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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA
ANDRA MATOS OLIVEIRA TOURINHO
Binding objeto-localizao na memria operacional na
Doena de Alzheimer e no Comprometimento
Cognitivo Leve amnstico
SALVADOR
2014
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ii
ANDRA MATOS OLIVEIRA TOURINHO
Binding objeto-localizao na memria operacional na
doena de Alzheimer e no comprometimento cognitivo
leve amnstico
Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia
da Universidade Federal da Bahia, como parte dos
requisitos para obteno do grau de Mestre em
Psicologia.
rea de concentrao: Psicologia do
Desenvolvimento.
Orientador: Prof. Dr. Neander Abreu
SALVADOR
2014
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iii
Nome: Andra Matos Oliveira Tourinho
Ttulo: Binding objeto-localizao na memria operacional na doena de
Alzheimer e no comprometimento cognitivo leve amnstico.
Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade
Federal da Bahia, como parte dos requisitos para obteno do grau de
Mestre em Psicologia.
Aprovado em:
COMISSO EXAMINADORA
Prof. Dr. Neander Abreu
Instituio: Universidade Federal da Bahia
Assinatura: ________________________________________________
Prof. Dr. Jonas Jardim de Paula
Instituio: Faculdade de Cincias Mdicas de Minas Gerais
Assinatura: ________________________________________________
Prof. Dra. Elvira Barbosa Quadros Crtes
Instituio: Universidade Federal da Bahia
Assinatura: ________________________________________________
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Tourinho,Andra Matos Oliveira T727 Binding objeto-localizao na memria operacional na Doena de
Alzheimer e no Comprometimento Cognitivo Leve amnstico. 2014.
142 f.
Orientador: Prof. Dr. Neander Abreu
Dissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia. Instituto
de Psicologia, Salvador, 2014.
1. Alzheimer, Doena de. 2. Cognio e envelhecimento.3.
Memria operacional. 4. Binding objeto-localizao.5.
Neuropsicologia. I. Abreu, Neander. II. Universidade Federal da Bahia.
Instituto de Psicologia. III. Ttulo.
CDD: 155.6
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Para minha av Benedita, que alm de tudo, sabe envelhecer.
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AGRADECIMENTOS
A hora de agradecer tambm a hora de perceber o quanto a experincia do
mestrado ultrapassa a elaborao de uma dissertao e quantas pessoas so necessrias
construo de um trabalho como esse. Comeo agradecendo, ento, por essas pessoas
existirem, por t-las encontrado e por terem contribudo para que o projeto idealizado se
tornasse uma realidade.
Primeiro, queles que idealizam meus sonhos antes mesmo do que eu: pai e me,
no h trajetria sem motivao e no h motivao sem vocs.
A meus irmos, obrigada pelo carinho e admirao mtua que me alimentam em
todos os desafios.
A tia Ramona e tio Carlos, pela nova famlia que ganhei nesse perodo.
A meu marido, pelo companheirismo, compreenso e amizade.
Aos amigos e mestres que formam o Laboratrio de Pesquisa em
Neuropsicologia Clnica e Cognitiva Neuroclic, obrigada pelo apoio, pelas conversas
e por todas as trocas dos ltimos 2 anos; cresci muito com vocs. Agradeo em especial
a nosso orientador e lder, Neander Abreu, pela confiana e pela inspirao profissional
que para mim. Aos amigos da ps-graduao, Chrissie, Gustavo, Carla, Ana, Nara,
Natalia e Janana, a convivncia com vocs enriqueceu minha vida e este trabalho. Ao
grupo de bolsistas e voluntrios guerreiros que trabalharam diretamente no projeto, meu
reconhecimento ao esforo e dedicao de vocs: Gabi, Paulo, Jon, Yuri, Thay,
Andressa, Aline, Bruna, esse trabalho nosso. Agradeo tambm a Ivana pela
disponibilidade para resolver os processos burocrticos da ps-graduao, no menos
importantes nessa caminhada.
Minha gratido aos profissionais de sade que receberam nossa equipe em seu
ambiente de trabalho, em especial Dra. Manuela e Dra. Cristiane, do Ambulatrio
Magalhes Neto do Hospital Universitrio Edgar Santos; Marilu, Mildred, Viviane,
Velsia, no Ambulatrio de Demncias do Centro de Referncia Estadual de Ateno
Sade do Idoso; e a Dr. Leonardo, s enfermeiras Martha e Joelma e s estagirias de
enfermagem Ana e Potira que fizeram o possvel para facilitar o acesso aos pacientes no
Ambulatrio de Memria do Hospital Santo Antonio Obras Sociais Irm Dulce.
Sou grata Faculdade Livre da Maturidade, nas pessoas de Graa e Clcia, por
terem aberto as portas e disponibilizado espao para que os alunos participassem da
pesquisa. E coordenao da Universidade da Terceira Idade da Universidade Estadual
da Bahia (Uneb) por ter cedido espao e viabilizado as entrevistas com os estudantes.
Agradeo aos colegas de trabalho do IFBA e, sobretudo, a Andra e a Marcos,
que com compreenso e flexibilidade apoiaram a realizao desse trabalho.
psicloga Samira, obrigada por ter me ajudou a aproveitar essa fase com mais
equilbrio.
Por fim, dedico esse trabalho aos participantes da pesquisa e a seus familiares
que disponibilizaram seu tempo e informaes sobre sua vida em prol do conhecimento
cientfico sobre o envelhecimento e da solidariedade s milhares de pessoas e familiares
que convivem com sintomas demenciais.
A empolgao e as expectativas do incio. O aprendizado, as dificuldades, as
amizades e as incertezas do meio. A ansiedade, o alvio e a satisfao do final... Tudo
valeu a pena, tudo me fez uma pessoa melhor.
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Olha estas velhas rvores, mais belas
Do que as rvores moas, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
(Olavo Bilac)
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RESUMO
Tourinho, A. M. O. (2014). Binding objeto-localizao na memria operacional na
Doena de Alzheimer e no Comprometimento cognitivo leve amnstico.
Dissertao de Mestrado, Instituto de Psicologia. Universidade Federal da
Bahia, Salvador.
Introduo: O binding um efeito da memria operacional (MO) capaz de manter
informaes integradas temporariamente, como associaes entre objetos e sua
localizao no espao. Esse processo de integrao de informaes multimodais na MO
dependente do retentor episdico, componente que parece estar comprometido j nos
estgios iniciais da doena de Alzheimer (DA). Objetivos: O presente trabalho a)
revisou a produo cientfica sobre o funcionamento da memria para bindings na DA;
b) investigou de forma emprica se a capacidade da MO para bindings objeto-
localizao est comprometida pela DA e se a medida dessa funo neuropsicolgica
capaz de diferenciar essa condio clnica do Comprometimento Cognitivo Leve
amnstico (CCLa) e do envelhecimento sem queixas cognitivas. Materiais e Mtodos:
Para o primeiro estudo, de reviso, foi realizada busca nas bases eletrnicas Pubmed,
Biblioteca Virtual de Sade (BVS), Scielo e Psychinfo em janeiro de 2014 com os
descritores Memory, Binding e Alzheimer e de 1237 artigos encontrados, 9 foram
includos para anlise. O segundo estudo consistiu em uma comparao entre grupos,
cujos participantes foram 15 idosos com DA provvel, 9 mulheres, idade mdia 73
anos, 15 com CCLa, 12 mulheres, idade mdia 70 anos, recrutados em centros pblicos
de atendimento especializado em demncia da cidade de Salvador-BA, e 26 controles,
12 mulheres, idade mdia 71 anos, voluntrios da comunidade. A avaliao das funes
neuropsicolgicas foi realizada atravs da Dementia Rating Scale, do Teste de Cubos de
Corsi e do Teste de Arrumao do Armrio (TAA), teste computadorizado com
caractersticas ecolgicas, desenvolvido para verificar a capacidade de MO para
bindings objeto-localizao em idosos. Resultados: No estudo de reviso, os 9 artigos
analisados investigaram a capacidade para bindings visuais ou visuoespaciais na DA, 6
na memria de curto prazo e 3 na memria de longo prazo.Os resultados sugerem que a
DA compromete a capacidade para evocao de bindings, e esse prejuzo independe do
tipo de memria envolvido, da tarefa utilizada para avaliao e da natureza dos
estmulos envolvidos. Os achados da reviso sugerem que a capacidade de memria
para bindings tem potencial para ser um marcador neuropsicolgico sensvel e
especfico para a DA. No estudo emprico, as anlises comparativas entre os grupos
revelaram que a DA compromete a capacidade de MO para evocao de bindings
objeto-localizao de maneira mais intensa que o CCL e o envelhecimento saudvel,
mas esta funo aparece prejudicada em todos os grupos. O Teste de Arrumao do
Armrio atingiu sensibilidade de 80% para DA e para CCLa e especificidade de 58% e
54% respectivamente. Conclui-se que a incluso do TAA em protocolos de avaliao
neuropsicolgica pode ampliar a probabilidade de identificar casos positivos para a DA
provvel e CCLa. Passa a ser fundamental a normatizao de instrumentos de memria
para bindings visuoespaciais para inclu-los como prioridade em avaliaes
neuropsicolgicas para idosos com suspeita de demncia.
Palavras-chave: Doena de Alzheimer; Comprometimento cognitivo leve amnstico;
memria operacional; Binding objeto-localizao.
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ix
ABSTRACT
Tourinho, A. M. O. (2014). Object-location binding in working memory in Alzheimer
disease and in amnestic Mild Cognitive Impairment. Dissertao de
Mestrado, Instituto de Psicologia. Universidade Federal da Bahia, Salvador.
