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ISBN: 978-85-8292-005-3
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Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia 2
NDICE
ANAIS DO I ENCONTRO DE ESTUDOS CLSSICOS DA BAHIA
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Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia 3
NDICE
RAUL OLIVEIRA MOREIRA
JOS AMARANTE LUCIENE LAGES
[orgs.]
ANAIS DO I ENCONTRO DE ESTUDOS CLSSICOS DA BAHIA
Salvador 2012
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Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia 4
NDICE
Copyright 2012, UFBA
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Reitora: Dora Leal Rosa
Vice-reitora: Luiz Rogrio Bastos Leal Editora: Flvia M. Garcia Rosa
Endereo: Rua Baro de Jeremoabo, s/n Ondina, Salvador-BA
CEP: 40170-115 Email: [email protected]
Telefone: 3283-6160/6164/6162 | Fax: 3283-6160 www.edufba.ufba.br
Organizadores dos Anais: Raul Oliveira Moreira, Jos Amarante Santos Sobrinho e Luciene Lages Silva Arte final da capa: Fbio Ramon Rego da Silva Imagens: Pugile a riposo o Pugile del Quirinale (100 a.C). Museo Nazionale Romano Palazzo Massimo alle Terme Projeto grfico e diagramao: Raul Oliveira Moreira As opinies expressas nos textos dos anais so de inteira responsabilidade de seus autores.
Salvo pela correo de problemas mais evidentes de digitao, os textos foram editados tal como submetidos pelos autores.
Sistema de Bibliotecas UFBA
Encontro de Estudos Clssicos da Bahia (1. : 2012 : Salvador, BA). Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia, Salvador, BA, 14 a 16 de junho de 2012 / Raul Oliveira Moreira, Jos Amarante, Luciene Lages, (orgs.) ; Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras. - Salvador : UFBA, 2012. 332 p.
Endereo eletrnico: www.classicas.ufba.br ISBN 978-85-8292-005-3
1. Literatura clssica - Congressos. 2. Literatura grega - Congressos. 3. Literatura latina - Congressos. 4. Lngua latina - Congressos. 5. Literatura brasileira - Congressos. I. Moreira, Raul Oliveira. II. Amarante, Jos. III. Lages, Luciene. IV. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. V. Ttulo.
CDD - 880
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I ENCONTRO DE ESTUDOS CLSSICOS DA BAHIA
ORGANIZAO GERAL:
NALPE Ncleo de Antiguidade, Literatura e Performance
INSTITUTO DE LETRAS DA UFBA
PROGRAMAS DE PS-GRADUAO UFBA:
Lngua e Cultura e Literatura e Cultura
UNEB/DCHT/Seabra
COMISSO ORGANIZADORA
Prof Dr Luciene Lages ILUFBA (NALPE)
Prof. Ms. Jos Amarante ILUFBA (NALPE)
Prof Dr Marina Regis Cavicchioli FFCH/UFBA
Prof Ms. Pascsia Coelho da Costa Reis DCHT/UNEB
COMISSO CIENTFICA
Prof Dr Luciene Lages ILUFBA (NALPE)
Prof. Ms. Jos Amarante ILUFBA (NALPE)
Prof Dr Slvia Faustino de Assis Saes FFCH/UFBA (NALPE)
Prof Dr Marina Regis Cavicchioli FFHC/UFBA (Grupo: Cultura Material,
Antiguidade e Cotidiano)
Prof Ms. Pascsia Coelho da Costa Reis DCHT/UNEB
Prof Dr Rosana Baptista dos Santos UFLA (NALPE)
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Todo mundo gosta de abar Ningum quer saber o trabalho que d
[Dorival Caymmi, A preta do acaraj] Nossos agradecimentos:
A Flvia Garcia Rosa, editora da Edufba, e sua equipe, pelo apoio incondicional produo dos materiais grficos do evento e dos produtos dele decorrentes: o livro Mosaico Clssico: variaes acerca do mundo antigo e estes Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia. equipe GERE/UFBA: Erik Vincius Gomes Almeida, Mariana Uaquim, Renata de Gino e Carla Bahia, pela assistncia na publicao dos materiais do evento no site www.classicas.ufba.br Aos alunos da comisso de monitoria do I Encontro: Alexandra dos Santos Maia, Caleb Macedo, Camila Borges da Silva Ferreiro, Cntia Roberto de Sena Lopes, Daniele Leito, Daniele Castro de Jesus, Elba Santana de Souza, Eliana Souza dAnunciao, Fernanda Patrcio Mariano, Flvia Vasconcelos dos Santos, Jarbas Oliveira (in memoriam), Jorge Luis, Jozianne Camatte V. Andrade, Michel Silva Guimares, Naiara Santana Pita, Nelson Rodrigues, Raul Oliveira Moreira, Sara Bernardo, Saryne Aquino, Shirlei Patrcia Neves Almeida, Slvio Rezende Bernal e Yasmin Menezes Silva Lima.
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SUMRIO
INTRODUO ..................................................................................................................10
LITERATURA GREGA ..................................................................................................... 14
O resgate do conceito aristotlico de praxs telea como chave para a unificao entre o don e o tlos nos estudos ontolgicos Daniel Oitaven Pamponet Miguel.....................................................................15 O pioneirismo aristotlico acerca do risvel verton de Jesus Santos, Jacqueline Ramos (orientadora).............................31 Uma anlise lingustico-literria de A leoa e a raposa, de Esopo Danniele Silva do Nascimento, Alcione Lucena de Albertim (orientadora) ......................................................46 As representaes do Eros em Hesodo e Apuleio Naiara Santana Pita, Luciene Lages (orientadora)..........................................52 Entre Poesia e Filosofia: O Caso de Herclito de feso Martim Reyes........................................................................................................59
LNGUA E LITERATURA LATINAS .............................................................................. 71
O site www.latinitasbrasil.org como complementar abordagem da coleo Latinitas: leitura de textos em lngua latina Jos Amarante.......................................................................................................72 As sentenas causativas no latim Johnnatan Nascimento, Fbio Bonfim (orientador)........................................88 A formao de palavras via prefixao na lngua latina Mailson dos Santos Lopes.................................................................................101 Indcios da evoluo do latim na obra Fabulae, de Gaius Iulius Hyginus Darla Gonalves Monteiro da Silva, Antnio Martinez de Rezende (orientador)...................................................114 Processos de gramaticalizao de conjunes e preposies em obras de So Boaventura Zlia Gonalves dos Santos...............................................................................123 Figuratividade na poesia buclica de Virglio: um estudo da potica da expresso Thalita Morato Ferreira, Mrcio Thamos (orientador).................................136
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Elementos cvicos da sociedade romana: o mos maiorum na lrica de Horcio Prisciane Pinto Fabrcio Ribeiro, Alcione Lucena de Albertim (orientadora).....................................................146 O mito das raas humanas nas Metamorfoses de Ovdio Emmanuela Nogueira Diniz.............................................................................157 Os espetculos pblicos sob a tica de Marcial: poesia e propaganda Raul Oliveira Moreira........................................................................................168
HISTRIA SOCIAL DO LATIM NO BRASIL ............................................................. 174
O latim e o vernculo no sculo XVI: o caso da Grammatica de Joo de Barros Sara Bernardo, Jos Amarante (orientador) ................................................... 175
O latim no Brasil do Sculo XIX: entre silabadas, stiras e puristas Camila Ferreiro, Jos Amarante (orientador) ................................................. 183
Anlise dos usos e influncias do latim na construo dos contos e romances de Machado de Assis Slvio Wesley Rezende Bernal, Jos Amarante (orientador) ........................ 192
A LDB 4.024, de 1961, e sua influncia nas representaes da importncia e da utilizade do latim em livros didticos Shirlei Patrcia Silva Neves Almeida, Jos Amarante (orientador) ............. 199
ESTUDOS DE TRADUO ........................................................................................... 206
Reverberao do mito: as abordagens do mito de Pris em Jos Feliciano de Castilho Joana Junqueira Borges...................................................................................... 207
Jos Feliciano de Castilho, tradutor de Lucano: da prtica teoria tradutria Dbora Cristina de Moraes, Brunno V. G. Vieira (orientador) .................... 217
A ANTIGUIDADE CLSSICA E A LITERATURA BRASILEIRA ............................ 225
Uma cena clssica no Brasil central Alberon Machado Menezes .............................................................................. 226
Ridendo castigat mores: comicidade em Martins Pena Ana Paula Rocha Vital Pereira ......................................................................... 236
A ironia cmica nas narrativas de Jos Cndido de Carvalho Danielle da Silva Andrade, Jacqueline Ramos (orientadora) ...................... 246
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Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia 9
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A constituio da linguagem em A ma no escuro Malane Apolnio da Silva, Pollyana Correia Lima, Maria Aurinvea Souza de Assis (orientadora) .............................................. 254
INTERLOCUES COM A ANTIGUIDADE ............................................................... 264
Circuito Cine-Mito: por uma investigao das apropriaes mitolgicas pela stima arte Luciene Lages...................................................................................................... 265
O mito de Ulisses na traduo da Odisseia de Theo Angelopoulos em Um olhar a cada dia Ricardo Jos Maciel Lemos ............................................................................... 273
Sneca: ponte entre o teatro antigo e o contemporneo Renata Cazarini de Freitas................................................................................280
Antiguidade e modernidade nas piazze de Giorgio de Chirico Juan Mller Fernandez ...................................................................................... 293
Trimalchio in west egg ou The Great Gatsby Jassyara Conrado Lira da Fonseca ................................................................... 307
Liber ad usum cisterciensium: a presena do latim em um manuscrito quatrocentista Lisana Rodrigues Trindade Sampaio, Amrico Venncio Lopes Machado Filho (orientador) ................................ 320
Nota dos organizadores .................................................................................... 331
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Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia 10
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INTRODUO
Realizado nos dias de 14 a 16 de junho de 2012, o I Encontro de
Estudos Clssicos da Bahia no contou com um tema especfico, visto que
nosso objetivo principal era uma primeira interlocuo entre vrios
pesquisadores que se encontram, muitas vezes, isolados nas muitas
instituies universitrias do estado da Bahia. No entanto, ao fim das
inscries, percebemos que esse primeiro Encontro recebeu adeso
significativa de outros profissionais de instituies nordestinas e de outras
regies do Brasil. Nos trs dias do evento, tivemos a oportunidade de
conhecer os resultados alcanados pelos projetos de pesquisa de 14
instituies espalhadas pelo pas, projetos desenvolvidos por vrios grupos
de pesquisas cadastrados no CNPQ, e por projetos individuais, todos eles
com seus trabalhos difundidos por meio de conferncias, mesas-redondas,
comunicaes e psteres.
