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EDITORIAL SUMÁRIO PERFIL CORREIO LEITOR CALEIDOSCÓPIO EM FOCO REPORTAGEM OPINIÃO HISTÓRIA CRÓNICA ENTREVISTA TÉCNICA
Actualmente, quase todas as prestigiadas marcas relojoeiras incluem na sua colecção pelo menos um mode-lo com alarme mecânico. No entanto, os calibres acústicos são raros — porque raras são as manufacturas quedetêm o segredo do despertar tradicional e dominam as técnicas da micromecânica e da metalurgia...
uma era em que os despertadores de rádio se
tornaram comuns e os toques polifónicos de
telefones portáteis proliferam para deses-
pero geral, o som tradicional de um alarme
mecânico tem ganho redobrado fascínio de-
vido ao seu anacronismo. É o que acontece
com os relógios mecânicos – também eles se
afiguram anacrónicos face à enorme oferta de modelos de quartzo tão
precisos como baratos e numa sociedade vertiginosa que nos está
constantemente a relembrar que horas são.
Das várias complicações acústicas da relojoaria de pulso tradicional,
a função de despertador é a mais simples: o princípio sonoro consiste
num alarme que se activa para ser ‘disparado’ a uma determinada ho-
ra e que assenta numa rodagem cujos elementos estão dispostos en-
tre as peças do calibre de base; o som proporcionado é contínuo, com
o martelo a bater num só timbre – um processo bem mais simples
do que outras complicações acústicas bem mais elaboradas. É o caso
do alarme do cronógrafo decrescente PanoRetroGraph da Glashütte e
sobretudo das repetições minutos, grandes sonneries e carrilhões, que
anunciam o tempo de maneira sonora e com vários sons... à semel-
hança do que sucede com os campanários das igrejas.
Foi precisamente a religião que conduziu ao estabelecimento dos
campanários no século XII, já que os conventos começaram a neces-
sitar de mecanismos de despertar autónomos para cumprir os cada
vez mais numerosos deveres religiosos: os relógios de sol não podi-
am funcionar à noite e era ‘pecado’ adormecer no momento de orar...
pelo que se criou um toque ‘divino’ para estabelecer sonoramente a
divisão do tempo.
MINIATURIZAÇÃO PORTÁTIL
Dos relógios de torre com sinos passou-se logicamente aos relógios
de parede e de mesa com sistemas acústicos – e quando se deu iní-
cio ao processo de troca dos relógios de bolso pelos modelos de pul-
so, imediatamente se procederam a tentativas de colocar um mecan-
ismo despertador no exíguo espaço de um relógio de pulso.
A missão dos mestres relojoeiros do início do século passado não se
afigurava fácil e exigia um prodigioso controlo das técnicas da mi-
cromecânica e da metalurgia. É que, apesar da aparentemente sim-
ples função de alarme, um mecanismo que possa dotar um relógio
mecânico de um sistema despertador eficaz não é de fácil con-
cretização e a história comprova-o: o primeiro relógio de pulso com
alarme remonta a 1876 e não teve sucessores!
N
Alarmes mecânicos Som tradicional
por Miguel Seabra
Das várias complicações acústicas da
relojoaria de pulso tradicional, a função
de despertador é a mais simples!
01. Mecanismo do JLC Reverso
Rèpètition Minutes.
02. O Glashütte Panoretrograph.
01.
02.
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No seguimento da Primeira Guerra Mundial, que ajudou a popu-
larizar o relógio de pulso, a Eterna começou a desenvolver em 1908
um calibre apresentado com grande pompa em 1914 e tem manti-
do ao longo do seu historial uma especialização no sector; no en-
tanto, a era de ouro dos relógios de pulso mecânicos com alarme
iniciar-se-ia apenas no final dos anos 40 sob a égide da Jaeger-
-LeCoultre e da Vulcain.
LE SENTIER FAZ-SE OUVIR
A Jaeger-LeCoultre já tinha elaborado protótipos em 1925 e regis-
tou, em 1953, o primeiro mecanismo automático com alarme de
carga manual: o Calibre 815 Memovox, posteriormente aperfeiçoa-
do no 825 (1959), no 916 (1969) e no 918 (apresentado em 1994
na sequência dos desenvolvimentos do mestre Éric Coudray), ca-
racterizado pela corda manual para o despertador e pelos 20 se-
gundos de duração do toque.
