Download - Anais Trabalhos Completos
ANAIS – TRABALHOS COMPLETOS
RIO DE JANEIRO – 2012
REGISTRO
Número ISBN : 978-85-64089-10-5
APRESENTAÇÃO DOS ANAIS – TRABALHOS ACADÊMICOS
Anais - Trabalhos Completos do II ENCONTRO NACIONAL DE
PRODUÇÃO CULTURAL - A produção cultural no contexto das políticas
públicas para os grandes eventos promovido pela Pró-reitoria de Extenção do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.
Este evento teve lugar no Palácio Gustavo Capanema, no Rio de
Janeiro de 30 de outubro a 01 de novembro de 2012.
Comissão Científica Álvaro Neder - Dr. em Musica - UNIRIO
Ana Luisa Lima - Especialista em Teatro - Unrio
Andrea Motta - Especialista em Letras - UERJ
Claudia Teixeira - Dra. em Letras - UFRJ
Fernanda Delvalhas Piccollo - Dra. Antropologia - UFRJ
Fernando Brame - Dr. em Políticas Públicas e Formação Humana - UERJ
Jorge Luís P. Rodrigues - Dr. em Letras - UFF
Tadeu Mourão - Mestre em Artes - UERJ
Comissão Organizadora Realização: IFRJ
PROEX
Produção: Ana Silva
Ricardo de Moraes
Sluchem Cherem
Talita Magar
Assistentes de Produção: Nathaly Avelino
Philip Moreira
Trabalhos organizados por Eixos Temáticos :
• Culturas, cidades e territórios
Observatório Universitário da Cultura Popular - Adriana Alves Santana
Música, Educação e Cultura na Baixada Fluminense: Uma pesquisa
participativa - Daniel Barros Gonçalves Pereira e Vanderson Nunes
De Iguassu à Iguaçu: a potencialidade turística da cidade sob uma perspectiva das ciências sociais - Jeniffer Ferreira de Lemos Silva
• Gestão e políticas culturais
RESIDENCIAS ARTÍSTICAS COMO POLÍTICA PÚBLICA: UM MAPA DO PREMIO INTERAÇÕES ESTÉTICAS NA REGIÃO NORDESTE (2010) - Ana Vasconcelos
Gestão e Produção Cultural na Bahia – Adriana Santana e Caio Cruz POLÍTICAS CULTURAIS VERSUS IMPACTOS CULTURAIS NO
CONTEXTO DOS MEGAEVENTOS NO RIO DE JANEIRO - Clarissa Alexandra Guajardo Semensato
Sustentabilidade em Eventos: normalização alinhando-se às boas práticas - Daniele Cristina Dantas
Prestação de contas: quando começamos a fazê-la? - Daniele Cristina Dantas
As políticas para a diversidade cultural no Ministério da Cultura na gestão do governo Lula - Marcelo Tavares Mincarelli
(Re)pensando politicas culturais na Baixada Fluminense – Maria da Glória Santos da Silva e Sandra Regina Fabiano do Rosário Vieira
• Produção Cultural, linguagens artísticas e mídias
Modelo de Briefing para Elaboração de Projetos Culturais - Jonas Santos Nogueira
O VOLKSBÜHNE E O TEATRO ÉPICO: A Produção Teatral nas mãos do
Povo - Keila Fonseca e Silva ARTE E PUBLICIDADE: A AÇÃO DO BIJARI E DA VISUALFARM - Priscila Pereira de Moraes
O cinema brasileiro dos anos 1970 e 1980 e as salas de rua da Baixada Fluminense: do auge à decadência – Leandro Luz e Raphaela Machado de Souza Siqueira
Culturas, cidades e territórios
Observatório Universitário da Cultura Popular¹
Agenciadores Experimentais²
Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA
RESUMO
Visando traçar um panorama geral sobre o modo como é gerida a produção
cultural comunitária na cidade de Salvador, a Agência Experimental em
Comunicação e Cultura, grupo vinculado à Faculdade de Comunicação da
Universidade Federal da Bahia (FACOM/UFBA), criou o projeto Observatório
Universitário da Cultura Popular. O mapeamento de grupos e equipamentos
culturais do subúrbio da cidade tem o objetivo de auxiliar na construção de
políticas que atendam o pluralismo das práticas culturais brasileiras, como
pretende o Plano Nacional de Cultura (PNC).
PALAVRAS-CHAVE: grupos culturais; equipamentos culturais; cultura;
subúrbio de Salvador.
Tendo em vista a diversidade cultural latente e nítida no contexto brasileiro, é
necessário que haja políticas que atendam a todos os segmentos culturais
desta população, entrando em sintonia com o que é proposto pela Unesco
(2007). Tais políticas devem ser criadas com base nas expressões culturais e
necessidades reais de cada contexto cultural. Para que isso aconteça, deve
haver a interação dos governos – federal, estadual e municipal – e sociedade
civil no que diz respeito à efetivação de premissas apresentadas no Sistema
Nacional de Cultura (SNC), levando em conta a tridimensionalidade da cultura,
que se constitui através da dimensão simbólica, cidadã e econômica.
A observação faz-se necessária para que seja produzida uma informação
estruturada a fim de promover debates democráticos e decisões sensatas
quanto aos fenômenos culturais (TOLILA, 2007). Observar é parte do processo
de mapeamento cultural, que pode ser entendido como o “levantamento de
dados referentes a atividades, práticas, espaços, eventos, festas,
manifestações, institucionalizados ou não, de grupos e artistas em
determinado território, urbano ou rural.” (SOUZA, 2003, p. 1). O mapeamento
tem o potencial de gerar indicadores culturais, reconhecidos como
mecanismos importantes para a compreensão dos fenômenos culturais.
Reconhecendo o trabalho da sistematização de dados no setor, foi criado
junto ao Plano Nacional de Cultura (PNC) o Sistema Nacional de Informações
e Indicadores Culturais (SNIIC), prerrogativa que tem como objetivo
“disponibilizar estatísticas, indicadores e outras informações relevantes para
a caracterização da demanda e oferta de bens culturais” (BRASIL, 2010, p.
6).
Diante deste cenário, a Agência Experimental em Comunicação e Cultura –
instância da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia
(FACOM/UFBA) – realizou um “diagnóstico sobre as condições em que
ocorrem as manifestações e experiências culturais” (MINC, 2008) na cidade
de Salvador. O Observatório Universitário da Cultura Popular, projeto
aprovado no Edital PROEXT MEC/SESu 2010, se consolidou ao mapear
grupos culturais da cidade e disseminar o conteúdo para a universidade e
públicos externos, com o objetivo de contribuir com a implementação de
políticas públicas que incentivem a produção local.
Diante da necessidade de registrar o trabalho desenvolvido e dar visibilidade
às atividades desempenhadas pelos grupos culturais mapeados, foi criado o
blog Diário de Bordo. As postagens descreveram as experiências dos
membros da Agência Experimental em Comunicação e Cultura na realização
do projeto, no que diz ao acompanhamento dos mapeamentos realizados
junto aos grupos culturais do subúrbio soteropolitano. Este é o primeiro
resultado executado pelo projeto, que posteriormente lançará novos
produtos: um catálogo contendo as informações dos grupos e equipamentos
culturais mapeados e uma plataforma digital aberta que funcione como banco
de dados e facilite o intercâmbio de informações entre os equipamentos
culturais, comunidades e movimentos sociais.
JUSTIFICATIVA
Pretende-se que os mapeamentos culturais realizados deem visibilidade aos
projetos comunitários para que não caiam no esquecimento principalmente
daqueles que estão tão próximos aos espaços. O conhecimento sobre o que
os grupos fazem pode aproximar os moradores das regiões vizinhas aos
equipamentos culturais, promovendo a participação e a democratização do
acesso. Pode também despertar o interesse de parceiros em potencial, como
o poder público, empresariado e universidade, sendo o blog um meio de
divulgação das informações via internet que estão suscetíveis a grande
circulação.
A comunicação através do artefato digital foi escolhida devido à facilidade e
rapidez na troca de informações, fortalecendo vínculos e difundindo em maior
proporção as produções artísticas e manifestações culturais. O blog é um
mecanismo de reconfiguração nas diversas áreas, além de uma via de
comunicação direta do emissor “na produção de conteúdo e na partilha de
experiências [...] o que potencializa a pluralidade e a democratização na
emissão”. (LEMOS, 2008, p. 8-17).
O blog foi atualizado durante todo processo de mapeamento, expondo as
riquezas artísticas encontradas em espaços muitas vezes subjugados pela
sociedade, por estarem localizados à margem do centro da cidade. Na
perspectiva de contribuir com a transformação de uma visão unilateral e
ampliar o conhecimento sobre a diversidade artística da cidade, o projeto terá
continuidade e manterá o Diário de Bordo como elo entre a produção
acadêmica e comunitária.
METODOLOGIA
A trajetória de elaboração deste trabalho é marcada por uma metodologia
participativa, onde todos os atores envolvidos no processo são agentes ativos
de produção e difusão de conhecimento. Muitas das ações tiveram como
base princípios e métodos da pesquisa-ação. Esta metodologia apresenta
tanto um objetivo prático (o equacionamento de um problema) quanto um
objetivo de conhecimento (aumento do conhecimento sobre determinadas
situações), pressupondo participação e ação efetiva dos interessados –
pesquisador(es) e usuário(s). “[...] a pesquisa-ação não é considerada uma metodologia. Trata-se de um método, ou de uma estratégia de pesquisa agregando vários métodos ou técnicas de pesquisa social, com os quais se estabelece uma estrutura coletiva, participativa e ativa ao nível da captação de informação”. (THIOLLENT, 1988, p. 25).
Por conta da complexidade da pesquisa e tempo de duração do projeto,
optou-se por delimitar como primeiros espaços de intervenção a região do
entorno da Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialmente os bairros
do Calabar, Alto das Pombas, Garcia e Federação; e, em paralelo, a região
do Subúrbio Ferroviário. Esta escolha inicial se deu por dois motivos: o
primeiro por priorizar comunidades vizinhas à UFBA, como estratégia de
fortalecimento de vínculos e, segundo, por ser a região do Subúrbio
Ferroviário a principal área de atuação da Agência Experimental nos seus
projetos anteriores, o que certamente serviria como impulso inicial para essa
nova ação.
Foram criados questionários para o registro das seguintes informações:
histórico da iniciativa; área/ natureza da atuação; público alvo; quantidade e
perfil dos componentes/ equipe; principais projetos realizados; personagens
históricos representativos; sustentabilidade e relação com a comunidade. O
questionário foi aplicado pelos monitores do projeto, que se dirigiram ao
representante do grupo ou equipamento cultural como em uma entrevista.
O Diário de bordo foi alimentado de acordo com a realização dos
mapeamentos, sendo estes registrados em áudio, vídeo e imagem. Os
mapeamentos foram realizados diariamente entre os meses de agosto e
dezembro de 2011, e a cada postagem foram descritas informações dos
grupos e experiências pessoais dos membros da Agência Experimental
diante de cada encontro.
Como forma de dinamizar as leituras do blog, o layout foi dividido em
categorias: dança, teatro, audiovisual, música, artes plásticas/artesanato,
artes integradas, atividades socioculturais, capoeira, espaço cultural, esporte,
grafite, grupos carnavalescos e rádio comunitária. Pretendeu-se seguir a
metodologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)
e seu Inventário Nacional de Referências Culturais, a partir de suas
categorias de registro: celebrações, formas de expressão, ofícios e modos de
fazer, edificações e lugares. Entretanto, pelo menos inicialmente, damos
ênfase a três delas: celebrações, formas de expressão e ofícios, já que um
dos objetivos centrais do trabalho é mapear experiências minimamente
estruturadas e institucionalizadas dentro do campo da produção cultural.
RESULTADOS
O Observatório Universitário da Cultura Popular contribui com o levantamento
de indicadores para as políticas públicas a partir das pesquisas e estudos
sobre produção cultural do subúrbio de Salvador. O blog tornou-se uma
importante ferramenta de comunicação nesse processo, mostrando-se
indispensável na interlocução da informação, promovendo assim visibilidade
dos grupos culturais tanto aos moradores dos bairros como aos diversos
usuários da rede.
Durante quatro meses de trabalho, foram mapeadas 75 iniciativas culturais
de origem popular. Grande parte dos grupos pesquisados não possui
financiamento de nenhuma fonte externa, sendo os dirigentes os principais
ou únicos mantenedores dos espaços. Em diversas ocasiões, as iniciativas
surgiram a fim de contribuir para a melhoria de vida de crianças e jovens das
localidades, ou “para tirá-los do mundo das drogas e violência”, como
afirmam os entrevistados. Estes grupos mostram grande potencial em
modificar tal situação, a partir de um trabalho contínuo, portanto, a
intervenção do Estado seria fundamental. Verifica-se que o desconhecimento
dos atores públicos da existência destas iniciativas impossibilitam o trabalho
conjunto e o financiamento público.
É a partir da percepção da importância sociocultural e educativa que possui
que o projeto partirá para uma segunda etapa, ampliando a noção de
valorização à cultura produzida por diferentes espaços e grupos e permitindo
uma difusão e noção da riqueza cultural existente no município de Salvador.
Levando em consideração a construção participativa de diferentes visões
explicitadas nos textos, assim como um espaço de socialização, o blog
manterá registradas as situações de descoberta e construção de um
entendimento que vai além da teoria acadêmica, que contempla experiências
únicas e inimagináveis na troca de saberes e olhares.
REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Cultura. Lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010. Plano Nacional de Cultura. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2011/05/Lei12.343-PNC-Publica1.pdf. Acesso em: 30 abr. 2012. COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural. São Paulo, Iluminuras / Fapesp, 1997. GAIA, Rossana Viana. Educomunicação & mídias. Maceió: EDUFAL, 2001. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Inventário Nacional de Referências Culturais. Brasília: Departamento de Identificação e Documentação do Iphan, 2000. LEMOS, André. Prefácio. In: AMARAL, A; RECUERO, R; MONTARDO, S. (Orgs.). Blogs.Com: estudos sobre blogs e comunicação. São Paulo: Momento Editorial, 2009. p. 8-17. MINISTÉRIO DA CULTURA. Um plano estratégico para todos os brasileiros. Brasília, 2008. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/pnc/introducao/. Acesso em: 30 abr. 2012. SOUZA, Valmir de. Mapear a cultura local. Disponível em: http://www.polis.org.br/publicacoes/dicas/dicas_interna.asp?codigo=71. Acesso em: 30 abr. 2012.
APÊNDICE
MÚSICA, EDUCAÇÃO E CULTURA NA BAIXADA FLUMINENSE: UMA PESQUISA PARTICIPATIVA.
Daniel Barros, Vanderson Nunes, Rodrigo Caetano. Orientador: Alvaro Neder.
Palavras-chave: Mapeamento; música; Baixada Fluminense.
INTRODUÇÃO
É sabido que a Baixada Fluminense é uma região marcada por sérias
desigualdades econômicas e sociais, resultantes, principalmente, do descaso
do poder público. Entretanto, tais adversidades não impediram o
florescimento de um marcante dinamismo cultural, produzido pela diversidade
de sua população, trazida por fluxos migratórios de diferentes origens.
Apesar de sua riqueza, a cultura produzida pela população da Baixada se
ressente da escassez de iniciativas de documentação, valorização e
formação de quadros intelectuais capazes de atuarem sistematicamente na
multiplicação dos agentes produtores de conhecimento local. Busca-se, com
esta pesquisa, contribuir para minorar esta carência.
Dessa forma, o projeto de pesquisa “Música, Educação e Cultura na Baixada
Fluminense” tem por objetivos: Identificar, em conjunto com moradores da
Baixada Fluminense, áreas temáticas que constituirão o banco de dados
Música e Cultura na Baixada Fluminense; aplicar e desenvolver, também em
conjunto com os residentes locais, uma base conceitual para a
documentação que constará desse banco de dados; documentar as práticas
musicais e depoimentos escolhidos pelo coletivo em suportes de áudio e
vídeo; investigar as práticas educacionais informais ocorridas nas
manifestações musicais e interações sociais estudadas; construir banco de
dados de acesso público via Internet com o material documentado. Em suma,
desenvolver uma pesquisa participativa que contribua para o registro da
memória musical dessa região e para a formação de quadros críticos
oriundos desse espaço geográfico, que possam aí se estabelecer e promover
efeitos multiplicadores, levando a uma maior interferência da própria
comunidade na formulação das políticas públicas que as afetam.
METODOLOGIA:
O cronograma desta pesquisa consistiu, primeiramente, na leitura e
discussão de textos que nos auxiliaram na compreensão, no
desenvolvimento e na aplicação da metodologia participativa, além de textos
que levaram a um aprofundamento do conhecimento sobre a Baixada
Fluminense. Em seguida, realizamos debates em que foram coletivamente
propostos temas de investigação e pessoas a entrevistar. A partir
daí, realizamos entrevistas com o objetivo de fazermos um levantamento
tanto da produção musical da Baixada Fluminense quanto dos principais
problemas relacionados. Com esta pesquisa em andamento, todos estes
passos continuam a ser realizados.
RESULTADOS
Verificamos que os moradores da Baixada Fluminense continuamente se
reportam à atitude da imprensa e demais formadores de opinião, ao
descrever reiteradamente a região como um lugar marcado pela violência.
Segundo esses moradores isso faz com que a sociedade em geral, sobretudo
carioca, mesmo desconhecendo as múltiplas realidades da Baixada, sejam
unânimes em condená-la e desacreditá-la, reforçando a situação de
abandono por parte dos poderes públicos a que está exposta.
Como decorrência da metodologia participativa adotada, a partir dessa
consulta aos moradores foi possível estabelecer como central para a
pesquisa o conceito de violência simbólica. Este conceito, cunhado pelos
sociólogos Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (2008), designa todo
poder que chega a impor significações e a legitimá-las, dissimulando as
relações de força que estão na sua base.
Portanto, identificando, a partir das falas dos residentes, a violência simbólica
como conceito fundamental para se estudar a Baixada Fluminense, a
pesquisa pôde orientar-se no sentido de investigar e documentar aspectos
das diversas culturas musicais da Baixada que se relacionam a este conceito.
Entre estes aspectos, notou-se a negativa consistente dos entrevistados de
que a Baixada seja definível meramente como local de violência.
Para eles, a Baixada é, sobretudo, um local onde se formam laços de
solidariedade entre as pessoas, e abriga múltiplas manifestações de
criatividade, inclusive musical.
Neste sentido, cabe ressaltar aqui a importância do Centro Cultural Donana
como espaço de sociabilidade e ponto fundamental de uma mudança política,
social e cultural na Baixada Fluminense, sobretudo em Belford Roxo. Dida
Nascimento (filho de Dona Ana, antiga rezadeira que constituiu o centro
cultural que leva seu nome e um dos pioneiros do movimento reggae na
região), analisa o que possibilitou o crescimento e, consequentemente, o
reconhecimento do Donana:
“Primeiro que a gente assumiu que é do lugar. Assumindo que é do
lugar, a gente falou que a gente consegue fazer arte e que a gente
consegue fazer o nosso sonho se tornar realidade. Então a gente
começa a tirar as coisas negativas, começa a aparecer uma coisa
nova e politicamente dizendo, a gente começa a mudar o
pensamento dessas pessoas, de toda pessoa que passa e te ver e
fala assim: caramba, eu posso mudar também. (...) O que a gente
fez esse tempo todo e a gente vai fazer, vai continuar fazendo, a
gente vai bater ali até fazer uma portinha abrir”. (Dida Nascimento,
em entrevista em 30 de Maio de 2012). Estes resultados são percebidos na fala de outros entrevistados, que tiveram
no Donana contato direto com as artes e com a reflexão crítica, de forma
geral, sendo visto, inclusive, como:
“um primeiro manifesto, onde as pessoas vão se reunindo... aí se
reuniu teatro, se reuniu artesanato, se reuniu as danças folclóricas,
inclusive com uma grande contribuição que foi a capoeira...várias
oficinas, a poesia, e aí se tornou um ponto de congruência dessas
linguagens todas de Belford Roxo”. (Vicente Freire, em entrevista em
18 de Abril de 2012).
“O Centro cultural Donana foi muito importante, por exemplo, na
minha infância, (...) aí quando tinha lá os trabalhos que eram feitos
por eles, de artes plásticas, de oficina de percussão, eu tinha
oportunidade de assistir, e até algumas vezes participar, isso foi
durante minha infância. Depois, já na fase adulta (...) eu também tive
a oportunidade de algumas vezes estar em contato com o pessoal do
Donana e em especial o Dida Nascimento, que é um grande nome
ali, né, é um símbolo de resistência pra esse centro cultural.” (Sidnei
Gama, em entrevista em 20/01/2012).
Alguns nomes (músicos e/ou grupos) são costumeiramente referenciados
como proponentes destas novas imagens de revalorização da Baixada
Fluminense como, por exemplo, as bandas precursoras do movimento
reggae em Belford Roxo, KMD-5 e Lumiar, hoje conhecidas como Negril e
Cidade Negra, o próprio Dida Nascimento, Lauro Farias, que formou a banda
Desaguada com Dida Nascimento, e hoje é baixista da banda O Rappa, Da
Gama e Ras Bernardo (ex-integrantes do Cidade Negra, hoje desenvolvem
seus trabalhos solo).
Dida Nascimento recorda a importância dos músicos que passaram pelo
Donana: “(...) os caras que ficavam aqui, gurizinho, vendo, dançando, curtindo, isso é
muito bacana, hoje eles são excelentes músicos, ultrapassaram as barreiras
aí, hoje vivem de música, tá todo mundo alimentando sua família, trazendo
novidades, positividade. (...) no lugar (Belford Roxo) que foi tido como o mais
violento do mundo na época, a gente reverte pra isso, um lugar que tem
música, que tem cultura...”. (Dida Nascimento, em entrevista em: 30 de Maio
de 2012).
Diversas formas de música se desenvolveram na Baixada, e tiveram grande
importância por contribuir para afirmar a autoestima dos moradores da região
e projetar positivamente sua imagem dentro e fora deste território,
favorecendo a construção de identidades mais afirmativas e conscientes das
lutas históricas dos residentes em favor de melhores condições de existência.
A partir do material coletado até então, podemos, também, traçar diferentes
relações da produção musical da Baixada com questões cotidianas de seus
habitantes, como 1) a relação da música com os problemas sociais da região: “Não é ficar lamentando que falta, que nós somos mazelas, mas,
assim, acho importante você cantar sobre o seu lugar. Que na
verdade é o que se faz, o Rio de Janeiro é cantadíssimo. Tanto o
pessoal da Bossa Nova, aquela coisa boa, como por exemplo, o
Fausto Fawcett, como o MV Bill, que tem outra visão da cidade. (...)
Essa preocupação não existe em todos os artistas, mas naqueles
que existem você consegue perceber que realmente onde você vive
acaba influenciando sua música, não tem como, você não fica, diria
assim, impune em morar Baixada Fluminense durante 20 ou 30
anos. Aquilo ali vai acabar se refletindo no seu trabalho, na música
não é diferente. (...) Acredito também que muitos compositores ao
escrever não consigam retirar esse olhar da cidade, essa vivência
que tem impregnada dentro dele.” (Manoel Ricardo, em entrevista
em: 17/11/2011)
2) a influência do sonoro (ruídos da cidade, trem etc.) no processo criativo
dos músicos: “Os nossos ruídos são músicas, resíduos musicais que a gente não
percebe com nosso ouvido, mas com certeza são músicas que soltas
no ar, que algum ou alguém está ouvindo, eu acredito nisso, então
se você ouve um chiado, mas não entende você tenta traduzi-lo, o
ser humano é isso, então às vezes você tenta imitar o trem, o
barulho do trem, então já ta aí uma interferência entre o teu olhar, a
sua audição e a percepção de fazer. (...) a gente é influenciado
artisticamente na ambiência local. Vê a nossa fonética: o carioca fala
assim... e vai pra outro lugar e falam assim: e, tu é do Rio de Janeiro.
Por que? Existe um som que tem nesse lugar aqui, nesse ar, que
opera essa sonoridade. Existe isso aqui. Por isso que tem diferença.
Então as influências dos pássaros, dos ruídos, das cachoeiras, de
tudo, da natureza em si, até da criação humana que são os sons
humanos e máquinas vai influenciar na nossa música, entendeu?
Com certeza sim, eu acredito nisso. Aliás meu pensamento é todo
em cima disso “. (Dida Nascimento, em entrevista em 30 de Maio
2012).
Ainda sobre as influências sonoras do trem como importante fator na
formação musical na Baixada, o músico Alessandro Almado, morador de
Belford Roxo, que fez parte da banda América Vermelha, fala de uma música
da sua antiga banda que: “(...) tem uma frase que é assim: “Japeri lotado, você sabe
como vem" E sempre que eu toco essa música, me vem o
trem a cabeça, entendeu? Aquele trem... Aquele barulho do
trem, aquele Tá tadá Tá tadá entendeu? (...) Eu acho muito
musical. (...) aquele som é... é o que fica na cabeça”.
(Alessandro Almado, em entrevista em 30/11/2011).
E o professor Manoel Ricardo cita a música do artista Robson Gabiru: “Tem uma música muito interessante que é (...) em ritmo do
balanço do trem, do ritmo do trem, eu acho que é até do
Robson Gabiru não sei se ele é o autor, mas ele canta essa
música. (...) Quem mora na beira do mar, o mar tem essa
coisa, a sonoridade, o barulho das ondas, né? A própria
atmosfera. Aqui, a gente não tem praia, mas têm rios, têm
cachoeiras, tem a coisa do trem, a coisa das estradas
passando, é um lugar de passagem ainda, tem o burburinho
das ruas, eu acho que isso de certa maneira acaba
influenciando no trabalho dos artistas.” (Manoel Ricardo, em
entrevista em: 17/11/2011).
A música citada chama-se “Quem mais querem”, mas é conhecida
popularmente como “a música do trem”. De fato, tanto a melodia quanto o
ritmo correspondem com os “barulhos” do trem. A letra, por sua vez, é um
retrato do cotidiano que os passageiros estão acostumados a lidar. Na
primeira estrofe, por exemplo, o autor repete os avisos rotineiros nas
estações de trem: “atenção senhores passageiros / com destino a Japeri /
queiram dirigir-se a plataforma 8 / linha H”.
Finalizando, faz-se importante ressaltar que foram identificados e
entrevistados diversos outros músicos atuantes na busca de valorização para
a Baixada e seus moradores, que serão aqui omitidos em vista das limitações
de espaço previstas.
CONCLUSÃO
Avançamos no conhecimento sobre a Baixada Fluminense a partir da
perspectiva de seus moradores, o que era nosso propósito inicial.
Identificamos conceitos relevantes para orientar o trabalho de investigação e
fizemos um levantamento das manifestações que promovem uma imagem da
Baixada não correspondente aos estereótipos impostos a ela, colocando em
destaque a criatividade e construtividade das populações aí residentes, e
manifestações críticas do descaso com que a Baixada tem sido tratada pelos
poderes públicos. Com o prosseguimento deste projeto, esperamos expor os
resultados já obtidos a diversas associações de moradores da Baixada e
outros fóruns pertinentes, visando à continuidade da investigação. Por meio
dos debates resultantes, buscaremos continuar a reflexão sobre a realidade
da Baixada, esperando contribuir para a formação de quadros críticos
oriundos dela que possam multiplicar as reflexões oportunizadas por esta
pesquisa, bem como participar ativamente das políticas públicas que incidem
sobre a Baixada Fluminense.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1987.
SMALL, Christopher. El Musicar: Un ritual en el Espacio Social. Disponível
em: http://migre.me/99JUP. Acesso em: 14/05/2012
LEITE, André Santos. Memória Musical da Baixada Fluminense. Dissertação
de Mestrado. UNIRIO. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp022659.pdf Acesso em:
13/05/2012.
ARAÚJO, Samuel et alii. Conflict and violence as conceptual tools in present-
day ethnomusicology; notes from a dialogical experience in Rio de Janeiro.
Ethnomusicology 50 (2):287-313, 2006.
ARAUJO JUNIOR, S. M. ; MUSICULTURA, Grupo. A violência como conceito
na pesquisa musical, reflexões sobre uma experiência dialógica na Maré.
Trans (Barcelona), v. 10, p. 7, 2006.
BOURDIEU, P.; PASSERON, J. A reprodução: Elementos para uma teoria do
sistema de ensino. Trad. Reynaldo Bairão. Petrópolis: Vozes, 2008.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. 14ª ed.. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
De Iguassú à Iguaçu: a potencialidade turística da cidade sob uma perspectiva das ciências sociais.
Jeniffer Ferreira de Lemos Silva 1
Fernanda Delvalhas Piccolo 2
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Instituto Federal Rio de Janeiro – Campus Nilópolis, Curso Superior de Tecnologia em Produção Cultural - PET/Conexões de Saberes
em Produção Cultural.
Introdução O movimento denominado turismo é um fenômeno realizado pelo homem em sociedade, dado a partir de um ato de lazer fora de suas respectivas cidadesi. Esta visão está norteada por um pensamento mais econômico do turismo que passou a ser estudado sob um olhar das ciências sociais muito recentemente. A partir de pesquisa bibliográfica e de campo, resultante da proposta de pesquisa selecionada para este ano do Grupo PET/Conexões de Saberes em Produção Cultural, busco discorrer sobre o turismo no município de Nova Iguaçu, localizado na região da Baixada Fluminense, parte da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, visto sob a perspectiva das ciências sociais e levando em consideração um breve histórico da cidade e os aparelhos culturais encontrados nesta e acordo com a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. Palavras-chave: turismo, Nova Iguaçu, ciências sociais. Breve histórico I: grand tours A história do turismo moderno começa no século XVIII com os grand tours, viagens realizadas por membros de famílias aristocratas com o objetivo de vivenciar a cultura do local visitado. O grand tourist surgiu após as modificações resultantes do Iluminismo e da Revolução Industrial na Europa. As viagens de expedições, peregrinação, guerras e conquistas deixam de ser o foco. A viagem era realizada por prazer, contemplando a vivência, o amor à cultura, o grand tourist era
“amante da cultura dos antigos e de seus monumentos, com um gosto exacerbado por ruínas que beirava a obsessão e uma inclinação inusitada para contemplar paisagens com seu olhar armado no enquadramento de amplas vistas panorâmicas, compostas segundo um idioma permeado por valores estéticos sublimesii.
Esta noção de turismo como lazer cresceu após o desenvolvimento do capitalismo baseado na indústria, em oposição ao tempo de trabalho que substituiu o tempo orgânico com a divisão entre tempo de lazer e tempo de trabalho, de acordo com Valéria Salgueiro
“a racionalização do tempo na sociedade capitalista moderna criou uma separação entre lazer e trabalho que o grand tourist desconhecia, até porque não trabalhava, mas que o indivíduo moderno vive como um dado quase “natural” do seu mundo. ”iii
1 Estudante de Graduação 5º. semestre do Curso de CST em Produção Cultural do IFRJ-‐Nilópolis, email: [email protected] 2 Orientador do trabalho. Professora do Curso de CST em Produção Cultural do IFRJ-Nilópolis, Tutora do Grupo PET/Conexões de Saberes em Produção Cultural, email: [email protected]
Destinos como Dresden, Hannover, Calais e Paris estavam entre os principais procurados apesar da dificuldade de locomoção da época, mas o ápice era Roma, caso o grand tourist não chegasse à Roma era considerado inferior aos outros, não tendo “cumprido sua missão” e para isso muitos chegavam a enfrentar grandes riscos para incluir a capital em seu tour. Breve histórico II: Nova Iguaçu
Fundada em 15 de janeiro de 1833 a até então Vila de Iguassú viveu momentos difíceis em seus primeiros anos de fundação. Com a transferência dos pólos de transporte dos rios para a ferrovia a cidade viveu um momento de declínio, chegando a ser extinto e desmembrado entre janeiro de 1833 e dezembro de 1836. A chegada da ferrovia forçou a mudança da capital das margens do Rio Iguassú para o Arraial de Maxambomba, por onde passava o progresso impulsionado pelas plantações de café e a criação do Município de Iguassú, esta mudança ocorreu em 20 de junho de 1891 durante a administração do Governador Portela. Em 1891 a cidade começou a exportar laranjas, fator pelo qual é conhecida até hoje, tendo seu auge dos anos 30 a 1956, quando
[...] a cidade de Nova Iguaçu era chamada de “Cidade Perfume”, porque as laranjeiras, em floração, perfumavam todo o roteiro das ferroviasiv.
