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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS. CURSO DE DIREITO
AÇÃO COLETIVA PARA DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DO CONSUMIDOR
THIAGO CÉSAR DE OLIVEIRA
Itajaí, Novembro de 2008
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
AÇÃO COLETIVA PARA DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DO CONSUMIDOR
THIAGO CÉSAR DE OLIVEIRA
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Dr. Diego Richard Ronconi
Itajaí, Novembro de 2008
II
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais e aos meus irmãos por
todo apoio e a paciência que foram fundamentais
à concretização deste trabalho.
Agradeço a minha amiga Simone Kanayama Ise
que, embora distante, muito contribuiu com a
elaboração desta monografia, seja com o envio
de material para pesquisa, seja com suas
palavras amigas de apoio e incentivo.
Agradeço ao professor Diego Richard Ronconi por
ter aceitado o convite para me orientar neste
trabalho e por tê-lo dirigido com proficiência.
Agradeço aos professores do curso de direito, de
forma geral, por todos os conhecimentos que
passaram a mim e a meus colegas.
Agradeço, por fim, aos meus colegas de sala, cuja
companhia desfrutei ao longo destes cinco anos,
em especial, aos meus amigos Luís e Ernandes
que sempre estiveram ao meu lado ao longo
desta jornada.
III
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais, Gilberto e Sandra, pelo amor, carinho e por terem sempre
acreditado em mim.
IV
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, 07 de novembro de 2008
Thiago César de Oliveira Graduando
V
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Thiago César de Oliveira, sob o
título Ação coletiva para defesa dos interesses individuais homogêneos do
consumidor foi submetida em 18 de novembro de 2008 à banca examinadora
composta pelos seguintes professores: Diego Richard Ronconi, Orientador e
Presidente de Banca, e Norival Acácio Engel, examinador, e aprovada com a nota
____________.
Itajaí, 18 de novembro de 2008
Dr. Diego Richard Ronconi Orientador e Presidente da Banca
Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
VI
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art. Artigo
CDC Código de Proteção e Defesa do Consumidor
CPC Código de Processo Civil Brasileiro
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
EUA Estados Unidos da América
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TJMG Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
TJRS Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
TJSC Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
TJSP Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
VII
SUMÁRIO RESUMO........................................................................................... IX
INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ..................................................................................... 3
INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS E TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA DO CONSUMIDOR.......................................................... 3
1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA ..........3
1.2 INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E SUAS SUBDIVISÕES ................................................................11
1.2.1 CONCEITO DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS...................................................11
1.2.2 INTERESSES DIFUSOS......................................................................................13
1.2.3 INTERESSES COLETIVOS ..................................................................................16
1.2.4 INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS............................................................18
1.3 DA TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA DO CONSUMIDOR....................21
1.3.1 CONFIGURAÇÃO DA RELAÇÃO DE CONSUMO: CONCEITOS DE CONSUMIDOR E
FORNECEDOR ..........................................................................................................21
1.3.2 AÇÕES COLETIVAS EMPREGADAS NA DEFESA DOS INTERESSES DO CONSUMIDOR 30
1.3.2.1 Ação civil pública....................................................................................30
1.3.2.2 Ação coletiva ...........................................................................................31
CAPÍTULO 2 .................................................................................... 34
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO MINISTÉRIO PÚBLICO E SUA ATUAÇÃO NA DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DO CONSUMIDOR................................................ 34
2.1 ASPECTOS GERAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO ..............................................................................................34
2.1.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS .......................................................................34
2.1.2 OBJETIVOS INSTITUCIONAIS .............................................................................38
2.1.3 PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS .............................................................................42
2.1.4 GARANTIAS DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ........................................44
2.1.5 FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ..........................................47
2.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A RELAÇÃO DE CONSUMO ...........................50
2.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DO CONSUMIDOR ...................................................................53
CAPÍTULO 3 .................................................................................... 64
DA AÇÃO COLETIVA PARA DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DO CONSUMIDOR ......................... 64
3.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PROCESSO DE CONHECIMENTO DAS AÇÕES COLETIVAS PARA DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS....................................................................................................64
3.1.1 DA LEGITIMIDADE ATIVA PARA DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
DO CONSUMIDOR .....................................................................................................64
3.1.1.1 O Ministério Público................................................................................66
VIII
3.1.1.2 Os entes da federação............................................................................66
3.1.1.3 Os órgãos da Administração Pública destinados à defesa do consumidor..........................................................................................................67
3.1.1.4 As associações civis ..............................................................................68
3.1.2 DA COMPETÊNCIA PARA O PROCESSAMENTO DA AÇÃO COLETIVA EM DEFESA DOS
INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS ....................................................................70
3.1.3 DO PROCEDIMENTO ADOTADO NAS AÇÕES COLETIVAS E SUAS PECULIARIDADES..75
3.1.4 DO LITISCONSÓRCIO E DA ASSISTÊNCIA ............................................................78
3.1.5 DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS .....................................................................81
3.2 DA RELAÇÃO ENTRE AS AÇÕES COLETIVAS PARA DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DO CONSUMIDOR E AS AÇÕES INDIVIDUAIS PARA O RESSARCIMENTO DE DANOS SOFRIDOS..................84
3.2.1 DA LITISPENDÊNCIA, DA CONEXÃO E DA CONTINÊNCIA .......................................84
3.2.2 DOS EFEITOS DA COISA JULGADA.....................................................................87
3.3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS PROFERIDAS NAS AÇÕES COLETIVAS PARA DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DO CONSUMIDOR .....................91
3.3.1 DA LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA GENÉRICA .................................91
3.3.2 DA EXECUÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA...................................................95
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 99
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................ 102
IX
RESUMO
Consiste o presente trabalho em um detalhado estudo
realizado junto à legislação, doutrina e jurisprudência brasileira acerca da ação
coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos do consumidor. O
método, utilizado para a realização da pesquisa, foi o Indutivo, pelo qual, no
primeiro capítulo, foi procedido um estudo sobre os interesses transindividuais e a
tutela jurisdicional coletiva do consumidor, realizando-se uma análise dos
instrumentos empregados para defesa coletiva dos consumidores e esmiuçando-
se as modalidades de interesses defensíveis por tais instrumentos. No segundo
capítulo, foram feitas considerações acerca do Ministério Público e sua atuação
na defesa dos consumidores, dando-se ênfase às controvérsias doutrinárias e
jurisprudenciais que se cingem no tocante à atuação dessa instituição na defesa
de interesses individuais homogêneos do consumidor. Por derradeiro, o terceiro
capítulo foi destinado à análise da Ação Coletiva para defesa dos interesses
individuais homogêneos do consumidor, observando-se, detalhadamente,
questões procedimentais, tanto na fase de conhecimento quanto na fase
executória, bem como os efeitos das decisões judiciais proferidas nesta
modalidade de ações.