Introduction: The binding is an effect of working memory (WM) witch enables
temporarily maintenance of integrated information in memory, as the associations
between objects and their location in space. This process seems to be dependent on
episodic buffer, a component of WM multicomponent model that appears to be
compromised in the early stages of Alzheimer's disease (AD). Objectives: The present
study had as main objectives to review the scientific literature on the relationship
between AD and memory for bindings and empirically investigate the capacity of WM
for object-location bindings are compromised by the AD and cognitive performance in
this role is able to differentiate AD from amnestic Mild Cognitive Impairment (aMCI)
and elderly controls. Materials and Methods: To the review, search was conducted in
electronic databases Pubmed, Biblioteca Virtual de Sade (BVS), Scielo and PsychInfo
in January of 2014 with Memory, Binding and Alzheimer as descriptors and 1237
articles were found, and 9 included for analysis. The empirical study consisted of a
comparison between groups, whose participants were 15 individuals with probable AD,
73 years, 9 women, 15 with aMCI, 70 years, 12 women, all recruited in public centers
of dementia in Salvador, Bahia, Brazil, and 26 controls, 71 years, 12 women, all
community volunteers. Participants answered a sociodemographic and economic
questionnaire and were underwent to neuropsychological assessment using the
Dementia Rating Scale, the Corsi Block Test and Teste de Arrumao do Armrio
(TAA), computerized test with ecological features, designed to verify the ability of WM
for object-location bindings in the elderly. Results: In the review, the 9 articles found
investigated memory for visual or visuospatial bindings in AD, 6 in short-term memory
and 3 in long-term memory, and after analysis it was concluded that AD appears to
compromise the ability to recall bindings, and that damage seems to be independent of
the type of memory involved, the task used and the nature of the stimuli involved in
tasks. Results also suggest that the memory capacity for binding has the potential to
function as a sensitive and specific neuropsychological marker for AD. In the empirical
study, comparative analyzes between groups revealed that AD compromises the ability
of WM to recall bindings object-locations more than aMCI and healthy aging, but this
function appeared to be impaired in all groups. The TAA reached 80% of sensitivity for
probable AD and for aMCI and 58% and 54% of specificity, respectively. It is
concluded that the inclusion of TAA in a neuropsychological assessment protocol can
extend the probability to identify positive cases for probable AD or aMCI. It becomes
crucial the standardization of instruments for visuospatial memory binding and the
inclusion of this kind of testes such as priority in neuropsychological protocols for
elderly people with suspected dementia.
Keywords: Alzheimer disease; amnestic Mild Cognitive Impairment; working memory;
object-location binding.
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LISTA DE TABELAS
Captulo 3
Tabela 1 - Extrao dos dados dos artigos revisados, incluindo objetivo central,
caractersticas das amostras, tipo de memria e de binding testados e principais
resultados........................................................................................................................ 37
Captulo 4
Tabela 2 - Dados descritivos das caractersticas demogrficas dos
grupos............................................................................................................................. 71
Tabela 3 - Dados neuropsicolgicos dos trs grupos de participantes........................... 81
Tabela 4 - Desempenho dos participantes no Teste de Arrumao do Armrio
apresentados em forma de mdia de acertos, Span e ndice de Eficcia para bindings
objeto-localizao........................................................................................................... 82
Tabela 5 - Correlaes entre o desempenho mdio da memria operacional para
bindings objeto-localizao e as caractersticas sociodemogrficas dos participantes.. 84
Tabela 6 - Correlaes entre o desempenho mdio da memria operacional para
bindings objeto-localizao e os domnios neuropsicolgicos avaliados pelo Cubos de
Corsi e pela DRS............................................................................................................ 85
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LISTA DE FIGURAS
Captulo 1
Figura 1 Algoritmo para caracterizao do Comprometimento Cognitivo Leve,
adaptado de Petersen (2011)........................................................................................... 13
Captulo 2
Figura 2 Esquema representativo do Modelo original de Memria Operacional
elaborado por Baddeley & Hitch (1974). Adaptado de Baddeley (2012)...................... 23
Figura 3 Modelo multicomponente de Memria Operacional adaptado de Baddeley
(2000, 2011).................................................................................................................... 24
Captulo 3
Figura 4 Fluxograma com as etapas de busca e seleo dos artigos........................... 35
Captulo 4
Figura 5 Desenho esquemtico do Teste de Arrumao do Armrio com exemplos de
telas originais do teste em tamanho reduzido contemplando as etapas de exposio dos
objetos e suas localizaes, do intervalo de reteno e de reconhecimento dos bindings
objeto-localizao........................................................................................................... 75
Figura 6. Grfico comparativo da capacidade mdia de memria operacional para
recordao de objetos entre os grupos, nas etapas de 3, 4 e 5 objetos do Teste de
Arrumao do Armrio....................................................................................................83
Figura 7. Grfico comparativo da capacidade mdia de memria operacional para
recordao de localizaes entre os grupos, nas etapas de 3, 4 e 5 localizaes do Teste
de Arrumao do Armrio...............................................................................................83
Figura 8 Curva ROC com sensibilidade e especificidade para Doena de Alzheimer
dos escores extrados do Teste de Arrumao do Armrio de memria operacional para
Bindings objeto-localizao com 3, 4 e 5 itens.............................................................. 86
Figura 9 Curva ROC com sensibilidade e especificidade para Comprometimento
Cognitivo Leve amnstico dos escores extrados do Teste de Arrumao do Armrio de
memria operacional para bindings objeto-localizao com 3, 4 e 5 itens.................... 86
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xii
LISTA DE SIGLAS
ABEP Associao Brasileira de Empresa de Pesquisas
CCL Comprometimento Cognitivo Leve
CCLa Comprometimento Cognitivo Leve amnstico
CCLna Comprometimento Cognitivo Leve no amnstico
DA Doena de Alzheimer
DRS Dementia Rating Scale
IAPS International Affective Picture System
LLT Location Learning Test
MO Memria operacional
NINCDS-
ADRDA
National Institute of Neurological and Communicative disorders and
the Alzheimer's Disease and Related disorders Association
RAVLT Rey Auditory Verbal Learning Test
RM Ressonncia Magntica
ROC Receiver Operator Curve
TAA Teste de Arrumao do Armrio
TPT The Placing Test
WTAR Wechsler Test of Adult Reading
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1
SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................ 1
PROBLEMA DE PESQUISA .......................................................................................... 5
OBJETIVO GERAL ......................................................................................................... 6
Objetivos Especficos .................................................................................................... 6
HIPTESES ..................................................................................................................... 7
CAPTULO 1 ASPECTOS DESCRITIVOS E NEUROPSICOLGICOS DA
DOENA DE ALZHEIMER E DO COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE .... 8
CAPTULO 2 REFERENCIAL TERICO: MODELO MULTICOMPONENTE DA
MEMRIA OPERACIONAL E EFEITO BINDING VISUOESPACIAL .................... 18
Memria Operacional, Envelhecimento e Doena de Alzheimer............................... 27
CAPTULO 3 - MEMRIA PARA BINDINGS E DOENA DE ALZHEIMER: UM
ESTUDO DE REVISO ................................................................................................ 31
Introduo .................................................................................................................. 31
Materiais e Mtodos ................................................................................................... 32
TIPO DE ESTUDO ............................................................................................................. 32
AMOSTRA ......................................................................................................................... 32
QUESTO NORTEADORA................................................................................................... 33
DESCRITORES .................................................................................................................. 33
CRITRIOS DE EXCLUSO................................................................................................. 33
SELEO E EXTRAO DE DADOS ..................................................................................... 34
Resultados ................................................................................................................... 34
TIPOS DE ESTUDO ............................................................................................................ 35
TIPOS DE BINDING E MTODOS DE AVALIAO ................................................................ 39
CAPACIDADE DE MEMRIA PARA BINDINGS E DOENA DE ALZHEIMER ............................. 48
BINDING VISUOESPACIAL E EMOES .............................................................................. 55
Discusso .................................................................................................................... 58
Consideraes finais .................................................................................................. 61
CAPTULO 4 - ESTUDO EMPRICO: BINDING OBJETO-LOCALIZAO NA
MEMRIA OPERACIONAL NA DOENA DE ALZHEIMER E NO
COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE AMNSTICO..................................... 63
Introduo .................................................................................................................. 63
Mtodo ........................................................................................................................ 73
PARTICIPANTES ................................................................................................................ 73
QUESTES TICAS ............................................................................................................ 74
INSTRUMENTOS ................................................................................................................ 75
PROCEDIMENTO .............................................................................................................. 78
ANLISE DE DADOS .......................................................................................................... 79
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2
Resultados ................................................................................................................... 79
AVALIAO DAS FUNES COGNITIVAS ............................................................................ 81
ANLISES DE CORRELAO .............................................................................................. 87
ANLISES DE CLASSIFICAO ........................................................................................... 88
Discusso .................................................................................................................... 90
Consideraes finais .................................................................................................. 96
CONCLUSES .............................................................................................................. 98
REFERNCIAS ........................................................................................................... 101
ANEXOS ...................................................................................................................... 124
Anexo I ...................................................................................................................... 124
Anexo II..................................................................................................................... 126
Anexo III ................................................................................................................... 127
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1
INTRODUO
Embora os seres humanos apreendam informaes visuais e espaciais do
ambiente rotineiramente, permanece intrigante a forma como o crebro associa
corretamente objetos s suas caractersticas, especialmente quando se trata de
informaes processadas em regies corticais distintas e altamente especializadas
(DeYoe & van Essen, 1988), como acontece na associao entre objetos e suas
localizaes no espao. H evidncias de que nas primeiras etapas do processamento
visual, os estmulos so verificados em suas mltiplas dimenses e chegam
conscincia, percepo e memria como unidades integradas (Treisman & Gelade,
1980).
