ANÁLISE DO PROCESSO PERSUASIVO NO GÊNERO EDITORIAL
Por
NEIVA MARIA SOARES REBELO
Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Letras, Estudos da
Linguagem, da Universidade Federal de Santa Maria(RS), como requisito parcial
para obtenção do grau de MESTRE EM LETRAS.
Santa Maria, RS, BRASIL
1999
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE ARTES E LETRAS
MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
A COMISSÃO EXAMINADORA,ABAIXO ASSINADA,APROVA A DISSERTAÇÃO
ANÁLISE DO PROCESSO PERSUASIVO NO GÊNERO EDITORIAL
ELABORADA POR
NEIVA MARIA SOARES REBELO
COMO REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM
LETRAS
COMISSÃO EXAMINADORA
Désirée Motta-Roth – Orientadora
Prof. Dr. João Hilton Sayeg de Siqueira – PUC, SP
Prof. Dr. Paulo Coimbra Guedes – UFRGS
Santa Maria, 19 de março de 1999.
AGRADECIMENTOS
À Profª. Drª.Désirée Motta-Roth, pela orientação segura e eficiente que me fez ver
que era possível superar limites.
Às colegas Maria da Glória, Lucy, Lisane e Cleide, pelo companheirismo, amizade
e críticas na hora certa.
À professora mestre Najara Ferrari Pinheiro, pela olhar crítico, pela competência e
pela amizade.
À professora doutoranda Débora C. Figueiredo pela leitura atenta, ao participar da
banca de pré-defesa.
À amiga Maria Cristina Rivé, pela paciência, incentivo e amizade.
À professora Ruth Larré, pela leitura atenta e segura.
Aos meus familiares, meus irmãos, em especial, a minha mãe Teresinha Soares,
por ter sempre me orientado e me apoiado nas minhas escolhas.
Ao meu esposo Júlio Rebelo, pela vitória nesta caminhada.
À Capes, pela bolsa, sem a qual este trabalho não poderia ser realizado.
À Coordenação do Mestrado em Letras, pela competência que faz deste curso um
ponto de referência para professores de todo o estado.
RESUMO
ANÁLISE DO PROCESSO PERSUASIVO NO GÊNERO EDITORIAL
Autora: Neiva Maria Soares Rebelo Orientadora: Désirée Motta-Roth
Estudos em lingüística, nos últimos anos, têm procurado explicitar os usos
que são feitos da linguagem para veicular ‘discursos’ , ou seja, formas de ver e expressar o mundo, bem como as experiências a partir de uma perspectiva específica (FAIRCLOUGH,1995a, p.135). Dessa forma, a análise de gêneros textuais, associados a diferentes contextos de produção e consumo de textos, tem contribuído para explicitação do modo em que o uso da linguagem é socialmente construído em conexão com um tipo particular de atividade social (idem). Dentre os diversos contextos particulares que oportunizam essa análise, tomou-se a mídia, em virtude de sua linguagem ser usada em uma situação social de comunicação, tendo um papel vital na difusão das mudanças sociais. Definiu-se o gênero editorial para análise devido ao seu caráter opinativo (MELO 1994, p.59), que tem por objetivo atuar sobre o devir dos leitores, levando-os a agir numa dada direção, apresentando, portanto, características do discurso exortativo (LONGACRE,1992, p.100-1). Assim, os editoriais oferecem material de análise sobre a produção da mídia, com suas visões particulares de mundo e seu poder de persuasão. Este trabalho pretende contribuir para estudos na área da linguagem, pois investiga a organização do gênero editorial, suas estratégias retóricas, através do uso de marcadores metadiscursivos adotados pelos editorialistas de três instituições: A Razão, Zero Hora e Folha de São Paulo. A análise revela que certos artifícios lingüísticos contribuem para o processo de persuasão. Dentre eles, os comandos que caracterizam um discurso exortativo, as marcas de validade e de atitude que dão expressão à força persuasiva do gênero. O diferencial, entre os contextos analisados, está na utilização enfática da modalidade deôntica e marcas de atitude por Zero Hora; maior incidência da modalidade epistêmica pela Folha de São Paulo; uso significativo da personalização sintética nA Razão. Cada um desses fatores releva a posição discursiva de cada instituição e o uso da linguagem na persuasão. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS Dissertação de Mestrado em Letras- Estudos da Linguagem
Santa Maria, 19 de março de 1999.
ABSTRACT
THE EDITORIAL GENRE PERSUASIVE PROCESS ANALYSIS Author: Neiva Maria Soares Rebelo
Adviser: Profª Drª Désirée Motta-Roth
Over the last few years linguistic studies have look forward explaining the ways language is used in order to present ‘discourses’, that is to say, manners of seeing and expressing the world as well as the experiences from a specific perspective (FAIRCLOUGH, 1995a, p. 135). In this sense, textual genre analysis, associated to different context of text production and consumption, have contributed to the explication of the way in which the language use is socially constructed in connection to a particular type of social activity (idem). Among the several particular context proper to such a analysis, this study chose the media due to it vital role to the diffusion of social values and changes. Because of its opinion based character which leads the readers to act in given direction, presenting, thus, features of the exhortative discourse (LONGACRE, 1992, p. 100-1), the genre editorial was defined as the study’s object (MELO, 1994, p. 59). Therefore, editorials offer material the analysis of the media’s production, considering its particular points of the view of world and persuasion power. The objective of this work is to contribute to the linguistic studies, since investigates the organization of the genre editorial, its rhetorical strategies, through the use on metadiscoursive markers adopted by the editorialists of the three institutions: A Razão, Zero Hora and Folha de São Paulo. The analysis showed the certain linguistics devices contribute to the persuasion process, such as the commands which characterize the exhortative discourse, and the validity and attitude marks which give expression to the genre’s persuasive force. The variation, in the corpus, was found in relation to the emphatic use the deontic modality and the validity markers in Zero Hora; greater incidence of the epistemic modality in Folha de São Paulo; and significant use of the synthetic personalization in A Razão, revealing the discourse position of the each institution and the language use to persuasion.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
Dissertação de Mestrado em Letras – Estudos da Linguagem
Santa Maria, 19 de março de 1999.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, os estudos em Análise Crítica do Discurso têm
focalizado a relação que se estabelece entre a linguagem e o meio no qual
ela é produzida. Levando em conta essa perspectiva, pesquisadores têm
buscado explicitar os diferentes usos da linguagem para veicular “discursos”,
ou seja, formas de ver e expressar o mundo, bem como as experiências a
partir de uma perspectiva específica (FAIRCLOUGH, 1995a, p.135).
Nesse sentido, percebe-se a dualidade entre linguagem e sociedade,
na medida em que uma tem influência sobre a outra, pois recorre-se ao
sistema da língua para expressarem-se relações sociais entre as pessoas,
ao mesmo tempo que se constituem essas relações sociais através das
variadas formas em que a linguagem pode se manifestar. Partindo dessa
constatação, procurou-se um contexto que oportunizasse analisar como a
linguagem é utilizada para estabelecer relações bidirecionais entre as
pessoas. Com esse intuito chegou-se à mídia, uma vez que a linguagem da
mídia é utilizada numa situação social de comunicação, com papel relevante
na difusão das relações e mudanças sociais e culturais. Por outro lado,
atualmente o domínio da mídia é muito amplo, pois inclui televisão, jornal,
revistas, rádio, etc. Dentre esses, tomou-se o jornal como objeto de estudo
por este englobar um variado conjunto de textos associados a tipos
específicos de informação, conteúdo, forma e objetivos comunicativos:
publicidade, notícias policiais, notas sociais, editoriais. Os objetivos de cada
um desses gêneros estabelece que cada um tenha uma forma específica de
estabelecer a comunicação com o leitor. Percebendo que cada um dos
gêneros poderia ser um rico material de análise, optou-se por analisar
aquele que demonstrasse, de forma mais explícita, marcas de persuasão, o
editorial. Esse gênero congrega elementos que são importantes, quando se
deseja conhecer um pouco mais sobre linguagem e como argumentos são
construídos com o intuito de persuadir o leitor.
Esse gênero tem por função apresentar a posição de cada jornal
2
sobre assuntos que estão em voga no noticiário do momento, tendo por
objetivo cooptar leitores para que creiam naquelas posições adotadas. O
estudo do gênero editorial pode ser relevante, na medida em que a análise
dos recursos empregados por editorialistas para persuadir o leitor, pode
trazer para a sala de aula uma discussão mais crítica sobre os discursos
veiculados pela mídia, servindo de ponto de referência para a produção e
leitura mais eficientes de textos pelos alunos.
O estudo de gêneros da mídia, tanto escrita como televisionada, vem
recebendo atenção de pesquisadores, conforme se pode verificar no último
encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Lingüística
ANPOLL (1998)1. Vêm ganhando importância, portanto, as pesquisas que se
dedicam a estudar e divulgar as formas pelas quais os meios de
comunicação produzem suas informações e com que finalidade tais
informações são veiculadas.
Especificamente no caso de editoriais jornalísticos, podem-se
destacar os seguintes estudos: na USP, a tese que toma o editorial como um
texto dissertativo, buscando reconhecer nesse texto os seus procedimentos
de persuasão (KRIEGER,1990); na UFSC, a pesquisa que se destina a
abordar as semelhanças entre os editoriais de diferentes instituições
(SILVA,1992); na UFSM, a pesquisa que objetiva apontar algumas
regularidades, em termos de formação ideológica, formação discursiva e
condições de produção que constituem o discurso de editorialistas
(AYRES,1996); e, na UFSC, a tese de HEBERLE (1997), que investiga
aspectos textuais e contextuais nos editoriais de revistas femininas inglesas
e algumas brasileiras.
1 Dentre alguns trabalhos apresentados, tendo como foco de estudo os textos da mídia destacam-se: A referenciação textual como estratégia cognitivo-interacional de Ingedore G. Villaça Koch, em cuja exposição apresenta exemplos colhidos dos textos opinativos da mídia impressa; A metadiscursividade como recurso textual-interativo em entrevista televisiva de Clélia Cândida Abreu Jubran, que trata das relações textuais-interativas numa entrevista televisiva como o líder do MST; A comparação a serviço das estratégias argumentativas na mídia impressa de Maria A. Pauliukonis, que faz análise semiolingüística de textos publicitários. Esses são alguns dos trabalhos que tomam a mídia para estudo, dentre outros que também constam do Boletim Informativo 27 do XIII Encontro Nacional da Anpoll.
3
Os três trabalhos sobre editoriais de jornais, citados acima, abordam
algumas questões que serão retomadas neste estudo, entre elas, a
construção do argumento no discurso editorialista, com a intenção de
persuadir o leitor. Deve-se destacar, entretanto, que os pressupostos
teóricos aqui tomados são diferentes daqueles adotados nos mencionados
trabalhos, motivo por que se acredita que este estudo contribui para a
pesquisa existente sobre o tema.
O interesse que o tema ‘mídia impressa’ desperta é tratado por
FAIRCLOUGH em seu livro Media discourse (1995b, p.2). O autor destaca a
importância do desenvolvimento de estudos que focalizem os textos da
mídia enquanto materialidade dos discursos que são produzidos para
retratar o modo como a sociedade se organiza. Nesse sentido, a mídia e,
mais especificamente, os editoriais são instrumentos que merecem ser
estudados por pesquisadores devido a sua importância como meio de
manifestação de posições e opiniões formuladas na sociedade.
Este estudo verificará dois aspectos nos textos dos editoriais: a
organização retórica do gênero, o que permitirá situar os textos analisados
numa escala de sistematicidade e variabilidade; e, por outro lado, o caráter
de textos mais ou menos persuasivos em relação aos elementos
metadiscursivos utilizados pelos editorialistas.
A análise estará fundamentada nos pressupostos de FAIRCLOUGH
(1989,1992a,1992b,1995a,1995b), nas considerações sobre gênero de
BAKHTIN (1992), HASAN (1985) e LONGACRE (1992) e no conceito de
metadiscurso elaborado por VANDE KOPPLE (1985) e CRISMORE (1989).
Essa análise focaliza aspectos tanto do nível micro quanto do nível
macroestrutural. No nível microestrutural, levantar-se-ão os elementos
metadiscursivos que compõem o gênero editorial; esses elementos
apresentam-se no texto para conduzir a persuasão do escritor e para
contribuir para a interpretação do texto pelo leitor. No nível macroestrutural,
analisam-se as questões sobre gênero e discurso, as formas como o gênero
editorial está estruturado e de que maneira o discurso veiculado repassa
opiniões com intenção de persuadir os leitores. Esses dois níveis são
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analisados conjuntamente, pois ambos se complementam e contribuem para
a relação entre as partes e o todo do gênero editorial.
Para análise macroestrutural, parte-se da visão de que um gênero
possui uma estrutura esquemática, organizada em estágios ou blocos de
textos que exercem funções que podem ser obrigatórias ou opcionais
(FAIRCLOUGH,1995b, p.85). Sob essa perspectiva, pode-se sugerir que os
textos dos editoriais apresentam uma configuração genérica porque estão
organizados em blocos que se completam.
Pressupõe-se que os textos que pertencem ao gênero editorial
possuem características específicas, ou seja, são construídos com o intuito
de influenciar alguém e, por isso, podem ser apontados como exemplares
característicos do discurso exortativo (LONGACRE,1992; MARTIN,1989).
Dessa forma, objetiva-se verificar, na análise, se os textos dos editoriais
efetivamente apresentam características que os identificam como
exemplares do discurso exortativo/persuasivo, que tem por objetivo
determinar o modo como as pessoas devem proceder (idem).
Para CARNEIRO (1996, p. 69), no discurso exortativo, os
participantes interagem fazendo uso da persuasão, já que um participante
busca convencer do outro e levá-lo a aderir a sua tese. Nos editoriais, a
interação pode ocorrer entre o editorialista, que representa a voz institucional
do jornal, e o leitor em potencial, a quem cabe aderir ou não às teses
propostas pelo editorialista. Através dessa interação, projeta-se um diálogo
entre aquele que tem o poder de opinar em nome do órgão que representa e
aquele que será o seu possível leitor.
Assim, o editorial apresenta, através do discurso do editorialista, a voz
institucional do jornal que define lugares discursivos em um espaço sócio-
político-cultural (SANTOS,1996, p.143). Esses lugares discursivos dizem
respeito ao espaço ocupado pela instituição, ou seja, a voz que se pretende
formadora de opinião e ao espaço ocupado pelo leitor em potencial que
‘precisa’ ser informado.
No espaço do jornal, a característica de ‘opinião’ é mais explícita nos
5
editoriais, cuja intencionalidade está voltada para influenciar o pensar e
interferir no devir dos leitores. Em vista disso, pode-se considerar que o
discurso dos editoriais é persuasivo/exortativo porque tenta conduzir a
opinião a um destino de unanimidade, como se assuntos e opiniões
bordados pudessem ser considerados irrefutáveis.
Para se entender como se constitui esse ‘lugar’ de opinião, é
importante, para a análise da organização genérica dos discursos
exortativos, o levantamento dos marcadores metadiscursivos (CRISMORE,
1989; VANDE KOPPLE, 1985). A presença desses elementos auxilia o
querer-dizer do produtor do texto, na explicitação de seu intento de formar e
repassar opiniões, e, em última instância, facilita a compreensão do texto
pelo leitor.
Dentre tantos elementos passíveis de análise, tomaram-se os
conectores textuais, marcadores de modalidade e de atitude. A hipótese
deste trabalho é que a presença ou ausência desses marcadores
metadiscursivos no texto poderá auxiliar o estabelecimento de uma escala
de textos mais ou menos persuasivos. Vale ressalvar que obviamente não
são apenas esses elementos que podem ser responsáveis pela força
argumentativa de um dado texto, mas sim auxiliam nesse sentido. Neste
trabalho, optou-se por definir apenas tais categorias.2
Assim, nesse nível de análise microestrutural, acredita-se poder
perceber os recursos argumentativos e os procedimentos adotados pelo
editorialista para estabelecer a interação com seu leitor, levando-o a
compreender o texto e, também, realizando a persuasão. No nível
microestrutural, duas metafunções da linguagem, propostas por HALLIDAY
(1985), serão abordadas: a função textual, através dos elementos que
‘tecem’ o texto; e a função interpessoal que representa as intenções e
atitudes do escritor, manifestadas no texto, e que contribuem para
estabelecer contato com o seu leitor. Ressalta-se, porém, que está análise
não terá uma abordagem sobre a receptividade dos textos dos editoriais
2 Agradecimento ao Prof. Dr. João Hilton Sayeg de Siqueira pelas observações sobre esse ponto.
6
pelos leitores.
Pretende-se com os dois níveis de análise – micro e macroestrutural–
investigar a forma como o editorialista constrói seu texto para mediar
relações entre o jornal e o leitor, bem como os tipos de recursos que são
usados para esse fim.
Portanto, para nortear este estudo, indaga-se:
1- Quais características estruturais compõem os editoriais e
permitem situá-los como pertencentes a tal gênero?
2- Quais características constituem os editoriais e permitem
considerá-los como exemplares do discurso exortativo?
3- Qual é o grau de sistematicidade e de variabilidade dessas
características nos editoriais?
4- A utilização dos elementos metadiscursivos contribui para situar os
textos analisados como mais ou menos persuasivos?
Para responder a essas questões, este estudo apresenta-se dividido
em quatro capítulos, organizados a partir desta introdução, onde estão
expostos os propósitos do trabalho. O Capítulo 1 apresenta a
Fundamentação Teórica para o estudo. O Capítulo 2 descreve a
Metodologia utilizada, destacando os critérios e procedimentos da seleção,
coleta e análise dos dados do corpus. O Capítulo 3 apresenta a Discussão
dos Dados obtidos na análise. Por fim, o Capítulo 4 da Conclusão,
Limitações do Trabalho e Sugestões para Futuras Pesquisas.
1 REVISÃO DA LITERATURA
Introdução
O estudo do gênero jornalístico editoriais requer um aparato teórico
que forneça elementos que fundamentem a análise dos textos. Dessa forma,
este capítulo busca destacar conceitos básicos que auxiliem na presente
pesquisa.
1.1 Análise Crítica do Discurso
Para investigação dos textos dos editoriais que são objeto de análise,
adota-se aqui a perspectiva de Análise Crítica do Discurso, tendo em vista
que, a partir desse modelo de análise, podem-se levantar os elementos
lingüísticos que compõem o texto, como também as influências da
sociedade sobre os discursos e dos discursos sobre a sociedade.
Nessa perspectiva, ‘discurso’ é visto como o uso da linguagem como
uma forma de prática sociocultural, e a análise do discurso como a análise
do modo como os textos trabalham dentro de uma prática sociocultural
(FAIRCLOUGH, 1995a, p.7)1.
Na análise do discurso, consideram-se as três dimensões que
compõem a visão multidimensional de FAIRCLOUGH: a análise textual que
focaliza a linguagem, através do vocabulário, da semântica e dos elementos
lingüísticos que auxiliam na textualidade; a análise da prática discursiva
que investiga produção e interpretação dos discursos; e a análise da
prática sociocultural que remete aos fatores contextuais que determinam o
discurso (1995b, p.16-7). Entenda-se, nesta análise, prática discursiva como
o processo de produção, consumo e distribuição dos textos e, prática
sociocultural, os diferentes níveis de organização social nos quais o discurso
1 As referências a obras estrangeiras, aqui citadas, que ainda não foram traduzidas para o português, quando não mencionado o tradutor, são de responsabilidade da autora.
8
pode se realizar: contexto situacional, contexto institucional e o mais amplo
contexto social e cultural (idem, p.50). Observa-se, porém, que tendo em
vista a delimitação da análise a ser realizada neste trabalho, não se
abordará o aspecto do consumo e distribuição dos texto, ou seja, não será
considerada a recepção dos mesmos pelos leitores.
Assim, a análise do discurso congrega três aspectos: a capacidade da
linguagem para representar situações no mundo (discurso), a interação
entre os participantes em situações específicas (contexto) e o
estabelecimento da comunicação através dos textos utilizados (texto).
1.2 Discurso
Há algumas variações de sentido no uso dessa palavra. Isso decorre,
principalmente, da diversidade na linha teórica seguida pelos diferentes
autores que tratam do assunto. A imprecisão quanto ao significado do termo
surge em função da multiplicidade de seu uso nas mais variadas disciplinas.
Por isso, há necessidade de distinguir os sentidos de acordo com a área de
atuação, conforme sugere FAIRCLOUGH (1995b, p.18). Para ele, o discurso
é visto como uma interação entre os participantes de um evento
comunicativo em situações reais de comunicação.
A palavra discurso usada por FAIRCLOUGH (1992a, p.62-4)
corresponde imprecisamente às expressões ‘performance’ e ‘parole’,
adotadas por Chomsky e Saussure, respectivamente, que consideravam
ambas como não indicadas para um estudo sistemático da linguagem, por
designarem uma atividade puramente individual. Na visão de FAIRCLOUGH
(idem), o termo discurso compreende a linguagem, não como algo estático e
de manifestação individual, mas sim como uma forma de prática social e de
ação das pessoas sobre o mundo e especialmente sobre as outras pessoas.
O discurso é visto como uma forma de prática social, determinada por
estruturas sociais, que, ao mesmo tempo em que tem efeito sobre tais
estruturas, é influenciado por elas. Portanto, pode contribuir tanto para
9
promover mudanças sociais, como a continuidade de certas situações
sociais. Ressalta-se, abaixo, a visão sobre o discurso proposta por GEE
(1990, p.xv):
Discurso compreende não somente a linguagem, mas também a combinação do que dizer, de modo adequado, através de ações e interações adequadas [...]. Discursos são vistos como papéis sociais que as pessoas desempenham na sociedade abrangendo uma teoria sobre como o mundo deveria funcionar, que varia de acordo com as experiências de cada grupo de pessoas2.
Por essa citação, observa-se que o discurso compreende várias
ações que se realizam por meio da linguagem, compreende também as
interações que se efetuam, através do discurso, entre as pessoas. Isso
ocorre porque o discurso é produto de uma situação social. Por meio do
discurso, podem ser expressos sentimentos, atitudes e reações relacionadas
com situações de comunicação particulares.
Situações diferenciadas determinam a ocorrência de um variado
número de discursos, já que as pessoas interagem em vários contextos
(escola, igreja, consulta médica, festa, etc.). Em cada uma dessas situações,
as pessoas recorrem a um tipo de prática discursiva, ou seja, o médico irá
utilizar um discurso no consultório e outro em uma festa, por exemplo.
Assim, o discurso identifica as pessoas como indivíduos dessa sociedade,
pois são parte de sua identidade.
Para KRESS (1989, p.7), os grupos sociais e institucionais têm
sentidos e valores que são articulados na linguagem de maneira sistemática
através dos seus discursos. Na sua visão, discursos representam
[...] um conjunto sistematicamente organizado de declarações que expressam sentidos e valores de uma instituição. Eles descrevem, delimitam, definem o que é
2 Tradução MOTTA-ROTH,D. Seminário “Discurso e Ideologia”, Programa de Pós-Graduação em Inglês, Florianópolis, UFSC, mar. 1993.
10
possível dizer (ou fazer) ou não em relação a uma área de interesse de uma instituição.
De acordo com essa abordagem, percebe-se que os discursos estão
associados a instituições, ou seja, eles manifestam os pontos de vista
socialmente determinados pelas instituições (igreja, família, escola) que os
originam, bem como conduzem sentidos sobre a natureza de tais
instituições.
FAIRCLOUGH (1995a, p.2) propõe a Análise Crítica do Discurso
(ACD) a partir de uma estrutura tridimensional, que permite mapear,
separadamente, três formas de análise: a análise da linguagem enquanto
texto, a análise das práticas discursivas e a análise dos eventos discursivos
(momento de uso da linguagem) como instâncias das práticas socioculturais.
A Figura 1.1 demonstra como essa estrutura tridimensional relaciona
esses três elementos (texto, prática discursiva e prática sociocultural).
Figura 1.1 Estrutura tridimensional da ACD (FAIRCLOUGH,1995b,
p.59)
O processo de produção dos textos, representados pela prática
discursiva, ajuda a formar a natureza da prática sociocultural, ao mesmo
tempo em que pode deixar vestígios na materialidade do texto
(FAIRCLOUGH,1995a, p.133).
As três dimensões – texto, prática discursiva e prática sociocultural –
que aparecem delimitadas por linhas cheias, não se apresentam
encapsuladas nem delimitadas por marcas estanques: elas coexistem em
configurações permeáveis para constituir diferentes discursos Nessa
PRÁTICA SOCIOCULTURAL
PRÁTICA DISCURSIVA
TEXTO
11
sentido, PINHEIRO (1998, p.12-3) sugere uma adaptação ao modelo
tridimensional do discurso, pois considera que tais dimensões estão inter-
relacionadas, tendo em vista que “a análise do texto não pode ser isolada
das práticas discursivas que envolvem os participantes de um evento
discursivo e também das práticas socioculturais de um determinado grupo”.
Figura 1.2 Adaptação de PINHEIRO (1998, p.12) do modelo
tridimensional do discurso de FAIRCLOUGH (1992a).
PINHEIRO (1998, p.13) usa linhas pontilhadas, em sua adaptação do
modelo de FAIRCLOUGH, para representar os limites difusos e a inter-
relação entre os três níveis que compõem o discurso. As linhas cheias, que
perpassam as três dimensões do discurso, representam a inter-relação entre
os vários discursos que coexistem numa dada sociedade.
Um princípio na ACD é que a análise encapsula texto e prática
discursiva, pois a análise do primeiro não pode ser artificialmente isolada da
análise do contexto sociocultural que influencia essa prática discursiva e
também sofre influência dela (FAIRCLOUGH 1995a, p.9).
As análises fundamentadas na teoria da ACD ultrapassam a
descrição lingüística, destacando fatores sociais e culturais que influenciam
a produção e a reprodução dos discursos (por exemplo, discurso sexista,
discurso racista). Tais fatores, que deixam seus vestígios nos textos em uma
relação recíproca, moldam e são moldados pela sociedade. Para ilustrar a
PRÁTICA SOCIOCULTURAL
PRÁTICA DISCURSIVA (produção e consumo)
TEXTO
12
relação bidirecional entre discurso e práticas socioculturais, é possível dizer
que a mídia pode mudar o seu discurso em função de um dado
posicionamento da sociedade, assim como o discurso da sociedade pode
sofrer alterações em função do que é veiculado na mídia
(FAIRCLOUGH,1989,1992a, 1992b, 1995a,1995b).
Essa visão é reforçada por esse autor, em seus livros, quando aponta
que o discurso das pessoas é influenciado pelas relações de poder que
umas pessoas exercem sobre as outras (FAIRCLOUGH,1989, p.4). Para
exemplificar o exercício de poder, podem ser destacadas as relações
tradicionais estabelecidas entre médico–paciente, professor–aluno, patrão–
empregado, mídia–público. Todas essas relações são investidas de poder,
ou seja, há uma relação assimétrica entre as pessoas: cabe a um dos
participantes da relação o controle da situação porque, de alguma forma, o
meio ao qual pertence confere a ele esse controle (por exemplo: professor,
mídia), enquanto que a outro cabe um papel de assujeitamento (aluno, leitor
da mídia).
O papel da ACD é revelar essas marcas de poder que fazem parte do
discurso, já que a consciência crítica da dominação pelo poder é o caminho
para mudar situações que já se encontram naturalizadas na sociedade.
Tendo em vista que certas relações de poder, como aquelas citadas
anteriormente, fazem parte do senso comum, as pessoas podem não ter
consciência da dominação que elas reproduzem.
No caso específico da mídia, esta exerce controle sobre o seu público
diariamente, pois as notícias são veiculadas pouco a pouco, porém de forma
contínua (FAIRCLOUGH, 1989, p.36). Esse controle é estabelecido na forma
como as pessoas reproduzem os discursos veiculados, sem que percebam
que essa é uma forma de perpetuar práticas socioculturais da sociedade.
Nesse sentido, os produtos ‘vendidos’ (informações, opiniões) pela mídia
têm a função de reproduzir valores que a sociedade possui. A mídia ‘vende’
o status de uma sociedade capitalista em que um grupo exerce o poder
sobre o outro (por exemplo, rico/pobre; magro/gordo, bonito/feio,
branco/preto).