Para a realizao deste primeiro evento, que agora publica seus Anais, os
primeiros passos comearam h exatos cincos anos, quando a Universidade
Federal da Bahia, atravs de editais de concursos pblicos, resolveu
revigorar os estudos clssicos no Instituto de Letras, que contava com apenas
trs professores de latim, Prof. Rosauta Poggio, Prof. Ivan Calazans e Prof.
Gilson Magno. a partir da que passam a incorporar o quadro de docentes
da rea os professores Luciene Lages e Leonardo Medeiros Vieira, ambos
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Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia 11
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para assumirem as cadeiras de Lngua e Literatura Gregas, sem docentes por
um longo tempo. Trs anos mais tarde, ampliam-se as vagas para docentes
de Lngua e Literatura Latinas cujo resultado foi a contratao, tambm por
concurso pblico, dos professores Jos Amarante e Zlia Gonalves. H dois
anos, foi realizado outro concurso para Lngua e Literatura Gregas e o
professor Jlio Lopes Rego foi incorporado ao grupo. Dessa forma, o
Instituto hoje conta com oito professores para atuarem no curso de Letras
Clssicas, ampliando para mais do que o dobro o nmero existente at o
incio dos anos 2000.
Evidentemente, at chegarmos aqui, muitos passos foram necessrios.
Como a redescoberta do curso de Letras Clssicas, empoeirado nas gavetas
secretas dos computadores dos colegiados. Nesse sentido, os professores
Leonardo Vieira e Luciene Lages deram os primeiros passos. Assumindo
estrategicamente a funo de coordenadores de colegiados puderam, pouco a
pouco, mostrar, aos alunos que optam por lnguas estrangeiras, a existncia
do latim e do grego como lnguas estrangeiras clssicas, no modernas, como
as demais lnguas costumeiramente escolhidas pelos iniciantes no curso.
Aps a divulgao do curso aos alunos, a professora Luciene Lages,
ciente de que o fortalecimento da rea iria se dar a partir do fortalecimento
da pesquisa, e j contando com a parceria do professor Jos Amarante, e com
o apoio e adeso da professora do curso de filosofia Silvia Faustino, dos
Professores do Ilufba Antnio Marcos Pereira e Leonardo Medeiros Vieira,
funda o Grupo de Pesquisa NALPE (Ncleo de Antiguidade, Literatura e
Performance), registrado no CNPQ, que conta atualmente tambm com a
Professora Rosana Baptista dos Santos (UFLA). Nesse perodo, foi possvel
receber o Prof. William Dominik, da Universidade de Otago, Nova Zelndia,
para ministrar aulas num curso da Ps-Graduao em 2010. O Prof. Dominik
foi o primeiro convidado a fazer uma conferncia sobre estudos clssicos
para os nossos alunos em 2007. Foi possvel tambm organizar o I Colquio
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Clssicas UFBA (2010), com a participao do Prof. William e dos demais
membros do NALPE.
O movimento inicial foi mesmo este: o de divulgar o mundo
clssico numa instituio to carente de pesquisas e de publicaes na rea.
Para isso, atravs do NALPE, alguns projetos tiveram lugar: o Circuito Cine-
Mito, com exibio de filmes de temtica clssica, apresentados e discutidos
por algum especialista; o Circuito de Conferncias: interlocues com a
Antiguidade, com palestras proferidas por especialistas em estudos clssicos
da prpria universidade e de outras partes da Federao; o Curso de extenso
em lngua latina, para professores de diversas reas do Instituto de Letras que,
tendo estudado latim em tempos de memorizao gramatical, aceitaram o
convite para uma experincia didtica com o objetivo de leitura de textos em
latim, atravs do mtodo Latinitas, em processo de elaborao pelo Prof. Jos
Amarante. Com a frequncia assdua de muitos alunos a esses projetos, o
natural foi comearmos a ver alunos se interessando pela rea, inquirindo
sobre a existncia de projetos de pesquisa e voltando-se para outras
possibilidades acadmicas. Hoje, o NALPE j conta com alunos de Iniciao
Cientfica, mestrandos e bolsistas Permanecer, que atuam com o Projeto
Circuito Cine-Mito em escolas pblicas de Salvador.
Foi nesse contexto que, em parceria com o DCHT/UNEB-Seabra e
com os Programas de Ps-Graduao da UFBA em Lngua e Cultura e em
Literatura e Cultura, tivemos a oportunidade de receber profissionais de
vrias regies do Brasil para a apresentao de mais de uma centena de
trabalhos. Nestes Anais, reunimos os trabalhos submetidos comisso
cientfica do evento, os quais foram organizados em diferentes sees:
Literatura Grega, Lngua e Literatura Latinas, Histria Social do Latim no
Brasil, Estudos de Traduo, A Antiguidade Clssica e a Literatura Brasileira,
Interlocues com a Antiguidade. Alm dos trabalhos aqui apresentados, o
evento oportunizou a publicao de vinte textos na edio do livro Mosaico
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Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia 13
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Clssico: variaes acerca do mundo antigo, organizado pelos professores Jos
Amarante e Luciene Lages, tambm disponvel no site do evento:
www.classicas.ufba.br.
Raul Oliveira Moreira Luciene Lages Jos Amarante
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LITERATURA GREGA
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O resgate do conceito aristotlico de praxs telea como chave para a unificao entre o don e o tlos nos estudos ontolgicos.
Daniel Oitaven Pamponet Miguel*
Introduo
Este trabalho buscou investigar a influncia do conceito aristotlico de
praxs telea no campo da ontologia. Adotamos como referencial terico a tese de
Adela Cortina, autora que, inspirada em Cubells, identifica na ontologia de
Aristteles a existncia de um elemento deontolgico teleolgico, o qual seria
refletido nos paradigmas ontolgicos posteriores.
Na filosofia do ser aristotlica, as aes humanas so dirigidas para um
tlos, mas a constituio da prxis diante da poesis consubstancia um momento
deontolgico. Diferentemente do fim da produo, que diferente dela prpria, o
fim da ao , em si, um fim. O primeiro caso diz respeito chamada prxis atels
(knesis). Por sua vez, o segundo caso diz respeito prxis telea, na qual tendncia e
fim se identificam em uma simultaneidade temporal. Segundo Cortina, essa
distino viria a ser espelhada pelo paradigma ontolgico da filosofia da
conscincia, de modo a constituir o seguinte paralelismo entre os pensamentos
aristotlico e kantiano: a prxis atels estaria para o imperativo hipottico, assim
como a prxis telea estaria para o imperativo categrico. Igualmente, a pragmtica
universal habermasiana seria constituda por uma convergncia entre o don e o
tlos, encontrada no acordo como finalidade inerente linguagem humana. * Aluno especial do Doutorado em Direito Pblico da Universidade Federal da Bahia.
Mestre em Direito Pblico (Limites da validade do discurso jurdico) pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direitos Humanos, Teoria e Filosofia do Direito pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Especialista em Direito Tributrio pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Graduado pela Universidade Federal da Bahia. Ex-professor substituto de Teoria do Direito/Filosofia do Direito/Hermenutica Jurdica/Lgica e Argumentao Jurdica, Direito Civil e Direito Empresarial da Universidade Federal da Bahia. Professor de Hermenutica Jurdica/ Filosofia do Direito/Lgica e Argumentao Jurdica da Faculdade Baiana de Direito. Aprovado em concurso para professor auxiliar de Teoria do Direito e Direito Civil da Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Advogado.
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Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia 16
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Nossa hiptese a seguinte: uma compreenso adequada da prxis telea
proporciona a superao da oposio entre deontologismo e teleologismo.
Testemos, ento, sua validade.
1 As leituras de Cortina e Mller sobre a ideia de prxis no pensamento
aristtelico
Cortina (2010, p.225-6), inspirada em Cubells, recorre a Aristteles para
demonstrar que um elemento deontolgico teleolgico sempre esteve presente
desde a filosofia do ser, passou pela filosofia da conscincia e chegou filosofia da
linguagem1. Na leitura do filsofo espanhol sobre Aristteles, as aes humanas so
dirigidas para um tlos, mas a constituio da prxis diante da poesis consubstancia
um momento deontolgico. Enquanto o fim da produo diferente dela prpria, o
fim da ao , em si, um fim. No primeiro caso, trata-se de prxis atels (knesis). Por
sua vez, o segundo caso diz respeito prxis telea, na qual tendncia e fim se
identificam em uma simultaneidade temporal.