1
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem por objeto a análise da ação
coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos do consumidor.
O seu objetivo é a melhor compreensão dos instrumentos
empregados na busca da tutela jurisdicional coletiva dos consumidores, em
especial, ao instrumento empregado na defesa dos interesses individuais
homogêneos do consumidor.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da tutela
jurisdicional coletiva, oportunidade na qual é procedido um breve relato histórico
da tutela jurisdicional coletiva, são analisadas as espécies de interesses
transindividuais regulamentadas pelo ordenamento jurídico pátrio e são feitas
observações acerca da relação de consumo e dos instrumentos empregados na
tutela jurisdicional coletiva do consumidor.
No Capítulo 2, tratando da atuação do Ministério Público na
defesa de interesses individuais homogêneos, são feitas considerações
concernentes a esta instituição, bem como considerações concernentes a sua
atuação na defesa dos consumidores e dos interesses individuais homogêneos
destes.
No Capítulo 3, enfim, tratando da ação coletiva para defesa
de interesses individuais homogêneos do consumidor, são feitas considerações
acerca do procedimento desta modalidade de ação, é analisada a relação entre
as ações coletivas e as ações de ressarcimento individual e são observados
procedimentos de liquidação e execução das sentenças de procedência nas
ações coletivas.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
2
sobre a ação coletiva para defesa dos interesses individuais homogêneos do
consumidor.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
� Os interesses individuais homogêneos, embora individuais em sua
essência, são exemplo de interesses transindividuais.
� O Ministério Público possui legitimidade para promover a ação
coletiva em defesa dos interesses individuais homogêneos do
consumidor.
� O foro competente para processar e julgar as ações coletivas para
defesa dos interesses individuais homogêneos do consumidor
que tenham por objeto dano de âmbito nacional será tanto o da
Capital do Estado quanto o do Distrito Federal.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados
o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa
Bibliográfica.
3
CAPÍTULO 1
INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS E TUTELA JURISDICIONAL
COLETIVA DO CONSUMIDOR
1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA
Segundo Yeazell1, citado por Mendes em sua obra Ações
coletivas no direito comparado e nacional, o desenvolvimento histórico da tutela
coletiva nas nações anglo-americanas pode ser dividido em três períodos:
medieval (do século XII ao XV), primitivo-moderno (do século XVI a XVII) e
moderno (do século XVIII em diante).
A primeira demanda coletiva de que se tem registro, de
acordo com os ensinamentos Mendes2, ocorreu por volta do ano 1199, na
Inglaterra, quando o pároco Martin, de Barkway, ajuizou, perante a Corte
Eclesiástica de Canterbury, ação versando sobre o direito a certas oferendas e
serviços diários, em face dos paroquianos de Nuthamstead, uma povoação de
Heartfordshire, sendo chamado ao juízo apenas alguns indivíduos, para
responder pelo grupo.
Embora os registros históricos apontem o século XII, como o
período em que as demandas coletivas teriam se originado, foram os séculos XIV
e XV, que marcaram o “período medieval” pelo aumento da freqüência em que foi
empregada esta modalidade de litígio. Assim colhe-se da obra de Mendes3, que
afirma ainda que certamente o aumento das ações coletivas no referido período
1 YEAZELL, Stephen C., 1987. apud. MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 43. 2 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.43. 3 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 44.
4
nada mais é do que o reflexo da “estrutura e organização social daquela época,
em que as instituições intermediárias como a família, as vilas e a Igreja,
concentravam importância econômica e política, formando a base do sistema de
produção”.
É válido salientar, que, de conformidade com os registros
históricos, são características das demandas coletivas do “período medieval”, a
inexistência de qualquer debate quanto à legitimação do grupo em juízo, bem
como os efeitos da coisa julgada, ou qualquer outra questão processual, se
atendo apenas ao julgamento do mérito. Assim preleciona Mendes4, que afirma
que “A aceitação espontânea da respectiva representação ou legitimação
extraordinária durante a Idade Medieval, é característica constante e básica deste
período”.
Entre os séculos XVI e XVII, período denominado por
Yeazell5 como “primitivo-moderno”, as ações coletivas passam por algumas
transformações.
Foi neste período em que foi instituído o bill of peace, que
deu status aos processos de coletivos de procedimentos especiais.6
Foi também nesta época em que, inspiradas nas reforma
renascentistas e humanistas, surgiram as primeiras indagações concernentes às
ações coletivas, em especial quanto à legitimação para sua propositura.7
Destaca-se que, segundo Yeazell8, estas profundas
modificações no “período primitivo-moderno” é que ensejaram as controvérsias
4 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 44. 5 YEAZELL, Stephen C., 1987. apud. MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.45. 6 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 45. 7 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 46. 8 YEAZELL, Stephen C., 1987. apud MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002, p. 46.
5
entre historiadores quanto à origem do processo coletivo que, embora unânimes
ao apontar a Inglaterra, com seu sistema common law, como o berço do processo
coletivo, destoam ao atribuir o período em que esta teria tido origem. Assim,
pode-se encontrar doutrinadores não conhecem o “período medieval” como um
período integrante da história do processo coletivo, afirmando que este tipo de
demanda só teria tido origem com a instituição do bill of peace. Neste sentido,
pode-se citar Tucci9, Zavascki10 entre outros.
Caracterizam-se as ações coletivas do “período primitivo-
moderno”, primeiro, pelo aumento do rigor na admissibilidade destas, uma vez
que “o desenvolvimento do bill of peace, como possibilidade de demanda coletiva,
estava condicionado à existência de interesses comuns (shared interests)
envolvendo um número elevado de pessoas, que ficariam vinculadas aos efeitos
da coisa julgada.”; segundo, pelos tipos de tutelas almejadas por este tipo de
ação. “Começam a predominar, assim, de modo exclusivo, ações declaratórias
(declaratory) e as mandamentais (mandatory), ao argumento de que estas
possuiriam caráter preventivo”.11
O início século XVII, início do “período moderno” as
demanda coletivas passaram a ter definições cada vez mais claras. Na Inglaterra
é valido fazer menção das Rules of Procedure (regras do processo), instituídas na
por ocasião da unificação das jurisdições de eqüidade e common law em 1873,
que previu formalidades às “representative actions” em sua regra de n. 10.12
Entretanto, a partir do período moderno, não mais é a
Inglaterra que se destaca na história da tutela jurisdicional coletiva. O declínio das
demandas coletivas neste país corroborado pela preocupação dos juristas norte-
9 TUCCI, José Rogério Cruz e. Class action e mandado de segurança coletivo, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 11. 10 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 28. 11 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 47. 12 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 47.