13
FAIRCLOUGH destaca o que é fundamental na análise ‘crítica’ do
discurso:
explorar sistematicamente as relações opacas de casualidade e determinação entre (a) práticas discursivas, eventos e textos e (b) amplas estruturas sociais e culturais, relações e processos; investigar como as práticas, eventos e os textos surgem e são ideologicamente formados por relações de poder; explorar como a opacidade dessas relações entre o discurso e a sociedade é um fator de poder e hegemonia (1995a, p.132-3).
Quando o autor se refere às relações opacas, ele quer ressaltar as
situações onde se dá a perpetuação de certos valores, porém de forma
obscura, sem que as pessoas percebam que no seu discurso, de forma não
aparente, perpetuam-se relações de poder e de dominação.
Em seu livro Critical language awareness (1992b, p.1-9),
FAIRCLOUGH ressalta que muitas dessas relações de controle e dominação
estão mudando (por exemplo, na sala de aula, no consultório médico, na
relação profissional e cliente). Tal mudança está associada a um trabalho
que começa com a conscientização que os professores devem ter e devem
exercitar em seus alunos, para que estes possam tornar-se pessoas mais
críticas e cidadãos mais conscientes de seus papéis.
Um elemento essencial às relações de poder é a ideologia, entendida
como maneiras particulares de representar o mundo (por exemplo,
representação particular das mulheres); construções particulares de
identidades sociais (por exemplo, o estilo que caracteriza os experts
científicos que apresentam programas de TV e rádio); construções
particulares de relações sociais (políticos e o público) (FAIRCLOUGH,1995b,
p.12). Assim, as representações, as identidades e as relações que as
pessoas estabelecem podem contribuir para a produção, a reprodução e a
transformação das relações de dominação.
Baseado em fatores como poder, ideologia e dominação,
FAIRCLOUGH (1989, p.1) aponta duas principais metas da ACD: a primeira,
14
ajudar a divulgação da importância da linguagem para a produção,
manutenção e mudança das relações de poder e, a segunda, ajudar na
conscientização de que a linguagem contribui para a dominação. Essa
conscientização é a primeira etapa no processo de emancipação. Assim, a
ACD busca desvendar relações de poder que subjazem à linguagem, com o
intuito de revelar o modo como a linguagem contribui para a dominação.
Para melhor entender essas relações de poder que estão investidas
na linguagem, através dos discursos, é importante conhecer o contexto, pois
é a partir dele que o texto passa a constituir sentido para o leitor. Diferentes
contextos sociais geram diferentes discursos onde as relações de poder
podem ser reveladas.
1.3 Contexto
Contexto vincula o texto à situação em que ocorre e em que pode ser
interpretado, pois, a partir de um dado texto, pode-se recuperar o contexto
que o originou (HALLIDAY, 1985, p.5-6).
O contexto de situação é um termo cunhado por Malinowsky–
antropólogo polonês trabalhando na Universidade de Londres na década de
20– que necessitava de uma palavra que expressasse o meio global,
incluindo o meio verbal e a situação em que ocorre a comunicação (idem).
Dessa forma, o que se percebe é que as noções de contexto e de texto
estão intrinsecamente associadas, e que a interpretação de um depende da
interpretação do outro. O contexto de situação está encapsulado no texto em
função de uma relação sistemática entre o meio social e a organização da
linguagem (HALLIDAY, 1985, p.11). Assim, a comunicação que é
estabelecida nessa relação não pode ser vista de modo isolado.
O contexto de situação pode ser interpretado através de uma
estrutura composta por três elementos: campo (field), teor (tenor) e modo
(mode) (idem, p.12). Podem-se utilizar esses elementos para caracterizar o
contexto situacional de um texto, ou seja, o meio no qual os sentidos são
15
trocados em diferentes interações estabelecidas entre os participantes da
comunicação.
Assim, o campo do discurso refere-se ao que está acontecendo, à
natureza da ação social que está ocorrendo, à atividade na qual os
participantes estão engajados. O teor do discurso diz respeito aos
participantes, seus papéis, às relações em que estão envolvidos, o controle
que um participante exerce sobre o outro e a maneira como verbalizam suas
intenções. O modo tem relação com a organização retórica do texto, o canal
(fônico, gráfico) que é utilizado para a comunicação e os elementos
responsáveis pela textualidade. Esses três elementos do contexto de
situação são importantes “para elucidar e expor exemplos particulares de
uso da linguagem” (idem, p.8).
Na visão de KRESS (1989, p.vii), contexto e texto apresentam uma
íntima relação, ou seja, um só pode ser interpretado em relação ao outro,
uma vez que o sentido se realiza, através do texto, que é formado e
padronizado como uma resposta ao contexto de situação. Essa visão e a de
HALLIDAY se assemelham, pois ambos consideram texto e contexto como
partes de um mesmo processo. Esses autores tratam a linguagem a partir de
uma concepção sociossemiótica associada à concepção de experiência e
realidade socialmente construída e sujeita a transformações.
Textos são produzidos em ocasiões (ou momentos) sociais, em meios
específicos (por exemplo, mídia), para reproduzir o que ocorre em certas
ocasiões, conforme o interesse da instituição produtora e o papel que ela
ocupa no mercado. A mídia produz seus textos num dado momento sócio-
histórico com a finalidade de informar ou opinar. A origem dos textos e sua
finalidade determinam a sua constituição, bem como a maneira como ele
pode ser interpretado.
PINHEIRO considera que o contexto vincula
as condições sociais e culturais de produção com o processo de interpretação. Ambas as condições apresentam-se inter-relacionadas no texto e são percebidas através dos conhecimentos de linguagem,
16
das representações de mundo, das crenças, valores e pressuposições dos participantes envolvidos no processo sociocomunicativo (1998, p.40).
Percebe-se, portanto, que, para estabelecer-se sentido ao texto, uma
série de fatores congregam nesse intuito, indo além da materialização da
linguagem, recorrendo a fatores que a ela se associam e influenciam.
Os três elementos que compõem o contexto de situação campo, teor
e modo se associam aos usos que as pessoas fazem da linguagem, ou seja,
às funções ideacional, interpessoal e textual da linguagem respectivamente.
Para HALLIDAY (1985, p.23), essas funções estão interligadas na
construção do discurso, portanto toda sentença num texto é multifuncional.
Em vista disso, não se pode olhar para as diferentes partes do texto
separadamente, mas, sim, observar os vários ângulos que possibilitam
diferentes interpretações.
Neste estágio do trabalho, passa-se a tratar da relação entre as
funções da linguagem e os seus contextos de situação.
1.3.1 Contextos de situação e suas respectivas funções da linguagem
Cada um dos elementos do contexto de situação (campo, teor e
modo) propostos por HALLIDAY (1985) relaciona-se a uma das funções da
linguagem, as quais, por sua vez, cumprem funções específicas no texto e
no estabelecimento da interação com o leitor.
O campo está diretamente relacionado à função ideacional, que diz
respeito ao conteúdo da linguagem e à experiência humana, ou seja, aos
conhecimentos e crenças que as pessoas (participantes) repassam através
da linguagem. A análise do campo pode ser realizada em função do uso de
um dado tipo de vocabulário, dos adjetivos, da estrutura gramatical,
observando se as sentenças são ativas ou passivas, positivas ou negativas,
e também em função do tempo verbal utilizado.
17
O teor está ligado à função interpessoal, que demonstra a relação
entre os participantes do evento comunicativo. Está relacionado ao papel
social da linguagem, isto é, ao fato de que a linguagem existe para
estabelecer relações entre as pessoas. Dessa forma, a função interpessoal
diz respeito às questões sociais que são abordadas no texto. Um exemplo é
o uso da linguagem para estabelecer o controle de um participante sobre o
outro, em relações assimétricas, em que se faz uso do poder para ter o
domínio sobre o discurso (por exemplo, policial e suspeito de um crime).
Ao focalizar essa função, há possibilidade de se analisar, no texto,
questões como o uso dos modos verbais (declarativo, interrogativo,
imperativo); a modalidade, presentes nos textos da mídia, principalmente
nos editoriais, através de verbos e de advérbios; e as palavras (adjetivos,
expressões atitudinais) que ajudam a criar, no texto, as relações sociais
entre os participantes. Através desses elementos, o escritor pode expressar
ao leitor toda a sua simpatia, antipatia, atitude ou ironia em relação a algum
assunto.
O modo é expresso através da função textual. Essa função é
identificada através do canal utilizado para comunicação (gráfico, fônico),
dos aspectos que contribuem para a coesão e coerência textual. Tais
elementos contribuem para a construção do texto e da sua argumentação,
isto é, o ato de argumentar poderá ser mais efetivo se o texto apresentar
uma estrutura textual em que seus elementos internos e externos estejam
bem articulados.
Assim, a relação entre texto e contexto é de fundamental importância
para se entender e explicitar como os textos da mídia são produzidos num
espaço e tempo socialmente construídos. Essa relação é representada
através das intenções e crenças dos produtores dos textos e dos
participantes envolvidos tanto no processo de produção como interpretação
dos textos.
1.4 Texto
18
O interesse que o estudo do texto desperta é alvo de pesquisas desde
a década de 60 (KOCH, 1996, p.11-14). Assim, tais pesquisas, com variados
enfoques para a análise textual, podem concentrar-se em vertentes como:
Lingüística Textual, Análise do Discurso e Análise Crítica do Discurso.
Dependendo da corrente adotada para análise, diferentes abordagens
surgem para o assunto texto.
Na visão de KOCH (idem), o interesse pelo estudo do texto surge
porque ele é considerado uma unidade básica de manifestação da
linguagem, e porque certos fenômenos lingüísticos só podem ser explicados
no interior do texto. Como unidade básica de linguagem, o texto representa
mais do que uma soma aleatória de frases ou palavras.
Para HALLIDAY & HASAN (1976, p.1-2):
... a palavra texto é usada para se referir a qualquer passagem (falada ou escrita) de qualquer extensão que forma um todo unificado. Texto pode ser escrito, falado, prosa ou verso...é uma unidade de linguagem em uso. Não é uma unidade gramatical , como a oração e a sentença...é uma unidade semântica, pois não é uma unidade de forma, mas de sentido.
Nos estudos de HALLIDAY (1985, p.10-1), o texto é considerado
como a linguagem que é funcional, ou seja, a linguagem que é empregada
em algum contexto. Dessa forma, texto e contexto fazem parte de um
mesmo processo, no qual o texto deve ser considerado a partir de duas
perspectivas: como produto e como processo. O texto é o produto, ou seja, a
forma materializada do discurso que pode ser estudada e representada de
maneira sistemática. O texto é um processo, porque a sua construção
decorre de diferentes escolhas semânticas que podem ser adequadas para
retratar uma dada situação.
Na perspectiva sociossemiótica de HALLIDAY (idem), o texto é visto
como uma troca social de sentidos, na qual se destaca, como aspecto
fundamental, o diálogo, a interação entre os participantes. O que se percebe
19
é que os textos constituem-se de forma multifuncional, pois congregam dois
processos fundamentais simultaneamente: cognição e representação do
mundo, e interação social (FAIRCLOUGH,1995a, p.6). Um texto constitui-se
das três funções da linguagem que HALLIDAY propõe: a função ideacional,
representada através da experiência de mundo; a função interpessoal, que
se constitui da interação social dos participantes no discurso, e a função
textual que se dá pelo estabelecimento da ligação das partes do texto,
tornando-o um todo coerente e ligando-o ao contexto situacional (1985, p.15-
23).
Sob a ótica de KRESS (1989, p.18), os textos surgem em situações
sociais específicas e são construídos com propósitos específicos pelos
escritores e também por seus leitores. O sentido encontra a sua expressão
no texto e aí é negociado a partir de uma situação concreta de relações
sociais. Ao se estudar o texto, portanto, há que se destacar a relação com o
seu processo de produção e interpretação, ou seja, a prática discursiva que
lhe dá origem. O texto, nessa perspectiva, resulta do processo de produção
e do meio no qual o processo de interpretação é realizado. Quando se trata
das condições sociais de produção e interpretação de textos, é necessário
tratar das práticas socioculturais que propiciam e influenciam essa produção
e interpretação, e acabam interferindo no texto.
Na análise dos editoriais jornalísticos, os textos podem ser
considerados o produto de um processo. Produto, porque é por meio do
argumento exposto no editorial que a instituição tenta persuadir seus
leitores. Nesse processo, o editorialista formula opiniões em função do que a
sociedade determina, ou seja, daquelas notícias que as pessoas estão
discutindo ou daqueles fatos que o editorialista julga ser mais importante
mencionar naquele momento.
Em decorrência disso, a análise do discurso engloba o levantamento
microestrutural do texto, através dos elementos lingüísticos que formam o
texto, e o levantamento macroestrutural, através da análise das relações que
se estabelecem entre os participantes no discurso, envolvidos no processo
de produção e consumo dos textos.
20
A seguir, passam-se a destacar os recursos de textualidade que
contribuem para que o texto se constitua em uma unidade semântica,
utilizada para estabelecer comunicação.
1.4.1 Textualidade
O conceito de textura está inteiramente associado às propriedades de
um texto, ou seja, está associado a fatores internos e externos que dão
sentido ao texto. A textura pode ser estabelecida por meio de relações
internas entre as sentenças que constroem a tessitura do texto (HALLIDAY
& HASAN, 1976, p.2). A textura vai além da questão da estruturação textual,
pois retoma os elementos internos, através dos mecanismos coesivos, que
sinalizam o modo como as partes se concatenam para a construção
semântica do texto.
Textualidade é o conjunto de características que fazem com que um
texto seja um texto, e não apenas uma seqüência de frases isoladas
(COSTA VAL,1993, p.5).
Os critérios que conferem textualidade a um texto podem ser
considerados a partir da visão de BAKHTIN. Para ele “o ato humano é um
texto em potencial e não pode ser compreendido (na qualidade de ato
humano distinto da ação física) fora do contexto dialógico de seu tempo (em
que figura como réplica, posição de sentido, sistema de motivação)” (1992,
p.334).
MOTTA-ROTH (1998, p.11), a partir dessa visão de texto proposta por
Bakhtin, considera, como característica básica da linguagem enquanto texto,
a possibilidade de o interlocutor entender que todo enunciado é passível de
réplica e permite uma resposta. Essa característica da linguagem pode ser
entendida como ‘responderabilidade’, ou seja, a propriedade dialógica do
texto (BAKHTIN,1992). Assim, a linguagem utilizada, quando é
compreendida pelo interlocutor, encerra uma relação de diálogo entre o
locutor e o interlocutor.
21
BAKHTIN (1992, p.299-301) propõe dois critérios básicos para o
entendimento da linguagem enquanto texto – delimitação e unidade.
O primeiro critério, delimitação do texto, está relacionado à
possibilidade de responder ou adotar uma atitude responsiva diante da
linguagem (por exemplo, seguir as instruções para montar um aparelho)
(MOTTA-ROTH, idem.). O segundo critério, unidade, está associado à
totalidade do enunciado e pode ser reconhecido a partir de três fatores
indissociáveis:1- tratamento exaustivo do objeto do sentido 2- o intuito, o
querer dizer do locutor e 3- as formas típicas de estruturação do texto.
O tratamento exaustivo do objeto de sentido é o que possibilita a
alternância entre os falantes, pois um dos participantes, ao dizer o que
queria, esgota a sua participação, dando a possibilidade para o outro
responder. Isso é considerado como atitude responsiva para com um
enunciado, que ocorre, por exemplo, no momento em que se executa uma
ordem (BAKHTIN,1992, p.299).
O intuito discursivo, ou querer-dizer do locutor, determina o todo do
enunciado: sua amplitude e suas fronteiras. Através desse intuito, o autor
revela para o seu leitor como o texto deve ser visto (fronteiras), a partir de
suas intenções implícitas ou explícitas (amplitude). Assim, o que o locutor
quer dizer deve estar claro no texto, para que o leitor perceba exatamente as
suas intenções.
As formas típicas de estruturação permitem que o texto seja visto
através de sua totalidade em formas relativamente estáveis chamadas de
gênero. Para realizar o seu intuito, o escritor deverá fazer escolhas
adequadas de um gênero do discurso. Essa escolha é realizada em função
da especificidade de cada esfera de comunicação. A utilização de gêneros
varia porque, para cada intuito de comunicação, há um gênero que a ele
melhor se adapta. Ao escrever uma carta, uma reportagem, um editorial,
dentre outras formas recorrentes de linguagem, as pessoas estão utilizando
o que lhes parece ser a melhor forma de comunicação para atingir o objetivo
pretendido.
22
Os três fatores citados representam, portanto, a totalidade de um
texto, isto é, conferem-lhe a possibilidade de manter com seu leitor uma
relação dialógica, quer seja pela adesão, quer seja pela negação das idéias
expostas. Possibilitam também ao interlocutor perceber o que o locutor quis
dizer e como isso pode ser visto pelo interlocutor. Por fim, esse querer-dizer
se realiza numa forma padrão de enunciado, chamada de gênero do
discurso. Assim, para o leitor e o escritor terem uma leitura e uma escritura
crítica, eles precisam abarcar esses três fatores.
Para HASAN (1985, p.94), a textura é essencial para a unidade
textual, que se pode estabelecer também através de elementos lingüísticos
responsáveis pela coesão e coerência textuais. Na visão da autora, a
coesão é a “fundação na qual o edifício da coerência está construído”.
Dessa forma, a coesão tem sua função na constituição do texto, porém não
é suficiente, pois há textos destituídos de coesão que apresentam coerência.
Devido à importância que têm como elementos que asseguram a
textualidade, passam a ser abordadas, então, a coesão e coerência.
1.4.1.1 Coesão
O conceito de coesão, para HALLIDAY & HASAN (1976, p.4), é
semântico, pois refere-se às relações de sentido que ocorrem no interior do
texto e o definem como tal. Para esses autores, a coesão ocorre quando a
interpretação de um elemento (pronome, conjunção, artigo, etc.) no texto
depende de outro, pressupõe o outro, e o sentido de um só pode ser
entendido em relação ao outro. Tal processo de construção textual refere-se
à ligação entre as sentenças e à maneira como elas se juntam para formar o
texto, por meio de “laços” ou “elos coesivos”.
Exemplo 1.1:
Os números sugerem uma atitude de descompromisso dos pais. Eles
parecem desejar transferir ao poder público que em primeiro lugar era deles.
(Editorial, Folha de S. Paulo, 20/09/97)
23
Os elementos grifados funcionam como elementos coesivos, pois
fazem referência à palavra ‘pais’ citada anteriormente. O uso desses
elementos evita a repetição dessa palavra, bem como retoma o argumento
anterior. A coesão é linear e superficial, pois se apresenta a partir dos
elementos lingüísticos que organizam a seqüência do texto. Dentre tais
elementos, destacam-se os conectores textuais e os elementos anafóricos,
que são responsáveis pelo estabelecimento de relações de sentido entre as
sentenças ou entre os parágrafos.
Para que se perceba a coesão num texto, é preciso ir além da
questão estrutural, ou seja, é preciso analisar como uma sentença se liga a
outra, estabelecendo, no conjunto textual, uma unidade semântica.
HALLIDAY & HASAN (1976) distinguem os mecanismos coesivos a
partir de uma divisão em cinco categorias: referência, elipse, substituição,
conjunção e a coesão lexical. Como os estudos, sobre tais categorias, são
inúmeros, não é intuito deste trabalho retomá-los um a um.
Pode-se ainda acrescentar a visão, mais recente, de HALLIDAY sobre
o assunto:
Coesão é, naturalmente, um processo porque o próprio discurso é um processo. Texto é algo que acontece, na forma falada ou escrita, ouvida ou lida. [...] texto é usualmente tomado como referindo-se ao produto – especialmente o produto na sua forma escrita, pois é claramente percebida como objeto [...]. A organização do texto é mais semântica do que formal [...].É importante pensar o texto dinamicamente, como um processo seqüencial de significado; e a coesão como um aspecto desse processo, por onde o fluxo de significados é canalizado propositalmente pelo falante (1994, p.311).
Assim, observa-se que a coesão é um aspecto importante para que
se veja um texto não como algo estático ou um produto acabado; mas sim
como um processo, através de escolhas que são feitas, com o uso de
determinados recursos, que possibilitam a construção semântica do texto.
24
Dessa forma, HALLIDAY (idem) associa a coesão à coerência, pois para ele
a coesão dá uma importante contribuição para o estabelecimento da
coerência.
1.4.1.2 Coerência
A coerência estabelece dois tipos de conexões: entre as partes
seqüenciais do texto e entre as partes do texto e o mundo. Essas conexões
são realizadas quando se interpreta um texto: a coerência de todo texto é
como um tipo de reação química que se realiza por meio da alquimia entre o
que está no texto e os conhecimentos que o leitor já possui (FAIRCLOUGH,
1989, p.78). A coerência pode ser vista, portanto, como uma propriedade da
interpretação, devendo ser analisada na prática discursiva, pois está
relacionada ao processo de produção e interpretação dos textos. Para que
haja uma interação (ou uma ‘troca’) nesse processo, o autor e o leitor devem
possuir conhecimento partilhado (FAIRCLOUGH, 1992a, p.83-4).
Além desse conhecimento de mundo, leitor e escritor devem partilhar
princípios interpretativos, associados às maneiras naturalizadas de ver o
mundo, às relações entre os sujeitos e aos papéis que esses sujeitos
exercem. Assim, uma situação que é ‘naturalizada’ (ou seja, faz parte do
senso comum num domínio sociocultural) para as mulheres londrinas (idem)
e japoneses, por exemplo, que é abandonar o emprego após terem filhos,
não o é no contexto brasileiro. Dessa forma, certas situações podem ser
vistas como coerentes por certos leitores e incoerentes por outros,
dependendo do contexto onde eles estejam inseridos e de suas posições
ideológicas frente ao mundo ou no mundo.
Exemplo 1.2:
O Show
O cartaz
O desejo
25
O pai
O dinheiro
O ingresso
.................
A música
A vibração
A participação
O fim
A volta
O vazio (KOCH & TRAVAGLIA, 1996, p.12)
Esse texto poderia ser considerado incoerente por alguns, pois
apresenta uma relação de palavras que não estão sintaticamente
relacionadas. Por outro lado, o leitor que possua em sua memória a noção
do que seja a palavra ‘show’, pode perceber que tal seqüência lingüística
apresenta uma unidade de sentido. Tal unidade possibilita ver o texto como
algo mais que uma soma aleatória de palavras. Portanto, no exemplo, a
relação entre o conhecimento armazenado pelo leitor, o contexto e o
conjunto do texto é que formam a coerência.
A abordagem realizada até o momento procurou demonstrar que o
texto é uma unidade lingüística concreta utilizada pelos seus usuários numa
situação de interação, possuindo uma unidade de sentido e uma função
comunicativa.
A seguir, buscam-se a destacar os recursos utilizados pelo escritor
para produzir significados interpessoais na interação com o leitor. Dentre tais
recursos, podem-se destacar os elementos metadiscursivos.
1.4.4 Elementos metadiscursivos na sinalização textual e retórica
26
Devido à importância de marcas que demonstrem para o leitor o
caminho seguido pelo escritor, os textos constituem-se de vários marcadores
metadiscursivos. Os elementos metadiscursivos podem ser comparados
com sinais de trânsito, que são usados para indicar um percurso a ser ou
que foi seguido, com a finalidade de conduzir as pessoas (leitores) numa
direção.
O metadiscurso é empregado com a função de orientar o leitor e
sinalizar a presença do autor, marcando, freqüentemente, o seu
posicionamento diante do tema. Está presente para envolver o leitor em atos
retóricos que possibilitem tanto a compreensão como a persuasão
(CRISMORE, 1989, p.4-7). Os elementos que são usados de forma
metadiscursiva ajudam os leitores a entender o assunto tratado no texto,
tornam textos coesos e coerentes, possibilitam estratégias retóricas (utilizar
a linguagem de forma que contribua para a persuasão), organizam e avaliam
as informações do texto e indicam o posicionamento do escritor em relação
aos assuntos que aborda (idem, p.91-2).
As funções ideacional, interpessoal e textual propostas por Halliday
estão presentes no texto, pois através delas é possível realizar as seguintes
ações: expressar a experiência de mundo (função ideacional), interagir com
a audiência (função interpessoal) e organizar o que se quer dizer de forma
coesa e coerente (função textual). O metadiscurso pode se fazer presente
nas funções textual e interpessoal, não ocorre na função ideacional porque
ela representa o próprio conteúdo proposicional ou o discurso primário
(VANDE KOPLE,1985, p.86).
Assim, pode-se sugerir que um texto compreende dois níveis de
utilização da linguagem: um informativo e um metadiscursivo. No primeiro
nível, o escritor fornece informações sobre o assunto do texto; no segundo
nível, o metadiscursivo, a linguagem usada refere-se ao próprio texto,
através dos artifícios lingüísticos que guiam a argumentação do escritor e a
interpretação do texto por parte do leitor. O nível metadiscursivo ajuda o
leitor a organizar, interpretar, avaliar e reagir ao conteúdo apresentado no
texto (idem, p.83).
27
Exemplo 1.3:
Virar a terra, adubar e semear durante a noite são atividades
habituais na primavera, mas este ano os produtores de soja, arroz
e milho precisam, além de tudo, aproveitar as circunstâncias
climáticas momentaneamente favoráveis. (Editorial, Zero Hora,
22/11/97)
Esse exemplo apresenta elementos metadiscursivos: dois conectores
textuais (mas e além de tudo) e um marcador de validade (precisam
aproveitar). Os dois conectores grifados servem para dizer como se deve
agir, ou seja, o que está contido na primeira oração já faz parte da rotina dos
agricultores. Agora, porém, eles têm que observar também o clima. Esses
recursos sinalizam o processo argumentativo, pois acrescentam novos
argumentos ao mesmo tema e favorecem o entendimento do leitor sobre a
informação textual; o marcador de validade precisam demonstra a maneira
enfática do editorialista se posicionar no texto.
Dentre os marcadores metadiscursivos, considerar-se-ão apenas dois
tipos: aqueles responsáveis pela estrutura textual (conectores), que integram
a função textual, tornando possível a boa articulação das partes, e aqueles
que são importantes para que o escritor possa marcar sua presença no texto
enquanto participante do discurso (marcas de validade e de atitude). Tais
marcadores fazem parte da função interpessoal da linguagem
(CRISMORE,1989, p.93).
1.4.4.1 Marcadores da estrutura textual
Esse tipo de marcador tem ligação direta com a função textual da
linguagem. Essa função pode ser considerada um componente essencial do
texto que possibilita ao falante organizar o que está sendo dito, de modo que
seja coeso e coerente (HALLIDAY & HASAN, 1976, p.27).
Assim, pode-se dizer que a função textual envolve marcas textuais
que são responsáveis por enfatizar aspectos do conteúdo semântico ao
28
mesmo tempo que ajudam na estrutura global do texto. Essas marcas são
necessárias para que o escritor deixe claro a forma como construiu o seu
argumento, pois cada conector determina um percurso do argumento
Entre os elementos metadiscursivos, que cumprem a função textual, e
que serão analisados neste estudo, podem-se destacar os conectores, cuja
função é ajudar os leitores a reconhecer como o texto está organizado e ver
como as diferentes partes do texto se relacionam. Os conectores podem ser
empregados para tentar guiar os leitores através dos textos e também para
ajudá-los a construir uma representação do texto em sua memória (VANDE
KOPPLE 1985, p.83). Para cada um dos conectores, há funções específicas,
ou seja, a sua utilização pode indicar diferentes modos de organizar a
informação.
A organização dos textos, através dos conectores que sinalizam
relações textuais, pode ser estabelecida por: seqüencializadores (ex: o
primeiro, o próximo, em primeiro lugar); conectores que indicam uma relação
lógica ou temporal (ex: entretanto, conseqüentemente, desse modo,
portanto, quando, logo depois, ao mesmo tempo); conectores usados como
lembretes para o leitor (ex: como eu observei no primeiro capítulo) e
topicalizadores (ex: em consideração, o problema é).
Exemplo 1.4:
Por último, mas não menos importante, é imperativo que se reduza o
elevado custo dos transportes e que, pelo menos em similar
proporção, se ampliem as exportações de alto valor agregado.
(Editorial, Zero Hora, 29/11/97)
As palavras grifadas, no exemplo, retratam um seqüencializador ‘por
último’ que encaminha os argumentos finais que serão apresentados; uma
relação lógica de oposição introduzida pelo ‘mas’ que direciona para a
conclusão do argumento, ressaltando sua importância; e o conector ‘pelo
menos’, que seleciona o argumento mais importante para encaminhar a
discussão para conclusão.