A ferrovia que provocou esta modificação no município também foi um dos fatores responsáveis por sua perda de território, começando com a emancipação em 1943 de Duque de Caxias (com São João de Meriti, que se emancipou em 1947), em 1947 de Nilópolis, 1990 Belford Roxo e Queimados, 1998 Japeri (com Engenheiro Pedreira) e 1999 Mesquita. O período entre 1833 e 1835 foi marcado por uma epidemia que assolou toda a região da Baixada, o impaludismo vitimou uma parcela considerável da população, dos que sobreviveram, a maioria dos que sobreviveram deixaram a então Maxambomba. Este êxodo provocou um esvaziamento da Vila de Maxambomba que somente em 1907, com Bernardino José de Souza Junior, então presidente da Câmara foi “restaurada”,
Mandou construir a prefeitura, calçou as ruas do centro da cidade alinhando as mal traçadas, combateu o impaludismo, abriu valas e canais para drenar os rios, fez chegar a luz elétrica. v
Em 1914, Pereira Passos com sua política conhecida como “bota abaixo” derrubando as habitações populares, na maioria coletivas, apontadas como grande foco da disseminação de doenças que assolaram a capital, como a febre amarela, devido às suas condições higiênicas precárias. Esta população acabou se direcionando para as regiões periféricas, entre elas Nova Iguaçu, já que com o advento do trem como meio de transporte não ficariam longe da capital e de seus empregos. Este fator tornou a cidade conhecida como “cidade dormitório”, na qual os moradores que não pertenciam ao local fixaram suas moradias, mas não desenvolveram uma relação de identificação e pertencimento com o local.
Centro de Memória de Nova Iguaçu Como parte da pesquisa de campo, fui à Casa de Cultura de Nova
Iguaçu, onde me recomendaram conhecer o Centro de Memória de Nova Iguaçu. Inaugurado em 20 de janeiro de 2012, era anteriormente administrado pelo Professor Ney Alberto, pesquisador renomado na região da
Baixada, e após seu falecimento à poucos meses, ficou sob responsabilidade de Moduam Matus, poeta. Apresentei a ele a proposta de pesquisa do Grupo PET/Conexões de Saberes em Produção Cultural sobre Turismo na Baixada Fluminense, sendo uma das vertentes da pesquisa o patrimônio histórico-cultural da região me foi apresentada uma lista pertencente ao “Roteiro de visitação aos bens de interesse geo-histórico e artístico existentes no município de Nova Iguaçu” (Alberto, Ney. 2001). O centro de memória possui um acervo fotográfico com imagens tamanho A3 e menores de fachadas de prédios históricos do município, algumas pertencentes à prefeitura, outras a um fotografo que cedeu as imagens ao município e algumas que ainda falta descobrir quem registrou. Entre os patrimônios listados estão as Ruínas da Fazenda São Bernardino, tombada em 26 de fevereiro de 1951. Adquirida por João Julião e Giácomo Gavazzi, a fazenda passou por uma sucessiva degradação tanto do espaço natural, com o desmatamento e patê da floresta local e a derrubada de algumas das palmeiras imperiais, quanto posteriormente o saqueamento de peças datadas da fundação da Fazenda. Em 1980 a Fazenda passou por seu pior golpe,
“um incêndio suspeito terminou por arruinar o pouco que restara da fazenda, que já havia sido saqueada e abandonada aos rigores do tempo e do climavi
Turismo na cidade: um panorama de acordo com a Secretaria
Municipal de Cultura e Turismo De acordo com o site da Prefeitura de Nova Iguaçu os atrativos
turísticos da cidade são divididos em atrações naturais e atrações culturais. As atrações naturais são: A Reserva Biológica do Tinguá, o Parque Municipal, a Serra de Maxambomba e o Parque Botânico de Nova Iguaçu. Já as atrações culturais são: Capela da Posse, Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Marapicu, Capela de Nossa Senhora de Guadalupe (Igreja Velha), Igreja de Santo Antonio da Prata, Fazenda São Bernardino, Hospital de Iguassú, Reservatório de Rio D'Ouro, Antiga estação de Vila de Cava, Antiga Estação Ferroviária de Tinguá e Antiga Estação Ferroviária de Jaceruba. A grande maioria destes monumentos foi tombada pelo IPHAN e foram construídos antes da ocupação recente da cidade, em 1914. A valorização destes aparelhos como turísticos é aparentemente recente e neste primeiro contato a partir das pesquisas de campo e bibliográfica não ficou evidente uma relação de valorização destes espaços como pontos turísticos. Alguns estudiosos apontam que esta não valorização seria devido justamente a não relação de pertencimento da população com o local, fruto de sua formação histórica recente, como exemplificado por Clarissa Gagliardi com a
não apropriação do patrimônio como atrativo turístico, sem uma relação cuidadosa. Essa relação seria devido à falta de identificação da população com tais espaçosvii.
O Turismo tem sido adotado por muitas cidades como uma ótima oportunidade econômica, por vezes sendo vista como “salvação” para algumas economias. Das clássicas cidades visitadas pelos grand tourists às cidades que aproveitaram um potencial natural e o desenvolveram com atrativos culturais, como Málaga,
“o turismo pode ser visto como agente cristalizador de determinadas identidades, reproduzindo um capital simbólico.” viii
É evidente que a valorização da cidade com um potencial turístico depende de uma relação de troca entre população e governantes para que a cidade de Nova Iguaçu, com a predominância recente de uma população operária passe a ser observada também pelo seu potencial turístico e que isso se reflita na preservação destes espaços não só por questões de potencial econômico, mas como parte da memória da cidade.
“Se o turismo não assenta numa relação de pertencimento legítimo da população com as manifestações culturais, abre espaço para que se transformem esses novos atrativos m mercadoria, cujo valor passa pelo seu potencial de comercialização.” ix
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: 1 BARRETTO, Margarita. O imprescindível aporte das ciências sociais para o
planejamento e a compreensão do turismo. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 9, n 20, PP. 15-29, out, 2003.
1 SALGUEIRO, Valéria. Grand Tour: uma contribuição à historia do viajar por prazer
e por amor à cultura. Revista Brasileira de História, vol. 22, nº 44, PP 291, dez, 2002.
1______. Grand Tour: uma contribuição à historia do viajar por prazer e por amor à cultura. Revista Brasileira de História, vol. 22, nº 44, PP 291, dez, 2002. 1 FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nova_Igua%C3%A7u Acessado em: 15/09/2012.
1 PRADO, Walter. História Social da Baixada Fluminense Das sesmarias a foros de cidade. Coleção Novos Rumos, vol. 1, PP 72, 2000.
1 Aranha, Nelson. Fazenda São Bernardino. UFF. Disponível em <
http://www.historia.uff.br/curias/modules/tinyd0/content/texto004.pdf > Acessado em 19/09/2012.
1 GAGLIARD, Clarissa. As Cidades do meu Tempo - Turismo, História e patrimônio
em Bananal. Annablume, 2012. 1 ______. As Cidades do meu Tempo - Turismo, História e patrimônio em Bananal.
Annablume, 2012. 1______. As Cidades do meu Tempo - Turismo, História e patrimônio em Bananal.
Annablume, 2012.
BIBLIOGRAFIA:
ALBERTO, Ney. Roteiro de visitação aos bens de interesse geo-histórico e artístico existentes no município de Nova Iguaçu. 2001. ARANHA, Nelson. Fazenda São Bernardino. UFF COSTA, Flávia Roberta. O Turismo Cultural. Turismo e Patrimônio Cultural: interpretação e qualificação. São Paulo, PP 37 – 76, Editora Senac São Paulo: Edições SESC SP, 2009. BARRETTO, Margarita. O imprescindível aporte das ciências sociais para o planejamento e a compreensão do turismo. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 9, n 20, PP. 15-29, out, 2003. GAGLIARDI, Clarissa. As Cidades do meu Tempo - Turismo, História e patrimônio em Bananal. Annablume, 2012. PRADO, Walter. História Social da Baixada Fluminense Das sesmarias a foros de cidade. Coleção Novos Rumos, vol. 1, PP 72, 2000. QUEIROZ, Françoise. A (re) Criação da Cidade de Málaga em Destino Cultural Urbano. Revista Destinos, ano 2 nº 2, PP 84 – 85, Nova Iguaçu, 2012.
SALGUEIRO, Valéria. Grand Tour: uma contribuição à historia do viajar por prazer e por amor à cultura. Revista Brasileira de História, vol. 22, nº 44, dez, 2002. SOUZA, Nathália Carolina Silva de. Revista Destinos, ano 2 nº 2, PP 84 – 85, Nova Iguaçu, 2012.
Gestão e políticas culturais
RESIDENCIAS ARTÍSTICAS COMO POLÍTICA PÚBLICA: UM MAPA DO
PREMIO INTERAÇÕES ESTÉTICAS NA REGIÃO NORDESTE (2010)
Ana Vasconcelos3
Resumo: discutir e analisar a importância da residência artística enquanto política pública no atual contexto da produção cultural brasileira. Para isso, iremos realizar um mapeamento do Prêmio Interações Estéticas – residências artísticas em pontos de cultura, edital realizado através da parceria entre a Funarte e a Secretaria de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura, que fomenta projetos nas diferentes linguagens artísticas em todas as regiões do país tendo como foco a criação e experimentação no fazer artístico. Palavras-chave: residências artísticas, política pública, Funarte, Ministério da Cultura.
1. Introdução: a importância do mapeamento
As metas do Plano Nacional de Cultura, recentemente aprovadas após ampla
consulta popular, tem apontado para a necessidade de construirmos instrumentos
eficazes de acompanhamento e avaliação das políticas públicas em suas diferentes
linguagens e segmentos.
No Plano, das 53 metas a serem alcançadas até 2020, cabem à Funarte o
cumprimento de metas que irão contribuir significativamente para a democratização
do acesso à cultura, através de atividades de fomento à produção, difusão e consumo
de bens e serviços de arte e cultura. Vale destacar entre o conjunto de metas:
“Meta 22) Aumento em 30% no número de municípios brasileiros com grupos em atividade nas áreas de teatro, dança, circo, música, artes visuais, literatura e artesanato
3 Administradora Cultural na Fundação Nacional de Artes desde 2008. Mestre em História (UFF) e Especialista em Gestão de Políticas Culturais (UNB). Email: [email protected]
Meta 24) 60% dos municípios de cada macrorregião do país com produção e circulação de espetáculos e atividades artísticas e culturais fomentados com recursos públicos federais Meta 25) Aumento em 70% nas atividades de difusão cultural em intercâmbio nacional e internacional Meta 43) 100% das Unidades da Federação (UF) com um núcleo de produção digital audiovisual e um núcleo de arte tecnológica e inovação”4
Assim, como apontou a ministra Ana de Hollanda5 - tendo como base as três
dimensões complementares: a cultura como expressão simbólica; como direito de
cidadania; e como campo potencial para o desenvolvimento econômico com
sustentabilidade - o Plano Nacional de Cultura significa sustentabilidade e
planejamento de longo prazo para a construção das políticas culturais.
Desta forma, a gestão da administração pública deve estar atenta às
ferramentas de planejamento e avaliação que irão colaborar para um desempenho
mais eficiente, eficaz e efetivo das políticas públicas.
Segundo Cunha (2006) 6 , a avaliação pode subsidiar o planejamento e
formulação das intervenções governamentais, o acompanhamento de sua
implementação, as reformulações e as decisões sobre a manutenção ou interrupção
das ações. Configura-se, portanto, em um instrumento para melhoria da eficiência do
gasto público, da qualidade da gestão e do controle sobre a efetividade da ação do
Estado, e para divulgação dos resultados de governo. A avaliação possui ainda
aspectos qualitativos relacionados ao julgamento sobre o valor das intervenções
governamentais por parte dos avaliadores e dos usuários ou beneficiários.
Ao mesmo tempo, o interesse pela avaliação levou imediatamente à
preocupação com a efetividade, ou seja, aferição dos resultados esperados e não
esperados alcançados pela implementação de um programa. Ao lado disto, analisar o
processo pelo qual os programas alcançaram ou não seus resultados, discutir sobre a
aprendizagem organizacional das instituições públicas e suas atividades, a tomada de
decisão em torno da continuidade ou não dos programas, transparência, qualidade e
4 BRASIL, Ministério da Cultura, Metas do Plano Nacional de Cultura. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2011/12/Vers%C3%A3o_Final_MetasPNC.pdf Acesso em 16/04/2012. 5 Idem 2. 6 CUNHA, Carla Giane Soares da. Avaliação de Políticas Públicas e Programas Governamentais: tendências e experiências no Brasil. Trabalho elaborado durante o curso The theory and operation of a modern national economy, ministrado na George Washington University, no âmbito do Programa Minerva, em 2006.
accountability se configuraram em fatores determinantes para o interesse social e da
administração.
A avaliação de políticas públicas como ferramenta de gestão, disponibilizando
informações precisas para a rearticulação ou correção das ações, deve ser percebida
como item prioritário nas instituições, a fim de assegurar não somente o controle do
gasto público mas sobretudo a eficiência dos programas e projetos voltados para a
sociedade.
A avaliação é ainda importante fator de controle social, posto que por meio
dela o cidadão pode acompanhar e monitorar de que forma os recursos públicos estão
sendo alocados, possibilitando assim cobrar resultados e cumprimento de metas.
Assim, no âmbito do atual cenário das políticas públicas de cultura, a
elaboração de mapeamentos se mostra um mecanismo estratégico de avaliação dos
programas, transparência e controle social das ações, bem como de acompanhamento
das metas Plano Nacional de Cultura.
2. Residências artísticas no Nordeste
2.1 O conceito
A criação e fortalecimento de diferentes espaços voltados para a realização de
residências artísticas espalhadas pelo mundo nos mostra o importante papel que este
tipo de experiência tem ocupado no atual cenário da produção das artes
contemporâneas.
Segundo Moraes (2009)7, há variadas formas de se pensar a residência
artísticas. Uma delas seria a necessidade de buscar maneiras de experimentar e
vivenciar o mundo em que nos relacionamos, marcado pela mobilidade, globalização
e afirmação do lugar como forma de marcar esta transitoriedade. Uma segunda
possibilidade de se pensar a residência seria como nova forma de inserção no circuito
artístico, oferecendo novos espaços de formação, criação, produção, difusão e
reflexão no campo da cultura.
7 MORAES, Marcos José Santos. Tese de doutorado “Residência artística: ambientes de formação, criação e difusão” apresentada ao Programa de Pós-graduação da Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, 2009.
Ao mesmo tempo, as residências artísticas devem ainda ser analisadas a partir
de suas relações com os modos de produção e sua inserção no meio urbano e reflexão
sobre a cidade. Há também uma dimensão política e ética de criar deslocamento, com
trocas e participação fazendo parte do processo de formação e desenvolvimento
criativo.
Neste sentido, dois conceitos estão diretamente relacionados à idéia de
residência artística: tempo e espaço. O primeiro deles, o tempo, é importante pois ao
se colocar uma outra dimensão de tempo à disposição do artista, retirando-o de seu
ritmo habitual a partir do deslocamento, proporciona-se a ele um outro olhar sobre seu
trabalho. No segundo caso, o espaço torna-se único a partir de novas perspectivas de
ação. De acordo com Moraes “a idéia fundamental é que um artista disponha de um
espaço, de um tempo diferente do que ele habitualmente tem para se dedicar a sua
atividade... É como deslocá-lo no tempo e espaço e inseri-lo em outro contexto.” 8
Dessa forma, pensar a residência artística como um processo de criação e
experimentação, baseado neste deslocamento para um espaço e tempo diferentes
daquele no qual o artista até então se inseria, leva a refletir sobre a importância da
residência para a formação e compartilhamento da arte enquanto conhecimento e
experiência.
A residência passa a ser um espaço singular onde o artista pode pensar sobre
sua própria arte, discuti-la, vivencia-la e recriá-la em suas múltiplas possibilidades no
contato com o novo, diferente e diverso. De maneira natural, seu sentido e percepções
artísticas serão desconstruídas neste processo de formação.
Em meio a este cenário, o “compartilhar” ganha um sentido de somar e perder,
dividir e multiplicar saberes, olhares, sensações e experiências do artista com ele
mesmo, dele com os atores a sua volta, do artista com o contexto política, social,
econômico, simbólico e cultural no qual ele está se relacionando.
Paralelo a este processo, temos o surgimento de redes de residência artística
como a Res Artis Worldwiide Network of Arts Residencies9 que reúne cerca de 400
centros em 70 países com objetivo de oferecer a artistas, curadores e demais
profissionais criativos espaço para experiências em diferentes contextos geográficos e
culturais. A Res Artis possibilita ainda a troca de informações, a divulgação e difusão
dos processos criativos construídos durante as residências. 8 Idem ,p.30 9 Sobre a Res Artis, ver http://www.resartis.org/en/
Neste sentido, a residência artística compreendida enquanto espaço de criação
e experimentação que proporciona o deslocamento, a troca, a difusão e o
compartilhamento tem se configurado em um estratégico mecanismo de política para
o fomento no campo das artes.
2.1.Mapa do Interações Estéticas no Nordeste em 2010
Em 2008, o Prêmio Interações Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de
Cultura, resultado da parceria entre a Fundação Nacional de Artes e a Secretaria de
Cidadania Cultural (SCC) do Ministério da Cultura, surgiu com o objetivo de conectar
a produção dos pontos de cultura com artistas de diversos segmentos, experiências e
referências importantes do panorama cultural brasileiro. Naquela ocasião, foram
contemplados 93 projetos nas diferentes regiões do país, sendo 36 deles no Nordeste.
De acordo com aquele edital,
O Prêmio Interações Estéticas - Residências Artísticas em Pontos de Cultura objetiva apoiar o intercâmbio cultural e estético entre artistas do campo da Arte Contemporânea e a rede de Pontos de Cultura por meio da realização de projetos de residências artísticas, potencializando aquelas instituições como espaços de experimentação e de reflexão crítica10.
No ano seguinte, o edital avançou trazendo a conceituação da natureza dos
projetos de residência artística e de interações estéticas:
“1.2.1. – Os projetos de residência artística consistem no deslocamento do artista para um outro contexto cultural com o objetivo de desenvolver um processo de criação artística associada à troca de experiências, linguagens, conhecimentos e realidades com produção realizada em Ponto de Cultura escolhido durante o período de três ou seis meses, potencializando assim, os Pontos de Cultura como um espaço de experimentação estética. 1.2.2. Entende-se por interações estéticas o conjunto de interações/experiências do artista com o Ponto de Cultura nos diferentes segmentos e realidades no campo da arte que se realiza num processo colaborativo entre artista e os membros dos Pontos de Cultura.”11
No ano de 2010, deu-se continuidade à proposta de intercâmbio entre artistas e
pontos de cultura. Como diferencial em relação às edições anteriores, aqueles que se
10 FUNARTE. Edital Prêmio Interações Estéticas - Residências Artísticas em Pontos de Cultura, publicado no Diário Oficial da União, seção 1 em 28 de agosto de 2008, p 01. 11 FUNARTE. Edital Prêmio Interações Estéticas - Residências Artísticas em Pontos de Cultura, publicado no Diário Oficial da União, seção 1 em 30 de junho de 2009, p 01.
inscrevessem nas categorias C e abrangência nacional, cujo valor eram R$ 50 mil e
R$ 90 mil reais respectivamente, teriam de obrigatoriamente realizar seu projetos,
caso contemplados, fora de sua região de residência. Os objetivos desta mudança
eram possibilitar uma maior circulação da produção do artista, viabilizar a
participação de um maior número de pontos de cultura e sobretudo, provocar a
construção de um espaço de troca e intercâmbio entre diferentes culturas.
Assim, ao analisarmos os dados referentes à edição do ano de 2010 sobre o
deslocamento dos artistas conforme as Gráficos 2.1 e 2.1., podemos perceber que os
Estados onde há maior concentração de premiados foram Bahia, São Paulo e Rio de
Janeiro. Ao mesmo tempo, é possível observar que assim como nas edições de 2008 e
2009, os Estados nos quais houve o desenvolvimento das residências foram Bahia e
Pernambuco. E entre os Estados do nordeste, somente Alagoas não recebeu nenhuma
residência artística.
GRÁFICO 2.1
Fonte: elaboração da própria autora. Funarte/Cepin, 2012.
GRAFICO 2.2
Series1, BAHIA, 12
Series1, CEARA, 5
Series1, DISTRITO FEDERAL, 1
Series1, MARANHÃO,
2
Series1, PARAÍBA, 1
Series1, PERNAMBUC
O, 5
Series1, RIO DE JANEIRO, 6
Series1, RIO GRANDE DO NORTE, 2
Series1, SÃO PAULO, 8
Series1, SERGIPE, 1
Estado de origem do premiado
Fonte: elaboração da própria autora. Funarte/Cepin, 2012.
Tal situação nos aponta para a necessidade de ampliar o alcance do edital
através de uma divulgação mais eficiente e principalmente, da construção de uma
articulação mais efetiva entre as esferas federal, estadual e municipal na execução das
políticas públicas de cultura.
Cabe destacar que o deslocamento do artista se constitui, possivelmente, na
chave mestra do processo de residências artísticas, já que o conecta à diferentes
formas de produção cultural, alterando a maneira como o artista pensa sua arte e seu
papel na sociedade. Segundo Moraes (2009),
“a residência artística como um espaço específico de criação, como o lugar do artista em deslocamento permite repensar a dimensão da produção e sua relação com o onde a arte é produzida... É possível apreender dessa afirmação, a relevância das trocas, que se dá em residência- pelo convívio em comunidade – o que se torna, dessa forma, relevante para pensar sua relação com os processos de formação artística”12 Um mapeamento deste edital deve levar em consideração também o retrato
dos projetos no que se refere às linguagens artísticas contempladas e quadro de
formação dos artistas premiados nos Gráficos 2.3. e 2.4, 2.5 respectivamente.
GRÁFICO 2.3
12 MORAES, Marcos José Santos. Tese de doutorado “Residência artística: ambientes de formação, criação e difusão” apresentada ao Programa de Pós-graduação da Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, 2009.
Series1, PERNAMBUC
O, 11
Series1, CEARÁ, 9
Series1, BAHIA, 11
Series1, RIO GRANDE DO NORTE, 3
Series1, MARANHÃO,
4
Series1, PARAÍBA, 3
Series1, PIAUÍ, 2
Series1, SERGIPE, 1
Estados de realização dos projetos
Fonte: elaboração da própria autora. Funarte/Cepin, 2012.
Como o universo dos projetos que trabalham com artes integradas é bastante
considerável dentro da totalidade dos premiados, vale observar quais linguagens
artísticas estão mais presentes nessa relação entre as artes. E neste ponto, percebemos
a importância das artes visuais e das artes cênicas.
GRÁFICO 2.4
Series1, ARTES CÊNICAS, 13
Series1, ARTES VISUAIS, 7
Series1, MÚSICA, 5
Series1, ARTES INTEGRADAS,
13
Series1, ARTE DIGITAL, 2
Series1, AUDIOVISUAL,
3
LINGUAGENS ARTÍSTICAS
ARTES INTEGRADAS
Fonte: elaboração da própria autora. Funarte/Cepin, 2012.
GRÁFICO 2.5
Fonte: elaboração da própria autora. Funarte/Cepin, 2012.
Sobre o perfil dos artistas premiados, este retrato da formação acadêmica nos
aponta para o elevado grau de qualificação e das inúmeras possibilidades que o
diálogo entre o saber construído nas universidades e o elaborado nas ruas,
comunidade e pontos de cultura pode agregar à arte contemporânea. Vale destacar que
entre aqueles que fizeram mestrado, todos foram realizados na área de artes (teatro,
dança e cinema), sendo dois deles na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e outro
em Londres. O único título de doutorado foi obtido por uma premiada na área de
comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP) e atualmente, ela atua como professora dos cursos de pós e graduação em dança
da UFBA, bailarina e coreógrafa. Assim, além percebermos a grande concentração da
realização dos projetos na Bahia, temos ainda uma relação de proximidade
considerável com a UFBA, o que vem acontecendo desde a primeira edição do edital
em 2008.
3. A residência e seus desdobramentos na rede
Series1, ENSINO MÉDIO, 2
Series1, GRADUAÇÃO,
19
Series1, POS GRADUAÇÃO LATO SENSO,
5
Series1, MESTRADO, 3
Series1, DOUTORADO,
1
Series1, NÃO ALFABETIZAD
O, 0
Series1, NÃO INFORMADO,
11
PerAil do artista premiado
A economia criativa está pautada nos ativos criativos, que potencialmente se
configuram em geradores de crescimento socioeconômico. Nos países em
desenvolvimento, a economia criativa é fonte de criação de empregos, novas
oportunidades, podendo ser utilizada também como ferramenta para promoção da
inclusão social. Como mostrou Reis (2008), no que se refere à criatividade,
“Para transformar um ingrediente tão farto em resultados e arranjos institucionais que configuram a economia criativa, é preciso que outras condições sejam garantidas, do amplo acesso à infra-estrutura de tecnologia e comunicações ao reconhecimento do valor do intangível embutido nos bens criativos, passando pela reorganização da arquitetura institucional entre os agentes públicos, privados e do terceiro setor.”
No novo cenário cultural, a criatividade passa a ser vista como recurso básico
de uma economia pautada por uma nova arquitetura de relações e modelos. Como
catalisadores da economia criativa, é interessante destacar o impacto das novas
tecnologias de comunicação e a valorização econômica da intangibilidade cultural.
A economia criativa exerce ainda um outro papel: unir em rede diferentes
setores da sociedade por um processo impulsionado por multistakeholders, tanto do
setor público como do privado, mesmo que com interesses distintos. Segundo Elias
(1994)13:
“nem a totalidade da rede nem a forma assumida por cada um de seus fios podem ser compreendidas em termos de um único fio, ou mesmo de todos eles, isoladamente considerados; a rede só é compreensível em termos da maneira como eles se ligam... essa ligação origina um sistema de tensões para o qual cada fio isolado concorre, cada um de uma maneira diferente, conforme seu lugar e função na totalidade da rede. A forma do fio individual se modifica quando se alteram a tensão e a estrutura da rede inteira. No entanto essa rede nada é além de uma ligação de fios individuais; e, no interior do todo, cada fio continua a constituir uma unidade em si, tem uma posição e uma forma singulares dentro dele.”
Os circuitos culturais que se formam associam agentes culturais e instituições
e organizam fluxo de eventos articulados que incluem produção, transmissão e
recepção de conteúdos culturais. A política pública deve, portanto, ser capaz de
13 ELIAS, Norbert. Sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994 – p. 35.
“incentivar, multiplicar, consolidar e reconhecer circuitos culturais, articulando-os e
coordenando-os em diferentes escalas”14.
Assim, as residências artísticas aparecem como potencializadoras de um
cenário marcado pela criatividade, diversidade e múltiplos atores das diferentes
esferas da sociedade. Nos contemplados pelo Prêmio Interações Estéticas na região
Nordeste em 2010, os dados do Gráfico 3.1 nos mostram a articulação entre governo
federal, estadual, municipal, Sistema S, terceiro setor e iniciativa privada no apoio aos
projetos. Este cenário vem reafirmar a importância do Sistema Nacional de Cultura
para a construção de políticas culturais mais eficazes e sustentáveis que agreguem
maior valor não somente aos artistas mas também à sociedade de forma geral.
GRÁFICO 3.1
Fonte: elaboração da própria autora. Funarte/Cepin, 2012.
14 IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Avaliação do Programa Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva. 2009. Disponível em: http//www.redenoticia.com.br/noticia/?p=11398.Acesso em 10/mai./2010.
Series1, INICIATIVA PRIVADA, 12
Series1, MUNICÍPIO,
15
Series1, ESTADO, 5
Series1, SISTEMA S, 1
Series1, UNIVERSIDA
DE, 1
Series1, TERCEIRO SETOR, 12
Series1, OUTROS
FEDERAL, 2
Series1, NÃO RECEBEU, 17
Series1, NÃO INFORMOU, 2
TIPO DE APOIO RECEBIDO
Paralelo a este cenário temos na Tabela A uma média de profissionais
envolvidos diretamente, como contratos ou voluntários, na execução dos projetos.
Podemos observar que a média de profissionais não está relacionada à categoria do
prêmio e consequentemente ao valor recebido pelo artista, e nem mesmo à duração do
desenvolvimento das atividades15.
TABELA A
MÉDIA DE PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS NOS PROJETOS
CATEGORIAS DE
PREMIAÇÃO
Nº PROJETOS
PREMIADOS N DE
PROFISSIONAIS
ENVOLVIDOS
MÉDIA
CATEGORIA 3A 14 92 6,5
CATEGORIA 3B 24 218 9,1
CATEGORIA 3C 6 33 5,5
TOTAL 46 343 7,5
Fonte: elaboração da própria autora. Funarte/Cepin, 2012.
Cabe aqui ressaltar como estudo de caso, o projeto “Samba, coco e gravura em
xilo estampa” do artista Elias Santos - realizado em Barra do Coqueiros/SE, realizado
no ponto de cultura Samba de coco: história, tradição e resistência. O projeto tinha
como objetivo desenvolver oficinas de xilogravura associada a uma oficina de corte e
costura, tendo como resultado a produção de artesanato com estampagem de xilo
sobre tecido para confecção de bolsas visando ampliar as possibilidades do uso dessa
arte, valorizar as manifestações culturais e proporcionar novos meios de geração de
renda para o grupo folclórico do ponto de cultura e a comunidade em geral,
colaborando dessa forma para a elevação da auto-estima das pessoas beneficiadas16.
Tendo como foco capacitação; estímulo à economia criativa do local; geração
de renda pela cultura em conexão com as artes visuais, o projeto beneficiou
diretamente cinquenta pessoas, sendo trinta e cinco estudantes de escolas públicas
(vinte crianças, quatorze jovens, um adulto) nas oficinas de xilogravura; quinze 15 Os artistas contemplados na categoria 3ª recebiam R$ 15 mil (quinze mil reais) como prêmio, na categoria 3B, R$ 25 mil (vinte e cinco mil reais) e na categoria 3C, R$ 50 mil (cinqüenta mil reais). O tempo de duração dos projetos era três meses nas duas primeiras categorias e seis meses na última. 16 SANTOS, Elias. Projeto “Samba, coco e gravura em xilo estampa” contemplado pelo Edital Prêmio Interações Estéticas- Residências Artísticas em Pontos de Cultura 2010, Nordeste, categoria 3B.
mulheres (sete jovens, oito adultos entre dezesseis e cinquenta anos) nas oficinas de
corte e costura, todos ligados aos grupos culturais do samba de coco.
Havia nove pessoas diretamente envolvidas com a execução do projeto. Além
do artista residente, outras oito com idade entre vinte e três e cinquenta e dois anos,
sendo sete contratados e dois voluntários que desempenhavam diferentes funções (três
professores; uma coordenadora geral; um fotógrafo; dois monitores; um designer; um
coordenador do ponto de cultura). Entre os nove participantes havia dois graduandos;
quatro graduados; dois com ensino médio completo; um técnico de informática.
Como resultado, além das oficinas realizadas, foram produzidos um desfile
com as dançarinas do Samba de Coco e alunas do curso de corte e costura; uma
exposição das xilogravuras elaboradas nas oficinas; e um DVD com registro. O
projeto recebeu apoio da iniciativa privada e do município de Barra dos Coqueiros.
Neste sentido, pode-se notar que os projetos de residência artística possuem
uma conexão direta com as redes de economia criativa, uma vez que envolvem um
grupo considerável de profissionais, promovem a capacitação nas diferentes
linguagens artísticas aliando arte e geração de renda, e fazem o elo entre a
universidade e a arte dita popular, produzindo uma criatividade singular a partir deste
diálogo.
4. Considerações Finais
A construção de mecanismos de avaliação, acompanhamento e controle das
políticas públicas é fundamental para sua efetividade e eficácia. Ao mesmo tempo, a
participação social deve ser ativa na construção e na responsabilidade sobre o alcance
dos resultados. Para isso, a transparência na administração é peça chave deste
processo.
Neste sentido, lançar o olhar sobre a residência artística enquanto política
pública significa avaliar os processos e resultados de uma ação que visa fomentar a
criação e experimentar em arte. Observar as várias conexões deste tipo de fomento,
leva a analisar também as trocas simbólicas e culturais, e a abertura do universo de
possibilidades a partir do encontro entre o diferente e inusitado.
Este cenário pode ser notado no relato da Caroline Ladeira, uma das premiadas
do Edital Interações Estéticas em 2010, no documentário resultante de sua residência.
Integrante do Grupo Quinteto Colonial de Campinas, São Paulo, Caroline
desenvolveu um projeto cujo objetivo era promover um diálogo sonoro com
instrumentos de origem européia e norte-americanos com africanos e promover a
troca de conhecimentos de técnicas vocais populares através da fusão de diferentes
formas de perceber a música e a relação entre os grupos Bongar (Olinda/PE) e
Quinteto Colonial (Campinas/SP). Segundo ela:
“O grande desafio do trabalho era colocar grupos tão diferentes pra conversar. Então você tem o Quinteto e o Bongar que são dois grupos que vem de universos musicais, de referências muito diferentes. E como é que a gente pegava essas diferenças e usava a nosso favor, usava para o diálogo? E juntos a gente fazia uma terceira coisa, que nem o Quinteto faria sozinho e nem o Bongar faria sozinho”17.
