês (MACHADO,
2009).
Atualmente, os maiores eventos do Brasil são o Anime Friends, em São Paulo
que reúne várias atrações e artistas brasileiros e internacionais, desde dubladores até
bandas de j-music; o AnimeCon, que, segundo o site Guia de Eventos é, hoje, “a maior
convenção de animê e mangá do Brasil. Realizada anualmente na cidade de São Paulo,
desde 1999”; o S.A.N.A (Super Amostra Nordestina de Animes), realizado em
Fortaleza, no Ceará, e maior evento em termos de Nordeste; o Omake, que é um dos
primeiros eventos do Nordeste e acontece em Pernambuco; O SuperHeroCon, que
surgiu e ocorre em Recife, mas que leva uma edição para João Pessoa, na Paraíba; o
Anime Sul que acontece em Porto Alegre; e ainda existem eventos de médio e grande
porte no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, além de uma série de animencontros de
pequeno porte, espalhados por todo Brasil, mesmo em cidades interioranas.
Nesses eventos, os otakus realizam várias atividades relacionadas à cultura
japonesa, rituais que celebram principalmente seu gosto pelos animês e mangás. Neles,
realizam torneios de vídeo game, oficinas culturais, cursos de desenho, lutas de espadas,
cursos rápidos de japonês, cantam em karaokês (costume típico dos japoneses) em
japonês, compram inúmeros acessórios como chaveiros, miniaturas de personagens e
realizam um concurso que é o momento mais aguardado em qualquer evento, o
concurso cosplay. 25Veja na imagem abaixo um cosplay representando.
29 Sonia Bibe Luyten é mestre e doutora pela escola de Comunicação e Artes da USP. Foi professora da disciplina de história em quadrinhos da ECA-USP de 1972 a 1984. É autora dos livros O que é Histórias
57
Figura 13: Na foto, o jovem representa o personagem Inuyasha no evento no evento Anime Dreams 2010, ocorrido em São Paulo. Imagem extraída de http://www.anime.com.br/?p=3435 ou http://www.cosplaybr.com.br Acesso em: 26/11/2010.
A palavra cosplay é uma abreviação de costume play (NAGADO, 2005; p.56),
uma fusão das duas palavras que define uma brincadeira que virou também campeonato
entre os fãs de animê. Eles se vestem de seu personagem favorito, o interpreta, o imita,
tentam tornar-se o personagem por um dia. Aquele que melhor interpretar ganha o
concurso e é premiado. Mas nem todos que fazem cosplays têm o objetivo de ganhar o
concurso. Muitos querem apenas se divertir, tirar fotos, ouvirem elogios de fãs que se
agradarem de seu “cós”. Do cosplay se derivou o toscoplay e o cós-pobre, definições
cunhadas por otakus brasileiros. Quem faz toscoplay quer parodiar personagens,
buscando mais o humor na brincadeira. O cós-pobre define cosplays feitos com poucos
recursos e sem muitos detalhes, mas que não deixam de ser apreciados por isso.
Machado ainda constatou, em suas pesquisas, que existem mais subcategorias de
cosplays, (os cós-tímidos - não tencionam subir ao palco e representar, querem apenas
tirar fotos e mostrar suas fantasias durante os eventos; cosplay livre – vestir-se de
em quadrinho, Histórias em quadrinhos e leitura crítica e mangá e Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses. Atualmente é parte do corpo docente da Universidade Católica de Santos.
58
qualquer personagem mesmo sem ser japonês; cosplay hentai30 – garotas que se
apresentam com fantasias eróticas; e o crossplayer – não muito usual no Brasil –
consiste em trajar-se de um personagem do sexo oposto (MACHADO; p.87). 26
Muitos dos atuais eventos de pequeno porte ou mesmo os maiores, podem ter
surgido a partir de reuniões de amigos, nas escolas e universidades, que, sentindo
necessidade de obter mais informações sobre seus animês, mangás e sobre cultura
japonesa em geral buscavam compartilhá-las. Foi desse modo que, na cidade nordestina
de Campina Grande, interior do Estado da Paraíba, surgiu entre um grupo de jovens
universitários, a idéia de organizarem seu próprio evento de animê.
No ano de 2006, havia entre os fãs de tokusatsu e animação japonesa de
Campina Grande a notícia de que naquele ano ocorreria um evento relacionado a
mangás e animês, como os que ocorrem em Rio de Janeiro e São Paulo. Divulgado em
comerciais na TV Paraíba, a notícia logo se espalhou entre todos os recantos da cidade e
do Estado.
Idealizado por um grupo de amigos que, desde os tempos da rede Manchete e a
exibição de Cavaleiros do Zodíaco, tornaram-se apreciadores dessa cultura, esses jovens
não tencionavam, com o evento, auferir lucros, porém buscavam criar para si próprios
um lugar onde pudessem brincar, ao mesmo tempo que compartilhassem algo que
acreditavam ser raro no gosto dos campinenses. Dessa forma, a organização cobraria
uma taxa aos participantes apenas para suprir os gastos com os equipamentos como
computadores, data shows e o aluguel do espaço. O principal idealizador, Harley Jorge,
estudante de psicologia, pensava em algo modesto antes de um evento que atraísse
outras pessoas além de seu grupo, uma vez que não imaginava que a iniciativa seria tão
bem recepcionada e que o evento seria um dos acontecimentos mais esperados por
jovens e crianças de Campina Grande durante o ano inteiro.