O binding um efeito cognitivo responsvel pela integrao das caractersticas
de estmulos ou eventos para formao de memrias complexas e ocorre em diferentes
nveis cognitivos (Zimmer, Mecklinger, & Lindenberger, 2006): perceptual, na memria
de curto prazo e na memria de longo prazo (Baddeley, 2000). O efeito binding em
nvel perceptual est preservado no envelhecimento saudvel (Parra, Abrahams, Logie,
& Della Sala, 2009a), desde que os mtodos de avaliao considerem as limitaes
sensoriais e a reduo da velocidade de processamento, que se agravam com o aumento
da idade. Na memria de longo prazo, os mecanismos de binding parecem ser afetados
pela idade, o que costuma aparecer funcionalmente como queixas de memria
episdica, evidenciadas por dificuldades para recordar informaes integradas, como
objetos e suas localizaes (Chalfonte & Johnson, 1996; Puglisi, Park, Smith & Hill,
1985) rostos e seus nomes (Naveh-Benjamin, Guez, Kilb & Reedy, 2004; Sperlin et al.,
2003) e pares de palavras (Castel & Craik, 2003; Naveh-Benjamin, 2000). O efeito do
envelhecimento saudvel sobre a reduo da capacidade da memria de longo prazo
para evocao de bindings para objeto-localizao foi relatado em estudos que
compararam grupos de adultos mais velhos e mais jovens (Cowan, Naveh-Benjamin,
Kilb, & Saults, 2006) e estudos de imagem sugeriram que esse declnio pode estar
associado a alteraes hipocampais (Mitchell, Johnson, Raye, & DEsposito, 2000;
Mitchell, Raye, Johnson, & Greene, 2006).
Os processos de armazenamento e evocao de bindings temporrios na
memria operacional (MO), no envolvem aprendizagem e esto relacionados a
mecanismos cognitivos diferentes daqueles responsveis pela formao do bindings de
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2
longa durao (Logie, Brockmole & Vandenbroucke, 2008). A capacidade para evocar
corretamente bindings temporrios, na MO, parece ser menos afetada pelo
envelhecimento, sobretudo quando as caractersticas ou estmulos a serem integrados
so de uma mesma natureza, como cor-cor ou cor-forma (Della Sala, Parra, Fabi, Luzzi,
& Abrahams, 2012; Olson et al., 2004; Parra et al., 2009a). Quando alm de informao
visual, h envolvimento de informaes espaciais, a capacidade para evocar bindings na
MO parece declinar com a idade (Mitchell et al, 2000, 2006). Cowan et al. (2006)
verificaram que idosos tem desempenho similar ao de jovens no reconhecimento de
mudanas em arranjos visuais de blocos coloridos, mas inferior quando testados na
condio de binding, em que alm das mudanas de cor, tambm havia mudanas de
localizao dos estmulos.
Quando a formao de bindings na MO envolve processos ativos, e portanto
mais custos em termos atencionais e executivos (Elsley & Parmentier, 2009; Fougnie &
Marois, 2009; Wheeler & Treisman, 2002), a capacidade para evocao de bindings
visuoespaciais tende a ser inferior capacidade para evocao de informaes isoladas,
em todas as idades. Parra et al. (2009a) verificaram que a capacidade de MO para
recordar associaes corretas entre objetos e duas cores significativamente menor que
a capacidade para recordar objetos associados a uma nica cor, independente da idade
dos participantes. Os resultados, porm, no so consensuais e parecem diferir em
funo da diversidade das tarefas usadas para investigar o efeito binding, algumas
solicitando a conexo entre dimenses de natureza diferente e outras, a conexo entre
caractersticas dentro de uma mesma dimenso ou de um mesmo objeto (Grady &
Craik, 2000; Olson & Jiang, 2002).
Pesquisas sobre binding visuoespacial na MO sugerem que esta pode ser uma
funo cognitiva sensvel a disfunes ou leses cerebrais decorrentes de doenas e
transtornos (Parra, Abrahams, Fabi, Logie, Luzzi, & Della Sala, 2009b; Parra,
Abrahams, Logie, Mndez, Lopera, & Della Salla, 2010a). A literatura sugere que
prejuzos no binding visuoespacial sejam responsveis por algumas dificuldades
funcionais presentes em transtornos do desenvolvimento, como autismo (Brock, Brown,
Boucher & Rippon, 2002) e em processos degenerativos, como a Doena de Alzheimer
(DA) (Parra et al., 2010a; Parra, Abrahams, Logie, & Della Sala, 2010b). Estudos
clnicos indicam que o binding visuoespacial na memria de curto prazo no afetado
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3
pelo envelhecimento saudvel, nem pela depresso crnica, mas est comprometido na
DA (Parra et al., 2010a). Pacientes com DA apresentam dificuldades para recordar
figuras coloridas previamente estudadas, manter uma conversa com um nmero
crescente de participantes (Della Salla, Kinnear, Spinnler & Stangalio, 2000),
reconhecer de forma integrada faces e nomes (Hodges & Greene, 1998), objetos e suas
partes (Tippett, Blackwood & Farah, 2003) e pares de palavras (Gallo, Sullivan,
Daffner, Schacter & Budson, 2004).
Por muito tempo o desempenho em memria episdica foi considerado o
marcador mais seguro para caracterizar a DA (Dubois et al., 2007; Perry, Watson &
Hodges, 2000), porm uma funo cognitiva que aparece comprometida tambm na
Depresso Maior (Parra et al., 2010a) mostrando que os testes para memria episdica
so sensveis, porm no especficos para DA.
O Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) representa um estgio prodrmico
das demncias, que pode ser decorrente do esquecimento benigno da senescncia ou
representar um estgio sindrmico pr-clnico da DA, no qual os sintomas
caractersticos da doena ainda no esto bem estabelecidos (Petersen et al., 2009; 2001;
Petersen et al., 1999). O Comprometimento Cognitivo Leve amnstico (CCLa), quando
h comprometimento da memria, tem sido associado ao risco aumentado para
desenvolvimento da DA (Petersen, 2011).
Embora exista quantidade razovel de pesquisas evidenciando informaes
sobre o binding na memria de longa durao na DA (Kessels, Rijken, Joosten-Weyn
Banningh, Schuylenborgh-Van Es, & Olde Rikkert, 2010; Nashiro & Mather, 2011),
poucos estudos verificaram o efeito do binding na MO visuoespacial e particularmente
nenhum identificado sobre binding objeto-localizao comparando indivduos com DA,
CCLa e indivduos saudveis. Este trabalho tem como objetivo estudar a capacidade da
MO para evocao de bindings objeto-localizao em idosos com DA, com CCLa e
controles. O objetivo central da pesquisa foi verificar o quanto a MO para bindings
objeto-localizao capaz de diferenciar pessoas com DA, daquelas com CCLa e de
controles, e se essa funo cognitiva pode ser considerada um marcador
neuropsicolgico sensvel e especfico para a DA em seus estgios iniciais, funcionando
como uma ferramenta para auxiliar diagnsticos precoces e diagnsticos diferenciais.
Estudo semelhante foi realizado por Kessels et al. (2010), testando a capacidade
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4
de memria de longo prazo para evocao de bindings entre fotografias de objetos e
localizaes. Os pesquisadores verificaram que o desempenho dos participantes com
DA na tarefa de binding objeto-localizao foi significativamente inferior ao dos
participantes com CCLa, e essa medida foi mais sensvel e especfica para o grupo com
DA que os testes de memria verbal tradicionais, sugerindo que medidas de memria
visual podem ter maior valor diagnstico para essa condio. Espera-se encontrar um
padro de desempenho de memria para bindings diferente entre os grupos, uma vez
que as habilidades visuoespaciais, o controle atencional e a memria operacional, em
especial o retentor episdico, engajados no processamento de bindings, parecem estar
comprometidos precocemente na DA (Filgueiras, Landeira-Fernandez, & Charchat-
Fichman, 2013; Iachini, Iavarone, Senese, Ruotolo, & Ruggiero, 2009).
No presente trabalho foram utilizados testes neuropsicolgicos de uso tradicional
na clnica e na pesquisa brasileira para avaliao cognitiva global e avaliao da MO
dos idosos e, para avaliar a capacidade de MO para evocao de bindings, um teste
ecolgico, novo, o Teste de Arrumao do Armrio (TAA), que est em fase de
validao, e foi utilizado em carter exploratrio (Abreu, Menezes, Siquara, Villa &
Villa, 2014). O estudo tem relevncia na medida em que utiliza uma proposta nova de
avaliao da capacidade de MO para bindings visuoespaciais, construto da
neuropsicologia cognitiva, ainda pouco estudada no Brasil. A investigao desse
aspecto cognitivo em pessoas que esto envelhecendo sem queixas cognitivas
clinicamente relevantes, em pessoas com quadro sindrmico de CCLa e com
diagnstico de DA pode acrescentar informaes acerca dos prejuzos executivos,
atencionais e de memria frequentemente associados ao envelhecimento natural e em
maior intensidade DA, problema de sade que atinge parcela significativa da
populao brasileira e desperta preocupao com a preveno e com a qualidade de vida
no envelhecimento.
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5
PROBLEMA DE PESQUISA
O processo natural de envelhecimento parece promover um declnio na memria
operacional visuoespacial e a Doena de Alzheimer pode potencializar esse prejuzo em
seus estgios iniciais. A capacidade de memria operacional para bindings objeto-
localizao, que envolve o armazenamento e a recuperao temporrios de informaes
visuais e espaciais de forma integrada, parece estar especialmente prejudicada em
idosos com DA, podendo funcionar como um marcador neuropsicolgico sensvel e
especfico para diferenci-los de idosos com CCLa e de idosos sem sintomas mnsticos.
Tomadas essas consideraes, foi formulado o problema de pesquisa:
1. possvel diferenciar idosos com Doena de Alzheimer de idosos com
Comprometimento Cognitivo Leve amnstico e controles atravs do
desempenho em memria operacional para bindings objeto-localizao?
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OBJETIVO GERAL
Comparar a capacidade da memria operacional para evocao de bindings
objeto-localizao entre idosos com DA provvel, com CCLa e controles.
Objetivos Especficos
1. Revisar principais estudos publicados em revistas indexadas sobre capacidade de
memria para bindings na DA.
2. Verificar a capacidade discriminativa da memria operacional para evocao de
bindings objeto-localizao entre idosos com DA provvel, com CCLa e controles.
3. Verificar sensibilidade e especificidade do efeito binding objeto-localizao na
memria operacional para DA provvel e CCLa.
4. Verificar as relaes entre a capacidade de memria operacional para evocao de
bindings objeto-localizao, e demais funes cognitivas nos trs grupos.
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7
HIPTESES
H1: A capacidade de MO para bindings objeto-localizao inferior entre idosos com
DA provvel quando comparados a idosos com CCLa e controles.