6
americanos marca o “período moderno” pela migração do eixo da tutela
jurisdicional coletiva aos Estados Unidos da América13.14
Os Estados Unidos da América, país que passa a ter grande
importância no desenvolvimento das ações coletivas, desde as primeiras décadas
do século XVII, passaram a conhecer das primeiras demandas de classe. Em
1842, a Suprema Corte norte-americana edita as Equity Rules, nas quais previam
em sua Equity Rule 48 as primeiras normas positivadas quanto às demandas
coletivas nos EUA. Basicamente previa a Equity Rule 48, que quando as partes
que integrassem qualquer dos pólos da ação fossem muito numerosas e não
pudessem, sem manifesta inconveniência, figurar na ação, a corte poderia dar
prosseguimento à ação, tendo partes suficientes para representar o interesses de
todos, não podendo, esta decisão, trazer prejuízo aos direitos das partes
ausentes nas demandas.15
Conforme se pode verificar, não permitia a Equity rule 48
que os efeitos da decisão da demanda atingissem os interessados ausentes do
processo, representando tal vedação, segundo Mendes16, “a própria denegação
do caráter coletivo do processo”, não existindo, desta forma, “mudança
substancial em relação ao resultado obtido com os institutos processuais
tradicionais como o litisconsórcio”.
A referida imposição quanto ao alcance da coisa julgada foi
abolida do ordenamento jurídico norte-americano quando, em 1912, a Suprema
Corte reformulou as Equity Rules.
A transformação mais significativa e inovadora das
demandas de classe ocorreu, no entanto, em 1938, com o surgimento do primeiro
Código de Processo Civil dos EUA no âmbito Federal. Entre as Federal Rules of
Civil Procedure, a de número 23, prestava-se a regulamentar as denominadas 13 Doravante também denominado EUA. 14 YEAZELL, Stephen C., 1987. apud. MENDES, Aluísio Gonçalve de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 47. 15 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 65-66. 16 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 48-49 e 66-69.
7
class actions, trazendo uma sistematização do grau de comunhão de interesses,
da qual resulta a classificação das class actions em: a) as puras, verdadeiras,
autênticas ou genuínas (true); b) as híbridas (hybrid); e c) as espúrias
(spurious).17
Ressalta-se ainda, que nas class actions puras e híbridas,
todos os integrantes da classe estariam sobre os efeitos do julgado. Já nas
espúrias não existia vinculação de toda a classe, mas apenas dos membros que
tenham participado do processo, o que a transformava na prática, nas palavras de
Mendes, “numa espécie de litisconsórcio liberal”.18
Embora a tenha sido um significante avanço no ramo do
processo coletivo, uma série de problemáticas girando em torno da Federal Rules
of Civil Procedure de numero 28, em especial, a dificuldade de distinção entre as
categorias, a falta de vinculação nas class actions espúrias e a ausência de
exigências relativas à aferição da predominância de questões transindividuais
sobre as individuais, ensejaram a reformulação desta pela Suprema Corte Norte
americana em 1966. Tal reformulação acarretou em mudanças substanciais no
texto original da Rule 28, em especial a atenção dada à representação que agora
era um pressuposto para a manutenção das ações coletivas, bem como novos
contornos dado à antiga spurious class action, cuja coisa julgada que agora
passaria a atingir todos os que fossem considerados membros da classe,
independente de qual fosse o resultado.19
Na década de 70 do século XX, a preocupação com a
promoção da tutela dos direitos se difundiu no ordenamento jurídico de diversas
nações.20
17 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.69. 18 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 71. 19 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 71. 20 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 33.
8
Segundo Zavascki21, tal o fenômeno se deveu
especialmente à tomada de consciência, pelos meios sociais mais esclarecidos,
de ser inadiável a operacionalização de medidas destinadas à preservação do
meio ambiente, cada vez mais degradado pelo crescente número de poluidores e
à proteção dos indivíduos na condição de consumidores, “atingidos, com
acentuada intensidade, pelas conseqüências negativas de uma economia de
mercado cegamente voltada para o lucro, num ambiente caracterizado por
renitentes crises inflacionárias”.
Destacam-se na Europa, como exemplos desta difusão, a
França com a Loi Royer, de 1973, modificada em 1988 e a Espanha com Lei
20/84 (Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuários), legislações
estas, que passaram a reconhecer legitimidade ativa das associações civis que
tenham por objeto a proteção dos interesses dos consumidores, nas ações civis
relativas a fatos que produzam prejuízos diretos ou indiretos ao interesse
destes.22
Destaque também para a Alemanha, cujo sistema
processual também passou a reconhecer a legitimidade das associações nas
defesas de interesses coletivos, em especial os interesses correlatos aos
consumidores e o meio ambiente.23
Mudança um pouco mais significativa pode ser apontada em
Portugal, país que passou a prever em sua constituição de ano de 1976, nos arts.
20, n. 1 e 52, n. 2, a ação popular que se presta à tutela preventiva, reparatória e
sancionatória de lesões à saúde pública, ao meio ambiente e à qualidade de vida
e ao patrimônio cultural, cuja regulamentação só se fez em 1995, com a Lei n.
21 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 33. 22 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2.ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 35. 23 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 36.
9
83.24
Fazendo uma alusão a esta crescente preocupação que se
difundiu com entre várias nações na década de 70, os doutrinadores Cappelletti e
Garth25, aduziram que “uma verdadeira ‘revolução’ está-se desenvolvendo dentro
do processo civil”.
Entrementes, como se pode observar, as legislações
surgidas na Europa pertinentes à tutela jurisdicional coletiva não alcançaram a
profundidade experimenta pelas class actions no sistema norte-americano.26
Para Zavascki27, “foi o legislador brasileiro, na verdade, que
protagonizou de modo muito mais profundo e mais rico do que nos demais países
do civil law a ‘revolução’ mencionada por Capelleti e Garth, em prol da criação de
instrumentos de tutela coletiva”.