29
Como se pode observar nos exemplos, os conectores são importantes
para estruturar a informação do texto, possibilitar o encadeamento entre as
partes e estabelecer atos de fala distintos, pois utiliza-se de um conector
para cada tipo de argumento.
Dentre os outros elementos metadiscursivos, que são importantes
ajudar no processamento da informação, como também para estabelecer
interação entre leitor e escritor, destacam-se os marcadores retóricos.
1.4.4.2 Marcadores retóricos
Esses marcadores se associam à função interpessoal da linguagem,
que, de acordo com CRISMORE (1989, p.64-5), contribui para estabelecer e
manter relações humanas. Essa função permite ao autor revelar sua
personalidade e tornar a sua presença explícita no texto, por meio de
comentários, atitudes e avaliações, ajudando a guiar e dirigir os leitores
quanto à forma de responder ao conteúdo apresentado no texto. As marcas
de validade e de atitude revelam as ações que o escritor tenta realizar no
texto.
1.4.4.2.1 Marcadores de validade
Através dessas marcas, o escritor pode manifestar sua posição de
duas maneiras: ou demonstra sua visão de forma explícita e enfática,
salientando para o leitor aquilo em que realmente acredita, ou expressa sua
posição de modo encoberto (VANDE KOPPLE,1985, p.84). Portanto, tais
marcas mostram o comprometimento ou a dissimulação desse compromisso
do escritor em relação ao assunto abordado. São empregadas para
demonstrar ao leitor a maneira como o escritor avalia a informação contida
30
no texto, em termos de veracidade (mais certeza) ou de probabilidade de
verdade (menos certeza).
As marcas de validade permitem ao escritor demonstrar maior ou
menor assertividade, dependendo do tipo de marca adotada para modalizar
a mensagem.
Exemplo 1.5:
a- Se atuar nessa perspectiva, o PT ajudará a si mesmo e ao Brasil.
Caso contrário, poderá afundar no radicalismo e no bizantinismo
da esquerda (AYRES,1996, p.91).
b- Talvez por isto permaneça dentro de todos nós a sensação de que
a república ainda não nasceu de todo, por ter ido ao fundo de suas
próprias proposições (SILVA, 1992, p.36).
A utilização do verbo modal poder, no exemplo ‘a’, dá ao enunciado
um tom menos impositivo da presença do escritor, na medida em que ele
procura não manifestar de forma explícita a sua visão, demonstrando uma
certa dúvida sobre a ocorrência do fato. Ficando a cargo do leitor decidir se
o PT afundará ou não.
Já o uso do advérbio talvez, no exemplo ‘b’, tem a finalidade de
atenuar a força da asserção por ele introduzida. O escritor, através desse
conector, manifesta dúvida e desconfiança, pois não assume totalmente o
seu discurso.
Outro tipo de marca de validade (expressa no exemplo 1.13) tem um
caráter enfático e busca salientar aquilo em que o escritor acredita ou
gostaria que o leitor pensasse que ele acredita (VANDE KOPPLE, 1985,
p.84).
Exemplo 1.6:
O governo deve agir duro, jogar pesado para conter os preços com
instrumentos legais que tiver a seu alcance.
31
É preciso restaurar com urgência o sentido do investimento produtivo
(KRIEGER, 1990, p.142-3).
Nesse exemplo, o uso do verbo dever e da expressão é preciso
salienta a ênfase do escritor em relação à posição que ele crê ser a mais
adequada. Dessa forma, o autor busca determinar como o governo deve
proceder em alguns assuntos, ao mesmo tempo em que manifesta
assertivamente, para o leitor, o seu pensamento em relação a tais temas.
Conforme se observam pelos exemplos, as marcas de validade estão
intrinsecamente associadas àquelas de modalidade. Tendo em vista que a
modalidade está inserida numa escala entre os pólos positivos ou negativos,
ou seja, entre o que é possível e o que é permitido fazer (HALLIDAY,1994,
p.88)
A modalidade pode ser vista como um comentário mais ou menos
explícito do produtor do texto (FOWLER,1991, p.85) que pode ser expressa
numa escala que varia mais certeza e menos certeza. Dessa forma, pode
indicar: verdade (numa escala de mais ou menos certeza), obrigação,
permissão, probabilidade e desejo.
Assim, neste trabalho serão consideradas marcas de validade
aquelas que fizerem o uso de verbos modais (dever e poder), bem como
advérbios que possuam função modalizadora. Por último, também inseridas
na função interpessoal, estão as marcas de atitude que indicam, da mesma
forma, a interação dos participantes do discurso.
1.4.4.2.2 Marcas de atitude
Ao manifestar, no seu discurso, uma atitude positiva ou negativa em
relação a um certo tema, o escritor o está avaliando e expondo a sua opinião
em termos que podem ser definidos como ‘bom’ ou ‘ruim’. Expressar
avaliação, no texto, envolve tanto uma declaração de um julgamento
pessoal, como uma intenção de persuadir o leitor a compartilhar normas e
valores (HUNSTON, 1994, p.191).
32
Como marcas de atitude, serão consideradas, neste trabalho,
palavras que denotam a avaliação do escritor em relação ao assunto que
está tratando, bem como advérbios atitudinais (efetivamente, naturalmente,
felizmente, realmente, surpreendentemente, lamentavelmente, etc.) e
adjetivos que, pelo seu sentido positivo ou negativo, configuram-se em
expressões avaliativas e enfáticas (lamentável, salutar, polêmico, etc).
Exemplo 1.7:
Mas é necessário destacar que a Nação cobra do Governo, em
particular, uma disposição especial para realizar o que até agora não
conseguiu: uma vigorosa política de cortes e de economia presidida
por inatacável austeridade. (KRIEGER, 1990, p.163)
No exemplo, tem-se a utilização do adjetivo como uma forma de
manifestação da atitude do escritor para dizer como o governo deve
proceder (ou seja, de forma especial, vigorosa e inatacável), com o
objetivo de persuadir o leitor a compartilhar da posição do escritor.
Exemplo 1.8:
[...] Um trabalho que exigiria muito mais um livro de artista, do que
sobre o artista como a “coroação” tradicionalista de uma carreira
realmente excepcional. (KOCH, 1993, p.191)
O advérbio realmente e o adjetivo excepcional manifestam a atitude
indubitável e o julgamento positivo do escritor em relação ao artista.
Assim, percebe-se que através do metadiscurso se realizam ações
em nível de estrutura textual, como num nível superior, por meio relações
sociais que podem ser criadas entre os participantes do discurso. Isso
ocorre, porque através da linguagem, o escritor demonstra o seu modo de
ver e expressar o mundo, ou seja, o seu discurso (FAIRCLOUGH, 1995a, p.
135). Dessa forma, na análise dos editoriais, o metadiscurso será analisado
como parte integrante do discurso do editorialista, como um recurso que
33
remete a modos particulares de cada escritor se expressar e interagir com a
sua audiência.
Os discursos são expressos em forma de textos (orais ou escritos),
que apresentam um dado tipo de estruturação, característica essa que
permite diferenciá-los. Assim, cada um desses tipos textuais se inserem em
um dado gênero do discurso, ou seja, certas formas de textos relativamente
padronizadas, associadas às atividades que o ser humano desempenha.
1.5 Gênero
1.5.1 Gênero na visão de Bakhtin
O gênero está presente, de forma intrínseca, na utilização da língua,
nos vários âmbitos da atividade humana. Em cada tipo de atividade, há
enunciados que caracterizam situações, ou seja, para cada uma delas,
encontram-se tipos relativamente estáveis de enunciados que são chamados
gêneros do discurso (BAKHTIN,1992, p.279).
Os gêneros apresentam variações porque a própria atividade humana
se manifesta de forma diversa. A todo momento, podem-se criar e recriar
gêneros, facilitando-se a atividade primordial, que é, no momento em que se
fala de linguagem, a comunicação.
Sob a perspectiva de BAKHTIN (idem, p.281-2), estruturalistas como
Saussure ignoraram a natureza do enunciado, bem como as particularidades
do gênero. Considerando que isso leva ao formalismo e à abstração, pois
enfraquece o vínculo natural entre a língua e a vida. Se a linguagem serve a
um fim específico que é a comunicação entre os seres humanos, é
questionável não se levar em conta o uso que os indivíduos fazem da língua,
ou seja, o modo como a linguagem é usada em diferentes situações sociais
de comunicação por indivíduos também diferentes.
O querer-dizer de um locutor realiza-se na escolha de um gênero do
discurso. Assim, para cada objetivo comunicativo a ser atingido, escolhe-se
34
um gênero que é peculiar àquela situação, e esse gênero possibilita dizer
isso, e não aquilo, num dado contexto de comunicação (BAKHTIN, 1992,
p.300).
Cada esfera da atividade humana tem seus gêneros apropriados, que
apresentam especificidades e estilos próprios. Para cada função (científica,
técnica, oficial, cotidiana), há condições, específicas que, na esfera da
comunicação verbal, requerem um dado gênero, relativamente estável do
ponto de vista temático, composicional e estilístico (BAKHTIN,1992, p.284-
5).
1.5.2 Gênero na visão de Fairclough
Em seu livro Language and social change (1992a, p.126),
FAIRCLOUGH usa o termo como referência a um conjunto de convenções
relativamente estáveis associadas a um tipo de atividade socialmente
ratificada, que pode ser uma conversa informal, uma venda de mercadoria,
um documentário na TV ou um artigo científico. Em geral, essas atividades,
produzidas e consumidas de um modo particular, apresentam um protocolo
para sua escrita, leitura e interpretação. Um gênero implica não somente um
tipo particular de texto, mas também um processo particular de produção,
distribuição e consumo desse texto. Isso pode ser verificado ao comparar-se
a produção de um poema e a de um artigo de jornal. Ambos apresentam
diferentes formas de produção, distribuição e consumo. É certo, pois, que
cada gênero apresenta não somente um tipo particular de texto, mas
também uma prática discursiva particular.
O gênero corresponde a tipos de práticas sociais, e o sistema de
gênero que é obtido em uma sociedade, num dado tempo, determina que
combinações e configurações de outros tipos de gênero podem nele estar
inseridos. Cada sociedade, instituição ou domínio particular tem uma
configuração de gênero que lhe é peculiar (FAIRCLOUGH,1992a, p.125-6).
Quando FAIRCLOUGH trata das configurações de gênero, pode-se
remeter esse enfoque ao de configuração contextual e gênero de HASAN
(1985, p.55-62). Esta autora, ao falar em configuração contextual, concebe-a
35
como a estruturação de uma atividade social. Para cada atividade que as
pessoas realizam, há certos elementos que podem ou devem ocorrer para
caracterizar essa atividade, por exemplo, os elementos que são necessários
para evidenciar uma situação de compra e venda.
Para HASAN (idem), o contexto interfere na estrutura do texto. Isso
ocorre porque os participantes (teor), o objetivo da atividade em que estão
envolvidos (campo), e o papel da linguagem (modo) determinam a estrutura
textual. E, para cada uma das atividades em que os participantes se
envolvem, há uma dada configuração contextual (CC) que determina como
tal atividade deve ser realizada.
A recursividade dos elementos na CC – os participantes, a atividade
na qual se envolvem e o objetivo de tal atividade – bem como o meio onde
esta atividade é desenvolvida, é o que dão origem ao gênero. O gênero se
caracteriza, pois, como aquela linguagem que possui em sua estrutura
elementos obrigatórios, isto é, para ser considerada como pertencente a um
gênero, a linguagem deve apresentar certa regularidade e emprego
apropriado numa dada atividade social (HASAN, 1985, p.108).
Dessa forma, uma atividade social, como a transação comercial,
apresenta elementos contextuais imprescindíveis que caracterizam esse
gênero e são responsáveis pela realização dessa atividade. A título de
ilustração, será utilizado um exemplo de HASAN (1985, p.59).
Exemplo 1.9:
Campo: transação econômica: aquisição de bens: alimentos
perecíveis...
Teor: agentes da transação: hierarquia: freguês superordenado e o
vendedor subordinado; distância social: quase máxima...
Modo: papel da linguagem: auxiliar; canal fônico; meio falado com
contato visual...
36
Os elementos obrigatórios que identificam esse gênero como uma
transação comercial são aqueles que aparecem numa ordem específica e
sua ocorrência é prevista pelos elementos contextuais que são definidos
pelo gênero (campo, teor e modo). Os elementos opcionais, que não
aparecem nessa transação, pertencem aquela porção variável que está
comumente associada como um dado gênero, mas que não precisam ser
apresentados no texto como parte de uma atividade social (por exemplo,
saudações iniciais e finais (MOTTA-ROTH,1995, p.38-9).
Considerando-se que na visão hallidyana texto e contexto estão
conectados, portanto os elementos que compõem a configuração contextual
(campo, teor e modo) são importantes para determinar um texto como
pertencente a um dado gênero.
Em seu livro Media discourse, FAIRCLOUGH (1995b, p.85) considera
o gênero como uma estrutura esquemática feita de estágios, tanto
obrigatórios como opcionais, representativos da construção de um
argumento. A sua ocorrência no texto pode ocorrer numa ordem fixa ou
parcialmente fixa.
Os gêneros podem sofrer variações de acordo com os contextos, ou
seja, em decorrência de certos comandos serem necessários em uma
situação e não serem noutra. Aquilo que é pré-requisito para a comunicação
numa entrevista para emprego, não o é em uma entrevista jornalística.
Assim, chega-se a uma visão mais ampla de gênero, podendo-se
conceituá-lo como a linguagem com emprego apropriado numa classe de
acontecimentos sociais (HASAN, 1985, p.108).
As atividades que as pessoas desempenham são atos sociais. Dessa
forma, elas fazem uso de gêneros para se relacionar com outras pessoas.
Como a sociedade está em constante transformação, e a linguagem também
sofre evoluções, os gêneros são criados e transformados em decorrência
disso (TODOROV, 1980, p.46)
Os gêneros da mídia talvez sejam aqueles que mais reflitam as
mudanças que ocorrem na sociedade. Nesse sentido, pode-se afirmar que o
37
modo de usar um dado gênero pode sofrer transformações em decorrência
de exigências do contexto onde os textos são produzidos e consumidos. A
seguir, será tratado o gênero jornalístico, especialmente no que diz respeito
aos editoriais.
1.6 Estudo de texto, contexto, gênero e discurso na mídia jornalística
A tarefa de identificação dos gêneros jornalísticos tem atraído para a
área, pesquisadores que se interessam em conhecer como se organizam os
textos de jornais utilizados no dia-a-dia.
MELO, em seu livro A opinião no jornalismo brasileiro (1994), como o
próprio título do livro sugere, traça um estudo do jornalismo, mais
especificamente, do jornalismo opinativo. Ele busca compreender aquilo que
TODOROV (1980, p.48-9) chamou de ‘propriedades discursivas’, ou seja,
descreve as peculiaridades da mensagem (forma, conteúdo), destacando os
avanços na análise das relações socioculturais entre emissor e receptor e
das relações político-econômicas (entre a instituição jornalística, o Estado,
corporações mercantis e movimentos sociais) que permeiam a totalidade do
jornalismo (MELO,1994, p.37).
Com base nessa abordagem, pode-se asseverar que o jornalismo
está num processo de reformulação e de transformação. As influências
recíprocas que as instituições jornalísticas recebem e exercem sobre a
sociedade, fazem com que os jornais, e principalmente seus textos, estejam
num contínuo processo de conquista do público. Para tanto, o jornalismo
impresso utiliza recursos que buscam atrair a atenção dos leitores: imagens
coloridas, fotos, ilustrações, gráficos que, ao mesmo tempo, antecipam o
assunto de que o texto irá tratar e despertam a curiosidade do leitor em
relação à matéria veiculada.
De acordo com FAIRCLOUGH (1992a, p.109), as notícias da mídia
são um importante negócio de recrutamento de leitores, expectadores e
ouvintes em um contexto de mercado em que as vendas ou avaliações são
38
decisivas para a própria sobrevivência da mídia. Não há dúvida de que o
objetivo da mídia é atrair a atenção dos leitores para vender seu produto.
Assim, os produtores e distribuidores de textos farão tudo que estiver a seu
alcance para alcançar os fins visados.
O professor da USP e pesquisador do Labjor (Laboratório de
Jornalismo) da Unicamp, José Marques de Melo, apresenta um vasto estudo
sobre a mídia brasileira e também sobre o jornalismo opinativo. Ele interroga
“como preservar a credibilidade de um jornal ou revista, quando a fronteira
entre informação e opinião torna-se ambígua ou imperceptível para o leitor”
(DINES & MELO,1997, p.13).
Tal questão é considerada e estudada por aqueles que procuram
discernir dois fatores: de um lado, a informação, que ‘deve’ ser precisa,
imparcial; de outro, a opinião, que é utilizada para demonstrar o
posicionamento da instituição jornalística.
Levando em consideração essa questão, MELO (1994, p.64-5) propõe
a classificação do jornalismo brasileiro em dois âmbitos: o da informação e o
da opinião. Como jornalismo informativo, são consideradas a nota, a notícia,
a reportagem, a entrevista. Como jornalismo opinativo, toma-se, o editorial, o
comentário, o artigo, a resenha, a coluna, a crônica, a caricatura, a carta.
Comparando esses dois níveis de relato jornalístico, pode-se dizer,
que no nível da informação, há uma descrição dos fatos que ocorreram ou
continuam ocorrendo; no jornalismo opinativo, há uma versão dos fatos, ou
seja, o editorialista se posiciona em relação a um certo tema e manifesta
para o leitor o que ele, representante de uma instituição jornalística, pensa
sobre aqueles fatos (idem).
CALDAS-COULTHARD (1997, p.34-5), por sua vez, argumenta que,
nos jornais, existem vários tipos de gêneros (os editoriais, as cartas do leitor,
os documentários, etc) e cada um apresenta certas estratégias textuais que
lhe são peculiares. A autora propõe quatro categorias de gêneros
jornalísticos: serviço de informação, opinião, publicidade e notícias.
O serviço de informação compreende resultados de esportes,
informação cultural, previsão do tempo, etc. A opinião inclui editoriais, artigos
39
de experts e cartas do editor. A publicidade compreende todos os textos dos
anunciantes. A notícia domina a maior parte das páginas dos jornais e pode
ser dividida em vários tópicos (economia, política, esportes, polícia).
A autora ressalta que a notícia não é o próprio evento, mas o relato ou
avaliação de um evento. Assim, algumas vezes, é impossível separar o que
é notícia (supostamente real) do que é opinião. Tendo em vista que, ao
recontar um fato, o jornalista vai fazê-lo de forma particular e sob uma certa
ótica, seu relato deixará de ser uma visão imparcial, tal como os jornais
alegam que ocorre.
Tomando por base os pressupostos teóricos da ACD, sob a
perspectiva de FAIRCLOUGH (1995b, p.91), pode-se afirmar que os
propósitos sociais do jornalismo são complexos. É certo que os jornalistas
não somente narram ou descrevem eventos, mas também interpretam e
explicam, o que pode direcionar a visão dos leitores e até a condicionar a
sua forma de agir. Sob essa perspectiva, percebe-se que é muito difícil ter-
se em uma informação, somente a visão imparcial dos fatos.
Assim, embora as notícias ou as informações ocupem um dado
espaço no jornal e a seção opinião ocupe outro, é difícil acreditar que as
práticas sociais nas quais se inserem as instituições jornalísticas não
interfiram de forma semelhante tanto na notícia como na opinião.
O que se acredita é que a divisão entre informação e opinião, que
MELO (1994) sugere, foi cunhada há algum tempo, a partir de classificações
de jornais internacionais, como uma forma de dividir os assuntos tratados
nas várias seções de um periódico. Criou-se, então, uma subcategorização
de gêneros, tanto para opinião como para informação. Embora, oficialmente
os jornais dividam os seus textos nesses dois níveis, na realidade, ao ler-se
os textos, muito pouco há para distinguir aqueles que informam daqueles
que opinam.
O que se deve destacar é que ao ler um editorial, por exemplo, o leitor
sabe que encontrará um texto que exprime o pensamento da instituição.
Quanto às notícias, supostamente isentas de caráter opinativo, sabemos
que, se observarmos vários jornais, cada um dará um enfoque para o
40
mesmo tema. Isso reforça a alegação de que o contexto e as práticas sociais
refletem-se sobre as práticas discursivas, isto é, sobre os textos que são
produzidos pelas instituições jornalísticas.
1.7 Gênero editorial
O editorial, em termos gerais, pode funcionar como um discurso
exortativo/persuasivo (conforme MARTIN,1989, LONGACRE, 1992).
A partir das visões de gênero, já apresentadas, pode-se perceber que
um gênero possui uma configuração que o identifica com o contexto em que
se insere. Essa configuração é assegurada através dos três elementos que
compõem a configuração contextual e que auxiliam na construção de um
dado gênero (campo, teor e modo). Cada elemento corresponde a um
estágio com alguma conseqüência na progressão do texto (HASAN,1985,
p.56). Para a autora, os gêneros podem variar assim como o contexto, mas
um texto, para pertencer a um dado gênero, deve apresentar os elementos
obrigatórios, ou seja, uma organização em estágios que possibilitem a sua
identificação em diferentes contextos de produção (idem, p.108). Assim, uma
situação como vender, por exemplo, apresentará características recorrentes
em Porto Alegre e em São Paulo. Um editorial produzido em São Paulo e em
Santa Maria terá as mesmas finalidades, sendo isso que o identifica como
pertencente a tal gênero.
O gênero editorial pode apresentar características de um discurso
exortativo, pois esse discurso procura levar os leitores a fazer algo que ainda
não estão fazendo, deixar de fazer algo de determinado modo ou
permanecer agindo de certa forma (LONGACRE, 1992, p.109-10). Assim,
esse discurso pode ser visto como um subtipo do discurso comportamental,
ou seja, a sua estruturação é organizada com argumentos que visam
interferir no modo como as pessoas agem.
Para MARTIN (1989, p.23-5), o discurso exortativo tenta persuadir as
pessoas a fazer alguma coisa, utilizando recursos que expressam
41
sentimentos e atitudes. Tais recursos podem ser estabelecidos através de
verbos, advérbios, adjetivos e substantivos que se destinem a influenciar a
posição de certos destinatários (por exemplo, responsabilizar, inocentar,
sentir, felizmente, bem, trágico, fantástico, idiota, inocente, massacre, etc.).
Conforme as considerações sobre discurso exortativo de LONGACRE
(1992, p.110-14), podem-se definir características do discurso exortativo que
podem permitir a identificação de um editorial como pertencente a esse tipo
de discurso. Assim, um exemplar do discurso exortativo deve apresentar
necessariamente: uma situação e/ou problema que evoca os elementos de
comando, problema representa o momento de maior tensão, seguido por
uma solução ou resposta para o mesmo; comandos e sugestões, que estão
presentes nas formas imperativas e verbos modais que sugerem, comandam
e exijam alguma ação do leitor; e estágios de argumentos que demonstrem a
autoridade do escritor, um problema a ser solucionado e os comandos que
evocam a participação do leitor.
Podem-se destacar ainda elementos que dão suporte à linha de
exortação, tais como: os adjetivos, substantivos, advérbios, verbos que
apresentem a função de repassar as atitudes do escritor (MARTIN,1989,
p.21-3).
Essas características podem ser consideradas como aquelas que
contribuem para que um texto, como os editoriais, possa ser visto como
pertencente ou não ao discurso exortativo. Nos diferentes estágios
argumentativos que compõem esse discurso, o escritor utiliza estratégias
retóricas para informar, opinar, tendo o propósito de atingir
persuasão/exortação do leitor.
Pressupõem-se que todos os estágios de argumentos integrantes do
discurso exortativo sejam importantes na constituição do ato de exortar.
Dependendo do assunto tratado, pode-se dar mais ênfase a um ou outro
movimento, mas, para o sentido e construção retórica dos textos, todos os
estágios ou blocos de argumentos dentro do texto parecem necessários. No
capítulo da Metodologia, apresentam-se maiores detalhes sobre os
movimentos que caracterizam um discurso como exortativo, bem como os
42
fatores que determinam que dado argumento se insira num ou noutro
movimento.
Considerações finais
Nesse percurso da Revisão da Literatura, procurou-se traçar o
caminho teórico que se adota no estudo a fim de realizar a análise dos
editoriais jornalísticos.
Tendo como base a Análise Crítica do Discurso, focalizam-se três
dimensões: o texto (e os elementos responsáveis pela textualidade como
coerência e coesão); o contexto (que está relacionado à produção dos
editoriais) e o discurso (que representa as formas como os escritores
transmitem aos leitores a sua maneira de ver assuntos que fazem parte da
sociedade).
Para analisar os textos dos editoriais, parte-se do levantamento
macroestrutural para o microestrutural. No nível macroestrutural, busca-se
analisar o gênero editorial através de sua estrutura, que lhe confere a
característica de texto persuasivo/exortativo. Possuindo tal característica,
esses textos podem ser considerados como pertencentes ao discurso
comportamental, cuja estrutura está baseada em estágios de argumentos
que buscam levar os leitores à mudança ou manutenção de seu
comportamento. Os textos dos editoriais, pelo seu caráter persuasivo,
podem encaixar-se nesse perfil. Por isso, para a presente análise adotou-se
o modelo de discurso exortativo formulado por LONGACRE (1992). Por
outro lado, a análise microestrutural busca destacar os elementos que
contribuem para construir o argumento no gênero jornalístico editorial,
através das funções textual e interpessoal desempenhadas por elementos
metadiscursivos.
3 DISCUSSÃO DOS DADOS
Introdução
Neste capítulo, procura-se discutir os resultados da análise
desenvolvida no estudo. Para tanto, o presente capítulo divide-se em três
grandes partes.
Na primeira parte, faz-se uma explicitação dos contextos de produção
dos editoriais e sua configuração dentro do espaço do jornal. Na segunda
parte, discute-se o gênero editorial a partir da análise macroestrutural do
argumento. Por último, faz-se a análise do gênero a partir do modelo de
discurso exortativo proposto por LONGACRE (1992), desenvolvendo-se um
levantamento dos marcadores metadiscursivos de forma a explicitar como
esses elementos são utilizados para orientar o leitor através da
argumentação.
Espera-se, com essa análise, conhecer mais precisamente sobre as
práticas discursivas da mídia, mais especificamente, dos editoriais inscritos
em três jornais de diferentes abrangências.
3.1 Produção de editoriais: CONTEXTO
Conforme explicitado na metodologia, concebe-se texto e contexto
como fazendo parte de um mesmo processo, isto é, o texto tem sua origem
relacionada a uma situação que o antecede (HALLIDAY, 1985, p.5). Assim,
busca-se revelar os traços contextuais que se fazem presentes nos textos
das instituições analisadas.
Seguindo a mesma linha teórica de Halliday, HASAN, quando trata de
gênero, considera que os elementos que ajudam a constituir a progressão
do texto, e que são obrigatórios para identificação de um gênero, podem ser
definidos, a princípio, a partir da Configuração Contextual (CC) através das
variáveis de campo, teor e modo (1985, p.56-7). Cada uma dessas três
variáveis auxilia na definição de um gênero, na medida em que a cada
60
60
variação nos valores dessas variáveis que definem o contexto, corresponde
alguma variação nas dimensões ideacional, textual e interpessoal da
linguagem.
Assim, os contextos podem variar, provocando alterações também no
texto. No caso de textos pertencentes ao mesmo gênero, mas oriundos de
contextos institucionais diferentes como é o caso dos editoriais de diferentes
jornais, espera-se que a estrutura básica que permite identificar o gênero
não varie em seus elementos obrigatórios (idem, p. 103-4).
A seguir, cada uma das variáveis da CC serão exploradas como ponto
de partida para análise textual.
3.1.1 Modo ou ‘como é o texto do editorial’
A instituição jornalística A Razão publica um editorial por semana, aos
sábados, na seção Opinião, na página dois. Segundo informações de seu
editorialista1, um editorial semanal é suficiente para fornecer ao público leitor
a visão que a instituição possui sobre os assuntos correntes. Dessa forma,
esse editorial representa uma síntese dos assuntos mais relevantes que
ocorreram na semana.