H2: O efeito binding para objeto-localizao na memria operacional marcador
cognitivo sensvel e especfico para a populao com DA provvel.
H3: H correlaes positivas entre a capacidade de MO para evocar bindings objeto-
localizao e o desempenho em tarefas de memria e demais funes cognitivas nos
trs grupos clnicos.
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8
CAPTULO 1 ASPECTOS DESCRITIVOS E
NEUROPSICOLGICOS DA DOENA DE ALZHEIMER E DO
COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE
O envelhecimento da populao brasileira est causando modificaes na
estrutura etria do pas, havendo previses de que em 2025 o Brasil seja o sexto pas do
mundo em nmero de pessoas idosas (World Health Organization, 2005). Em 2010, a
expectativa de vida do brasileiro era de 73,48 (IBGE, 2012), com tendncia de aumento
de 3,3% ao ano para pessoas com mais de 60 anos (Rosset, Pedrazzi, Roriz-Cruz,
Morais, & Rodriguez, 2011). Entre os 60 e 65 anos esperado que os idosos apresentem
sade fsica e mental preservada, sendo mais comum que mudanas no desempenho
global e acelerao do declnio fsico e cognitivo ocorram a partir dos 75 anos
(Argimon, Wendt, & De Souza, 2006). Como consequncia desse envelhecimento, tem
crescido a incidncia de doenas crnico-degenerativas, como as demncias
(Aprahamian, Martinelli & Yasuda, 2009).
A Doena de Alzheimer (DA) a etiologia mais frequente das demncias e seu
quadro clnico tpico caracteriza-se inicialmente por declnio acentuado da memria
episdica recente, observados pela repetio de informaes e perguntas, pela
dificuldade de novos aprendizados (Caixeta, Pinto, Soares & Soares, 2014). Na
testagem formal das funes cognitivas, outros domnios podem apresentar prejuzos,
como linguagem, com dificuldades para nomeao e acesso ao lxico, funes
executivas e funes visuoespaciais. Mecanismos atencionais, sobretudo de ateno
dividida e controle inibitrio podem estar comprometidos, erros de intruso so comuns
em testes de memria e os pacientes costumam se beneficiar da evocao por
reconhecimento, em detrimento da evocao espontnea (Caixeta et al., 2014). Nos
estgios mais avanados da doena, o agravamento dos sintomas cognitivos aparece
acompanhado por transtornos psicoafetivos, alteraes no humor, de personalidade,
comprometimento do senso moral, aparecimento de sintomas psicticos,
comprometendo o funcionamento social e laboral do indivduo (Fontaine, 2010).
At o final da dcada de 60, a DA era considerada uma forma de demncia rara,
passando a ser mais conhecida em 1976 aps a fuso com a classificao nosolgica de
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9
Demncia senil, pela similaridade histopatolgica e sintomtica (Caixeta, 2012). O
nmero de publicaes sobre o tema cresceu, saltando de 18 artigos na dcada de 60
para 52.045 em 2010 em revistas indexadas no Pubmed (Caixeta, 2012).
A DA responsvel por 55,1% dos casos de demncia diagnosticados no Brasil
(Herrera, Caramelli, Silveira, et al., 2002). A prevalncia de 1 a 2% entre os
indivduos na faixa etria de 60 a 65 anos, aumentando para cerca de 20% aos 80 anos,
podendo chegar a 40% entre os nonagenrios (Azambuja, 2007). No Brasil, a maioria
dos estudos de prevalncia de DA foram realizados no estado de So Paulo, com
exceo de um, realizado por Godinho, Gorczevski, Heisler, Cerveira e Chaves (2010)
no Hospital Universitrio de Porto Alegre. Esse vis de amostragem dos estudos, ainda
restritos a dois estados de um pas extenso e diverso socioculturalmente precisa ser
considerado, reconhecendo-se a necessidade de ampliar as pesquisas para obter dados
mais conclusivos (Vieira & Caixeta, 2012).
A DA tem sido a causa mais frequente de demncia em quase todos as
pesquisas, aparecendo atrs da Demncia Vascular ou tendo frequncia equivalente a
ela, em apenas dois estudos (Silva & Damasceno, 2002; Scazufca et al., 2008). Ainda
que os estudos tenham sido realizados em um mesmo estado, a frequncia de DA sofreu
variao de 23,7% a 62,8%. Essas diferenas podem refletir diferenas locais,
socioculturais ou mesmo populacionais, em funo, por exemplo, das diferentes taxas
de mortalidade ou de vieses metodolgicos (Vieira & Caixeta, 2012).
Nitrini et al. (1995) verificaram em um estudo epidemiolgico que a DA foi
responsvel por 54% dos casos, no tendo sido encontradas diferenas de prevalncia
por grupo socioeconmico ou escolaridade. Vale e Miranda (2002) observaram tambm
que a DA foi a etiologia mais frequente para demncia, bem como Takada et al. (2003),
que verificaram que 59% dos casos de demncia registrados entre 1991 e 2001 em um
Hospital Universitrio Pblico de So Paulo foram diagnosticados como DA. Em outros
estudos a DA apareceu ainda como diagnstico mais frequente, respondendo por 62,8%
dos casos numa populao de 113 pacientes de idade mdia de 74 anos no ambulatrio
de demncia do Instituto de Psiquiatria da Universidade de So Paulo (Tascone,
Marques, Pereira & Bottino, 2008) e 60% casos de uma populao de 105 pacientes,
com idade mdia de 79 anos, atendidos na clnica de demncia do Hospital das Clnicas
do Rio Grande do Sul (Godinho et al., 2010).
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10
Alm desses estudos que mapearam os registros de casos atendidos em
ambulatrios especializados, estudos populacionais vm sendo desenvolvidos no Brasil,
para verificar a prevalncia da DA na populao em geral. Herrera et al. (2002)
encontrou incidncia de 4,9% para DA e de 7,1% para demncias em geral, entre
indivduos com idade igual ou superior a 65 anos na regio de Catanduva-SP. Nesse
mesmo estudo, houve associao da idade com a prevalncia de demncias, do sexo
feminino com a prevalncia de DA e o fator nvel de escolaridade apareceu como
protetor para desenvolvimento de DA.
Scazufca et al. (2008) encontrou prevalncia de 1,6% para DA na populao
com mais de 65 anos na cidade de Botucatu-SP, dado que apareceu associado
positivamente aos indicadores socioeconmicos no incio da vida. Na cidade de So
Paulo, um estudo com indivduos com mais de 60 anos encontrou prevalncia de 6,8%
de demncia na populao sendo DA a causa de 59,8% dos casos, e o analfabetismo e a
idade como fatores de risco para desenvolvimento da doena (Tascone et al., 2008).
So considerados fatores de risco para desenvolvimento de DA: a idade, a baixa
escolaridade, a presena do alelo 4 do gene ApoE, histria de traumatismo craniano
com perda de conscincia, problemas cardiovasculares no controlados, sedentarismo e
baixa demanda cognitiva ao longo da vida (American Psychiatric Association, 2002).
Alm disso, outros fatores de risco para desenvolver a doena so: histria de DA na
famlia, que pode aumentar at quatro vezes a chance de desenvolver a doena e a
presena de trissomia do cromossomo 21, caracterstica da Sndrome de Down (Visser,
Verhey, Ponds, Kester & Jolles, 2000).
Por outro lado, o grau de escolarizao pode ser responsvel pelo aumento da
densidade sinptica de regies corticais e por maior neuroplasticidade funcionando
como fatores protetores para o desenvolvimento da DA (Sattler, Toro, Schnknecht, &
Schrder, 2012). Quanto maior a quantidade de anos de escolarizao formal, melhor
tende a ser o desempenho em testes de rastreio cognitivo e em testes neuropsicolgicos
especficos, e menor tende a ser a prevalncia de demncias. Para um grupo de pessoas
que frequentou a escola por 8 anos ou mais foram encontradas taxas de prevalncia de
3,5% enquanto entre analfabetos, de 12,2% (Aprahamian et al., 2009). A correlao
com a escolaridade tem se mostrado to vlida para demncia quanto para CCL
(Ylikoski et al., 1999).
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Com o objetivo de analisar as modificaes cognitivas de idosos em idade
avanada, Argimon e Stein (2005) desenvolveram um estudo longitudinal de trs anos,
com uma amostra aleatria de 66 participantes em 1998 e de 46 em 2001, no qual
verificaram pequeno declnio no desempenho cognitivo, no suficiente para ocasionar
mudanas significativas no padro de funcionamento cognitivo global. Concluram
ainda que atividades de lazer e a quantidade de anos de escolaridade minimizam o
declnio desse desempenho cognitivo.
A idade, e consequentemente o envelhecimento neuronal nas regies do crtex e
subcrtex, indicada como fator preponderante para demncia, pois a prevalncia dobra
a cada cinco anos de vida acrescidos a partir dos 60 anos. Alteraes genticas e
hereditariedade tambm tm sido investigadas como possveis fatores de risco para a
DA, havendo concordncia significativa entre gmeos idnticos (Lucatelli, Barros,
Maluf, & Andrade, 2009; Samaia & Vallada Filho, 2000). A relao de outros fatores
com o aumento do risco para desenvolver DA ainda controversa na literatura, como
traumas cranioenceflicos, sexo feminino, adeso a terapias de reposio hormonal,
etnia caucasiana, alumnio e a aterosclerose (Aprahamian et al., 2009).
Achados neuropatolgicos da DA indicam um padro de leses cerebrais
crescentes medida que progridem os sintomas da doena. As leses extracelulares so
causadas pelo acmulo de placas neurticas senis, cujo principal componente a
protena amiloide 42. So identificados tambm emaranhados neurofibrilares,
compostos em sua maioria pela protena tau hiperfosforilada, responsveis pelas leses
intracelulares (Vieira & Caixeta, 2012). Estudos com Ressonncia Magntica Funcional
encontram reduo do volume cerebral, sobretudo da substncia cinzenta. Os achados
mais consistentes so de atrofia no lobo temporal medial, atingindo hipocampo,
amgdala, crtex entorrinal e giro para-hipocampal, alargamento dos ventrculos e
reduo do volume cerebral global (Hsu, Du, Schuff & Weiner, 2001; McDonald et al,
2009). H evidncias de reduo da substncia cinzenta em algumas estruturas do lobo
temporal medial entre pacientes com CCLa, e esse parece ser um preditor importante
para evoluo desse estgio para a demncia (Ferreira, Diniz, Forlenza, Busatto, &
Zanetti, 2009). Outros estudos encontraram padres cerebrais estruturais e funcionais
em pessoas com CCL semelhantes ao esperado para a DA, como hipometabolismo nas
regies temporoparietais (Perroco, 2013).