Ressalta-se que o Brasil, que desde a constituição de 1934
já previa em seu ordenamento jurídico a ação popular, introduziu na década de 70
notáveis modificações concernentes à tutela jurisdicional coletiva.28
Corroborando tais afirmações, salienta-se por primeiro,
modificação no art. 1º, § 1º da Lei da ação popular (Lei n. 4.717/65), procedida
pela Lei 6.513/77, na qual ampliava a gama de bens juridicamente tutelados por
esta modalidade de ação, sendo abrangidos, também, pela modalidade de
patrimônio público “os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético,
24 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 36. 25 CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant, 1988. apud ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 34. 26 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 35. 27 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 37. 28 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 37.
10
histórico ou turístico.29
Na década de 80, o Brasil deu um considerável passo no
desenvolvimento de instrumentos processuais coletivos com a instituição da lei da
ação civil pública (Lei 7.347/85). Este importante instrumento passou a prever a
tutela jurisdicional de interesses transindividuais, subdividindo-a em duas
modalidades: interesses difusos e coletivos, e tem servido de inspiração para o
ordenamento jurídico de diversas nações. Também com o advento da
Constituição de 1988 que passou a fazer menção em diversos de seus artigos
quanto à defesa de direitos e interesses de natureza transindividual, merecendo
destaque o disposto no art. 129, III, que atribuiu expressamente ao Ministério
Público a legitimidade para promover ação civil pública.30
Por último, destaca-se ainda, o Código de Proteção e
Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90)31 que, dentre outras inovações, passou a
prever nova categoria de interesses transindividuais denominada interesses
individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, III), bem como disciplinou, no
âmbito das relações de consumo, o procedimento para a defesa destes
interesses, denominado de ação coletiva (art. 91), procedimento inspirado nas
class actions norte-americanas.32
Atualmente o ordenamento jurídico brasileiro é apontado por
grandes nomes da doutrina como detentor de uma das mais ricas e desenvolvidas
processualística coletiva.33 Conforme cogitou Moreira, “o Brasil pode orgulhar-se
de ter uma das mais completas e avançadas legislações em matéria de proteção
29 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 37. 30 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 38. 31 Doravante também chamado de CDC ou COPRODECON ou Código de defesa do consumidor 32 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 38. 33 Nesse sentido: ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 38.: e MOREIRA, José Carlos Barbosa. A ação civil pública e a língua portuguesa. In: MILARÉ, Edis (coord.) Ação civil pública: Lei 7.347/85 – 15 anos. 2. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002, p. 345.
11
de interesses supraindividuais”34.
1.2 INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO E SUAS SUBDIVISÕES
Conforme se verifica com o título do presente item, neste
serão tratadas considerações acerca dos interesses transindividuais, tema este
de grande importância à presente obra, considerando o fato de que são os
interesses desta natureza que dão ensejo às ações coletivas, ressalvadas, é
claro, as controvérsias existentes na doutrina quanto à natureza transindividual
dos interesses individuais homogêneos.
1.2.1 CONCEITO DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS
Interesses trans, meta, supra-individuais ou, simplesmente,
interesses coletivos em sentido amplo, são assim denominados aqueles que se
encontram entre o interesse público e o interesse privado, concernentes a um
grupo de pessoas, determináveis ou não. Nas palavras de Cappeleti35, “são
interesses que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam
propriamente a constituir interesse público“.
Castilho36, utilizando-se da nomenclatura metaindividual,
conceitua da mesma forma:
Metaindividual é o interesse que ultrapassa o círculo individual e correspondente aos anseios de todo um segmento ou categoria, o liame entre os titulares desse interesse consiste em que todos estão na mesma situação de fato, v.g., indústria que vende produtos defeituosos, lesando os consumidores, ou então, alunos de uma faculdade que sofrem aumento ilegal nas mensalidades.
34 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A ação civil pública e a língua portuguesa. In: MILARÉ, Edis (coord.) Ação civil pública: Lei 7.347/85 – 15 anos. 2. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002, p. 345. 35CAPPELLETI, Mauro, 1975. apud, MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 48. 36 CASTILHO, Ricardo dos Santos. A defesa dos interesses do consumidor – da legimidade do Ministério Público nos interesses difusos, coletivos e individuais e homogêneos. São Paulo: Iglu. 2002, p. 26.
12
Diverge do conceito de interesse público, uma vez que
diante deste sempre se presumirão interesses de toda coletividade corroborados
pela atividade estatal enquanto que os interesses transindividuais, muito embora
possam ser também considerados interesses públicos, por também serem
comuns a toda coletividade, muitas vezes dizem respeito apenas ao interesse de
um determinado grupo de pessoas, não necessariamente dizendo respeito ao
bem estar geral dos integrantes de um estado.
Mazzilli37 com base na doutrina de Villone faz a seguinte
afirmação:
Sob o aspecto processual o que caracteriza os interesses transindividuais, ou de grupo, não é apenas, porém, o fato de serem compartilhados por diversos titulares individuais reunidos pela mesma relação jurídica ou fatídica, mas mais do que isso, é a circunstância de que a ordem jurídica reconhece a necessidade de que o acesso individual dos lesados à justiça seja substituído por um processo coletivo que não apenas deve ser apto a evitar decisões contraditórias como ainda deve conduzir a uma solução mais eficiente da lide, porque o processo coletivo é exercido de uma só vez, em proveito de todo grupo lesado.
No ordenamento jurídico pátrio esta característica é
evidente, pois prevê este, para a defesa dos interesses transindividuais, ações de
ritos diferenciados das típicas ações de defesa de interesses individuais. Cita-se
como exemplo: ação civil pública; ação coletiva; mandado de segurança coletivo,
ação popular.
O legislador brasileiro, que desde a década de sessenta tem
se preocupado com esta modalidade de interesses e subdividiu-a em três
categorias diversas: interesses difusos; interesses coletivos; e os controvertidos
interesses individuais homogêneos, interesses estes que, embora, para muitos
estudiosos, não possam ser considerados interesses transindividuais38,
37 MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 48 38 Nesse sentido: ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 130; 38
13
incontestavelmente ganharam, com o advento do Código de Defesa do
Consumidor, tratamento como tais.
1.2.2 INTERESSES DIFUSOS
Assim definidos pelo CDC, aqueles interesses
”transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”39.