A Zero Hora apresenta três editoriais de segunda a sábado e, no
domingo, às vezes, apresenta um único editorial. Esses textos estão
dispostos mais ao centro do periódico, na seção ‘Editoriais’, geralmente
entre as páginas quatorze e dezoito, entre as seções de economia e política.
Os três editoriais nesse veículo se apresentam da seguinte forma: um mais
extenso, que pode ser considerado como o principal, e dois outros de menor
extensão. Segundo um dos editorialistas da instituição2, há uma
preocupação de que os textos dos editoriais não ultrapassem os 35
centímetros de comprimento, facilitando a leitura e tornando-se mais
atrativos para o leitor. O primeiro texto apresenta um olho, destacando um
1 Conforme entrevista concedida pelo seu editor Claudemir Pereira em 15/08/97. 2 Nilson Souza, via e-mail em 13/01/98.
61
61
trecho do texto, e também um ilustração, que se relaciona com o assunto
tratado no editorial (Ver Anexo B, p. Bii)
Como a Zero Hora, a Folha de S. Paulo apresenta diariamente três
editoriais, sendo que, às vezes, aos domingos, esse número varia entre dois
e três textos, com uma configuração textual fixa de 28 linhas, divididas em
duas colunas. Os editoriais dessa instituição são publicados na página dois
do periódico, na seção ‘Opinião’, que apresenta uma coluna com os três
editoriais.
Considerando a variável modo, pode-se ainda abordar os aspectos
relativos à coesão e coerência textuais. Em relação à utilização de
elementos que auxiliam na coesão, observa-se que as três instituições
fazem uso de forma significativa desses artifícios, pois o emprego auxilia na
progressão do texto, facilitando a interação das idéias propostas pelo
editorialista. Sabe-se que a ocorrência de elementos coesivos nem sempre
proporciona coerência, mas na maioria dos textos analisados essa presença
contribui significativamente para a progressão do texto e para a manutenção
de sua unidade. Alguns textos, porém, do jornal A Razão (por exemplo, os
textos - Potencial à mostra e O novo discurso) e de Zero Hora (por exemplo,
o texto - Dupla responsabilidade) apesar de fazerem uso de conectores, não
possuem um desenvolvimento seqüencial das idéias. Tendo em vista que
não possuem uma unidade de temas apresentados, fator que não contribui
para um desenvolvimento paulatino dos argumentos propostos. Assim, os
editoriais da Folha de S. Paulo apresentam uma correlação entre o uso de
conectores e a manutenção de uma unidade de argumentos o que possibilita
uma melhor orientação sobre o percurso argumentativo adotado.
Considera-se que esse aspecto da Configuração Contextual (CC) é
importante porque permite a identificação da forma como o gênero editorial
se configura em cada um dos contextos de produção, bem como as
particularidades desses domínios.
3.1.2 Teor ou ‘quem faz o editorial’
62
62
O jornal A Razão tem como meta produzir um jornal a serviço de sua
comunidade, ou seja, reivindicar em favor da melhoria dos serviços para a
comunidade da qual faz parte3. A instituição tem como foco de interesse,
como se pode verificar na forma como os assuntos são tratados nos
editoriais (ver anexos d’A Razão), a livre iniciativa e o livre mercado. Dessa
forma, seus textos são manifestações a favor das privatizações, do
crescimento e do incentivo à economia da região, a partir da instalação de
indústrias e de empreendimentos que venham auxiliar o desenvolvimento do
município e da região.
Os editoriais de A Razão se dedicam, basicamente, a tratar de
questões econômicas da região de Santa Maria. Procuram mostrar
abertamente como essa instituição vê as ações praticadas pelos
governantes e empresários locais. A partir dos textos analisados, percebe-se
que há um destaque para o potencial da cidade e da região, bem como para
a necessidade de que empresas de outras lugares instalem-se no município.
A instalação de empresas auxiliaria o crescimento econômico, gerando
empregos e impostos.
Zero Hora desenvolve uma linha editorial em defesa da democracia,
da liberdade, da igualdade, da ética, do livre mercado e da privatização4.
Realiza também o combate à economia estatizada e ao poder de ingerência
do Estado em assuntos econômicos (KRIEGER, 1990, p.216). Os editoriais
do jornal Zero Hora dedicam-se, muitas vezes, à economia estadual e
outras, à economia nacional, destacando aspectos positivos e negativos das
ações e investimentos que são feitos pelos empresários ou pelo governo,
tanto em termos de agricultura, como em outras áreas. Quanto às ações
governamentais (em nível estadual ou nacional), em relação à economia, há
uma visível variação de tomada de posição, que varia entre crítica e apoio.
Zero Hora é um jornal que defende a posição de que o governo deve
se movimentar apenas dentro de certos limites, deixando a cargo da livre
3 Ver nota 1 (um) neste capítulo. 4 Ver nota 2 (dois) neste capítulo.
63
63
iniciativa, a determinação das regras da política econômico-financeira
(KRIEGER,1990, p.216).
A Folha de S. Paulo se propõe a realizar um jornalismo crítico,
apartidário e pluralista5. Do ponto de vista político, sustenta a democracia
representativa, a economia de mercado, os direitos do homem e o debate
dos problemas sociais resultantes do subdesenvolvimento. Procura adotar
uma atitude de independência em relação aos grupos do poder.
Conforme o Novo Manual da Redação da Folha de S. Paulo, a
instituição considera as notícias e as idéias como mercadorias que devem
ser tratadas com rigor técnico, buscando uma relação de transparência com
a opinião pública, estimulando o diálogo, a difusão de novas tendências e o
desenvolvimento do próprio jornalismo (1996, p.13). O jornal, em sua linha
editorial, apresenta tanto críticas às ações realizadas pelo atual prefeito de
São Paulo (Celso Pita), quanto elogios ao que venha a ser efetivado para o
crescimento da economia estadual ou nacional. Assim, os textos dos
editoriais dessa instituição focalizam, principalmente, as ações econômicas
do governo e destacam os investimentos produtivos de acordo com a livre
iniciativa.
Em relação à variável ‘teor’, cabe ainda ressaltar que a instituição A
Razão, por ser um jornal de irradiação regional, faz uso de um discurso que
trata de temas principalmente da sua região de cobertura. O editorialista
utiliza, para transmitir a informação, formas que retratem proximidade entre
os participantes – escritor – leitor: Não podemos esquecer que Santa Maria
está incluída, agora, na Rede de Mercocidades. O editorialista, quando fala
da cidade sede do jornal, usa a primeira pessoa do plural para chamar a
atenção dos leitores para um fator que pode ter influência na vida de ambos.
Ele vivencia muitos dos fatos que aborda, portanto, a instituição, através
dele, prevê como manifestar posições de acordo com os anseios do cidadão
santamariense.
O jornal Zero Hora possui abrangência principalmente estadual, mas
também é distribuído para outras regiões do país. Tendo, então, um número
5 Dados retirados do Novo Manual da Redação – Folha de São Paulo.
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de leitores mais amplo do que A Razão. Discutindo assuntos que interessam
tanto aos leitores gaúchos como àqueles de outros estados, por exemplo,
quando discute a economia nacional.
A Folha de S. Paulo, em virtude de estar sediada na maior cidade
brasileira, de primar por um tipo de jornalismo diversificado e moderno, de
discutir temas a partir da ótica de jornalistas que estão em contato com
todos os tipos de informações, pode ser considerada como de maior
abrangência das três (quiçá do país). Possuindo, portanto, um número de
leitores evidentemente mais amplo do que as duas outras instituições. Esse
jornal divulga em seus editoriais os temas, que interessem tanto aos leitores
da capital de São Paulo, como aos leitores de todo o país.
O teor é um aspecto da CC que demonstra como cada instituição,
através do editorial, traça suas metas visando interagir com os leitores,
tratando de assuntos que digam respeito ao público que visam atingir, bem
como debatendo temas correntes da sociedade.
3.1.3 Campo ou ‘de que trata o editorial’
O jornal A Razão está sediado no município de Santa Maria, região
central do Estado (RS) e pertence à Empresa Jornalística De Grandi Ltda.
Suas notícias tratam, principalmente, de assuntos da cidade, podendo haver
espaço para aquelas de fora que, de alguma forma, interfiram nos assuntos
da região. O texto do editorial discute os principais assuntos da semana
sobre os quais a instituição julgou necessário manifestar sua opinião, dentre
os quais, destacam-se a cidade e a região, com enfoques, basicamente,
político, econômico e social.
O jornal Zero Hora faz parte da Rede Brasil Sul de Comunicações
(RBS), grupo que, presentemente, engloba emissoras de rádio e de
televisão, representando o maior conglomerado de veículos de informação
no sul do Brasil. Os assuntos tratados por essa instituição dizem respeito
principalmente aos fatos da capital do Estado (RS), Porto Alegre, havendo
referência também a fatos do interior do Estado, algumas vezes, aos do País
65
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e do exterior. A escolha dos temas a serem abordados nos textos é feita
com base no que é destaque no noticiário e também nos assuntos que a
instituição julga relevantes. Mas, qualquer que seja o nível de abrangência
dos textos, percebe-se que esses tratam de temas como economia,
agricultura, política e questões sociais (por exemplo, educação, saúde,
moradia).
A Folha de S. Paulo, faz parte da Empresa Folha da Manhã S/A, da
qual também fazem parte os jornais Folha da Tarde e Notícias Populares. A
Folha de S. Paulo tem como lema “Um jornal a serviço do Brasil”, que
aparece sempre sob o logotipo da capa do jornal. Na página “Opinião”, o
logotipo aparece logo acima da coluna de editoriais. Esse jornal dedica-se a
assuntos da capital paulista e àqueles de impacto nacional que possam
interessar a maioria dos leitores.
Os assuntos tratados pela Folha de S. Paulo variam desde aqueles
que focalizam fatos da capital paulista, até os do interior do Estado e os do
exterior. Esses textos sempre mantêm uma relação com as notícias que
estão em voga no momento.
Com base na comparação da linha editorial dos jornais A Razão, Zero
Hora e Folha de S. Paulo, e em informações fornecidas pelos editorialistas,
percebe-se que, apesar dos assuntos tratados nos editoriais apresentarem
um a gama diversificada, as questões econômicas são as que se destacam
na maioria dos textos. Esse fator permitiu que fossem escolhidos os
editoriais que tratassem desse assunto. A presença mais significativa do
tema, justifica-se a partir de existência de uma sociedade capitalista, onde a
economia é a engrenagem que comanda muitas ações.
Questões econômicas são entendidas como aquelas que se
relacionam aos vários graus de extensão da riqueza, ou seja, produção,
distribuição, acúmulo e consumo de bens materiais (Novo Dicionário
Aurélio, 1975, p.497-8). Também podem referir-se às ações do governo que
regulam, condicionam e modificam os negócios econômicos da Nação.
Assim, o campo corresponde a uma das variáveis da CC que está
associada aos tópicos abordados nos editoriais. Assim, cada uma das
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instituições analisadas, em função dos contextos que abrangem, apresenta
um tipo de prática discursiva.
A Tabela 3.1 a seguir apresenta os tópicos abordados nos doze
editoriais analisados:
Tabela 3.1. Demonstrativo dos tópicos abordados nos editoriais analisados.
A Razão
Zero Hora
Folha de S.
Paulo
Total
Economia local 2 (SM) --- --- 2
Economia regional 2 (RS) --- --- 2
Economia nacional --- 4 4 8
A partir desse comparativo, observa-se que as instituições Folha de S.
Paulo e Zero Hora dedicaram-se, nos textos analisados (quatro de cada
instituição), a assuntos em nível nacional, que se direcionam a ações
econômicas determinantes dos rumos do país. O jornal A Razão, nos seus
quatro textos, focalizou a economia local (Santa Maria) ou regional
(municípios próximos à cidade de Santa Maria).
Com essa análise, pode-se comprovar que o contexto determina o
texto. Cada um dos jornais analisados, dedica-se a assuntos da sua região
de cobertura, visando atingir o público do contexto que abrangem. Assim,
Zero Hora e Folha de S. Paulo, em função do público leitor que pretendem
atender, consideram que o enfoque da economia nacional abranja tais
leitores.
Um texto que aborda assuntos de Santa Maria poderia não ser
compreendido pelo público paulista, porém os leitores santa-marienses
entenderão com facilidade assuntos do centro do país. Nessa perspectiva,
constata-se, de fato, que quanto maior o contexto, no qual o jornal se insira,
maior será a sua diversidade e abrangência de temas, possibilitando a
interação com um maior número de leitores. Assim, os editoriais que tratam
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da economia nacional da Folha de S. Paulo e da Zero Hora podem
interessar a um maior número de leitores.
3.2 O objetivo comunicativo do gênero editorial jornalístico
Pode-se encontrar pelo menos duas definições de editorial em dois
dicionários bastante populares:
Editorial é um artigo que exprime a opinião de um órgão da imprensa, em geral escrito pelo redator-chefe (Novo Dicionário Aurélio, 1975, p.499). Editorial is a part of writing in a newspaper that gives the editor’s opinion about something, rather than reporting facts. (Longman Dictionary of Contemporary English, 1978, p.437).
As definições, retiradas de um dicionário brasileiro e de um dicionário
inglês, são praticamente iguais, pois ressaltam que tais textos são utilizados
com o intuito de opinar.
Na visão de MELO, que vem em complementação às anteriores, o
editorial é um gênero jornalístico que expressa a opinião oficial do órgão de
imprensa, seja ele escrito, falado ou televisionado, diante de fatos de maior
representatividade no momento (1994, p.95).
Sob a ótica de KRIEGER (1990, p.155-8), há algumas peculiaridades
nos discursos dos editoriais que ocorrem em função de seu objetivo de
opinar, buscando, muitas vezes, a defesa dos interesses de uma
coletividade. Para a autora, esses discursos caracterizam-se por ser:
- de exigência, em nome da coletividade, do compromisso público;
- de caráter mediador, apresentando-se como uma fala
intermediária, direcionada aos governantes – o narrador atuando
como porta-voz da coletividade ;
- de natureza deliberativa, propondo leis que visem ao bem da
comunidade.
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Ao opinar em defesa do bem da sociedade, a instituição jornalística
pode estar usando uma estratégia, para, implicitamente, defender seus
próprios interesses ou os interesses da mídia como um todo. Assim,
dissimulando interesses próprios e ressaltando necessidades coletivas, o
jornal mantém uma boa imagem junto ao público.
A partir de tais características, pode-se dizer que o editorial é um tipo
específico de texto utilizado pelos jornais para persuadir seus leitores a
verem os fatos do modo como a instituição julga adequado. Para isso, busca
criticar ações que a maioria do público gostaria de ver criticadas. Por outro
lado, da forma como a opinião é expressa, tais textos podem despertar a
atenção das pessoas para questões que estão no dia-a-dia e para a
necessidade de tomada de posição.
Vale observar que segundo MELO (1994, p.96), nas pequenas
empresas jornalísticas, a opinião dos editoriais ainda representa o
pensamento dos donos dessas empresas. Isso pode ser verificado em
empresas de pequeno porte como o jornal A Razão, onde poucas vozes
determinam a opinião da empresa (Zaira de Grandi – dona e diretora e
Claudemir Pereira – editor). Por outro lado, em empresas de maior porte o
editorial pode não se limitar apenas à opinião do/a dono/a e de sua
assessoria direta, mas pode se constituir do consenso de diferentes visões
que compõem o todo dessa instituição, como, por exemplo, em Zero Hora e
Folha de S. Paulo. O consenso de diferentes visões remete ao fato de que,
pelo crescimento das empresas jornalísticas, o capital é divido em ações,
portanto, muitas pessoas passam a tomar parte na direção dessas
instituições.
Os produtores dos jornais, agindo como figuras mediadoras entre o
que é informado e o público leitor, cultivam características típicas do objetivo
da audiência–alvo, bem como uma solidariedade para com ela
(FAIRCLOUGH,1992a, p.109). A mídia opina, procura ir ao encontro dos
interesses do público leitor, e sempre, pelo menos aparentemente, busca
defender tais interesses. Essa estratégia é utilizada como uma forma de
estreitar os laços com o leitor, buscando manter uma relação amigável.
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69
Assim, atrás da defesa de interesses do bem comum, pode haver
uma defesa de interesses cooperativos ou até mesmo político-partidários
(por exemplo, na época das eleições).
Para FAIRCLOUGH (idem), a linguagem comum e a solidariedade é
um fenômeno ligado ao consumismo, de modo a encaixar os ‘produtos’
jornalísticos nos estilos de vida dos leitores e a recrutar esses leitores, ao
mesmo tempo em que molda certos estilos de vida.
Como os editoriais procuram ditar normas e procedimentos, visando
influir na manutenção ou na alteração de comportamentos, os textos dos
editoriais podem ser caracterizados como exemplares do discurso exortativo.
3.3 Estruturação argumentativa em editoriais: TEXTO
O editorial pode ser visto como um texto em que o escritor6 tem a
função de argumentador, pois organiza a estrutura argumentativa de seu
texto com a intenção de persuadir o leitor. Assim, revelam-se os
participantes desse ato lingüístico: o autor do editorial e os leitores, que
interagem num dado momento que reflete os fatores sociais e históricos da
sociedade. A comunicação que se estabelece entre tais participantes
obedece a um contrato em que o leitor espera que o editorialista manifeste a
opinião da instituição sobre um fato de certa repercussão social no
momento.
Como subtipo do discurso comportamental, o discurso exortativo dos
editoriais, conforme já exposto, objetiva reforçar ou alterar certas condutas
do leitor (LONGACRE,1992, p.109), exortando o leitor a tomar uma atitude e
agir da forma que está sendo determinada ou sugerida.
O discurso exortativo, conforme o modelo de LONGACRE (idem),
apresenta uma estrutura composta por quatro movimentos, que podem
ocorrer, às vezes, de forma subseqüente, o que significa que o movimento
6Quando se estiver tratando de editoriais, pode-se utilizar, para substituir a palavra editorialista, escritor.
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70
posterior complementa o anterior. Nesse modelo, o movimento 1 estabelece
autoridade e credibilidade para o produtor do texto; o movimento 2 apresenta
a situação e ou o problema que será discutido; o movimento 3 apresenta
comandos, que podem ser dissimulados em sugestões, e o movimento 4
propõe resultados desejáveis ou não (ver seção 2.2.2). O movimento 3 é
considerado básico no discurso exortativo, pois é através de comandos e
sugestões que o leitor pode ser exortado a agir da maneira que o escritor
determinar.
Percebe-se que todos os movimentos são importantes para construir
um discurso que tenha a intenção de persuadir/exortar7, pois um movimento
pode complementar o outro; por exemplo: o movimento de comando
depende da apresentação de uma situação e/ou o problema sobre a qual o
autor possa propor sugestões e apresentar dados. Da mesma forma, a
conclusão ou motivação se efetiva em função de uma situação que já terá
sido discutida no texto e justifica o comando ou sugestão produzido pelo
editorialista.
A seguir, busca-se levantar, nos textos em análise, o modo como as
três instituições constroem o seu argumento, servindo-se ou não dos quatro
movimentos que perfazem um discurso exortativo. Para isso, analisa-se a
constituição de cada movimento em separado.
3.3.1 Movimento 1 – uso da autoridade e da credibilidade do
editorialista
Esse estágio tem como ponto central a utilização da autoridade, do
poder de quem escreve. Nessa etapa, o editorialista faz uso de argumentos
que revelam o seu conhecimento, bem como o conhecimento de suas
fontes. Para tanto, faz alusão a dados numéricos que respaldam o seu
discurso, terminologia técnica, citações e alusão ao poder instituído. A
demonstração da autoridade nem sempre está explicitamente demarcada,
7 LONGACRE (1992) atribui algumas diferenças tênues para os atos de ‘persuadir’ e ‘exortar’, neste trabalho, porém, consideram-se como sinônimos.
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pode também estar implícita em outros movimentos que constituem o
editorial, ou apresentar-se intercalada entre os outros blocos do texto. Essa
ocorrência se deve ao fato de o editorial, como um todo, ter a intenção de
fazer o seu leitor ‘agir’ ou ‘pensar’ em uma direção. Necessita, portanto, de
elementos que credenciem a presença do escritor no texto. Dessa forma, o
editorialista utiliza artifícios para assegurar a sua credibilidade, tentando
aumentar assim o seu poder de convencimento. Um dos artifícios para
assegurar a autoridade é a citação e referência a pessoas conhecedoras do
assunto tema e a políticos, ministros, economistas, conforme o Exemplo 3.1.
Exemplo 3.1:
a- Há também informações de que a McLaren quer instalar uma fábrica no Estado, provavelmente em Vacaria. É hora, mais uma vez, como observou recentemente o presidente da Assembléia Legislativa, João Luiz Vargas, de Santa Maria entrar nessa luta. Se Vacaria pode por que não podemos? (AR# 1,§ 7)
b- A perspectiva de que teremos um Natal de poucas vendas, conforme prevêem as
principais federações empresariais da indústria e do comércio do país não pode ser argumento para desistir.(AR# 3,§ 3)
c- Ao participar esta semana da Convenção Nacional do Comércio Lojista, em Belo
Horizonte, o presidente da Câmara dos deputados fez afirmações surpreendentes. Disse o senhor Michel Temer que a reforma tributária só entrará na pauta do Congresso em 1998. E não esqueceu de advertir que aquele poder só vai trabalhar até maio ou junho do ano que vem.[...] fica patente que a emenda só será apreciada em 1999, apesar de vir sendo proclamada alta prioridade nacional desde 1995. (ZH# 1,§ 1)
d- Além disso, o Brasil conta com recursos que nem todos os países têm. Como bem
lembrou, ontem o presidente da Confederação Nacional da Indústria, senador Fernando Bezerra, o país está enfrentando a crise com suas próprias reservas, sem pedir socorro a entidades internacionais. (ZH# 2, § 2)
e- Antecipando as linhas gerias do pacote, o ministro do Planejamento advertiu que o
mundo financeiro é agora diferente de antes da crise e supõe “maiores riscos”. O déficit crescente nas contas externas e internas do país deverá ser menos tolerado. Segundo o senhor Antônio Kandir, o objetivo do ajuste será de criar uma “couraça fiscal” para garantir o real contra futuras turbulências.(ZH# 3,§ 2)
f- No varejo, repete cenas típicas de pacotes, em que deslizes e medidas de impacto
apenas psicológico misturam-se a decisões acertadas. Um exemplo de deslize os pronunciamentos contraditórios da Fazenda sobre a
fixação de preços em operações com cartões de crédito. Além do “saco de maldades” citado pelo presidente do BC, Gustavo Franco, há
também um “saco de improvisos” que só atrapalham. (FSP# 4, § 1;2;3)
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72
g- As empresas foram autorizadas a dobrar a quantidade de títulos que podem recomprar. E o BNDS ofereceu um crédito de R$ 1 bilhão para financiar tais recompras a juros favorecidos. (FSP# 4,§ 4)
Esses exemplos do Movimento 1 retratam a utilização da autoridade
como forma de proporcionar maior credibilidade ao discursos de editorialista
e, portanto, maior poder de persuasão/exortação.
No exemplos 3.1 ‘a’, o editorialista considera-se como alguém que
‘sabe’ do que está tratando e, como conhecedor, procura motivar as pessoas
a pensar da forma que ele está sugerindo. A sua autoridade é expressa em
dois momentos: quando o editorialista se mostra como bem informado, por
exemplo, na vinda de fábricas para o Estado e quando usa o discurso do
presidente da Assembléia Legislativa, o deputado João Luiz Vargas (ex-
prefeito de São Sepé, cidade vizinha de Santa Maria), para dar maior
respaldo a sua posição, ou seja, a necessidade de Santa Maria se mostrar
no cenário das cidades que possuem potencial. Essa posição parece ser
compartilhada por ambos – a instituição jornalística e o presidente da
Assembléia Legislativa. No exemplo ‘b’, também do jornal A Razão,
novamente o editorialista utiliza o que já foi dito por outrém, para a partir
desse discurso, ressaltar uma posição. Nesse caso, ela é contrária, ou seja,
eles prevêem ‘x’, mas em função disso novos artifícios têm que ser criados
para superar essa situação desfavorável.
O editorialista, no exemplo ‘c’, toma o discurso do presidente da
Câmara dos Deputados para tecer comentários em tom de contrariedade,
deixando claro para o leitor que as críticas do editorialista surgem em função
de um pronunciamento do senhor Michel Temer. Usando essa informação
para mostrar que as suas críticas têm uma origem que proporcionam
credibilidade ao seu posicionamento e poder de convencimento. Nos
exemplos ‘d’ e ‘e’, o recurso da autoridade está presente nas referências a
pessoas influentes do governo (Fernando Bezerra e Antônio Kandir) que são
usadas, nos dois exemplos, após o Movimento 2, ou seja, utiliza as marcas
de autoridade para melhor situar o leitor na informação contida no texto.
No exemplo ‘f’, o escritor deseja criticar o sistema financeiro brasileiro,
e a autoridade a essas críticas parte dos pronunciamentos do presidente do
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Banco Central, os quais ele considera como ‘contraditórios’. Observando que
além do “saco de maldades” citado por Gustavo Franco, há um “saco de
improvisos”. Assim, o ‘saco de maldades’ faz parte das ações contraditórias
do governo e o ‘saco de improvisos’ corresponde às medidas de impacto
que não surtem os efeitos almejados.
O exemplo ‘g’, revela os conhecimentos do escritor em relação ao fato
que aborda, em função deles tece suas opiniões e busca dar credibilidade
ao assunto. A revelação de que é sabedor de mais dados sobre o que está
tratando é demonstrada na primeira sentença ‘empresas autorizadas a
dobrar a quantidade de títulos’ e na segunda sentença ‘o BNDS ofereceu um
crédito de R$ 1 bilhão’.
A partir dos exemplos, observa-se que o recurso da autoridade pode
ser considerado eficaz para dar respaldo àquilo que o editorialista aborda, o
que resulta em maior credibilidade ao texto e, conseqüentemente, contribui
para uma aceitação por parte do público leitor. A autoridade e a credibilidade
são dadas ao texto também pela nominata institucional que se localiza acima
dos editoriais. Cada uma das instituições em análise, possui um espaço
consagrado nos contextos em que atuam (regional, estadual ou nacional).
Esse fator dá credibilidade ao editorialista e autoridade para tratar de
assuntos da forma que a instituição julgue adequado.
Em relação à autoridade invocada, pode-se dizer que a instituição A
Razão, como aborda temas locais e regionais, tem como uma das fontes de
manifestação da autoridade o presidente da Assembléia Legislativa do RGS
(João Luiz Vargas). O jornal Zero Hora, com direcionamento a temas
nacionais, usa como fontes de autoridade o presidente da Câmara dos
deputados (Michel Temer), o presidente da Confederação Nacional da
Indústria (Fernando Bezerra) e o ministro do Planejamento (Antônio Kandir).
A Folha de S. Paulo faz referência a presidente do Banco Central (Gustavo
Franco). Dessa forma, percebe-se que o recurso de autoridade está
relacionado à abrangência dos assuntos em cada instituição, se o assunto
se dá em nível nacional, usa-se como manifestação de autoridade, por
exemplo, o senhor Antônio Kandir. Já quando se trata de assuntos regionais,
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pode-se considerar que a invocação da autoridade de um deputado estadual
é suficiente para fornecer mais força argumentativa ao editorial. Assim, cada
instituição sabe quais as fontes que podem ser utilizadas de acordo com
suas posições e valores para assegurar veracidade ao seu discurso.
As ideologias estão encaixadas nas práticas discursivas e são mais
efetivas quando elas se tornam naturalizadas, ou seja, quando são
transmitidas como se fossem senso comum (FAIRCLOUGH,1992a, p.87).
Muitas vezes, o editorialista pode marcar a sua autoridade e o seu poder,
sem que isso seja percebido pelo leitor. Para exemplificar, pode-se citar um
excerto do jornal A Razão:
Exemplo 3.2
Nessa época (Natal) é natural que se compre mais, pois presentear significa dar um pouco de si ao outro – a essência do pensamento cristão e de todas as religiões (AR#3, §6).