Eu sempre quis fazer um evento pequeno que chamasse só os meus amigos pra assistir anime... Mas aí chegou uma amiga minha e disse: Harley, deixa de pensar pequeno... E isso acabou incentivando a fazer algo pra um público maior. Justamente por isso, como no começo eu queria juntar os amigos pra assistir esses animes e tal... E como Campina Grande não tinha isso, automaticamente esse evento se tornou um ponto de referência. Não é à toa que ele se tornou ponto de referência não só em
30 Hentai – palavra japonesa que significa literalmente pervertido e nomeia a categoria de mangás eróticos, muito apreciado entre o público masculinho
59
Campina, como no Estado inteiro. Então, o objetivo foi esse: a gente aumentar o público que gosta de cultura pop japonesa. Harley Jorge –25 anos; Campina Grande – PB. Entrevista áudio-gravada em 21/09/2010.
Harley afirma que a ideia do evento é promover a cultura pop japonesa, divertir
os fãs anime e mangá, oferecendo uma opção de entretenimento para outras pessoas que
não são fãs. O Evento ficou conhecido então como Encontro Nipon, ou como ENi (sigla
de Encontro Nipom) ou ainda apenas como Nipon.
As atividades programadas no ENi não são diferentes dos grandes eventos do
país. As principais atrações são o Concurso Cosplay, já mencionado anteriormente;
workshops, exibições de animês, shows, karaokê, palestras, vídeos games e estandes de
vendas. Exceto pelos shows e concurso cosplay, as outras atividades ocorrem
simultaneamente, para que os participantes escolham o que mais lhe agrada.
Os Workshops são mini-aulas ministradas por um especialista em determinado
assunto e convidado pela equipe organizadora. Geralmente há sempre aulas de japonês,
Origami, Artesanato e Shodo (shodo=caligrafia, no caso, a japonesa).
As salas de exibições trazem animês por categoria e faixa etária. Existe uma sala
onde se exibem animês da categoria shoujo31 organizada por um grupo que se
autodenomina Amai Shoujo, uma sala para animês gerais desde clássicos até os mais
recentes e uma sala para exibição de animês só para maiores de dezesseis anos.
Acontecem também os shows de bandas formadas por jovens que cantam em
japonês, os temas do animês e seriados de tokusatsu, além de temas de artistas pop do
Japão que não são obrigatoriamente temas de animação. São conhecidas como bandas
de j-music ou animesongs32.
Outra atração do Evento muito popular é o Karaokê, disponível para o público durante todo evento, contendo uma lista de 2196 músicas disponíveis para serem cantadas pelos participantes33. Ainda acontecem os torneios de vídeo game e palestras sobre cultura japonesa.
31 Shōjo (em japonês: 少女? lit. menina(s)) é um termo usado para referir animes e mangás para
garotas. Os mais conhecidos no Ocidente são os romances ou comédias românticas que normalmente envolvem personagens da mesma idade do público-alvo (adolescentes). Entretanto, também é possível encontrar mangás shōjo de conteúdo histórico, de ficção científica ou terror, por exemplo. http://pt.wikipedia.org/wiki/Sh%C5%8Djo Acesso em: 26/11/2010.
32 J-Music é a sigla utilizada para denominar a música japonesa em todos os seus gêneros. No Brasil, os estilos mais conhecidos são o J-Pop, o J-Rock e a música Enka (estilo tradicional japonês. http://mundomax.wordpress.com/2008/04/02/o-que-e-j-music/ Acesso em: 26/11/2010. 33Informação extraída de http://www.encontronipon.com.br/arquivos/KaraokeENi4.txt Acesso em: 26/11/2010.
60
Ao lado do concurso cosplay, um dos locais mais movimentados do evento
são os estandes de venda, que trazem DVDs, cosplay, acessórios, miniaturas de
personagens, mangás, camisetas estampadas com personagens e pôsteres de
celebridades do mundo pop japonês. De acordo com o site oficial do evento, os 27
Estandes presentes no Nipon de 2009 e 2010 foram: Magic Center; Espaço HQ;
Elemental Comic Shop; Shazan Animes; Otakun Shop; Wonder Light; Editora JBC; e
Estandes alimentícios.
Apesar do evento de Campina Grande ainda não possuir um espaço que se
adéqüe a sua realização, ele pode se enquadrar na categoria dos eventos de médio porte,
já que, segundo Harley, “todas as edições do ENi receberam mais de 1000 pessoas”.
Geralmente suas atrações são modestas ainda, em comparação aos eventos maiores, mas
ele se consagra entre os fãs de animê da Paraíba por ser o único evento no Estado feito
por jovens paraibanos.
O local onde ocorreram o primeiro e o segundo evento foi o SESC Centro na
Rua Gilé Guedes, centro de Campina grande. Uma estrutura que abriga várias atividades
e ventos tais como cursos e encontro da Nova Consciência. Um prédio com ampla
estrutura, possuindo um cine-teatro, salas para vídeos e oficinas e locais apropriados
para dispersão do público e para montagem de estandes. Infelizmente não há quase
registro do primeiro evento, além da memória de quem participou. Até mesmo o site,
principal fonte de infomraçoes sobre do evento, não possui histórico do ENi I. No
entanto existe um álbum especial para cada edição posterior no mesmo site. O segundo
evento, por também ter acontecido no SESC, se assemelhou muito ao primeiro.