Ao tratar do assunto, afirma Leonel40, que a definição dada
pelo CDC peca pela “ausência de completude, pois os fenômenos sociais não
podem se resumir de forma definitiva e estanque”, mas reconhece, no entanto, o
mérito desta definição por ter pacificado incertezas conceituais que até então
persistiam, e por ter abrangido, praticamente, todas as características mais
marcantes desta modalidade de interesses.
Já Mazzilli41, ao discorrer sobre o tema, faz a seguinte
definição:
Os interesses difusos compreendem grupos menos determinados
de pessoas (melhor do que pessoas indeterminadas, são antes
pessoas indetermináveis), entre as quais inexiste vínculo jurídico
ou fatídico preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses
individuais, de objeto indivisível, compartilhados por pessoas
indetermináveis, que se encontram unidas por circunstâncias de
fato conexas.
Conforme se pode observar, são características essenciais
dos interesses difusos a indeterminação de sujeitos e a indivisibilidade do objeto.
Entretanto, há doutrinadores que atribuem mais duas características que embora
LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 114. 39 CDC: art. 81, parágrafo único, I. 40 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 99. 41 MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 50-51.
14
não cogitadas pela lei seriam essenciais a esta espécie de interesses: “intensa
conflituosidade”; e “mutação no tempo e espaço”.42
No que tange à intensa conflituosidade, segundo Mancuso43,
esta se caracteriza pelo choque de entre interesses de grupos diversos, o que
estaria intrínseco em todos os interesses difusos, posto que decorreria da própria
natureza desta modalidade de interesse. Cita como exemplo, o conflito de
interesses existente entre a proteção de recursos ambientas e os interesses da
indústria madeireira e, por conseguinte, dos lenhadores; o entrechoque de
interesses que existiria entre os moradores de uma localidade e a construção civil
com a construção de um aeroporto supersônico; entre outros.
No tocante à mutação no tempo, sustenta o doutrinador que
os interesses difusos possuem natureza efêmera e transitória, uma vez que
surgem mediante uma situação fatídica e se não exercitados a tempo e hora
modificam-se, acompanhando a transformação da situação que o ensejou. Para
ilustrar a efemeridade dos interesses difusos Mancuso44 utiliza como exemplo, a
construção da hidroelétrica de Itaipu, sustentando que antes de sua construção os
interesses de cunho ecológicos visavam à preservação da fauna e da flora que
estavam comprometidas pela construção da obra, sendo que, após esta ter sido
implementada, embora ainda pudessem possuir o cunho ambiental, os interesses
difusos se transformaram em outros diferentes dos originários.
Já quanto à mutação no espaço, assevera Mancuso45 que,
em função da localização geográfica, determinados tipos de interesses difusos
podem ter mais ou menos importância. Cita como exemplo a preocupação que
existe nos países as margens do Mediterrâneo com relação à poluição do mar,
preocupação esta que não seria compartilhada pelos países da costa africana.
42 Nesse norte: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos – conceito e legitimação para agir. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 79; e LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.105. 43 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos – conceito e legitimação para agir. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 85-89. 44 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos – conceito e legitimação para agir. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 89-93. 45 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos – conceito e legitimação para agir. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 89-93.
15
Sem se aprofundar na controvérsia concernente às
características essenciais do interesse difuso, prosseguindo no tema, ressalta-se
que incontestável é o fato de que nesta modalidade de interesses os sujeitos
deveram estar ligados por circunstâncias de fato. Muito embora, como salienta
Mazzilli46, uma relação de fato também se subordine a uma relação jurídica, no
caso de interesses difusos, a lesão ao grupo não decorre da relação jurídica em
si, mas sim da situação fatídica resultante. Diferente não poderia ser, uma vez
que se o grupo estivesse ligado diretamente por uma relação jurídica em si, então
as pessoas que o integram seriam determináveis, descaracterizando a natureza
difusa do interesse. Conforme assevera Mancuso47, a “’indeterminação de
sujeitos’ deriva, em boa parte, do fato de que não há um vínculo jurídico a agregar
esses interesses (...)”.
Como exemplos de interesses difusos podem-se citar o
direito ao ar puro, à água limpa, a preservação da fauna e da flora, de um modo
geral, todas as questões ligadas à higidez do meio ambiente, por serem estes
indivisíveis e pertencerem a um número indeterminado de pessoas. Nesse
sentido, Mazzilli48:
(...) a pretensão do meio ambiente hígido, posto compartilhada por número indeterminável de pessoas, não poder ser quantificada ou dividida entre os membros da coletividade; também o produto da eventual indenização obtida em razão da degradação ambiental não pode ser repartido entre os integrantes do grupo lesado, não apenas porque cada um dos lesados não pode ser individualmente determinado, mas porque o próprio interesse em si é indivisível.
Na seara do direito do consumidor, o exemplo tipicamente
citado pela doutrina, é a cessação e a reparação de danos causados pela
46 MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 51. 47 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos – conceito e legitimação para agir. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 81. 48 MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 51-52.
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publicidade enganosa, posto que esta prática atinge um número incontável de
pessoas, bem como seu objeto é indivisível. Nesse diapasão, preleciona
Watanabe49:
(...) publicidade enganosa ou abusiva, veiculada através da imprensa falada, escrita ou televisionada, pode afetar um número incalculável de pessoas sem que entre elas exista uma relação jurídica base. O bem jurídico tutelado pelo art. 37 e parágrafo do Código é indivisível no sentido de que basta uma ofensa para que todos os consumidores sejam atingidos e também no sentido de que a satisfação de um deles, pela cessação da publicidade ilegal, beneficia contemporaneamente a todos eles.
Por fim, é válido trazer à baila as considerações de Mazzilli50
quanto à diferenciação dos interesses difusos do interesse público:
Não são, pois, os interesses difusos mera subespécie de interesse público. Embora em muitos casos possa até coincidir com o interesse de um grupo indeterminável de pessoas com o interesse do Estado ou o interesse da sociedade como um todo (como o interesse ao meio ambiente sadio), a verdade é que nem todos os interesses difusos são compartilhados pela coletividade ou comungado pelo Estado, (...).
Constata-se com os ensinamentos do doutrinador que
alguns interesses difusos podem ser tão abrangentes que chegam a coincidir com
os interesses interesse público, como por exemplo, o meio ambiente sadio, mas
que, por outro lado, existem interesses que, embora também estejam dispersos
pela sociedade, não chegam a se confundir com o interesse geral da coletividade,
de tal sorte que um equívoco é tratar estas modalidades como sinônimos.
1.2.3 INTERESSES COLETIVOS
Denominados pela doutrina como “interesses coletivos em
49 WATANABE, Kazuo. in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 802. 50 MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 51-52.