No exemplo, para melhor convencer os comerciantes e o público em
geral sobre as expectativas de vendas no período do Natal, o editorialista
considera que é natural que as pessoas comprem mais, e relaciona o ato de
trocar produtos com uma forma de compartilhar sentimentos. Assim,
promove a fusão de atos muitas vezes dissonantes: a troca de sentimentos e
a de mercadorias. Como, porém, de certa forma, a idéia já está enraizada na
cultura ‘capitalista’, ela passa a ser vista com status de senso comum, como
se a troca de sentimentos pudesse, de fato, estar no mesmo plano da troca
de mercadorias. Essa visão que a instituição tenta imprimir, pode ser
justificada, a partir da ideologia da empresa, ou seja, da ideologia do livre
mercado, da competição. Dessa forma, o enfoque na necessidade de
incrementar a vendas corresponde a essa ideologia.
3.3.2 Movimento 2 – apresentação da situação e/ ou problema
75
75
O Movimento 2 pode ser considerado, nos textos em análise, como
aquele que desencadeia os três demais movimentos que perfazem o texto
do editorial. Em função de uma situação e/ou de um dado problema, o
editorialista pode usar sua autoridade, utilizar comandos e sugestões e
propor resultados.
Exemplo 3.3:
a- Natal no coração Na próxima quinta-feira, entidades e empresas estarão lançando a programação do projeto Natal no Coração, uma iniciativa que já vinha sendo desenvolvida antes da crise nas bolsas de valores e do lançamento do pacote de novembro com medidas de ajuste destinadas a manter a estabilidade. A partir do anúncio de aumento nas taxas de juros e uma série de outras medidas que atingem sobretudo a classe média, a realização do Natal no Coração passou a ser um desafio...Os empreendedores ...desconhecem a palavra problema, esta, aliás, abominada por todos aqueles que alcançam as suas metas e vencem na vida.(AR# 3, § 1;2) b- Grandes possibilidades A semana foi promissora em termos de eventos em Santa Maria e em alguns municípios vizinhos com a realização dos Seminários RS: Uma vocação Plástica e Construbusiness. Embora distintos e realizados por entidades por entidades diferentes, as promoções trouxeram novas informações e possibilidades para que atuais e futuros empresários melhor direcionem seus investimentos. O seminário sobre vocação plástica procurou esclarecer as oportunidades no setor... O mais importante foi o anúncio de que nos próximos meses Santa Maria deverá contar com pelo menos três empresas do setor... Já o Construbusiness, entre outras realizações, alertou para uma exigência vital em tempos de globalização: a qualidade... . A campanha da Ascon se propõe a conscientizar o consumidor da necessidade de escolher bem serviços e produtos...Oferece, assim, a entidade, uma garantia a sua clientela. (AR# 4, §1;2;3;4;5) c- Enfrentando o terremoto O governo brasileiro está empreendendo um grande esforço para defender o real, o modelo cambial e a estabilidade do turbilhão especulativo gerado em Hong Kong e que atinge mais fortemente as economias emergentes. Para isso, viu-se obrigado a elevar as taxas de juros, provocando reações controversas do mercado: ao mesmo tempo em que a medida atenuou o nervosismo, fazendo inclusive com que a Bolsa de São Paulo fechasse em alta ontem, também provocou o temor de recessão. É uma aposta arriscada, mas que precisava ser feita, até para confirmar a convicção na atual política econômica. (ZH# 2, § 1) d- Dupla responsabilidade As bolsas de São Paulo e Rio de Janeiro caíram ontem a ponto de terem os pregões suspensos pelo circuit breaker, um sistema de segurança que é acionado quando o valor das ações cai em excesso. No caso da Bovespa o pregão foi suspenso quando a baixa chegou a 10%. As quedas generalizadas de ontem nos mercados mundiais foram puxadas pela Ásia: Hong Kong caiu 2,9 % enquanto Tóquio fechou o pregão com queda de 4,22%. Os números mostram que a crise das bolsas perdura e que a situação dos mercados exige cautela. A persistência da instabilidade mundial e nacional fará o
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76
governo brasileiro lançar um conjunto de medidas de aperto fiscal, com cortes nos gastos e aumentos tributários. (ZH# 3, § 1) e- A riqueza do subsolo A venda de direitos para lavra de jazidas já identificadas deve permitir que a iniciativa privada produza riqueza com base em recursos hoje ociosos. Mas, se a intenção de retirar o Estado da esfera produtiva é acertada, vender tais direitos a preço fixo – como pretende o governo – talvez não seja a melhor forma de fazê-lo. (FSP# 1, § 1) f- Receita contra fundos A Receita Federal elegeu como um de seus alvos os fundos de previdência privada. São 348 instituições, com patrimônio de US$ 82 bilhões, que não pagam impostos. Amparados numa interpretação discutível da Constituição, que isentaria entidades de assistência social, os fundos nem depositam em juízo o montante do débito, estimado pela receita em R$ 8 bilhões... Trata-se de mais uma evidência da falta de regras legítimas e transparentes no sistema financeiro brasileiro... Há vários equívocos nessa situação. Primeiro é condenável que a receita ameace fazer devassa para persuadir contribuintes... Os fundos de pensão estão, entretanto, abusando de uma brecha constitucional...Mas os fundos administram recursos dos que têm renda até para poupar. (FSP# 3, § 1;2;3;4;5)
É através do Movimento 2- a situação e/ou o problema, que o leitor
fica a par do que tratará o texto, são essas informações preliminares que
têm substancial relevância na continuidade do texto. Esse movimento pode
ser considerado o ponto de maior tensão no texto, tendo em vista que a
partir de um problema ou situação é que são propostas as saídas ou
soluções. O título pode fornecer pistas sobre a informação que o texto
contém.
No exemplo ‘a’, a situação é manifestada no título e, também, nos
dois primeiros parágrafos, que tratam da campanha que as entidades do
comércio de Santa Maria promovem ‘Natal no Coração’. Assim, a discussão
concentra-se nesse tema. No entanto, na segunda sentença, o editorialista
evidencia problemas que poderão interferir no sucesso da campanha: como
o ‘aumento das taxas de juros e outras medidas de ajuste...’. Sendo que
esses problemas são vistos pelo editorialista como um obstáculo a ser
superado, pois representam um ‘desafio’ para que os empresários se
empenhem ainda mais para superar a atual situação. Os argumentos
posteriores serão construídos em função dessa situação e dos problemas já
evidenciados.
Nos exemplos ‘c’ e ‘d’, o primeiro parágrafo de cada texto coloca o
leitor a par das dificuldades que o governo está enfrentando para defender a
77
77
economia brasileira dos problemas que foram originados com a queda das
bolsas. No caso do primeiro exemplo, ‘Enfrentando terremoto’, o editorialista
repassa para o leitor uma situação que é a defesa do real que o governo
está tentando fazer e noutra sentença considera que a atitude representa
uma ‘aposta arriscada’, mas que precisa ser feita. O uso verbo ‘enfrentar’
que serve para demonstrar que o governo está fazendo a coisa certa, pois
está ‘empreendendo um grande esforço para defender o real’. Assim, ao
mesmo tempo em que apresenta o problema, o escritor declara que ele está
sendo bem contornado pelo governo. O restante do texto é o desdobramento
dessa ‘situação problemática’, sempre ressaltando atitudes do governo
consideradas positivas. Assim, apesar de haver um problema, o governo
está sabendo contorná-lo, portanto, o ‘problema’ é apresentado sob uma
ótica otimista. O exemplo ‘d’, com o título ‘Dupla responsabilidade’, retrata
uma situação de crise que o país está passando e que, para resolvê-la,
várias medidas devem ser tomadas. Essas medidas são evidenciadas no
decorrer de todo o texto e a explicitação do que seja a ’Dupla
responsabilidade’ não ocorre no Movimento 2, mas sim no Movimento 3 (§3).
A situação e/ou o problema, nos exemplos ‘e’ e ‘f’, também é
evidenciada, em parte, no primeiro parágrafo. A situação e o problema
(exemplo ‘f’) podem ser observados nas sentenças: “A Receita Federal
elegeu...os fundos de previdência privada”(situação). “São 348
instituições...que não pagam impostos” (problema). “Trata-se de mais uma
evidência de falta de regras legítimas e transparentes...”. “Há vários
equívocos nessa situação”. No exemplo ‘e’, há, primeiro, uma situação:
“...venda de direitos para a lavra de jazidas...produza riqueza...” e, logo
após, um problema: “vender tais direitos a preço fixo...talvez não seja a
melhor forma de fazê-lo”. A situação e o problema de que tratam esses
textos são demonstrados, principalmente, no primeiro parágrafo.
A partir dos exemplos apresentados, pode-se apresentar alguns itens
lexicais que ressaltam o problema/situação de que trata o editorialista:
‘crise’, ‘problema’, ‘turbilhão especulativo’, ‘reações controversas’, ‘temor de
recessão’, ‘instabilidade’, ‘cai em excesso’, ‘cortes’, ‘aumentos’, ‘não’, ‘falta
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de regras’. Todos esses itens, mesmo que apresentados de forma isolada, já
informam para o leitor a existência de algum tipo de problema. Sendo que
inseridos no contexto do texto situam o leitor sobre a existência de um
problema, fornecendo argumentos em relação a melhor maneira de
solucioná-lo.
O movimento situação e/ou problema encontra-se presente em todos
os editoriais analisados, porque tem a função de situar, de localizar o leitor
naquilo que trata o texto. A apresentação de uma situação ou de um
problema (ou de ambos), nos textos em análise e em outros de modo geral,
é de suma importância para que se construa um texto de forma coerente,
pois a partir desse estágio os outros serão desenvolvidos, e a argumentação
e a ação de exortar serão estabelecidas. Pode-se dizer que, nesse estágio,
o escritor introduz o seu tema e dá pistas para o leitor de como esse tema
será conduzido no decorrer do texto, ou seja, sinaliza para o leitor qual é a
posição que será adotada em relação ao assunto em questão.
3.3.3 Movimento 3 – utilização de comandos e sugestões
Por meio deste movimento, são apresentados vários comandos e
sugestões que procuram levar o leitor a aceitar os argumentos defendidos
pelo editorialista e ver os fatos do modo desejado pela instituição. Tais
comandos/sugestões podem ser explicitados (marcas em itálico dos
exemplos que seguem) por verbos que sugerem, ordenam, comandam, bem
como por alguns verbos modais e por palavras ou expressões que indiquem
uma maneira enfática do escritor demonstrar seu modo de ver os fatos.
Exemplo 3.4:
a- Essa motivação, cujo combustível é a esperança, deve ser potencializada para outros objetivos. Hoje em dia não se pode ver o espiritual separado do material. Antes de vermos a parte, temos que ver o todo. Por isso achar que o Natal não pode ser uma data comercial é um equívoco já que as pessoas vivem melhor se conseguirem atender suas necessidades materiais. (AR# 3, § 4)
79
79
b- A realização dos dois eventos, contudo, não basta por si só. É preciso
que, a partir de agora, também o Poder Público cumpra com sua parte, qual seja a de se integrar às ações que virão pela frente. (AR #4, § 6)
c- Evidentemente, outros fatores precisam ser considerados, entre os quais a
necessidade de dar andamento às reformas constitucionais... A elevação dos juros é, sem dúvida, uma medida drástica que deve vigorar apenas pelo período necessário para evitar a fuga de capitais. (ZH#2, § 2;3)
d- É preciso, no entanto, reconhecer que o conjunto de medidas fiscais
proposto pelo governo representa uma tomada de posição diante da crise dos mercados. [...] Neste sentido...o ajuste precisa ser mantido num nível que lhe garanta eficácia.
Este objetivo – que não é apenas do governo, mas do país – deve presidir as preocupações dos parlamentares que, a partir de quarta-feira, começam a votar as medidas provisórias do ajuste fiscal.[...] a aprovação do pacote é uma arma decisiva. (ZH#4, § 2;3)
e- Contratos de acordo com o rendimento da mina parecem mais
apropriados. Trata-se de uma riqueza que o setor privado pode explorar não só em benefício próprio, mas principalmente da nação. É preciso privatizá-la com critério.(FSP#1, §1;7)
f- ...Agora é preciso ir além desse debate, privilegiando ações conjuntas
voltadas para a promoção da tecnologia. (FSP#2, § 4)
g- Devem-se buscar apenas, como aliás já ocorre em todos os países civilizados, esquemas de apoio à formação da poupança que incluam seja isenções fiscais limitadas, seja o pagamento posterior de tributos. Modelos não faltam. Mas, no Brasil, cuja legislação é capenga, os fundos não recolhem impostos e ainda não há meios de cobrá-los. (FSP#3, §6)
Com os exemplos acima, pode-se constatar por que este movimento
é considerado básico no discurso exortativo. É através dos comandos ou
das sugestões que o editorialista se expõe, de forma clara ou dissimulada, e
apresenta as soluções, que entende como as melhores ou as mais viáveis,
para o tema sobre o qual se discute, em busca de adesão as suas idéias.
Para isso, utiliza as formas modais enfatizando as suas recomendações tais
como ‘essa motivação [...] deve ser potencializada para outros objetivos’
(exemplo ‘a’), ‘É preciso que...’ (exemplo ‘b’). No exemplo ‘a’, o editorialista
estabelece uma condição única para que o comércio de Santa Maria tenha
êxito: ‘só terá êxito se souber aproveitar como oportunidade ímpar a
motivação que, mesmo diante da crise, toma conta das pessoas a cada final
de ano’.
80
80
Como esse movimento caracteriza-se pela exortação, é nele que o
editorialista posiciona-se a favor ou contra uma dada medida ou emite seu
juízo sobre um dado problema que venha ocorrendo, buscando direcionar o
leitor para a medida que entende ser adequada para o problema (o exemplo,
‘f’).
O editorialista procura demonstrar que é um conhecedor do assunto já
que, quanto mais o for, mais possibilidade terá sua proposta de solução de
convencer o seu interlocutor. Concebendo-se como um conhecedor do
assunto em questão, ele cria com o leitor uma relação que pode ser assim
traduzida: quem escreve tem o poder do conhecimento, por isso sabe
argumentar, sugerir e dar conselhos; por outro lado, o leitor que é o que se
submete, precisa ser informado, porque, muitas vezes é ‘desconhecedor’ do
assunto em tese (como no exemplo ‘e’).
A função primordial do editorial de exortar o leitor a posicionar-se de
uma certa forma só se materializa se o leitor, além de compreender o texto,
o aceita, ou seja, acredita na mensagem apresentada e concorda com o que
nela está expresso. Assim, aderindo às idéias do editorialista, o leitor poderá
tomar uma de duas atitudes: ou reforçará e manterá um posicionamento
prévio condizente com o editorial ou adequará seu ponto de vista a ele. O
movimento 3 cumpre um papel de destaque, pois se os comandos e
sugestões forem eficazes, poderão atingir a persuasão/exortação do
receptor da mensagem.
3.3.4 Movimento 4 – sinalização dos resultados desejáveis ou não
desejáveis
Pode-se dizer que, nos textos analisados, o Movimento 4 pode estar
interligado com os comandos e sugestões do Movimento 3, na forma de uma
projeção dos resultados esperados. No Movimento 4, o escritor avalia os
resultados ou efeitos que podem ser conseguidos com a realização de uma
ação. Esse movimento é importante, pois corresponde ao fechamento de
81
81
todos os argumentos apresentados, conforme as marcas em itálico nos
exemplos que seguem:
Exemplo 3.5:
a- ...É necessário, portanto, que saiba “vender” o seu peixe; mostrar exaustivamente porque é melhor investir neste e não naquele outro lugar, criando, desse modo, condições favoráveis para uma parceria com novos empreendedores. (AR# 1, § 6)
b- É com esse novo discurso e ações integradas, planejadas e bem articuladas politicamente que construiremos a Santa Maria do futuro. (AR# 2, § 7)
c- ... Em matéria de tributos, o país precisa é de uma reforma séria e profunda que
amplie a base de contribuição, reduza o número de impostos e simplifique as relações entre os contribuintes e o Fisco.(ZH# 3, § 4)
d- ...No momento em que ainda vigora em todo mundo uma visão pessimista quanto às
possibilidades de os países emergentes enfrentarem a conjuntura adversa, presteza com que o Brasil adotou decisões importantes tende a provar o contrário. Nesse contexto, a decisão presidencial de dar flexibilidade ao pacote fiscal não deve ser encarada como um gesto de fraqueza ou uma demonstração de insegurança. Antes deve ser uma prova de que as instituições têm força e que o país tem condições de escolher seus caminhos. (ZH# 4, § 3;4)
e- Desenvolver a capacitação científica pode significar a defesa de reservas
cambiais, por exemplo, já que a praga do amarelinho atinge uma das principais culturas de exportação.
Recursos públicos destinados a programas inteligentes e sintonizados com as necessidades da economia e diálogo entre cientistas e empresários: essa a receita para que alguém depois possa dizer “eureca ”. (FSP#2, § 5;7)
O Movimento 4, como se pode observar nos exemplos, está
concentrado nos últimos parágrafos do texto, tendo a função de concluir e
fechar os argumentos apresentados anteriormente e de motivar o leitor a ver
certas ações de forma positiva.
No exemplo ‘b’, o editorialista retoma os argumentos utilizados nos
Movimentos 2 e 3, propondo que as lideranças políticas destaquem
qualidades ‘geográficas, climáticas e recursos humanos’. O ‘novo discurso’
que o escritor sugere como solução para que a cidade seja vista de forma
diferente advém dessas qualidades.
No exemplo ‘d’, o editorialista reforça o argumento de que sua
sugestão (“a aprovação do pacote é uma arma decisiva”) é adequada por
intermédio de uma projeção dos resultados, nesse caso, desejáveis: [a
82
82
rapidez em adotar o pacote] tende a provar [que o Brasil tem possibilidade
de enfrentar a conjuntura adversa].
Uma característica pode ser percebida de modo semelhante em todos
os textos tomados para análise: o movimento de estabelecimento da
autoridade (Movimento 1) apresenta-se interligado com os outros
movimentos, sem um lugar fixo, e, às vezes, diretamente atrelado ao
movimento de comando ou de sugestão.
As diferenças entre esses textos devem-se ao fato deles serem
produzidos por diferentes instituições, por diferentes editorialistas,
representando domínios sociais específicos e visões de mundo peculiares
de cada instituição e escritor.
No entanto, em todos os textos examinados, há características
argumentativas recorrentes: os editorialistas partem de um situação e/ou o
problema e procuram propor soluções para esse problema; possuem, pois,
um caráter normativo e de autoridade, pois buscam interferir no
procedimento das pessoas.
A seguir, busca-se analisar, na Tabela 3.2, a freqüência com que os
movimentos do discurso exortativo aparecem nos editoriais analisados.
Tabela 3.2 Freqüência de movimentos do discurso exortativo.
A Razão
Zero Hora
Folha de S.
Paulo
Total
Movimento 1 sim - 4 textos sim - 4 textos sim - 4 textos 12 textos
Movimento 2 sim - 4 textos sim - 4 textos sim - 4 textos 12 textos
Movimento 3 sim - 4 textos sim - 4 textos sim - 4 textos 12 textos
Movimento 4 sim - 4 textos sim - 4 textos sim - 3 textos 11 textos
Reforça-se, com essa análise, a idéia de que os textos dos editoriais
apresentam uma configuração que os identificam como pertencentes ao
discurso exortativo. Percebe-se, na Tabela 3.2, que os textos das três
instituições apresentam consistentemente os quatro movimentos.
83
83
A Tabela 3.3 a seguir demonstra a sistematicidade dos editoriais em
que cada movimento sucede o outro, em seqüência crescente, a partir do
Movimento 2.
Tabela 3.3 Sistematicidade nos textos dos editoriais.
A Razão
Zero Hora
Folha de S.
Paulo
Total
Movimentos
sistemáticos
4 textos
4 textos
4 textos
12 textos
O Movimento 1 não se enquadra nessa sistematicidade porque, na
maioria das vezes, encontra-se intercalado nos outros movimentos. Deve-se
ressaltar que em alguns textos essa seqüência (Movimento 2; 3; 4) pode se
repetir em ciclos como, por exemplo, em FSP#1, ZH#1;3.
Com essa análise, observa-se que o argumento é construído de
maneira sistemática em exemplares das três instituições. Essa característica
confirma nos editoriais a estrutura do discurso exortativo, na medida em que
se encaixam no modelo de LONGACRE (1992) e possuem o Movimento 3,
considerado essencial.
Tanto a construção sistemática do texto, como a presença dos
movimentos congregam na ação de persuadir no discurso do editorialista.
Acredita-se que as variações que possam ocorrer no gênero editorial,
localizam-se em nível de microestrutura, ou seja, na forma como cada
editorialista utiliza instrumentos lingüísticos para chamar atenção e exortar o
leitor.
Fatores microestruturais, podem afetar a construção do argumento,
em diferentes editoriais, em função do modo como sinalizam a estrutura
textual e a interação do escritor com o leitor. A utilização desses recursos
tem a função de reforçar o argumento do escritor e o potencial persuasivo
numa dada direção. Esses elementos serão abordados a seguir, como
elementos auxiliares na construção do discurso exortativo.
84
84
3.4 Recursos metadiscursivos de construção da retórica exortativa:
DISCURSO
O ato de exortar ou persuadir é realizado por meio de um conjunto de
recursos lingüísticos que são utilizados pelo escritor para sustentar sua tese.
Com tais recursos, o escritor visa obter alguns efeitos, como esclarecer e
exemplificar, para persuadir o leitor de seu ponto de vista. Nesse sentido, a
construção do ato de argumentar, no caso dos editoriais, busca a adesão do
leitor à tese do editorialista. Esses recursos têm a finalidade retórica, pois
têm seu emprego determinado em função das intenções do escritor.
Para OSAKABE (1979, p.82), “o ato de argumentar constitui uma
espécie de operação que visa fazer com que o ouvinte não apenas se inteire
da imagem que o locutor faz do referente, mas principalmente que o ouvinte
aceite essa imagem”. Dessa forma, o ato de argumentar objetiva um
engajamento do ouvinte/leitor em relação àquilo que está sendo apresentado
pelo locutor/escritor.
A força argumentativa é assegurada pela autoridade, pelos dados,
pelos comandos ou pelas sugestões, bem como por recursos lingüísticos,
que apontam para a direção sinalizada pelo produtor do texto. É através da
força argumentativa que o editorialista pode exortar o leitor a agir de uma ou
de outra forma. Persuadir é sinônimo de submeter, daí a sua vertente
autoritária, pois quem persuade leva o outro à aceitação de uma dada idéia.
(CITELLI,1995, p.13).
Para que o editorialista construa um argumento que consiga
persuadir, necessita utilizar determinados recursos que colaborem para a
coerência de seu discurso. Dentre os recursos que podem contribuir para
esse fim, destacam-se os elementos metadiscursivos que asseguram a
tessitura do texto, propiciam a ligação das partes do texto, contribuem para
sua força retórica e imprimem um caráter mais convincente ao discurso do
editorialista.
Na visão de VANDE KOPPLE (1985), o metadiscurso corresponde
àquela parte que se adiciona ao texto, mas que não expande o conteúdo
85
85
proposicional, contribuindo para que o leitor avalie, reaja, interprete e
classifique o conteúdo do texto. Portanto, o metadiscurso abrange duas
funções da linguagem interpessoal e textual, pois ajuda o escritor a interagir
com a sua audiência e organizar o que expressa de forma coesa e coerente.
Já na função ideacional, não se relaciona o metadiscurso, porque ela
representa o próprio conteúdo da mensagem (p.83-5) (ver também seção
1.4.4).
Os marcadores metadiscursivos apresentam-se distribuídos em até
sete tipos, conforme a classificação de VANDE KOPPLE (1985), mais tarde
reelaborada por CRISMORE (1989). Dentre esses, foram tomados três tipos
que parecem mais adequados para a análise microestrutural dos editoriais:
os marcadores de validade, de atitude e de estrutura textual. Os dois
primeiros marcadores caracterizam-se pela função interpessoal da
linguagem, enquanto que o terceiro, marca a função textual da linguagem.
3.4.1 Marcadores de validade
O conceito de marcador de validade está essencialmente ligado
àquele de modalidade, conforme já explicitado na seção 2.2.3.2. Através
desses marcadores, expressa-se a idéia de modalidade, que é definida a
partir da maior ou menor certeza do conteúdo da proposição expressa.
Assim, a modalidade pode ser examinada para se determinar o grau de
assertividade de um conteúdo proposicional.
Sabe-se que a questão da modalidade é um assunto muito difundido,
pois é abordada em dissertações (AYRES 1996; SILVA,1992,
PINHEIRO,1998), em teses (KRIEGER,1990; HEBERLE,1997) e em livros
(FOWLER, 1991, FAIRCLOUGH,1992a, HODGE & KRESS,1993,
KOCH,1993 HALLIDAY,1994,). Mas apesar da dedicação desses e de
outros autores em relação ao assunto, há muito pouco consenso sobre o
mesmo. Autores como os três últimos citados adotam terminologias
86
86
diferentes para os mesmos referentes. Assim, por mais que estudos sejam
feitos, sempre haverá pontos a levantar e, certamente, dissensões existirão.
O presente estudo não poderia deixar de lado a questão da
modalidade, já que a sua análise é relevante em se tratando de textos como
os editoriais, que se utilizam dos recursos de modalização para construir a
argumentação. É certo, porém, que o assunto não se esgotará neste
trabalho.
A modalidade é definida como fazendo parte de um nível
intermediário entre o ‘sim’ e o ‘não’, ou seja, ao utilizá-la o escritor situa o
seu discurso ao longo de uma escala que pode variar entre probabilidade e
usualidade – obrigação e inclinação (HALLIDAY, 1994, p.357).
Cabe destacar, entretanto, que, através dos auxiliares modais, pode
ser expressa uma intenção ambígua, ou seja, aquele que enuncia pode estar
querendo se manifestar tanto abertamente quanto de maneira encoberta.
Por outro lado, inserida numa forma que “parece” pouco incisiva, pode estar
disfarçada uma opinião que busca arquitetar o convencimento justamente
pela maneira branda de expressar-se. Isso significa que o escritor não
conduz o enunciado assertivamente, dando-lhe um “tom” não autoritário,
dissimulando, portanto, sua intenção.
Esse caráter ambíguo da modalidade é proposto por HODGE &
KRESS (1993, p.123-5). Para eles, a modalidade, em geral, estabelece os
graus de autoridade em um enunciado, através dos auxiliares modais
(‘poder’, ‘dever’) que servem para realizar essa função. Sendo que é a partir
dos discursos produzidos com esses verbos que se pode distinguir o grau de
assertividade impresso.
Para distinguir os tipos de marcas de validade, aqui foi adotada a
terminologia proposta de HALLIDAY (1994, p.357) e KOCH (1993, p.74-8),
que subdividem a modalidade em dois enfoques: o da modalidade deôntica
e o da modalidade epistêmica. A modalidade epistêmica pode expressar
permissão: ‘Ela pode falar’; e capacidade em: ‘Ela é capaz de falar. A
modalidade deôntica expressa prognóstico: ‘Ela deve falar’; e obrigação em:
‘É dever dela falar’.
87
87
3.4.1.1 Modalidade deôntica
Essa modalidade refere-se ao eixo da conduta, isto é, à linguagem
das normas, àquilo que se deve fazer. Apresenta-se numa escala que varia
entre o que é obrigatório, proibido, ou ordenado e aquilo que é permitido ou
facultativo fazer (KOCH,1993, p.78).
Pode-se perceber, conforme proposto por HALLIDAY (1994, p.88-9),
que a modalidade deôntica manifesta-se através de comandos, ofertas e
sugestões do falante/escritor para buscar estabelecer relações com o
interlocutor. Essa relação se dá através da função interpessoal, impressa na
força e no poder que o escritor quer exercer sobre o leitor, quer seja na
forma de uma sugestão, quer seja na forma de uma ordem. Neste tipo de
modalidade, o editorialista salienta aquilo em que ele acredita ou gostaria
que o seu leitor acreditasse, manifestando-se de forma enfática, pois tenta
assegurar a veracidade do seu texto.
Apesar de haver uma escala entre o que é apresentado como
obrigação e o que é sugerido, o discurso marcado pela modalidade deôntica
é autoritário, na medida em que o escritor procura manifestar um saber
(explícito ou implícito) e levar o leitor a aderir ao seu discurso, aceitando-o
como verdadeiro. Através da modalidade deôntica, institui-se um grau
máximo de engajamento entre quem produz o texto e a intenção de impor ao
leitor os seus argumentos, apresentando-os como incontestáveis (‘eu sei,
portanto, é verdade’) (KOCH,1993, p.87).