Figura 14: Imagens retiradas no SESC Centro do 2° Encontro Nipon. Imagens do Acervo do ENi, extraídas do site oficial http://www.encontronipon.com.br Acesso em 26/11/2010
61
Na seqüência de imagem acima é possível notar um otaku campinense indo em
direção ao SESC para prestigiar o ENi do ano de 2007. Ele não está completamente
fantasiado, mas sua capa preta com detalhes vermelhos imita a vestimenta de
personagens do animê Naruto. Logo em seguida é possível ver a fila para se comprar a
pulseira que serve de ingresso para o evento. Os participantes deveriam pagar o valor da
pulseira no terraço, onde fica a recepção do SESC e, logo em seguida, subir até o
primeiro andar, onde ocorria o evento. A terceira imagem mostra participantes em uma
das salas do prédio, assistindo animês. Na quarta imagem da seqüência, um dos otakus
vestiu-se do personagem Aiolos de Sagitário do animê Os Cavaleiros do Zodíaco e está
representando no concurso cosplay. Na quinta imagem a platéia assiste atenta a outras
apresentações do concurso. Na última imagem é possível ver o público do evento de
2007 olhando atentamente para baixo, onde provavelmente poderia está ocorrendo um
Quiz, com perguntas sobre mangá e animê; um show com bandas cantando temas em
japonês ou uma disputa de LARP, que consiste numa espécie de luta com espadas.
Nos dois primeiros eventos, os participantes não paravam em apenas um local,
devido a várias atividades que ocorriam paralelamente. Era muito comum ver pessoas
subindo e descendo as escadarias, entrando e saindo de salas, onde ocorriam aula de
japonês, origami e artesanatos ou comprando mangás e acessórios em estandes diversos.
Porém, o evento não era um espaço convidativo apenas para quem apreciava cultura
japonesa, mas também para quem não conhecia e tinha curiosidade. Não raro ver os pais
levarem seus filhos para se divertirem e conhecerem o evento.
O Nipon cresceu nos dois primeiros anos de forma inesperada pelos
organizadores o que os fez concluir que o SESC já não podia mais abrigá-lo. Surge a
iniciativa de transferi-lo, em 2008, para o Colégio particular Imaculada Conceição
conhecido como “As DAMAS” ou DAMAS, localizado à frente da Praça da Bandeira
no centro de Campina Grande. Um colégio com uma estrutura maior e mais sofisticada,
com custos mais elevados.
Eu quis ousar mesmo. Eu queria pegar o melhor auditório porque o auditório das Damas é impecável. O colégio tem um espaço muito bom, porque como eu disse, o público tava dobrando a cada evento. Só que o custo do evento aumentou muito. Harley, organizador geral do Encontro Nipon, entrevistado em 21/10/2010. Entrevista gravada por aparelho mp4.
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Ainda segundo Harley, devido à alta dos custos, o ingresso aumentou em 2008
de dez para doze reais, provocando descontentamento nos participantes que protestaram
na comunidade do Orkut, direcionada ao evento, o que levou imediatamente à
organização a mudar mais uma vez o local do Encontro a fim de se reduzir custos e
atender aos apelos do público do evento.
Figura 15 : Na seqüência de imagens de alguns momentos do Encontro Nipon de 200834, realizado no Colégio Imaculada Conceição.
A primeira imagem da seqüência acima mostra a estrutura externa do Colégio
DAMAS. Nas três imagens seguintes, participantes interagem nos corredores, brincam
na quadra e pousam para fotos. Na quinta imagem note o espaço oferecido pelo
auditório do colégio, onde o público assiste ao concurso coslpay e a última foto mostra
a Banda Datte Bayo de Recife, realizando o show do evento de 2008 na quadra de
esportes. Neste mesmo ano ocorreu outro problema durante o evento deixando os
participantes muito insatisfeitos. O concurso cosplay e shows tiveram de ocorrer
simultaneamente já que o evento havia extrapolado o horário de locação do colégio.
Para sanar esses problemas, desde 2009, o Colégio Estadual Elpídio de Almeida,
conhecido como Estadual da Prata, se tornou o local onde o Evento tem se realizado. O
Estadual da Prata tem vários espaços ao ar livre, o que tornou o evento menos
aglomerado, porém a estrutura não agradou a muitos participantes. Até mesmo a própria
organização assume as dificuldades para encontrar um local que suporte o evento.
63
Mesmo assim, é perceptível o quanto o ENi é apreciado por todos os fãs de cultura
japonesa do Estado que, diferente dos primeiros anos, quando ficavam presos às salas
de exibição e oficinas, no eventos recentes, procuraram muito mais interagir, exibir seu
desempenho como cosplay e passar horas observando os estandes com acessórios
relacionados à cultura japonesa.