17
sentido estrito”51, são assim definidos pelo CDC, “os transindividuais, de natureza
indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre
si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.52
Como se pode observar, os interesses coletivos pertencem
a grupos de pessoas determináveis que deverão estar ligadas por uma relação
jurídica base com a parte adversa. Cabe ressaltar aqui que muito embora esta
relação jurídica venha, realmente, disciplinar uma situação fatídica, a lesão ao
grupo não decorre desta, e sim da própria relação jurídica viciada. Nesse sentido,
Mazzilli53:
Embora se refira a ser uma relação jurídica básica o elo comum entre os lesados que comunguem o mesmo interesse coletivo (tomado em seu sentido estrito), ainda aqui é preciso admitir que essa relação jurídica disciplinará inevitavelmente uma hipótese fatídica concreta; entretanto no caso de interesses coletivos, a lesão ao grupo não decorrerá propriamente da relação fatídica subjacente, e sim, da própria relação jurídica viciada que une o grupo.
Ressalta-se ainda, que é característica inerente aos
interesses coletivos a indivisibilidade do objeto. Para que melhor se faça
compreender a indivisibilidade do objeto nos interesses coletivos, é válida a
transcrição do seguinte exemplo extraído da obra de Mazzilli54:
(...) uma ação coletiva que vise à nulificação de cláusula abusiva em contrato de adesão. No caso, a sentença de procedência não irá conferir um bem divisível aos integrantes do grupo lesado. O interesse em ver reconhecida a ilegalidade da cláusula é
51 Tendo em vista que o termo Interesse coletivo é sinônimo de Interesses transindividuais propriamente ditos, é comum encontrar na doutrina as expressões “Interesses coletivos em sentido lato” para referir-se aos direitos transindividuais gênero e “interesses coletivos em sentido estrito”, para referir-se aos interesses coletivos espécie, conceituados pelo CDC. 52 Art. 81, parágrafo único, II. 53 MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed.rev. atual. amp. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 52. 54 MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 53.
18
compartilhado pelos integrantes do grupo lesado de forma não quantificável e, portanto, indivisível: a ilegalidade da cláusula não será maior para quem tenha dois ou mais contratos em vez de apenas um: a ilegalidade será igual para todos.
Pode-se concluir, destarte, que, muito embora os interesses
coletivos, assim como os interesses difusos se caracterizem, também, pela
indivisibilidade do objeto, estas modalidades diferenciam-se, pois, ao contrário
dos interesses difusos, os interesses coletivos sempre dirão respeito a grupos
determinados de pessoas que estarão ligadas com a parte adversa por uma
relação jurídica básica e não por uma situação fatídica como ocorre com os
interesses difusos.
1.2.4 INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
Uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro introduzida
pelo CDC, são “assim entendidos os de origem comum”55.
Como se constata, muito singela é definição de interesses
individuais homogêneos extraídas do CDC.
Para melhor compreensão da extensão dessa modalidade
de direitos, necessário é o apoio na doutrina.
Ao tratar de interesses individuais homogêneos, Mazzilli56
faz a seguinte definição:
Para o CDC, interesses individuais homogêneos são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato.
55 CDC, art. 81, parágrafo, III. 56 MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. amp. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 53.
19
Segundo Leonel57, são características comuns desta
modalidade interesses as seguintes: “pertencerem a grupos de pessoas
determinadas ou determináveis; serem essencialmente individuais; ser divisível o
objeto tutelado; e surgirem em virtude de uma origem ou fato comum,
ocasionando a lesão a todos os interessados a título individual”.
No tocante à homogeneidade, Zavascki58 afirma que esta
não é sinônima de igualdade tão somente de afinidade. No entendimento do
doutrinador, embora os direitos individuais homogêneos possuam características
comuns, constam neles elementos característicos e peculiares, que os
diferenciam uns dos outros e os individualizam. Para Zavascki, a homogeneidade
decorre tão-somente da origem comum destes interesses.
Para melhor compreensão prática dos interesses individuais
homogêneos, vale a transcrição do exemplo empregado por Mazzilli59:
Como exemplo de interesses individuais homogêneos, suponhamos os compradores de veículos produzidos com o mesmo defeito de série. Sem dúvida, há uma relação jurídica comum subjacente entre esses consumidores, mas o que os liga no prejuízo sofrido não é a relação jurídica em si (...), mas sim é antes o fato de que compraram carros do mesmo lote produzido com defeito em série (interesses individuais e homogêneos). Neste caso, cada integrante do grupo terá direito divisível à reparação devida. (...).
Ressalta-se ainda, que muitas controvérsias cingem-se em
torno da natureza transindividual dos direitos individuais homogêneos.
Para Zavascki60 os interesses individuais homogêneos são
57 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p, 108. 58 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 42-43. 59 MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19 ed.rev. atual. amp. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 54. 60 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dosTribunais, 2007, p. 42-43.
20
apenas direitos individuais que são tutelados de forma coletiva não podendo ser
considerados interesses transindividuais. Colhe-se de sua obra:
Os direitos individuais homogêneos são, em verdade, aqueles mesmos direitos comuns e afins de que trata o art. 46 do CPC (nomeadamente em seus incisos II e IV), cuja coletivização tem um sentido meramente instrumental, como estratégia para permitir sua mais efetiva tutela em juízo. (...). Quando se fala, pois, em “defesa coletiva” ou em “tutela coletiva” de direitos homogêneos, o que se está qualificando como coletivo não é o direito material tutelado, mas sim o modo de tutelá-lo, o instrumento de defesa.
No mesmo norte, Leonel61:
Não obstante a crítica eventual quanto à inserção como espécie de interesses coletivos, foi expressa a opção do legislador, e embora não sejam coletivos na essência, tais interesses o são formalmente ou acidentalmente para fins de interesses processuais.
Em contra partida, cita-se Mazzilli62, que ao tratar de
interesses transindividuais, cogita os individuais homogêneos como tais e,
conforme já visto (citação n. 37), afirma que é a tutela jurídica diferenciada
conferida pelo ordenamento jurídico a determinadas modalidades de interesses
uma das características de sua transindividualidade.
Nessa esteira, já se manifestou o Supremo Tribunal
Federal63 64:
(...) Direitos ou interesses individuais homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos.
61 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 108. 62 MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed.rev. atual. amp. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 48-50. 63 Doravante também denominado STF. 64 Recurso Extraordinário 163.231-3-SP, Rel. Min. Maurício Corrêa. DJ, 26/06/2001.