Assim, podemos considerar dois pontos principais sobre as residências
realizadas pelos projetos contemplados pelo Prêmio Interações Estéticas na região
Nordeste em 2010. O primeiro deles é sobre a residência artística como
potencializadora de experiências que se desdobram e são compartilhadas na rede em
múltiplas oportunidades para o artista em diálogo com sua arte, dele com a
comunidade a sua volta e com a percepção desta sobre a arte construída. Estes
encontros, portanto, levam à reflexão sobre a arte e nossa diversidade cultural.
O segundo ponto trata da ligação entre rede, residência e economia criativa,
uma vez que esta rede se desdobra em múltiplas experimentações ligadas à economia
criativa, passando a arte a ser também percebida como geradora de emprego e renda,
a partir da relação entre governos federal, estadual, municipal, terceiro setor e
cidadãos.
Portanto, certa de que “não há nada de errado, ou de pura especulação, no
pensar a área cultural como passível de uma efetiva política cultural”18, considero que
a residência artística compreendida como política pública de fomento à criação e
experimentação artística, valorização da diversidade e encontro entre saberes e
práticas culturais distintas, terá um papel de destaque neste novo cenário pautado pelo
Sistema Nacional de Cultura e o Plano Nacional de Cultura.
17 Ladeira, Caroline. Depoimento no documentário interações Estéticas- Quinteto Colonial e Grupo Bongar, 2011, material resultante do projeto Diálogos no terreno das tradições, aprovado pelo Edital Prêmio Interações Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de Cultura 2010, Região Nordeste, categoria 3B. 18 BOTELHO, Isaura. Romance de formação: Funarte e política cultural, 1976-1990. Rio de Janeiro: Ed. Casa de Rui Barbosa, 2000, p. 266.
5. Bibliografia BOTELHO, Isaura. Romance de formação: Funarte e política cultural, 1976-1990.
Rio de Janeiro: Ed. Casa de Rui Barbosa, 2000.
BRASIL, Ministério da Cultura, Metas do Plano Nacional de Cultura. Disponível em:
http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2011/12/Vers%C3%A3o_
Final_MetasPNC.pdf Acesso em 16/04/2012.
CUNHA, Carla Giane Soares da. Avaliação de Políticas Públicas e Programas
Governamentais: tendências e experiências no Brasil. Trabalho elaborado durante o
curso The theory and operation of a modern national economy, ministrado na George
Washington University, no âmbito do Programa Minerva, em 2006.
ELIAS, Norbert. Sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
FUNARTE. Edital Prêmio Interações Estéticas- Residências Artísticas em Pontos de
Cultura, publicado no Diário Oficial da União, seção 1 em 28 de agosto de 2008.
_________. Edital Prêmio Interações Estéticas- Residências Artísticas em Pontos de
Cultura, Imprensa Nacional. Publicado no Diário Oficial da União, seção 1 em 30 de
junho de 2009.
IPEA. Avaliação do Programa Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva. 2009.
Disponível em: http//www.redenoticia.com.br/noticia/?p=11398.Acesso em
10/mai./2010.
LADEIRA, Caroline. Depoimento no documentário “Interações Estéticas- Quinteto
Colonial e Grupo Bongar”, 2011, material resultante do projeto Diálogos no terreno
das tradições, aprovado pelo Edital Prêmio Interações Estéticas – Residências
Artísticas em Pontos de Cultura 2010, Região Nordeste, categoria 3B.
MORAES, Marcos José Santos. Tese de doutorado “Residência artística: ambientes
de formação, criação e difusão” apresentada ao Programa de Pós-graduação da
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, 2009.
SANTOS, Elias. Projeto “Samba, coco e gravura em xilo estampa”. Salvador [s.n.],
2010, contemplado pelo Edital Prêmio Interações Estéticas- Residências Artísticas em
Pontos de Cultura 2010, Nordeste, categoria 3B.
Gestão e Produção Cultural na Bahia19
Adriana Santana e Caio Cruz20
Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA
Resumo: O projeto Gestão e Produção Cultural na Bahia visa registrar as
experiências de profissionais da área cultural no estado da Bahia, através de
entrevistas em texto e depoimentos em vídeo que serão disponibilizados em
uma plataforma online. Tendo como referência o projeto multimídia Produção
Cultural no Brasil (http://www.producaocultural.org.br/), surgiu como uma
atividade prática do curso de Produção em Comunicação e Cultura da
Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia
(Facom/UFBA).
Palavras-Chave: Bahia; Gestão Cultural; Produção Cultural; Reflexão;
Entrevistas.
Introdução O projeto Gestão e Produção Cultural na Bahia surgiu em 2012 como uma
atividade prática da disciplina Oficina de Gestão Cultural, ministrada pela
Profa. Dra. Gisele Marchiori Nussbaumer, no curso de Produção em
Comunicação e Cultura da Faculdade de Comunicação da Universidade
Federal da Bahia (Facom/UFBA). A atividade tem como referência o projeto
multimídia Produção Cultural no Brasil, promovido pela Secretaria de
Políticas Culturais do Ministério da Cultura (MinC), que disponibilizou o
conteúdo de 100 entrevistas em vídeo com cerca de seis minutos realizadas
com produtores, gestores, artistas e profissionais envolvidos com a produção
da cultura no Brasil. Foi criado um website
(http://www.producaocultural.org.br/) para disponibilizar o conteúdo produzido
19 O trabalho foi desenvolvido pelos seguintes estudantes de Produção em Comunicação e Cultura (Facom/UFBA), orientados pela professora Gisele Nussbaumer: Adriana Alves Santana, Adriana Silva, Ana Carolina Alves, Ana Gonzales, Ana Luisa Bastos, Anderson Bispo dos Santos, Caio Amaral da Cruz, Eduardo Santos Mafra, Filipe Santana, Flávia Santana, Marília Silva de Moura, Marlon Sousa, Rogério Menezes e Tatiana Albertazzi. 20 Estudantes responsáveis pela inscrição do resumo no II Encontro Nacional de Produção Cultural.
pelo projeto e publicados cinco livros contendo as entrevistas, disponíveis
para download no site. O projeto se esforçou ainda em fomentar discussões a
respeito da produção e gestão cultural no Brasil através de redes sociais.
Foram mais de seiscentos minutos de conversas registradas em vídeo, sendo
todo material licenciado em Creative Commons.
Tendo em vista que a área cultural no Brasil ainda é pouco pesquisada em
sua totalidade, entende-se que a difusão de experiências de produtores e
gestores culturais serve como material prático para estudos e pesquisas da
área de produção cultural. A Bahia é reconhecida por ser um estado com
uma intensa dinâmica cultural e um cenário no qual atuam artistas,
produtores e gestores culturais com trajetórias interessantes e relevantes
para o desenvolvimento do campo. Nesse contexto, o projeto Gestão e
Produção Cultural na Bahia se propõe a registrar a trajetória, opiniões e
relatos das experiências desses profissionais e compartilhá-los com o intuito
de construir uma memória do trabalho das pessoas que movimentam a
cultura na Bahia, difundir o material produzido, disponibilizando-o online, e,
dessa maneira, contribuir para a formação de produtores e gestores culturais.
O fato de o projeto ter surgido no curso de Produção em Comunicação e
Cultura da UFBA torna a iniciativa ainda mais pertinente, pois os principais
envolvidos em sua realização são os futuros profissionais da área da cultura,
que estão em processo de formação. Assim, o Gestão e Produção Cultural
na Bahia aproxima os estudantes da realidade daqueles que atuam nas mais
diversas áreas do setor, ao tempo em que produz e disponibiliza conteúdos
para pesquisadores e estudiosos.
Entrevistar e registrar as experiências de personalidades atuantes da cultura
baiana é uma forma de conhecer as singularidades do campo cultural no
estado e saber como essa área tem se desenvolvido ao longo do tempo,
observando suas intrínsecas relações com o Estado, à iniciativa privada e a
sociedade como um todo. Esses relatos também possibilitarão perceber
como as políticas públicas para a cultura dialogam e são avaliadas por
profissionais diretamente envolvidos com a produção cultural do estado. O
crescimento do setor cultural brasileiro aponta para a necessidade de
profissionalização e especialização das funções desempenhadas no campo
da cultura. Nesse cenário, o gestor é aquele que pensa o processo para
tornar o trabalho sustentável, atuando em rede com os artistas, o Poder
Público, os espaços culturais, as empresas patrocinadoras e o público.
Pensando nessas relações, este projeto traz reflexões sobre gestão cultural
para o âmbito local/estadual e supre a necessidade de fomentar discussões
sobre o tema, através das opiniões e das experiências consolidadas de
personalidades da área.
Gestão Cultural A gestão cultural se refere a “um conjunto de ações de uma organização –
pública ou privada – destinado a atingir determinados objetivos que foram
planejados e – supõe-se – são desejados pela organização” (SARAVIA,
2008, p. 1). A gestão é da ordem da implementação de planos e projetos,
alocação de recursos diversos (humanos, financeiros, físicos e tecnológicos)
e do empenho da criatividade e versatilidade para resolver conflitos e atingir
diferentes objetivos. A definição se aplica de modo geral à noção de Gestão,
que se impõe com sinônimo para Administração, mas a gestão aplicada à
cultura ganha características específicas.
O profissional que atua no segmento é um mediador entre o artista e sua
obra e a audiência e o mercado. Tomando como base pesquisa realizada
pelo Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP) em 1999,
Avelar (2008), elenca as habilidades fundamentais que um administrador
cultural deve possuir para exercer a função. A versatilidade é apresentada
como um dos principais atributos ao trabalho, tanto do produtor quanto do
gestor cultural, justamente por este constante diálogo entre esferas
diferenciadas. Lidar com artistas ou patrocinadores exige posturas
diferenciadas e o desafio do trabalho está no desenvolvimento da capacidade
de alternar estas posturas.
Muitas vezes as funções de produtor e gestor cultural são confundidas. No
Brasil, o termo “produtor” ganhou popularidade e acabou predominando.
Alguns estudiosos afirmam que é importante que o profissional atue nas duas
frentes, enquanto outros acreditam que as tarefas desse dois profissionais
são divergentes. O produtor cultural é entendido como o profissional que cria
e administra eventos e projetos culturais, enquanto o gestor assume a
administração de grupos e instituições culturais. Ambos preocupam-se em
intermediar as relações dos artistas e demais profissionais da área com o
poder público, empresas patrocinadoras e público consumidor. O gestor
cultural pode assumir ainda a administração cultural de empresas privadas,
órgãos públicos e organizações não governamentais (AVELAR, 2008). A
tendência à especialização do trabalho na área já é evidente, sendo cada vez
mais raro o profissional que opte por atuar nos diversos elos da cadeia
produtiva. Cursos de produção e gestão – sejam eles de extensão, técnicos,
graduação, mestrado ou doutorado – são oferecidos com regularidade, o que
implica numa crescente qualificação dos profissionais.
Metodologia Entre abril e junho de 2012, estudantes do sétimo semestre do curso de
Produção em Comunicação e Cultura entrevistaram onze personalidades da
área cultural da Bahia, abordando questões relacionadas ao setor em âmbito
local e nacional. Esta primeira etapa do projeto contou com os seguintes
entrevistados: Albino Rubim (pesquisador de políticas culturais e atual
Secretário de Cultura do Estado da Bahia), DJ Branco (Movimento Hip Hop),
Edu Ó. (dançarino e coreógrafo), Letieres Leite (maestro e criador da
Orkestra Rumpilezz), Lia Robatto (coreógrafa e dançarina), Márcio Meirelles
(diretor teatral e ex-Secretário de Cultura do Estado da Bahia), Paulo Darzé
(galerista), Yeda e Adailton Almeida (produtores culturais, proprietários da
Palco Produções), Solange Lima (produtora de cinema e primeira mulher
presidente da Associação Brasileira de Documentaristas) e Luiz Marfuz
(diretor teatral e professor da Escola de Teatro da UFBA).
O trabalho gerou dez entrevistas e quatro depoimentos em vídeo (pré-
editados), gravados no Espaço Cultural da Barroquinha, em Salvador, com o
apoio da Diretoria de Audiovisual da Fundação Cultural do Estado da Bahia
(Dimas/Funceb), através da cessão de equipamentos. As entrevistas foram
divididas em duas etapas. Na primeira etapa, a entrevista com cada
participante foi gravada em áudio e transcrita posteriormente. Nela foram
abordadas algumas questões gerais, feitas para todos os entrevistados,
como: o entendimento de cada um sobre o que é cultura, avaliação da gestão
cultural na Bahia e no Brasil, avaliação das políticas culturais tanto no âmbito
público quanto privado, questão da gratuidade no acesso a espetáculos
culturais, opinião em relação à organização da classe artística baiana e
avaliação da crítica cultural feita no estado. Foram feitas ainda questões
específicas de acordo com a trajetória de vida e atuação na área cultural de
cada entrevistado.
A segunda etapa consistiu na gravação dos depoimentos em vídeo com
cerca de cinco minutos. Devido a conflito de horários, e dificuldades na
produção, somente cinco vídeos foram realizados. A limitação de tempo
imposta pelo semestre letivo foi outro fator relevante para a não conclusão
dos vídeos. Nestas entrevistas mais concisas, o objetivo foi trazer os pontos
mais importantes da entrevista realizada anteriormente. Foram produzidos
vídeos com Lia Robatto, Edu Ó., Yeda e Adaílton Almeida, DJ Branco e
Letieres Leite, que podem ser visualizados no Youtube, no canal
http://www.youtube.com/user/RogerioMnzs?feature=CBgQwRs%3D.
Continuidade O projeto terá continuidade para além do âmbito da universidade, sob a
coordenação de Gisele Nussbaumer e uma equipe constituída por estudantes
do curso de Produção em Comunicação e Cultura da UFBA. Após a
realização desta etapa experimental na disciplina, o projeto foi inscrito para
aprovação no edital da Demanda Espontânea do Fundo de Cultura do Estado
da Bahia, mecanismo direto de incentivo financeiro de projetos culturais no
estado, e foi contemplado pelo referido certame. Assim, foi assegurada a
continuidade do projeto para que mais entrevistas sejam realizadas e a
iniciativa tenha um alcance maior, a fim de reunir mais relatos de
experiências de profissionais de destaque nos campos da gestão e produção
cultural, no estado da Bahia. Ao todo serão entrevistadas 25 personalidades
da área da cultura (artistas, gestores, produtores e pesquisadores), que serão
escolhidos pela curadoria do projeto.
O Gestão e Produção Cultural na Bahia, assim como o projeto Produção
Cultural no Brasil, oferecerá acesso amplo e gratuito aos seus produtos
(versão em texto das entrevistas completas e depoimentos em vídeos)
através de um portal na internet, para todos aqueles que se interessam em
conhecer diferentes processos e experiências de gestão e produção da
cultura no estado.
Referências AVELAR, Romulo. O Produtor e o Gestor Cultural. In: AVELAR, Romulo. O Avesso da Cena – Notas sobre Produção e Gestão Cultural. Belo Horizonte:
Duo Editorial, 2008. Cap. II, p. 51-82.
SARAVIA, Enrique. A Gestão da Cultura e a Cultura da Gestão – A
Importância da Capacitação de Administradores Culturais. Salvador: 2008.
Disponível em: <http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14323-02.pdf> Acesso
em: 23 ago. 2012.
HANSON, Dennis. Gestão e Cultura: um panorama dos argumentos pró e
contra. Disponível em:
<http://www.aedb.br/seget/artigos07/11_Hanson%20Gestao%20e%20Cultura
.pdf> Acesso em: 23 ago. 2012.
POLÍTICAS CULTURAIS VERSUS IMPACTOS CULTURAIS NO CONTEXTO DOS MEGAEVENTOS NO RIO DE JANEIRO21
Clarissa Alexandra Guajardo Semensato22
Resumo: A cidade do Rio de Janeiro atualmente passa por um
momento peculiar, em que se prepara para abrigar eventos de grande
relevância mundial, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Nesse
contexto, avaliam-se algumas das Políticas Culturais elaboradas pelo poder
público uma vez que a cultura assume papel relevante na “revitalização” de
espaços e na promoção da imagem da cidade. Neste artigo, busca-se
confrontar as políticas culturais planejadas pelo poder público e os impactos
que outros tipos de públicas exercem na cultura local já existente.
Palavras-chave: Megaeventos, Políticas Culturais, Rio de Janeiro.
O presente trabalho aborda as políticas culturais no momento peculiar
em que se encontra o município do Rio de Janeiro. Sabe-se que a cidade se
prepara para sediar eventos grandiosos e este preparo influencia diretamente
a lógica urbana, social e econômica local. Nesse contexto, atenta-se para as
políticas culturais e para os impactos culturais acarretados pelos
megaeventos.
Denominam-se megaeventos os eventos de grande relevância
mundial, mas que demandam um longo tempo de preparo, até mesmo anos.
Até meados da década de 1960 não existiam muitas cidades desejosas de
sediarem esse tipo de evento, tal como Olimpíadas e Copa do Mundo de
Futebol (RAEDER, 2009). A partir de então, o número de cidades candidatas
cresceram e crescem cada vez mais, assim como os investimentos
necessários para as obras de infraestrutura. Esse processo iniciou-se com a
mudança de perspectiva da relação entre o evento e a cidade a qual ele se
21 Uma primeira versão deste artigo foi apresentado no III Seminário Internacional de Políticas Culturais, na Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, em setembro de 2012, sob o título “Políticas Públicas de Cultura para os Megaeventos no Rio de Janeiro. 22 Mestre em Políticas Sociais e bolsista da Fundação Casa de Rui Barbosa. [email protected]
insere. Se antes o evento era visto como algo passageiro, hoje ele é
encarado como uma fonte de oportunidades para a cidade.
A cidade se prepara para sediar megaeventos de relevância mundial,
como: a Conferência Rio + 20 em 2012, a Copa das Confederações em
2013, a Copa do Mundo de Futebol em 2014, e as Olimpíadas em 2016.
Nessa preparação, a cidade vem sendo alvo de grandes investimentos e é
permeada por intervenções arquitetônicas e urbanísticas, que alteram a
lógica política, social, cultural e econômica vigentes. Nesse processo, a
cultura é tomada como um ponto estratégico nas ações governamentais para
levar a cabo as transformações da cidade, servindo tanto como atrativo
turístico, quanto para promover a “marca Rio”, na finalidade de lançar a
imagem da cidade no mercado competitivo global.
As políticas públicas de variados setores se voltam para o mesmo
objetivo: preparar a cidade para os megaeventos. Os argumentos do poder
público e da grande mídia giram em torno do desenvolvimento econômico
que as obras e o turismo poderão desencadear, isto é, defendem o “legado”.
O legado é frequentemente encarado como os benefícios ocasionados pelas
obras infraestruturais e pelos investimentos trazidos, que em teoria poderão
ser desfrutados pela população para além da ocasião. Entretanto, essas
transformações têm acarretado reflexões e críticas de pesquisadores e outros
atores da sociedade civil23.
Assume-se neste trabalho, que a postura do governo municipal em
utilizar os megaeventos como estratégia para a revitalização do espaço e
para o desenvolvimento econômico, trata-se da adoção de um modelo de
planejamento urbano conhecido como “planejamento estratégico”. Esse tipo
de estratégia com frequência tem sido adotado pelos governos locais uma
vez que as cidades no mundo global estão submetidas às mesmas condições
e desafios que as empresas, isto é, elas também estão inseridas num
ambiente de competitividade. Elas necessitam competir pelo investimento de
capital e de tecnologia; na atração de novas indústrias e negócios; na atração
23 Alguns atores da sociedade civil que têm contribuído com reflexões e ações acerca dos megaeventos são: Observatório de Conflitos Urbanos (UFRJ); GPDU (UFF), Universidade Nômade, Conselho Popular Rio 2016; Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas; e, Fórum Comunitário do Porto.
de força de trabalho qualificada; e ser competitiva no preço e na qualidade
dos serviços (Vainer, 2000).
Abrigar megaeventos com essa perspectiva enquadra-se em uma
mescla de tendências apontadas por Lilian Fessler Vaz (2004): um misto de
planejamento empresarial, projeto urbano, estratégia cultural e marketing.
Esse tipo de intervenção nasce nos anos 1980/90, e se insere num
planejamento estratégico e se utiliza de projetos arquitetônicos de griffe, que
contribuem para formação de uma nova imagem urbana, como aconteceu no
caso de Barcelona, nas olimpíadas de 1992. A autora diz que essas
transformações urbanas buscam reverter os efeitos das mudanças
econômicas pós-fordistas e adequar o ambiente construído à nova economia.
Para tanto, as novas zonas sofrem intervenções a fim de oferecer condições
para a produção e consumo da cultura e para o turismo. Nesse caso, as
políticas culturais desempenham uma função chave.
As tendências mencionadas acima alteram o pensamento urbanístico
modernista, em que a cidade era construída numa lógica racional e funcional
destinada à produção. Entretanto, com as transformações pós-fordistas,
alguns espaços, como as zonas industriais abandonadas, portos, ferrovias e
até mesmo o centro da cidade, perderam sua funcionalidade. As novas
formas de pensamento urbano buscam utilizar esses espaços esquecidos
com uma nova abordagem, adaptando à lógica da sociedade do consumo.
“Na sociedade fordista, o espaço é essencialmente para produção, e a rua é
para circulação; na sociedade pós-industrial, os espaços se tornam lugares
de consumo, de espetáculos e de festa. E ainda de turismo e sociabilidade”
(VAZ, 2004).
Boa parte do que tem acontecido na cidade do Rio de Janeiro, e em
outras no país, condiz com esse tipo de tendência, que vai do planejamento
estratégico, ao uso de espaços subutilizados com a adequação da economia
ao período pós-fordista. A adoção de eventos grandiosos para propagandear
a cidade no mercado competitivo, visando à atração de empresas e turistas,
é fato cada vez mais evidente nos últimos anos.
Embora os megaeventos sejam de cunho esportivo, e visem um
planejamento urbano para este fim, é possível compreender, como já foi dito,
o acolhimento desses eventos como estratégia para o lançamento da cidade
no mercado competitivo global. Para tanto, utiliza-se a visibilidade dada ao
evento para promover a imagem da cidade. Tal imagem é cunhada como um
marketing para a venda da cidade, que promove a cena de um ambiente
produtivo, harmonioso e cultural.
Vaz (2004) identifica que com a associação entre planejamento
empresarial, projeto urbano e estratégia cultural como marketing, verifica-se
um “culturalismo de mercado”, em que tudo o que se refere à cultura se torna
mercadoria. No culturalismo de mercado a cultura se torna o grande negócio
da cidade-mercadoria, e esta se torna cada vez mais espetacular. Verifica-se
que na reestruturação do espaço no Rio de Janeiro, algo semelhante tem
acontecido.
Essa tendência urbanística tende a transformar espaços não mais
funcionais, como fragmentos urbanos convertidos em problemas – os vazios
fabris, portuários e ferroviários – em espaços funcionais. Num contexto pós-
industrial que segue a lógica do consumo, e não da produção, “para evitar a
degradação dos centros urbanos tradicionais, procura-se promover um mix
de usos e desenvolve-los como centros culturalizados” (VAZ, 2004).
Vaz identifica que o discurso que visa promover a cidade como
imagem é defendido por empreendedores e políticos, que buscam aumentar
a receita da cidade com turismo e convenções, para o que se recorre ao
marketing e a práticas urbanísticas tidas como bem sucedidas (Vaz, 2004). A
isso podemos enquadrar as políticas urbanas do Rio de Janeiro.
Esse movimento de planejamento estratégico visando à reestruturação
das cidades para a realidade pós-industrial é apontado por Poyter (2008),
como forte nos EUA a partir dos anos 1970. Naquele país, com economia
industrial em crise, as mais empreendedoras cidades adotaram uma política
de desenvolvimento baseada no consumo e serviço. “Cidades como Nova
York e São Francisco edificaram complexos de arte e entretenimento, outras
como Miami e Orlando criaram cidades “fantasias” temáticas”.
O autor constatou que o número de cidades candidatas a sede de
megaeventos tem crescido desde os anos 90. A isso ele atribui o fato de as
cidades desejarem utilizar os megaeventos para o planejamento estratégico.
“As Olimpíadas assumiram um crescente significado para cidades empreendedoras que procuram estimular a abordagem norte-americana para regeneração urbana e desenvolvimento, através do que os economistas têm denominado de desenvolvimento econômico com base no consumo (consumption led). O apelo desta abordagem para renovação urbana tem sido corroborado não somente pela elevada demanda decorrente de reestruturação econômica doméstica e de mudanças de modelos de consumo, mas também pelas correspondentes mudanças na economia internacional e, em particular, em setores como indústrias de mídia, telecomunicações, lazer, viagens e turismo. (...) a cidade que recebe as Olimpíadas procura enaltecer sua imagem como uma metrópole adiantada,uma cidade “global” e um centro internacional para comércio e negocios”. (POYTER 2008, p. 127)
No Rio de Janeiro, o governo local parece ter adotado os megaeventos
esportivos como estratégia de se adaptar à economia pós-industrial, isto é,
baseada no consumo e serviço. Com os megaeventos, visa-se atrair
empresas e negócios e regenerar o espaço urbano, com um padrão de
organização em função do consumo. Tal perspectiva é passível de critica,
uma vez que o Rio de Janeiro pode vir a ser transformado em algo
semelhante às “cidades fantasias” descritas por Poyter (2008). Nesse tipo de
cidade, as políticas se voltam mais para o visitante do que para o
atendimento das necessidades locais.
Esse tipo de estratégia foi fortemente priorizado no atual governo
tendo como prefeito Eduardo Paes, com a candidatura e eleição da cidade
para sediar a copa e as olimpíadas. Essa perspectiva está claramente
disposta no Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro 2009-2012,
intitulado “Pós 2016: O Rio mais Integrado e Competitivo”. Nele o prefeito
Eduardo Paes declara que “A expectativa de ser a capital da Copa 2014 e a
conquista dos Jogos Olímpicos de 2016 estabelecem um momento oportuno
para transformar esses sonhos em ideais, projetos, realizações”. Essa
perspectiva é mantida pelo poder público também no segundo plano
estratégico, lançado em 2012 – Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de
Janeiro 2013-2016. Sobre a ocasião de seu lançamento declarou-se que
“mais do que orgulho, pairavam no ambiente as expectativas e esperanças
de uma cidade que, além de maravilhosa, se tornará olímpica – e com a
responsabilidade de deixar verdadeiros legados para seus moradores” 24
(Site Cidade Olímpica, 2012).
Na sessão a seguir deste trabalho, analisa-se o que vem sendo feito
com relação ao setor cultural no Rio de Janeiro para os eventos, já que a
Culturalização das cidades é peça chave nas tendências de planejamento
urbano e sociedade pós-industrial. Utilizam-se as publicações oficiais do
poder público que dizem respeito ao planejamento, isto é o primeiro plano
estratégico de 2009-2012 e o segundo, de 2013-2016. Expõe-se que muitas
são as ações neste setor, aproveitando-se da ocasião dos jogos. Entretanto,
atenta-se para o fato de que, ao mesmo tempo em que o poder público
municipal planeja ações no campo da cultura, outros setores das políticas
públicas impactam diretamente nas práticas culturais já existentes, que
pertencem a muitos grupos sociais. Dessa forma, busca-se a seguir, tração
um contraponto entre as políticas culturais para os megaeventos e os
impactos que a cultura vem sofrendo com os megaeventos.
POLÍTICAS CULTURAIS X IMPACTOS CULTURAIS Uma das áreas reconhecidas pelo Comitê Olímpico Internacional é a
“disponibilidade de lazer, cultura e equipamentos de entretenimento”. Assim
sendo, tal setor é visado quando na escolha de uma cidade candidata pelo
comitê, bem como na preparação desta cidade para os jogos. À época da
candidatura, a exposição de uma imagem de cidade com grande diversidade
cultural e ao mesmo tempo harmoniosa e acolhedor foi um dos pontos
chaves. O "Rio envolve todo visitante com a alegria de seu povo multiétnico,
criativo e hospitaleiro. É uma capital cosmopolita, presente como poucas na
memória afetiva internacional. Berço da fluência musical da bossa-nova e do
samba, fonte do carnaval mais colorido e espetacular” (CADERNO DE
LEGADO BRASIL, 2009).
As políticas planejadas pelo município estão estabelecidas pelos
Planos Estratégicos da cidade, e pelos projetos Porto Cultural e Porto
24 Extraído do site www.cidadeolímpica.com , cuja responsabilidade é da Empresa Olímpica Municipal, criada pela lei 5.272 de 2011 e regulamentada pelo decreto 34.045 de 2011. É órgão da prefeitura.
Cidadão, estes, compreendidos pelo megaprojeto Porto Maravilha. Essa obra
de grande porte objetiva revitalizar a região portuária da cidade a fim de
torná-la uma porta de entrada do turista e recolocar o centro do Rio de
Janeiro como “ponta do cenário cultural da cidade” (SITE CIDADE
OLÍMPICA, 2012).
O Plano Estratégico 2009-1012 deixa clara a importância da cultura na
reestruturação da cidade e no preparo do ambiente para as Olimpíadas e
para a Copa. O documento estabelece como principal diretriz para orientação
das políticas culturais, o fortalecimento da região da cidade “como referência
cultural do país através da revitalização patrimonial, requalificação urbana e
promoção da diversidade”. Além disso, também é citado como diretriz, a
ampliação do acesso da população aos variados bens e valores culturais
através da expansão da estrutura pública de equipamentos e atividades
culturais. Metas também expostas no segundo Plano.
Como política cultural, o plano de 2009 apresenta duas linhas de ação.
A primeira é a manutenção das lonas culturais e a construção de mais quatro.
A segunda é o projeto cultura na rua, este, especificamente citado no preparo
da cidade aos megaeventos. Ao reconhecer “a natural vocação da cidade e
do cidadão carioca para ocupar as ruas e praças e desenvolver atividades
culturais ao ar livre”, o plano defende que as Olimpíadas de 2016 são uma
oportunidade sem precedentes para incorporar a prática cultural ao cotidiano
carioca (PLANO ESTRATÉGICO, 2009).
O argumento do projeto consiste em estabelecer um calendário anual
de eventos culturais gratuitos, com programações de diferentes linguagens
artísticas. E espera resgatar o hábito carioca de utilizar o espaço público
como área de convivência, aumentar o acesso da população aos produtos
culturais, ampliar o mercado de trabalho em diversões e “preparar a classe
artística e a população para que em 2016 não sejamos apenas uma capital
esportiva, mas também cultural” (PLANO ESTRATÉGICO, 2009). O plano de
2013 enaltece essas medidas do plano anterior, afirmando que a prefeitura
“têm apoiado a revitalização da vida cultural da cidade, o que se revelou no
grande número de shows internacionais, entre eles o Rock in Rio, na
revitalização da Lapa e no sucesso de carnaval de rua” (PLANO
ESTRATÉGICO, 2012).
A forma de argumentação utilizada pelo governo é passível de crítica,
pois, embora o governo reconheça a prática de uma cultura espontânea e de
rua, ao dizer que “a população tem se distanciado dessa prática”, ele exclui
muitas modalidades de cultura que ocorrem em ambientes públicos. E ao
estabelecer as estratégias do Cultura na Rua, como o Viradão Carioca, o
calendário de festas populares, as contratações de apoio cultural a
espetáculos, artistas e festivais, a licitação para contratação de Produção
para atividades de rua, o governo inibe atividades espontâneas, permitindo
apenas aquelas estabelecidas pelo poder público.
Outras políticas de preparo urbanístico aos megaeventos estão
impactando diretamente em atividades culturais já existentes, que não são
reconhecidas pelo poder público. Para ilustrar essa ideia, expõe-se aqui um
exemplo sintomático. No Morro da Providência, há um projeto de construção
de um teleférico, cujo caminho foi decidido sem a consulta dos habitantes
locais. Para dar lugar a uma das futuras estações do teleférico, a Praça
Américo Brum foi demolida. Em julho de 2011 os moradores do morro
organizaram um café da manhã em protesto contra a demolição. A praça é
um lugar público de convivência e de lazer, o único gratuito e próximo, que
estava sendo reivindicado pelos moradores. Como resposta ao protesto,
policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) reprimiram a manifestação
para dar espaço ao início das obras (CILENTE & TARIN, 2012). Ou seja, o
espaço propenso à geração de cultura dos habitantes locais, reconhecido por
eles como tal, e demandado por eles, foi inibido.