Figura 16: Na primeira foto, a estrutura do pátio principal do Colégio Estadual da Prata, onde se realizaram o 4º e 5º eventos Nipon extraída do site do Colégio (http://www.colegiodaprata.xpg.com.br/prata.jpg em 26/11/2010); na segunda, temos vários participantes do segundo dia do evento de 2009 no pátio do E.da Prata. Na terceira, pessoas consumindo produtos de um estande; na quarta, observamos um cosplay pousando para foto ao lado de outros participantes (2ª, 3ª e 4ª imagens pertencentes a acervo pessoal).
Atualmente, o Encontro Nipon, possui uma equipe de 57 pessoas, entre
organização e colaboradores. O organizador geral, Harley Jorge, é estudante de
psicologia da Universidade Estadual de Campina Grande; o coordenador do concurso
cosplay, Sidney, de 23 anos que é professor e reside em João Pessoa; Átila Lima e
Klaudio Henrique que coordenam, respectivamente, o karaokê e os jogos de vídeo
Game. Os grupos colaboradores do evento são o Grupo Tomodachi, o Grupo Okinawa e
Grupo OriJampa. Todos esses grupos são formados por uma maioria jovem que se
interessa em organizar e promover animencontros. Em muitos casos não exigem
remuneração, participando apenas pelo prazer de brincar e participar dos eventos
gratuitamente.
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Assim como qualquer evento de animê no Brasil, o de Campina Grande também
possui suas regras. A proibição de armas, a não ser que sejam réplicas de brinquedo
referente aos animês, não sujar o local do evento, não ofender outros participantes por
suas diferenças, não provocar tumultos que atrapalhem o seguimento normal do evento
são regras básicas.
Algo interessante e muito importante observar é que qualquer consumo ou porte
de drogas dentro de qualquer animencontro também é terminantemente proibido. Mas
com relação ao fumo o evento de Campina Grande ainda é maleável. Na quinta edição
do Nipon, houve conflitos por conta que um grupo de jovens emo35 que estava fumando
no auditório. Isso incomodou muito aos demais participantes, o que levou o organizador
a tomar uma providência de emergência e separar lugares específicos para os fumantes.
Segundo Machado, em todo Brasil, vários animencontros são altamente rigorosos
quanto à presença de fumo e bebidas, estampando na entrada do evento sua proibição.
Isso se dá uma vez que uma considerável parte do público é composta por pais que
levam seus filhos aos eventos e também porque neles sempre há representantes da
mídia, como repórteres e pesquisadores. Permitir tais práticas poderia causar a
impressão de que o evento seria de pretexto para o consumo de drogas pelos jovens. 28
O evento de 2010 ocorreu nos dias 25 e 26 de setembro. A expectativa de
público era de que o evento recebesse 4000 pessoas durante os dois dias. Não há um
número exato para a quantidade de pessoas que freqüentam evento. A faixa etária está
entre 12 e 35 anos. Apenas este ano, o organizador criou um questionário para colher
dados demográficos, a fim de formular estatísticas mais seguras sobre o evento36.
35 Emo ou Emocore (abreviação do inglês emotional hardcore) é um gênero de música derivado do hardcore punk. O termo foi originalmente dado às bandas do cenário punk de Washington, DC que compunham num lirismo mais emotivo que o habitual. Existem várias versões que tentam explicar a origem do termo "emo", como a que um fã teria gritado "You´re emo!" (Você é emo!) para uma banda (os mitos variam bastante quanto a banda em questão, sendo provavelmente o Embrace ou o Rites of Spring). É importante lembrar que nenhuma destas bandas jamais aceitou ou se autodefiniu através deste rótulo. A palavra "Emo" é vista como uma piada ou algo pejorativo e artificial. http://pt.wikipedia.org/wiki/Emo Acesso em 26/11/2010. 36 Questionário acessível através dos link: http://www.encontronipon.com.br; https://spreadsheets.google.com/viewform?formkey=dG9PYlFVdHVha2J0b1hqUnVUTHh6elE6MQ Acessado em 26/11/2010.
65
Em Campina Grande, os otakus não são diferentes do resto do Brasil: há
momentos em que eles se comunicam por plaquetas, nas quais desenham expressões,
criam onomatopéias baseadas nos quadrinhos, enviam pequenos recados diretos a qual-
quer pessoa ou a todos presentes.
Eles cantam no karaokê suas j-music favoritas, principalmente as animesongs e
aberturas de tokusatsu, competem em torneios de espadas e vídeo game, promovem
oficinas relacionadas à cultura japonesa, como por exemplo, aulas de origami. Além de
visitarem as salas específicas com exibição de animes, vídeo clipes e novelas japonesas.
Como em outros animencontros, também o Encontro Nipon tem como seu momento
mais ansiado o concurso cosplay, enquanto otakus tiram fotos uns das fantasias dos
outros, visitam estandes onde consomem tudo relacionado ao seu animê, mangá ou
artista japonês favorito.
Figura 17. V Encontro Nipon de Campina grande, no dia 25 de setembro de 2010. Imagem extraída do perfil do otaku Vanilson Rodrigues. http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=17986707579331414183, Acesso em: 26/11/2010.