21
Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas que, conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classes de pessoas.
Conforme se pode constatar, foi este último entendimento o
adotado na para construção do presente trabalho, de tal sorte que os interesses
individuais homogêneos estão classificados como uma das subespécies de
interesses transindividuais.
1.3 DA TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA DO CONSUMIDOR
O presente título presta-se a melhor compreensão da tutela
jurisdicional coletiva no que tange, mais especificamente, os interesses do
consumidor.
Para tanto, os títulos abaixo trazem considerações da
relação de consumo e as partes que a integram, bem como sobre as ações
aplicadas aos interesses transindividuais do consumidor.
1.3.1 CONFIGURAÇÃO DA RELAÇÃO DE CONSUMO: CONCEITOS DE CONSUMIDOR E
FORNECEDOR
Segundo Almeida65, “as relações de consumo são bilaterais,
pressupondo numa ponta o fornecedor – que pode tomar forma de fabricante,
produtor, importador comerciante e prestador de serviço -, aquele que se dispões
a fornecer bens e serviços a terceiros, e, na outra ponta, o consumidor, aquele
subordinado às condições e interesses impostos pelo titular dos bens ou serviços,
no atendimento de suas necessidades de consumo”.
Para compreender a natureza deste vínculo, necessário se
65 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor, 4. ed. São Paulo, Saraiva.2003, p. 1
22
faz a definição dessas duas partes essenciais a sua configuração.
Concernente ao conceito de consumidor, do léxico Aurélio66
extrai-se, dentre outras, a seguinte definição: “aquele que compra para gastar em
uso próprio”.
Nas palavras de Sidou67, “respeitada a concisão vocabular,
o Direito exige uma explicação mais precisa”.
Atento a este fato, o legislador definiu consumidor da
seguinte maneira: “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final”68.
Ressalta-se que embora pareça objetiva e de fácil
compreensão, a concepção de consumidor trazida pelo dispositivo legal supra,
para fins de aplicação do CDC, é um pouco complexa e envolve controvérsias
doutrinárias.
Inicialmente, destaca-se a divergência no tocante à
expressão “destinatário final”, constante na parte final do caput do art. 2º do CDC,
tendo em vista juristas controverterem quanto à concepção e à abrangência desta
expressão e conseqüentemente, quanto ao próprio conceito de consumidor.
Ao analisar tais controvérsias, Marques69 afirmou que
existem duas grandes tendências no consumerismo: a dos finalistas e a dos
maximalistas.
No que diz respeito à interpretação finalista, ressalta-se que
para os partidários desta a expressão “destinatário final” deve ser interpretada de
66 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0, 3 ed. Curitiba, Positivo, 2004, vocábulo: consumidor. 67 SIDOU, Othon. Proteção ao consumidor. Rio de Janeiro, Forense, 1977. p. 28 apud GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 31. 68 art. 2º caput do CDC. 69 MARQUES, Claudia Lima, 1992. apud FILOMENO, José Geraldo de Brito In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 33.
23
forma restrita, devendo ser considerado consumidor, somente aquele que adquire
o produto para uso próprio, visando ao atendimento de suas próprias
necessidades ou as de sua família.
Segundo a professora Marques70, para os finalistas,
“consumidor seria o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira
especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável”.
Conforme se pode observar, os finalistas compreendem que
consumidor não é apenas o destinatário final fatídico (aquele que retira o produto
do mercado) e sim o destinatário final fatídico e econômico (aquele que encerra a
cadeia de produção), não podendo ser considerado consumidor aquele que retira
um bem do mercado para continuar a produzir. Nesse sentido, seguem alguns
julgados do Superior Tribunal de Justiça71 72, elencados pela professora Marques,
como exemplos de interpretações finalistas:
COMPETÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO E DE SERVIÇOS DE CRÉDITO PRESTADO POR EMPRESA ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE. A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a incompetência absoluta da Vara Especializada de Defesa do Consumidor, para decretar a nulidade dos atos praticados e, por conseguinte, para determinar a remessa do feito a uma das Varas Cíveis da Comarca.
70 BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 84. 71 Doravante também denominado STJ. 72 REsp n. 541867/BA. 2ª Seção. Relator: Ministro Barros Monteiro. Data do Julgamento: 10/11/2004; e REsp n. 264126/RS. 4ª Turma. Relator: Ministro Barros Monteiro. Dia do Julgamento: 08/05/2001. apud BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 91.
24
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. BUSCA E APREENSÃO. ÂMBITO DA DEFESA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. BENS JÁ INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO DO DEVEDOR. TAXA DE JUROS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. APLICAÇÃO DA TR. MORA DOS DEVEDORES CONFIGURADA. Tratando-se de financiamento obtido por empresário, destinado precipuamente a incrementar a sua atividade negocial, não se podendo qualificá-lo, portanto, como destinatário final, inexistente é a pretendida relação de consumo. Inaplicação no caso do Código de Defesa do Consumidor.
Já no que concerne à interpretação maximalista, os
partidários desta teoria entendem que a expressão destinatário final deve ser
interpretada de forma ampla e abrangente, devendo ser considerados
consumidores, todos que adquirem um produto para consumi-lo, independente de
ser na satisfação de necessidades pessoais ou na viabilização de atividades
negociais.
Para os maximalistas, nas palavras de Marques73, “o CDC
seria um Código geral sobre o consumo, um Código para a sociedade de
consumo, que institui normas e princípios para todos os agentes do mercado, os
quais podem assumir os papeis ora de fornecedores, ora de consumidores. A
definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensamente possível, segundo
esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número
cada vez maior de relações no mercado”.
Salienta-se que, segundo a teoria maximalista, a expressão
constante no final do caput do art. 2º do CDC, diz respeito ao destinatário final
fatídico, sendo, destarte, consumidor aquele que retira o produto de mercado
consumindo-o.
73 BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 85.
25
Como exemplos de interpretações maximalistas, seguem
alguns julgados do STJ74:
Código de Defesa do Consumidor. Destinatário final: conceito. Compra de adubo. Prescrição. Lucros cessantes. A expressão "destinatário final", constante da parte final do art. 2º
do Código de Defesa do Consumidor, alcança o produtor agrícola
que compra adubo para o preparo do plantio, à medida que o bem
adquirido foi utilizado pelo profissional, encerrando-se a cadeia
produtiva respectiva, não sendo objeto de transformação ou
beneficiamento.