Isso o que acontece na prxis do homem enquanto homem, isto , na contemplao: o conhecimento move a vontade, que, por sua vez, desperta um novo desejo. A sucesso entre desejo e felicidade no tem por que ser interrompida, por isso nos encontramos diante de uma atividade contnua. Ao contrrio, na atividade em que tendncia e fim se do sucessivamente, alcanar o fim supe o desaparecimento da tendncia. Por isso, aqui, o fim perfeio e limite da ao. []. O conceito de prxis telea ilumina, portanto, o campo prtico em toda a sua amplitude: na tica teleolgica de Aristteles, o momento constitutivo da racionalidade do prtico deontolgico. (CORTINA, 2008, p.226)
1 Se Aristteles supunha uma ordem teleolgica do ser, que fazia o fim e o bem
coincidirem, Kant supe uma ordem teleolgica das faculdades do nimo que lhe permite confiar que todas tero um uso correto. Por isso, a Crtica tem por tarefa descobrir, em cada caso, qual esse uso e impedir excessos. Essa confiana bsica na ordenao teleolgica das faculdades do nimo reproduz, a teleologia aristotlica do ser, mas no nvel da conscincia; enquanto a pragmtica formal a reproduzir por meio da linguagem, porque a linguagem tambm ter um uso originrio e usos derivados. O uso originrio ser determinado pelo tlos da linguagem, e ater-se a ele, em caso de conflito, supor ater-se razo prtica, entendida como racionalidade comunicativa. Um mesmo modelo telolgico, uma confiana na ordem do ser, da conscincia e da linguagem, constitui o pano de fundo de alguns modelos filosficos, cuja nica alternativa total possvel o caos. (CORTINA, 2010, p.230)
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Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia 17
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Poiesis e prxis, segundo lio de A. W. Mller (2011, p. 1-3), esto relacionadas em
uma estrutura teleolgica, na qual: 1) a produo focada na existncia de
resultados; e 2) a ao tem por alvo uma vida virtuosa e a felicidade que lhe
nuclear. Enquanto a eupraxia, ao virtuosa, uma forma de prtica que j satisfaz
seu prprio fim, a finalidade da poiesis no a prpria poiesis, mas sim o seu
produto. A poiesis no se esgota na techn, entendida como aplicao de uma tcnica
estabelecida, mas sim em qualquer tipo de produo. Entretanto, de uma
perspectiva mais ampla, a atividade produtiva tambm orientada pela eupraxia, o
que notvel, por exemplo, na afirmao de Aristteles sobre a hierarquia de
profisses, determinada pela hierarquia de fins buscados por cada tipo de trabalho.
Aristteles, na Poltica (I, 4, 1253b-1256b), afirma que os seres humanos
teriam a peculiaridade de, em certos casos, gerar alguns produtos instrumentais em
relao a outros produtos (organa poietika). No primeiro caso, ainda se pode dizer
que a produo tem por fim uma nova produo, mas, na segunda hiptese,
continua pendente a pergunta sobre a finalidade da produo. Entende-se, neste
ltimo caso, que tais produtos (organa praktika), so meios da eupraxia elemento
central da forma prtica de eudaimonia que manifesta a virtude tica utilizados na
ao. (MLLER, 2011, p. 4)
Aristteles chega a mencionar a existncia de bens que seriam necessrios
ao exerccio de dadas virtudes. Entretanto, como mostra A. W. Mller (p.4), tal
afirmao no suficiente para explicar a existncia de uma conexo teleolgica
entre a produo e a eupraxia, motivo pelo qual o intrprete rejeita a ideia de que a
vida virtuosa possa requerer instrumento prticos e, portanto, atribuir produo e
seus produtos um fim prtico geral. Seria invivel, inclusive, distinguir entre
produtos em servio da ao em geral e produtos em servio da ao virtuosa, pois
nenhum produto pode ser um instrumento para o agir virtuoso sem que possa
tambm, em tese, ser utilizado de forma eticamente neutra, o que pode ser
traduzido tambm como eticamente ambivalente. Mller diz, portanto, que as
organa praktika so coisas definidas por um propsito prtico, mas sem um propsito
tico definido previamente ao.
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Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia 18
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A. W. Mller (2011, p. 14-7) v em Aristteles uma tendncia a amalgamar
duas noes de prxis, as quais podem ser identificadas tendo como referncia a
distino entre conduta e ao, entendida como uma aplicao da distino entre
praxis telea (energeia) e praxis ateles (kinesis), encontrada na Metafsica. A primeira
noo de praxis seria caracterizada por uma teleologia no-intencional e imanente,
ou seja, pela busca de um telos que no pode ser definido como a prxis em si
mesma, mas sim como uma qualificao da prxis, a qual assumiria certa forma ou
estrutura. Tal noo de prxis seria completamente definida por sua teleologia. A
palavra praxis no classificaria as aes, mas sim as submeteria a um padro tico
particular de avaliao articulado com a eupraxia (o telos da praxis), permitindo a
qualificao das condutas como justas/injustas, boas/ruins, etc. O uso do termo
praxis estaria atrelado a um dever de conformao da conduta s virtudes, sem que
o telos da praxis precise estar intentado, ser o propsito de algum. Por outro lado, a
teleologia intencional tem seu melhor equivalente na noo de ato. Tal ideia de
praxis tambm pode ser submetida ao padro tico de avaliao. O que h de
peculiar, entretanto, que a noo intencional consiste no modo de concretizar a
ao no-intencional. Ora, a estrutura teleolgica da ao distingue tal concepo de
praxis em relao anterior, porque o telos que define as aes o tipo de resultado
a que levaro, de modo que a inteno de praticar a ao necessariamente implicar
a inteno de alcanar o resultado. As aces concretas dependem, para a sua
qualificao teleolgica, da inteno do agente. O seu telos distinto da ao em si
mesma, no que percebemos uma distino quanto praxis em sentido no-
intencional.
Mller (2011, p. 18) considera que quando voc est agindo bem voc
tambm j agiu bem, no havendo diferena entre o momento de continuidade e o
momento de completude do ato. Mais ainda: o autor entende que no importa se a
praxis orientada por si prpria ou pelo alcance de uma boa praxis, pois a teleologia
da praxis no neutra quanto ao valor da conduta que se performatiza. Ora, a ao
ruim possvel, mas a disposio natural de um animal para agir no est separada
de uma tendncia natural para agir bem. Em outros termos, o telos caracterstico da
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Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia 19
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praxis humana (a conduta) alcanado completamente no em qualquer tipo de
praxis, mas na praxis qualificada, ou seja, na eupraxia. Existe, portanto, uma
assimetria entre o bom e o ruim no reino da conduta, visto que uma ao que no
boa completa em sentido metafsico, visto no deixar de ser um comportamento,
mas no completa em sentido avaliativo; tal praxis seria energeia, oposta kinesis.
Esse raciocnio fica mais claro ao pensarmos na aplicao de um padro de
teleologia qualificadora s aes descritas por um verbo que significam uma
energeia (praxis telea) cujo telos s se completa (em sentido avaliativo, e no
puramente metafsico) quando a ao est de acordo com um padro englobado
pelo prprio significado verbal. Os dois exemplos mencionados por Mller so
tentar ver e julgar. Quem tenta ver, necessariamente tenta ver bem, assim como
quem julga objetiva julgar corretamente. O direcionamento eupraxia j est contido
nas prprias atividades, no sendo a elas conferidos por uma inteno
correspondente, cuja existncia , a, irrelevante. Mller encontra fundamento para
tal interpretao em tica a Nicmaco (1979), e conclui que a satisfao do tlos da
ao consiste em agir bem. A completude, em sentido avaliativo, do agir mais do
que apenas a constatao de que o incio da ao j a faz completa, mas menos do
que dizer que o sujeito frui o agir quando est agindo bem. Mller ressalta que o
trecho de tica a nicmaco que lhe serve de inspirao para a descoberta da
teleologia qualificadora em Aristteles no deve ser lido com a nfase na
orientao ao prazer, mas sim no modo como a disposio do sujeito completa a
ao. Esta disposio que permite praxis ser completa em sentido avaliativo a
combinao entre sabedoria e virtude tica, elementos que definem o padro de
julgamento da bondade da ao.
Mller no diz que Aristeteles, em tica a Nicmaco, usa duas noes de
praxis, mas sim que ele utiliza a palavra de uma forma a misturar duas noes
distintas. Ora, quando o filsofo usa a palavra como ao ou ato, e no
propriamente como conduta, ele ainda est deixando implcita a ideia de uma
teleologia prtica (tica). A ao seria, portanto, uma produo vista como a
satisfao ou no do telos estabelecido pelo padro da eupraxia. Entretanto, no
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Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia 20
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podemos ser simplistas e dizer que a praxis como ao igual poiesis. A noo
liberal de produo de Aristteles no liberal o suficiente para ser aplicvel a
todos os casos de ao incompleta (em oposio energeia/prxis telea).
Mller afirma que a praxis no apenas no pode ser evitada, mas tambm
no h, por seu prprio modo de ser, como deixar de ser orientada pela eupraxia,
independentemente de qualquer escolha por parte do sujeito. Outro trecho utilizado
como fundamento por Mller o referente coragem, em que o filsofo estagirita
diz que em todo caso, o fim de uma atividade aquele que est de acordo com a
correspondente disposio, entendida a, segundo o intrprete, correspondente
disposio como sinnimo de virtude. Ademais, o prprio trecho-chave eleito por
Mller, presente em tica a Nicmaco (VI 2, 1139b) tambm expressa a relao
entre o agir e o bem-agir. Nesse ponto, visualizamos a ideia de complementaridade
entre don e tlos, o que pode ser relacionado comparao realizada por Mller
entre os pensamentos aristtelico e kantiano. Seno, vejamos.
A. W. Mller (2011, p. 22-3) entende que a identificao de duas noes de
praxis em Aristteles permite um dilogo com Kant no que se refere questo tica.
Sem a realizao da distino introduzida por Mller, a eupraxia poderia ser
entendida como um propsito geral que deve ser intencionado, o que lhe mantm
um tanto prximo a Kant, para quem a moralidade depende do respeito pela lei
moral com um motivo prprio. Entretanto, a distino de Mller, de certa forma,
aumentaria a distncia entre Kant e Aristteles ao considerarmos que a bondade de
carter no depende de o agente estar motivado por um telos compartilhado por
todos os tipos de boa conduta, visto que os padres motivacionais do bem-fazer
seriam variados. A nica unidade que deveria ser propriamente buscada diria
respeito a um padro de bondade da vida humana, consubstanciada na unidade das
virtudes, de modo que os vrios padres suportem e delimitem uns aos outros. Por
outro lado, percebemos que, enquanto a leitura no-revisional de Aristteles implica
a atribuio razo prtica da tarefa de descobrir os meios de caminhos de
implementar propsitos, a interpretao revisional de Mller permite o
entendimento de que o bem agir uma questo de fazer ou no as coisas por elas
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serem propriamente devidas, e no pela busca de algo a ser alcanado, o que evoca
a ideia kantiana de que a ao pode encontrar substrato que no seja um objeto de
desejo e que no deve ser um telos se a ao tiver valor moral.