29
Na imagem acima otakus campinenses posam para foto, exibindo seus cosplays,
realizando mais um dos rituais do evento. Para o momento do concurso, alguns deles
passam o ano inteiro se preparando para sua apresentação teatral relacionada ao
personagem que querem encenar. Neste momento, o evento encontra seu ápice. Ao
menos no Encontro Nipon, é no concurso cosplay que os otakus campinenses se
realizam por completo, tanto quem se apresenta como quem está na platéia pronto a
aplaudir ou, sem o menor constrangimento, vaiar aqueles que não gostarem. Estes
66
jovens alegam que o sentido do cosplay é não somente vestir-se do seu personagem
favorito, mas tornar-se ele, ao menos por um dia. Na opinião da estudante campinense
Marina Gibson:
O sentido do cosplay é como se você entrasse na história do desenho, porque você age como o personagem, você tá vestido como ele. É encarnar o personagem e tal. É muito divertido! Marina Gibson, 14 anos – Campina Grande-PB (Entrevista áudio-grava através de aparelho mp4 em 26/09/2010).
O cosplay representa então a materialização de referências do animês para os jovens. A
forma como eles gostariam de ser, de agir, de pensar em determinadas situações. O que é bem
possível quando se trata dos heróis dos animês e mangás, que não se resumem a heróis com
poderes excepcionais, mas também a personagens que vivem situações comuns a qualquer ser
humano.
Para Renali, também estudante e residente em Campina Grande:
O cosplay, na minha opinião, é você se vestir do personagem que você gosta e você agir como ele. Você ser como ele. O interessante de você fazer o cosplay é porque sempre vem gente tirar foto com você. Você fica feliz porque admiram você, acham bonito. Você tá legal e por isso querem tirar foto com você. Eu acredito nisso. É viver o personagem. É uma felicidade está vestido assim e vê que as pessoas gostam do seu cosplay. (Renali, 12 anos – Campina Grande-PB. Entrevista áudio-grava através de aparelho mp4 em 26/09/2010).
Percebe-se na fala de Renali que ser um cosplay é um momento único para um
otaku, pois é neste instante que ele obtém o reconhecimento dos demais. O Encontro
Nipon é então um espaço de libertação para os jovens compartilharem um modo de ser,
um estilo de vida que cotidianamente não podem expressar.
Em Campina Grande alguns otakus vão para o Encontro Nipon já fantasiados.
No segundo dia do quinto evento, encontrei com pessoas fantasiadas de cosplay dentro
de coletivos e na integração sem nenhum constrangimento. Não negam sequer uma foto
nem entrevistas, mas fazem questão de serem fotografados muitas vezes, se solicitados.
Têm orgulho de suas preferências e de representar os seus personagens, tentando ficar o
mais idêntico possível. Alguns se preparam dentro do próprio evento devido às
dificuldades para se vestir alguns cosplays mais sofisticados. Pude perceber moças na
rua, que mesmo sem estarem fantasiadas vestiam-se ao estilo das personagens de animê,
com saias pregueadas, meia-calça escura e maquiagem um pouco forte, características
de personagens lolitas e góticas de animação japonesa.
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Figura 18: Na seqüência, otakus de Campina Grande posam para foto com seus cosplays de personagens do animê Bleach, um dos mais populares entre eles. (Fotos: Acervo pessoal)
Durante o evento, não se aborrecem com o assédio do público e inúmeros apelos
para foto e alguns confessam que a melhor parte do evento é justamente este assédio
que os faz sentir reconhecidos. Querem mostrar sobre seu modo de ser e suas
preferências como qualquer outra tribo. Existe entre eles, essa busca por um espaço só
deles, um lugar em que possam exprimir o seu “jeito otaku de ser”. Não parecem se
importar com críticas ou discriminação. Jamile, estudante do ensino médio da cidade de
Queimadas diz que:
Eu me considero otaku. Ser otaku é como uma tribo urbana que criaram pras pessoas se identificarem. Aí eu acho que é mais isso. Não é questão de [ser] fanático. Lá [no Japão] tem um significado diferente. Por exemplo, se você é fanático por alguma coisa, tipo assim, um cheeseburguer, eles chamam você de otaku lá, porque ser otaku na língua deles significa fanático e aqui eles [os fãs] usaram pra denominar nossa tribo urbana. (Jamile, 17 anos, Queimadas-PB. Entrevista áudio-grava através de aparelho mp4 em 26/09/2010).
Assim como Jamile, muitos jovens, no Brasil, já se identificam como Otomes e
Otakus. Alguns deles ainda têm receio de se intitularem, por levarem em conta o sentido
original dos termos. Outros se confundem, mas à medida que vão falando sobre si
mesmos acabam admitindo “é, eu sou otaku, mas não fanático”. O ENi, tornou-se assim
o lugar de expressão, de libertação e reconhecimento de si mesmo e a cada ano o evento
atrai mais jovens, admiradores da cultura japonesa de todas as idades, tornando-se assim
mais um ícone de manifestação cultural da cidade.