A modalidade deôntica pode ser representada através dos verbos
modais ‘dever, ‘precisar’, ‘necessitar, ‘permitir’, bem como através de outras
formas verbais que possuem caráter normativo. Há também advérbios que
demonstram esse aspecto (‘realmente’, ‘obrigatoriamente’,
‘necessariamente’).
Para a análise dos exemplos coletados desse tipo de modalidade,
utiliza-se a escala proposta por HALLIDAY (1994, p.357), já exposta no
Capítulo 2 da Metodologia (Figura 2.1). Nessa escala, o uso da modalidade
deôntica pode ser divido em três níveis: necessário, previsto e permitido.
88
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Essa divisão permitirá distinguir qual instituição a utiliza de forma mais
enfática.
Conforme foi enfatizado no Capítulo 2 da Metodologia, será
considerada como modalidade deôntica, nos exemplos a seguir, aquela que
permitir a substituição da expressão em negrito por: ‘é preciso que x...+
(não) verbo alterado para forma de subjuntivo. Assim, uma sentença como –
‘Não podemos esquecer o passaporte’ – pode ser transcrita como – ‘É
preciso que [nós] levemos o passaporte’. Os exemplos que seguem
abrangem todas ocorrências, em cada editorial, de sentença que possa ser
substituída pela fórmula ressaltada acima.
Exemplo 3.6:
A RAZÃO
a- Não há também como negar que a influência de fatores políticos e econômicos somados e lideranças em conjunto podem determinar decisões (AR#1, § 3)
b- [...]as lideranças políticas e empresariais precisam envidar todos os esforços para mostrar que investimentos de porte têm viabilidade econômica na região. (AR#1, § 4)
c- Mas é sempre bom salientar que não adianta ter determinadas vantagens sobre
outros sem que isso seja potencialmente divulgado. É necessário, portanto, que saiba “vender” o seu peixe; ou seja, mostrar exaustivamente porque é melhor investir neste e não naquele lugar [...] (AR#1, § 6)
d- É hora, mais uma vez,[...] de Santa Maria também entrar nessa luta. (AR#1,§ 7) e- Não podemos esquecer que Santa Maria está incluída, agora, na rede de
Mercocidades. (AR#1, § 8) f- E são essas qualidades que nossas lideranças devem destacar toda vez que forem
negociar a vinda de investimentos ou reivindicar algo para a região. (AR#2, § 5) g- A perspectiva de que teremos um Natal de poucas vendas [...] não pode ser argumento
para desistir. (AR#3, § 3) h- Essa motivação, cujo combustível é a esperança, deve ser potencializada para outros
objetivos. (AR#3, § 5) i- As pessoas se sentirão mais felizes se puderem presentear parentes e amigos. E é
nessa qualidade humana que os participantes do Natal do coração devem apostar e espantar a crise (AR#3, § 6)
j- A realização dos dois eventos não basta por si só. É preciso que, a partir de agora,
também o Poder Público cumpra com a sua parte, qual seja a de se integrar as ações que virão pela frente. Cabe ao Município incentivar a geração de novas indústrias e empregos e, da mesma forma, cumprir o seu papel o seu papel fiscalizador em relação a todo o tipo de obra, imitando os bons exemplos como o da Ascon. (AR#4, § 6)
89
89
ZERO HORA a- Um pleito como o do ano que vem reveste enorme importância, pois nele serão
escolhidos, o presidente da República, os governadores de Estado, os senadores e os deputados. Mas por maior que seja sua relevância não pode paralisar o Congresso e o país. (ZH#1, § 2)
b- No que toca a um novo retardamento da apreciação da esquecida reforma tributária,
perderão desde logo os contribuintes, que continuarão às voltas com um sistema complexo, extremamente regulamentado, formado por 59 ônus diversos. Há muito se deveria ter reduzido esse número despropositado. (ZH#1, § 2)
c- É uma aposta arriscada, mas que precisava ser feita, até para confirmar a convicção
na atual política econômica. (ZH#2, § 1) d- ...Evidentemente, outros fatores precisam ser considerados, entre os quais a
necessidade de dar andamento às reformas constitucionais e a continuidade do programa de privatizações.
A elevação dos juros é, sem dúvida, uma medida drástica, que deve vigorar apenas pelo período necessário para evitar a fuga de capitais. Se demorar demais, fatalmente empurrará o país para uma recessão...(ZH#2, § 2,3)
e- Será preciso conduzir reajustes milimétricos que mantenham a força da moeda
nacional sem gerar, de outra parte, efeitos demasiadamente recessivos. (ZH#3, § 2) f- ... A repercussão dos juros altos sobre o ritmo da economia e sobre a dívida pública –
alguns papéis estaduais e municipais pagam juros pós-fixados – deverá ser monitorada com extrema competência. (ZH#3, § 2)
g- Acima de tudo, o governo não deverá lançar a conta da crise somente sobre o setor
privado. Por mais que as reduções dos gastos públicos venham a doer politicamente, será indispensável fazer cortes cirúrgicos nas despesas dos ministérios e solicitar ao Legislativo e ao Judiciário que colaborem na mesma medida. (ZH#3, § 3)
h- Se a ampliação da carga tributária for inevitável, que seja praticada num cenário de
respeito à cidadania, fixando-se com clareza o caráter transitório da doença e da terapêutica aplicada. Nada de aumentos que venham a sobreviver às carências específicas às quais se destinam. Em matéria de tributos, o Brasil precisa é de uma reforma séria e profunda, que amplie a base de contribuição, reduza o número de impostos e simplifique as relações entre os contribuintes e o Fisco. (ZH#3, § 4)
i- É preciso, no entanto, reconhecer que o conjunto de medidas fiscais proposto pelo
governo representa uma tomada de posição diante da crise dos mercados. Houve e continua havendo a necessidade se fortalecer a economia do país. Neste sentido, mesmo fazendo concessões aos parlamentares ou à opinião pública, o ajuste precisa ser mantido num nível que lhe garanta a eficácia. (ZH# 4, § 2)
j- Este objetivo – que não é apenas do governo, mas do país – deve presidir as
preocupações dos parlamentares que, a partir de quarta-feira, começam a votar as medidas provisórias do ajuste fiscal. O esforço do governo e do Congresso para dotar o país desses novos instrumentos integra as estratégias de superação da crise.(ZH#4,§ 3)
k- Nesse contexto, a decisão presidencial de dar flexibilidade ao pacote fiscal não deve
ser encarada como um gesto de fraqueza ou uma demonstração de insegurança. Antes deve ser uma prova de que as instituições têm força e que o país tem condições de escolher seus caminhos. (ZH#4, § 4)
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90
FOLHA DE S. PAULO a- É preciso privatizá-la com critério. (FSP#1, § 7) b- Há várias lições nessa iniciativa. Primeiro, é importante submeter a comunidade
científica a pressões externas, de natureza econômica. Não é sempre que a ciência avança com base apenas na inspiração desinteressada dos sábios. (FSP#2, § 3)
c- Há séculos, Estado e mercado aparecem falsamente como antagonistas. Agora é
preciso ir além desse debate, privilegiando ações conjuntas voltadas para a promoção da tecnologia. ( FSP#2, § 4)
d- Devem-se buscar apenas, como aliás já ocorre em todos os países civilizados,
esquemas de apoio à formação de poupança que incluam seja isenções fiscais limitadas, seja o pagamento posterior de tributos. Modelos não faltam. (FSP#3, § 6)
e- É de todo modo inevitável reconhecer que a crise de confiança, a essa altura tem
causas predominantemente macroeconômicas. (FSP#4, § 5)
A partir dos exemplos acima, verifica-se que as instituições Zero Hora
e A Razão utilizam esse tipo de modalidade em um número maior de textos
do que Folha de S. Paulo.
A utilização bastante significativa da modalidade deôntica evidencia,
portanto, o caráter normativo, desses editoriais. Ou, como postula CHAUÍ
(1989, p.10), o discurso exortativo é proferido no lugar de autoridade,
constituindo-se em discurso legislador, que faz questão de distinguir para os
seus leitores o que é certo do que é errado e determina o que deve ser feito.
Assim, observa-se que Zero Hora e A Razão têm expresso no seu discurso
a demonstração de sua autoridade, pois ditam a maneira como certas ações
devem ser conduzidas pelo cidadãos. Por outro lado, Folha de S. Paulo não
faz uso, na mesma proporção, da modalidade deôntica para explicitar a sua
posição. Dessa forma, percebe-se que o modo como o discurso é expresso
varia entre as instituições, mas esse não é um fator suficiente para
determinar que os editoriais da Folha de S. Paulo sejam menos normativos
que os das outras instituições.
Propõe-se uma escala para determinar, em que medida os exemplos
coletados desse tipo de modalidade, nos textos de cada instituição se
encaixam no nível da necessidade (mais enfático), previsão (mais ou menos
enfático) ou da permissão (menos enfático). Esse fator permitirá observar a
posição marcada do escritor, através do comprometimento com aquilo que
91
91
diz, fornecendo, portanto, indicações de um caráter mais ou menos assertivo
do texto.
7 exemplos A Razão 3 exemplos A Razão
10 exemplos Zero Hora 1 exemplo Zero Hora
5 exemplos Folha de
S. Paulo
+ ênfase +/- ênfase - ênfase
necessidade previsão permissão
2 exemplos A Razão
6 exemplos Zero Hora
Observa-se pelos exemplos que a instituição Zero Hora usa a
modalidade deôntica numa escala entre o que é ‘necessário se fazer’ e o
que é ‘previsto que se faça’. Os seus dezesseis exemplos, que se encaixam
nessa perspectiva, permitem que se determine os editoriais dessa instituição
como mais os assertivos, em se tratando do uso da modalidade deôntica,
para fazer comentários mais explícitos no texto. Esse fator possibilita que se
estabeleça para os editoriais dessa instituição um fator prescritivo, ou seja, o
editorialista visa determinar a maneira como certos assuntos devem ser
tratados, repassando isso para o leitor através do seu discurso. Ao fazer uso
modalidade deôntica, o escritor destaca aquilo que acredita e que gostaria
que o seu leitor também acreditasse. Assim, os textos demonstram que o
editorialista da Zero Hora considera que a modalidade deôntica seja mais
significativa, para retratar o seu comprometimento e a sua afinidade em
relação à veracidade dos fatos que trata. Em seguida A Razão se constitui
na instituição que mais explicitamente defende suas posições e em terceiro
lugar, está a Folha de S. Paulo.
Os exemplos dessa modalidade, que permitiram que se determinasse
a assertividade dos textos analisados, enquanto alguns prescrevem a forma
como certas ações ‘devem’ ser conduzidas; outros, prestam-se a fazer
92
92
prognósticos sobre a conduta futura. Os textos que se encaixam nessa
modalidade são, principalmente, os da Zero Hora e também d’A Razão.
A modalidade deôntica revela a autoridade do escritor à medida que
este a utiliza para sustentar asserções, constituindo-se em uma forma
implícita de relação de poder (FAIRCLOUGH, 1989, p.127). Essa relação é
de poder porque o editorialista demonstra não só a visão dos fatos, mas a
maneira como uma instituição se posiciona ante esses fatos. Posição essa
constituída a partir da perspectiva de um pequeno grupo que repassa tal
opinião que, por sua vez, irá influenciar a vida de inúmeros cidadãos.
É por meio das formas de materialização da modalidade deôntica que
o produtor do texto revela seu engajamento no assunto discutido, buscando
levar o leitor a aceitar as idéias e sugestões defendidas, mesmo que esse
engajamento possa ser apresentado de maneira dissimulada (por exemplo,
na forma de prognósticos).
Há certos textos em que a modalidade do tipo deôntica é quase
inexistente como, por exemplo, os textos técnicos e artigos acadêmicos, pois
empregam uma linguagem mais objetiva, onde não se manifesta a posição
enfática do escritor. Já nos editoriais, pela própria característica de ter um
produtor que se coloca no texto, isso é princípio fundamental
(FAIRCLOUGH, 1992a, p.161).
O outro tipo de modalidade proposta por HALLIDAY (1994) é a
modalidade epistêmica, que também se faz presente nos editoriais
analisados e será tratada a seguir.
3.4.1.2 Modalidade epistêmica
A modalidade epistêmica é expressa por meio de graus intermediários
de possibilidade das asserções serem verdadeiras, que variam entre a
probabilidade e a usualidade. O grau da probabilidade é expresso por meio
de advérbios como ‘certamente’, ‘provavelmente’ e ‘possivelmente’. O grau
da usualidade é dado por expressões como ‘freqüentemente’, ‘usualmente’ e
‘algumas vezes’ (HALLIDAY, 1994, p.356-7). O que se percebe, nesse tipo
93
93
de modalidade, é que as possibilidades não estão limitadas à polaridade do
sim ou não, mas que há um grau intermediário entre os pólos positivo e
negativo.
Nesse tipo de modalidade, o escritor não impõe explicitamente sua
opinião. Pode tratar-se, pois, de uma manobra discursiva, pela qual aquele
que escreve tenta mostrar que não está impondo ao seu interlocutor a
aceitação dos argumentos apresentados (KOCH,1993, p.88). Assim, vale
reforçar a alegação anterior de que a ambigüidade pode se fazer presente
nas modalidades em análise.
A modalidade epistêmica é utilizada quando quem escreve quer
manter um certo distanciamento em relação ao assunto que aborda. Esse
procedimento dá ao texto um caráter menos impositivo, embora não lhe
assegure um cunho menos normativo. No caso do editorial, sabe-se que, por
trás de quem escreve, há um conjunto de interesses envolvidos, que
determinam o que será dito e de que maneira deve ser visto.
A seguir, apresentam-se os exemplos coletados nas três instituições,
com a totalidade do que se pôde destacar como representativo da
‘modalidade epistêmica’. Da mesma forma que na modalidade anterior,
adotou-se um critério de substituição para melhor identificar essa
modalidade. Assim, a expressão grifada pode ser substituída pela
expressão: ‘é provável que x... + (não) verbo alterado para a forma de
subjuntivo’.
Exemplo 3.7:
A RAZÃO
a- Pelo contrário, sabemos que por trás dos megainvestimentos há uma acirrada guerra fiscal e muitos fatores de mercado em jogo e, nem por isso, deixamos de sonhar com novas possibilidades. Não há também como negar que a influência de fatores políticos e econômicos somados e lideranças em conjunto podem determinar decisões. (AR#1, § 3)
ZERO HORA
a- Em primeiro lugar, sequer se considera a eventualidade de que a tramitação da matéria avance nos três meses restantes de atividade legislativa do corrente ano. Parece evidente que, em tal caso, poderia ser ela perfeitamente aprovada no primeiro semestre do próximo ano. (ZH#1, § 2)
94
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b- E a descomplicação das relações entre o fisco e os cidadãos mais do que nunca parece ser objetivo de baixíssimo grau de prioridade. Perderá também seguramente a nação que, hoje atraindo bom volume de investimentos externos, poderia expandi-los substancialmente se tivesse regras mais simples e mais claras. ( ZH#1, § 3).
c- ...ministro do Planejamento advertiu que o mundo financeiro é agora diferente de antes
da crise e supõe “maiores riscos”. O déficit crescente nas contas externas e internas do país deverá ser menos tolerado. (ZH#3, § 1)
d- Infelizmente, as reformas previdenciária e administrativa, que já poderiam ter
contribuído de forma expressiva na redução dos gastos governamentais, permanecem fora de combate por responsabilidade tanto da oposição quanto de parcelas da base parlamentar do Planalto. (ZH#3, § 3)
FOLHA DE S. PAULO
a- A venda de direitos para a lavra de jazidas já identificadas deve permitir que a iniciativa
privada produza riqueza com base em recursos hoje ociosos. Mas se a intenção de retirar o Estado de esfera produtiva é acertada, vender tais direitos a preço fixo – como pretende o governo – talvez não seja a melhor forma de fazê-lo. Contratos com pagamentos de acordo com o rendimento da mina parecem mais apropriados. ( FSP# 1, § 1)
b- A estatal do setor pretende vender direitos de exploração de reservas conhecidas, que
podem produzir por até dois séculos. (FSP#1, § 2) c- Além da possível descoberta de riquezas insuspeitadas, novos usos para as matérias-
primas e mudanças tecnológicas podem multiplicar o valor da jazida ou anulá-lo. O surgimento de novos concorrentes, por outro lado, pode derrubar seu valor. (FSP#1, § 3)
d- Por fim, essa venda pode expor os cofres públicos à conjuntura. Uma autoridade do
setor chegou a reconhecer que a reserva de turfa de São Paulo está sendo oferecida a “preço de banana” devido as más condições do mercado.(FSP#1, § 6)
e- Trata-se de uma riqueza que o setor privado pode explorar não só em benefício próprio, mas principalmente da nação. (FSP#1,§ 7)
f- No caso da biotecnologia, há o mérito adicional de se estimular tanto as pesquisas com
aplicação quanto as puras, que no futuro poderão gerar projetos em outras áreas. (FSP#2, § 4)
g- Desenvolver capacitação científica pode significar a defesa de reservas cambiais, por
exemplo, já que a praga do amarelinho atinge uma das principais culturas de exportação. (FSP#2, § 5)
h- Os fundos de pensão, entretanto, estão, ao que parece, abusando de uma brecha
constitucional, pois é no mínimo polêmico afirmar que um fundo de previdência complementar – isto é, uma instituição que visa ganhos para seus cotistas – é uma entidade de assistência social. (FSP#3, § 5)
Nos exemplos apresentados, observa-se um baixo índice do emprego
da modalidade epistêmica, principalmente pelas instituições A Razão e Zero
Hora. Já a Folha de S. Paulo tem preferência pela modalidade epistêmica (o
95
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que pode ser verificado não somente nos exemplos analisados, como
também em textos de editoriais que não fazem parte do corpus). O escritor
provavelmente adota essa forma de modalidade com alguma intenção, que
pode ser: dar liberdade ao leitor, tentar distanciar-se do assunto, ou dar uma
caráter menos autoritário ao editorial. O exemplo ‘a’ acima representa esse
caráter variável: “A venda de...jazidas já identificadas deve permitir que a
iniciativa privada produza riqueza...” Ao dizer que deve permitir, o
editorialista pode estar fazendo uma previsão (substituindo a sentença por:
‘... é provável que permita a produção de riqueza...’ ), como também pode
estar fazendo uma afirmação (substituindo: ‘...é preciso que permita...’).
Nesse exemplo, a utilização da modalidade é ambígua, pois editorialista,
para não impor a sua posição, encontra essa maneira sub-reptícia de
manifestar-se, “escondendo-se” através de artifícios do texto, já que este
exemplo de modalidade pode circular tanto como modalidade epistêmica (‘é
provável que...’), como modalidade deôntica (‘é preciso que...’).
O recurso da modalidade permite ao escritor marcar uma distância
relativa em relação ao enunciado que produz, demonstrando um maior ou
menor grau de comprometimento com a veracidade das proposições
expostas. Também possibilita ao escritor deixar claro os atos que deseja ver
realizados, fornecendo “pistas” das suas intenções ao produzir um dado
enunciado (KOCH, 1993, p.88).
Apresenta-se uma escala, a seguir, com a finalidade de precisar, em
se tratando de modalidade epistêmica, o grau que varia entre certeza (mais
ênfase), probabilidade (mais ou menos ênfase) e a possibilidade (menos
ênfase).
96
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1 exemplo A Razão 2 exemplos Zero Hora
3 exemplos Folha de 4 exemplos Folha de
S. Paulo São Paulo
+ênfase +/- ênfase - ênfase
certeza probabilidade possibilidade
3 exemplos Zero Hora
4 exemplos Folha de S. Paulo
Os exemplos reforçam a instituição Zero Hora como mais assertiva
em suas colocações, uma vez que nem A Razão, nem a Folha de S. Paulo
utilizam a modalidade epistêmica de forma enfática. A Folha de S. Paulo,
apesar de ter preferência por essa modalidade, a utiliza de forma menos
enfática, numa escala que varia entre probabilidade e a possibilidade.
A análise da modalidade epistêmica confirma que na mídia estudada,
em textos de opinião, verifica-se consistentemente a modalidade deôntica,
porque através dela delimitam-se posicionamentos, deixando-se explícita a
perspectiva adotada. Esse tipo de modalidade revela tomada de posição do
escritor, pois faz uso de um editorial para dizer que medidas ‘devem ser
adotadas’ ou que ‘agir dessa ou daquela forma é necessário’, sendo que
isso é expresso dependendo do tipo de modalidade usada.
Assim, por meio do texto, o editorialista repassa para o leitor o modo
como a instituição quer que os assuntos sejam tratados. Dessa forma, uma
dada instituição pode considerar que a modalidade epistêmica representa a
forma mais adequada de tratar os assuntos, enquanto outra instituição pode
achar que a relevância de certos temas merece um posicionamento mais
enfático, utilizando, então, a modalidade deôntica.
Conforme os dados que foram analisados, em relação ao uso do dois
tipos de modalidade, nos editoriais, percebe-se que Zero Hora usa a
modalidade deôntica como um instrumento para demonstrar de forma
explícita a sua posição, estabelecendo um tipo de negociação entre a
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97
instituição e o público leitor, quem diz abertamente o que pensa pode ser
mais convincente do que aquele que não o faz.
Cabe ainda ressaltar que a utilização da modalidade é um instrumento
que auxilia o leitor a perceber a maneira como cada instituição marca suas
posições, através dos discursos apresentados. Residindo aí a necessidade
de uma leitura crítica que identifique o uso de certos artifícios lingüísticos,
pela mídia, para expressar seu poder, tanto de forma explícita como de
forma encoberta. A leitura crítica contribui para que o leitor perceba tais
marcas no discurso e não aceite as idéias como verdadeiras, sem antes
refletir sobre elas.
Além das marcas de modalidade, há outros recursos metadiscursivos
que possibilitam a interação entre editorialista e leitor. Tais recursos podem
ser expressos através de palavras que demonstrem a atitude avaliativa de
quem escreve.
3.4.2 Marcadores de atitude
As marcas de atitude permitem ao escritor fazer avaliações do
conteúdo proposicional do texto em termos de conceitos como ‘bom’ e ‘ruim’
ou ‘positivo’ e ‘negativo’ (ver seção 1.2.2). Nos editoriais, essas marcas são
fornecidas por adjetivos, substantivos, expressões atitudinais (por exemplo,
‘é inaceitável’, ‘é um equívoco’, ‘é inadmissível’) ou advérbios. Os
marcadores de atitude permitem ao escritor demonstrar o juízo de valor que
faz em relação ao se discute, manifestando sua posição. Nesse sentido,
portanto, esses marcadores fazem parte da função interpessoal. A seguir,
demonstram-se alguns exemplos da utilização desses elementos pelas três
instituições analisadas.
Exemplo 3.8:
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A Razão
a- A semana foi promissora para Santa Maria e municípios da região. (AR#1, §1)
b- Por isso, achar que o Natal não pode ser uma data comercial é um equívoco já que as pessoas vivem melhor se conseguirem atender suas necessidades materiais. (AR #3, § 5)
ZERO HORA
a- Ao participar esta semana da Convenção Nacional do Comércio Lojista, em Belo Horizonte, o presidente da Câmara dos Deputados fez afirmações surpreendentes. Disse o senhor Michel Temer que a reforma tributária só entrará na pauta do Congresso em 1998. (ZH#1, § 1)
b- É lamentável que isso ocorra. Em primeiro lugar, sequer se considera a eventualidade
de que a tramitação da matéria avance nos três meses restantes de atividade legislativa do corrente ano. (ZH#1, § 2)
c- Mas o mais deplorável é que não sejam levados em conta os prejuízos que disso
advirão para o país. Um pleito como o do ano que vem reveste enorme importância, pois nele serão escolhidos o presidente da República, os governadores de Estado, os senadores e os deputados. (ZH#1, § 2)
d- Mas tudo indica que não é apenas o Legislativo que se desinteressa da questão. Os
esforços do Planalto se voltam para reformas administrativa e previdenciária, que ainda assim trafegam em lentidão exasperante e com propostas já bastante desfiguradas. (ZH#1, § 4)
e- No campo tributário, o poder central se inclina pelas soluções de meia-sola, de que são
exemplos clássicos a dança das alíquotas e a prorrogação da polêmica Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira por mais um par de anos. (ZH#1, § 4)
f- É uma aposta arriscada, mas que precisava ser feita, até para confirmar a convicção
na atual política econômica. (ZH#2, §1) g- [...] o país está enfrentando a crise com suas próprias reservas, sem pedir socorro a
entidades internacionais. Só este indicador já é suficiente para mostrar aos investidores externos que nossa economia é confiável. (ZH#2, § 2)
h- Será preciso conduzir reajustes milimétricos que mantenham a força da moeda nacional
sem gerar, de outra parte, efeitos demasiadamente recessivos. (ZH#3, § 2) i- Infelizmente, as reformas previdenciária e administrativa, que já poderiam ter
contribuído de forma expressiva na redução dos gastos governamentais, permanecem fora de combate [...]. (ZH#3, § 3)
j- Quanto ao aumento de impostos – fala-se em acréscimos nas alíquotas do Imposto de
Renda e da CPMF –, é lamentável que mais uma vez o quadro tributário do país venha a ser tratado como uma colcha de remendos. (ZH#3, § 4)
k- Em matéria de tributos, o Brasil precisa é de uma reforma séria e profunda, que
amplie a base de contribuição, reduza o número de impostos e simplifique as relações entre contribuintes e o Fisco. (ZH# 3, § 4)
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l- É salutar que num processo caracterizado pela sensibilidade para os desejos da sociedade, haja a oportunidade política de negociar e de eventualmente, transigir. (ZH#4, § 2)
m- No momento em que ainda vigora em todo mundo uma visão pessimista quanto às
possibilidades de os países emergentes enfrentarem a conjuntura adversa, a presteza com que o Brasil adotou decisões importantes tende a provar o contrário. O teor das medidas e os procedimentos democráticos que cercam sua aprovação são alguns de nossos fatores diferenciais em relação, por exemplo, aos países asiáticos em crise. (ZH# 4, § 3)
FOLHA DE S. PAULO
a- Mas se a intenção de retirar o Estado da esfera produtiva é acertada, vender tais direitos a preço fixo – como pretende o governo – talvez não seja a melhor forma de fazê-lo. Contratos com pagamentos de acordo com o rendimento da mina parecem mais apropriados. (FSP#1, § 1)
b- São evidentes as dificuldades para determinar o valor atual de um investimento tão
longo. (FSP#1, § 2) c- Ao exigir um preço fixo para negócio com resultados tão imprevisíveis, o governo
aparentemente receberá menos do que se tivesse participação sobre o rendimento da mina. (FSP#1, § 4)
d- No Brasil, além de verbas limitadas e desperdiçadas, não há tradição de pesquisa
nas empresas. É portanto oportuna a iniciativa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que anunciou um projeto de decodificação genética da praga do amarelinho, que ataca laranjais em São Paulo, investimento conjunto do governo, setor privado e academia. (FSP#2, § 2)
e- Ou seja, a “âncora científica” é tão importante quanto outras âncoras mais
conhecidas, como a cambial, a fiscal ou a monetária. Aliás, a formação de recursos humanos avançados é, no médio prazo, a mais fundamental das âncoras. (FSP#2, § 6)
f- Trata-se de mais uma evidência da falta de regras legítimas e transparentes no
sistema financeiro brasileiro. (FSP#3, § 3) g- Há vários equívocos nessa situação. Primeiro é condenável que a receita ameace
fazer “devassa” para persuadir contribuintes. É uma demonstração clara da falta de capacidade de fiscalizar. (FSP#3, § 4)
h- ...Mas, no Brasil cuja a legislação financeira é capenga, os fundos não recolhem
impostos e ainda não há meios de cobrá-los. (FSP#3, § 6) i- O governo agora acerta no atacado e tenta evitar o pior. No varejo, repete cenas
típicas de pacotes, em que deslizes e medidas de impacto apenas psicológico misturam-se a decisões acertadas. (FSP#4, § 1)
j- Um exemplo de deslize foram os pronunciamentos contraditórios da Fazenda sobre
a fixação de preços em operações de cartões de crédito. (FSP#4, § 2) k- Além do “saco de maldades” citado pelo presidente do BC, Gustavo Franco, há também
um “saco de improvisos” que só atrapalham. (FSP#4, § 3)
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l- Registrem-se igualmente esforços louváveis. São positivas algumas medidas para atenuar a fuga de capitais das Bolsas. (FSP#4, § 4)
m- Nesse sentido, é eloquente a decisão de reduzir de 3 anos para 6 meses o prazo de
captação de recursos no exterior. (FSP#4, § 6)
Os exemplos demonstram que as marcas de atitude são um forte
apoio na construção do argumento na Zero Hora e na Folha de S. Paulo.