Cortina, por sua vez, v na razo prtica kantiana um momento
teleolgico-deontolgico semelhante ao do intelecto prtico aristtelico, visto que os
imperativos categricos tm o fim englobado pela prpria ao ordenada, enquanto
os imperativos hipotticos submeteriam o preceito a um fim diferente da ao. O
imperativo categrico entrelaa o preceito e a vontade de todo ser racional, o que
exige a ampliao da concepo dessa vontade como universalmente legisladora,
autotlica, um fim em si mesma. Em Kant, h uma convico de que a razo nos foi
dada para produzir uma vontade boa, motivo pelo qual um ser que um fim em si,
absolutamente valioso, tem dignidade e, dotado de capacidade autolegisladora, no
deve se submeter a leis alheias. Estabelece-se uma ponte entre uma tica
procedimentalista e o sentimento, o que exige o cultivo de uma atitude
correspondente ao princpio de moralidade, representvel pela forma da
universalidade; pelo reconhecimento do fim em si mesmo; e pela concordncia das
mximas em um reino dos fins.
Naquilo que se refere proximidade com o sentimento moral, existe entre eles uma gradao: a representao que um homem tem a respeito de si mesmo, ou como fim em si, ou como membro de uma comunidade de seres que so fim em si, est mais prxima do sentimento que a representao da lei em sua universalidade. Talvez seja essa a razo pela qual os termos-ponte entre o princpio e a atitude, os termos valor absoluto e dignidade, introduzem-se mediante o reconhecimento do fim em si e do reinos dos fins. (CORTINA, 2010, p.231)
prprio da estrutura da ao racional tender a um fim, sem o qual no se
poderia falar de sentido subjetivo da ao. Porm, no caso da razo prtica, a ao
por ela regulada no pode ser considerada um meio a servio de um fim situado
fora dela. Ao contrrio, a ao inclui o tlos em si mesma, e esse momento incluso
na prpria ao que faz dela um tipo de ao maximamente valiosa e realizvel por
si mesma. No se chega a uma tica de bens, mas sim a uma tica de valores,
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atitudes e virtudes (CORTINA, 2010, p. 222-4). O tlos, para aqueles que desejem se
comportar racionalmente, leva ao don. O momento deontolgico por ser
teleolgico. []. No tm por que ser opes disjuntivas, j que a percepo de um
procedimento como valioso gera um thos correspondente. (CORTINA, 2010, p.
224)
J em uma aproximao s ticas procedimentais, devemos levar em conta
que estas podem fazer afirmaes de valor, as quais possibilitam aos indivduos e
aos grupos se interessarem por esses elementos valiosos. Nesse particular, a tica
dialgica habermasiana, caracterizada pela entrada do princpio dialgico no lugar
do princpio moral, tambm constituda por um momento dentico-teleolgico, o
qual no se encontra mais na conscincia, mas sim na linguagem, entendida esta
como estrutura do ato de fala. Se o bem moral em Habermas (1987) a capacidade
de preservar a competncia interativa em situaes de conflito, a bondade moral,
agora entendida como uma atitude de disponibilidade para a soluo dialogada de
conflitos, pode, assim como em Kant, ser predicada da vontade. Boa vontade e
formao discursiva da vontade esto em uma relao estreita. Esta aproximao
entre a ontologia aristotlica, com destaque para o conceito de prxis telea, e a
filosofia da linguagem emergente no sculo XX precisa ser mais bem verificada em
tpico prprio.
2 O rhetor gnstico: praxis, linguagem e fala em Aristteles e Wittgenstein II
Karl Palonen (2003), embora afirme desconhecer debates especficos a
respeito da relao entre a retrica antiga ou moderna e a obra de Wittgenstein, nota
que Perelman, seus alunos e alguns retricos americanos das cincias humanas
como exemplo, poderamos mencionar Stephen Toulmin (1958) recorrem a
Wittgenstein em diversos momentos de suas construes filosficas, mormente
mediante a adoo da idia de jogo de linguagem. Poderamos, pois, vislumbrar
uma relao entre a retrica aristotlica, inspirao do pensamento perelmaniano, e
a filosofia da linguagem ordinria do segundo Wittgenstein?
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Uma interao desse tipo pode ser encontrada no artigo The Rhetor and
the Knower: Wittgenstein and Achilles", cujo autor responde pelo pseudnimo de
Kvond (2010). O filsofo parte da premissa de que a rejeio, pelo segundo
Wittgenstein, da epistemologia verificacionista, com o reconhecimento do discurso
como um ato, reunifica os reinos do conhecimento e da persuaso, separados pela
filosofia grega. Os gregos entendiam, segundo Ccero, que havia, de um lado, o
emitente do discurso (rhetor do mythos), metonimizado na lngua, e, de outro, o
praticante de atos racionais (praktr de ergon), consubstanciado na imagem do
crebro. Ccero, ao denunciar a diviso, acusa-a de atrofiar as dimenses pblica e
prtica (pragmtica) do conhecimento.
Kvond estabelece uma analogia entre Wittgenstein e Aquiles, quem, na
Ilada de Homero, ainda criana, foi ensinado por Fnix, seu tutor, a fundir as
habilidades da fala e do conhecimento, resultando em sua grande performance, ao
mesmo tempo, como guerreiro e como poltico. Tratando Cambridge como a nova
Tria, Kvond afirma que Wittgenstein, mediante as noes de jogo de linguagem e
modo de significar (uso da linguagem), transmuda o discurso em ato (praktr do
mythos); o uso da linguagem rhetor de ergon. Assim, usar a linguagem um modo
de fazer; saber como usar as palavras e como seguir as regras aptido de
conhecimento, mediante a produo do significado (significado como prtica).
Segundo a definio aristotlica de retrica (1998), esta a capacidade,
entendida como poder, de cada sujeito compreender-se como persuasivo (ethos)
perante outrem (pathos) por meio do logos; consiste em uma dupla interpretao
imersa no poder de convencer os outros na esfera social. O exerccio dessa arte
possui como elemento intrnseco a habilidade de discernimento como um poder que
proporciona, mediante a identificao e eleio de topoi, premissas de entimemas,
com o fulcro de criar uma adeso no auditrio resultante em consenso com o
orador, ou, na linguagem wittgensteiniana, uma unio entre seus jogos de
linguagem. Correspondem, pois, os topoi na argumentao aristotlica s regras do
jogo de linguagem wittgensteiniano; com o segundo Wittgenstein, a retrica, ou
seja, o efetivo uso das palavras, torna-se o horizonte do conhecimento e coloca todo
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significado no horizonte do poder por meio de um processo lingstico-
comunicativo. A retrica trata do poder da linguagem, do uso da palavra e do
discurso pela racionalidade humana. (KVOND, 2010)
A essa concepo, seria possvel objetar que Palonen vislumbra em
Investigaes Filosficas um tom similar s crticas que os sofistas faziam sobre as
filosofias de Plato e Aristteles. Wittgenstein II rejeita a ideia realista de que as
coisas e os fenmenos so, de alguma forma, independentes da linguagem mediante
a qual so faladas. Essa idia atribui, no entanto, a Aristteles, apenas a noo de
linguagem como elemento secundrio, designativo das coisas. Mas no percebe a
dupla mo do pensamento aristotlico: se a linguagem pressupe uma ontologia, a
significao dessa ontologia tambm pressupe a linguagem.
Um dos motes da filosofia aristotlica a apresentao de um discurso
racional fundamentado como uma resposta aos sofistas, perigosos para o
pensamento por fora de sua indiferena em relao verdade e pela sua nfase na
eficcia persuasiva do discurso, arma capaz de fazer o falso parecer verdadeiro ou
verossmil2. A concepo lingstica dos sofistas retratada por Plato em Crtilo
(1980), obra na qual Hermgenes representa o convencionalismo e seu fechamento
da linguagem em si, deixando o espao outrora respectivo intencionalidade
essencial que apontava para as coisas e substituindo essas prprias coisas
(OLIVEIRA, 2001, p.27). A tal respeito, explica Streck (2004, p.115)
Crtilo um tratado acerca da linguagem e, fundamentalmente, uma discusso crtica sobre a linguagem. So contrapostas duas teses/posies sobre a semntica: o naturalismo, pela qual cada coisa tem nome por natureza (o logos est na physis), tese defendida no dilogo por Crtilo; e o convencionalismo, posio sofstica defendida por Hermgenes, pela qual a ligao do nome com as coisas absolutamente arbitrria e convencional.