68
O diferencial do Evento campinense, para a maioria dos entrevistados e
principalmente aqueles que já foram a outros eventos, é que o Nipon se torna um espaço
onde todos se sentem em casa, e os cosplays buscam muito mais diversão do que ganhar
o concurso ou consumir. Segundo a estudante Dayse:
O Nipon significa muita coisa. Puts! É um lugar onde a gente vem pra encontrar pessoas que gostam das mesmas coisas que a gente. Por que quando a gente fala de animês com amigos comuns, eles não entendem e no Nipon, não. Outra coisa, conhecemos pessoas novas, animês novos, porquê um amigo comenta: -Ei já assistisse aquele? Ai você: -Não!- Vou te emprestar. Agente compra cada coisa massa. Fora as bandas de rock no final e é muito bom encontrar com amigos fanáticos por animês. E a melhor parte é a apresentação do cosplay no palco. Muito divertido. (Dayse, 18 anos, Campina Grande- PB. Entrevista áudio-grava através de aparelho mp4 em 26/09/2010)
Refletindo a fala de Dayse o Nipon é importante porque ocorre perto de casa, em
sua cidade. E por ainda não alcançar grandes proporções, a comunicação entre os
participantes é maior. É mais fácil e seguro interagir, criar e sedimentar laços de
amizade. Ademais, é no Evento que eles encontram amigos de sempre, o que torna o
ambiente ainda mais familiar e os deixa desinibidos para se divertirem (Ver galeria em
anexo II).
Pelo fato de ainda ser um evento de porte estadual, mesmo as pessoas que vêm
de Pernambuco e João Pessoa se tornam conhecidas e assim, torna-se mais fácil fazer
amigos e se reencontrar após o evento. As pessoas que freqüentam o ENi em Campina
anseiam muito mais por relacionar-se com iguais. Existem aqueles que buscam comprar
itens raros e aqueles que vão por curiosidade, porém, a maioria dos otakus campinenses
sentem essa carência por compartilhar seu gosto por animês com outros pessoas que
também apreciam essa mídia, uma vez que mesmo se expandindo a cada ano, essa
cultura ainda não conseguiu alcançar massivamente os jovens da cidade.
Outro fator que se torna muito importante de se observar: é que após o término
do evento não passa despercebida pelos otakus paraibanos a comunidade do Encontro
no Orkut, que se torna uma espécie de lugar de retrospecto, onde os participantes trocam
fotos, se adicionam em suas redes de contato pessoais e tornam a se encontrar
novamente mesmo fora do evento. Muitos acabam se conhecendo pessoalmente, mesmo
69
que de vista e isso possibilita uma relação que vence, em algumas vezes, a barreira do
contato virtual.
Em Campina Grande, antes do ENi, já houve tentativa de promover um evento
voltado para cultura japonesa, mas a iniciativa fracassou, provavelmente porque na
época ainda não era tão forte a influência da cultura dos mangás e animês entre tantos
pessoas. Foi devido a uma considerável popularização do uso da internet que a presença
desta cultura tomou fôlego. As pessoas que freqüentam o Nipon são em maior parte de
classe média, pois esta tem mais possibilidade de acesso diário à internet, muito
embora, os otakus de Campina Grande não se limitem a essa classe, pois a tevê aberta
também se responsabiliza pela divulgação dos animês.
O que começou como uma brincadeira de amigos virou, para o Organizador
mais que diversão. Agora, para Harley, o Nipon também é um empreendimento. Mesmo
que muitos que trabalham nos bastidores o façam por puro prazer de participar
gratuitamente do evento. Além disso, alguns otakus de Campina Grande também
promovem um encontro pré-programado via internet chamado Otaku Flash Mob37, que
reúne30 jovens para fazer atividades também pré-planejadas, mas que estão sempre
relacionadas à cultura pop japonesa.
Por fim, o ENi, é um evento que tornou-se algo além do objetivo inicial, que
seria promover a cultura pop japonesa e divertir um limitado grupo de amigos
campinenses. O Nipon atende agora a necessidade de jovens que buscam uma
identidade, um lugar onde suas preferências, seu modo de viver sejam reconhecidos.
Mesmo sendo realizado há cinco anos, muitas pessoas ainda não conhecem o
Encontro Nipon, apesar de ser divulgado na internet, através do site oficial, na tevê
Itararé e na TV Paraíba. A maioria dos entrevistados confessou que soube da existência
do Nipon através de amigos, que já tinham participado das primeiras edições ou
souberem também por outras pessoas envolvidas com a organização.
37 Flash Mobs são aglomerações instantâneas de pessoas em um local público para realizar determinada ação inusitada previamente combinada, estas se dispersando tão rapidamente quanto se reuniram. A expressão geralmente se aplica a reuniões organizadas através de e-mails ou meios de comunicação social. http://pt.wikipedia.org/wiki/Flash_mob Acesso em 26/11/2010.
70
Figura 19: Cartazes de anúncio do Evento dos anos de 2007, 2009 e 2010 respectivamente. O logotipo do evento sempre traz um dos cartões postais da Cidade.Imagens extraídas da web nos seguintes endereços: http://cosplayhouse.flogbrasil.terra.com.br/fotos/4/d/d/cosplayhouse/1191556001.jpg; http://imgs.radioanimix.com.br/redacao/imagensdeeventos/encontro-nipon-2009-03.jpghttp://www.encontronipon.com.br/arquivos/eni5/cartaz_eni5.jpg /Todos Acessos em 26/11/2010.
Observando os cartazes acima é possível notar ao fundo, no logotipo do evento,
a imagem de um dos cartões postais da cidade de Campina Grande, Os tropeiros da
Borborema. A idéia foi proposital e o principal intuito, segundo Harley, era divulgar o
nome da cidade, o evento já é reconhecido, ainda que modestamente, até por eventos
maiores no Brasil.