Bruno Tarin (2012) narra que cerca de 200 a 300 casas estão sendo
ameaçadas de serem demolidas, só no Morro da Providência e no Morro da
Conceição, para dar lugar aos projetos de “revitalização” do espaço e serão
reassentadas em locais distantes do que ocupavam. A relação afetiva e os
vínculos que as famílias criaram no espaço onde vivem há gerações são
totalmente ignoradas pelo poder público. Nesse contexto, quando a
população nativa – produtora de cultura – não é expulsa, é inibida. Os
próprios moradores que reinvidicavam a manutenção da Praça Américo Brum
temem que após a demolição desse espaço, outras casas também sejam
demolidas.
A comunidade moradora do Morro da Providência, que vem sendo
desestruturada por ações daquele tipo, é detentora de elementos culturais e
históricos importantes para a cidade. Possui mais de 110 anos de história,
tendo em sua origem da ocupação do morro remanescentes da Guerra de
Canudos e é considerado uma das primeiras favelas do Rio de Janeiro.
Possui ainda sítios históricos e simbolicamente importantes para a
comunidade: a escadaria, a Igreja, o Centro de Cultura (DOSSIÊ DO
COMITÊ POPULAR DA COPA RIO DE JANEIRO, 2012).
Como agravante, o governo expôs neste mesmo Plano Estratégico, e
está colocando em prática, o Choque de Ordem, que se constitui em ações
que visam inibir a “ilegalidade” e a “desordem urbana”. Mas, segundo
relatos25, o choque de ordem impõe a gentrificação e o medo da população
local, e, não os reconhece como produtores de cultura:
En esta línea se ha criticado que un proyecto que pretende mejorar la calidad de vida de la zona portuaria, esté provocando expulsiones de sus moradores actuales y violentas intervenciones reflejadas en el conjunto de acciones denominado "Choque de Ordem" contra el trabajo informal y la venta callejera para luchar contra la "indisciplina urbana" como vía de regeneración moral, higienización y revanchismo contra los pobres (COMA, 2011)
Dessa forma, as estratégias do poder público até aqui apresentadas
são inconsistentes, principalmente no que se propõem: incentivar artistas de
rua. Aparenta ser uma política restrita a um calendário de eventos a serem
apresentados por artistas famosos, e a uma grandiosa quantidade de
expectadores. Não incentiva, portanto, a produção cultural espontânea, e sim
o consumo de uma cultura mais interessante ao mercado.
Outro caso ilustrativo bastante ilustrativo no que se refere à inibição da
cultura pelo Choque de Ordem é o caso da proibição ao trabalho informal. A
25 Alguns relatos podem ser encontrados no Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro (2012) e no Dossiê da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (2011): “Megaeventos e Violação dos Direitos Humanos no Brasil; na Revista Global Brasil e em sites dos movimentos sociais mencionados anteriormente”. Eventos como Seminário Revolução 2.0 (2011) e Laboratório de Cartografias Insurgentes (2011) também relataram e debateram fatos relacionados.
Prefeitura Municipal aprovou na Câmara dos Vereadores uma legislação, em
2009, que proíbe qualquer camelô de trabalhar em um raio de 2 km dos
estádios e outras localizações de competições, de hospedagem dos atletas e
de eventos relacionados. Está proibida a comercialização de material que
faça referência aos símbolos dos eventos, mesmo que sejam souvenirs
produzidos pelos próprios trabalhadores informais. Manifestações não
autorizadas também estarão restritas (DOSSIÊ DO COMITÊ POPULAR DA
COPA RIO DE JANEIRO, 2012).
Em outubro de 2011, por exemplo, uma das operações do Choque de
Ordem fez apreensões em uma tradicional feira turística em Copacabana. Os
agentes apreenderam roupas e instrumentos musicais de percussão dos
feirantes que estavam sem autorização26. O poder público, em outra
ação relacionada ao Choque de Ordem, o poder público proibiu que as feiras
livres, que já possuem autorização para funcionamento, se estendam para
além das 13 horas. Após esse horário é hábito que os feirantes passem a
vender seus produtos com preços mais baratos, a tradicional “xepa” (DOSSIÊ
DA ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS MOVIMENTOS DA COPA, 2011). Em
um país onde a qualificação profissional e a oferta de empregos são restritas
o comércio informal é uma das principais estratégias de sobrevivência da
população de baixa renda. Além disso, é inegável a contribuição dos
trabalhadores informais à economia e à cultura dos ambientes urbanos.
Restringir o trabalho informal é prejudicar a renda de muitas famílias e
possivelmente alterar os hábitos culturais da população. Caberia ao poder
publico uma política de regularização dos informais e apoio ao seu potencial
criativo, ainda mais quando a demanda pelo consumo de seus produtos
aumenta, visto a tendência do crescimento do turismo.
Ribeiro (2004) diz que os marginalizados, embora ultimamente tenham
sido metamorfoseados em objetos de curiosidade e negócio, são afastados
de lugares onde acontecem as políticas de patrimônio, cultura e lazer – que
ela denomina lugares luminosos. Essas políticas que transformam o lugar em
iluminado ocultam os aspectos de luta e desigualdade presentes ali,
26 Notícia extraída do http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2011/10/choque-de-ordem-faz-apreensao-em-feira-turistica-de-copacabana-no-rj.html.
principalmente quando esses espaços sofrem mutação mercantil, em que o
étnico e o típico são transformados em objetos.
Tal mutação decorre de práticas classificatórias de costumes e de elementos da cultura material orientadas pelo olhar do consumidor e do vendedor de serviços e, não daquele que é o verdadeiro desbravador de oportunidades criativas, insubordinadas e disruptivas. Porém, é dele e dos seus espaços inorgânicos que advêm as inovações realmente radicais, capazes de impulsionar um grande espectro de novos e atraentes bens culturais, de especial relevância para a juventude, como demonstram o funk e o hip hop (RIBEIRO 2004, p. 101).
A autora defende que o potencial cultural criativo é proveniente dos
espaços não iluminados, fruto do convívio dos atores com suas dificuldades e
suas memórias. E não, da política gerencial, que os expulsa e deforma a
memória local numa lógica puramente mercantilista, direcionada ao consumo
cultural de atores externos.
Nesse sentido, ainda tomando como exemplo o caso do Teleférico,
pode-se questionar o fato daquela obra ser primordialmente construída para
o benefício dos que ali vivem, já que sua rota e o local das estações foram
decididos sem consulta popular (CILENTE & TARIN, 2012). É bem provável
que o teleférico venha servir APENAS como atrativo turístico, neste caso, um
tipo turismo que utilizará o típico e o ético como chamariz, mas que, ao
mesmo tempo foi construído sobre o ocultamento da memória e da cultura
locais.
O projeto Porto Maravilha, que em suas obras “revitalização” é
apontado por promover a gentrificação, compreende em sua pauta dois
programas que se relacionam às políticas culturais: os Programas Porto
Maravilha Cidadão e Porto Maravilha Cultural. Através deles é feita a
articulação entre poder público e setor privado na intenção de apoiar
iniciativas que promovam o desenvolvimento socioeconômico e a valorização
do patrimônio histórico e cultural.
Em teoria, as linhas de atuação do projeto Porto Cultural são bem
abrangentes, pois incluem: a recuperação e restauração material do
patrimônio artístico e /ou arquitetônico; a valorização do Patrimônio Cultural
Imaterial; a preservação, valorização da memória e manifestações culturais; a
exploração econômica do patrimônio material e imaterial, a produção de
conhecimento sobre a memória da região e inovação na sua exploração
sustentável. Ainda assim estratégias de implantação de ações que incluam
essas linhas de ação não são apresentadas no documento.
Na perspectiva da CDURP27, o desenvolvimento da região envolve o
aproveitamento dos novos empreendimentos econômicos que surgirão,
voltados para o atendimento ao visitante. Assim, ela declara que “temos o
desafio de preparar as pessoas para as novas oportunidades de emprego e
negócios que vão surgir. Inclusive aqueles relacionados ao patrimônio
cultural e artístico que sem dúvida contribui para aumentar a atratividade da
região” (BOLETIM PORTO MARAVILHA, 2011). Dessa forma, as ações que
privilegiam o mercado e o patrimônio arquitetônico estão sendo priorizadas,
em detrimento do patrimônio imaterial proveniente dos atores locais. O
patrimônio.
Além dessas políticas referentes à cultura já destacadas, mais duas
ações que recebem o apoio do poder público merecem destaque. Na região
portuária, dois museus estão em construção, o Museu do Amanhã e o Museu
de Arte do Rio, apontados pelo Plano Estratégico 2013-2016 como
importantes equipamentos culturais fomentados pelo poder público. Embora
as ações e as políticas estejam voltadas para revitalização de um espaço e
promoção da cultura; os museus, juntamente com a valorização econômica
promovida pelo poder público, tem provocado a expulsão dos moradores
locais, seja na forma de remoção, seja por especulação imobiliária. No Plano
Estratégico 2013-2016 as ações revitalização da zona portuária e do
patrimônio arquitetônico do centro recebem destaque: “valorizar a paisagem
urbana e o patrimônio cultural do centro histórico através da recuperação e
requalificação de áreas relevantes como a Praça Tiradentes e a Lapa”
(PLANO ESTRATÉGICO, 2012). Mas tais ações estão concentradas, e
objetivam primordialmente a criação de atrativos turísticos. Paralelamente, a
transformação desses locais influenciam na rotina do local, seja com relação
à especulação imobiliária, seja com as ações promovidas pelo Choque de 27 Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro: empresa em forma de aliança Público-Privada, criada para administrar a região portuária.
Ordem. Cristina Laranja (2011) fornece contribuições acerca do que esse tipo
de ação poderia impactar diretamente na produção cultural já existente na
região.
Percebe-se que no contexto atual do Rio de Janeiro, a cultura tem sido
utilizada nos discursos como ferramenta de apaziguamento de diferenças e
como atrativo de empreendimentos econômicos. Como agravante, tem sido
utilizada para compor argumentos que subsidiam as ações do governo que
não reconhecem a produção cultural já existente no local. Cristina Laranja
(2011) aponta que
“Precisamos compreender melhor o que se tem por produção cultural, e aqui aportamos um conceito que abarca a diversidade social e cultural de um território (os modos de vida, os costumes, as falas, as músicas, o modo de construir as ladeiras…), aquele mesmo que seria foco de interesse dos promotores do turismo na região. Ou seja, por “cultura” não se compreende só os produtos culturais ou equipamentos culturais existentes, nem aqueles que se pretende ofertar aos turistas, mas aquilo que se compreende por patrimônio imaterial” (LARANJA, 2011).
Da forma como estão sendo feitas, as ações inibem práticas sociais e
culturais locais características da região. A perspectiva do poder público
entende os atuais moradores como a causa da degradação do espaço. Ao
invés de reconhecê-los como produtores de cultura e alvos de investimentos
diretos, o governo municipal investe na instalação de equipamentos culturais
e na “revitalização do espaço” (lê-se: adequação do espaço para o turismo de
lazer e de negócios).
Contraditoriamente, as políticas atuais adotam e propagandeiam a
cultura local e afirmam um valor de consumo, embora na realidade exerçam
um poder inibidor da cultura espontânea e característica da região. Tal fato
pode ser claramente exemplificado nos casos de expulsão dos moradores e
de construção do teleférico do Morro da Conceição.
Outro exemplo pode ser observado, quando doze escolas de samba
do grupo de acesso foram removidas do terreno da antiga REF (Rede
Ferroviária Federal) para abrir espaço à construção do Porto Olímpico. O
terreno pertence à União que entrou com um pedido de integração de posse,
evidenciando a agilidade do poder público e judiciário quando se trata de
garantir a infraestrutura para os megaeventos (CILENTE & TARIN, 2012).
Dessa forma, a despeito da propaganda de “país da diversidade” e “cidade
do samba e do carnaval” expostos nos Cadernos de Legado, mais uma vez,
o poder público ignora a cultura local existente para construir as obras sobre
elas. Contraditoriamente, o poder público continuará usando a imagem e a
memória fornecidas pela cultura local, na divulgação da cidade.
Nesse sentido, Cristina Laranja destaca (2011):
“Tais planos também apagaram qualquer vestígio dessas vidas, ainda que afirmem seu valor de “consumo” sobre a tradição destas histórias e práticas. Nesse jogo de produzir produtos para consumo no pacote da regeneração, o modo de viver do estivador se torna a flexibilidade do yuppie do trabalho imaterial contemporâneo – como em Londres”. (LARANJA, 2011).
A autora ainda faz um paralelo com as políticas culturais federais.
Enquanto estas se apresentavam de maneira mais democrática e
distribuidora de renda (como os Pontos de Cultura) os projetos do Rio de
Janeiro seguem uma linha de apoio à lógica do consumo para poucos. O
Museu de Arte do Rio (MAR), e o Museu do Amanhã somam cerca de 170
milhões investidos por renúncia fiscal. Um valor discrepante frente a qualquer
investimento na região que efetivamente colabore na manutenção do
cotidiano das comunidades afetadas também na área da cultura –
considerando a diversidade de iniciativas e produtores culturais que polinizam
a região. Sustenta-se aqui, através do comparativo feito pela autora, que as
políticas culturais tal como vem sido feitas do município tendem a ser mais
concentradoras do que distributivas.
CONCLUSÃO Constatou-se que as políticas culturais cumprem um papel pivô nas
novas tendências de planejamento urbano e nas adaptações da sociedade à
economia pós-industrial. Dentre muitas cidades que seguem essa tendência,
está o Rio de Janeiro, que se utilizou da estratégia de sediar os megaeventos
Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016, para dar a cabo à “revitalização” de
espaços “subutilizados” e vigorar a economia pós-industrial. Para tanto, esta
cidade adéqua seu espaço ao lazer e consumo, numa tendência conhecida
como Culturalização da Cidade. Assim, políticas culturais que cumpram essa
função são priorizadas.
Conclui-se que, embora as políticas culturais sejam um ponto chave
nos megaeventos, aparentemente, o governo municipal carioca tem se
restringido à instalação de equipamentos culturais, eventos pontuais e
criação de espaços de lazer. A perspectiva de política cultural do poder
público volta-se para um modelo padrão de consumidor de cultura, e não
compreende a produção cultural e os atores já existentes. Paradoxalmente,
aproveita-se do típico e do étnico para promover a cidade, os espaços
redesenhados e a cultura recriada. Os investimentos têm privilegiado o
turismo e o viés econômico da cultura, mas não a produção cultural local e o
patrimônio imaterial.
Nesse contexto de inserção à tendência de revitalização no Rio de
Janeiro, problematiza-se a perspectiva de política cultural que tem sido
adotada pelo poder público. A reflexão de Cilente & Tarin (2012) ajudam a
entender o porquê:
“Como trazer de volta vida para um espaço já habitado por cerca de 22 mil pessoas... vivas? Não estaria esse maravilhoso megaprojeto negando a existência deste já então habitantes? É na contramão de uma proposta inclusiva, que a idéia de revitalização pode soar perigosa ao negar a já existente ocupação do espaço por determinados grupos sociais” (CILENTE & TARIN, 2012, p.2)
A partir dessas constatações constroem-se duas críticas. A primeira
refere-se à criação de uma cidade comparável a uma Cidade Fantasia
(POYTER, 2008), onde o cenário é artificialmente preparado para receber
turistas, que são parte essencial da economia local. Para isso, são feitas
alianças público privadas, em que dá espaço à lógica de mercado e forças
das empresas privadas. Além disso, a demanda da população local não é
prioridade no que tange à elaboração de políticas públicas.
A segunda se refere a uma forma de equalização do espaço que
cidades do tipo fantasia sofrem. Segundo Ribeiro (2004), a criação de um
cenário urbano adaptado ao consumo cultural poda a criatividade existente e
equaliza lugares. Os atores locais, potencial de trocas simbólicas,
aprendizado e criação, são afastados dos lugares iluminados, e o processo
de construção verdadeiramente produtivo, ao invés de ser estimulado por
políticas públicas, é rompido.
“Sem dúvida, o estímulo à contemplação, que é tão presente nos arranjos estetizantes dos acervos históricos e na cenarização clean ajustada ao tipo médio do consumidor de cultura, equaliza lugares e desconstrói possibilidades de aprendizado (...) Tais trocas encontram-se limitadas, entretanto, quando a mutiplicidade dos objetos e das alternativas de percurso atordoa o processo de reflexão do passado, confundido o conhecimento necessário com o lazer ansioso, ininterrupto e sempre fugaz” (RIBEIRO, 2004, p. 98).
As políticas expostas neste trabalho foram planejadas a partir do ano
de 2009 e a perspectiva de suas políticas culturais não necessariamente
corresponde às demandas dos atores locais. Hoje, pesquisadores e outros
segmentos da sociedade civil organizada tecem inúmeras críticas às ações
do governo, que muitas vezes não são levadas em conta pelo poder público e
são ignoradas pela grande mídia. Caberia ao poder público integrar a
sociedade civil organizada na elaboração das políticas, que aí sim deixariam
um real legado para a cidade. A sociedade civil tem demonstrado que está
disposta e preparada a participar ativamente.
Com relação às políticas culturais, aponta-se que para que sejam
eficientes devem dialogar com outros setores das políticas públicas. Para que
os impactos negativos dos megaeventos sobre a cultura já existente não
sejam maiores do que o “legado”, há a necessidade que o setor público
responsável pelo planejamento das políticas culturais se integre com setores
de outras políticas públicas, principalmente de habitação. Mas antes disso, é
preciso que de fato a diversidade cultural da cidade seja reconhecida, em
suas variadas formas. Assim, as políticas públicas, de uma maneira geral,
irão colaborar com a manutenção e fomento das manifestações culturais já
existentes, e, com a promoção de novas atividades.
BIBLIOGRAFIA BOLETIM PORTO MARAVILHA, Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro, nº 4, Abril de 2011. CADERNO DE LEGADO BRASIL RIO 2016. Ministério do Esporte, 2009. DOSSIÊ DA ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS MOVIMENTOS DA COPA. “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Brasil”, 2011. DOSSIÊ DO COMITÊ POPULAR DA COPA RIO DE JANEIRO, “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro”, 2012. COMA, Mauro Castro. “Del sueño olímpico al proyecto Porto Maravilha: El ‘eventismo’ como catalizador de la regeneración a través de grandes proyectos urbanos”. In.: URBE. Revista Brasileira de Gestão Urbana (Brazilian Journal of Urban Management), v. 3, n. 2, p. 211-227, jul./dez. 2011 CILENTE, Luiza & TARIN, Bruno. “’Revitalização’ urbana no Rio de Janeiro: o porto das maravilhas privadas”. In.: In.: Revista Global Brasil. Edição 15, 9 de Abril de 2012. Disponível em www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=1061, acessado em 20 de abril de 2012. HERCE, Manuel. “El ‘Modelo Barcelona’ y el ‘Marketing’ de las Olimpiadas de Río de Janeiro”. In.: Revista Bibliográfica de Geografia y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona. Vol. XV, nº 895 (11), 5 de noviembre de 2010. LARANJA, Cristina. A arte de provocar ruínas: n Especulações na Zona Portuária. In.: Revista Global Brasil. Edição 14, 6 de Setembro de 2011. disponível em: http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=697, acessado em 20 de dezembro de 2011. PIRES, Hindenburgo F. “Planejamento e Intervenções Urbanísticas no Rio de Janeiro: A Utopia do Plano Estratégico e Sua Inspiração Catalã”. In.: Revista Bibliográfica de Geografia y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona. Vol. XV, nº 895(2), 5 de noviembre de 2010.
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II Encontro Nacional de Produção Cultural
Sustentabilidade em Eventos: normalização alinhando-se às boas práticas28
Daniele Cristina Dantas
RESUMO: O presente trabalho apresenta os conceitos que norteiam o contexto de aplicação da norma brasileira, bem como os aspectos fundamentais da norma que orienta as ações de sustentabilidade em eventos no Brasil: ABNT NBR 20121. O objetivo do trabalho é apresentar o contexto que demanda a estruturação da referida norma, legitimando as motivações para sua existência como meio de alinhamento das ações no campo cultural e de eventos em geral à realidade socioambiental do planeta. O lançamento da norma no Brasil, em agosto de 2012, favorece a consolidação de ações socioambientalmente mais maduras na realização de eventos no país, que deve a ser verificado nos próximos anos. Palavras-chave: sustentabilidade; eventos; normalização. 1. INTRODUÇÃO
A realização de um evento é um estratégico de construção e
consolidação de uma imagem. Empresas, governos e pessoas realizam
eventos de dimensões e segmentos temáticos específicos de modo
recorrente.
Nos últimos anos, eventos de dimensões cada vez maiores tem
ganhado espaço nos meios de comunicação de massa e ocupado o cotidiano
das pessoas. Grandes eventos esportivos, grandes shows, festivais artístico-
culturais regulares e uma gama de realizações socioculturais que demandam
crescem em um mundo globalizado e ávido por realizações com dimensões
recordes.
Nota-se que o destaque que tal questão ganhou no cenário nacional
nos últimos anos, aliado a preocupação em consolidar uma gestão
sustentável dos recursos existentes, levou governos, empresas e a
28 Mestranda em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais, Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE).
sociedade a se preocupar com a forma como os eventos são realizados em
seus diversos aspectos.
Assim, começou-se a buscar formas mais eficientes de uso dos
recursos existentes e de conscientização dos realizadores sobre a
importância de se observar a necessidade otimização dos recursos em
contraponto ao desperdício e as evidências da necessidade de construção de
novos paradigmas para o uso dos recursos naturais.
Tendo em vista o crescente cuidado com as ações que impactam o
ambiente e as pessoas, organizações diretamente relacionadas com o
planejamento e realização de eventos (em particular aqueles de maior porte)
começam a dar mais atenção às práticas e processos que impactam
negativamente o meio ambiente no espaço em que tais realizações estarão
inseridas, buscando maior eficiência. Neste contexto começam, em 2009, os
trabalhos de estruturação da norma ABNT NBR 20121 voltada para a gestão
sustentável em eventos.
A partir desta temática, o objetivo do presente trabalho é apresentar o
contexto que demanda a estruturação da referida norma, legitimando as
motivações para sua existência como meio de alinhamento das ações no
campo cultural e de eventos em geral à realidade socioambiental do planeta.
Para isso segue revisão bibliográfica de fontes primárias (livros e
artigos) para a apresentação de conceitos centrais e fontes secundárias
(matérias de internet) buscando informações sobre consolidação da ABNT
NBR 20121 no Brasil.
2. REVISÃO DA LITERATURA
Definições diversas buscam esclarecer que é um evento. Para Cesca
evento é um fato que desperta a atenção, podendo ser notícia e, com isso,
divulgar o organizador. [...] evento é a execução do projeto devidamente
planejado de um acontecimento, com o objetivo de manter, elevar ou
recuperar o conceito de uma organização junto ao seu público de interesse
(1997, p. 14). De modo complementar, Zanella diz que evento é uma
concentração ou reunião formal e solene de pessoas e/ou entidades
realizada em data e local especial, com o objetivo de celebrar
acontecimentos importantes e significativos e estabelecer contatos de
natureza comercial, cultural, esportiva, social, familiar, religiosa, científica etc
(2003, p. 13).
Verificamos que um evento é um acontecimento estruturado com
motivações e natureza específicas e um público de interesse.
Allen et. al. (2008) remonta os primórdios para justificar o modo dos
seres humanos de marcarem momentos importantes de sua vida com a
realização de eventos associando desde as celebrações de mudanças das
fases da Lua até o bar mitzvah dos judeus e as festas de 15 ou 18 anos dos
jovens nas sociedades modernas.
O autor destaca o termo eventos especiais para definir a realização de
rituais, apresentações ou celebrações específicas que tenham sido
deliberadamente planejados e criados para marcar ocasiões especiais ou
para atingir metas ou objetivos específicos de cunho social, cultural ou
corporativo (idem, p.4).
Allen et. al. destaca ainda, entre os diferentes tipos de evento, entre os
quais destacaremos aqueles de maior destaque na indústria de eventos
como megaeventos, eventos de marca, eventos de grande porte, festivais e
eventos esportivos.
Para o autor megaeventos são aqueles cuja magnitude afeta
economias inteiras e repercute na mídia global. Entre eles podemos citar as
Olimpíadas e Feiras Mundiais (Idem, p. 5). São exemplos Copa do Mundo,
feiras mundiais e exposições, além de Olimpíadas. Já eventos de marca se refere (sic) àqueles eventos que se tornaram tão identificados
com o espírito ou a mentalidade de um povoado, cidade ou região
que se tornam sinônimos do nome do local, e obtêm amplo
reconhecimento e percepção. [...] Exemplos clássicos de eventos
de marca são o carnaval do Rio de Janeiro, reconhecido
mundialmente como expressão da vitalidade e exuberância dessa
cidade, o Kentucky Derby nos Estados Unidos, o Chelsea Flower
Show na Inglaterra, a Oktoberfest em Munique, Alemanha, e o
Edinburgh Festival na Escócia (Ibidem).
Eventos de grande porte são aqueles capazes de atrair um número
significativo de visitantes, uma ampla cobertura da mídia e importantes
benefícios econômicos, devido a seu tamanho e ao interessa da mídia
(Ibidem). Festivais são uma expressão importante da atividade humana que
contribui muito para nossa vida cultural e social. Também estão cada vez
mais ligados aos turismo [...]. O tipo mais comum de festival é o de artes, que
pode compreender diversas formas de arte e ocorrer em vários locais ao
mesmo tempo (ALLEN et. al.; 2008, p. 6).
E, finalmente, os eventos esportivos que segundo Allen et. al. são um
setor (sic) importante e em expansão da indústria de eventos, abrangendo a
ampla gama dos esportes individuais e dos eventos multiesportivos, como as
Olimpíadas e Jogos Pan-americanos etc (idem, p. 7).
O conjunto de realizações desta gama diversa de eventos entre outros
ainda consolida uma indústria do segmento de serviços, inicialmente
percebida como indústria limpa, mas que ainda assim envolve processos com
grande potencial de impactar o ambiente em que se insere.
Allen et. al. (2008) destaca que o surgimento desta indústria envolve
uma área de conhecimento que demanda conhecimento de melhores práticas
a partir de treinamento para o refinamento da área.
No que toca as políticas públicas brasileiras, este segmento de
atividade está inserido na chamada economia da cultura inserida no campo
da economia criativa compostos de três grandes fatias, segundo Reis: Atividades Núcleo – atividades essencialmente criativas; que mexem essencialmente com a cultura. Atividades Relacionadas – provisão direta de bens e serviços ao núcleo. Atividades que alimentam o núcleo. Atividades de Apoio – provisão indireta de bens e serviços que alimentam as que alimentam (2010, p. 30).
A partir destas fatias da natureza das atividades em função da
realização do evento, segmentos de serviços diversos relacionados com a
realização de eventos devem assumir suas responsabilidades no processo
de consolidação da cadeia de produção. Estejam os prestadores dos serviços
localizados nas fatias mais diretamente relacionadas com o eixo central da
realização do evento ou não, as responsabilidades em relação aos impactos
causados devem ser compartilhadas e assumidas de forma solidária entre o
fornecedor e o realizador do evento, contratante do serviço.
Neste contexto de realizações percebe-se a importância de normalizar
os processos e atividades envolvidos na cadeia produtiva da realização de
eventos, visando diminuir os impactos, otimizar os recursos, minimizar os
riscos e dar mais qualidade à realização, o que demanda mudança de
paradigma aproximando-se do pensamento ecológico.
Sobre isso, Carelli e Menegasso dizem que o pensamento ecológico inova ao conceber o homem como parte das diferentes formas de vida existentes no planeta. Essa tomada de consciência é não somente da degradação da natureza, mas principalmente da necessidade de mudar a relação com o meio ambiente natural, e permite perceber que a degradação da natureza suscita a reflexão sobre o modo como a sociedade está organizada e sobre os saberes que a sustentam. Tal percepção produz reações que afirmam e expandem a consciência emancipatória portadora de uma práxis que se contrapõe à técnica manipuladora e depredadora. Portanto, rompe com concepções e paradigmas para corrigir a tendência convencional antropocêntrica e incorpora uma visão ampla que conspira e se afasta de reducionismos e simplificações, o que favorece uma significante visão em que a natureza é inseparável do homem e da cultura (2010, p. 148).
Considerando o pensamento ecológico na decisão pela aplicação de
práticas mais sustentáveis em eventos é factível compreender que o
alinhamento da realização de práticas sustentáveis em eventos tendem a
favorecer a eficiência de sua realização com maior efetividade dos
resultados.
O desenvolvimento e a valorização das melhores práticas no mundo
responde a uma demanda por mudança na dinâmica e nas formas de
atuação nos espaços de construção social, econômica, política e ambiental, a
partir dos impactos gerados com as práticas não sustentáveis existentes no
segmento que compreende a realização de eventos por meio de normas e
certificações e estas baseadas em processos.
Nos últimos anos a dinâmica de normalização e certificação das
atividades de uma organização ganhou espaço e se consolidou para alguns
segmentos. Assim, normas e certificações são diretrizes que estabelecem os
métodos para que as orientações propostas sejam aplicadas na rotina das
organizações e se alcancem os objetivos desejados em função de aspectos
específicos como, qualidade do ambiente de trabalho, meio ambiente,
qualidade do produto ou serviço, entre outros.
Entre as instituições e grupos estabelecem normas e padrões no
mundo em diversos segmentos encontram-se a Organização das Nações
Unidas – ONU, a International Organization for Standardization – ISO -,
Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT -, a Social Accountability
International - SAI -, entre outras. E algumas normas e certificações
existentes são a ABNT NBR, a SA8000, as séries ISO (9000, 14000, 26000). ISO é um prefixo grego que significa igual e é, também, a sigla da International Organization for Standardization, uma organização não-governamental internacional de padronização, formada por representantes de mais de 150 países, que, atualmente, entre outras finalidades, tem como objetivo estabelecer o padrão mundial para a implementação de diretrizes direcionadas à responsabilidade socioambiental. Criada em 1946 e com sede em Genebra, Suíça, a ISO elabora e difunde normas internacionais em todos os domínios de atividades – exceto no campo eletroeletrônico, que é de responsabilidade da International Eletrotechnical Commission (IEC) –, por meio da cooperação no âmbito intelectual, científico, tecnológico e de atividade econômica, com a intenção de facilitar o intercâmbio internacional de produtos e serviços (CREDIDIO; 2007, p.1).
No Brasil os processos de normalização são de responsabilidade da
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que define os padrões
que cada norma orientará a adoção de um sistema de procedimentos acerca
de um aspecto ou temática da gestão. Segundo Amorim (2008) esta adoção
se dará pelo seguimento de requisitos legais e compromissos éticos, com a
promoção do desenvolvimento sustentável, além da transparência das suas
atividades.
A adesão se dá com o seguimento de orientações dados pelos
requisitos da norma com posterior submissão de auditoria, que verificará e
comprovará sua incorporação nos processos.
Tais orientações incluem princípios, metodologias, orientações,
normas, certificações, índices, relatórios e tantos outros instrumentos
desenvolvidos nas últimas décadas visando a execução das ações, bem
como seu acompanhamento para avaliação e/ou certificação quando
oportuno.
Assim, de acordo com a ABNT, normalização é atividade que
estabelece, em relação a problemas existentes ou potenciais, prescrições
destinadas à utilização comum e repetitiva com vistas à obtenção do grau
ótimo de ordem em um dado contexto. São considerados benefícios tanto
qualitativos quanto quantitativos, entre eles o uso adequado dos recursos
disponíveis, a padronização dos processos de produção, melhoria do nível
técnico do serviço, a redução do consumo de insumos e do desperdício,
aumento de produtividade, controle de processos e melhoria da qualidade,
entre outros.
O desenvolvimento da Norma Internacional baseou-se em dois
documentos ingleses com a participação de, aproximadamente, 30 países.
No Brasil a Comissão de Estudo Especial de Sustentabilidade na Gestão de
Eventos na ABNT instalou-se em dezembro de 2009 e a norma foi lançada
em agosto de 2012.
No contexto da normalização, a ABNT NBR 20121 com temática afeta
à sustentabilidade em eventos que, segundo Cogo (2009) suscitará novas
experiências e seu compartilhamento, tendo em vista a necessidade de
revisão do ciclo do processo de realização eventos. Para Cogo, tal processo
demanda atitude sistêmica e abrange determinados princípios como a
poupança de recursos naturais, produção limpa e correta destinação de
resíduos com a aplicação permanente do ciclo repensar, reduzir, reutilizar e
reciclar
É um novo paradigma que o autor (2009) declara poder ser acelerado
pelo viés econômico tendo a sustentabilidade como fator que influencia a
compra e define eventos sustentáveis como aqueles que, necessariamente e
de modo continuado, aplicam, em sua gama de processos e atividades, os
princípios da sustentabilidade na concepção, preparação, organização,
realização e pós-evento, atendendo a preocupações sociais, ambientais e
econômicas.
A partir daí dez áreas são apontadas para a orientação do trabalho a
ser aplicado em diversas áreas de atuação em eventos, a saber: compra
consciente, minimização de resíduos, economia de água, eficiência
energética, prevenção da poluição, conservação da biodiversidade, combate
à pobreza e inclusão social, participação e comunicação, monitoramento e
acompanhamento, e ainda garantia do legado positivo da sustentabilidade.