Plato, em seu embate contra os sofistas, atribui a Scrates uma posio
intermediria no conflito entre Hermgenes e Crtilo, a qual consiste no 2 A palavra, para os sofistas, era pura conveno e no obedecia nem lei da natureza e
tampouco s leis divinas (sobrenatural). Como era uma inveno humana, podia ser reinventada e, conseqentemente, as verdades estabelecidas podiam ser questionadas. (STRECK, 2004, p.117)
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entendimento de que os nomes so convencionais, mas a sua escolha no
completamente arbitrria, e sim orientada por um modelo ideal (inato) que funciona
como referencial comum entre nome e coisa e coloca-os em uma relao de
adequao natural. Essa concepo acarreta a atribuio de um papel instrumental,
secundrio, linguagem: a palavra tomada como mera representao, desprovida
de carter constitutivo, da coisa, cuja realidade (mundo das idias) s
verdadeiramente conhecida sem o uso da linguagem. (STRECK, 2004, pp. 118-9)
Aristteles no aceitava que a linguagem pudesse ter uma autonomia em
relao s coisas, mas tampouco aceitava que esta fazia parte da physis pr-socrtica
(STRECK, 2004, p. 120). Aristteles busca elaborar uma teoria da significao que,
simultaneamente, afirme a distncia entre linguagem e ser e tematize a relao entre
ambos. Aprimora, assim, a crtica contra os sofistas, contrapondo-se a sua viso da
linguagem como simples ente entre os outros, instrumento dos relacionamentos
intersubjetivos (OLIVEIRA, 2001, p.27). O filsofo preocupa-se com a relao da
linguagem com o ser na base da significao, o que pressupe a negao da
linguagem como coisa entre as coisas. Afasta, assim, a aderncia entre palavra e ser
e aponta o carter significativo, e no meramente manifestativo, da linguagem.
Oliveira (2001, pp. 29 e ss.) aponta duas dimenses da linguagem em
Aristteles. A primeira delas diz respeito acentuao da distncia entre linguagem
e ser e ao aprofundamento, por meio de sua teoria do juzo, da concepo
designativa da linguagem elaborada por Plato, que termina concebendo a
linguagem como algo secundrio em relao ao conhecimento do real. No h
relao imediata entre palavra e ser, pois h a mediao necessria dos estados
psquicos; a palavra no tem significao em si mesma. Em verdade, a linguagem
smbolo do real, instrumento convencional, e no natural, da designao; aproxima-
se das coisas apenas caso seja verdadeira, assemelhada ao real. O smbolo
(linguagem) no toma o lugar da coisa, mas sim exprime, simultaneamente, ligao
e distncia. Essa concepo permite a Oliveira afirmar que, como em Aristteles, a
essncia das proposies lingsticas no est em seus termos, mas no ato
compositivo do estado de alma, a funo judicativa no funo da linguagem, mas
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sim da alma, cabendo ao discurso apenas significar o ato judicante, no substituindo
a verdade do julgamento, mas sendo seu substituto necessrio e imperfeito, j que
as coisas so singulares e o homem fala sempre no universal.
A outra dimenso da linguagem em Aristteles preleciona, a despeito da
distncia entre linguagem e ser, a inacessibilidade imediata ao ser pelo homem sem
a mediao lingstica, posicionamento que remonta aos filsofos gregos e sua
noo de unidade entre logos e n e antecipou a principal tese da filosofia
contempornea da linguagem: toda reflexo sempre reflexo mediada
lingisticamente. Essa linguagem pressupe uma ontologia como condio de
possibilidade da comunicao humana; embora seu discurso no seja imediato
sobre o ser, a linguagem s compreensvel a partir de seu fundamento, o ser, e
vice-versa. Uma pr-compreenso das coisas j se mostra na maneira como falamos
das coisas, e a tarefa da filosofia consiste exatamente na explicitao, mediada
lingisticamente, dessa pr-compreenso do real. Por isso, a mais adequada leitura
de Aristteles no no sentido de um estudo sobre uma linguagem que aponta para
uma coisa externa a ela, mas sim para o modo complexo de como falamos das
coisas, ponto em que convergem a retrica aristotlica e os modos de significar da
dimenso pragmtica wittgensteiniana.
Michel Meyer (1993, apud Palonen, 2003, p.135) estabelece uma relao
entre Austin, autor que desenvolve a filosofia da linguagem ordinria de
Wittgenstein, e Aristteles. Em termos retricos, os atos de fala referem-se a
diferentes dimenses da retrica: se os topoi funcionam como as regras do jogo de
linguagem, a dimenso ilocucionria da linguagem corresponde ao ethos, a
locucionria, ao logos e a perlocucionria, ao pathos.
Para Wittgenstein, como no h regras estritas para o uso apropriado da
linguagem, ns temos um leque de escolhas por vrios modos de usar a linguagem
(na terminologia de Austin, podemos falar em usos performativos e constatativos da
linguagem). Essa contingncia da linguagem pode ser detectada na metfora dos
jogos de linguagem; a diferenciao entre os jogos, sua maleabilidade e a
interpretabilidade nos casos concretos expressam essa contingncia. Kvond (2010)
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vai explicar que esse leque de escolhas est dado comunicativamente assim como os
topoi aristotlicos, lugares-comuns passveis de figurar como premissas (regras)
escolhidas pelo utente da linguagem, de forma a buscar uma convergncia entre o
jogo de linguagem em que se sente inserido e aquele do receptor da mensagem,
permitindo a unio de ethos e pathos no logos. Nesse contexto, pertinente a remisso
noo de conceito wittgensteiniana, cuja condio de compreenso a
multidimensionalidade do significado, o qual pode ser modificado dependendo do
contexto dos jogos de linguagem em que eles so usados, assim como os conceitos
aristotlicos so as diferentes funes da linguagem enquanto presentificao dos
diferentes aspectos do real. No bojo do discurso em um dado jogo de linguagem,
essa multidimensionalidade semntico-funcional pode ser manejada pelo utente a
fim de alcanar a adeso do auditrio, ponto em que voltamos remisso dos
perelmanianos obra wittgensteiniana, podendo, ainda, incluirmos aqui o
pensamento de Stephen Toulmin (1958), cuja teoria da argumentao busca uma
concepo retrica a partir da filosofia de Wittgenstein II.
Wittgenstein e Austin introduziram uma perspectiva de ao linguagem
que criticava a concepo contemplativa da filosofia, assim como faziam os sofistas
e a crtica retrica antigas. Segundo Palonen (2003, pp. 136-7), embora Wittgenstein
no demonstre muito interesse nas dimenses histrica e poltica do uso dos
conceitos e do jogar os jogos de linguagem (sofistas), a perspectiva da filosofia da
linguagem ordinria proporciona uma inteligibilidade da contigncia poltica sem
redundar em abordagens reducionistas como as sociolgicas e colocando a retrica
como conhecimento prtico de atos de poder significativos. Como diria Kvond
(2010), o rhetor gnstico.
Concluso
Retornemos para os influxos da prxis telea nas ticas deontolgicas, de
modo a estabelecer a ponte entre estas e a filosofia da linguagem de Wittgenstein no
contexto da suposta tenso entre telos e don. A reconstruo de uma tica
procedimental a partir de uma teoria substancial da vida boa no admissvel
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justamente porque as ticas procedimentais esto ocupadas com o universalizvel
no fenmeno moral, e no com os bens relativos a determinados indivduos, grupos
ou sociedades. Mas a assuno de um elemento valioso pelas ticas deontolgicas
necessria para fins de entrelaamento entre princpios e atitudes, justamente
porque o interesse por um valor motiva determinadas atitudes, as quais so idneas
a estimular o hbito e a virtude. Isso significa que a tica procedimental pode contar
com um ethos universalizvel. A identificao de uma origem para este valor exige a
reconstruo do que se entende por razo prtica.
A tica kantiana, como uma tica de princpios (enunciados prescritivos
universalizados), costuma ser considerada por alguns como oposta a uma tica de
atitudes (virtudes). Este ltimo tipo de tica aquele que pode dar lugar ao hbito,
ao carter, ao ethos. Cortina (2010, p. 222-4) no chega a admitir a reconstruo das
ticas procedimentais a partir de uma teoria substancial da vida boa, como quer
Taylor. Entretanto, d razo a este em outro ponto: as ticas procedimentais so
baseadas em uma valorao forte. S se pode responder pergunta por que tenho
de seguir determinado procedimento com valoraes fortes como dignidade do
homem (Kant), acordo racional (Habermas) ou conceito kantiano de pessoa
(Rawls). Ora, o princpio da tica discursiva pode ser rechaado, ainda que tendo
em vista as dimenses pragmticas dos atos de fala, em favor de uma alternativa
solipsista. O prprio Habermas (1987) admite que so tidos como moralmente
bons aqueles que, em situaes de conflito, mantm a competncia interativa, em
vez de rejeitar inconscientemente o conflito. Trata-se, como diz Apel, de um
compromisso com a razo impossvel de ser demonstrado, cujo sentido, na viso de
Cortina, pressupe a percepo de um valor.
A necessidade de assuno de um elemento virtuoso, teleolgico, pela
filosofia da linguagem do sculo XX parece ter sido corretamente compreendida por
Aulis Aarnio, autor que, em sua obra Lo racional como razonable (1991), busca uma
combinao entre a Nova Retrica de Perelman, a Filosofia da linguagem ordinria
wittgensteiniana e, como novo aporte na equao, o racionalismo discursivo
habermasiano, resultando numa concepo de interpretao como soma dos jogos
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de linguagem. Como explica cio Oto Ramos Duarte (2003, pp. 90-104), Aarnio,
aps colher de Wittgenstein a possibilidade de interpretar o conceito de auditrio
com a ajuda do conceito de forma de vida e assumir que expresses s tm sentido
no contexto de um jogo de linguagem, busca as teorias da coerncia e do consenso
como critrios interpretativos. Assumindo o ergon como praxis comunicativa,
considera que seus jogos possibilitam o processo de comunicao, entendido este
como o processo em que as pessoas alcanam o contedo mediante uma
racionalidade comunicativa, no sentido habermasiano; a linguagem concebida
como o resultado dessa ao comunicativa. A necessidade desse processo fica muito
clara ante a ambigidade e vagueza da lngua. O resultado da interpretao no
seria a verdade como correspondncia com o real, mas uma verdade
intersubjetiva criada por meio do debate no processo argumentativo, neutralizando
eventual arbitrariedade da inventio e floreios manipuladores da elocutio, ou, em
outros termos, respeitando o telos da linguagem por meio da obedincia aos
pressupostos deontolgicos da razo comunicativa. Conclui-se que o elemento
deontolgico-teleolgico presente na filosofia do ser aristotlica influenciou os
paradigmas ontolgicos posteriores e proporciona a superao da oposio entre
deontologismo e teleologismo com base no conceito (injustamente esquecido) de
praxis telea.