Essas marcas podem apresentar uma avaliação como ‘positiva’ ou ‘boa’,
com baixa incidência, somente nos exemplos: ‘foi promissora’ (AR, ‘a’); ‘é
salutar’ (ZH, ‘l’); ‘procedimentos democráticos’( ZH, ‘m’); ‘é acertada’ (FSP,
‘a’); ‘é oportuna’ (FSP, ‘e’); ‘são positivas’ (FSP, ‘n’).
Essas marcas podem apresentar uma avaliação como ‘negativa’ ou
‘ruim’ como em: ‘é um equívoco’ (AR ‘b’); ‘é lamentável’ (ZH ‘b’); ‘lentidão
exasperante’ (ZH ‘d’); ‘aposta arriscada’ (ZH ‘f’); ‘equívocos’, ‘é condenável’
(FSP ‘h’), ‘saco de improvisos’ (FSP ‘m’).
Com base nesses dados, pode-se apresentar uma escala que
demonstre a utilização dessas marcas no discurso do editorialista. Essa
escala varia entre avaliações ‘positivas’ e ‘negativas’.
1 exemplo- A Razão 1 exemplo- A Razão
9 exemplos- Zero Hora 14 exemplos- Zero Hora
8 exemplos- Folha de 16 exemplos- Folha de
S. Paulo São Paulo
‘positiva’ ‘negativa’
‘é positiva’ ‘ é condenável’
Pelo número mais significativo de emprego de marcas de atitude,
pode-se concluir que os editorialistas dos jornais Zero Hora e Folha de S.
Paulo tendem a fazer avaliação explícita mais freqüentemente que n’A
Razão. Esse fator permite que, em relação ao uso de marcas que denotem
atitude como força persuasiva, determine-se os textos de Zero Hora e Folha
de S. Paulo como mais persuasivos.
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Entre as asserções que indicam atitude positiva e negativa, nessas
instituições, a preferência é substancial por aquelas que denotam avaliações
negativas. O uso das marcas de atitude dão a texto um ‘tom’ pessoal, pois
ao contrário da modalidade deôntica e epistêmica não utilizam verbos que
modalizem o discurso. Esses recursos são tão, ou até mais, adotados que
as marcas de validade. Esse fato pode ocorrer porque o marcador de atitude
não representa uma forma estática de argumentar, ou seja, através desse
marcador o escritor não sugere ao leitor que certa ação ‘deve ou pode ser
feita de tal forma’. Ele vai além, pois revela sua atitude tanto na forma de
advérbios, de adjetivos, como de expressões que possibilitam indicar, de
forma direta, ao leitor, o que se pensa sobre o que se discute.
Apesar de, nos demais gêneros jornalísticos, o uso do adjetivo não
ser de todo indicado (Novo Manual da Redação Folha de S. Paulo,1992,
p.50), pois dá ao texto um caráter pessoal e subjetivo, nas marcas de atitude
usadas no editorial, ele se faz presente de forma bem nítida. Esse pode ser
um dos fatores que permitem a diferenciação do gênero editorial como
exortativo e opinativo em relação aos demais gêneros jornalísticos.
A instituição Folha de S. Paulo manifesta-se quanto ao uso dos
adjetivos para ela deve-se evitar, em textos noticiosos, adjetivos que
impliquem juízo de valor. Já nos editoriais, há maior liberdade para o seu
emprego que deve ser feito com sobriedade. A instituição considera que, nas
notícias, o uso de argumentos baseados em fatos podem ser mais
convincentes do que em juízos de valor (idem).
Os marcadores de atitude podem ter a finalidade de conduzir o leitor a
determinado tipo de conclusão em detrimento de outros, possibilitando que
mude ou mantenha o seu comportamento, pois, no momento em que
determinado editorialista considera uma medida como ‘equívoco’, o leitor
certamente buscará mais informações sobre ela, podendo vir a considerá-la
da mesma forma. Observa-se assim que o metadiscurso ao mesmo tempo
que expressa sentimentos, atitudes e crenças dos escritores, pode interferir
sobre esses mesmos aspectos no comportamento do leitor.
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A análise permite perceber que as marcas de validade e de atitude
estão presentes nos textos dos editoriais como um recurso de persuasão
que pode variar em intensidade de mais ou menos necessidade (marcador
de validade – deôntica), probabilidade (marcador de validade – epistêmica)
ou qualidade (marcador de atitude).
Segundo FAIRCLOUGH (1992a, p.161), na mídia, há predileção por
modalidade categóricas e por asserções positivas e negativas Essa
afirmação é constatada na análise dos marcadores de validade e de atitude,
em que se destacam a modalidade enfática e os termos que denotam a
atitude do escritor, principalmente através de avaliações negativas que
demonstram insatisfação com certos assuntos. Assim, observa-se que há
preferência, no discurso do editorialista, por instrumentos que revelem a sua
autoridade e o poder que lhe é facultado pela instituição jornalística. A
avaliação e a determinação de procedimentos a serem adotados são
recursos que revelam esse poder. A instituição que se destaca, nessas duas
categorias é Zero Hora.
Para KOCH (1993, p.86-7), importa ressaltar o fato de que o autor
manifesta seu ponto de vista e intenções através de sucessivas
modalizações e também de itens lexicais específicos que são utilizados no
ato de argumentar.
Os recursos metadiscursivos, como se percebeu até aqui, são aliados
dos escritores e dos leitores. Dos primeiros, porque auxiliam no seu querer-
dizer, seja de forma enfática ou não. Dos segundos, porque auxiliam no
entendimento do texto e na captação das intenções subjacentes ao discurso,
indo além das palavras impressas no papel. Para o estabelecimento de
relações entre as sentenças, e entre as partes e o todo textual, escritores
utilizam ainda um terceiro tipo de marcador metadiscursivo: os conectores
textuais.
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3.4.3 Conectores textuais
Conectores textuais são marcadores metadiscursivos que contribuem
para construção do texto, pois relacionam uma parte a outra, evitando
repetições, ajudando na compreensão do leitor e contribuindo para o
processo argumentativo.
VANDE KOPPLE (1985, p.83-4) propõe cinco categorias de
conectores textuais (ver seção 1.4.4.1), dentre as quais, analisam-se as
seguintes: conectores lógicos e temporais, seqüencializadores e
topicalizadores.
Esses conectores são elementos responsáveis pela estrutura textual,
pois sinalizam o percurso seguido pelo escritor. Devido à organização que
conferem ao texto, marcadores da estrutura textual são responsáveis pela
textualidade, contribuindo para conexão entre as idéias, através da relação
que se estabelece entre as unidades lingüísticas (KOCH,1993, p.22).
Assim, os conectores textuais são utilizados como artifícios coesivos,
que podem funcionar dentro das orações e entre elas. Sem tais marcadores,
as relações entre as orações não seriam estabelecidas de pronto e,
portanto, não haveria a rigor um texto e sim uma lista de palavras, frases ou
argumentos desconectados, dificultando a persuasão do leitor. Apresentam-
se, a seguir, alguns exemplos, que demonstram como as relações
argumentativas são estabelecidas entre as partes do texto.
Exemplo 3.9: A venda de direitos para a lavra de jazidas já identificadas deve permitir que a iniciativa privada produza riqueza com base em recursos hoje ociosos. Mas, se a intenção de retirar o Estado da esfera produtiva é acertada, vender tais direitos a preço fixo - como pretende o governo - talvez não seja a melhor forma de fazê-lo. (FSP#1, § 1) Têm-se, neste exemplo, dois tipos de conectores textuais que
determinam relações lógicas de oposição entre as sentenças. O conector
mas estabelece relação de oposição entre o argumento anterior e o que se
segue. A utilização desse marcador introduz uma ressalva, ao mesmo tempo
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um caminho para essa situação “...mas, se a intenção...é acertada, vender
tais direitos a preço fixo ... talvez não seja a melhor forma de fazê-lo.”
O conector textual se, com sentido de ‘embora’ introduz duas
orientações ou duas avaliações: uma positiva (“se a intenção de retirar o
Estado da esfera produtiva é acertada”), e a outra negativa ( “...vender tais
direitos a preço...talvez não seja a melhor forma de fazê-lo”.).
Exemplo 3.10:
Além da possível descoberta de riquezas insuspeitadas, novos usos para matérias-primas e mudanças tecnológicas podem multiplicar o valor da jazida ou anulá-lo. (FSP# 1,§ 3) A utilização do conector além de estabelece uma relação lógica de
adição, pois tem a função de sinalizar a presença de mais de um elemento,
pertencente a uma mesma categoria. No exemplo FSP#1, § 3, além de
alinha ‘possível descobertas de riqueza insuspeitadas’ e ‘novos usos para
matérias-primas e mudanças tecnológicas’ como fatos que podem multiplicar
ou anular o valor da jazida.
Exemplo 3.11:
Está em processo de venda, por exemplo, uma jazida de caulim com vida útil estimada em 200 anos. Só que os cálculos de valor atual chegam normalmente a apenas 30 anos. (FSP#1, § 5)
Nesse exemplo, tem-se dois tipos de conectores textuais um
topicalizador e um conector que estabelece relação lógica de restrição. O
topicalizador por exemplo conecta a informação nova com a informação já
apresentada antes, dirigindo o foco para o que se segue. Esse conector, no
texto, tem a função de esclarecer ou precisar a que tipo de ‘outros
problemas’ o editorialista se refere. O conector só que faz uma restrição ao
cálculo da ‘vida útil’ estimada em 200 anos, introduzindo um argumento (‘os
cálculos de valor atual chegam normalmente a apenas 30 anos’) que
desautoriza a acuidade da proposição anterior (‘uma jazida de caulim [que
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tem] vida útil estimada em 200 anos’). Apenas complementa o argumento
introduzido pelo só que, indicando quão limitado é o prazo de 30 anos.
Exemplo 3.12:
Mas é sempre bom salientar que não adianta apenas um município ter determinadas vantagens sobre outros sem que isso seja potencialmente divulgado. É necessário, portanto, que saiba “vender” o seu peixe; ou seja, mostrar exaustivamente porque é melhor investir neste e não naquele outro lugar, criando, desse modo, condições favoráveis para uma parceria com novos empreendedores. (AR#1, § 6)
O segmento contém quatro relações lógicas que mantêm a unidade
do texto: 1- oposição; 2- conclusão lógica; 3- alternativa; 4- demonstrativa. O
conector mas estabelece, entre as sentenças, relação lógica de oposição
com a função de advertir e conduzir a sentença para uma conclusão, ou
seja, que a cidade tem potencial, mas que ele precisa ser divulgado. O
conector de conclusão lógica portanto tem sua utilização vinculada aos
argumentos anteriores, àquele introduzido pelo mas e também ao posterior:
‘É necessário... que saiba “vender” seu peixe’. A função do conector
portanto é encaminhar o argumento para a conclusão, ou seja, ‘“vender”
seu peixe’. O conector textual de relação lógica de alternativa ou seja é um
topicalizador que tem a função de esclarecer o que seja ‘vender seu peixe’,
expresso na sentença anterior: “mostrar exaustivamente porque é melhor
investir neste e não naquele outro lugar”. O conector desse modo, relação
lógica de demonstração, indica que, se tudo o que foi sugerido na sentença
anterior for feito, é possível ‘criar condições favoráveis para uma parceria
com novos empreendedores’; e, portanto, alcançar o sucesso desejado.
Exemplo 3.13
...o presidente da Câmara dos Deputados fez afirmações surpreendentes. Disse o senhor Michel Temer que a reforma tributária só entrará na pauta do Congresso em 1998. E não esqueceu de advertir que aquele poder só vai trabalhar até maio ou junho do ano que vem. Ora, como no segundo semestre cada parlamentar só terá um pensamento a própria reeleição, fica patente que a emenda só será apreciada em 1999, apesar de vir sendo proclamada alta prioridade nacional desde 1995 (ZH #1,§1)
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Nesse exemplo, tem-se uma relação lógica de restrição. O
editorialista faz uso de repetição lexical que tem função basicamente
argumentativa, já que emprega, num mesmo parágrafo, quatro vezes a
palavra só. Referindo-se ao pronunciamento do presidente da Câmara dos
Deputados, o editorialista demonstra sua indignação com o descaso dos
parlamentares para com a reforma tributária. Ao usar a palavra só o
editorialista dá uma idéia de exclusão, ou seja, sinaliza para o leitor que algo
deixará de ser feito. O uso do marcador ora sinaliza a relação do argumento
introduzido por ele (‘como no segundo semestre cada parlamentar só terá
um pensamento...fica patente que a emenda...’) com a da declaração feita
pelo presidente da Câmara dos Deputados. Essa relação pode ser vista
como de incredulidade (ROCHA LIMA, 1979, p.165), mas, nesse caso
específico, a interjeição ora sugere impaciência, menosprezo, contrariedade
(Novo Dicionário Aurélio, 1975, p.1002) em relação ao enunciado anterior.
Interjeições são consideradas elementos afetivos da linguagem que
exprimem sentimentos (idem, ibidem).
Exemplo 3.14 Mas tudo indica que não é apenas o Legislativo que se desinteressa da questão. Os esforços do Planalto se voltam para as reformas administrativa e previdenciária, que ainda assim trafegam em lentidão exasperante e com propostas já bastante desfiguradas.(ZH#1,§ 4)
Os argumentos introduzidos pelos conectores grifados estabelecem
uma relação lógica de adição. A expressão ‘mas...não é apenas’ sinaliza que
embora todas as evidências apresentadas até este ponto apontem os
culpados pela falta de reformas, há outros que poderão ser nomeados a
seguir. Evidencia-se assim a existência de culpados não ‘apenas’ no
Legislativo, pois no Planalto (Executivo) também há uma lentidão nessas
questões.
Exemplo 3.15:
É lamentável que isso ocorra. Em primeiro lugar, sequer se considera a eventualidade de que a tramitação da matéria avance nos três meses restantes da
107
107
atividade legislativa do corrente ano [...] Desde já, contudo, se tem 1998 como perdido e o primeiro a reconhecê-lo implicitamente é o máximo dirigente de uma das casas do parlamento. (ZH#1, § 2) Os conectores grifados têm a função de seqüencializador e indicador
de relação temporal. O demonstrativo ‘isso’ retoma o referente das
sentenças anteriores que é ‘o atraso na reforma tributária’, considerando tal
atraso como lamentável. Em função dessa avaliação, os argumentos
posteriores vêm para explicar porque esse atraso é lamentável. O primeiro
argumento é introduzido pelo seqüencializador em primeiro lugar; esse
argumento pode ser considerado como o mais forte, pois apresenta do
advérbio ‘sequer’ para indicar o descontentamento do editorialista em
relação a essa situação (que é o descaso dos parlamentares em relação à
reforma tributária). O segundo argumento é introduzido pelo conector de
relação temporal, desde já que indica que a projeção feita no momento
presente (agosto – 97) para o futuro ‘1998 como perdido’ - é uma realidade
desde agora. Dessa forma, desde o momento atual o editorialista não
consegue vislumbrar nenhuma probabilidade de mudança no
posicionamento dos parlamentares. O conector lógico contudo expressa
uma relação de concessão entre a proposição anterior ‘...sequer se
considera ...corrente ano...’ e aquela que o conector introduz ‘se tem 1998
como perdido’, prevalecendo essa última.
O uso dos conectores são relevantes na organização textual e para a
compreensão do leitor e, conseqüentemente, pode contribuir para o
processo de persuasão. Como seria repetitivo detalhar cada vez que
aparece um tipo de conector de relação lógica ou temporal, seqüencializador
ou topicalizador, apresenta-se um quadro demonstrativo da sua ocorrência,
nos doze editoriais analisados, através da Tabela 3.4.
108
108
Tabela 3.4 Freqüência dos conectores textuais nos editoriais por instituição
conectores
lógicos
conectores
temporais
seqüencializa
dores
topicalizado
res
total
A Razão
45 11 ---- 2 58
Zero Hora
64 13 1 1 79
Folha de S.
Paulo
44 10 2 4 60
A incidência de conectores textuais evidência uma preocupação dos
autores em serem ‘bem entendidos’ pelo seu público, visando a uma
argumentação clara, que facilite a interpretação da audiência-alvo. Tais
elementos contribuem para que um texto seja bem sinalizado e
compreendido mais facilmente pelo leitor.
Os textos coletados de Zero Hora, que fazem parte do corpus, são
aqueles mais extensos. Assim, esses textos apresentaram maior número de
conectores, indicando a necessidade de um maior números de conectores
para manter uma seqüência mais longa de argumentos, indicar as relações
que se estabelecem entre tais sentenças e sinalizar os procedimentos
argumentativos que o editorialista faz uso.
Já os editoriais de A Razão e Folha de S. Paulo empregaram na
mesma proporção os recursos de conexão textual (conforme demonstra a
tabela). Sabe-se que os conectores textuais contribuem para a coesão e
coerência textuais, auxiliando para que, num nível além da sentença, ações
retóricas sejam estabelecidas. Deve-se ainda observar que nem sempre
uma boa sinalização textual assegura uma argumentação efetiva, pois
alguns textos d’A Razão (por exemplo, Potencial à mostra e O novo
discurso) e da Zero Hora (por exemplo, Dupla responsabilidade), apesar de
apresentarem vários conectores, não possuem uma relação
satisfatoriamente coerente de seus argumentos. Isso talvez se deva em
função do editorialista abordar, num mesmo editorial, vários temas, fato que
109
109
se não for bem sinalizado gera incoerência entre os argumentos. Assim,
esses textos usam conectores que não contribuem para o relacionamento de
suas partes, pois, alguns textos, não apresentam um elo de ligação que dê
unidade ao texto e que auxilie na compreensão do mesmo pelo leitor. Por
isso, a falta de uma estrutura unitária do texto não contribui para
identificação dos elos de ligação em termos de sentença.
Considerando-se que os conectores textuais são importantes para
manutenção da unidade textual, para seqüência dos argumentos, pois
‘tecem’ as relações entre as partes do texto, contribuindo para que o leitor
siga um percurso argumentativo, pode-se tomar os editoriais da Folha de S.
Paulo como aqueles que mantêm unidade entre os seus argumentos e que
apresentam um nível maior de textura. O uso dos conectores, nesses textos,
contribui para a organização geral dos mesmos. A unidade é mantida devido
ao tratamento preciso do tema e da exposição de argumentos que se
conectam uns aos outros, possibilitando, de forma clara, ao leitor tomar o ‘fio
condutor’ de tais argumentos desde a situação inicial até a avaliação final.
Assim, essa característica peculiar dos textos da Folha de S. Paulo e não é
tão freqüente nas outras instituições analisadas.
Os conectores textuais, apesar de estarem mais relacionados à
função textual da linguagem, também contribuem para que interações se
estabeleçam entre os participantes do discurso, ou seja, para a função
interpessoal da linguagem, já que um texto com argumento claro é mais fácil
de compreender de desencadear reações do que um texto em que as
relações entre as várias partes são obscuras.
Outras categorias contribuem, em termos de estrutura textual e
relação interpessoal, apontando o percurso do escritor na condução do
argumento com a intenção de persuadir. Nessas categorias, podem-se
incluir os substantivos anafóricos e o pronome ‘nós’. Conforme observou-se
na Metodologia, essas categorias não se incluem naquelas que VANDE
KOPPLE (1895) e CRISMORE (1989) propõem, mas foram incluídas aqui
devido à presença deles nos textos analisados e a sua contribuição na
sinalização da construção persuasiva dos editoriais.
110
110
3.5 Substantivos anafóricos
A análise revela que, nos editoriais, há substantivos freqüentemente
adotados como elemento de coesão textual, pois evitam a repetição de uma
expressão ou um trecho utilizado anteriormente no texto, retomando-o.
Como, por exemplo, em:
Exemplo 3.16:
Desde que os alemães da Mercedes-Benz sondaram o município como possível sede da sua montadora, há dois anos, a cidade passou a ser vista sob outro prisma pelos investidores. O prisma dos que têm qualidades destacadas, sejam elas geográficas, climáticas e de recursos humanos. E são essas qualidades que nossas lideranças devem destacar toda vez que forem negociar a vinda de investimentos... (AR#2 § 4;5)
No exemplo, observa-se que o substantivo anafórico qualidades evita
a repetição das qualidades que já foram referidas na sentença anterior,
contribuindo para uma construção mais clara e precisa do argumento.
Além dessa função referencial, há ainda substantivos que têm função
avaliativa em relação ao referente retomado. Na visão de FRANCIS (1994,
p.83-5), os substantivos anafóricos, desse último tipo, conectam e organizam
o discurso de forma retrospectiva, encapsulando uma certa extensão do
texto, ao mesmo tempo em que revelam a interpretação do escritor em
relação a esse trecho (idem, p.87). Assim, ao mesmo tempo em que se
encapsula um segmento do texto, pode-se rotulá-lo de uma certa maneira
(HEBERLE, 1997, p.157), como ser verificado no exemplo a seguir.
Exemplo 3.17:
No que toca a um novo retardamento da apreciação da esquecida reforma tributária, perderão desde logo os contribuintes, que continuarão às voltas com um sistema extremamente regulamentado de 59 ônus diversos. Há muito se deveria ter reduzido esse número despropositado. (ZH#1, § 3)
Ao utilizar o demonstrativo esse, o substantivo anafórico número e o
adjetivo despropositado, o escritor, além de conectar um argumento ao
outro com a utilização do anafórico número, evita a repetição do 59 ônus da
sentença anterior. O adjetivo despropositado constitui-se em uma forma de
111
111
avaliar negativamente ’59 ônus’. Nesse exemplo, as palavras ’retardamento’
e ‘despropositado’ têm função eminentemente argumentativa, pois sinalizam
para o leitor a forma como o escritor vê a analisa a ‘reforma esquecida’ pelos
parlamentares.
No nível retrospectivo, os substantivos anafóricos estão sempre
acompanhados por um dêitico específico – artigo ou pronome demonstrativo
– podendo ter outros modificadores ou qualificadores. Esses dêiticos
contribuem para indicar para o leitor exatamente qual extensão do texto está
sendo referida e possibilitam um esquema de referência dentro do
argumento subseqüentemente desenvolvido (FRANCIS, 1994, p.85).
Em termos interativos, os substantivos anafóricos são altamente
informativos, contribuindo para dar ao leitor um esquema que possibilite
entender as intenções do escritor. Esses substantivos também são
importantes para a argumentação, já que eles podem ser utilizados para
indicar e dar ênfase a pontos chave do argumento, ajudando a sinalizar os
sinais organizacionais que indicam a opinião do escritor (FRANCIS, 1986, p.
39;41). Os substantivos anafóricos funcionam como estratégias
argumentativas que contribuem para a construção do discurso persuasivo,
pois ao utilizá-los o escritor pode estar sinalizando bem mais que a
organização textual, pode estar sinalizando a sua atitude ante o leitor.
Exemplo 3.18 Ao exigir um preço fixo para negócios com resultados tão imprevisíveis, o governo aparentemente receberá menos do que se tivesse a participação sobre o rendimento da mina.
A ausência de cláusulas de desempenho traz ainda outros problemas. Está em processo de venda, por exemplo, uma jazida de caulim com vida útil estimada em 200 anos. Só que os cálculos chegam normalmente a apenas 30 anos. (FSP# 1, § 4, 5) O exemplo possui dois conectores textuais. ‘Ainda’ é empregado para
indicar que, além dos argumentos já expostos (‘o governo aparentemente
receberá menos do que...’), há outros problemas que podem e serão
apresentados. O substantivo problemas é catafórico e anafórico, porque
conecta o argumento anterior (‘o governo aparentemente receberá menos’)
ao posterior (‘a licitação não... prevê pagamento de roaylties ao longo
112
112
tempo’), avalia-os negativamente (problema). Dessa forma, o editorialista
nomeia a situação mencionada anteriormente como problema, ao mesmo
tempo que antecipa apresentação de que existe mais de um problema. Com
essa nomeação, o editorialista já sinaliza para o leitor como deve ser visto
essa situação de venda das jazidas de caulim.
Os substantivos anafóricos são importantes para a função
organizacional do texto, pois sinalizam como o escritor se move de um
estágio para outro do argumento. As orações que contêm elementos que
funcionam retrospectivamente, geralmente, encontram-se no início dos
parágrafos (FRANCIS, 1994, p.86-7).
Exemplo 3.19 ...achar que o Natal não pode ser uma data comercial é um equívoco já que as pessoas vivem melhor se conseguirem atenderem as suas necessidades materiais. Nessa época, é natural que se compre mais, pois presentear significa dar um pouco de si ao outro – essência do pensamento cristão e de todas as religiões. E a melhor forma de representação desse sentimento é dar presentes. (AR#3 ,§ 5, 6)
Com a utilização do conector nessa época, o escritor retoma o
assunto que está sendo discutido em todo o texto, ou seja, o Natal. O
conector pois é empregado para explicar que, para o editorialista, o ato de
comprar mais significa presentear, o que, por sua vez, é uma forma de
compartilhar e de retribuir sentimentos entre as pessoas. O uso do e aglutina
o argumento anterior com aquele por ele introduzido, encaminhando a
assunto para conclusão ‘que a melhor forma de se demonstrar sentimentos
é dando presentes’. O substantivo anafórico ‘[esse] sentimento’ ocorre em
substituição à expressão ‘dar um pouco de si ao outro’, evitando a sua
repetição, ao mesmo tempo que orienta o leitor em relação ao percurso
argumentativo do escritor.
Os substantivos anafóricos são elementos que auxiliam na construção
da retórica persuasiva do editorial, porque, ao utilizá-lo, o escritor manifesta
sua atitude, posicionando-se ante o leitor, evocando neste uma reação.
Nesse sentido, o substantivo anafórico é um mecanismo da relação
113
113
interpessoal do escritor com o leitor e de manifestação da sua força
persuasiva.
Muitos exemplos ainda poderiam ser relacionados, já que as três
instituições utilizam de forma marcante esse instrumento, com função
metadiscursiva encapsuladora. A Tabela 3.5 apresenta a totalidade do uso
de substantivos anafóricos em cada instituição.
Tabela 3.5 Emprego dos substantivos anafóricos nos textos de cada
instituição.
A Razão
Zero Hora
Folha de S.
Paulo
substantivos
anafóricos
16 vezes: essa
demonstração, esse
aparente fracasso, essa
consciência, nessa luta;
o empreendimento,
desse porte, essas
qualidades, esse novo
discurso; uma iniciativa,
essa motivação, nessa
época, desse
sentimento, nessa
qualidade humana; as
promoções, essa resina,
os bons exemplos.
11 vezes: a emenda,
tal caso, um novo
retardamento; uma
aposta arriscada, este
indicador, outros
fatores. uma medida
drástica; os números;
este objetivo, desses
novos instrumentos,
alguns fatores
diferenciais.
7 vezes: outros
problemas, essa
venda; nessa
iniciativa, desse
debate; dessas
instituições
financeiras, nessa
situação; tais
recompras.
Pela análise realizada, nos referidos substantivos anafóricos,
observou-se que alguns contribuem para organizar e para avaliar um trecho
anterior do texto. Outros substantivos, porém, contribuem, mais
precisamente, para a organização textual, fazendo referencias à certa
extensão do discurso citado.
Partindo-se dessa constatação, para determinar qual das instituição
analisadas utiliza os substantivos anafóricos de forma mais enfática, adotou-
114
114
se a seguinte escala: avaliação e organização textual (mais ênfase) e
organização textual (menos ênfase).
4 exemplos - A Razão 11 exemplos - A Razão
5 exemplos - Zero Hora 6 exemplos- Zero Hora
1 exemplo - Folha de 7 exemplos- Folha de
S. Paulo S. Paulo
Avaliação retrospectiva Organização textual
e organização textual
+ ênfase - ênfase
‘outros problemas’................................................. ‘nessa iniciativa’
Quanto ao uso de substantivos anafóricos para avaliar uma extensão
de discurso já abordado, a partir dos dados acima, percebe-se que Zero
Hora e A Razão utilizam esse recurso de modo semelhante. O emprego dos
substantivos anafóricos para ajudar na organização textual, evitando
repetições de termos já utilizados, é mais freqüente n’A Razão.