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol27/n2/art104.htm#autor -
12
Atualmente h uma preocupao em tornar mais precoce o diagnstico de DA,
para ampliar as possibilidades de retardar o curso da doena, estabilizar os sintomas ou
proporcionar melhor qualidade de vida aos pacientes (Aprahamian et al., 2009). Esse
interesse crescente pelas fases pr-demenciais se deve possibilidade de identificar as
caractersticas clnicas das doenas antes que os comprometimentos funcionais sejam
evidentes (Petersen et al., 2009b), momento considerado por pesquisadores como tardio
para o tratamento da doena de base (Gauthier et al., 2006). Este interesse reforado
pelas evidncias de que os prejuzos cognitivos e neurodegenerativos tem incio, na
verdade, anos antes do diagnstico (Small, Gagnon, & Robinson, 2007).
O Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) representa um estgio prodrmico
das demncias, que pode ser decorrente do esquecimento benigno da senescncia ou
representar um estgio sindrmico pr-clnico da DA, no qual os sintomas
caractersticos da doena ainda no esto bem estabelecidos (Petersen et al., 2009b,
2001, 1999). O termo CCL foi proposto inicialmente (Reisberg et al., 1988) para
pacientes que tivessem desempenho correspondente ao estgio 3 da Escala de
Deteriorao Global, mas a pouca sensibilidade de escalas globais para diferenciar o
CCL dos estgios iniciais de demncia impulsionou a busca por critrios diagnsticos
mais precisos. Em 1999, um estudo do Mayo Clinic Institute sugeriu novos critrios
diagnsticos para o CCL e enfatizando o prognstico de evoluo para DA (Petersen et
al., 1999). Evidncias clnicas de que parte dos casos de CCL evolua para outros tipos
de demncia promoveram alteraes classificao original. O CCL passou a ser
caracterizado em subtipos clnicos amnstico (CCLa) e no amnstico (CCLna), ambos
comportando a possibilidade de comprometimento cognitivo em apenas um ou em
mltiplos domnios (Petersen et al., 2009a). Oficialmente, a incluso de uma
classificao para estagios pr-demenciais apareceu pela primeira vez como CCL nos
manuais diagnsticos CID-10 (Organizao Mundial de Sade, 1993) e no DSM-IV
(American Psychiatric Association, 2002).
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=GauthierS%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=16631882http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=PetersenRC%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=20042704 -
13
Figura 1. Algoritmo para caracterizao do Comprometimento Cognitivo Leve, adaptado de
Petersen et al. (2011).
O CCL caracterizado pela presena de queixa subjetiva de declnio cognitivo,
evidncias objetivas de prejuzos cognitivos leves em testes neuropsicolgicos,
preservao da funcionalidade, no havendo impactos significativos na realizao de
atividades da vida diria, e no preenchendo critrios diagnsticos para demncia
(Figura 1, Petersen et al. 2011). Embora se estime que no mais que 50% dos indivduos
com CCL evoluam para DA, essa condio um dos preditores mais confiveis para o
diagnstico precoce (Wagner, Brando, & Parente, 2006). Charchat-Fichman et al.
(2005) encontraram taxa de converso de CCL para DA de 10 a 15% ao ano,
reafirmando o alto risco desse subgrupo para esse tipo de demncia. O CCLa tem sido
associado ao risco aumentado para desenvolvimento da DA, enquanto o CCLna de
domnio nico parece aumentar o risco de Demncia fronto-temporal ou Afasia
progressiva primria e o CCLna de mltiplos domnios sugere maior probabilidade para
desenvolver outras demncias (Charchat-Fichman et al., 2005; Petersen et al., 2011).
Os percentuais de converso de CCL para DA diferem em funo de mtodos
amostrais (Petersen et al., 2009b). Em geral, as taxas de converso encontradas na
populao com CCL recrutada em centros especializados variam entre 10 a 15% ao ano
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14
(Farias, Mungas, Reed, Harvey, DeCarli, 2009), enquanto em estudos epidemiolgicos,
com amostras populacionais aleatrias, as taxas so de 6 e 10% ao ano (Fischer et al.,
2007). Essas diferenas se devem provavelmente maior heterogeneidade dos casos
selecionados aleatoriamente na populao em geral, considerando que as pessoas que
buscam atendimento em centros especializados j experimentam sintomas cognitivos
mais proeminentes. Mesmo com essas amplas variaes de resultados, a probabilidade
de desenvolver DA no perodo de um ano entre as pessoas que tem CCL supera em
muito as taxas encontra para prevalncia de DA na populao em geral todos os anos,
estimada em torno de 1% a 2% (Petersen et al., 1999).
Uma vez atendidos os critrios para CCL, o maior risco de evoluo para DA
parece estar relacionado ao grau de comprometimento da memria ou de outros
domnios cognitivos, o que parece estar associado tambm maior extenso da
patologia no crebro (Visser et al., 1999). Outros fatores, como a presena de patologias
sistmicas, de fatores genticos (como presena do alelo E4, considerado fator de risco
para DA), exposio a situaes de estresse, maus hbitos de sade mediam essa relao
e ajudam a compreender a variabilidade cognitiva do processo de envelhecimento
(Deary et al., 2009). Menor idade, maior grau de escolaridade formal e
desenvolvimento, preservao de habilidades sensoriais prvias e envolvimento em
atividades sociais e de lazer (Sattler, Toro, Schnknecht, & Schrder, 2012) so fatores
associados progresso mais lenta de declnio cognitivo, a menor atrofia cerebral e ao
adiamento na incidncia de demncias. Esses fatores, considerados protetores para
desenvolvimento de demncias, parecem estar relacionados constituio de uma maior
reserva cognitiva, fundamental para os processos de neuroplasticidade e resilincia s
mudanas cognitivas (Drag & Bieliauskas, 2010). A reserva cerebral, que pode ser
inferida por medidas como o volume cerebral ou a quantidade de neurnios e conexes,
parece estar associada tambm ao aparecimento de menos sintomas nos estgios iniciais
de DA (Jellinger, & Attems, 2013).
Petersen et al. (2009b) atualiza as contribuies das diversas tcnicas de
(ressonncia magntica, tomografia por emisso de psitrons, volumetria de regies
corticais, tcnicas de imagem molecular, exame do lquor, dados genticos) disponveis
para verificar biomarcadores da DA em pacientes com CCL e considera que
possivelmente o melhor modelo para predizer as chances de converso de CCL para DA
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seja a combinao de neuroimagem e biomarcadores qumicos, ressaltando que
nenhuma medida isoladamente ser eficaz como preditor. Embora a testagem
neuropsicolgica seja fundamental para a avaliao objetiva da cognio do paciente
nesse contexto, h uma discusso importante em relao ao uso de dados normativos e
pontos de corte para os instrumentos neuropsicolgicos, sendo necessrio considerar
no apenas dados cognitivos no processo diagnstico (Petersen et al., 2009b). A
identificao do CCL e a classificao em subtipos clnicos muitas vezes no possvel
apenas a partir do exame clnico e de instrumentos de triagem (Diniz et al., 2008), e
avaliao neuropsicolgica nesse caso aumenta a sensibilidade da avaliao clnica para
verificar alteraes cognitivas leves. Atualmente so considerados como parmetros
para classificao de CCL entre -1 e -1,5 desvios-padro em relao aos pontos de corte
(Petersen, 2011).
Em uma reviso sobre marcadores utilizados em pesquisa e em clnica para
predizer a evoluo de CCL para demncia Modrego (2006) encontrou desde a tarefa de
recordao simples do Mini Exame do Estado Mental at tcnicas radiolgicas
sofisticadas. Constatou que testes neuropsicolgicos raramente ultrapassam 70% de
sensibilidade e especificidade, enquanto marcadores genticos apresentam baixa
sensibilidade e marcadores bioqumicos carecem ainda de mais estudos para verificar
sua especificidade. As medidas de atrofia de hipocampo ou entorrinal, embora
utilizados, so marcadores radiolgicos pouco precisos pelas variaes das ferramentas
e da anatomia. A maior acurcia para predio da progresso de CCL para DA parece
provir da combinao de medidas de tomografia por emisso de psitrons com
desempenho em memria ou com o gentipo APOE4, mas Modrego (2006) ressalta que
so necessrios mais estudos e ampliao das amostras.
Estudos em neuropsicologia clnica e experimental tem identificado que o
desempenho em testes especficos e em baterias de rastreio cognitivo pode ser til para
identificao precoce de perfis de risco para desenvolver DA, para diagnstico
diferencial ou mesmo para estabelecer grau de comprometimento cognitivo, permitindo
a definio do estgio ou severidade da patologia. A heterogeneidade das manifestaes
clnicas da DA dificulta a identificao de padres, sendo que a diversidade de perfis
neuropsicolgicos parece associada a diferentes processos de difuso da patologia no
crebro e a diferentes taxas de progresso da doena (Musicco et al., 2010). Em um
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estudo que acompanhou ao longo de 2 anos 154 idosos recentemente diagnosticados
com DA, maioria mulheres e com idade mdia de 73 anos, pacientes com
funcionamento executivo mais comprometido tiveram pior prognstico, o que parece
estar relacionado ao comprometimento neuropatolgico do crtex pr-frontal (Musicco
et al., 2010).