Referncias
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Anais do I Encontro de Estudos Clssicos da Bahia 30
NDICE
DUARTE, cio Oto Ramos. Teoria do discurso e correo normativa do direito. So Paulo: Landy, 2003
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OLIVEIRA, Manfredo Arajo de. Reviravolta lingstico-pragmtica na filosofia contempornea. 2 ed. So Paulo: Loyola, 2001.
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STRECK, Lenio Luiz. Hermenutica Jurdica e(m) crise: uma explorao hermenutica da construo do direito. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004.
TOULMIN, Stephen. The Uses of Argument. Cambridge: Cambridge University Press, 1958.
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O pioneirismo aristotlico acerca do risvel
verton de Jesus Santos
Introduo
Apesar de os pr-socrticos e de Plato tambm terem produzido estudos
relacionados ao risvel, tomamos como suporte a declarao de Oliva Neto (2003) no
tocante ao pioneirismo de Aristteles, que quanto aos gneros risveis de poesia e
ao prprio riso no s apresenta em mbito grego a mais antiga abordagem terica,
como faz da oposio srio/baixo o critrio mais antigo segundo o qual se
separam os gneros da poesia (p. 78). , pois, acerca desse vanguardismo
aristotlico - tomado aqui no como o primeiro filsofo a falar sobre o cmico, mas
como o mais antigo estudioso grego a discutir a existncia dos gneros derrisrios e
do riso - que trataremos no nosso estudo.
No mbito da arte potica (literria), Aristteles nos legou um texto que
seria, como observa Costa, o fundador da teoria da literatura do Ocidente. (1992,
p. 6) Ainda segundo a mesma autora, a obra aristotlica denominada de Potica trata
principalmente da tragdia e da epopeia, oferecendo apenas como promessa o
estudo posterior de outras espcies de poesia, como o caso da comdia. (1992, p.
7) Contudo, ainda no h consenso sobre se houve ou no um segundo tomo da
Potica que tratava do risvel e no nosso objetivo aqui fomentar essa discusso.
Porm, o ingls Richard Janko tentou reconstruir essa suposta segunda parte da
Potica, tomando como base o Tractatus Coislinianus, a Retrica, a tica a Nicmaco e
os Prolegmenos de Aristfanes, e construiu a obra Aristotle on comedy: Towards a
reconstruction of Poetics II (1984). Trata-se de uma audaciosa pesquisa que supe
conter as possveis conjecturas de Aristteles no que concerne comdia e que
Graduando do curso de Letras Portugus Licenciatura da Universidade Federal de
Sergipe, campus Prof. Alberto Carvalho, em Itabaiana-SE, e bolsista PIBIC/FAPITEC, vinculado ao projeto O Cmico na Literatura Brasileira, orientado pela Profa. Dra. Jacqueline Ramos.
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permite observar tpicos sobre os quais outros tericos parecem ter embasado seus
estudos.
Na Potica, observa-se que, para o filsofo grego, aprender sumamente
agradvel no s aos filsofos, mas igualmente a todos os homens (ARISTTELES,
2005, p. 22) e que a mmese proporciona o conhecimento. Assim, atravs da mmese
(tomada como imitao ou representao), o homem obtm prazer tanto ao
produzir as representaes como ao receb-las, pois por meio da imitao ocorre
tambm a aprendizagem e esta uma tendncia natural ao homem e lhe
satisfatria. Portanto, ao classificar a comdia e a tragdia como artes mimticas,
Aristteles demonstrava as funes desses gneros: a catarse e o conhecimento,
visto que a partir da purgao da dor e da piedade - na tragdia -, o que perpassa o
conceito aristotlico de catarse, e da sensao de prazer proporcionada pelo riso - no
caso da comdia-, seria possvel que o espectador chegasse depurao das
emoes que o arrebatem. Afinal, a representao das aes baseava-se na
verossimilhana e, como tal, pretendia mostrar aquilo que estava no mbito do
possvel e do necessrio no seio da sociedade. (COSTA, 1992)
Assim, como ensina Alberti (1999), a partir da perspectiva platnica assiste-
se condenao tica e filosfica da comdia: Plato v o riso como digno de
rebaixamento por tom-lo como uma mistura de dor e prazer, por ser tambm o
risvel um vcio que deveria ser evitado por quem quisesse ser respeitado, por
apresentar uma espcie de fraqueza da alma e o desconhecimento de si mesmo,
alm de mostrar o riso como um falso prazer e de distanci-lo do belo. Em
contrapartida, Aristteles salienta que a comdia e o riso estavam ligados ao prazer,
catarse das emoes, alm de que, para esse filsofo, proporcionava conhecimento
ao homem (valorizao do riso/risvel).
Ento, a partir do que se encontra na Potica e do que estaria supostamente
na Potica II, tentaremos focalizar a descrio que Aristteles faz dos principais
aspectos da comdia, mormente sua natureza e os procedimentos textuais pelos
quais se provoca o riso nos espectadores. Objetivamos tambm demonstrar como
alguns tericos como Bergson, Freud, Propp, dentre outros, desenvolveram noes
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j presentificadas no possvel tratado aristotlico sobre o cmico. Percebemos,
assim, que a perpetuao do iderio do filsofo grego, o seu pioneirismo e a
recorrncia de temas e de mecanismos da comicidade em obras de arte como a
literatura ratifica a atualidade da teoria clssica do riso.
Portanto, neste trabalho, tentaremos vislumbrar ao menos
panoramicamente algumas questes que tratam da comicidade a partir da possvel
contribuio aristotlica. Atravs de estudos como o de Janko (1984), o de Costa
(1992), o de Duarte (2003), os de Santoro (2003; 2006) e o de Possebon (2006),
buscaremos observar o pioneirismo do estagirita que aps sculos ainda se encontra
no centro de polmicas e de estudos.
1 Uma abordagem historiogrfica
Segundo Alberti (1999), no Filebo de Plato est a mais antiga formulao
terica acerca do risvel, porm o assunto no o riso nem o ridculo e, sim, o que
esse filsofo chama de afeces mistas puramente espirituais (p. 41), ou seja, as
misturas de dor e prazer exclusivas da alma como a clera, o amor, o cime, o luto,
a inveja. J no tocante a Aristteles, percebe-se o que seria uma teoria sistemtica e
descritiva acerca da comdia como gnero dramtico, da considerarmos a noo de
vanguardismo relacionada ao filsofo.
Minois (2003), em sua historiografia do riso e do escrnio, revisita a
frmula aristotlica o homem o nico animal que ri ou, em certo sentido,
nenhum animal ri, exceto o homem. Na primeira, o riso tomado como
pertencente essncia humana; na segunda, o riso exclusivamente humano, mas
se pode ser homem sem nunca rir. O filsofo, portanto, no teria utilizado a frmula
o riso prprio do homem como nega Minois, mas essa expresso ainda
destacada por Alberti como tendo sido enunciada por Aristteles.
Porm, tanto Minois quanto Alberti ressaltam a negatividade da teoria
aristotlica. Para os autores, esse filsofo coloca a comdia em escala inferior
tragdia e diz que aquela representa homens no nobres, inferiores moralmente,
enquanto esta trata de homens superiores e engrandecidos. Minois ainda diz que
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relacionar o risvel como um defeito e uma feira sem dor nem dano uma
declarao igualmente negativa. (2003, p. 73) Ento, enquanto a partir do trgico
tratava- se das virtudes dos nobres, a partir do cmico os defeitos causariam o riso e
no teriam grandes consequncias. Esses preceitos j esto esboados na Potica,
texto que focaliza especialmente a tragdia e a arte mimtica e que tambm traz
referncias sobre o risvel. Mas, apesar dessa viso negativa dos dois tericos,
destacamos o acesso ao conhecimento atravs do cmico, alm do prazer alcanado
pela imitao.
Aristteles (2005, p. 21) diz que a comdia uma arte imitativa cujos
objetos so homens inferiores [...] aos da atualidade. Assim, percebe-se que os
homens se caracterizavam eticamente como bons ou maus, uma vez admitindo o
princpio de que o vcio e a virtude distinguem as pessoas em matria de carter.
(COSTA, 1992, p. 12) Nesse sentido, desde o incio, o risvel ocupou lugar menos
prestigiado do que a tragdia e a epopeia - que representavam aes graves e
homens superiores. Com origem nos cantos flicos, a comdia atingiu, atravs de
improvisaes a princpio, sua natureza prpria, visando sempre verossimilhana,
mas o cmico situado pelo filsofo no estatuto do feio que no causa dor nem
destruio, como o caso da mscara cmica. Ademais, como a imitao prazerosa
ao homem, tambm possvel se obter aprendizagem atravs dessa imitao, o que
configura uma funo positiva da comicidade.
Assim, na Potica aristotlica, somos levados a observar o esqueleto da
tragdia, seus meios, seus objetos, seus aspectos estruturais mais relevantes,
enquanto so esparsos e mdicos os trechos relacionados comdia. Como Janko e
outros estudiosos perceberam, h referncias do prprio Aristteles acerca de um
segundo livro que versava sobre a comdia, mas essa obra - denominada de Potica
II - se realmente houve, no chegou at ns. Ento, tomando como base a hipottica
reconstruo de Janko, observaremos de modo panormico o que seria a teoria
grega mais antiga sobre a comdia.
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2 As bases para uma reconstruo hipottica
Resultado de intensa pesquisa, a reconstruo de Janko suscitou polmicas
tambm devido ao fato de ser no apenas um estudo sobre a Potica qui perdida
de Aristteles, mas tambm por apresentar acrscimos e intervenes que
preenchem hipoteticamente as lacunas encontradas no Tractatus Coislinianus. Trata-
se, pois, de um importante material para os que adentram os estudos clssicos e que
se remetem s antigas teorias literrias de Aristteles.