Considerando-se os substantivos anafóricos que avaliam
retrospectivamente e organizam o texto e que contribuem somente para
organização textual, os editoriais do jornal A Razão apresentam esses
elementos em maior número e a sua presença tem função decisiva para
delimitar a que extensão do texto o escritor se refere, bem como avaliá-la,
portanto, esses editoriais podem ser considerados mais persuasivos em
relação ao emprego do substantivo anafórico.
Outro recurso que demonstra a maneira como o editorialista se
posiciona no texto, contribuindo para a construção retórica, é o uso do
pronome pessoal ‘nós’, conforme o que segue.
115
115
3.6 Pronome pessoal ‘nós’
O uso do ‘nós’ pode ser muito complexo, uma vez que, ao usá-lo, o
escritor alega que não fala somente em seu nome, mas também no nome de
outros (que podem ser especificados no texto ou não) (FIGUEIREDO, 1995,
p.124-5).
De acordo com FOWLER et al.(1979), os pronomes pessoais de
primeira pessoa do plural podem ter duas formas de utilização: ‘nós
inclusivo’ e ‘nós exclusivo’. Por ‘nós exclusivo‘, o escritor refere-se a si
mesmo e a outras pessoas (editores, acionistas, etc.), mas não inclui o leitor.
Ao empregar o ‘nós inclusivo’, o escritor envolve o leitor no conteúdo do
discurso, trabalhando assim para estabelecer uma relação de solidariedade
e proximidade entre ele e o leitor (p.201).
A relação instituída com o uso desses pronomes (que pode ser na sua
forma expressa ou elíptica) pode ser de simetria ou de assimetria. No
primeiro caso, a simetria se evidencia quando o escritor inclui o leitor no seu
discurso e dialoga com ele, mantendo uma relação de cumplicidade e de
intimidade (FIGUEIREDO, idem), pois não estabelece diferenças entre quem
escreve e que lê. Nesse tipo de relação, com o uso de ‘nós inclusivo’, o
poder fica encoberto, mas isso não quer dizer que ele não exista. O escritor
pode ‘fingir’ compartilhar das mesmas opiniões do leitor para tornar-se mais
persuasivo. Já o uso do ‘nós exclusivo’ marca uma relação assimétrica entre
quem conhece uma situação, tem o poder de falar sobre ela e o outro que
desconhece o assunto e precisa ser informado. Nesse caso, o nós inclui a
instituição, os editorialistas, os proprietários, os acionistas, porém o leitor
não está incluído no discurso.
O emprego desse pronome, nas formas acima sugeridas, é
denominada por FAIRCLOUGH (1992a, p.98) como personalização sintética.
Para esse autor, as mudanças que estão sendo criadas na relação entre
escritor e leitor, como, por exemplo, as relações simétricas, são sinônimas
da democratização do discurso. Essa democratização envolve a redução
das marcas explícitas de controle e de manifestação de poder.
116
116
Essa tendência de diminuir as relações de poder já podem ser
observadas em outros textos da mídia, por exemplo, na revista Capricho,
conforme constatou a pesquisa de PINHEIRO (1997).
O pronome ‘nós’ ocorre de forma explícita na instituição A Razão
(total de 12 vezes), na Zero Hora (total de 2 vezes) e não ocorre na Folha de
S. Paulo.
Exemplo 3.20
A Razão a- A notícia de que uma empresa da cidade paulista de Embu está interessada em
montar, possivelmente em Boca do Monte, um frigorífico para abate de 60 mil aves por dia, nos faz sonhar novamente com melhores dias. Essa demonstração de interesse por parte dos investidores de fora não ocorre por acaso. É a prova de que nossas potencialidades estão sendo vistas além do Arroio Cadena e do Vacacaí-Mirim. (AR#1,§ 1)
b- Esse aparente fracasso praticamente não frustou a cidade. Pelo contrário,
sabemos que por trás dos megainvestimentos há uma acirrada guerra fiscal e muitos fatores de mercado em jogo e, nem por isso deixamos de sonhar com novas possibilidades. (AR#1,§ 3)
c- E são essas qualidades que as nossas lideranças devem destacar toda vez
que forem negociar a vinda de investimentos ou reivindicar algo para a região. (AR#2,§ 5)
d- A perspectivas de que teremos um Natal de poucas vendas, conforme prevêem
as principais federações empresariais da indústria e do comércio do país não pode ser argumento para desistir.(AR#3, § 3)
e- Essa motivação, cujo combustível é a esperança, deve ser potencializada para
outros objetivos. Hoje em dia não se pode ver o espiritual separado do material. Antes de vermos a parte, temos que ver o todo. (AR#3,§ 5)
Os exemplos acima não representam a totalidade do que foi coletado
no jornal A Razão, pois seria repetitivo relacionar todos. Assim, esses
exemplos demonstram que o escritor, ao usar o pronome ‘nós’ na sua forma
inclusiva (expressa ou elíptica), visa falar em seu nome, da empresa
jornalística, do leitor em potencial e, portanto, da coletividade. Conforme
abordou-se acima, o uso desse pronome serve para marcar um menor
distanciamento entre os participantes do discurso, estabelecendo uma
relação menos formal. O editorialista dirige-se a sua audiência ao mesmo
tempo que a inclui no discurso, estabelecendo uma aproximação entre
117
117
ambos. Considera-se que a personalização sintética seja utilizada pelo jornal
A Razão, em virtude de que o jornal pretende ser um órgão a serviço da
comunidade. Dessa forma, argumenta em nome dessa comunidade, ou seja,
defende posições que ‘acredita’ que a comunidade também defenderia.
A forma como o discurso é construído com o uso da personalização
sintética, na instituição A Razão e algumas vezes na Zero Hora, representa
a construção de uma hegemonia, ou seja, o escritor visa construir alianças
entre forças sociais diferentes (mídia, empresários, comerciários, políticos),
procurando, ao invés de imprimir uma dominação de um grupo sobre outro,
demonstrar uma aliança como se todos possuíssem as mesmas posições
ideológicas (FAIRCLOUGH, 1992a, p.92). Esse é um artifício que o
editorialista adota para não entrar em choque com grupos que tenham
visões diferentes, e para conquistar a audiência, através de um discurso que
exprime um consenso entre os participantes. A hegemonia que o escritor
visa construir, a partir do seu discurso, é uma forma disfarçada de
perpetuação do poder que a mídia possui para construir alianças e reforçar
uma posição institucionalizada.
O emprego do ‘nós inclusivo’ também pode ser considerado como
uma forma ‘disfarçada’ de persuasão, tendo em vista que o editorialista
defende suas idéias, mas coloca-as de forma que pareçam suas e da
comunidade. Ao ‘naturalizar’ um ponto de vista específico, o discurso se
reveste de ideologia (FAIRCLOUGH,1989).
A instituição Zero Hora, emprega o pronome ‘nós’ de modo pouco
freqüente. Isso é evidenciado pelos dois únicos exemplos, apresentados
abaixo, retirados dos quatro textos analisados.
Exemplo 3.21 Zero Hora a- ...o país está enfrentando a crise com suas próprias reservas, sem pedir socorro
a entidades internacionais. Só este indicador já é suficiente para mostrar aos investidores externos que nossa economia é confiável. (ZH#2, § 2)
b- ...a presteza com que o Brasil adotou decisões importantes tende a provar o
contrário. O teor das medidas e os procedimentos democráticos que cercam
118
118
sua aprovação são alguns de nossos fatores diferenciais em relação, por exemplo, aos países asiáticos em crise. (ZH#4, § 3)
Esses dois exemplos também retratam o uso do ‘nós inclusivo’, na
medida em que o editorialista não exclui o leitor de seu discurso. Procura
inseri-lo e manifestar que o que é bom para o país também é para mim
(escritor, instituição) e para você (leitor).
A instituição Folha de S. Paulo, em todos os editoriais analisados, não
se utiliza da personalização sintética. Emprega a terceira pessoa, às vezes,
com verbo na voz passiva. A não utilização do ‘nós’ talvez ocorra em função
do desejo da instituição de ser um jornal “crítico, apartidário e pluralista”
(Novo Manual da Redação Folha de S. Paulo, 1992, p.13) e o uso da
personalização sintética poderia incluir ou excluir determinados segmentos
da sociedade e esse não seria o seu intento.
O uso ou não da personalização sintética pode estar relacionado à
ideologia de cada instituição, já que cada uma possui, em seu regulamento
interno, normativas para produção de textos nos diferentes gêneros. Mas,
tomando os textos analisados, observa-se que a personalização sintética é
usada como aliada na ‘conquista’ do leitor em relação às idéias defendidas.
Assim, o jornal A Razão que mais utilizou tais elementos pode ser
considerado como mais persuasivo, do que um texto que foi escrito somente
na forma impessoal.
Considerações finais
O percurso de análise que foi adotado procurou de forma macro e
microestrutural observar como o editorialista, de diferentes instituições,
constrói o seu discurso com o intuito de persuadir/exortar.
O levantamento macroestrutural, no gênero editorial, permitiu que se
revelasse uma construção argumentativa disposta na forma de blocos de
argumentos dentro do texto, em que um bloco complementa o outro para
que no conjunto constituam esse gênero que é a forma de manifestação da
119
119
opinião das instituições jornalísticas. Assim, os textos apresentam
características que os identificam com a instituição produtora, na veiculação
do ponto de vista particular dessa instituição sobre determinados fatos que
fazem parte da vida da sociedade na qual esta inserida. Por outro lado,
como se constituem em um gênero, todos os textos analisados apresentam
características comuns, pois se configuram na forma de uma situação e/ou
problema e os argumentos posteriores vêm em conseqüência dessa
situação e/ou problema. Assim, o editorialista arquiteta o seu discurso com a
intenção de propor saídas, demonstrando-se conhecedor da situação, o que,
ao mesmo tempo, legitima o seu poder de opinar. A análise dos editoriais
permitiu que se considerasse esses textos como materializações do discurso
exortativo, pois todos apresentavam comandos ou sugestões, estágio
essencial desse discurso (LONGACRE, 1992).
Além da própria constituição do gênero editorial, outros recursos se
aliam a tal constituição e colaboram para que o escritor consiga
persuadir/exortar o leitor. Dentre tais recursos retóricos, foram analisados: os
marcadores metadiscursivos, os substantivos anafóricos e a personalização
sintética.
A partir da análise dos elementos metadiscursivos, quer seja pelos
marcadores de validade e de atitude ou pelos conectores textuais, percebe-
se que tais elementos são responsáveis pelo encadeamento das diferentes
partes do texto, propiciando a construção do argumento, estabelecendo
interações entre os participantes e, conseqüentemente, contribuindo para os
processos persuasivos/exortativos.
Pelo emprego efetivo da modalidade deôntica e dos marcadores de
atitude, que foi constatado pela análise desses editoriais, observa-se que a
instituição Zero Hora foi aquela que empregou tais recursos de forma mais
assertiva e enfática do que as outras duas instituições. Em função dessa
utilização, ela pode ser considerada como aquela que mais explicitamente
tenta persuadir a respeito das posições que defende. Analisando-se as
categorias de modalidade epistêmica e conectores textuais, percebeu-se
que possuem destaque na Folha de S. Paulo. Entretanto, somente esses
120
120
marcadores não permitiriam destacar tal instituição como mais persuasiva, já
que a modalidade epistêmica não foi utilizada de forma enfática, e os
conectores textuais, se comparados com as marcas de atitude, são menos
enfáticos na persuasão. A Razão empregou do forma significativa a
modalidade deôntica, mas em uma menor escala que Zero Hora. Assim,
Zero Hora foi considerada como mais persuasiva.
É importante chamar atenção, entretanto, para o uso de substantivos
anafóricos e da personalização sintética pel’A Razão. Esses elementos
contribuem para uma aproximação entre escritor e audiência, ajudando na
conquista do leitor e na persuasão. O uso da personalização sintética pela
instituição, em seus editoriais, contribui para o estabelecimento de relações
simétricas entre escritor e leitor, pois o escritor constrói o texto de forma a
sugerir que ambos compartilham os mesmos valores, posições e crenças,
simulando uma relação sem barreiras, que funciona como um artifício para
conquistar o leitor. Os substantivos anafóricos auxiliam no processo
interpretativo do leitor e na manifestação de avaliações do editorialista, pois
esses elementos podem funcionar como retomadas avaliativas de trechos do
texto.
Assim, esses elementos aliados e inseridos nos blocos que
constituem cada movimento do texto, fazem com que se configure esse
gênero que congrega um objetivo comunicativo (persuadir/exortar), uma
audiência (público alvo/leitores em geral), e uma instituição que se insere em
um dado contexto de produção e consumo (A Razão, Zero Hora, Folha de S.
Paulo).
4 CONCLUSÃO, LIMITAÇÕES DO ESTUDO E SUGESTÕES PARA
FUTURAS PESQUISAS
4.1 Resumo dos resultados
Nesta análise, procurou-se traçar um perfil dos editoriais nas
diferentes instituições em estudo. Para isso, analisou-se os mesmos
aspectos nas três instituições, para que assim pudesse se entender um
pouco mais sobre o processo de produção de editoriais jornalísticos.
Parte-se do primeiro elemento que possibilitou a comparação entre as
três instituições, o contexto. Tendo por base a visão de HALLIDAY (1985) de
que o contexto determina o texto. Esse fator, permite que cada uma das
instituições analisadas possua um tipo de texto, por ela determinada.
Assim, os textos do jornal A Razão que são produzidos, como se
sabe, no interior do estado, destacam certos itens lexicais que se referem a
esse meio de produção, bem como a posição que essa instituição defende.
Podem-se destacar os itens como: potencial, lideranças políticas e
empresariais, investidores, potencialidades, investidores de médio e grande
porte, Santa Maria, municípios da região, Boca do Monte, frigorífico,
Universidade Federal de Santa Maria, cultura regional, novos
empreendedores, presidente da Assembléia Legislativa, Rede de
Mercocidades, feira agropecuária, lideranças locais, BR 158, investimento de
R$17 milhões. Essas são algumas das palavras usadas pelo editorialista e
que refletem o seu foco de atenção Santa Maria, mas também o alcance
regional de sua informação. Direcionam-se basicamente para temas locais e
alguns regionais em torno da cidade de Santa Maria. A limitação do texto
não pode ser atribuída somente à cidade, mas sim à posição que a
instituição tenha ou que pretenda ter e ao público que vise atingir. Mas, se
os seus assuntos se referem a um domínio limitado, certamente o público
que poderá atingir também será mais limitado. Por outro lado, considerando-
se que essa instituição defende os interesses dos cidadãos locais dentro de
122
122
uma perspectiva econômica e política, o seu texto está coerente como a sua
posição ideológica.
Os textos do jornal Zero Hora, como são produzidos num contexto
institucional e social mais amplo, refletem essa condição. Os textos da
instituição tanto podem tratar de assuntos do interior do Estado, como da
Ásia e da crise nas bolsas. Dedicando-se a temas que atinjam domínios
mais amplos, o jornal, apesar de ser produzido em Porto Alegre, pode
discutir notícias de todo o país. Alguns itens lexicais permitem constatar
essa característica: Michel Temer, reforma esquecida, parlamentar, pleito,
presidente da República, governadores de Estado, senadores e deputados,
campo tributário, Brasília, Hong Kong, circuit breaker, Bolsa de São Paulo,
Antônio Kandir, Bovespa, Fisco, 20 bilhões, Brasil. Esses são alguns dos
itens lexicais utilizados pelo editorialista de Zero Hora, que demonstram a
predisposição da instituição em atingir um público bem mais amplo do que o
da cidade de Porto Alegre e do Estado. Assim, esse jornal, apesar de
sediado num dado contexto, não se restringe a assuntos somente desse
meio, pois a variedade e amplitude dos assuntos tratados também amplia o
público atingido.
A Folha de S. Paulo, assim como Zero Hora, dedica-se a assuntos
locais e estaduais (capital e Estado de São Paulo), como também àqueles
do país ou do exterior. Seus textos percorrem vários domínios do país ou
fora dele, como pode ser observado pelos itens: riqueza do subsolo, esfera
produtiva, valor da jazida, cláusulas de desempenho, privatizar, economia,
tecnologia, decodificação genética, biotecnologia, 82 bilhões, Receita,
Fazenda, BNDS. Percebe-se, pelos itens acima, que o texto se insere em
vários âmbitos, quer seja da tecnologia, da economia ou da política, esse
fator possibilita que aos assuntos dessa instituição, atinjam um público mais
específico (biotecnologia) ou irrestrito (privatização). Contata-se que os
editorialistas da Folha de S. Paulo, para poderem argumentar com
segurança, devem ser pessoas bem informadas sobre os mais diferentes
assuntos que são veiculados nos seus editoriais.
123
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A partir dos itens lexicais destacados das três instituições, observa-se
que cada uma delas tem um interesse e seus textos demonstram tais
interesses. Assim, constata-se que uma leitura atenta em relação a esses
itens revela o domínio ocupado pela instituição, os assuntos de sua
preferência e as diferenças entre as instituições jornalísticas.
Para BOLIVAR (1994, p. 292), as diferenças entre os editoriais de
cada instituição depende do modo como as instituições avaliam o mundo, ou
seja, suas posições ideológicas e as previsões que fazem sobre os
conhecimentos dos leitores. Essa citação reforça os argumentos
anteriormente apresentados, pois cada instituição tem sua maneira de
construir seu discurso em função do público que vise atingir.
Os editoriais, por sua característica normativa, procuram interferir na
conduta de seus leitores, o que é peculiar ao discurso exortativo. Para atingir
o objetivo de exortar, há procedimentos que são adotados, como a
estruturação do argumento em blocos dentro do texto, aqui, chamados de
movimentos, que correspondem a quatro no total. Assim, nesses
movimentos são manifestados a autoridade do editorialista, a situação e/ou
problema do texto, os comandos e as sugestões que o editorialista utiliza
para ser mais enfático no convencimento dos leitores e os resultados que ele
espera que sejam obtidos, como persuadir. Os textos analisados são
considerados como pertencentes ao discurso exortativo, pois apresentam
uma estrutura dividida em movimentos e, principalmente, porque
apresentam o movimento de comando e de sugestão que caracteriza o
discurso exortativo e que apela para ação do leitor.
A maioria dos movimentos está presente nos editoriais, embora, às
vezes, ocorra a supressão daquele que apresenta os resultados desejáveis
ou não. Ainda pode aparecer, de forma não delimitada, o movimento que
visa demonstrar a autoridade de conhecedor do assunto, podendo estar
encaixado em outros blocos de argumentos. O que se observa é que as
instituições procuram manter nesses textos uma seqüência de argumentos
que apresentam relação um com o outro e conduzem as intenções do
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124
editorialista. Esse fator assegura uma ordem sistemática da ocorrência dos
movimentos em todas as instituições, característico ao gênero editorial.
Entre os recursos lingüísticos analisados, estão os marcadores
metadiscursivos, cuja função é auxiliar no querer-dizer do editorialista; os
substantivos anafóricos, responsáveis pela estrutura do texto e pela
argumentação; e a personalização sintética que demonstra relações
simétricas entre escritor e leitor. Tais recursos permitiram a determinação de
qual instituição produziu os textos mais persuasivos.
CRISMORE (1989, p.108) considera que atualmente o escritor tem
um papel de comunicador. A investigação do metadiscurso é necessária
para localizar o escritor como uma voz que se manifesta através de
elementos lingüísticos. Assim, o levantamento de tais elementos é
importante para revelar a maneira como cada editorialista busca manter
contato com seu leitor, pois esses elementos contribuem para estabelecer
relações entre os argumentos e para indicar os passos seguidos pelo
escritor no texto. Portanto, o metadiscurso é um recurso responsável tanto
pela coesão entre as sentenças e os parágrafos, como pela coerência, pois
auxiliam no entendimento global do texto e no processo de persuasão.
Os três tipos de marcadores metadiscursivos analisados – as marcas
de validade, as marcas de atitude e os conectores textuais – apresentaram
maior incidência em uma outra instituição, pois auxiliam na tomada de
posição do editorialista e fornecimento de pistas ao leitor sobre isso.
4.2 Conclusões
Com a análise macroestrutural dos textos dos editoriais, pôde-se
perceber que, de modo geral, apresentam uma estruturação que permite
identificá-los como pertencentes a um gênero. Isso ocorre porque os textos
analisados apresentam a mesma configuração genérica que é recorrente em
todos os textos analisados, ou seja, apresentam uma situação e/ou
problema e a partir dele(s) é que são desenvolvidos os demais argumentos.
Assim, o gênero editorial apresenta essa estrutura.
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Já os marcadores de validade e de atitude auxiliam no modo como o
editorialista se posiciona no texto e podem ser considerados o ponto de
contato mais explícito entre escritor e seu público, fazem parte da função
interpessoal. Assim, a utilização de forma enfática desses elementos por
Zero Hora permitiu que se considerasse essa instituição como a mais
persuasiva em relação à utilização de tais marcadores metadiscursivos. O
levantamento de marcas de modalidade e de atitude, permite a observação
de que o discurso dos editoriais contém com um ‘tom’ de autoridade, que
dita normas de conduta aos seus leitores.
Os conectores textuais têm a sua presença garantida em todos os
textos analisados, principalmente na ligação entre os blocos de argumento,
característica que auxilia no encadeamento das partes do texto e no
estabelecimento da função textual. Percebeu-se que a ocorrência desses
conectores, em alguns textos de A Razão (Potencial à mostra, O novo
discurso) e Zero Hora (Dupla responsabilidade), não contribuiu para conexão
das idéias propostas e para manutenção da unidade textual. Assim, dos os
textos que fazem parte do corpus, os da Folha de S. Paulo são aqueles que
mantêm a unidade textual e que o uso dos conectores contribui para um
desenvolvimento coerente dos argumentos apresentados. Considerando-se
esses fatores, essa instituição é aquela que melhor congrega o uso de
elementos lingüísticos coesivos, a apresentação de uma argumentação
consistente e a constituição textual em um todo único .
Quanto ao uso de substantivos anafóricos e a personalização
sintética, percebe-se que esses instrumentos são aliados dos editorialista
d’A Razão para marcar a sua voz e estabelecer relações (escritor/leitor). O
uso, da personalização sintética, na forma de ‘nós inclusivo’, permite
observar que o editorialista insere vários segmentos da sociedade em seu
discurso, como se todos compartilhassem dos mesmos posicionamentos.
Esse recurso é uma forma de estabelecer proximidade e afinidade entre os
participantes, possibilitando a conquista do leitor em relação a um discurso
no qual ele se insere. O uso do substantivo anafórico permite a coesão entre
as partes do argumento, mas também auxilia ao escritor para que ele possa
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demonstrar a forma como avalia uma certa extensão retrospectiva do
discurso. Assim, esses dois elementos auxiliaram no procedimento
persuasivo dos editoriais d’A Razão.
Assim, no gênero editorial, são vários os recursos que o editorialista
têm em mãos para exercer poder sobre o seu leitor. Aqui foi evidenciado
desde a construção do argumento num nível macroestrutural, até as
questões microestruturais, como o emprego do metadiscurso. Assim, apesar
de reformulações que possam sofrer os textos da mídia, o editorial tem uma
característica que lhe é peculiar, ou seja, é um gênero que tem a função de
apresentar à sociedade o que a instituição pensa e deseja que o seu leitor
acredite.
Independente do contexto em que seja produzido o editorial, o que se
deve ressaltar é que a mídia constrói o seu discurso com a intenção de
perpetuar posições que possui. Os interesses que a mídia defende são os
seus, embora tente demonstrar que são os interesses de seu público (por
exemplo, com o uso da personalização sintética). Vários caminhos podem
ser propostos para se entender como esse discurso se constitui. Um deles,
foi adotado aqui, permitindo que se considerasse esse discurso como
exortativo, bem como aquele que possibilitou determinar quais textos eram
mais persuasivos. Os recursos metadiscursivos são empregados para
persuadir o leitor a agir da forma que a instituição está determinando, para
que o leitor se alie a posição da instituição e passe a compartilhar dela.
Assim, ele pode repassá-la para outras pessoas, o que permitiria alastrar
ainda mais o poder de que os fatos sejam vistos sob a ótica que instituição
deseja.
Esses recursos evidenciam a necessidade de que se leia criticamente
um texto, não aceitando prontamente as idéias defendidas pelo escritor,
avaliando e procurando identificar as reais intenções e tendências adotadas
pelo escritor (CRISMORE, 1989, p.137-8).
Pode-se ainda destacar que a congregação do uso adequado de
elementos lingüísticos, em termos de microestrutura (tais como: recursos
metadiscursivos, substantivos anafóricos e personalização sintética), e da
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organização textual, na forma de blocos de argumentos, podem auxiliar em
uma melhor compreensão, por parte do leitor, das idéias que o escritor
deseja manifestar.
Assim, a análise do gênero editorial, através de sua estrutura textual e
dos elementos lingüísticos, neste estudo, é de significativa relevância, em se
tratando do ensino de Língua Portuguesa, no sentido de explicitar
mecanismos lingüísticos que corroboram para a persuasão do leitor e que
podem ser explorados e praticados na sala de aula pelos alunos em
construções coletivas de cartas para jornais e revistas, jornais da escola, etc.
Espaço em que os alunos poderão definir seus pontos de vista, defenderem-
no e tentar persuadir leitores que seu modo de tomar posição é adequado.
Ao mesmo tempo em que essa análise comprova a necessidade de
que o professor incentive o aluno da importância de uma leitura crítica, que
procura demonstrar algo mais que as marcas gráficas deixadas pelo escritor
no texto. Assim, quando o aluno perceber a importância de certos
mecanismos na construção do texto, ele poderá se tornar um leitor mais
atento e um indivíduo mais consciente das idéias que defende.
Por outro lado, a análise, da forma como se configura o gênero
editorial, a construção na forma de blocos de argumentos dentro dos textos,
é relevante para o ensino de Redação, pois demonstra a necessidade de
que os argumentos sejam construídos de forma paulatina, onde um trecho
do argumento é utilizado em complementação ao outro. Assim, o conjunto
dos argumentos se aliam para atingir o objetivo pretendido pelo escritor.
É crescente, atualmente, a necessidade de que os professores
trabalhem de forma diferenciada em suas aulas de Língua Portuguesa.
Nesse âmbito, os textos da mídia, como os editoriais, podem ser
instrumentos que demonstrem, para os alunos, a forma como os textos são
construídos e os traços lingüísticos que nele se associam, não de forma
aleatória, mas para demonstrar propósitos do escritor. O aluno, no momento
que perceber os traços discursivos e lingüísticos, nos textos que lê, bem
como sua finalidade, poderá, então, construir sua própria autonomia,
produzindo textos com argumentos precisos e com objetivos bem definidos.
128
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4.3 Limitação da pesquisa
Pode-se dizer ainda que em um trabalho de mestrado sempre é
possível que ocorram falhas na sua elaboração, pois o tempo é exíguo e
temos de adotar um caminho para procurar solucionar nossas
inquietações iniciais que levaram à execução do mesmo. Considero como
limitações um contato mais próximo com as instituições às quais
pertencem os textos analisados, uma vez que somente conseguimos
entrevistar pessoalmente o editorialista d’A Razão, enquanto que com a
Zero Hora o contato foi feito via e-mail e telefone e não se conseguiu
obter informações do editorialista da Folha de S. Paulo. Outro aspecto
que pode limitado a pesquisa foi com relação ao processo de consumo
desses textos, ou seja, não se abordou na pesquisa a receptividade dos
mesmos pelo leitor.
4.4 Sugestão para futuras pesquisas
Consideramos que seria interessante um estudo que abordasse os
aspectos citados que limitaram esta análise. Ainda seria relevante um tipo de
análise que comparasse editoriais dos jornais com os das revistas Veja, Isto
é, Época, chamados de carta do editor e que funcionam como um ‘bate
papo’ com o leitor, estabelecendo-se assim uma comparação entre textos
que, embora pertencentes ao mesmo gênero, possuem suas
especificidades. Tal comparação poderia evidenciar traços importantes do
discurso exortativo que podem ser explicitados e interpretados, trazendo
contribuições para o entendimento que temos do funcionamento da
linguagem para medir relações sociais.
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