Atualmente, o Encontro Nipon que está sendo pensado pela organização é
reafirmado como um evento não restrito aos otakus, mas um festival feito para a família
campinense, não estritamente infantil como colocado algumas vezes pela mídia local, e
sim capaz de acolher e bem apropriado para adultos daqui e de outras localidades.
Aqueles que vêem de longe o acham estranho e incompreensível. Mas dessa iniciativa
aflora história, costumes, arte e atualidade, nascidos de interações possíveis graças à
aproximação de culturas tão distintas, possibilitadas pela globalização.
Enfim, o Encontro Nipon é um que evento que traz em sua programação as
novidades de um mundo cada vez mais interligado no campo das artes, do
entretenimento, dos costumes, levando o nome de Campina Grande a outras localidades
e colocando nossa cidade em ressonância com as transformações do resto do mundo.
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72
Considerações Finais
A partir de tudo que foi mencionado é possível pensar que os efeitos de uma
cultura global também se fez no outro lado do mundo. O american way of life se
propagou na cultura japonesa, onde o consumismo, a produção e os meios de
comunicação de massa se tornaram aspectos fundantes no movimento de transformação
social e cultural japonês.
Atualmente, no Brasil, vem crescendo o número de jovens, crianças e até mesmo
adultos que se deixam encantar pela cultura pop japonesa a qual adentrou o Ocidente
através dos seus famosos quadrinhos, os mangás, e a versão animada destes, os animês.
E o Japão já não é mais tão distante. Sua cultura está presente não apenas nos filmes e
na indústria automobilística, mas está dentro de casa, sendo transmitida pela internet, na
culinária, nos eletroeletrônicos, na música, na moda, nos desenhos animados da tevê,
entre pais e filhos; nos gestos e na fala dos jovens, dentro e fora da escola. Ela adentrou
o Brasil, através de seus animês, um produto influenciado pelas produções
cinematográficas ocidentais, mas que ganhou expressão e características próprias. Um
Japão moderno, porém original.
Os animês chegaram ao Brasil ainda na década de 1960, porém só foram
reconhecidos como produções originalmente nipônicas a partir dos anos 80. Sua
verdadeira expansão se deu com a introdução na tevê aberta brasileira de Os Cavaleiros
do Zodíaco, um animê que seduziu o público juvenil, causando uma curiosidade sem
precedentes por quadrinhos e animações japonesas. Desde então o Japão deixou de ser
visto apenas com os preconceitos formados pelas propagandas de guerra, mas também
como um país moderno, sinônimo de moda, sofisticação, tecnologia e digno de
admiração, caindo no agrado da massa juvenil e atravessando para o segundo milênio
como modelo a ser seguido no quesito econômico e cultural.
Na esteira da apreciação pelas mídias japonesas, nasce a Cultura Otaku. Foi a
partir da iniciativa de grupos juvenis, fãs de mangá e animê que surgiram eventos ou
festivais conhecidos em todo o Brasil por animencontros, locais onde o gosto por
cultura japonesa e o “jeito otaku de ser” se consagra. A exemplo destes eventos temos,
em Campina Grande, o Encontro Nipon, que simboliza a força dessa cultura entre os
jovens paraibanos, sobretudo os de Campina Grande. É no momento do ENi, que estes
jovens encontram um espaço para si, um lugar onde podem se reconhecer e ser
reconhecidos. Simplifica dizer que o evento não existe apenas para celebrar a cultura
73
japonesa, mas para afirmar uma nova cultura juvenil brasileira, um estilo de vida, criado
pelas novas gerações que buscam um lugar na sociedade. A cultura dos animês foi
capaz de vencer e criar idéias acerca de um Japão desconhecido e só é possível alcançá-
la por causa da quebra de barreiras nas comunicações, na qual a internet teve papel
preponderante, ao permitir a troca de conhecimento sobre as mais distantes sociedades
do mundo.
Assim, podemos inferir que a introdução de novas perspectivas de mundo e
novas culturas que se formam a partir de hibridismo, revela modificações nos costumes
de uma sociedade. É um importante passo para a construção de um novo futuro, com
menos preconceito e mais conhecimento sobre as diferenças culturais.
74
GLOSSÁRIO
OVA (Plural: OVAs) – Sigla de Original Video Animation, é um formato de
animação que consiste de um ou mais episódios de anime lançados diretamente ao
mercado de vídeo sem prévia exibição na televisão ou nos cinemas
MOVIES - Animação feita especialmente para o cinema. Geralmente produções
caras e com um nível de detalhamento muito superior aos animes e ovas, tanto no que se
refere à trilha sonora quanto a animação em si.
Soul Society – No animê Bleach a Soul Society representa o mundo espiritual,
para onde as almas migram após a morte de seu corpo. Seria, o que os cristãos colocam
como Céu e na dublagem brasileira ficou conhecida como Cidade das Almas.
Chakra – Neste caso, chakra é a energia que aflora do corpo dos ninjas no animê
Naruto. Sua principal fonte de poder.
Sharingan – No animê Naruto existem vários clãs de ninjas. Um deles é o clã
Uchiha. O Sharingan é uma habilidade exclusiva desse Clã.
Bunshin – Bushin é uma replica. É uma das principais habilidades do
personagem Naruto. Seu poder é o Kage Bushin No Jutsu que pode criar vários clones
para enganar o oponente.