Entre as áreas de atuação estão transportes e viagens, local do evento e
hospedagem, bebidas e comidas, marketing e publicidade, brindes e
merchandising, eventos paralelos, energia, água e saneamento, aquisições e
bens de consumo e materiais e resíduos. Desta forma, a escolha dos
fornecedores passa a se pautar pelos impactos que possam vir a causar.
A estruturação da norma sobre sustentabilidade na gestão de eventos
é liderada mundialmente pelo Reino Unido e pelo Brasil através de suas
instituições, respectivamente British Standards Institute/BSI e Associação
Brasileira de Normas Técnicas/ABNT. Sua numeração é ISO 20121 -
Sustainability in Event Management.
A norma fornece uma estrutura que contempla desde o planejamento
do evento, com a definição do local de realização, meios de transporte,
padrão de funcionamento e gerenciamento de fornecedores de serviços e
insumos.
Destaca-se como objetivo com a utilização da norma que a realização
de eventos como conferências, concertos, competições esportivas e festivais
tragam benefícios sociais, econômicos e culturais mais estruturados, além de
evitar o desperdício e impactos negativos ao meio ambiente.
As Olimpíadas de Londres tiveram indicativo de uso das orientações
da norma ISO 20121 e os megaeventos esportivos no Brasil nos próximos
anos – Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016 – também têm
indicação de aplicação da referida norma.
Casas de shows e centros de realização de eventos tem buscado
conhecer a norma e demonstrado interesse em utilizá-la, mesmo sendo a
ISO 20121 apenas orientadora e não tendo nenhum mecanismo que obrigue
seu uso.
3. CONCLUSÕES
Atualizar-se em relação às demandas do cotidiano é um fator
relevante para o desenvolvimento de segmentos profissionais e atividades no
mercado.
O lançamento da norma ISO 20121 no Brasil, em agosto de 2012,
tende a favorecer a consolidação de ações mais sustentáveis na realização
de eventos. Critérios relacionados com a adoção de boas práticas de gestão
no que toca ações socioambientais em eventos, particularmente aqueles de
maior dimensão.
Com isso, tende-se a buscar a otimização de recursos, a melhoria da
qualidade do evento realizado, maior comprometimento na contratação de
fornecedores na cadeia produtiva, entre outros fatores direta e indiretamente
relacionados com a produção de eventos no país, alinhadas às orientações
mundiais.
A ISO 20121 se apresenta como uma importante ferramenta para a
consolidação de boas práticas de gestão na realização de eventos, podendo
estimular que tais práticas alcancem também a realização de projetos e
ações culturais de pequeno e médio porte.
Mesmo não sendo uma norma obrigatória, seu caráter orientador pode
conferir aos eventos, espaços e projetos culturais que a adotem um
diferencial em relação à adoção de um padrão criterioso na escolha dos
fornecedores com atenção à origem dos produtos e aos processos utilizados
nos serviços prestados, no melhor aproveitamento dos recursos, no respeito
aos direitos trabalhistas e de segurança do trabalho dos profissionais
envolvidos, na atenção e cuidado com o público.
Aspectos relativos à sustentabilidade e que alinham a realização de
eventos com as modernas orientações de boas práticas de gestão, já comuns
em diferentes segmentos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABNT – Normalização. Disponível em
http://www.abnt.org.br/m3.asp?cod_pagina=931 Acesso 26 ago 2012. ALLEN, J., O’TOLLE, W., McDONNELL, I., HARRIS, R. Organização e
Gestão de Eventos. Tradução Marise Philbois e Adriana Kramer. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
AMORIM, B. Ações, estratégias e certificações ligadas à responsabilidade
social. mimeo, 2008. 2p. CARELLI, M.N., MENEGASSO, M.E. Patrimônio ambiental: discussão de
pressupostos sob a ótica da ecologia política. In.: LAMAS, N. de C., MORAES, T.M.R. (Pro)Posições culturais. Joinville: Editora Univellie, 2010. pág. 139-165.
CESCA, C.G.G. Organização de eventos. São Paulo: Summus, 1997. CREDIDIO, Fernando. ISO 26000 - A norma internacional de
responsabilidade social. Revista Filantropia – OnLine, n. 91. Mensagem recebida por: <[email protected]> em 22 fev2007. Disponível em <www.cereja.org.br/arquivos_upload/iso26000_revistafilantropia91.pdf> Acesso em 26jul2008. 2p.
REIS, A.C.F. Economia da cultura e desenvolvimento. In.: NECKEL, N.R.M.,
MILANI, M.L. (orgs.) Cultura faces do desenvolvimento. Blumenau: Nova Letra, 2010. pág. 9-44.
ZANELLA, L.C. Manual de Organização de eventos: planejamento e
operacionalização. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2006.
II Encontro Nacional de Produção Cultural
Prestação de contas: quando começamos a fazê-la?
Daniele Cristina Dantas
RESUMO: O presente trabalho apresenta conceitos e reflexões acerca do planejamento e da realização de um projeto cultural refletindo diretamente no relatório de prestação de contas. Com isso, argumenta-se que prestação de contas tende a se apresentar de forma mais clara e ordenada se pensada desde a idealização e planejamento do projeto. Assim, o objetivo do trabalho é apresentar a prestação de contas como uma etapa da produção de um projeto que se inicia na elaboração, perpassando todas as etapas de produção independente da dimensão ou perfil do projeto. A revisão bibliográfica seguida de reflexões acerca da prestação de contas realizada desde o momento da idealização até a conclusão dos relatórios de finalização do projeto são argumentos centrais do trabalho. Palavras-chave: planejamento, orçamento; projeto cultural; prestação de
contas.
1. INTRODUÇÃO
A profissionalização crescente no mercado de produção cultural e
realização de eventos seguem acompanhadas pela exigência de
procedimentos mais técnicos e estruturados da gestão, além de mais
transparentes e fundamentados em boas práticas de gestão já adotados em
outros segmentos de atuação profissional.
Considerando a captação de recursos um dos principais gargalos para
a realização de projetos, ter procedimentos bem definidos na gestão de um
projeto pode ser um diferencial significativo na conquista de recursos para um
projeto.
Com recurso direto do patrocinador ou fazendo uso de incentivo fiscal,
e especialmente neste segundo caso, definir as rubricas do projeto já ciente
da forma de contratação dos serviços e aquisição de produtos, de seus
valores reais e encargos envolvidos são fatores preponderantes para a boa
gestão financeira de um projeto. A adesão a boas práticas na gestão do
projeto favorecerá a conclusão do projeto sem problemas no que toca sua
gestão financeira.
Assim, o objetivo do presente trabalho é apresentar a prestação de
contas como uma etapa da produção de um projeto iniciada no momento da
idealização e elaboração, seguindo por todas as etapas da produção.
Considera-se esta ideia independente da dimensão ou perfil do projeto.
Para isso, faz-se uma revisão bibliográfica fundamentando os
conceitos principais relacionados com o tema central, além de abordar
aspectos de boas práticas de gestão que auxiliam na gestão de projetos.
A revisão bibliográfica é permeada por reflexões acerca da importância
da prestação de contas ser realizada desde o momento da idealização até a
conclusão dos relatórios de finalização do projeto, tendo este como
argumento central do trabalho.
A seguir serão apresentados aspectos do planejamento e da
realização de projetos culturais tendo em vista uma prestação de contas
célere, clara e correta, de acordo com as orientações gerais de uso de
recursos de terceiros investidos em projetos.
2. REVISÃO DA LITERATURA
Comumente vive-se a experiência de receber recursos, públicos ou
privados, para a realização de projetos e eventos culturais. Isto fez com que o
mercado de produção cultural e de eventos se iniciasse um processo de
profissionalização que se faz mais visível com o passar dos anos.
Isto denota o que Rosa afirma sobre a relação das instituições
culturais com o mundo dos negócios no que toca a captação de recursos ao
dizer que só uma parceria com o mundo dos negócios pode garantir às
instituições culturais os recursos necessários à expansão de suas atividades
(1994, p. 120).
Contudo, esta realidade de atração das instituições culturais com o
mundo dos negócios em caráter strictu senso está em processo de
amadurecimento como se pode ler abaixo:
No Brasil, entretanto, são poucas as empresas que já se convenceram de que o envolvimento com as artes pode ser um bom negócio. Embora a ideia de apoiar as artes em geral certamente (sic) conte com a simpatia de grande parte dos executivos, que compreendem a importância da cultura em nossa sociedade, a questão custo é delicada quando se vive sob a pressão de conseguir os melhores resultados possíveis (Idem, p 121).
Nesta relação, diferentes tipos de relacionamento são estabelecidos
entre instituições culturais e empresas, a saber: mecenato, marketing cultural
e investimento privado direto. Brant define cada um dos tipos de relação que
são estabelecidos, onde mecenato é o investimento oferecido por generosidade ás artes, ciências e letras. [...] Marketing Cultural defino como a associação entre marcas empresariais e culturais visando ao desenvolvimento de ações estratégicas de comunicação com públicos determinados. E por final, defino Investimento Cultural Privado como o uso planejado, monitorado e voluntário de recursos privados em ações culturais de interesse público (2004, p. 100).
Independente do tipo de relação estabelecida entre as partes na
constituição de uma parceria para a realização de um projeto ou evento
cultural entre mecenas, patrocinador ou investidor e realizador/produtor o
caráter econômico é latente. O que evidencia este aspecto é que o que é
destacado na negociação para a concretização da parceria é o aspecto
econômico. Isto fica claro uma vez que o primeiro dado em termos
econômicos é, naturalmente, quanto custa o projeto (CESNIK & MALAGODI,
2004, p. 55).
Considerando a estruturação de uma proposta para a formalização de
uma parceria de negócio o planejamento é uma ferramenta de significativa
importância tanto para o patrocinador quanto para a boa gestão do projeto
por seu realizador.
Buscando um paralelo entre um projeto ou evento cultural e uma
empresa, podemos compreender o papel do planejamento conforme
descreve Allen et al Na forma mais simplificada, o processo de planejamento consiste em estabelecer em que ponto uma organização se encontra no presente e para que ponto seria mais aconselhável que se dirigisse no futuro, com as estratégias ou táticas necessárias para atingir aquele ponto. Em outras palavras, o processo de planejamento se interessa pelos fins e pelos meios para atingir tais fins (2008, p. 50).
Entre os aspectos importantes para estabelecer o parâmetro o que se
tem no presente para a realização de um projeto e, considerando a
relevância do caráter econômico do projeto para sua concretização, que se
deseja para o futuro visando a realização da proposta, o planejamento
econômico de um projeto deve ser uma das principais preocupações quando
em seu planejamento.
Cesca (1997, p. 50) destaca sobre a gestão econômica de projetos e
eventos, que paralelo ao cronograma de operacionalização do planejamento
do evento deve ser feito o controle econômico, constante de despesas e
receitas, que, dependendo do seu porte, requer pessoa especializada para a
sua elaboração.
Desta forma, os planejamentos cronológico e financeiro de um projeto
devem caminhar paralelamente, visto que estarão diretamente associados
com as etapas relacionadas com a concretização da proposta. Contudo,
Brant alerta que não se pode planejar sem conhecer a realidade. As informações têm de ser compartilhadas, registradas, arquivadas, de fácil acesso. E os procedimentos de contratação e produção têm de ser normalizados, sistematizados para serem realizados por qualquer pessoa (2004, p. 107).
Segundo Malagodi & Cesnik, para montar o custo do projeto, você
deverá ter em mãos todos os orçamentos necessários (2004, p. 56) desde
alocação de espaço e equipamentos a contratação de gráficas e profissionais
prestadores de diferentes serviços. Sobre os custos de um projeto, Thiry-
Cherques considera que os custos do projeto devem ser expostos de três
formas: a) o orçamento [...]; b) a análise dos custos [...]; e c) os
demonstrativos financeiros [...] (2006, p. 197). Do autor, compreende-se que o orçamento é uma listagem das entradas de previsão de dispêndios do projeto. Em linhas gerais, o orçamento ou estimativa de custos de um projeto, de qualquer tipo, deve assegurar: a) a alocação de todos os custos do projeto num quadro lógico de fácil acesso; b) a determinação do custo total do projeto em seus contornos mais amplos e as previsões de possíveis alterações contingenciais; c) a possibilidade de um efetivo controle dos custos do projeto nas etapas subsequentes à configuração; d) a conversibilidade em relação os mecanismos orçamentários das organizações com interesse no projeto (rubricas, natureza das despesas, formatação, regras e procedimentos), de modo a viabilizar a conexão e a interação de ambos (Idem, p. 197-198).
Reconhecendo a importância do orçamento como instrumento
concreto do planejamento financeiro de uma projeto ou evento, que pode
evidenciar ainda a capacidade de realização do proposto pelo produtor, Thiry-
Cherques destaca que se deve ter presente que o orçamento, na maior parte
dos casos, será o mais importante instrumento de comunicação na
negociação, tanto com potenciais patrocinadores quanto com gestores de
organizações interessadas no projeto (Idem, p. 199).
Assim, compreendida a importância do planejamento econômico-
financeiro de um projeto, o autor explicita ainda que se começa a
estruturação de um orçamento pela elaboração de uma estrutura orçamentária preliminar, uma listagem dos dispêndios. Essa listagem é feita a partir da lista de atividades e dos planos de utilização de recursos. Essa estrutura não precisa ser exata, mas deve ser exaustiva. Ela será modificada várias vezes ao longo da configuração e de suas revisões (Idem, p. 200).
Teríamos neste momento o início da prestação de contas. Analisando
a relevância que o orçamento terá na relação estabelecida entre as partes
para a que se viabilize um projeto ou evento, Malagodi & Cesnik apontam
que o levantamento de preços é fundamental para que seu projeto tenha os custos enxutos, evitando superfaturamento (com preços acima da média praticada no mercado) ou subfaturamento (preços abaixo dos praticados no mercado). [Em] ambos os casos revelariam falta de seriedade e profissionalismo, o que dificultaria a aprovação do projeto tanto por órgãos oficiais como por patrocinadores (2004, p. 56-57).
Objetivando dirimir tal problema, a formação de uma equipe
tecnicamente madura e ciente da importância de um bom trabalho no
planejamento, compreendendo, inclusive, que esta já é parte da prestação de
contas será de suma importância.
Sobre a importância da formação da equipe para a boa gestão do
projeto ou evento, Brant diz que como célula nervosa central do negócio cultural, a gestão baliza as ações planejadas, desde o posicionamento ético até o cumprimento e a realização do que foi proposto ao longo do processo. Mais uma vez, o planejamento tem fundamental importância. Não há produtos culturais bem geridos, senão com base num planejamento bem realizado (2004, p. 105).
E reforça seu argumento ao destacar a importância de se ter uma
equipe sólida e da fragilidade que não tê-la pode significar ao afirmar que
talvez a gestão administrativa seja o aspecto mais frágil do mercado cultural. [...] Cercar-se de bons profissionais é sempre muito bom, desde que as decisões estratégicas estejam nas mãos do maior interessado e do maior envolvido no trabalho cultural (Ibidem).
Ampliando a percepção que Brant apresenta da importância de uma
boa equipe para a gestão, Malagodi & Cesnik apontam aspectos específicos
da gestão de um projeto ou evento relativos à prestação de contas, incluindo
a nomeação do responsável por ela e alertando para a caracterização do
mau uso de recursos, em especial, a partir de lei de incentivo como crime: Caberá, portanto, ao administrador do projeto gerir a contabilidade total do projeto e a parte burocrática – a relação com o órgão ao qual o projeto estiver vinculado (Ministério ou Secretarias de Cultura). Nunca deixe de pedir nota fiscal ou recibo ao efetuar um pagamento, pois, ao final, você terá que prestar contas. De uma administração eficiente depende a prestação de contas. Lembre-se de que as leis de incentivo são ótimas para todos, mas o uso pode constituir-se em crime (2004, p. 96).
Assim, acompanhar todas as etapas do processo de produção e
gestão do negócio cultural, proporcionando ao gestor maior conhecimento e
controle sobre seu andamento (BRANT, 2004, p. 107) é responsabilidade do
gestor. Porém, para a garantia de colaboração na equipe o registro e a
sistematização dos processos tornam a gestão acessível, compartilhando as
decisões com as pessoas-chave (Idem, p. 106). Para isso, destaca-se que é
importante a criação e desenvolvimento de procedimentos contábeis e
administrativos que auxiliem a análise da situação real do negócio (Idem, p.
107) e permitam que a rotina administrativa, financeira e contábil do projeto
ou evento garanta uma gestão clara, transparente e correta no que toca as
orientações para o uso dos recursos e sua prestação de contas.
Sobre os aspectos e implicação de uma prestação de contas, Brant
destaca ser um processo que permeia todas as etapas da realização de um
projeto ou evento, envolve muitas pessoas e demanda atenção e controle
constante, caracterizando a boa gestão: Prestar contas é uma obrigação durante todo o processo de produção e gestão de negócios. Os interlocutores são muitos: sócios, associados, patrocinadores, público pagante, Ministério e Secretarias de Cultura. Enfim, há um sem-número de pessoas envolvidas que precisam acompanhar e avaliar o resultado do trabalho. Para que se consiga prestar contas a contento e evitar a correria de última hora, é preciso atentar para os quesitos dessa prestação ao longo de todo o processo de produção. O pagamento de qualquer valor referente à produção deve ser realizado mediante
procedimentos que verifiquem a integridade dos documentos necessários (recibos, notas fiscais, recolhimento de impostos). Realizar periodicamente backups e cópias de arquivos, documentos e relatórios e guardá-los em local seguro também é uma necessidade da gestão responsável (Idem, 108-109).
Retornando ao que falamos inicialmente, Malagodi & Cesnik (2004)
afirmam que, uma vez que o projeto ou evento realizado ou em processo de
realização precisou apresentar um orçamento físico-financeiro para sua
aprovação, a aprovação da proposta está diretamente relacionada ao seu
cumprimento conforme aprovado. Os autores ressaltam ainda que a
prestação de contas do projeto exigirá ainda a conciliação bancária, que é o
casamento dos lançamentos efetuados na conta corrente do projeto com os
documentos que deram origem àqueles lançamentos (Idem, p. 137).
Em relação aos aspectos gerais da prestação de contas e a
necessidade de ajustes nas rubricas inicialmente aprovadas, com o uso de lei
de incentivo, além de cuidar do recebimento dos patrocínios, emissão de recibos, comunicação aos órgãos competentes (Ministério ou Secretarias de Cultura), o administrador deverá gerir os gastos. Não podem ser cobertos gastos não previstos no orçamento do projeto. Caso surja alguma despesa extra, solicite ao órgão competente autorização para o gasto; mas não o faça antes da aprovação (Idem, p 96).
Contudo, a prestação de contas de um projeto, que faça uso de lei de
incentivo ou não, inclui ainda outras exigências referentes aos aspectos de
aplicação da marca do patrocinador e da instância pública que tenha
concedido o incentivo fiscal, a apresentação de comprovações da realização
do evento e da concretização do produto cultural que a proposta explicitasse,
conforme dizem Malagodi & Cesnik “Além da prestação de contas referente à parte financeira do projeto, você também deverá prestar contas da realização do mesmo. Você deverá relatar em detalhes como realizou seu projeto. [...] Envie um exemplar do produto, um cartaz, um anúncio” (2004, p. 138), por exemplo.
A prestação de contas para o patrocinador esclarece a forma como o
recurso investido foi utilizado, dada sua perspectiva de negócio, tendo em
vista a importância de se explicitar os resultados e metas alcançados, assim
como, em muitos casos, a apresentação de relação quantitativa de custo-
benefício em função do valor do patrocínio e do número de beneficiários do
projeto, por exemplo.
A importância de se realizar a prestação de contas durante o processo
de realização do projeto ou evento pode ser aumentada se a liberação de
parcelas do valor global do patrocínio estiver diretamente associada à
apresentação da prestação de contas parcial (referentes a valores
desembolsados anteriormente) do projeto. De toda forma, para o
patrocinador, muito importante ao final do projeto, é um relato para a
empresa dizendo quantas vezes a marca apareceu e onde. [...] Demonstre a
frequência de público (CESNIK & MALAGODI, 2004, p. 139-140) também,
por exemplo.
Ao comentarem a conclusão de um projeto com boa gestão, Malagodi
e Cesnik declaram que Se você foi bem organizado, administrou cuidadosamente durante a realização, então não terá problemas. [...] Se você contabilizou corretamente durante a execução do projeto, ao final nada restará, a não ser fechar a conta. [Mas] antes é preciso verificar se foram pagos todos os débitos, inclusive impostos (Idem, p. 135).
Mas alertam para uma situação adversa na qual algum problema pode
ser verificado e a prestação de contas não aprovada: se suas contas não
forem aprovadas, você poderá ter sérios problemas, inclusive inviabilizando
trabalhos futuros (Idem, p. 139).
As causas da não aprovação de uma prestação de contas são
inúmeras. Porém, quando se ela é realizada desde o planejamento da
proposta a ser realizada e acompanhada em um processo de gestão claro e
bem orientado durante todo o período de a execução do projeto ou evento,
problemas são mais facilmente identificados e corrigidos.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após analisar alguns aspectos relativos aos processos de gestão de
um projeto ou evento, considera-se a importância de se compreender que a
prestação de contas de um projeto se torna mais tranquila e com reais
chances de ser concluída sem restrições ou riscos de não aprovação,
reiteramos a percepção que a prestação de contas é a maior etapa do
projeto.
Uma etapa que começa no momento em que a proposta é estruturada
e só é concluída após todos os pagamentos e comprovações da realização
do projeto ou evento efetuados merece ter reconhecida sua importância e
compreendida a necessidade de se buscar perder o medo de assumir o
controle da gestão do que se realiza.
A prestação de contas é norteadora de uma boa gestão de um projeto,
e seu resultado pode ser visto também como um indicador da boa gestão (ou
não).
Compreender que um projeto ou evento que teve um planejamento
bem fundamentado, teve suas contratações mais facilmente definidas e
realizadas e suas comprovações feitas sem maiores dificuldades.
Uma prestação de contas aprovada pode ser um importante indicador
sobre a qualidade da gestão do projeto ou evento, ou ao menos da busca por
uma gestão alinhada com as boas práticas na realização do proposto.
Ter um histórico de gestão de projetos ou eventos positivo pode ser
ainda significativamente importante na busca por patrocínio ou investimento
em propostas futuras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Gestão de Eventos. Tradução Marise Philbois e Adriana Kramer. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
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THIRY-CHERQUES, H. R. Projetos Culturais: técnicas de modelagem. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2006.
A INFLUÊNCIA DA CONVENÇÃO SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL NO PLANO NACIONAL DE CULTURA BRASILEIRO.
Marcelo T. Mincarelli29
Resumo: O objeto de análise deste trabalho percorre inicialmente a criação da cláusula da “exceção Cultural” nos acordos comerciais internacionais sobre a regulamentação dos bens e serviços culturais, sobretudo o cinema, no final do século XX. Em seguida busca compreender a virada semântica do conceito de “Exceção Cultural” para o de “Diversidade Cultural” e as principais medidas propositivas adotadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) relacionadas à diversidade cultural que culminaram na Convenção sobre a diversidade cultural, em 2005. Posteriormente realizamos algumas reflexões sobre as políticas desenvolvidas pelo Ministério da Cultura (MinC), durante o governo do presidente Luis Inácio Lula (2003/2010), para a promoção da diversidade cultural brasileira, influenciadas pelas medidas propositivas da UNESCO, a partir da análise das políticas e programas realizados na Secretária da Identidade e Diversidade Cultural (SID) e das políticas para a diversidade cultural previstas no Plano Nacional de Cultura brasileiro. Palavras-chave: Políticas Culturais, Diversidade Cultural e Plano Nacional de Cultura.
As discussões internacionais sobre o tema da diversidade cultural são
o resultado de um complexo processo de aceleração da globalização,
decorrente em grande parte do avanço das trocas e diálogos internacionais
de mercadorias, serviços, tecnologias e principalmente informações, em
concomitância com o crescimento das industrias culturais, em especial a
industria do audiovisual, ao longo da segunda metade do século XX.
Para alguns estudiosos sobre o tema da Diversidade Cultural os
impasses internacionais das rodadas de negociação em torno do comércio
de bens simbólicos travados durante a rodada negociações do Uruguai
(1986-94), dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC), marcaram o
inicio desta temática que posteriormente resultaria, em 2005, na Convenção
sobre a Diversidade Cultural, da UNESCO .(VIEIRA, 2009)
Entretanto pode-se perceber a importância do cinema e dos “Bens
culturais” nos acordos internacionais e o tema exceção cultural, 29 Graduando em Produção Cultural UFF/PURO.
anteriormente aos impasses na OMC. Durante a formulação do GATT,
Acordo Geral de Tarifas e Comércio, em 1946, por 23 países, inclusive o
Brasil, já era possível encontrar dispositivos para proteger a indústria
cinematográfica e preservação do patrimônio cultural nos artigos 4° e no 20°,
respectivamente, do GATT . (KAUARK, 2009)
Embora os conflitos travados na OMC não tenham sido o marco inicial
da discussão acerca da exceção cultural, tema originário do conceito de
diversidade cultural. O debate travado em torno da ideia da exceção cultural
a partir do posicionamento do governo francês de se recusar a aceitar os
termos das negociações acerca da liberalização do comércio de “Bens e
serviços culturais” pressionado pelos EUA, durante o GATT, que marcaram a
célebre rodada do Uruguai, constituiu-se num dos principais eventos que
fomentaram à emergência do tema da exceção cultural na agenda política
internacional.
O conceito de exceção cultural, inicialmente, é oriundo de uma longa
tradição de intervenções do Estado Frances no campo da cultura. Na França
a cultura e a comunicação são entendidos como serviços de interesses
públicos devendo ser responsabilidade do poder público preservar e
promover esses serviços para todos os cidadãos. Tal opção política está
fundamentada no postulado de que a soberania nacional, a defesa do
pluralismo de expressões e das identidades e a missão cultural e pedagógica
viabilizada pelos meios de comunicação e pelas expressões artísticas devem
estar preservadas da lógica econômica de mercado.(MATTELART,2006:14
apud VIEIRA, 2009)
O conflito ocorrido no GATT representa um choque de ideologias
acerca dos bens culturais extremamente antagônicos entre os seus países
membros. Para Mariela Pitombo Vieira:
Tal disputa tem sido protagonizada, desde então, por duas grandes e antagonistas tradições, a saber: de um lado, a tradição europeia (liderada pela França), encabeçando a defesa da especificidade dos bens culturais e da intervenção estatal na organização do campo cultural; na outra ponta, a bandeira liberal (de inspiração estadounidense) a favor da regulação das trocas pela lógica mercantilista.”(VIEIRA,2009:106)
Ao final da Rodada do Uruguai pode-se dizer que os vencedores do
conflito em torno da regulação dos bens e serviços culturais em defesa da
exceção cultural foram os protecionistas, encabeçado pela França e Canadá
e apoiados pela maioria dos países Europeus, já que a cláusula da exceção
cultural passou a guiar alguns acordos no âmbito do GATT, do GATS e do
TRIPS e que o princípio da defesa da soberania dos estados em implementar
políticas nacionais de apoio a produção de suas obras audiovisuais foi
homologado.
Com a “vitória” dos países Europeus em defesa da exceção cultural ao
final da Rodada do Uruguai não resultou no fim da polêmica internacional em
torno da liberalização do comércio de bens simbólicos. “Tanto é verdade que
a controvérsia permanece e avana junto com a aurora do novo século,
revestida agora com outra roupagem – a da tão propalada diversidade
cultural”(VIEIRA,2009:112).
Com os impasses ocorridos na OMC a Organização das Nações
Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO), no final dos 90 e
início do XXI, passou a adotar algumas medidas propositivas com a intenção
de amenizar e solucionar as divergências e a incentivar o desenvolvimento
do debate sobre a diversidade cultural em seus documentos. A UNESCO
com a intenção de afirmar a diversidade cultural produziu, em 2001, o
documento Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, “constatando
que a cultura se encontra no centro dos debates contemporâneos sobre a
identidade, a coesão social e o desenvolvimento,” e considerando a
diversidade como “patrimônio comum da humanidade e que deve ser
reconhecida e consolidada em benefício das gerações
futuras”.(UNESCO,2001)
Para complementar efetivamente a sua ação normativa no campo da
cultura a UNESCO promulgou, em Paris, a Convenção sobre a proteção da
Diversidade das Expressões Culturais, em sua 33ª sessão da Conferência
Geral, em 2005. Com o intuito de contribuir para o desenvolvimento de uma
noção de cultura e para promover e proteger a diversidade das expressões
culturais, a Convenção logo em seu primeiro artigo expõe os seus seguintes
objetivos:
Proteger e promover a diversidade das
expressões culturais; reafirmar a importância
do vínculo entre cultura e desenvolvimento
para todos os países, especialmente para
países em desenvolvimento; reconhecer a
natureza específica das atividades, bens e
serviços culturais enquanto portadores de
identidades, valores e significados; reafirmar
o direito soberano dos Estados de conservar,
adotar e implementar as políticas e medidas
que considerem apropriadas para a proteção
e promoção da diversidade das expressões
culturais em seu território; (UNESCO,2005)
Para a jornalista Giselle Dupin, a Convenção sobre a Diversidade
Cultural constitui, juntamente com a convenção de 1972, relativa ao
patrimônio mundial, cultural e natural, e a de 2003 para a salvaguarda do
patrimônio imaterial, um dos três pilares da promoção da diversidade criativa.
Juntos, esses três instrumentos reforçam a ideia expressa na Declaração
Universal sobre a Diversidade Cultural de 2001(DUPIN,2009:29).
A diversidade cultural nas políticas culturais brasileiras. Após o Brasil ser um dos primeiros países a ratificarem a Convenção.
O senado brasileiro aprovou o texto da Convenção ,em 2006, e promulgou-o
em 2007. O Estado brasileiro, por meio do Ministério da Cultura, mesmo
antes da Convenção, já vinha formulando e implementando políticas culturais
públicas para a diversidade cultural como afirma a pesquisadora Lia Calabre:
Em 2003, com o início da gestão do Ministro
Gilberto Gil, o Ministério da Cultura passou
por um profundo processo de reestruturação.
Novas secretarias foram criadas, entre elas a
de Políticas Culturais e a da Identidade e
Diversidade Cultural, que tiveram uma função
fundamental no processo de envolvimento do
país com a política internacional de
valorização da diversidade cultural. O país
teve um papel importante, em 2005, no
processo de aprovação da Convenção sobre
a Diversidade das Expressões Culturais.
Muitos dos princípios e recomendações
presentes na Convenção pautam, hoje, as
políticas implementadas pelo Ministério da
Cultura.(CALABRE, 2008)
Entre as principais políticas implementadas pelo Minc em sintonia com
as recomendações da Convenção, alem da criação de uma secretaria própria
para o assunto, está o Procultura, mais conhecido como a reforma da lei
Rouanet, o programa Cultura Viva, o Vale Cultura, o programa Mais Cultura,
também conhecido como PAC da Cultura e principalmente a criação do Plano
Nacional de Cultura (Lei 12.343/10), em sintonia direta com o Sistema
Nacional de Cultura (PEC 416/05) e a ampliação dos recursos orçamentários
destinados à cultural nas três esferas de governo (PEC 150/03).
O Plano Nacional de Cultura consiste em reunir um conjunto de
estratégias e diretrizes, elaboradas democraticamente, para nortear a
execução das políticas culturais para os próximos 10 anos. “O PNC foi uma
iniciativa apresentada à Câmara dos Deputados, em 2000, através da
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 306, de autoria do Deputado
Federal Gilmar Machado (PT-MG) e outros.”(FELIX, 2008:1) A PEC 306
aprovada no dia 10 de agosto de 2005, foi transformada na Emenda
Constitucional (EC) n°48 mas continuou mantendo a redação original da
proposta inicial.
A Emenda Constitucional n°48 acrescenta o paragrafo 3º ao art. 215
da Constituição Federal brasileira, instituindo o Plano Nacional de Cultura. Na
EC n° 48 podemos observar a influência da Convenção e do tema da
diversidade cultural nos princípios norteadores do Plano através do inciso n°
V - valorizar a diversidade étnica e regional.
O PNC é uma oportunidade histórica de adequação da legislação e
institucionalidade da cultura brasileira no sentido de por em prática as
medidas de promoção e proteção da diversidade cultural promulgada pela
Convenção da Diversidade Cultural, em 2005, e de firmar a diversidade no
centro das políticas culturais contemporâneas e como elo de articulação entre
segmentos populacionais e comunidades nacionais e
internacionais(MINISTÉRIO DA CULTURA e CÂMARA DOS DEPUTADOS,
2008:70).