Nos primórdios, o som dos novos alarmes portáteis de pulso
disponíveis no mercado não era o melhor – mas a Jaeger-LeCoultre
desenvolveu uma sineta circular baseada numa velha receita meta-
lúrgica chinesa que tem mantido em segredo. Para que o desperta-
dor possa emitir um som perfeito, o mecanismo está dotado de um
diapasão em aço temperado e o som produzido pela percussão do
martelo de bronze é límpido e agradável. A qualidade do calibre
apresentado pela manufactura de Le Sentier foi tal que a longevi-
dade de meio século de vida é suficientemente eloquente quanto
às suas virtudes...
Actualmente, a Jaeger-LeCoultre apresenta nas suas colecções um
impressionante lote de modelos com alarme bem revelador do seu
virtuosismo na especialidade: o Master Memovox de corda manual
(Calibre 914); o Master Réveil de corda automática (Calibre 918); o
Master Grande Memovox (Calibre 909), dotado de um calendário
perpétuo com despertador que substitui em 2001 o Grand Réveil; e
finalmente o Master Compressor Memovox (Calibre 918) de 2002,
uma versão de mergulho do Master Réveil com a sua própria per-
sonalidade que é reminiscente do velhinho Polaris de 1965 e que teve
o condão de ser o primeiro modelo da nova gama desportiva da es-
cuderia de Le Sentier – cortando também com a forma tradicional de
afixação da hora do alarme, uma vez que apresenta uma escala de 180
graus aberta numa janela, em vez do tradicional ponteiro suplemen-
tar ao centro.
Apenas o Master Memovox de corda manual se encontra disponível
com fundo transparente em vidro de safira, mas os restantes mode-
los – todos automáticos com corda manual para o alarme – têm fun-
do fechado devido ao rotor e para que o conjunto funcione como uma
01. JLC Master Compressor
Memovox.
02. Publicidade Memovox.
03. JLC Master Memovox.
04. Calibre JLC 909 Grande
Memovox com 349 peças.
05. JLC Grande Memovox.
06. Eric Coudray.
Alarmes mecânicos
Actualmente, a Jaeger-LeCoultre apre-
senta nas suas colecções um impressio-
nante lote de modelos com alarme.
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caixa de ressonância ideal para optimizar a eficácia do alarme. O
minúsculo martelo faz vibrar o timbre suspenso na periferia do inte-
rior da caixa e a qualidade sonora é excelente, com a frequência ideal
para agradar ao ouvido (nem demasiado baixa para o utilizador nem
excessivamente alta para incomodar o ambiente) devido à descoberta
da tal liga metálica especial e à invenção de uma forma particular
para o timbre.
GRILO FALANTE
Outra escuderia relojoeira famosa pelos seus relógios de pulso com
alarme é a Vulcain, que em 1947 anunciava «o primeiro relógio des-
pertador de pulso verdadeiramente funcional» – ou seja, com uma
potência sonora suficiente para acordar o utilizador. O nome de bap-
tismo Cricket (grilo, em inglês) está directamente relacionado com a
inspiração que conduziu ao desenvolvimento do calibre: Robert Di-
tisheim, patrão da Vulcain, teve a ideia de o conceber após ouvir o ruí-
do do grilo! Ao esfregar as patas, o insecto produz um som amplifi-
cado por uma cavidade localizada no seu abdómen – e a adaptação do
fenómeno à relojoaria pela mão da Vulcain surgiu na forma de um
fundo de caixa duplo: o som é emitido no primeiro fundo por um
martelo e difundido para o exterior através do segundo.
O modelo conheceu grande fama nos Estados Unidos após ter sido
adoptado com regularidade pelos presidentes Harry Truman, Dwight
D. Eisenhower, Lyndon Johnson e George Bush (John Kennedy,
Richard Nixon, Gerald Ford, Jimmy Carter e Bill Clinton também o
usaram, mas ocasionalmente), tal como se tornou no relógio preferi-
do de pilotos e utilizado em expedições aos Himalaias: dava muito
jeito ter um despertador portátil...
Quase seis décadas depois e uma falência pelo meio (surgida no
período crítico em que o quartzo oriental quase asfixiou a relojoaria
tradicional suiça), o mais recente capítulo da saga dos despertadores
de pulso mecânicos deu-se precisamente com o ressurgimento em
força da Vulcain no ano passado – recuperando a reconhecida
tradição assente no tal calibre de alarme de corda manual Cricket que
equipava os relógios da marca e também os despertadores da Revue
Thommen.