Janko (1984) ressalta o fato de haver estudiosos que negam a existncia da
Potica II por ser uma parte da produo aristotlica de que no se tem vestgios
materiais. Alm disso, enquanto uns concordam com a existncia da anlise do
risvel (baseados em referncias de outras obras), outros defendem a mistura do
pensamento aristotlico com outras fontes ou ainda uma compilao de variados
materiais do filsofo grego e outros autores.
Contudo, para Janko, a Potica II no uma iluso, mas um fato
incontestvel: That a second book of the Poetics was not only planned by Aristotle,
but also written, is clear beyond doubt. [Que um segundo livro da Potica no foi
apenas planejado por Aristteles, mas tambm escrito, est claro sem dvida
(traduo nossa)]. (1984, p. 63) Janko diz que, na prpria Potica, Aristteles afirma
que he intends to give a fuller treatment of comedy later in the same work [ele
pretende dar um tratamento mais completo da comdia mais tarde no mesmo
trabalho (traduo nossa)]. (1984, p. 63)
Alm disso, aponta Janko, Aristotle twice states in the Rethoric that he has
already discussed the types of the laughable in the Poetics [Aristteles expe duas
vezes na Retrica que ele j discutiu os tipos de risvel na Potica (traduo nossa)].
(1984, p. 63) Essas so algumas das pistas arroladas por Janko para a sua tentativa
de comprovao da existncia da Potica II, bem como para defender a autoria
aristotlica, visto que o autor ingls percebe que em mais de uma obra do filsofo
grego citado um tema a ser discutido posteriormente num outro trabalho que
parece no ter chegado posteridade.
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Acerca da perda, Janko (1984) elenca e toma para si algumas possveis
justificativas tambm elencadas em outros autores: Bywater diz que a Potica II pode
ter pertencido a um rolo de papiro separado; pode tambm ter sido considerada
uma obra de menor valor entre a produo de Aristteles, por isso ficou vulnervel
perda; j para Rostagni, na poca em que Aristteles supostamente escreveu essa
obra, a tragdia estava em seu auge e a comdia ocupava lugar marginal. S na
Renascena Bizantina que se aumenta o interesse pelas peas de Aristfanes e,
consequentemente, pelo livro II da Potica.
Para a reconstruo, a principal fonte de Janko o Tractatus Coislinianus,
espcie de resumo do que teriam sido as ideias de Aristteles. Mas, j esse texto
parece ser originado do tratado de Andronicus Rhodius, dos Prolegmenos de
Aristfanes, do Anonymus Crameri e do Iambi on Comedy, de John Tzetzes. Todos
esses documentos, por apresentarem fragmentos ou ecos de outras obras, fazem
pensar na existncia de um ancestral comum. E esse ancestral o arqutipo que
Janko persegue em sua reconstruo.
3 A Reconstruo e outros estudos
Janko inicia sua reconstruo situando a comdia no mbito da poesia
dramtica, que visa a imitar pessoas agindo e estas devem ser boas ou ms. Aqui,
percebe-se a conformidade com o que h na Potica em relao ao objeto da imitao
(os homens) e ao modo (a imitao das aes), alm da distino entre bons e maus
caracteres. Em seguida, mostrada a definio de tragdia como sendo a
representao de eventos dolorosos e amedrontadores com o intuito de causar a
catarse das emoes de dor e piedade nos espectadores. Na definio de comdia,
Janko assim restaura o que pode ter sido dito por Aristteles:
A comedy is a representation of an absurd, complete action, one that lacks magnitude, with embellished language, the several kinds of embellishment being found separately in the several parts of the play: directly represented by persons acting, and not by means of narration: through pleasure and laughter achieving the purgation of the like emotions. It has laughter [] for its mother. (JANKO, 1984, p. 93)
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[A comdia a representao de um absurdo, ao completa, a nica que necessita de magnitude, com linguagem ornamentada, tendo os vrios tipos de ornamentao sendo encontrados nas vrias partes da pea: diretamente representada por pessoas agindo, e no por meio de narrao: atravs do prazer e do riso obtm-se a purgao de iguais emoes. O riso a sua me (traduo nossa)].
A partir da, depreendemos o fato de o riso ocupar um papel central na
definio, pois se observa que ele seria um dos meios pelos quais se chega catarse
na comdia, sendo considerado a me desta. Na sequncia, o estudo parte para um
esquema sinttico acerca dos elementos qualitativos e quantitativos da comdia - a
anlise do humor -, o elemento imbico, discute-se sobre os caracteres cmicos, fala-
se sucintamente sobre a catarse (que ser estudada posteriormente) e sobre as fases
histricas da comdia.
Santoro (2003; 2006) e Possebon (2003) tambm fizeram tradues
diretamente do grego do Tractatus Coislinianus, eptome que provavelmente possui a
sntese do pensamento aristotlico acerca da comdia. Os esquemas dos dois
estudiosos mantm as lacunas que o resumo contm, enquanto Janko (1984) alm de
complementar as brechas com materiais de outras fontes como a Potica, a Retrica e
os Prolegmenos de Aristfanes, tambm faz correes e adendos, buscando
restaurar o que tenha sido a Potica II, objetivo esse que no traado pelos dois
estudiosos brasileiros.
Enquanto Santoro (2006) traz alguns exemplos de comicidade de aes e da
fala (causas do riso), Possebon (2003) apenas elenca os procedimentos e as
particularidades da comdia sem exemplific-las nem coment-las. Este autor
tambm se preocupa em esquematizar desde a questo da arte mimtica e da no
mimtica at as principais fases da comdia, o que tambm faz o ingls Richard
Janko. J Santoro (2006) inicia seu esquema a partir da definio de comdia e segue
at as fases desta, talvez por ter publicado uma verso mais ampla da sua traduo
em outro momento (2003).
Entre os dois tericos brasileiros h tambm questes de terminologia que
os difere: enquanto Santoro (2003; 2006) fala em purgao, bufo, mito
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cmico, iconoclastas, irnicos, para os mesmos termos Possebon (2003) fala,
respectivamente, em catarse, zombeteiro, enredo cmico, vulgaridades,
dissimulaes. Tambm em relao aos procedimentos cmicos h algumas
diferenas nas duas tradues: Santoro no fala em pardia nem em metfora,
enquanto Possebon cita os dois mecanismos.
Quando focalizamos a questo dos gneros literrios, em especial as
diferenas de objeto, percebemos que Janko (1984), Santoro (2003; 2006) e Possebon
(2003) elencam quatro tipos de literatura mimtica: a comdia, a tragdia, a mmica
e a stira. Nesse sentido, depreende-se que Aristteles considerava no apenas um
tipo de cmico, mas dois, pois ele via a stira como um gnero diferente da
comdia. Enquanto esta visava representao de aes de pessoas inferiores
moralmente e tinha como objetivos a catarse e o conhecimento pela mmese, aquela
se ligava injria, zombaria, ao rebaixamento. Portanto, seria mais plausvel a
traduo de Possebon para o termo joker, j que esse autor a traduz como
zombeteiro e no como bufo como o faz Santoro. O bufo estaria mais ligado
ideia de bobo da corte, que aquele que ri de si e do rei, enquanto o zombeteiro
aquele que rebaixa, que escarnece das falhas alheias, e isso no caracterizaria a
comdia, e sim a stira.
Em relao ao que Janko chama de anlise do humor (que seria a parte
relacionada ao estudo descritivo dos elementos da comdia), aparecem nos dois
estudiosos brasileiros e em Janko procedimentos como a homonmia, a
sinonmia, a paronmia, a repetio, a forma de falar (riso gerado pela fala);
o engano, a decepo; a assimilao (comparar uma pessoa pior com uma
melhor ou vice-versa), o impossvel, a quebra de expectativa, a caracterizao
chula das personagens, a dana vulgar (no caso do riso provocado pelas aes).
Aparecem ainda as partes da comdia, quais sejam, o prlogo, o coro, o
episdio e o xodo, h tambm a descrio dos caracteres cmicos, que so os
bufes, os irnicos e os presunosos, alm de citarem os seguintes aspectos
da comdia: enredo, carter (das personagens), pensamento, elocuo,
canto e espetculo.
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No que concerne catarse, termo que suscita polmicas pela indefinio
aristotlica acerca dele, Janko (1984) faz algumas consideraes. Diz que Aristotle
promises to supply in the Politics a more detailed account of catharsis [Aristteles
promete fornecer na Poltica um estudo mais detalhado da catarse (traduo
nossa)]. (JANKO, 1984, p. 64) Para o estudioso ingls, catarse seria mais um termo
mdico (purgao) do que religioso (purificao), e a catarse no teria apenas efeitos
fsicos, mas tambm psicolgicos sobre os espectadores, os quais so,
preferencialmente, melanclicos e/ou neurticos, isto , pessoas com maior
disponibilidade emocional. Alm disso, dito que, para Aristteles, importante
que um homem sinta piedade e terror nas circunstncias apropriadas, j que a
restaurao do balano das emoes e dos sentimentos causa prazer.