As medidas relacionadas a diversidade cultural encontram-se
pulverizadas em diversos pontos do PNC. Logo no artigo 1° a Diversidade
Cultural esta presente no item II como um dos princípios norteadores do
Plano, no artigo 2° a diversidade esta nos objetivos item “I - reconhecer e
valorizar a diversidade cultural, étnica e regional brasileira”, e no artigo 3° as
ações referentes a competência do poder público a diversidade cultural esta
no item “IV - proteger e promover a diversidade cultural,”.(Lei N° 12.343)
O PNC conta com um capítulo exclusivo dedicado a reconhecer e
valorizar a diversidade, proteger e promover as artes e expressões culturais.
Em conformidade com o artigo 7 da Convenção as diretrizes traçadas
procuraram respaldar medidas para a promoção das expressões culturais
para que o Brasil possa: “criar, produzir, difundir, distribuir suas próprias
expressões culturais,” e conferir uma atenção especial aos diversos grupos
sociais minoritários que participaram da formação da sociedade brasileira.
Entre as principais medidas relativas a diversidade cultural estão, em primeiro
lugar, o reconhecimento e a valorização das minorias sociais, especialmente
aquelas sujeitas à discriminação e marginalização: os indígenas, os afro-
brasileiros, os quilombolas, moradores de zonas rurais e áreas urbanas
periféricas e grupos discriminados por questões étnicas, etárias, religiosas,
de gênero, orientação sexual, deficiência física ou intelectual e pessoas em
sofrimento mental. Dentre as propostas destaca-se os programas de
reconhecimento, mapeamento, preservação, fomento e difusão do patrimônio
e da expressão cultural dos e para os grupos que compõe a sociedade
brasileira.(Lei N° 12.343)
Em segundo lugar as diretrizes relativas a diversidade cultural estão
ligadas à promoção das artes e das manifestações culturais como um todo.
Entre a grande variedade de diretrizes e estratégias dedicadas às
manifestações culturais pode-se destacar as diretrizes de: capacitação e
profissionalização, pesquisa e difusão, apoio à inovação da linguagem
artística; entre outras, estímulo à produção , circulação e formação de
acervos e repertórios; promoção do desenvolvimento das atividades
econômicas relacionadas à arte e a cultura; disseminar e ampliar a
apropriação social do patrimônio cultural brasileiro; promover ações de
educação patrimonial, fomentar a pesquisa, documentação e difusão das
manifestações culturais populares; incentivar e promover a qualificação da
produção do design, da arquitetura e do urbanismo contemporâneos;
fortalecer a política de pesquisa, documentação e preservação de sítios
arqueológicos; promover redes de instituições dedicadas à documentação,
pesquisa, preservação, restauro e difusão da memória e identidade dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira; promover e fomentar
iniciativas de preservação da memória da moda, do vestuário e do design
brasileiro; instituir a paisagem cultural como ferramenta de reconhecimento
da diversidade cultural brasileira; preservar, registrar, salvaguarda e difundir
todas as línguas e falares usados no País, inclusive a língua Brasileira de
Sinais, LIBRAS, e as línguas indígenas e de outros povos e comunidades
tradicionais.
Um ponto em que se pode relacionar as propostas da convenção nas
medidas e políticas traçadas pelo Plano são as políticas relacionadas à
valorização da cultura como fator de desenvolvimento sustentável. No artigo
13, direcionado à integração da cultura no desenvolvimento sustentável, a
Convenção propõe para as partes os “esforços para integrar a cultura nas
suas políticas de desenvolvimento, em todos os níveis, a fim de criar
condições propícias ao desenvolvimento sustentável”(UNESCO,2005). Em
adequação as propostas da Convenção o Plano estabelece em seu capítulo
IV as diretrizes e ações para o desenvolvimento sustentável e afirma que a
cultura é vetor essencial para a construção e qualificação de um modelo de
desenvolvimento sustentável para o país.
Com o objetivo de ampliar a participação da Cultura no
desenvolvimento socioeconômico, promover as condições necessárias para a
consolidação da economia da cultura e induzir estratégias de
sustentabilidade nos processos culturais. As diretrizes e estratégias expostas
no Plano reverberam, assim, as intenções da Convenção e propõem ações
no sentido de: mapear, fortalecer e articular as cadeias produtivas que
formam a economia da cultura, consolidar o turismo cultural, fortalecer o ciclo
econômico dos setores culturais, ampliar o alcance das indústrias e
atividades culturais, estimular o uso da diversidade como fator de
diferenciação e incremento do valor agregado dos bens, produtos e serviços
culturais entre outras medidas.
Por fim ao analisar o Plano é possível perceber em suas diretrizes e
em sua própria formulação o destaque dado pela Convenção à participação
da sociedade civil na elaboração, implementação e fiscalização das políticas
culturais. Em seu artigo n° 11 a Convenção reconhece “o papel fundamental
da sociedade civil na proteção e promoção da diversidade das expressões
culturais” e propõe para os países o incentivo da participação da sociedade
civil na formulação de suas políticas culturais. A partir de uma grande
diversificação de fonte de canais de participação social através de
conferências municipais, intermunicipais, estaduais e nacionais de Cultura;
seminários setoriais nas 5 macrorregiões do país; conferência virtual;
câmaras setoriais, criação e fortalecimento de conselhos municipais,
estaduais e federal de cultura o plano confirma estar em sintonia direta com a
propostas estabelecidas pela UNESCO.
Portanto ao analisar o desenvolvimento da diversidade cultural nos
acordos internacionais e a centralização deste tema nas políticas culturais
atuais podemos afirmar que o Brasil vem procurando se guarnecer de
instrumentos de gestão que permitam as políticas culturais seguirem o curso
da proteção e promoção da diversidade cultural; promover a criação de novos
canais de participação da sociedade civil e reconhecer a cultura como vetor
de desenvolvimento de uma sociedade .(CALABRE, 2009)
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(RE)PENSANDO POLÍTICAS CULTURAS NA BAIXADA
Sandra Regina Fabiano Rosário Vieira 30
Maria da Glória Santos da Silva 31
RESUMO Este artigo pretende sumarizar a Baixada Fluminense e, a partir de sua história e políticas publicas de culturas implementadas pelos governos federal, estadual ou municipal desde a década de 30. Ele esta divido em três partes :Definição da Baixada Fluminense ,construção histórica da localidade e analises da participação desses municípios no SNC. Palavras Chave- Política, Cultura, Participação, SNC, Baixada Fluminense
Neste artigo, temos como objetivo fazer uma análise sobre políticas
culturais na Baixada Fluminense32. Esta reflexão surge pela busca de
compreensão como se estabelece a relação entre o órgão de gestão da
cultura nos municípios dessa região e as políticas implementadas pelos
governos estaduais e federais em relação a estes municípios nos últimos
anos. Este sumário começa na década de 30, época esta em que o Brasil
começa sua formação enquanto estado nacional e segue até os dias atuais,
pois não podemos falar das políticas culturais executadas atualmente sem
rememorarmos os períodos anteriores. O governo Federal vem ao longo dos
últimos anos procurando tecer uma teia cultual, isto é, montar o Sistema
Nacional de cultura33 como forma de garantir a cidadania cultural
A área de cultura vem sofrendo grandes progressos nos últimos anos,
originados na articulação e mobilização dos agentes que atuam na área e na
30 VIEIRA, Sandra Regina do Rosário. Graduanda CST em Produção Cultural – IFRJ
(Campus Nilópolis). E-mail: [email protected] 31 SILVA, Maria da Glória Santos da. Granduanda CST em Produção Cultural – IFRJ
(Campus Nilópolis) & Bolsista do PET- Conexões de Saberes em Produção Cultural. E-mail:
[email protected] 32 Geograficamente, é uma planície que se estende paralelamente à costa, entre a Serra do
Mar e o oceano. Atualmente, refere-se principalmente a antiga região da “Baixada da
Guanabara”. Segundo o IBGE, a Baixada Fluminense tem 3,7 milhões de habitantes
divididos em 13 municípios – Duque de Caxias, São João de Meriti, Nova Iguaçu, Nilópolis,
Belford Roxo, Mesquita, Japeri, Seropédica, Itaguaí, Paracambi, Magé, Guapimirim e
Queimados. 33 SNC- Sistema nacional de cultura
compreensão da cultura como direito assegurado pela constituição federal ou
simplesmente pelo redimensionamento do significado de cultura. Neste
sentido, contextualizar a Baixada Fluminense em relação a esses avanços,
quando se constata que em seus municípios raramente incluem como
políticas públicas a questão da cultura, mesmo com o quadro favorável do
setor cultural, ainda é visto como ações ou programas desarticulados
(oficinas, exposições, bienais, festivais, etc.) e não é considerado constitutivo
– pelos governos municipais- da vida das comunidades nem fundamental
para o desenvolvimento social e cultural e a melhoria da qualidade de vida.
Essa posição periférica que as políticas culturais ocupam nas agendas
governamentais e a maneira pouco profissional de como são conduzidas
gera fragilidade nesta área. Este quadro foi definido por Hamilton Faria a
mais de dez anos, quando afirmou que:
“as secretarias de cultura dos municípios sempre foram
secundarizadas: orçamentos mínimos (nunca superior a 2%), com
pessoas pouco especializadas e uma presença zero à esquerda no
debate político” (FARIA, 1997, p. 11).
A construção de uma agenda mínima que priorize as questões
culturais é de vital importância, para isto se faz necessário a construção de
políticas públicas de cultura de estado e não políticas de governo.Junto a
essas questões do campo político e preciso que se realizem estudos sobre
as demandas culturais dos municípios como forma de subsidiar as políticas
culturais CALABRE ,2010p.13) alerta que:
Os estudos sistemáticos de cultura são recente as primeira iniciativas
de políticas culturais datam da década de 30 com ações formuladas
por Mario de Andrade e Gustavo Capanema a frente do departamento
de cultura de São Paulo,neste sentido esses intelectuais foram os
primeiros a pensar políticas públicas de cultura para o pais.
CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA BAIXADA FLUMINENSE Segundo os pesquisadores, TORRES E DIAS, alertam que o
desenvolvimento da Baixada Fluminense se deu a partir do ciclo de
mineração no Brasil, no século XVIII, quando foi importante corredor de
escoamento do ouro de Minas Gerais. Um pouco depois, já no século XIX, foi
uma das primeiras regiões de plantio do café no país. Com a criação da
estrada de ferro Dom Pedro II (atual EF Central do Brasil) foi dado outro
impulso no crescimento da região. Esta estrada esvaziou as rotas tradicionais
pelos rios e fez surgir novas vilas e povoados que, hoje, são as principais
cidades da Baixada Fluminense. A partir do século XX, a região recebeu
obras de drenagem, de forma que poderia ser habitada por um maior número
de pessoas vindas da então capital federal, a cidade do Rio de Janeiro.
Segundo Lacerda a primeira tentativa de emancipação do município
de Duque de Caxias teve como consequência a prisão de seu idealizador ,o
autor afirma que a emancipação se deu por em função da política
Getulista,que consciente das conjunturas de âmbito nacional e
internacional34,que buscava criar na população um sentimento de
nacionalidade,que ao mesmo tempo assegurava a organização do quadro
territorial do país e podava o excesso de regionalismo que ,entre outras
coisas, era base de sustentação das oligarquias locais. A independência só
se deu na área geográfica, na questão política a solução encontrada - para
frear os impulsos emancipatórios- foi a nomeação de interventores.Outras
emancipações só voltam a acontecer em1947 , mas os recém emancipados
tem sua administração feita por prefeitos indicados pelo governo do Estado.
Com isso os municípios tinham uma enorme dificuldade de se estabelecer. A
longa historia de autoritarismo que marcou o país continuou a assombrar a
região. A questão cultural pouco ou nada era pensada para localidade; a
cultura era vislumbrada por um olhar bastante restrito, Isto é,cultura como
manifestação do “culto”, o que leva ao preconceito em relação as atividades
e os lugares onde a cultura e urdida e também uma visão acomodada em
relação á sociedade.(FARIA, 2003 p.35)
Era o momento da constituição da identidade nacional, mas do que
nunca era preciso homogeneizar as identidades, se buscava elementos
simbólicos para a formação de imagens de identidade nacional. (NICOLAU
34 No Brasil, o golpe de 1937, com a instauração do Estado Novo.No âmbito internacional
ocorria a segunda guerra mundial que envolveu a maioria das nações do mundo.
NETTO, 2009, p.60 ) e esses símbolos não estavam na baixada fluminense
local que carecia de muitas coisas entre elas escolas e saneamento básico.
Para CALABRE (2010, p.13), entre 1945 a 1964 a maior parte
dos investimentos na área da cultura foi realizada pela iniciativa
privada, o Estado não promoveu ações de grande vulto neste campo.
Com o fim da 2ª guerra mundial em 1945 os meios de comunicação
tiveram um crescimento fenomenal, “as camadas menos favorecida da
população frequentavam os auditórios das rádios, as lonas de circo e
os cinemas que se espalhavam por toda a cidade, inclusive nos
subúrbios”.
Podemos dizer que a política de cinema permeou também a Baixada
Fluminense a partir principalmente de 1950, como demonstra os
depoimentos35 de moradores antigos da localidade, eles relatam que em São
João de Meriti existia cinema em vários sub distrito entre eles Éden,Coelho
da Rocha e Agostinho Porto no centro do município o relato e de que havia
pelo menos 4 cinemas espalhados ao longo da rua da Matriz. Os circos
circularam também nestes municípios, pois eram de fácil montagem - forma
de solucionar a falta de aparelhos culturais - e recebiam as cantoras do radio.
Segundo dados da MUNIC36 96% dos municípios não possuem aparelho
culturais está situação que perdura ate hoje tem origens históricas .
Com o golpe militar em 1964 o país vive um grande censura, a
baixada fluminense recebe novos fluxos imigratórios, atores sociais que
fugiam da repressão se abrigam na região, novos interventores são
designados para a localidade. Esses municípios continuavam tendo
dificuldade de se pensar enquanto unidades autônomas produtoras de uma
diversidade cultural. A cultura urdida nas localidades continuava sendo
invisível.
Com o processo de redemocratização do país, no final da década de
70 e inicio da década 80 a questão cultural passa a ser pensada como uma
questão, mas abrangente, mesmo assim as secretárias municipais de cultura 35 Os depoimentos aqui registrados são de moradores de São João de Meriti. Depoimentos
de moradores de outros municípios foram transcritos, mas não foram utilizados no
texto,serviram como base de informação. 36 Suplemento de Cultura da Pesquisa de Informações Básicas Municipais - MUNIC,2007
não conseguem acompanhar, as pessoas nomeadas para essa pasta são de
caráter político pouco ou nada tendo haver com o fazer cultural. Os dados da
MUNIC revelam este quadro que perdura nas secretarias.
Em 84,6% dos municípios não há órgãos exclusivos para gerir a cultura .A
MUNIC 2006 mostra que em 72% dos municípios brasileiros ainda
predomina a cultura acoplada a outros temas . Somando-se esta
porcentagem aos 12,6% em que o setor é subordinado a outra secretaria, ou
seja, configurando um menor status , temos que 84,6% de órgãos gestores
não exclusivos da cultura . Quando a cultura está em conjunto com outras
políticas setoriais – geralmente com a educação – ela costuma ser
considerada de forma marginal. Outro dado revelador do lugar ainda marginal
do setor cultural na agenda dos governos municipais se revela ao
examinarmos as baixas porcentagens de municípios que possuem
secretarias exclusivas (4,2%) e fundações públicas (2,6%) que, somadas,
atingem apenas 6,8%. (MUNIC, 2006)
Os dados da MUNIC demonstram o que no dizer de Faria é a política
do pão e do circo a pouca relevância que adquire a pasta da cultura nas
gestões municipais.
Os modelos mais tradicionais de entendimento da cultura estão preocupados
com o circo (apenas espetáculos) enquanto o pão falta e as coisas
continuam como estão. “Artistas e agentes culturais, vocês que são o ‘pomo
da discórdia, ‘fator de transgressão’, ‘elemento de dissenso’, fiquem com a
fatia cultural, mas não se metam nos grandes problemas locais, nacionais.
Deixem as políticas e os negócios para nós...”(FARIA ,2003,P.45)
Nos anos 90 a cultura passa por momentos difíceis o desmonte do
ministério na era Collor, o neoliberalismo de Fernando Henrique que pregava
um estado mínimo, se este período foi desastroso para o MINC para as
secretarias de cultura da Baixada o efeito foi o mesmo.(BOTELHO
,p.69,2010) assinala que foi um momento caracterizado pela total ausência
da discussão em torno das políticas culturais,diretrizes e prioridades ,se
esses municípios já não tinham a prática de pensar políticas culturais, neste
período o aniquilamento foi total. Foi um período de descrédito na área
cultural as secretarias municipais de culturas, quando existiam ,agregavam
vários setores; estas eram compostas por quadro pouco qualificado e a falta
de orçamento era marcante.
POLÍTICAS CULTURAIS DOS ANOS 2000 E A BAIXADA FLUMINENSE No inicio da gestão do Ministro Gilberto Gil o ministério passa a
trabalhar na recuperação do conceito mais abrangente de cultura37, a cultura
passa a ser vista no sentido antropológico, o MiNC passa a trabalhar em
ações estruturantes que subsidiassem a construção de m novo perfil de
atuação do Estado diante e junto a sociedade (BOTELHO, 2010).Neste
sentido os vários municípios da baixada fluminense foram mobilizados. Era
preciso sensibilizar os governos locais da importância de se ter órgão
gestores de cultura.
O primeiro momento dessa grande mobilização foi em 2005 quando o
ministério da Cultura começou, a colher a adesão para o SNC dos Estados e
Municípios por meio desses protocolos ambos se comprometiam com
criação de condições institucionais para implementação do SNC .Nada
menos do que 21 Estados, considerando o Distrito Federal, e 1.900
Municípios, formalizaram, até julho de 2006, a intenção de compartilhar e
implementar com a União as premissas institucionais para a efetivação do
SNC, sendo que somente dois municípios da baixa fluminense assinaram a
adesão ao SNC neste ano, são eles : Belford Roxo e Nova Iguaçu sendo
este ultimo escolhido para ser sede das oficinas38 do SNC. Municípios que
37O Minc adota um conceito mas abrangente que utiliza a cultura nas suas três dimensões
,isto é,simbólica ,cidadã e econômica. Cultura simbólica adotando uma abordagem
antropológica abrangente, o PNC retoma o sentido original da palavra cultura e se propõe a
“cultivar” as infinitas possibilidades de criação simbólica expressas em modos de vida,
motivações, crenças religiosas, valores, práticas, rituais e identidades.Cultura cidadã
fundamenta-se no principio de que os direitos culturais fazem parte dos direitos humanos e
devem constituir-se como plataforma de sustentação das políticas culturais, a cultura como
direito garantido pela constituição. Cultura econômica apoiará de forma qualitativa o
crescimento econômico brasileiro.Estas definição foram extraídos do PNC- Plano Nacional
de Cultura- 38 Oficinas do sistema consistiram em 30 módulos de oficinas de informação e formação para gestores
e produtores culturais de municípios que assinaram o protocolo de adesão ao SNC ou manifestaram a
participaram das conferencias municipais na região sudeste;no Rio de
Janeiro foram 16 municípios sendo 2 da baixada fluminense.Na conferencia
intermunicipal o nível de adesão foi maior em um total de 29 municípios 6
eram da Baixada Fluminense39. Os dados de 2012 mostram a quantidades
de municípios que realizaram suas conferencias aumentou, mas isto não
significa que os mesmos tenham aderido ao SNC, já que esta adesão
significa co - responsabilidade mútua.Na estatística de 20 / 08/2012 a
situação era: dos 13 municípios que formam a região do recôncavo
guanabarino apenas 6 fizeram a adesão ao SNC, Municípios que até então
sempre foram ponta de lança são Belford Roxo, Nova Iguaçu e Duque de
Caxias os outros se alternam entre uma ou outra atividade de consolidação
do SNC . Em relação às políticas culturais implementada pelo governo do
Estado do Rio de Janeiro o PADEC40 se mostrou como um dinamizador para
as políticas culturais, mesmo assim dos 91 municípios do Estado do Rio de
Janeiro sete deles não enviaram qualquer projetos sendo que os municípios
estudados, seis ,não constam na listagem do PADEC, isto significa que
pelos menos seis municípios pertenciam a Baixada Fluminense.
Em relação ao fundo municipal de cultura somente o município de
Nova Iguaçu tem o seu em funcionamento e já lançou edital para liberação de
verbas.Os conselhos de políticas culturais existem na maioria dos municípios
sendo que muitos deles são conselhos chapas brancas,isto é ,não tem uma
atuação efetiva na área. É preciso estudar a vocação de cada município
isoladamente, quantificar as suas demandas para que se possa buscar apoio
nas áreas federal, estadual e na área privada, já que os municípios são
devedores de uma política cultural os seus habitantes. Devemos lembrar que
a constituição elenca que a cultura e direito de todo e o estado deve
assegurar esse direito.
Tentamos sumarizar nas paginas anteriores um histórico de políticas
culturais contextualizando a Baixada Fluminense, bem como a atuação dessa
intenção de fazê-‐lo. As oficinas ocorrerão em municípios-‐ sede e envolveram outros municípios da
região. 39Dados retirado do relatório da 1ª conferencia Nacional de Cultura. 40 Programa de Apoio ao desenvolvimento cultural dos municípios do Estado do Rio de Janeiro
região entorno das políticas culturais que cercaram o país. Precisamos traçar
um perfil do poder publico local e o contexto em que as disputas e as
negociações se realizam para que esses estudos possam torna-se elementos
de elaboração de políticas culturais futuras. A qualificação de profissionais
da cultura nos órgãos gestores de cultura em âmbito da Baixada
Fluminense é um desafio a ser enfrentado nos próximos anos, espera-se que
a estruturação de planos de cultura e constituição de fundos
orçamentários para o cumprimento desses planos e metas reduzam
gradativamente esse quadro e que em breve a situação seja diferente, com
pessoal concursado, qualificado e atuante à frente desses órgãos.
Sabemos que esse estudo é preliminar e não está concluído, ainda há muito
a ser pesquisado. É preciso que esses municípios sejam estudados como
regiões independentes que são gerando documentos que fortaleçam as
ações culturais e preservação de seu patrimônio material e imaterial.
REFERENCIAS BARRETO, Alessandra Siqueira. Um olhar sobre a Baixada:Usos e representações sobre o poder local e seus atores. BOTELHO,Isaura. Uma rápida reflexão sobre o Minc entre 2003 a 2011.IN :BARROS,José Marcio,OLIVEIRA BRASIL. Ministério da Cultura. Guia de Orientações para os Municípios Perguntas e Respostas: Sistema Nacional de Cultura.2011,Brasília.80p BRASIL. Ministério da Cultura. As Metas do Plano Nacional de Cultura,Brasília,Secretaria de Políticas Públicas,2012,216 p. BRASIL. Ministério da Cultura.Oficinas do Sistema Nacional de Cultura,Brasília, 2005.
BRASIL. Ministério da Cultura.Cultura em números:anuário de estatística culturais,2009,243p. CALABRE,Lia.Políticas culturais no Brasil:dos anos 30 ao século XXI,Rio de Janeiro,FGV,2009,144p. ___________.Textos nômades.Políticas Culturais no Brasil:Historia e contemporaneidade.Fortaleza,Banco do Nordeste do Brasil,2010. CUNHA FILHO,Francisco Humberto.Federalismo Cultural e Sistema Nacional de Cultura:Contribuição ao debate,Fortaleza.Edições UFC,2010,155p LACERDA,Stélio.De subúrbio dormitório a “cidade Progresso” .In : TORRES Genises (org.),Baixada Fluminense :A Construção de uma Historia,2.ed.rev.e ampliada,Rio de Janeiro,INEPAC,199-202P.266P FARIA, Hamilton .Conselho Municipal de cultura: Cultura participativa e Cidadania cultural. In: CALABRE ,Lia (org.)Políticas Culturais : reflexões sobre gestão,processos participativos e desenvolvimento,São Paulo ,Itaú Cultural,Fundação Casa de Rui Barbosa,p. 94-‐1022009,145 p.
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Produção Cultural, linguagens artísticas e mídias
MODELO DE BRIEFING PARA ELABORAÇÃO DE PROJETOS CULTURAIS¹
Jonas Nogueira²
Sergio Sobreira³
Universidade Federal da Bahia, Bahia, BA
RESUMO: O modelo de Briefing para Elaboração de Projetos Culturais é uma
ferramenta desenvolvida pelo Núcleo de Produção Cultural da Produtora
Júnior, empresa júnior da Faculdade de Comunicação da UFBA, para auxiliar
na modelagem de projetos ou produtos culturais. A ferramenta tem como
base estudos na área de marketing e publicidade tendo em vista que o
briefing é originário das mesmas e foi adaptado para a área cultural visando
facilitar a análise e o mapeamento de problemas e impulsos que levam a
elaboração de um projeto cultural.
PALAVRAS-CHAVES: Briefing; Ferramenta; Planejamento; Projetos
Culturais. INTRODUÇÃO:
1. Trabalho submetido ao II Encontro Nacional de Produção Cultural, na modalidade
apresentação oral, no eixo temático “Produção Cultural, linguagens artísticas e mídias”.
2. Aluno do 3º semestre, Gerenciador do Núcleo de Produção Cultural da Produtora Júnior -
UFBA, empresa júnior de produção em comunicação e cultural. E-mail:
3. Professor orientador da Produtora Júnior – UFBA e orientador do trabalho, docente do
curso de Produção Cultural UFBA. E-mail: [email protected]
A palavra briefing vem do verbo inglês brief que significa resumir, fazer a
apresentação sumariada de alguma coisa. Segundo o Dicionário de
Marketing o briefing ou brífingue é a “Soma de conhecimentos que abrangem
a situação de mercado e o produto ou serviço, em relação a suas
características intrínsecas aos concorrentes e aos objetivos gerais da
empresa e do plano de marketing, em termos de venda ou imagem”. De
maneira geral briefing é um conjunto de informações, uma coleta de dados
passada em uma reunião e fruto de pesquisas para o desenvolvimento de
um trabalho ou documento, sendo uma ferramenta muito utilizada
em Administração, Relações Públicas e na Publicidade.
O briefing deve criar um roteiro de ações para gerar a solução que o cliente
procura. É como mapear o problema e, com estas pistas, ter ideias para
encontrar soluções. Nele é especificado qual o produto a ser desenvolvido,
qual o seu conceito, para quem se destina e os recursos produtivos. Sua
função é reunir as informações necessárias, pois estas estão dispersas, parte
no cliente, parte no mercado, parte na pesquisa, etc. De forma geral ele serve
para direcionar e delimitar as ideias para a análise do problema. No momento
em que começa a investigação do problema, também começa o processo de
planejamento.
Partindo dessa ideia de “mapeamento do problema”, que a ferramenta
briefing é emprestada do marketing para a produção cultural. Muitas vezes os
produtores e artistas por viverem intensamente o ambiente no qual trabalham
e criam, passam por situações aonde o projeto vem na forma de uma ideia e
não de uma análise apurada do cenário. Aqui partimos do ponto que projetos
culturais “são iniciativas voltadas para a ação sobre objetos reais e ideias que
expressam valores intangíveis significativos para determinado grupo social.”
(ROBERTO, Hermano), portanto se originam de um problema ou possuem
um objetivo maior a ser alcançado, tendo em vista seus impactos e
influências que incidirão sobre seu público.
O briefing para elaboração de projetos culturais se constitui como uma fase
completa de estudos onde este se destina a auxiliar no processo de
concepção e planejamento de um projeto com um olhar sistematizado. Ele é
um questionário que aborda aspectos mais genéricos, essenciais no
momento da elaboração e do planejamento de um projeto, servindo para
orientar o criador a entender aonde se quer chegar e quais os melhores
caminhos a seguir. Através dele é possível avaliar os quesitos propostos e a
efetividade do projeto. Nele é especificado qual o produto a ser desenvolvido,
qual o seu conceito, para quem se destina e os recursos produtivos. O
briefing tem o intuito de configurar a ideia de um projeto ou produto cultural
antes de direcionar esforços para a elaboração do mesmo.
CONTEÚDO: O briefing para elaboração de projetos culturais deve ser preenchido pelas
principais pessoas envolvidas no projeto antes de direcionar esforços para a
configuração do projeto cultural. Composto por perguntas abertas e de
múltipla escolha, ele desenha as principais informações para uma análise
minuciosa da viabilidade do projeto, assim como no final oferece um
panorama geral do mesmo. Ele é um apanhado de técnicas da literatura de
manuais para elaboração de projetos culturais, dicas de especialistas da área
e algumas perguntas centrais de um briefing corriqueiro. Segue as etapas
para a elaboração e utilização do briefing:
Brainstorm: Passo a Passo
1) Reunir o máximo de informações e opiniões sobre a ideia do projeto,
principalmente sobre as pessoas, grupos e instituições familiarizadas
com o assunto e sobre outros projetos de mesma natureza realizados
ou que falharam.
.......................................................................................................................
...
2) Definir precisamente o produto do projeto.
.......................................................................................................................
...
3) Realizar brainstorming do projeto. Visualizar identidade.
.......................................................................................................................
...
Visão genérica do que se pretende ver realizado. Questões-chaves:
1) O que o projeto que vamos configurar irá gerar (produto final)?
a) Um bem artístico
b) Um divertimento
c) Um serviço
d) Um novo conhecimento
e) Outros (especifique):
............................................................................................................
...
2) Quais os beneficiários potenciais do resultado do projeto? Especifique.
(público-alvo)
a) Um grupo específico de pessoas.
b) Uma comunidade
c) A sociedade em geral
d) Outros (especifique):
............................................................................................................
...
3) Quanto, aproximadamente, poderá custar um projeto como esse (valor
estimado)?
.................................................................................................................
...
4) Quem poderá se interessar em financiá-lo (possíveis patrocinadores)?
.................................................................................................................
...
Origem e motivações que levaram à configuração. Questões-chaves:
1) Por que o projeto deve ser modelado?
� Maximização de rendimentos
� Novas oportunidades de mercado
� Novos públicos
� Resposta a pressões politicas
� Legitimação
� Novas barreiras de mercado
� Novas tecnologias
� Resposta à concorrência
� Retração de mercado
� Retração de público
� Outros motivos, quais?
............................................................................................................
...
2) Quem exerce pressão para que o projeto seja modelado? Especifique.
a) O público
b) Patrocinadores
c) Grupos específicos
d) Governos
e) Clientes
f) Concorrentes
g) Fornecedores
h) Organização matriz
i) Organizações independentes
j) Outras organizações
k) Reguladores
l) Outros:
...........................................................................................................
...
3) Em que ambiente o projeto deve ser modelado?
a) Adverso
b) Favorável
c) Em mudança
d) Estagnado
e) Otimista
f) Pessimista
Por quê?
............................................................................................................
...
4) Quais os motivos?
� Aproveitar incentivos e apoios governamentais
� Aproveitar recursos naturais ou refugos industriais
� Atender a demandas de uma comunidade
� Atender a uma prescrição legal
� Atender a demandas comerciais insatisfeitas
� Atualizar administrativamente uma organização da área cultural
� Atualizar tecnicamente um serviço
� Conservar bens intangíveis ou tangíveis móveis ou imóveis
� Demonstrar a viabilidade de um empreendimento
� Desenvolver a produção artesanal
� Desenvolver ou adquirir um novo serviço cultural
� Criar um bem ou implementar um serviço
� Estabelecer sistemas de controle
� Estimular a criação e a manifestação de indivíduos, grupos ou
comunidades.
� Exportar bens ou serviços culturais
� Importar, adquirir, melhorar ou desenvolver técnicas e tecnologias.
� Levar a efeito uma campanha educativa
� Melhorar a qualidade de produtos oferecidos
� Obter financiamento ou outro tipo de apoio para um empreendimento
� Preservar bens intangíveis ou tangíveis, móveis ou imóveis.
� Promover mudanças na estrutura ou no estilo de uma organização
cultural
� Interromper situações de monopólio ou oligopólios
� Substituir importações
Árvore de problemas O objetivo da árvore de problemas é identificar as relações de causa/efeito, a
partir da definição de um problema central que lhe leva a modelar este
projeto. Hierarquize os problemas e aponte os efeitos oriundos de cada um.
Liste todos os problemas que levam a modelagem desse projeto, depois eleja
um como central e disponha os outros problemas que são frutos dele (no
caso de existir vários problemas centrais, escolha o que se aproxima mais da
modelagem do projeto). Faça a mesma coisa com os efeitos. Primeiro o
problema central, depois os que são gerados por conta dele e logo após os
que são gerados pelos problemas secundários.