Fundada em 1858, a Vulcain apresenta um património histórico ali-
cerçado precisamente na fama dos seus alarmes de pulso e a actual
colecção reflecte isso mesmo, sendo por enquanto composta exclusi-
vamente por modelos com alarme assentes num Calibre Cricket
manual completamente revisto segundo as mais elevadas exigências,
com todas as suas 157 peças a serem montadas à mão segundo a mais
pura tradição relojoeira. As dimensões do renovado calibre são as
mesmas do original, mas com evidentes melhorias: na caixa de fun-
do duplo para superior ressonância, na regulação, no sistema anti-
choque (Incabloc), no exclusivo moderador de amplitude Exactomatic
(originalmente registrado em 1946), na utilização de diversos ma-
teriais mais performantes e numa decoração nobre. O duplo tam-
bor assegura-lhe uma reserva de marcha de 42 horas e 20 segun-
dos de duração do alarme.
ACORDAR ETERNO
A Eterna é outra das marcas com grande tradição na especialidade
dos relógios de pulso com alarme. Depois das primeiras incursões
no início do século XX, Adolf Schild e a Eterna apresentavam em
1954 o popular Calibre AS 1475. A qualidade dos calibres A. Schild
é tal que a grande maioria dos despertadores de pulso está equipa-
da com mecanismos new old stock (novos, mas que estavam guarda-
dos há décadas) da marca: o automático AS 5008 ou os manuais
AS 1475 e AS 1930/1.
O Calibre automático A. Schild é dotado de um rotor de carregamen-
to duplo que alimenta simultaneamente o relógio e o alarme,
01. Eterna Réveil.
02. Fortis Spacematic.
03. Vulcain Nautical.
04. Publicidade Vulcain.
05. Franck Muller Big Ben.
02.01.
03.
04.
05.Alarmes mecânicos
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equipando muitos relógios de gama alta com adaptações de casas vo-
cacionadas para módulos (como a Jaquet); a complementaridade
mais usual é a acoplagem de um segundo fuso horário, o que torna
os relógios especialmente vocacionados para as viagens – como o
Franck Muller Big Ben ou o Dubey & Schaldenbrand Aerodyn Réveil.
E a Eterna mantém na sua colecção o 1948 Réveil, em homenagem à
sua herança histórica.
SOM FORTIS
A grande novidade da última década no sector foi protagonizada pela
Fortis, que apadrinhou o primeiro relógio mecânico com cronógrafo
e despertador. O mecanismo misto assenta no calibre cronográfico
Valjoux 7750 e foi dotado de um alarme integrado (ou seja, mantém
a espessura do calibre-base) concebido pelo mestre Paul Gerber – o
som ecoa durante 25 segundos e o relógio até já foi testado com
sucesso em missões espaciais apoiadas pela Fortis... e foram precisa-
mente os cosmonautas da EuroMir a sugerir à escuderia de
Grenchen a sua concepção, contendo duas funções (cronógrafo e
alarme) particularmente úteis no cumprimento das suas missões.
Os 65 componentes do alarme foram genialmente integrados sem
necessidade de se recorrer à construção modular para não alargar a
espessura do mecanismo-base, graças ao melhor aproveitamento
possível do espaço para a colocação do mecanismo despertador (que
inclui martelo, um segundo tambor, sistema de corda e sistema de
acerto). O conceito chrono-alarm da Fortis, visualmente caracterizado
por um botão à esquerda para desactivação do som e por uma janela
no mostrador que indica se está desligado ou não, surge actualmente
declinado nas versões Official Cosmonauts, Spacematic, Pilot e B-42.
ALTERNATIVA DIGITAL
A um nível inferior há também a considerar velhos calibres russos de
alarmes mecânicos para relógios de pulso – geralmente cópias
menos conseguidas do calibre A. Schild e com um nível de eficácia
extremamente baixo.
Completamente noutro patamar podem-se encontrar os relógios de
quartzo com alarme, perfeitamente comuns e de fácil fabrico para
um baixo preço... perdendo todo o encanto quando comparados com
um bom despertador de pulso mecânico. No entanto, existe um mo-
delo digital (não tão barato!) que merece uma menção especial: o ver-
sátil Kirium Formula One, que entre a sua plêiade de funções digitais
inclui um alarme diário / despertador e alarme de agenda...
Alarmes mecânicos 01. Dubey & Schaldenbrand Aerodyn Réveil GMT.
02. Pormenor da caixa com o mecanismo à vista
do Dubey & Schaldenbrand Aerodyn Réveil GMT.
03. O Kirium F1 da TAG Heuer.
Existe um modelo digital que merece
uma menção especial: o versátil Kirium
Formula One da TAG Heuer.
02.01.
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