Itadakimasu – traduz uma espécie de gratidão pelo alimento antes das
refeições.
Baka – Idiota, em Japonês.
Lamen – Macarrão instantâneo. Em japonês se pronuncia Ramen.
Bankai – É uma espécie de segundo nível para o poder mágico das espadas dos
Capitães da Soul Society, no anime Bleach.
Death Note – Além do título de um dos animês mais apreciados na atualidade
por otakus brasileiros, o Death Note se traduz literalmente em Livro da Morte, no qual o
personagem principal escreve nomes de seus inimigos.
Sayajin- é uma raça presente nos mangás e animês da série Dragon Ball. Os
Saiyajins só se diferenciam dos seres humanos por seus poderes extraordinários, entre
os quais estão voar e força ilimitada.
Chuunin Shiken - é um torneio fictício do animê/mangá Naruto. Duas vezes por
ano, todos os vilarejos ninjas se reúnem num exame. Somente participam genins
(categoria primária de ninjas) em trios. Aqueles que passarem por todos as provas
75
podem virar chuunins (categoria secundária de ninjas). O objetivo do Chuunin Shiken
não é apenas um torneio, é um meio de substituir as guerras. Com esse torneio, os
vilarejos mostram sua força nas lutas pelo número de ninjas na final, assistida pelo
público. Assim, aqueles que podem vir a contratar os ninjas dos vilarejos podem
escolher qual vilarejo é mais forte, qual deles receberá seu dinheiro.
76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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http://www.animepro.com.br/
www.tvsinopse.kinghost.net/ou/dicionario.htm
http://centraldeanimes.com.br/informacoes/naruto/chuunin-shiken.html
79
ANEXO 1
80
81
82
83
84
Fontes Virtuais
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pok%C3%A9mon_%28anime%29 Acesso em 14/09/2010
http://pt.wikipedia.org/wiki/Patrulha_Estelar
http://www.memorychips.com.br/Speed.htm
http://en.wikipedia.org/wiki/Hana_no_Ko_Lunlun/
http://www.jbox.com.br/materias/capitao-harlock-e-a-nave-arcadia/ ACESSOS EM
12/09/2010
http://www.memorychips.com.br/savamu.htm ACESSOS EM 12/09/2010
http://forum.retrobits.com.br/viewtopic.php?f=38&t=962 ACESSOS EM 12/09/2010
http://www.infantv.com.br ACESSOS EM 12/09/2010
http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Princesa_e_o_Cavaleiro 13/09/2010
http://www.jbox.com.br/materias/candy-candy/ 14/092010
http://pt.wikipedia.org/wiki/Astro_Boy 14/09/2010
http://pt.wikipedia.org/wiki/Heidi_%28anime%29 14/09/2010
85
ANEXO 2
86
II ENCONTRO NIPON EM CAMPINA GRANDE – 2007
Cosplay de Alucard do animê Helsing
Cosplay de Sango do animê Inuyasha
Cosplay Misa Misa do animê Death Note
Cosplay de Jiraya do tokusatsu, Jiraya, o incrível
ninja
Cosplay de Scorpion do game Mortal Kombat
Cosplay de Seiya, o Cavaleiro de Pégasos do animê Os Cavaleiros do Zodíaco
87
III ENCONTRO NIPON EM CAMPINA GRANDE - 2008
Cosplay Hataki Kakashi do animê Naruto
Cosplay Subzero do Game Mortal Kombat
Cosplay do membro Akatsuki do animê Naruto
Otakus fotografando Cosplay no ENi 2008 Otakus posam para foto ao lado de um cosplay no ENi 2008
88
IV ENCONTRO NIPON EM CAMPINA GRANDE -2009
Otakus entrando no evento, no Estadual da Prata Otakus na escadaria do Estadual da Prata, observando o evento
Otome, com orelhinhas de gato, exibe pelúcia do personagem Kon do animê Bleach
Aglomeração frente aos estandes de venda
Jovens acompanhando torneio de vídeo game Na placa diz “Faça aqui sua caricatura". Um convite para os participantes serem desenhados no estilo mangá
89
Harley, criador e organizador geral do Encontro Nipon
Cosplay Sailor Mars do animê Sailor Moon
Cosplay Sakura do animê Sakura Card Captor
Cosplay do animê Full Metal Achemist
Cosplay Genkai do animê Yu Yu Hakusho
Cosplay Yori do game King Of Fither
Cosplay Misa Misa do animê Death Note Cosplay Orochimaru, do animê
Naruto Cosplay Konan, do animê Naruto
90
V ENCONTRO NIPON EM CAMPINA GRANDE - 2010
Cosplay Ulquiorra, do animê Bleach Cosplay Athena, do game King Of Figth Cosplay Isshin, do animê Bleach
Otakus de Pernambuco, prestigiando o evento Estande de vendas com vários itens
Cosplays do animê Bleach Cosplay Tifa, do game Final Fantasy VII Cosplay Livre Capitão Jack
Sparrow do filme Piratas do Caribe
91
*Imagens desta galeria retiradas de acervo pessoal.
Eu mesma entre membros Cosplays do grupo Akatsuki do animê Naruto
Cosplay Ussop, do animê One Piece
Visão do pátio do Estadual da Prata mostrando todos os Estandes de Vendas
92