Em termos de marcadores neuropsicolgicos, o prejuzo cognitivo mais
proeminente na DA na memria episdica, caracterizado pela inabilidade de adquirir,
codificar e recuperar memrias para eventos. Esse comprometimento aparece logo nos
primeiros estgios da doena e progressivo (Aggarwal, Wilson, Beck, Bienias &
Bennett, 2005) e vem sendo considerado na literatura como funo cognitiva preditora
da converso de CCL para DA (Landau et al., 2010). No entanto, embora seja uma
medida considerada sensvel para o diagnstico precoce, a identificao de prejuzos em
memria episdica no garante especificidade para DA (Parra et al., 2010a) pois est
presente tambm em outras doenas degenerativas.
Charchat-Fichman et al. (2001) estudaram o desempenho de 40 pacientes com
provvel DA em testes computadorizados de memria episdica, memria de curto
prazo e registro de tempo de reao e compararam-nos com 73 idosos controles. Os
pacientes com DA tiveram percentual de acertos menor e latncia de resposta maior em
ambos os testes quando comparados aos controles e ambos os testes foram sensveis e
especficos para a DA, funcionando como marcadores clnicos para os estgios iniciais
da DA. Charchat-Fichman et al. (2005) consideram relevante a investigao de novos
marcadores neuropsicolgicos para a prtica ambulatorial e de pesquisa, a fim de
caracterizar grupos clnicos com maior preciso, para que idosos possam ser
beneficiados por tratamentos em estgios pr-clnicos da doena.
Os esforos so crescentes no sentido de compreender como outros processos
cognitivos so afetados nos primeiros estgios da DA (Charchat-Fichman, Nitrini,
Caramelli & Sameshima, 2001) como, por exemplo, a memria operacional (MO),
funo complexa que envolve aspectos atencionais, mnsticos e de controle executivo e
recrutada para realizao de inmeras tarefas cognitivas simples e complexas (Huntley
& Howard, 2010; Armentano, Porto, Nitrini & Brucki, 2012). H evidncias na
literatura de que a DA impacta na recordao temporria de informaes relativas
localizao espacial quando a codificao intencional (Parra et al., 2009a), funo que
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estaria associada ao funcionamento dos subcomponentes da MO, principalmente o
retentor episdico, esboo visuoespacial e executivo central (Baddeley, 2000). O
investimento em estudos sobre preditores neuropsicolgicos para a DA, potencialmente
promissores como os subcomponentes da MO, poder facilitar o diagnstico precoce, a
preveno e a interveno antecipada, promovendo benefcios como: a diminuio dos
nveis de estresse familiar, dos riscos de acidentes, o prolongamento da autonomia e o
adiamento do incio do processo demencial (Charchat-Fichman et al., 2005).
Funes cognitivas atribudas MO, como controle atencional, sustentao e
manipulao de informaes, so implcitas realizao de tarefas cotidianas que
aparecem comprometidas na DA inicial como, por exemplo, conversar enquanto se
desloca para um destino, conversar com um grupo de pessoas simultaneamente ou
organizar uma mala para viagem (Alberoni et al., 1992; Camicioli et al., 1997 apud
Huntley & Howard, 2010). A MO engloba simultaneamente componentes atencionais,
executivos e mnsicos, o que torna sua investigao difcil e ambgua (Baddeley,
2012). Estudos de reviso constataram que a DA e o CCLa causam prejuzos em
subcomponentes especficos da MO (Huntley & Howard, 2010; Filgueiras et al., 2013),
e que esses prejuzos so generalizados com o agravamento da doena. Os
subcomponentes da MO esto descritos no captulo II deste trabalho. Investigar as
relaes entre MO e DA ultrapassa a necessidade de verificar e descrever prejuzos
cognitivos, sendo relevante para a compreenso dos impactos cognitivos e funcionais
da doena na vida cotidiana e para a realizao do diagnstico precoce (Huntley &
Howard, 2010).
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CAPTULO 2 REFERENCIAL TERICO: MODELO
MULTICOMPONENTE DA MEMRIA OPERACIONAL E EFEITO
BINDING VISUOESPACIAL
Os estudos cientficos sobre memria obtiveram grande ateno na dcada de
50, com foco na dicotomia clssica entre uma memria de curto prazo, efmera e
limitada e uma memria de longo prazo, duradoura e de capacidade ilimitada (Bueno &
De Oliveira, 2004). O modelo modal de memria de curto prazo desenvolvido por
Atkinson e Shiffrin ao final da dcada de 60 foi bastante influente e teorizou acerca das
etapas do fluxo que a informao seguia at se tornar consolidada, enquanto memria de
longo prazo. Nesse modelo, as informaes sensoriais seriam armazenadas
temporariamente em depsitos especficos e de l seguiriam para um depsito de
informaes cognitivas de curto prazo e este ento se comunicaria com um depsito de
longo prazo (Atkinson & Shiffrin, 1968). Nessa perspectiva, para se tornar memria de
longo prazo, uma informao precisaria necessariamente passar pelo estgio de curto
prazo, que seria tambm caminho de retorno das memrias de longo prazo para a
conscincia, funcionando como abrigo da atividade mental consciente.
Baddeley e Hitch (1974) questionaram o modelo modal de memria de curto
prazo e propuseram um modelo estrutural multicomponente de memria operacional
(MO), que alm do armazenamento temporrio, inclui a propriedade de manipulao
simultnea ao armazenamento e manuteno da informao, fundamental para o
desenvolvimento de tarefas cognitivas simples e complexas. Os autores da nova
proposta haviam percebido que ao tentar sobrecarregar a memria de curto prazo com
tarefas de manipulao de estmulos simultaneamente, a quantidade de erros no
aumentava, havendo apenas dilatao no tempo de resposta, o que denunciava lacunas
no modelo de curto prazo. Outras evidncias advieram de estudos como o de Shallice e
Warrington (1970), que verificaram que pacientes poderiam ter prejuzos na
memorizao em curto prazo e apresentarem memria de longo prazo preservada,
colocando em questo a ideia de que para se tornar memria de longo prazo
necessrio passar pela memria de curto prazo.
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O conceito de MO foi apresentado pela primeira vez em 1960 no livro Plans
and the Structure of Behavior (Baddeley, 2002) e mais tarde consolidado na literatura
atravs do trabalho de Baddeley e Hitch de 1974 (Baddeley, 2012). A ideia surgiu como
uma derivao do modelo de memria de curto prazo de Atkinson e Shiffrin (1968), a
partir de crticas hiptese de que a mera manuteno da informao na memria de
curto prazo garantiria a transferncia da informao para a memria de longo prazo e de
que a passagem da informao pela memria de curto prazo seria indispensvel para o
armazenamento na memria de longo prazo (Baddeley, 2012). Embora ainda sejam
citadas como sinnimos por alguns autores, a memria de curto prazo se refere a uma
classificao genrica de memria responsvel pelo armazenamento temporrio da
informao, enquanto a memria operacional responderia pelos processos simultneos
de armazenamento e manipulao dos estmulos, comunicando-se com a memria de
longo prazo (Baddeley, 2012) e agregando funes cognitivas mltiplas, como ateno,
funes executivas e mnsticas (Malloy-Diniz, de Paula, Loschiavo-Alvares, Fuentes, &
Leite, 2010).
A MO exerce papel fundamental nos processos cognitivos complexos,
solicitados em tarefas cotidianas como durante a leitura de um artigo no jornal, no
clculo da conta de um jantar no restaurante, na reorganizao mental dos moveis na
sala para abrir espao a um novo sof ou ao comparar as caractersticas de imveis para
decidir qual alugar (Miyake & Shah, 1999). na verdade o construto usado em
neurocincia cognitiva para se referir ao mecanismo que est por trs da manuteno de
informaes relevantes durante a realizao de uma tarefa (Baddeley & Hitch, 1974).
importante ressaltar que diferentes modelos tericos tm sido propostos para
explicar o funcionamento da MO. Alguns tericos tm trabalhado com a hiptese de
que a MO resultante de representaes ativas da memria de longo prazo e que teria
capacidade limitada (Ruchkin, Grafman, Cameron & Berndt, 2003; Cowan, 1995). O
referencial terico adotado para o desenvolvimento deste trabalho a verso atualizada
do modelo multicomponente memria operacional (Baddeley, 2000) derivado dos
modelos de memria de curto prazo. Este modelo fornece uma estrutura multimodal que
tem se mostrado til para identificao de evidncias de comprometimento da MO na
DA (Huntley & Howard, 2010) pois a separao dos componentes tem evidenciado que
os prejuzos no incio da DA podem ser especficos, envolvendo principalmente os
-
20
subcomponentes mais ativos e de comunicao com a memria de longo prazo e, a
medida que a doena evolui, a MO vai sendo comprometida tambm nos seus aspectos
de armazenamento mais passivo (Filgueiras et al., 2013). Alm disto, um modelo
construdo com base em evidncias de estudos experimentais, que vem sendo revisado
ao longo de trs dcadas e ainda se apresenta dinmico e aberto (Baddeley, 2012).
O modelo foi elaborado a partir de resultados de estudos da dcada de 60 que
evidenciaram o efeito de similaridade na aprendizagem verbal, a independncia da
memria de longo prazo em relao memria de curto prazo (Shallice & Warrington,
1970), e a no obrigatoriedade de processos em srie na memria de curto prazo para
consolidao de memrias de longo prazo. Tambm foi atravs de evidncias empricas
que os autores propuseram a separao entre o controle atencional e o armazenamento
temporrio de informaes sensoriais e separando o armazenamento em dois
subsistemas, de acordo com a natureza dos estmulos, um fonolgico e outro
visuoespacial, ambos funcionando com capacidades limitadas (Baddeley, 2012). Com o
estabelecimento de subdivises especializadas, o modelo refutou a ideia de sistema
nico do modelo modal de memria de curto prazo (Atkinson e Shiffrin, 1968) e trouxe
a perspectiva de um sistema dinmico no qual diferentes processos acontecem em
paralelo.