Portanto, nota-se que a catarse seria uma espcie de supresso da emoo
demasiada (da piedade e do terror, no caso da tragdia), de forma que se restabelea
o equilbrio normal nos espectadores. E, Duarte, em seu estudo sobre a catarse
cmica, lana hipteses que fundamentam a percepo de quais seriam as emoes
envolvidas no processo catrtico. Baseada num estudo de Golden e tambm na
Retrica, Duarte sustenta a suposio de o oposto da piedade ser a indignao, pois
natural pensar que essa indignao comunique-se de alguma forma plateia
tornando-se imprescindvel para que haja aquela exploso de riso decorrente do
castigo dos desonestos. (2003, p. 18) J no que se refere ao oposto do terror, Duarte
situa a confiana em funo do sentimento de superioridade: h uma pessoa que se
considera superior e outra que ri, sendo que esta, pelo riso e pelo prazer, destitui
aquela do seu poder e autoridade. (DUARTE, 2003)
E a autora acrescenta: Por fim, no posso deixar de notar a relao de
reciprocidade que o par indignao e confiana mantm entre si, pois s se pode
expressar livremente a indignao quando se est confiante de que se est a salvo da
reao dos que so alvos dela. (2003, p. 21) Assim, adentrando o pensamento
aristotlico sobre um ponto que ele parece no ter desenvolvido - a catarse -, os
estudiosos tentam reconstruir suas conjecturas. A partir do jogo de oposio (dor e
piedade vs. indignao e confiana) e mantendo a coeso da teoria do filsofo,
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possvel depreender quais emoes seriam atingidas pelo riso durante o processo
catrtico. uma anlise que se faz imprescindvel por demonstrar com clareza as
afeces que podem ser purgadas/purificadas a partir do riso, mas que no so
desenvolvidas no texto aristotlico sobre a arte mimtica.
Assim, a Potica II identificada como uma parte importante do material
que Aristteles teria produzido no campo da estilstica e uma significativa fonte
para os estudiosos que se interessam pela comdia. Defender a existncia desse
estudo aristotlico parece ser o maior objetivo de Janko, que v com tamanha
certeza o pioneirismo desse filsofo no mbito da comicidade. Afora isso, o
estudioso ingls conclui a respeito do Tractatus Coislinianus que Whether or not it
represents Poetics II, the analysis is closer to Aristotle than anything else we have. It
ought to occupy a prominent place in ancient literary criticism and the history of
writing about comedy and humour [Se representa ou no a Potica II, a anlise
est mais prxima de Aristteles do que qualquer coisa que ns temos. Deve ocupar
um lugar proeminente na antiga crtica literria e na histria dos escritos sobre a
comdia e o humor (traduo nossa)]. (JANKO, 1984, p. 104)
Dessa forma, percebemos que Janko v o Tractatus como um possvel
eptome do que deve ter sido o pensamento aristotlico acerca do risvel. O ingls
tambm argumenta sobre a importncia que deve ser dada ao documento no mbito
dos estudos clssicos que lidam com as proposies do filsofo grego no que
concerne comdia, apesar de manter as dvidas sobre a autoria do Tractatus: [...]
it remains to elucidate the details of the Treatise, and to see whether Aristotle was
indeed its author, in fulfilment of his promises to discuss catharsis, comedy and
humour in the Poetics [permanece para elucidar os detalhes do Tratado, e para ver
se Aristteles foi realmente seu autor, no cumprimento de suas promessas de
discutir a catarse, a comdia e o humor na Potica (traduo nossa)]. (JANKO, 1984,
p. 104)
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4 Teorias da comicidade
Apresentaremos, brevemente, algumas teorias que desenvolvem tpicos
que, de alguma forma, retomam a teoria de Aristteles acerca da comdia e da
anlise do humor (se tambm tomarmos o Tractatus como de autoria aristotlica).
Sejam temas ou procedimentos, possvel perceber certa identificao entre
postulados ps-aristotlicos que parecem ampliar preceitos enunciados pelo
estagirita. Por exemplo, Schopenhauer fala sobre a teoria da incongruncia, que
seria, para Aristteles, o possvel e incoerente, que ocorre quando h contradio
entre aquilo que pensamos e aquilo que se na realidade. J para Kant, o riso
provm de uma quebra de expectativa e este tambm um dos procedimentos
elencados no Tractatus Coislinianus, que parece ser uma smula do pensamento
aristotlico.
Dentre os postulados que analisaremos, iniciamos com os de Bergson
(2007) para quem a comicidade est presente na vida humana e inseparvel dela.
Esse estudioso trabalha a noo de rigidez mecnica e de falta de flexibilidade
relacionada ao risvel quando a sociedade espera a maleabilidade e a ateno dos
indivduos. Portanto, nessa teoria, o riso dado como um castigo distrao para a
vida a fim de que a represso corrija os comportamentos desviantes e, ao mesmo
tempo, promove a identificao do grupo que ri por oposio a quem
ridicularizado. Alm disso, para Bergson, a comicidade existe seno no homem, o
que lembra a ideia aristotlica de que o homem o nico animal que ri e que ele
tambm sente prazer em imitar e conhecer. H, ainda, na obra bergsoniana, a
apresentao de procedimentos como a repetio (de palavras, de gestos, de
movimentos), o absurdo e tambm, sobre os defeitos risveis, a presena da vaidade.
Esse defeito tomado por Aristteles como digno de reprovao e condenao
apenas quando tiver carter indolor e no destrutivo, caso este que a faria cair no
trgico. (JANKO, 1984)
Em relao ao cmico da dico, por sua vez, alguns tericos elencaram o
chiste como uma forma de cmico relacionado fala. Freud (1977) e Jolles (1976)
penetraram nesse ambiente e desenvolveram aquilo que em Aristteles est
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relacionado zombaria na comdia: o wit (traduzido, dentre outras formas, como
gracejo, piada, dito espirituoso) est ligado censura indolor das faltas da mente e
do corpo de suas vtimas, enquanto a zombaria teria um efeito destrutivo e
embaraoso para quem lhe fosse vtima. (JANKO, 1984) Nas teorias que se
desenvolveram, o chiste serve para ridicularizar, para humilhar, para fazer rir, para
desafogar uma tenso, mas serve, principalmente, para criar a sensao de alvio e
diminuir as inibies sociais. Seja adoado com o wit ou com a mordacidade da
zombaria, ou atravs de trocadilho, de duplo sentido, da metfora ou de outro
procedimento cmico, os princpios do chiste j parecem ter sido representados pelo
filsofo grego quando ele trata da questo dos caracteres cmicos, que so aqueles
que servem para provocar o riso ou que servem como alvo deste. (JANKO, 1984, p.
97)
Como ltimos exemplos aqui citados de teorias que parecem ser
respaldadas em Aristteles, trazemos a de Propp (1992) e a de Hobbes. Para aquele,
a comicidade est intrinsecamente ligada aos defeitos humanos, manifestos ou
secretos e isso provocaria o riso. Ademais, o terico diz que a exteriorizao das
falhas atravs da atuao e da vivncia do homem obscurece, durante a curta
durao do riso, os princpios positivos da nossa humanidade, visto que aquilo que
revelado repentinamente nos torna superiores ao objeto de derriso. Acerca da
teoria da superioridade, Skinner, ao tratar dos ensinamentos de Hobbes, consegue
atar bem a questo dos defeitos risveis que o filsofo grego j enunciara:
A comdia trata do que risvel, e o risvel um aspecto do vergonhoso, do feio ou do baixo. Chegamos a rir de outras pessoas, porque elas exibem alguma falta ou marca constrangedora que, enquanto no dolorosa, as torna ridculas. Dessa forma, so essencialmente risveis os inferiores em algum sentido, sobretudo os moralmente inferiores, embora no os completamente depravados. (SKINNER, 2002, p. 16-7)
Percebe-se aqui que tanto Skinner - que trabalha a teoria hobbesiana -
quanto Propp desenvolvem o que diz Aristteles sobre a comicidade, que seria, para
este, um defeito e uma feira sem dor nem destruio. (ARISTTELES, 2005, p.
24) E esse aspecto do vergonhoso e do feio seria o que torna as pessoas ridculas, ou
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melhor, essa particularidade faz com que se possa explorar o vis do baixo com o
intuito de fornecer material para a literatura cmica. Ademais, trata-se do objeto da
comdia, que elabora sua trama a partir de caracteres inferiores moralmente, ou
seja, homens menos engrandecidos e no nobres.
Ento, a partir da observao da anlise do humor contida no Tractatus,
possvel notar que os procedimentos, os objetos e certos temas esboados em tal
documento so desenvolvidos em outros estudos. No se pode afirmar que os
tericos realmente buscaram em Aristteles o ponto de apoio de suas teorias, mas se
percebe certa identificao. Portanto, tentamos demonstrar questes relativas ao
risvel em alguns estudos e pretendemos perceber em que elas parecem ser
seguidoras das ideias aristotlicas. Assim, a partir dessas constataes,
corroboramos o vanguardismo desse filsofo grego que nos legou proposies
imprescindveis para a compreenso da comicidade.
Consideraes finais
A partir da anlise do risvel em Aristteles, somos impulsionados a pensar
a influncia desse filsofo no mbito dos estudos de gnero. No pretendemos aqui
fazer um estudo de fontes e influncias, mas no podemos deixar de perceber que
variadas teorias desenvolveram tpicos e aspectos do cmico que j apareciam em
obras como a Potica e a Retrica e, supostamente, na Potica II, obra esta que
pudemos observar tanto atravs da reconstruo de Janko como da traduo de
estudiosos como Santoro e Possebon.
Alm das inmeras discusses que versam sobre a inferioridade da
comdia em relao tragdia, sobre a catarse, sobre a especificidade humana de
poder rir, Aristteles parece estar presente em diferentes teorias acerca da
comicidade. O filsofo foi tambm um dos primeiros a valorizar a comdia
enquanto gnero atravs do qual possvel se chegar ao conhecimento e catarse
das emoes. Ento, alm da quantidade de ensinamentos esboados em suas obras,
o pioneirismo aristotlico tambm se justifica pela aguada capacidade de sntese e
de agrupamento de informaes que lhe perceptvel.
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Assim, passamos em revista trabalhos polmicos como o de Janko, que
tenta reconstruir a parte provavelmente perdida da Potica, duas tradues do
Tractatus Coislinianus - a de Santoro e a de Possebon -, a anlise da catarse cmica,
de Duarte, teorias do cmico como a de Freud, de Bergson, de Propp e de Skinner, e
as historiografias de Minois e de Alberti. Tudo isso para mostrar quo essencial a
presena de Aristteles no cenrio da comicidade e como os estudos acerca do
risvel j ressoam desde o perodo clssico da histria humana.
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