Árvore de objetivos
Esta árvore descreve uma situação futura, a ser alcançada quando o projeto
estiver concluído. A construção da árvore é simples. Trata-se apenas de
converter a hierarquia de causa/efeito da árvore de problemas em uma
árvore onde as causas/efeitos apareçam como meios/fins do projeto.
Reescreva os retângulos da árvore de problemas em condições positivas: o
que eram efeitos viram fins e o que eram causas viram meios. Exclua algum
fim ou meio que não se adeque e escolha seu objetivo central - não
necessariamente o objetivo oriundo do problema central será o objetivo
central. Após essa reversão escolha o objetivo que mais se adeque a sua
proposta, consequentemente os outros poderão ser os objetivos específicos.
Problema central:
EFEITOS -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐
CAUSAS
Matriz de Estrutura Lógica (Resumo do Briefing) Gráfico que resume as condições gerais do projeto. Destina-se a permitir
uma visão imediata, não-detalhada, do objetivo, das intenções e das
condições do projeto; fixar critérios e meios de verificação de recurso e
metas; indicar as premissas e condições externas ao projeto.
Descrição Indicadores Meios de Verificação
Finalidades
Objetivos/ Produto
Metas
Recursos
FINS -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐ -‐
MEIOS
*Finalidade (os objetivos maiores do projeto) O que será beneficiado ou modificado se e quando o objetivo do projeto for
atingido. Aquilo que o projeto serve. Finalidade é sempre genérica, mas
nunca abstrata.
*Objetivo (aquilo que será alcançado quando o projeto estiver concluído) Chamado também de proposito, finalidade especifica ou objetivo geral. O que
será alcançado quando o projeto esteja concluído. O objetivo e o produto são
descritos juntos porque estão profundamente relacionados.
*Produto: Qualquer classe de bens, tangíveis ou intangíveis, incluindo desde bens
materiais até serviços ou mesmo ideias geradas pelo projeto.
*Metas (objetivos intermediários quantificáveis) Objetivos intermediários ou subobjetivos. Produtos intermediários que,
quando combinados, são suficientes para que o objetivo seja alcançado.
*Recursos Tudo o que e necessário para que cada meta seja alcançada. Devem ser
expressos na forma de recursos humanos, materiais, intangíveis e
financeiros. Não é necessário, a princípio, especificar cada recurso, mas
pensar de forma geral e estimada o que e necessário.
DICA:
CONCLUSÃO: Entendendo a área cultural como uma área transversal que dialoga com
vários nichos de conhecimento, mas que principalmente movimenta e gera
um volume considerável de capital dentro da economia de todos os países,
nota-se a importância da profissionalização de seus trabalhadores e da área
em si. O processo de mapeamento de suas etapas seja ela o ciclo da
economia da cultura ou o ciclo de vida de um projeto cultural ajuda a
colocarmos a cultura no seu real patamar de valor.
O modelo de briefing para elaboração de projetos não somente destaca a
importância do cuidado com projetos culturais, mas principalmente a
importância de estudos na área cultural enquanto campo profissional e sua
operacionalização. Ele coloca em cheque questões como a informalidade,
seja de seus profissionais ou de seus processos, assim como dialoga com
questões voltadas para organização da cultura e até mesmo a economia
criativa.
Com o briefing propomos uma etapa de pré-modelagem ou modelagem para
os projetos culturais. Entendendo a modelagem como “a ordenação lógica de
projetos, a exposição fundamentada do que se pretende ver realizado.” Ao
final dessa etapa podemos avaliar a efetividade e o valor da ideia do projeto,
assim como as informações contidas no briefing nos ajudará na elaboração
do mesmo, transformando a etapa de elaboração do projeto cultural mera
alocação e desenvolvimento das informações contidas no briefing
organizando-as em forma de texto. O resultado disso é um planejamento
muito mais eficaz das ações e do valor cultural do projeto.
REFERÊNCIAS: BERTOMEU, João Vicente Cegato. Criação na propaganda impressa. São
Paulo: Futura, 2002.
CABRAL, Plínio. Propaganda: técnica da comunicação industrial e comercial.
São Paulo: Atlas, 1980.
MOREIRA, Júlio César Tavares. Dicionário de termos de marketing:
definições, conceitos e palavras-chaves de marketing, propaganda, pesquisa,
comercialização, comunicação e outras áreas correlatas a estas atividades.
São Paulo: Atlas, 1996.
RIBEIRO, Júlio. Fazer acontecer. São Paulo: Cultura, 1994.
THIRY-CHERQUES, Hermano R. Projetos Culturais: Técnicas de modelagem
2º ed rev. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008
ALMEIDA, Tayane B. Produção Cultural na Bahia: Teorias na realização de
projetos. Salvador, 2010.
FUNCEB. Orientações para Elaboração de Projetos Culturais. Salvador 2010
O VOLKSBÜHNE E O TEATRO ÉPICO A Produção Teatral nas mãos do Povo
Keila Fonseca e Silva1, Denise Medeiros Dantas2
1Mestre em Artes Cênicas (UFRN). Professora e pesquisadora do Grupo de Pesquisa CASO (IFRN). e-mail: [email protected] 2Graduanda do Curso de Tecnologia em Produção Cultural (IFRN). Bolsista do PIBIC/ IFRN. e-mail: [email protected]
Palavras-Chave: Teatro Épico – Financiamento – Volksbühne
Partindo de um estudo realizado sobre o encenador e dramaturgo
alemão Bertolt Brecht ao longo de uma pesquisa apoiada pelo PIBIC/IFRN,
deparamo-nos, com base em uma revisão histórica do teatro alemão no
período entre guerras, com um movimento popular de apoio às artes cênicas
denominado “Volksbühne”. Participaram desse movimento na Alemanha
artistas como Piscator, Reinhardt, Brecht, dentre outros.
Diante disso surgiu o interesse de pesquisar mais a fundo esse
movimento no sentido de entendê-lo e perceber quais as implicações que o
mesmo trouxe para a cena alemã no período entre guerras, correlacionando-
o com a estética do Teatro Épico, estilo formulado e desenvolvido por
Piscator e Brecht no mesmo período. Contudo, uma das dificuldades
encontradas até o momento é a escassez de material bibliográfico sobre o
movimento Volksbühne, por esse motivo ressaltamos que a pesquisa se
encontra em fase de levantamento bibliográfico.
O Volksbühne surge inspirado no Teatro Livre, do encenador francês
Antoine. O Teatro Livre era uma associação entre artistas e público (amigos e
simpatizantes) que garantia o financiamento de produções
programaticamente baratas através da contribuição das assinaturas de seus
associados. (COSTA, 2012). Como o grupo encenava peças cesuradas pelo
governo, não podia contar com o apoio do teatro comercial, recorrendo assim
a esse modo de produção para solucionar os problemas financeiros das
montagens. Por se tratar de um grupo fechado, revela COSTA (2012), as
peças a serem encenadas não dependiam da aprovação da censura e a
essência do Teatro Livre passava então a ser a liberdade na escolha dos
textos e das convenções estéticas. Esse formato de financiamento logo se
espalhou por toda a Europa e EUA, dotando o teatro de independência
política e financeira por onde passava.
Na Alemanha, inserido num contexto de revoluções e repressão
política que culminou no nazismo, o Volksbühne garantia, tal qual o Teatro
Livre de Antoine, a liberdade política, financeira e ideológica de suas peças.
Com apresentações fechadas aos sócios, o movimento teria dado seus
primeiros passos em torno de 1889, quando Otto Brahm funda o Freie Bühne
(Cena ou Palco livre). Estas iniciativas incentivaram Bruno Wille na criação
da Freie Volksbühne (Cena Popular Livre) em 1890, e da Neue Freie
Volksbühne (Nova Cena Popular Livre) em 1892 – (COSTA, 1990; MATE,
2010; CAMATI, 2009). Segundo PISCATOR (1968, p. 42), esses movimentos
tinham por objetivo “bons espetáculos teatrais, a preços razoáveis, ligados a
ambições culturais”. BOMY (2006), sobre o Volksbühne, diz tratar-se de uma
associação de trabalhadores que por meio de uma lógica de cooperação
decidiu financiar um teatro do povo para ter acesso a uma cultura que
acreditavam ser capaz de transformar suas vidas.
Assim, temos que o Volksbühne correspondia a uma modalidade de
financiamento coletivo de espetáculos teatrais em que, por meio de
sindicatos socialistas, os trabalhadores patrocinavam os espetáculos e
podiam, até mesmo, escolher a peça que queriam que fosse encenada. Em
Costa (2012, p.) Piscator relata que o público trabalhador e financiador dos
espetáculos participavam ativamente de todo o processo de encenação,
“desde a escolha do texto, passando pela produção, até o debate após as
apresentações (havendo casos de interferência durante 41 o próprio
espetáculo)”. A respeito das interferências admitidas durante os espetáculos,
Piscator relata no livro Teatro Político (1968), à guisa de exemplo, um fato
ocorrido: esperava-se a chegada de um painel que serviria de cenário para
uma determinada peça. Devido à demora para a chegada do mesmo os
atores tiveram que entrarem cena sem o painel., No meio do espetáculo,
entretanto, Piscator é avisado da chegado do painel - ele então interrompe a
encenação para inquirir aos espectadores se eles querem que a peça inicie
novamente ou se querem que os atores continuem a encenação sem o
painel. Deste fato, temos uma ideia geral das interferências possíveis
decorrentes desta relação encenador e espectadores-patrocinadores.
41 Grifos do autor.
Ainda no livro Teatro Político (1968), Piscator nos mostra os fatores
que favoreceram o surgimento do Volksbühne. O primeiro deles relativo aos
altos preços dos ingressos dos teatros berlinenses – “O homem simples vê
no teatro o ‘templo das musas’, onde só se pode entrar de casaca [...] O
teatro é uma arte de dia de festa, que o trabalhador só raramente pode
desfrutar [...].” (PISCATOR, 1968, p. 42) –; outro fator relevante é o fato de
que os teatros de então se voltavam quase que exclusivamente para a classe
burguesa e, portanto, não punham em cena os fatos sociais em sua
complexidade, mas se voltavam para o belo, o ilusório, o sentimento, a alma
– “Consideraria um ultraje ouvir, no meio dos ornatos de púrpura e de ouro,
alguma coisa sôbre a ‘horrível’ luta de todos os dias, [...] No teatro, o que
deve dominar é o sentimento, é a alma”. (PISCATOR, 1968, p. 42).
Com a construção de um teatro próprio entre 1913/1914 o movimento
ganhou as massas operárias e, segundo Costa (1990, p.102), em Berlim
chegou a contar com mais de 140 mil sócios. BOMY (2006) relata que em
1927 esse número já era de aproximadamente 540 mil sócios. Os meios de
produção teatral passavam então a ser compartilhados entre os artistas e o
povo. Foi justamente nesse ambiente de forte participação popular que surgiu
e se desenvolveu o Teatro Épico.
Segundo Costa (1990), o desenvolvimento do Teatro Épico só foi
possível graças a esse modo de produção. “O Teatro Épico só é possível se
o meio de produção estiver nas mãos da classe operária. Fora desta
condição teremos o simulacro ou a contrafação” (COSTA, 1990, p. 102). A
autora define o Teatro Épico como a forma teatral encontrada pelos artistas
que, de alguma forma, liga-se às lutas dos trabalhadores no intuito de expor o
mundo segundo as experiências dos trabalhadores (COSTA, 2012). Em
artigo publicado na revista Discurso (1990) a autora nos traz o relato do
próprio Brecht sobre essa importante relação entre o Teatro Épico e o
movimento social na discussão e defesa de seus interesses e problemas
vitais. Assim relata que “o Teatro Épico pressupõe, além de um certo nível
técnico, um poderoso movimento social, interessado na livre discussão de
seus problemas vitais e capaz de defender esse interesse contra todas as
tendências adversas”. (BRECHT apud COSTA, 1990, p. 103).
O Teatro Épico propôs uma nova estética que possibilitou ao público
uma reflexão crítica sobre as agruras da vida do povo comum, proletário,
uma reflexão distanciada do calor da emoção. Desejava inspirar de alguma
forma o povo a uma tomada de consciência coletiva, a uma ação efetiva
contra a exploração do homem pelo homem. De certo modo, o próprio
formato do Volksbühne, a partir da união popular em torno de um objetivo
comum, neste caso o financiamento das artes cênicas, nos leva a refletir
sobre os objetivos sócio-filosóficos do Teatro Épico. Ao financiar tais
produções o público patrocinador deseja de alguma forma ver-se retratado
em cena – como os mecenas do Renascimento que patrocinavam as artes no
intuito de se ver retratado pelas obras e assim conseguir se perpetrar na
história, adquirindo status e colocação na sociedade. No caso específico do
Volksbühne e do Teatro Épico, as ambições são menos pessoais: a ideia de
se ver retratado no palco perpassa um objetivo de coletividade, de classe, de
grupo. Pois os “dramas” épicos são problemas do coletivo, nunca do
indivíduo. Assim, ao desejar tirar o público da catarse que paralisa o
pensamento e a ação, o Teatro Épico envolve o espectador em um êxtase
coletivo, que perpassa o sentimento de pertencimento histórico de uma
classe que deseja ser vista, ouvida, reconhecida historicamente por suas
lutas. De que outro modo poderiam se ver retratados em sua verdadeira face
em um momento histórico de profunda crise e repressão social? Que políticas
públicas amparariam a expressividade proletária naquela Alemanha entre
guerras? Ao que podemos inferir das referências encontradas até o momento
é que a organização popular em torno do financiamento e produção de peças
foi a alternativa mais viável para atender aos objetivos das classes mais
abastadas naquele momento.
Conforme o Dicionário do Pensamento Social do Século XX, “esse
princípio de financiamento de um teatro mediante a compra antecipada de
lugares em bloco por organizações representativas de trabalhadores [...],
tornou-se política estatal dos antigos estados socialistas na Europa central e
oriental” (OUTHWAITE, 1996, p.756). Esse fato demonstra a força do
movimento ao inspirar a mudança das políticas públicas de cultura na
Europa, o que possivelmente não teria acontecido não fosse a forte adesão
popular ao Volksbühne.
Diante disso, apontamos dois pontos cruciais para o entendimento das
imbricações entre o Volksbühne e o Teatro Épico: o primeiro é o fato de que,
retomando o pensamento de Costa (1990), as condições de produção cultural
do Volksbühne favoreceram o desenvolvimento do Teatro Épico, um teatro
realizado para atender a demanda política do povo, para instrumentalizar o
proletariado através de uma forte crítica social e que ia de encontro aos
interesses políticos do momento. O segundo, dialeticamente, aponta para
uma incongruência. Se o Teatro Épico visava atingir as massas proletárias,
agregar mais criticidade ao povo e incitar uma comoção popular que
despertasse o poder da mudança, ele não teria sido plenamente satisfatório
se tivesse se fechado exclusivamente nos moldes do Volksbühne, um teatro
restrito aqueles que já compartilhavam de certa forma desta ideologia.
Retomando o livro Dicionário do pensamento social do século XX, podemos
ver que dentro do próprio movimento havia discussões filosóficas acerca
dessa delicada relação cena / público e dos objetivos da mesma, suscitando
questões tais como: “deve o público ser politicamente educado através do
teatro, ou culturalmente através da participação no teatro, como público?
Houve duas divisões cruciais.” (OUTHWAITE, 1996, p. 756).
Assim, ressaltamos a importância do Volksbühne para a mudança de
paradigmas no que concerne a política cultural no contexto sócio histórico
retratado. Um movimento popular que criou uma política própria para o
fomento e desenvolvimento das artes cênicas, à margem das políticas
públicas e agindo de modo independente e, por isso mesmo, livre das
restrições ideológicas impostas. Compreender a força deste movimento em
um período em que os instrumentos de comunicação em massa não estavam
a serviço do povo, e principalmente em um período em que não haviam
disponíveis veículos de comunicação independentes e de livre acesso, como
as redes sociais de hoje em dia, é importante na medida em que podemos
traçar importantes paralelos com a realidade da produção cênica
contemporânea independente, considerando trabalhos realizados sem
nenhum tipo de subsídio de editais, prêmios e leis de incentivo públicas. Mas
essa reflexão deixaremos para um momento posterior da pesquisa.
Diante de tais informações faz-se mister perguntar: até que ponto uma
estética cênica pode ser influenciada pelas condições de produção de seu
meio? Como se dá a relação entre os mecanismos de produção de um
espetáculo e sua resultante artística? Teria o Teatro Épico se desenvolvido
nos mesmos parâmetros estéticos em outro contexto político de produção e
fruição das artes? Estas são questões, entretanto, que não cabe responder
no espaço deste trabalho, sendo passíveis de figurar na sequência deste
estudo que tem neste artigo apenas seus primeiros ensaios.
REFERÊNCIAS
BOMY, Charlotte. La Volksbühne am Rosa-Luxemburg-Platz: Une Institution Théâtrale À L’avant-Garde. SYMBOLON, issue: 1 / 2006, pages: 97-108, disponível em www.ceeol.com.
Acessado em 16/09/2012.
CAMATI, Anna Stegh. Sonho de uma Noite de Verão no Cinema: Travessias e
Transações intermidiáticas. Revista da Anpoll. Vol. 2, n.27, 2009.
COSTA, Iná Camargo da. A Produção Tardia do Moderno Teatro no Brasil. Discurso:
Rev. Depto. Filo. Usp, São Paulo, 1990.
COSTA, Iná Camargo. Transições. In: Nem uma lágrima. Teatro épico em perspectiva
dialética. São Paulo: Expressão Popular, 2012. Disponível em:
http://issuu.com/spescoladeteatro/docs/namec2c274#download. Acessado em: 07/09/2012.
OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Social do Século
XX. Editoria na versão brasileira: Renato Lessa, Wanderley Guilherme dos Santos. Tradução
de Eduardo Francisco Alves, Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.
PISCATOR, Erwin. Teatro Político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
ARTE E PUBLICIDADE: A AÇÃO DO BIJARI E DA VISUALFARM Priscila Pereira de Moraes42
Resumo
A partir do uso do video mapping e do grafitti virtual pelos artistas e arquitetos do centro de criação de artes visuais e multimídia BijaRi e da empresa de criação e desenvolvimento de soluções visuais inovadoras Visualfarm, este artigo tem por objetivo problematizar os limites entre arte, intervenção urbana e publicidade. Nestas produções, em vários momentos, não há um limite entre eles: o trabalho é de vídeo, de intervenção, é relacional e serve, ainda, como publicidade, uma vez que os trabalhos de arte são em vários momentos patrocinados por marcas que depois usam as produções, os registros, para promover suas marcas. A partir dos conceitos de Pós-produção e Estética Relacional, de Bourriaud (2009), Cultura da Convergência, do Jenkins (2008), do uso do digital e da tecnologia nas artes de André Parente (2009) e intervenção urbana de Barja (2008), pretendo mostrar as relações entre essas linguagens no trabalho do BijaRi e da Visualfarm, sua importância estética e sua presença na cidade de São Paulo.
Palavras-chave: artes visuais, intervenção urbana, publicidade.
INTRODUÇÃO
A apropriação de formas preexistentes, de técnicas e meios de outras
linguagens amplia o vocabulário artístico, extinguindo os limites entre a
publicidade, o design e a arte. O uso do recurso técnico vinculado a um
conceito traz à visão que não há limites exatos e determinados entre as
linguagens, e sim, propostas visuais, experiências estéticas, transformações
no espaço imagético das cidades. Tanto a arte usa recursos tecnológicos
quanto a publicidade usa o repertório imagético da arte, criando a polissemia
visual urbana contemporânea.
A intervenção urbana é, em sua gênese, alteração da visualidade da
cidade e discussão crítica sobre esse espaço de vivência e convivência. Num
ambiente cercado por imagens, onde não há fuga, o espectador/transeunte
vive imerso em discursos possíveis através das muitas visões, da
publicidade, do design, da arte, e estas passam, às vezes por invisíveis, até
que toquem os afetos dos que as percebem. Ora refletem sobre elas, ora
absorvem inconsciente. O artista intervém com o intuito de ter seu objeto
42 Graduação (bacharelado e licenciatura) em Artes – História da Arte pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Pós Graduando em Linguagens Artísticas, Cultura e Educação pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro.
percebido, que possa suscitar reflexão, que altere a visualidade com a
proposta estético/conceitual própria da arte contemporânea, enquanto a
publicidade, geralmente, cria um aglomerado de imagens tão intenso, com o
objetivo do consumo, no qual a pessoa é guiada pelo marketing do produto a
comprá-lo, que cria a invisibilidade, o olhar seletivo.
As novas tecnologias seduzem os olhos e trazem reflexões sobre sua
proposta técnica e visual próprias do sensível, atribuindo novos sentidos à
realidade.
Partindo da ideia que as obras contemporâneas recorrem de formas já
produzidas (Bourriaud, 2009b, p.12), do mundo como uma espécie de acervo
material imagético dado a ser utilizado e ressignificado, os artistas utilizam
esse recurso para trabalhar obras que vão ao encontro da percepção do
mundo atual, convergindo conceitos e ideias de diversas áreas, dos diversos
suportes midiáticos, e criando diálogos entre mídias e linguagens, entre arte
e publicidade, entre caminhos possíveis que se entrecruzem. Para isso,
podemos usar a definição de Jenkins sobre Cultura da Convergência, na qual
o autor explicita como as relações entre os produtores das informações
convergem suas práticas dentro das mídias, fazendo as informações
circularem por dimensões que não são mensuráveis. Segundo Jenkins (2008,
p.27): “Por convergência refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca de experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem estar falando e do que imaginam estar falando. (...) No mundo da convergência das mídias, toda história importante é contada, toda marca é vendida e todo consumidor é cortejado por múltiplos suportes de mídia.”
O autor fala de como as mídias convergem para a polissemia possível
da sociedade atual. Aqui, pretendo delimitar as aproximações da arte e da
publicidade e dos efeitos migratórios das percepções do público das duas
linguagens na discussão sobre a cidade como suporte de obra de arte.
O uso do vídeo, seja mapping ou grafite digital, não contém em sua
técnica o domínio das artes visuais, mas é usado por ela, assim como o é
pela publicidade. Para Bourriaud (2009a, p.109): “Nenhuma técnica é tema para a arte: ao situar a tecnologia em seu contexto produtivo, ao analisar suas relações com a superestrutura e o conjunto de comportamentos obrigatórios que fundamentam seu uso, torna-
se possível produzir modelos de relação com o mundo que seguem no sentido da modernidade. Do contrário, a arte se tornará um elemento de decoração high-tech numa sociedade cada vez mais inquietante.”
A obra de arte só é obra de arte, só é interativa, como diz Parente
(2008, p.175) quando o espectador consegue encontrar diante da obra algo
que lhe faça sentido, ou ela deixa de ser obra de arte, ainda que a própria
arte contemporânea não determine qual o lugar do espectador. “O digital
modifica a própria disposição do espectador” (p.167), enquanto produtor de
imagens, onde o olhar é do que observa e de quem produz, com os recursos
simples que se tem. Porém, sendo tecnológica ou não, ela só se faz no
contato com o espectador. Para ele: “A obra só existe se ela me sensibiliza,
se ela me toca do ponto de vista da minha subjetividade, dos meus afetos.”
Há sempre a necessidade de usar a arte em um âmbito de discussão,
de conhecimento de construção de questões sobre a vida. Para esse autor, o
que é ponto comum entre todas as obras de arte é produzir sentido à
existência dentro do caos da realidade (op.cit. p.74). É a própria pulsão vital
humana, do pensar, do refletir a sua existência sobre a realidade e para além
dela.
A obra acontece quando o espectador participa ativamente dela,
refletindo experimentando, fazendo do momento espaço de experiências.
Assim como é a complexidade da própria vida, em que os múltiplos papéis
sociais são exercidos, na arte, as múltiplas faces são dadas a ver. O
espectador, pra além de receptor, é também produtor de significados, na
construção e confluência de visões acerca do ambiente cultural que o cerca.
O espectador precisa ser participante.
Além da colaboração entre artista e espectador, há colaborações entre
linguagens artísticas (de veiculação de capital cultural) e da publicidade (de
veiculação de interesses do capital financeiro). Ambos a serviço do consumo.
A produção é demandada pelo consumo (2009b, p.20), seja este qual for. Em
alguns momentos a distinção se dá no objetivo da produção: na arte, é a
reflexão estética; na intervenção urbana, estética e reflexiva sobre o
ambiente em que é projetada; na publicidade, consumo comercial. Porém
difícil é separar essas instâncias quando, por exemplo, uma obra de arte
discute questões comerciais (poderíamos citar como exemplo Damien Hirst)
e tem esse foco, ou quando uma campanha publicitária tem tal apelo estético
que fica difícil percebê-la como tal se não aparecesse a marca a ser
patrocinada. Ou quando obras de arte são usadas pelo marketing ou quando
a arte se apropria de imagens da publicidade. Os limites passam a ser tênues
e fluidos. Enquanto arte, o consumo não se dá na esfera comercial
(conceitualmente), mas na apreensão de bem cultural ativo. Enquanto
publicidade, o foco é a divulgação de marca ou objeto a ser consumido
comercialmente. O diálogo de ambas se dá na apreensão estética, nos
afetos, nas relações com a cidade e com o espectador.
Não pretendo afirmar a ideia de que arte e publicidade são como irmãs
que andam juntas sempre. Pelo contrário, são universos que tem
características muitos peculiares, porém, em alguns momentos se
tangenciam e se encontram harmonicamente. Esses são os momentos de
interesse deste trabalho. Porém, aos olhos do espectador, a percepção
estética pode superar esses limites e tratar trabalhos publicitários como
trabalhos artísticos. Segundo Bourriaud (2009b, p.31-32): “A arte visa conferir forma e peso aos mais invisíveis processos. Quando partes inteiras de nossa vida caem na abstração devido à mudança de escala da globalização, quando funções básicas do nosso cotidiano são gradualmente transformadas em produtos de consumo (incluídas as relações humanas que se tornam um verdadeiro interesse da indústria), parece muito lógico que os artistas procurem rematerializar essas funções e esses processos, e devolver concretude ao que se furta à nossa vista. Não como objetos, que significaria cair na armadilha da reificação, mas como suportes de experiências: a arte, ao tentar romper com alógica do espetáculo, restitui-nos o mundo como experiência a ser vivida.”
O artista se apropria do mundo para ressignificá-lo em seu trabalho
plástico. Tal processo se faz com o foco de discutir esse ambiente onde
essas imagens do mundo se processam e como as pessoas se relacionam
com elas em sua vida cotidiana.
A relação da arte com o espectador é mais intensa quando, além da
sua aproximação ser feita nos espaços institucionais, ela é feita também nas
ruas. As ações de intervenção urbana dão esta tônica à cidade, além de
fazerem o espectador refletir sobre este espaço. Como diz Barja (2008,
p.213): “O lugar pensado como suporte e o interator da ação artística
pressupõem a pensar a cidade em toda sua complexidade, sua história, sua
lógica sócioespacial e sua geografia física e humana, postas em consonância
com os elementos e fundamentos conceituais para a elaboração de um
projeto artístico de intervenção urbana.” O autor considera ainda que “esse
suporte/cidade” esteja sempre em transformação e que traz “visibilidade e
interatividade” por seus componentes espaciais e humanos presentes na
urbe. A cidade como um ambiente vivo de transformações possíveis em sua
transitoriedade. Diz ainda (2008, p.216): Cabe observar que, atualmente, nas artes visuais, a linguagem da intervenção urbana precipita-se num espaço ampliado de reflexão para o pensamento contemporâneo. Importante para o livre crescimento das artes, a linguagem das intervenções instala-se como instrumento crítico e investigativo para elaboração de valores e identidades das sociedades. Aparece como uma alternativa aos circuitos oficiais, capaz de proporcionar o acesso direto e de promover um corpo-a-corpo da obra de arte com o público, independente de mercados consumidores ou de complexas e burocratizantes instituições culturais.
As intervenções urbanas, que vão desde a pichação e o grafite até
obras de arte com propostas contemporâneas, se propõem a discutir esse
ambiente da cidade.
Quando as experiências partem de trabalhos publicitários, o objetivo
da marca, do branding são sempre explícitos, porém a relação que é tomada
pelo espectador não é mensurável. A relação que se tem com as marcas se
dá muito mais nos produtos em si, do que no merchandising feito por eles.
Podemos ter como exemplo as propagandas das Coca-Cola em 2011, que
são para imprimir a ideia da marca, mas que versam sobre sustentabilidade e
bem viver, cuja música (Whatever, do Oasis) e visualidade fazem crer no
discurso do mundo melhor. Independente do consumo ou não do produto, a
mensagem foi dada a ver. Claro que não há ingenuidade nisso. Se o
comercial veiculado atinge as pessoas pelo afeto, isso já valoriza a marca e
torna o produto objeto de desejo, além de fazer com que esse comercial seja
compartilhado virulentamente nas redes sociais. Porém, a experiência dada
pela visualidade também foi feita. Somos seres visuais e nossas percepções
mexem com as nossas relações com a vida. A ideia foi passada. O objetivo
estético, cumprido. O mesmo se faz na propaganda da Heineken de 2011. A
festa, a alegria, o espaço mágico vivido vende mais uma ideia de alegria que
a própria marca, que quase não aparece. Para muita gente, era um clipe de
música, ao melhor estilo MTV. Ou da Johnnie Walker, com o gigante
caminhando. Cada vez mais a marca está deixando que outras experiências
venham à tona, com as marcas ficando implícitas, mas sem perderem seu
foco: o consumidor.
O Video Mapping ultrapassa os limites do vídeo por alterar
significativamente nossa percepção sobre a paisagem urbana, dando-lhe cor
e movimento. É uma espécie de cinema a céu aberto, onde o espectador se
vê em um momento “fora do tempo”, onde a relação com o ambiente
invisível, visualmente poluído da cidade passa a ser novamente percebido,
sentido, estetizado, onde as relações que são estabelecidas com os
caminhos comuns são outras, novas. O passante começa a perceber que o
ambiente da passagem quase mecânica cotidiana pode lhe trazer uma nova
reflexão sobre o ambiente em que vive.
O Grafite Virtual é feito com projeção por meio do Tagtool,
equipamento composto por um computador, tablet (mesa e caneta digitais
para desenho), um console de controle e um joystick. Esse sistema permite
que um desenhista ou grafiteiro desenhe virtualmente imagens, animadas
pelo joystick, que podem ser projetadas em qualquer tipo de superfície ou
suporte. É o chamado Grafite Limpo, já que a intervenção nas paredes é
efêmera e não agride a superfície das paredes. Uma nova maneira de fazer
grafite, já que a ação com o uso de tinta é ilegal. Há quem considere esta
maneira de usar a linguagem do grafite como uma negação á ideia de
protesto feita pelo grafite com tinta, outros vão dizer que esta traz benefícios
quanto à conservação das cidades. Aqui o interessante é que essa
linguagem usada digitalmente traz novos olhares sobre as cidades, criando
reflexões sobre este espaço. Uma ação muito interessante foi feita pela
Visualfarm e pela Choque Cultural, em parceria com artistas internacionais, o
evento Grafite Virtual. Nessa ação podemos observar que o público interage
muito mais com os trabalhos do que os propriamente feitos nas paredes,
talvez por ser o novo, talvez por esteticamente ser muito atraente. Além
disso, permite intervir em espaços que não poderiam ser grafitados, como a
Intervenção feita pela Visualfarm no Pão de Açúcar.
Imagem da Ação Grafite Virtual, realizada em parceria entre a Choque Cultural e a Visualfarm. Disponível em http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=wntV6WYQ8AU
Imagem da Intervenção de Pinturas Rupestres no Pão de Açúcar. Frame do vídeo disponível em: http://www.visualfarm.com.br/blog/?p=58 O BijaRi, em 2011, fez o video mapping para o lançamento da série
“Planeta Humano”, do Discovery Channel. O vídeo, com imagens dos mais
diversos lugares do mundo, com os habitantes dessas regiões e sua luta pela
sobrevivência, foi projetado sobre a fachada do MASP, símbolo da cultura da
cidade. O grande impacto das imagens e do recurso tecnológico é propulsor
de interesse do telespectador, que vai consumir esse produto de mídia,
porém, independente deste foco, a exibição deste vídeo na rua, para um
público extremamente diverso, mostra também a capacidade de apreender
visualmente as percepções, tirar as pessoas da sua rotina e trazer uma nova
percepção de mundo, das diferenças, da diversidade e do valor que
possuem.
Mapping 3D Planeta Humano no MASP. Disponível em www.bijari.com.br/design/planeta-humano/ Outro trabalho do BijaRi é o João Bobo, instalação feita em três pontos
da cidade de São Paulo, dentro do projeto “Combate” exibido na plataforma
itinerante CUBO, que alertavam sobre a violência nas cidades. A partir da
ideia do João Bobo, foi feito um vídeo que foi projetado no Rio de Janeiro, a
Intervenção Urbana Projeções na Cidade, que além das imagens do
personagem continha frases como “Plasticamente sustentável”. Este vídeo
originou outro, em parceria com Betty Prado, da +LUZ e os irmãos Campana,
usado como campanha publicitária da Melissa, para lançamento da
Melissa_Corallo.