O primeiro desenho do modelo multicomponente de memria operacional
(Baddeley & Hitch, 1974) foi formado por trs componentes, funcionando como
mdulos interconectados, com funes complementares (Figura 2). O executivo central
foi estabelecido como uma central ativa de controle atencional e de processamento de
informaes que opera com capacidade limitada, responsvel pela realizao de tarefas
cognitivas, atravs da manipulao, organizao e transformao mental de estmulos de
armazenados temporariamente nos outros dois subcomponentes passivos do modelo, a
ala articulatria e o esboo visuoespacial. A ala articulatria, responsvel pelo sistema
verbal, um componente que nas verses atualizadas do modelo passou a ser nomeada
de ala fonolgica para que o foco sasse da funo de ensaio subvocal (Baddeley,
2012), mecanismo secundrio do componente, identificado como necessrio para
manuteno da informao verbal durante o tempo de realizao de tarefas, atravs da
repetio, silenciosa ou no, dos estmulos. especializada na codificao e
manuteno de sequncias acsticas ou itens baseados na fala, como palavras e fonemas
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(Baddeley & Hitch, 2006; Baddeley & Logie, 1999; Baddeley, 2012).
O esboo visuoespacial, refere-se a um ncleo para armazenamento de
informaes de natureza visual ou espacial, assim configurado pela incerteza emprica
da existncia ou no de dissociao no processamento e armazenamento temporrio de
estmulos visuais e espaciais na dcada de 70 (Baddeley, 2012). O esboo visuoespacial
pode ser considerado como uma espcie de paralelo visuoespacial da ala fonolgica,
que permite armazenar e manipular informaes de natureza visual e espacial (Canrio
& Nunes, 2012). Sua principal funo est relacionada s habilidades de orientao em
relao aos estmulos visuais, como cor, forma, tamanho e s dimenses e
posicionamento no espao, bem como resoluo de problemas visuoespaciais
(Baddeley, 2002). Esses dois subcomponentes passivos trabalham em interao com o
executivo central, que coordena o funcionamento da MO, utilizando as informaes
armazenadas para transform-las em respostas a problemas prticos. Um trabalho
realizado por Phillips em 1974 foi inspirao para conceito inicial do esboo
visuoespacial do modelo multicomponente de memria operacional (Baddeley, 2012).
Ele investigou a capacidade de armazenamento da memria visual usando uma matriz
de estmulos, e observou que a acurcia da recordao declina sistematicamente quando
o nmero de clulas a ser lembrado aumenta, sugerindo a ideia de capacidade limitada
da memria visuoespacial de curta durao. A capacidade de armazenamento
temporrio do esboo visuoespacial limitada ao span, que pode ser definido como a
sequncia mais longa de informaes visuais ou espaciais que um indivduo consegue
reter e manipular de forma confivel (Maylor, 2005). Embora o modelo de memria
operacional mais recente ainda considere o armazenamento temporrio das informaes
visuais e espaciais ocorra dentro de um mesmo esboo visuoespacial, h evidncias de
que haja separao dos processamentos visual e espacial (Baddeley, 2012; Darling,
Della Sala, Logie, & Cantagallo, 2006).
Durante os primeiros anos o esboo visuoespacial foi pouco estudado e uma
maior nfase era atribuda ala fonolgica, em parte por os processos verbais serem
mais acessveis investigao e pelo volume de conhecimento cientfico que j havia
sido produzido sobre memria verbal de curto prazo na poca (Baddeley, 2012). Uma
das dificuldades para investigar caractersticas do esboo visuoespacial que seu
desempenho pode ser mascarado pelo uso do ensaio subvocal da ala fonolgica, que
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facilita a manuteno do estmulo e transfere o armazenamento da informao do
esboo visuoespacial para a ala fonolgica. Estudos de Kroll et al. da dcada de 70
utilizando supresso articulatria interromperam a subvocalizao dos nomes dos
cdigos no julgamento de letras e chegaram a concluso de que o cdigo fonolgico
suplanta o visual (Baddeley, 2012). Outros autores apontam ainda que a dificuldade
para acessar o esboo visuoespacial pode ser justificada pelo envolvimento de dois
processos distintos, o visual e o espacial, o que o torna bastante complexo (Huntley &
Howard, 2010). Alm disto, as tarefas propostas para mensurar esses dois
subcomponentes ainda so escassas e implicam o envolvimento simultneo de outros
componentes da memria operacional, como a ala fonolgica e o executivo central,
havendo dificuldade para isol-lo por completo (Huntley & Howard, 2010).
O teste mais utilizado em pesquisas para mensurar desempenho em MO
visuoespacial o Teste Cubos de Corsi (Milner, 1971; Iachini, Ivarone, Senese,
Ruotolo, & Ruggiero, 2009). Della Sala, Gray, Baddeley, Allamano & Wilson (1999),
verificaram que o padro de span visual est dissociado do span espacial no Corsi, com
alguns pacientes apresentando comprometimento em um enquanto a capacidade do
outro estava preservada. No mesmo estudo percebeu-se que a extenso de span visual
pode ser impactada por uma demanda de processamento visual simultnea, enquanto o
desempenho em tarefas predominantemente espaciais, como o Corsi, est mais
suscetvel interferncia espacial.
Um modelo de dissociao do processamento neural das informaes visual e
espacial foi inicialmente proposto considerando a existncia de dois circuitos neurais
centrais, especializados e independentes (Ungerleider & Mishkin, 1982). As
informaes visuais como cor, forma, tamanho, luminosidade, necessrios ao
reconhecimento de objetos seriam processados pelo circuito ventral, do crtex
occiptotemporal at o crtex pr-frontal ventral, passando pela regio temporal anterior,
chamado de What pathway, ou caminho do o qu. Os dados espaciais seriam
processados pelo circuito dorsal, denominado de Where pathway, que partiria
tambm do crtex occiptotemporal, mas tomaria curso pelo lobo parietal at chegar ao
crtex pr-frontal dorsolateral. Esta via estaria envolvida no processamento de
informaes espaciais, como localizao, distncia, profundidade, e de navegao,
relativas movimentao do corpo ou de objetos no espao (Ianchini, Iavarone, Senese,
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Ruotolo, & Ruggiero, 2009; Milner & Goodale, 2008). Esses circuitos foram
originalmente identificados em macacos como duas vias anatomicamente e
funcionalmente distintas, aps leses nos fluxos ventral e dorsal produzirem prejuzos
seletivos na viso para objetos e na viso espacial, respectivamente. Em 2011, Kravitz,
Saleem, Baker e Mishkin propuseram uma atualizao da estrutura neural para
processamento visuospatial na qual o componente parietal do original circuito dorsal
funciona como um nexo neural da funo visuospatial, inserindo um conjunto de vias de
mediadoras da percepo espacial e da ao guiada pela viso, que envolve mltiplas
reas corticais dos lobos frontais, temporais e regies lmbicas. Essa atualizao alterou
fundamentalmente a caracterizao do sistema dorsal, de finalidade nica, que passa a
ser um sistema multifacetado. Essas novas evidncias neurofuncionais no desfazem a
hiptese de especificidade do armazenamento de informaes visuais e espaciais no
esboo visuoespacial. No entanto, vm apresentar substratos orgnicos que podem
explicar como ocorre a integrao das informaes visuais e espaciais, mecanismo
subjacente formao de memrias complexas como a sustentao temporria da
localizao de objetos e pessoas em um ambiente.
Figura 2. Esquema representativo do Modelo original de Memria Operacional
elaborado Baddeley & Hitch (1974). Adaptado de Baddeley (2012).
Ao longo dos anos, o modelo de MO inicialmente proposto tambm precisou
passar por modificaes e atualizaes (Baddeley, 2012) passando a incorporar
fenmenos como a comunicao da MO com a memria de longo prazo, o
funcionamento interdependente dos subcomponentes passivos, como na
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correspondncia do som de uma letra (informao fonolgica) com a identificao
visual do smbolo (informao visual) e sua localizao em uma pgina (informao
espacial), os quais sugeriam a existncia de integrao entre as informaes de fontes
diferentes (Logie, Della Sala, Wynn & Baddeley, 2000). As atualizaes do modelo
buscaram explicar tambm porque havia aumento significativo na capacidade de
recordao de estmulos integrados a um contexto, como palavras apresentadas em
frases, em relao capacidade de recordao de estmulos isolados, como palavras no
relacionadas, o que sugeria que a agregao de informaes parecia aumentar a
capacidade limitada de armazenamento na MO (Baddeley, 2002; Canrio & Nunes,
2012).
A verso atual do modelo (Baddeley, 2000) introduziu um quarto
subcomponente, denominado retentor episdico, que funciona como um armazenador
temporrio de representaes integradas de informaes multimodais, de natureza
fonolgica, visual, espacial e, possivelmente, provenientes de outras fontes sensoriais,
no cobertas pelos sistemas passivos (Figura 3). O retentor episdico tambm
responsvel pelas associaes entre informaes atuais da MO e a memria de longo
prazo (Baddeley, 2000). Essas funes de integrao e armazenamento de informaes
provenientes de diferentes fontes no formato de cdigos multidimensionais e de
associao com conhecimentos cristalizados (Baddeley, 2012, 2000; Baddeley,
Eyesenck & Anderson, 2011) possibilitam que a vivncia de mundo seja experimentada
como episdios unificados, complexos e permanentemente atualizados. O retentor
episdico tem capacidade limitada e dependente do funcionamento do executivo
central, sobretudo quando a integrao dos estmulos um processo consciente,
dependente de recursos atencionais (Canrio & Nunes, 2012).
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Figura 3. Modelo multicomponente de Memria Operacional adaptado de Baddeley
(2000, 2011).
O retentor episdico desempenha seu papel por meio de dois processos
cognitivos principais: o chunking e o binding (Baddeley, 2012). O chunking descrito
como processo atravs do qual os estmulos so agrupados em unidades maiores de
informao, como na sucesso de palavras para produo de frases, ou na sequenciao
de dgitos para formar nmeros com vrias casas decimais (Baddeley, 2002; Canrio &
Nunes, 2012). Essa integrao de dados ocorre com maior frequncia por efeito
semntico (Germano, Kinsella, Storey, Ong & Ams, 2008). O agrupamento dessas
informaes em unidades maiores potencializa a capacidade de armazenamento,
tornando a codificao mais econmica em termos de recursos atencionais e executivos.
O chunking seria o mecanismo que explicaria o fato da amplitude de MO (span) verbal
ou visuoespacial aumentar medida que os estmulos esto interligados, dependentes
um do outro para formao de um novo dado, com significado prprio (Logie et al.,
2000).