João Bobo – Intervenção Multimídia. Disponível em http://www.bijari.com.br/art/joao-bobo/
Frame de Intervenção Urbana – Projeções na Cidade. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=Hm1Cfbawfyc Campanha Sustente-se, da Melissa. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=neLyRJW3KjE
Imagem da intervenção Sustente-se. Disponível em http://www.maisluz.com.br/pt-br/projects.html#
Essa ação do grupo evidencia o quanto uma ideia de ação artística
pode se converter em ação publicitária e o video mapping da Discovery
Channel, sem a identificação da marca do canal, pode ter características de
trabalho artístico. Essas linguagens e os interesses se misturam. Como diz
Soria (2006, p.51): Em função da ascensão das intervenções urbanas na cultura contemporânea, a mídia institucionalizada tem se apropriado deste tipo de arte em busca da renovação de sua linguagem ou mesmo por mero oportunismo, já que estes movimentos, não podem passar despercebidos na sociedade, da mesma forma que a publicidade tem buscado na argumentação do discurso de rua, como o grafitti, e toda estética hip-hop, inspiração para a criação de peças e marcas. Por outro lado, grupo de intervenção, para atingir cada vez um número maior de pessoas, se apropriam da mídia e das ferramentas audiovisuais em busca de atenção para o que estão propondo.
O uso de tecnologia nos dias atuais já é fato corriqueiro. O uso de
tecnologias com múltiplas funções que são úteis e nos fazem presentes em
múltiplos lugares, participando de múltiplas funções, já é intrínseco ao nosso
tempo. A relação entre arte e tecnologia também vem nesse processo.
Assim, a arte urbana não ficaria sem tecer relações com ela.
A escolha do BijaRi e da Visualfarm se deu por buscar exatamente
grupos de artista e publicitários que dialogam com as duas linguagens e que
fazem trabalhos para estes dois nichos, mas sem abandonar um em função
do outro, onde os trabalhos de arte são repletos de referências aos trabalhos
publicitários e vice-versa. Diferente de outras empresas de criação de
soluções visuais, o BijaRi e a Visualfarm tem uma prática que dialoga
diretamente com as artes visuais, inclusive expondo em galerias comerciais
de arte, como a Choque Cultural.
Dentre muitas possibilidades da linguagem com uso de recursos
tecnológicos contemporâneos, os mais interessantes são o grafite digital e o
video mapping. O uso destas técnicas pela publicidade e pela arte mostram
como os limites entre esses duas linguagens são tênues e fluidos nos
trabalhos do BijaRi e e Visualfarm, duas empresas de criação de soluções
visuais que dialogam entre a arte e a publicidade. Segundo Mello (2003), a
informação e sua rede de conexões se constituem como ambiente para as
ações artísticas, onde: São gerados, assim, pensamentos híbridos e circunstâncias diferenciadas ao processo de elaboração artística: o modo de transformação da ideia se dá por mecanismos de contaminação e hibridação entre os meios tecnológicos. Tratam-se de criadores que encontram suas poéticas o embate direto com as mídias, geram uma série de trabalhos que subvertem-alteram-ampliam o sentido inicialmente previsto para o meio eletrônico – quer seja na discussão conceitual, quer seja em torno a novas formas de experienciação estética, conseguindo a difícil tarefa de conciliar o circuito da arte às mídias de massa.
Diante das práticas do BijaRi e da Visualfarm, questiono se há de fato
essa dificuldade de conciliar o circuito de arte às mídias de massa. Em
alguns casos, surgem dessa difícil tarefa trabalhos que vão discutir esses
limites e outros que vão mostrar como essas aproximações são válidas aos
produtores e aos consumidores dessas obras/produtos.
Consumir. Bens culturais, bens financeiros. Ambos são consumidos
pela população das cidades. Algumas pessoas tem maior acesso, através
dos recursos midiáticos que incluem a internet a suas múltiplas possibilidades
enquanto muitos outros assistem alguns poucos canais de tevê. As
metrópoles convivem com essas diferenças. Porém, o consumo é feito por
ambos. Quando uma obra de arte urbana, já sem a noção aurática que ainda
mantém a obra institucional, atravessa o caminho do público, ela ganha uma
gama muito maior de espectadores, que irão dialogar com a obra, de acordo
com seu repertório imagético e de vivências. Para muita gente, esse
repertório vem exatamente das imagens da publicidade, com a qual tem
maior contato nos outdoors, revistas e televisão. O acesso aos museus e
centros culturais ainda é restrito a um público especializado ou a uma
pequena parcela da população. As obras urbanas vão até o espectador.
Criam situações e discussões além do cotidiano e sua rotina. Como diz
Bourriaud (2009b. p.16): “O que une todas as figuras da prática artística do
mundo é essa dissolução das fronteiras entre consumo e produção”, e essa
produção, nesse caso é feita nas relações estabelecidas com o espectador
que, se é envolvido plástica e esteticamente, atribui sentido e discussão ao
trabalho.
O video mapping é uma técnica de projeção de imagens em
superfícies arquitetônicas, a partir do mapeamento da imagem de um prédio
ou superfície, com o máximo de detalhes. O software cruza as imagens da
superfície onde será feita a projeção com as imagens a serem projetadas,
criando imagens surpreendentes sobre a fachada de um prédio, por exemplo.
O uso de mapping mais conhecido é o Abraço do Cristo Redentor, feito em
2011 pela Visualfarm, para a campanha Carinho de Verdade, contra o abuso
e exploração sexual de crianças e adolescentes. O recurso usado foi uma
maneira de chamar a atenção para o problema, de discutir socialmente essa
questão e de nos fazer refletir sobre o que não queremos ver.
Campanha Carinho de Verdade (ou Abraço do Cristo). Imagem disponível em http://www.visualfarm.com.br/blog/?p=439
Para Mello (2003), o vídeo, para ser compreendido “em seus trânsitos
e diálogos é preciso, antes de mais nada, termos compreendido-o como
pensamento, como um meio que coexiste num fluxo contínuo às
circunstâncias de sua natureza eletrônica”. A linguagem só existe na relação
entre o recurso e o discurso, entre pensamento e técnica.
Conclusão
Através dos trabalhos do BijaRi e da Visualfarm podemos observar
como publicidade e arte podem andar juntas e partilhar técnicas e estéticas,
além de ter valor crítico mesmo os trabalhos de publicidade. O uso de
recursos tecnológicos atribui nova estética a eles, e atraem o público das
grandes cidades, geralmente imersos em invisibilidades, proporcionadas pelo
ambiente me que vivem.
A publicidade não perde seu foco, de divulgar uma marca e a arte não
perde o foco da discussão, da percepção, se ambas se posicionarem a favor
de divulgar algo necessário à vivência humana: a estética.
A Intervenção Urbana também não perde sua força de questionadora
social: muitas propagandas também podem fazê-lo. O uso de vídeo também
não a prejudica: cria alternativas possíveis.
As possibilidades de conciliação entre as linguagens e recursos
técnicos são imensuráveis.
Referências BARJA, Wagner. Intervenção/terinvenção: a arte de inventar e intervir diretamente sobre o urbano, suas categorias e o impacto no cotidiano. In: Revista Ibero-americana de Ciência da Informação (RICI). V.1 n.1, p.213-218. Jul./dez.2008. BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Martins, 2009. _____________. Pós-Produção: Como a Arte Reprograma o Mundo Contemporâneo. São Paulo: Martins, 2009. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008. MELLO, Christine. Vídeo nas extremidades: Experiências Contemporâneas Brasileiras. Belo Horizonte: INTERCOM, 2003. Trabalho apresentado no Núcleo de Comunicação Audiovisual, XXVI Congresso Anual em Ciência da Comunicação, 02 a 06 de setembro de 2003. PARENTE, André. Entrevista. In: SAVAZONI, Rodrigo e COHN, Sergio (org). CulturaDigital.br. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009, p. 165 – 179. SORIA, Christiano, et al. Intervenção Urbana e Comunicação. PUC Minas, 2006. Disponível em: http://www.fca.pucminas.br/saogabriel/ci/npe/projex/2006.1/063.html Acesso em: 1 maio 2012. P. 48-64. Sites da Internet Canal BijaRi no Vimeo. http://vimeo.com/bijari. Acesso em 1 maio 2012. Canal VideoBijaRi no Youtube. http://www.youtube.com/videobijari. Acesso em 1 maio 2012.
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O cinema brasileiro dos anos 1970 e 1980 e as salas de rua da Baixada Fluminense: do auge à decadência43
Leandro de Souza Santos LUZ44
Raphaela Machado de Souza SIQUEIRA45
Tiago José Lemos MONTEIRO46
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro,
Nilópolis, RJ
RESUMO
A proposta desse artigo é recuperar a história dos antigos cinemas de rua da
Baixada Fluminense, apontando quais fatores políticos, econômicos e
socioculturais contribuíram para sua decadência. Paralelamente a essa
abordagem, faremos o estudo de algumas características do cinema
brasileiro das décadas 1970 e 1980, abrangendo pesquisas teóricas e de
campo. Mediante a descoberta das condições estruturais dos cinemas, da
sua programação corrente nesta década e da quantificação desses aparatos
exibidores, tentaremos contribuir para que a Baixada receba maior
visibilidade através dos estudos teóricos sobre sua história e cultura.
PALAVRAS-CHAVE: Baixada Fluminense; cinema brasileiro; cinemas de
rua; cultura; história.
43 Trabalho apresentado no DT 4 – Comunicação Audiovisual, da Intercom Júnior – VII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 44 Estudante de Graduação 4º. semestre do Curso de CST em Produção Cultural do IFRJ-‐Nilópolis, email:
45 Estudante de Graduação 5º. semestre do Curso de CST em Produção Cultural do IFRJ-‐Nilópolis, email: [email protected] 46 Orientador do trabalho. Professor do Curso de CST em Produção Cultural do IFRJ-‐Nilópolis, email: [email protected]
Introdução Este artigo procura traçar um panorama histórico comparativo entre
algumas características do cinema nacional nas décadas de 70 e 80 e o
processo de fechamento dos cinemas de rua do estado do Rio de Janeiro.
Tal levantamento é feito através de um recorte que abrange os antigos
cinemas de rua do município de Nova Iguaçu, levando em consideração
dados como frequência dos seus espectadores, valor dos ingressos e até
mesmo a programação de que esses aparatos exibidores dispunham no
tempo em que estavam em atividade. Este é um plano de trabalho que faz
parte do projeto “Entre palácios, poeiras e memórias: os cinemas de rua da
Baixada Fluminense”, coordenado pelo Prof. Tiago Monteiro e desenvolvido
pelos bolsistas PIBIC Leandro Luz e Raphaela Machado.
O principal objetivo do projeto é efetuar o resgate da memória dos
frequentadores dos antigos cinemas de rua de Nova Iguaçu, espaços que, a
partir dos anos 90, começam a ser progressivamente fechados, com o
deslocamento sistemático do aparato exibidor para os shoppings centers e
sua progressiva concentração nas áreas da cidade de maior poder aquisitivo.
A partir de uma cartografia do aparato exibidor cinematográfico composto
pelas salas de bairro de Nova Iguaçu em operação durante as décadas de
60, 70 e 80, e mediante um levantamento tanto de dados referentes à
localização, ao preço dos ingressos e à programação das salas, quanto de
fotografias e imagens da época em que os cinemas se encontravam em
funcionamento, pretende-se identificar e reunir frequentadores habituais dos
antigos “poeiras”, com vistas à evocação de suas memórias de espectadores,
a partir de uma concepção da espectatorialidade fílmica como prática de
sociabilidade. (FERRAZ, 2009)
Como desdobramento último desta pesquisa, prevê-se a realização de
um vídeo documentário de média-metragem em torno das memórias dos
frequentadores destes espaços. A partir desta abordagem, iremos identificar
algumas características que fizeram o cinema nacional das décadas acima
mencionadas tão popular e, em contrapartida, tão “renegado” hoje pelo
cânone cinematográfico brasileiro, restringindo o recorte dessa discussão aos
cinemas de rua do município de Nova Iguaçu. A aprovação do supracitado
projeto pelo Edital FAPERJ nº 14/2011 de “Apoio à Produção e Divulgação
das Artes no Estado do Rio de Janeiro – 2011” garantirá recursos
infraestruturais para a sua realização.
A determinação deste recorte de Nova Iguaçu foi motivada pela nossa
convivência com a comunidade, visto que fazemos parte de uma instituição
federal situada justamente na Baixada Fluminense, há muito caracterizada
por problemas sociais e alto índice de violência urbana. Tal cena nos tornou
capazes de compreender que a Baixada, ao contrário do que a sociedade
fluminense está acostumada a ouvir falar, não se limita apenas no que é
transmitido pelos noticiários policiais. Fazer parte deste grupo
(frequentadores da Baixada Fluminense e estudantes do curso de Produção
Cultural do IFRJ) nos confere certa obrigação sócio pedagógica em divulgar
através de pesquisas a sua enorme diversidade cultural, invisibilizada pelo
preconceito gerado por essa “fama”. Existe uma carência muito grande de
aparelhos culturais – sobretudo cinemas – nessa região, o que nos incentivou
a identificar os problemas e entender de que forma isso afeta o cotidiano
dessas pessoas, tendo em mente que o foco desse tipo de estudo
geralmente recai sobre os cinemas de rua do Centro do Rio e da Zona Sul.
Características do cinema nacional nas décadas de 70 e 80 Ao final dos anos 60, o cinema brasileiro mudaria completamente de
rumo, graças à criação da INC e Embrafilme. No governo de Castello Branco,
durante o Regime Militar, em 1966, foi criado o INC (Instituto Nacional de
Cinema) com o objetivo de subsidiar as produções cinematográficas
brasileiras, o que causou uma divisão de opiniões entre os profissionais da
área: os que acreditavam que o órgão seria importante para a consolidação
do cinema brasileiro e outros que pensavam no órgão como uma ferramenta
repressora. O INC acabou financiando muitos filmes na época, inclusive
produções dos seus próprios críticos (integrantes do Cinema Novo, por
exemplo). Apesar disso, com a decretação do AI5, tudo mudou. A censura do
governo militar afetou diretamente os filmes produzidos pelo INC, que tinham
que passar por peneiras cada vez mais finas e eram terminantemente
proibidos de possuir qualquer teor antimilitar.
O controle ditatorial do cinema brasileiro teve seu marco no ano de
1969, quando foi criada a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes),
principal responsável por todas as mudanças que aconteceriam na produção
brasileira. Criada para levar o cinema brasileiro para o mercado exterior, a
Embrafilme acabou sendo um fracasso nesse objetivo, tendo se tornado uma
ferramenta de exclusão dos pequenos produtores, já que se investia muito
mais em filmes de profissionais já conceituados, deixando de dar
oportunidade aos cineastas que atuavam de maneira mais independente no
mercado. Com medidas protecionistas que favoreciam uma minoria, essa
“estatização do cinema brasileiro” causou uma falência geral no resto do
mercado cinematográfico, influenciando posteriormente na superinflação dos
orçamentos dos filmes, sem contar com a grande redução do público de
filmes brasileiros, muito por causa do fechamento de grande porcentagem
dos cinemas de rua do Brasil. (BARCINSKI; FINOTTI, 1994).
Apesar da Embrafilme ter sido um dos principais fatores para a
“falência” da produção brasileira, o surgimento da televisão – uma nova
tecnologia que colocou medo em muitos profissionais do cinema – também
influenciou na queda de público do aparato exibidor cinematográfico. Muitos
acreditavam que a televisão viria a acabar de uma vez por todas com o
cinema, embora, como podemos constatar, até hoje mantém seu lugar no
mercado. Com a queda da produção de filmes nacionais, a Embrafilme
começou a ser pressionada por todos os lados. Por conta disso, foram
criadas medidas protecionistas com o intuito de favorecer o cinema brasileiro,
como por exemplo, o aumento na cota de exibição dos filmes nacionais, o
que não agradou nem um pouco os exibidores, que obtinham a maior parte
de seu lucro através de filmes estrangeiros. Cineastas e produtores apoiaram
essa medida, acreditando que isso fortaleceria a indústria brasileira e, por
consequência, aumentaria a qualidade das produções. Apesar dos números
mostrarem certo equilíbrio na bilheteria dos filmes nacionais e estrangeiros,
isso não queria dizer que a qualidade das produções aumentou. Na verdade,
esse equilíbrio se deu graças à baixa exportação de filmes estrangeiros,
acarretada pela diminuição das salas exibidoras do país.
Com a falta de investimento e diante a necessidade de trabalhar, o
gênero mais explorado da época foi a pornochanchada, que surge no Rio de
Janeiro inspirada em comédias eróticas feitas no final dos anos 60. Misturava
chanchada (filmes que predominavam um humor de caráter extremamente
popular, comuns no Brasil na década de 50) com uma alta dose de erotismo,
sendo até comparado ao pornô, apesar de não utilizar de cenas de sexo
explícito (o termo “pornô” agregado ao “chanchada” tem mais a ver com o
preconceito da crítica do que com a pornografia de fato). Eram filmes feitos
para a massa e ocuparam bastante espaço no mercado cinematográfico da
época. Com o sucesso de bilheteria, esses filmes conseguiam ficar mais
tempo em cartaz. Eram influenciados pelas comédias populares italianas e
levaram muitos atores até hoje conhecidos ao estrelato.
Em paralelo aos filmes produzidos através da Embrafilme, observa-se
uma quantidade considerável de filmes com um amplo leque temático,
voltados para a exploração do erótico e marcados pela busca do “gosto
popular”, que se consolidou como uma forma de produção. A Boca do Lixo,
espaço urbano definido no bairro de Santa Cecília/Luz, onde estavam
instalados os escritórios de distribuidores, exibidores nacionais e
estrangeiros, foi responsável pela “produção” desse gênero e também de
outros gêneros muito populares no Brasil, como o policial, o suspense, o
faroeste, etc. (ABREU, 2002)
Já os filmes de sexo explícito começaram a ser produzidos com
frequência nos anos 80 (mais especificamente a partir de 1984), maneira que
os produtores independentes arranjaram para “sobreviver” às margens do
sistema Embrafilme. Dentro deste sistema, houve um abrandamento da
censura, permitindo a inserção desse tipo de filme no circuito nacional, que
se deu muito por conta da lógica da similaridade nacional existente no país,
onde os produtores “copiavam” filmes de gênero originários do estrangeiro.
Sendo assim, como a produção dos filmes explícitos estrangeiros era
enorme, consequentemente o Brasil também seguiu esta vertente. Outro
exemplo dessas saídas de produção foi a exploração da lei de
obrigatoriedade de exibição de curtas-metragens, que obrigava a exibição de
curtas nacionais antes das sessões de filmes estrangeiros, pagando aos
produtores 5% da bilheteria. Desta forma, o cinema independente conseguia
verbas para continuar sua produção. O mesmo aconteceu com a lei de
obrigatoriedade de longas metragens, que foi utilizada para a produção de
vários filmes eróticos de baixo orçamento (e público garantido), causando
enorme descontentamento por parte da crítica e dos setores oficiais.
Não é exagero, portanto concluir que os filmes pornôs
são consequência direta da estatização do cinema
brasileiro e, por conseguinte, que o sexo explícito é
filho bastardo da ditadura militar (BARCINSKI;
FINOTTI, 1998, p. 251).
Cinemas de rua: “época de ouro” e declínio Quando os cinemas de rua estavam em seu auge, o simples ato de ir a
uma sala de exibição poderia ocupar um dia inteiro. As pessoas não iam ao
cinema apenas para assistir a um filme e irem embora. Na “Cinelândia da
Tijuca”, por exemplo, crianças, pais e namorados ocupavam a praça, um
lugar de socialização, onde discutiam de tudo (não só os filmes), como
podemos perceber nessa entrevista que faz parte da dissertação de
mestrado da Talitha Ferraz, que conta a história da “Cinelândia da Tijuca”:
Tinha movimento, era cheio. E se era filme de sucesso
tinha fila. A gente ficava desde cedo esperando, não
lembro se era pra próxima hora... Mas a gente vinha de
Inhaúma pra ir ao cinema, eu não morava aqui. Eu
lembro de bastante tumulto, de bastante movimento,
sabe? A gente aproveitava pra andar... Que a Praça
tinha chafariz e aquelas coisas todas eram
deslumbrantes pra gente, né? Imagina! A gente vinha
de Inhaúma! Minha mãe, meu tio ficavam na fila e eu ia
andar ali, a gente ia comer pipoca. Andava à beça.
Depois voltava, porque tinha que comprar bem antes. -
Andréia, moradora da Tijuca, 57 anos (FERRAZ, 2009,
p. 100)
Tudo isso evoca a velha questão envolvendo os vários motivos para o
fechamento dos cinemas de rua do país. Através de conversas cotidianas em
que histórias de parentes, amigos e vizinhos de idade mais avançada nos
eram relatadas, chegamos à conclusão de que existem pelo menos três
fatores principais que preenchem essa lacuna da causa do fechamento dos
cinemas de rua. A violência urbana talvez seja o motivo mais comentado. Os
espectadores acabavam por optar por cinemas que hoje em dia tratamos
pelo conceito de “multiplex”, encontrados em shoppings centers, em busca de
maior segurança devido ao crescimento desenfreado da violência no estado;
Outra grande hipótese está relacionada à pluralidade de bens culturais que
passaram a ser oferecidos à sociedade com maior facilidade e praticidade
com o passar do tempo. A televisão e a internet permitiram que uma maior
quantidade de pessoas pudesse suprir sua “fome de cultura” sem nem
mesmo precisar atravessar o portão de casa; Como se isso não bastasse,
para que uma fatia considerável de público dos cinemas de rua fosse
eliminada, a pirataria apareceu com a capacidade de oferecer à sociedade
filmes a “preço de banana” ou até mesmo mediante download gratuito nos
sites especializados na internet em simultâneo à estreia nos cinemas
(podendo até mesmo antecipar aos cinemas brasileiros, tendo em vista o
atraso de algumas distribuidoras nacionais para a circulação dos títulos
estrangeiros).
É claro que os Multiplexes espalhados pela cidade
trouxeram muito mais conforto e segurança para o
público, porém fez do cinema ao meu ver, mais um
produto a ser consumido, como tudo que existe dentro
do shopping. Tirou todo aquele charme de você poder
caminhar pela rua do seu bairro e, sem planejar, dar
uma conferida no último lançamento. Ficar nas filas na
rua vendo as pessoas passando. É uma expressão
cultural que não vemos mais. Porém, ainda há luz no
fim do túnel, alguns bairros da cidade como Botafogo,
Copacabana e Leblon conseguiram manter suas salas,
ainda que com algumas mudanças para se adaptar às
tendências. E outros como o São Luiz no Largo do
Machado, que após a reforma, dividiu a sua imensa
sala em 3 (AFFONSO, 2010).
David Lowenthal afirma que nenhum relato histórico pode ser contado
exatamente da mesma forma que aconteceu, já que diferentemente da
memória, a história é vista por todos através de um intérprete. Existem vários
fatores que interferem em quaisquer relatos. Um desses fatores é o
preconceito, denominado por Lowenthal como “preconceito presentista”,
quando tanto o relator quanto o público trazem para o presente somente a
parte que faz sentido para o respectivo momento. “E as perspectivas do
presente nos tornam propensos a desvirtuar o passado” (LOWENTHAL,
1998, p.114).
É o que acontece com as pornochanchadas do cinema brasileiro na
década de 70, por exemplo, que sofrem preconceito até hoje por carregar
características mal vistas pela sociedade, como a “erotização” e o objetivo de
apenas entreter. Não obstante, se perpetuou como um período minimamente
estudado pela sociedade, e por isso mesmo, muitas vezes pouco
compreendido pela maioria das pessoas, se constituindo como um período
inaugurador de uma suposta “decadência” do cinema nacional. Os filmes dos
anos 70 também eram mal vistos pelos críticos e autoridades da época, e
não é à toa que as salas dos cinemas de rua entraram em decadência nesse
mesmo período, em muitos casos tendo sido este o principal motivo do seu
fechamento. A exibição constante desses filmes causou uma imagem ruim
desses cinemas para a sociedade, pois mesmo que os filmes agradassem ao
“povão”, a constante crítica midiática acabava afetando a credibilidade
desses exibidores, principalmente nos cinemas da baixada, que também
faziam parte do circuito do gênero pornochanchada e, posteriormente, das
produções de sexo explícito. Com isso, esses meios de exibição foram
restringindo sua programação até que sobrassem apenas filmes pornôs.
O fim dessas salas se deu por não acompanharem o
desenvolvimento das grandes indústrias
cinematográficas, restando somente as
'pornochanchadas' e os eternos filmes de Bruce Lee. -
Marcelo Borghi (FERREIRA, 2008).
Tudo isso aconteceu praticamente em todo Rio de Janeiro. Os
cinemas de rua que restaram ou foram fadados à pornografia ou destinaram-
se a templos religiosos e lojas de departamento. O mesmo aconteceu com os
cinemas de Nova Iguaçu: o Cine Verde virou uma loja de eletrodomésticos, o
Cine Iguaçu se encontra abandonado e o único sobrevivente que ainda se
mantém ativo (mesmo que de forma precária, com apenas uma das três
salas funcionando) é o Cine Theatro Center, apesar de se constituir
exclusivamente de uma programação pornô (em breve, talvez seu destino
seja o mesmo dos outros).
Desdobramentos investigativos Como base para a nossa pesquisa, além da utilização de textos
teóricos, fomos a campo em busca de informações concretas que
embasassem nosso estudo. Primeiramente, fizemos um mapeamento dos
cinemas de rua de Nova Iguaçu, visitando os locais de cada sala de exibição
e buscando conhecer suas estruturas. Nossa maior fonte de informações foi
o jornal “Correio da Lavoura”, tradicional periódico da cidade de Nova Iguaçu,
fundado em 1917 e distribuído semanalmente até hoje. Através de uma
pesquisa nos antigos arquivos do jornal, fizemos o levantamento dos cinemas
que existiam na cidade e da sua programação, nos permitindo entender como
se dava a sua divulgação. A título de recorte inicial, optamos por selecionar
os filmes em cartaz nos cinemas de Nova Iguaçu durante o mês de abril no
período entre 1975 a 1985. Esse recorte concedeu uma amostragem do que
era exibido nessa época, nos permitindo entender de que maneira se dava
essa produção popular. Segue abaixo um gráfico exemplificando este recorte:
A partir do gráfico, podemos perceber que a quantidade de filme
nacional erótico e pornô (o segundo com ocorrência apenas a partir de 1984)
exibida nessa época é significativa, embora a predominância fique por conta
dos filmes estrangeiros, boa parte deles integrando o aclamado e bem-
sucedido gênero de luta. Para maior compreensão desse levantamento,
construímos também uma tabela com alguns dos títulos exibidos no
município nesse mesmo período47:
47 Para deixar claro, a listagem desses filmes faz parte de um corte bastante específico, daí esta restrita amostragem não contemplar certos tipos de filmes igualmente populares, como os dos Trapalhões, por exemplo. Esta ausência pode ser explicada tendo em vista que esses filmes muito provavelmente entravam na programação dos cinemas à época das de férias de meio ou fim de ano – Julho ou Dezembro, portanto fora do escopo do nosso recorte.
9%
26%
47%
18%
Filmes em circulação nas salas dos cinemas de rua de Nova Iguaçu (1975 a 1985 -‐ mês de abril)
Filme Nacional Filme Nacional EróEco/Pornô
Filme Estrangeiro Filme Estrangeiro de Luta
Cine Verde Cine Iguaçu Cine Center
1975 - - -
1976 “Tubarão”*, “O Dragão
Invencível”* “O Magnífico do Texas”*
“O Jovem Frankstein”*,
“Os Girassóis da Rússia”*,
“Anjo Loiro”*
1977
“A Mão Piedosa da Lei”*,
“Vida e Morte de Bruce
Lee”*
- -
1978 “O Pistoleiro que Mudou o
Oeste”*, “Xica da Silva”* “A Sedutora do Kung Fu”*
“Guerra nas Estrelas”*,
“Amantes de um
Canalha”*
1979 “Delírios de um Anormal”*,
“A Seita do Karatê”**
“Alucinada Pelo Desejo”*, “O
Flagrante”*
“Reformatório das
Depravadas”*
1980 - - -
1981 “Consórcio de Intrigas *,
“O Dragão do Kung Fu”* “Jeca e a Égua Milagrosa”* “Bacanal”*
1982 “Menino do Rio”* “Shaolin – O Dragão Herói”*,
“Malícia Erótica”* “Amor Sem Fim”*
1983 -
“De Volta aos Tempos da
Brilhantina”*, “Shaolin e o
Regresso à Câmara 36”*
“Assassinato Num Dia de
Sol”*, “E.T – O
Extraterrestres”*
1984 “O Mágico e o Delegado” * “A Menina e o Cavalo”*,
“Eva – O Princípio do Sexo”*
“Extremos do Prazer”*,
“Aguenta Coração”*,
“Christine, o Carro
Assassino”*
1985 “Muda Brasil”*, “Greystore
– A Lenda de Tarzan”* “Desejo da Carne”*
“De Pernas Abertas”*, “Eu,
Você, Ele e os Outros”*,
“Introduções Profundas”*
Legenda: *Filme Nacional *Filme Nacional Pornô *Filme Estrangeiro *Filme Estrangeiro de Luta
Outro dado relevante para compreendermos a importância que esse
“cinema popular” teve para a sociedade foi a lista divulgada pela ANCINE48
que contempla os filmes nacionais com mais de um milhão de espectadores
entre os anos de 1970 e 2008. Dos cinquenta primeiros filmes da lista com a
maior quantidade de público, somente sete filmes foram lançados no período
da Retomada, compreendida a partir da década de 90 (“Os dois filhos de
Francisco” (2005 – 5º lugar / 5.319.677), “Carandiru” (2003 – 12º lugar /
4.693.853), “Se eu fosse você” (2006 – 22º lugar / 3.644.956), etc.) Todos os
outros tiveram suas datas de lançamento entre 1970 e 1990 (“Dona Flor e
seus dois maridos” (1976 – 1º lugar / 10.735.524), “A dama do lotação” (1978
– 2º lugar / 6.509.134), “O Trapalhão nas minas do Rei Salomão” (1977 – 3º
lugar / 5.786.226), etc.) Isso prova que a difusão do cinema brasileiro dentre
a população sofreu inestimada contribuição da produção audiovisual deste
período. “Em termos de mercado, o período de 1972 a 1982 pode ser
considerado uma “época de ouro” para o cinema brasileiro” (ABREU, 2002).
[...] em seu período mais produtivo, a Embrafilme
ajudou a proporcionar o encontro do filme nacional com
o público, durante meados dos anos 70 e início dos
anos 80, quando o cinema brasileiro bateu recordes de
público que até hoje não se repetiram. (MARSON,
2009, p. 18).
Considerações Finais Após traçar algumas características do cinema nacional nas décadas
de 70 e 80 e determinar o processo de fechamento dos cinemas de rua do
estado do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense, através da história e da
análise das hipóteses levantadas pelas pesquisas, pudemos observar que
esses dois aspectos postos em discussão estão conectados.
Ao decorrer da pesquisa, pretendemos ainda nos aprofundar no
estudo de outros períodos do cinema brasileiro, sempre procurando
48 http://www.ancine.gov.br/media/SAM/2008/filmes/por_publico_1.pdf
relacioná-los com as salas de exibição de rua. Além disso, iremos atrás de
personagens para a realização do nosso documentário, dando voz aos
frequentadores, funcionários e moradores dos bairros dos cinemas de rua de
Nova Iguaçu, ampliando assim a discussão sobre a memória e a história
desses espectadores para com os aparatos exibidores cinematográficos.
Um dos fatores que reforçam a importância da cultura audiovisual da
região na Baixada Fluminense é a existência da Escola Livre de Cinema de
Nova Iguaçu49, primeira escola de audiovisual da Baixada e que funciona
desde julho de 2006, com o patrocínio da Petrobras através da Lei Estadual
de Incentivo à Cultura (ICMS). A existência de uma escola como essa numa
região tão carente por empreendimentos culturais nos faz repensar o quanto
os cinemas de rua eram importantes para essa população que ainda
consome e pratica audiovisual. Cada extinção de um aparato exibidor
cinematográfico de uma determinada região, assim como de qualquer outro
aparelho cultural, aflige a vida dos seus moradores, portanto, é
imprescindível que tenhamos a devida conscientização para cada ato como
esse, onde as dinâmicas de consumo cultural e as redes de sociabilidade são
diretamente afetadas pela mediação destes espaços culturais.
49 http://escolalivredecinemani.com.br/v2/
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