O binding o efeito responsvel pela representao conjugada de diferentes
elementos, unindo partes, que podem ser objetos ou eventos, em contedos unificados,
como acontece quando percebemos uma cor vinculada a uma forma ou um nome
associado a um rosto. (Zimmer et al., 2006; Treisman & Gelade, 1980). O binding como
efeito do retentor episdico o recurso cognitivo responsvel pela sustentao
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temporria de uma conexo entre informaes de natureza semelhante ou diferente, o
que acontece, no cotidiano quando preciso recordar em que local um objeto foi
guardado ou recordar o nome de algum ao reconhecer seu rosto ou ao ouvir sua voz
(Corder, Vasques, Garcia, & Galera, 2012). Essa vinculao pode ocorrer entre
informaes temporrias da MO com dados da memria de longo prazo, processo
necessria para o reconhecimento de objetos, nomeao e demais associaes que
podem ser estabelecidas em funo de aprendizagens prvias, j cristalizadas, como
aquisio da linguagem e a familiaridade com objetos, lugares e eventos.
O efeito binding na MO pode ocorrer em diferentes nveis cognitivos, desde o
nvel perceptual at a elaborao de agrupamentos complexos na memria (Murre,
Wolters & Raffone, 2006; Tulving, 2002; Treisman & Gelade, 1980). Em nvel
perceptual, ocorre de forma menos consciente e com menor demanda de recursos
atencionais, so automticos e mais frequentes para contedos j consolidados nas
memrias de longo prazo. Porm, para a elaborao de agrupamentos complexos e
inditos na memria operacional, que dependem do funcionamento do executivo central
(Treisman & Gelade, 1980; Parra et al., 2009a), o efeito binding no ocorre de maneira
automtica, envolve esforo consciente, controle atencional e parece demandar mais
espao da MO, reduzindo a amplitude da capacidade de armazenamento, manipulao e
recordao (Allen, Baddeley, & Hitch, 2006).
A noo de que o binding um processo dependente de recursos atencionais foi
investigada adicionando tarefas concorrentes, como contagem de nmeros, durante a
apresentao dos estmulos, com o intuito de reduzir os recursos executivos disponveis
para a realizao da tarefa de memorizao dos bindings. O impacto dessa sobrecarga
de processamento nas tarefas de recordao de itens integrados de forma e cor parece
no ser maior que sobre a memria para itens isolados (Allen et al. 2006; Allen, Hitch,
Mate, & Baddeley, 2012; Brown & Brockmole, 2010). Baddeley, Allen, e Hitch (2011)
acreditam que no h envolvimento atencional no processo de formao de bindings na
MO quando as conjunes so realizadas de forma automtica, em nvel perceptual,
envolvendo processamento passivo, dependente do retentor episdico, mas que esse
processo no excluiria a existncia do binding como um processo ativo, dependente de
esforo cognitivo. H a hiptese de existncia de um binding intrnseco, entre elementos
que fazem parte de uma mesma unidade, como um objeto, e de um binding extrnseco,
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no automtico, responsvel pela conjuno entre elementos contextuais distintos que
juntos formariam um episdio complexo (Ecker, Maybery, & Zimmer, 2012). Moses e
Ryan (2006) utilizaram anteriormente outra nomenclatura para essa mesma
classificao, chamando de bindings conjuntivos aqueles que resultam em
representaes integradas de caractersticas que s podem ser acessados em conjunto,
como um objeto ou uma unidade, e de bindings relacionais, aqueles que representam
informaes que podem ser recordadas em conjunto ou separadas, como objetos e suas
localizaes. Alm do processo de formao dos bindings, o processo de sustentao da
informao integrada na MO tambm parece depender de recursos atencionais, uma vez
que informaes visuais como cor, forma e localizao so armazenadas em diferentes
locais (Brown & Brockmole, 2010; Fougnie & Marois, 2009). Diante da complexidade
e diversidade de formas de binding no possvel generalizar resultados de pesquisas
para todas as condies, sendo necessrio cautela para separao de dados relativos a
bindings entre identidade e localizao, entre caractersticas dentro de uma mesma
dimenso, como associao de cor com cor, entre diferentes objetos e dados do
contexto, pois eles parecem repousar em processos cognitivos distintos (Ecker,
Maybery, & Zimmer, 2012).
Memria Operacional, Envelhecimento e Doena de Alzheimer
A capacidade de MO para informaes visuais vem sendo estimada e discutida
ao longo dos anos. Embora haja divergncia em relao quantidade de objetos ou de
informaes que uma pessoa capaz de reter simultaneamente na memria em um curto
espao de tempo, parece consensual que tanto o processamento da informao visual e o
nmero de informaes visuais impem limites capacidade da MO visual. Verificou-
se que essa capacidade de reteno seria restrita a algo em torno de quatro objetos ou
cores de uma s vez (Luck & Vogel, 1997; Cowan, 2001), o que parece se aplicar para a
sustentao de informaes integradas, como informaes de cor e orientao de objetos
(Luck & Vogel, 1997), sugerindo que a capacidade de MO visual deve ser
compreendida e estudada em termos de representaes integradas mais do que em
termos de objetos e caractersticas individualizadas. Alvarez & Cavanagh (2004)
afirmam que embora estudos prvios tenham fixado a capacidade de MO visual em
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quatro objetos, h uma variabilidade grande dessa capacidade em funo da natureza
dos estmulos que so processados, encontrando-se uma mdia de 1,6 para cubos e 4,4
para cores, chegando concluso de que quanto maior for a demanda de processamento
da informao, menor ser a quantidade de itens que sero retidos na MO, sugerindo
portanto que quanto mais complexo o estmulos visual, menor a capacidade de MO.
Cowan et al. (2006) relataram resultados de estudos longitudinais realizados na
dcada de 80 sobre a MO ao longo da vida adulta utilizando testes neuropsicolgicos
clssicos. Em um deles, Parkinson, Inhman e Dannenbaum (1985) encontraram queda
de 6,6 dgitos para 5,8 ao longo da vida adulta, utilizando o Span de Dgitos direto. Em
outro estudo, Spinnler, Della Salla, Bandera e Baddeley (1988) utilizaram o teste Cubos
de Corsi e encontraram uma diminuio span visuoespacial de 5,1 para 4,7 blocos
durante a vida adulta, perdas consideradas relativamente pequenas. Esse declnio pode
estar associado diminuio da capacidade para inibir estmulos concorrentes ou
irrelevantes com a idade, o que traz menor concentrao e menor potencial para
recuperar informaes essenciais (Baddeley, Eyesenck & Anderson, 2011). O
desempenho inferior pode ainda refletir uma dificuldade para dividir a ateno entre
processamentos mltiplos ou uma sobrecarga na quantidade de estmulos de uma tarefa,
que ultrapassa o span mximo, ou pode ser causado pela diminuio da velocidade de
processamento, pois h evidncias de que, quando o tempo levado em considerao
em tarefas que requerem manipulao de informaes, os resultados podem ser
atenuados (Maylor, 1999; Salthouse, 1996b).
Todas essas hipteses sugerem um declnio na eficincia do executivo central,
responsvel pelo processamento ativo das informaes na MO (Mayr, Kliegl, &
Krampe, 1997) e no exatamente uma diminuio na capacidade de armazenamento
passivo. As diferenas no desempenho de adultos jovens e idosos em tarefas
visuoespaciais mais ativas corroboram a ideia de que o envelhecimento traz uma
reduo da capacidade de manipular e transformar a informao visuoespacial para
realizar tarefas (Iachini, Poderico, Ruggiero, & Iavarone, 2005). Essas perdas em
eficincia atencional e de memria operacional visuoespacial com a idade foram
observadas em prejuzos significativos em tarefas de rotao mental de imagens visuais,
de sequncia temporal-espacial inversa e de inferncia de novas informaes espaciais
(Iachini, Ruggiero, Ruotolo, & Pizza, 2008).
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Iachini et al. (2005) compararam duas hipteses gerais sobre o declnio
cognitivo associado ao envelhecimento saudvel: a viso da Lentificao e viso da
Diminuio de Recursos. De acordo com a primeira, a velocidade de processamento
cognitivo o principal mediador do envelhecimento cognitivo, desencadeando efeitos
globais e uniformes sobre o funcionamento cognitivo (Salthouse, 1996a). De acordo
com a segunda viso, o declnio cognitivo associado idade consequncia da reduo
de recursos bsicos de processamento, tais como ateno e memria operacional (Light,
1991). Esta hiptese prev efeitos mais seletivos da idade sobre o desempenho
cognitivo, dependentes da complexidade das tarefas.
Esses prejuzos executivos em tarefas de MO, como dividir a ateno e
manipular informaes, aparecem mais pronunciados na DA, impactando na realizao
de tarefas cotidianas, como andar e conversar simultaneamente, manter uma
conversao com mltiplos interlocutores ou arrumar a mala para viagem, j nos
estgios iniciais da doena (Huntley & Howard, 2010). Embora pesquisas j tenham
identificado pequena reduo na capacidade de armazenamento passivo da ala
fonolgica e do esboo visuoespacial associada DA (Filgueiras et al., 2013), o que
parece declinar nas fases mais avanadas da doena, o executivo central e
principalmente o retentor episdico parecem ficar estar prejudicados precocemente na
doena, mas ainda no possvel afirmar em que fase da doena esses prejuzos se
estabelecem, sobretudo pela diversidade das amostras e mtodos dos estudos.
Alm disso, MO para informaes visuoespaciais est associada construo e
evocao de imagens mentais e processos complexos no verbais que exigem
associaes com a memria episdica, vulnervel ao processo de envelhecimento, e,
sobretudo DA. Esta uma memria contextual que norteia as lembranas e as
narrativas de eventos vividos e conhecidos, situando-os em um contnuo temporal e
espacial, dependendo, portanto da integridade das habilidades visuoespaciais para estar
intacta (Ianchini et al., 2009; Tulving, 1972) Estudos sugerirem que a idade afeta em
maior proporo as informaes contextuais de memrias episdicas que o contedo da
mensagem