Ação de indenização. Contrato de transporte. Embargos de declaração.
Código de Defesa do Consumidor. Prescrição.
1. O Acórdão recorrido enfrentou todas as questões apresentadas na apelação, não havendo necessidade de referência expressa a determinados dispositivos legais, ausente, portanto, a alegada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. 2. Aplica-se a prescrição do Código de Defesa do Consumidor (art. 27), em caso de ação de indenização decorrente de dano causado em mercadoria durante o respectivo transporte marítimo, não importando para a definição do destinatário final do serviço de transporte o que é feito com o produto transportado. No caso, o serviço de transporte foi consumado com a chegada da mercadoria no seu destino, terminando aí a relação de consumo, estabelecida entre a transportadora e a empresa que a contratou. 3. Recurso especial conhecido e provido.
Feitas as considerações necessárias acerca das teorias
interpretativas constantes em nosso ordenamento jurídico, salienta-se ainda a
crítica existente em parte da doutrina, mais especificamente, parte da doutrina
adepta da teoria finalista quanto à caracterização da pessoa jurídica como
74 STJ: REsp n. 208793/MT. 3ª Turma. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Data do Julgamento: 18/11/1999; e REsp. n. 286441/RS. 3ª Turma. Relator: Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Data do Julgamento: 18/11/1999. apud MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 97.
26
consumidor, uma vez que tal possibilidade desvirtuaria a finalidade da política
consumerista, a qual seria trazer o equilíbrio a uma relação jurídica entre partes
desiguais, facilitando a defesa da parte economicamente vulnerável: o
consumidor.
Assim preleciona Filomeno75, que discorda da abrangência
das pessoas jurídicas no conceito de consumidor, sob a alegação de que
“dispõem as pessoas jurídicas de força suficiente para defesa“.
Ainda no que tange a extensão do conceito de consumidor,
registra-se a disposição do parágrafo único do art. 2º que diz que “equipara-se a
consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja
intervindo nas relações de consumo”.
Verifica-se que o legislador ao editar o CDC não somente
deu atenção ao consumidor de forma isolada, mas também à coletividade que
muitas vezes também fica desprotegida e desamparada ante as práticas abusivas
dos fornecedores.
Conforme se extrai do dispositivo legal a coletividade não
precisa necessariamente ser composta de pessoas determinadas determináveis
ou que estas tenham integrado efetivamente a relação de consumo, bastando que
estas tenham intervindo nesta.
Em assim sendo, pode ser considerado consumidor, nas
palavras de Bulgarelli76, “aquele que se encontra numa situação de usar ou
consumir, estabelecendo-se, por isso, uma relação atual ou potencial, fática sem
dúvida, porém, a que se deve dar uma valoração jurídica, a fim de protegê-lo quer
evitando, quer reparando os danos sofridos”.
75 FILOMENO, José Geraldo de Brito in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 31. 76 BULGARELLI, Waldírio, 1984. apud GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 10. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 38.
27
Lembra Filemeno77 ainda, que esta idéia de coletividade de
pessoas indetermináveis bem como da intervenção nas relações de consumo fica
ainda mais clara sob a ótica dos interesses difusos e cita ainda os exemplos
apontados pelo Desembargador Oliveira78 para tanto. Vale a transcrição:
A apresentação, no mercado, de um produto alimentar deteriorado pode configurar grave risco para um sem-número de indivíduos; a propaganda sem controle, transmitindo falsas e enganosas informações, a respeito de certa sociedade ou de determinado empreendimento imobiliário, pode causar prejuízo a milhares de adquirentes de ações ou de imóveis, (...).
Equiparam-se também a consumidores, nos moldes do art.
17 do CDC, “todas as vítimas do evento.”
Em assim sendo, não só os efetivos consumidores lesados
por defeito em produto ou serviço, como também as pessoas alheias à relação de
consumo que tenham sofrido lesão em função desta, serão considerados
consumidores para fins de aplicação do CDC.
A respeito do assunto, Filomeno79 lembra, a título de
exemplo, o trágico acidente no “Plaza Shopping de Osasco”, no qual a sentença
entendeu cabíveis indenizações por danos morais e materiais não somente às
pessoas que estavam usufruindo de seus serviços, mas também a todas as
pessoas que esporadicamente se encontravam em suas instalações.
Por fim, de conformidade com o art. 29 do CDC80,
equiparam-se também a consumidores todas as pessoas determináveis ou não,
77 FILOMENO, José Geraldo de Brito in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 39. 78 OLIVEIRA, Waldemar Mariz, 1984. apud GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 39. 79 FILOMENO, José Geraldo de Brito in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 42. 80 Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
28
expostas às práticas dos atos dispostos nos capítulos V (Práticas comerciais) e VI
(Proteção contratual) do CDC.
Em atenção a este dispositivo, afirma Filomeno81 que “são
consumidoras as pessoas expostas a informações ou publicidade enganosas,
sujeitas a cláusulas em formulários-padrão de contratos de adesão, bem como as
que já os firmaram”.
Feitas as considerações necessárias a respeito do conceito
do consumidor, passa-se a uma análise do conceito de fornecedor, o outro pólo
da relação de consumo.
Extrai-se do dicionário Aurélio82 a seguinte definição de
fornecedor: “aquele que fornece ou se obriga a fornecer mercadorias”.
Salienta-se que assim como com o conceito de consumidor,
o conceito vocabular de fornecedor é bem mais simplificado e menos abrangente
de que seu conceito jurídico.
O caput do art. 3º do CDC traz o conceito o fornecedor que
deve ser analisado em conjunto com seus parágrafos 1º e 2º, para uma melhor
compreensão deste. Segue sua transcrição abaixo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
76 FILOMENO, José Geraldo de Brito in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 42. 82 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0. 3. ed. Curitiba, Positivo, 2004, vocábulo: fornecedor.
29
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Conforme se observa, grande é a diferença do conceito legal
de fornecedor para o conceito encontrado no dicionário, a começar pelo fato de
que para a Lei, fornecedor não é tão-somente quem fornece mercadorias, mas
também é aquele que fornece prestação de serviços.
Destaca-se que, segundo Marques83, em se tratando de
fornecedor de produtos está inerente ao tipo desenvolver atividades tipicamente
profissionais. Já, entretanto, no tocante à ao fornecedor de serviços, este não
precisaria necessariamente ser tido por profissional, bastando que sua atividade
seja habitual e reiterada. Senão vejamos o que afirma esta:
(...). Mesmo o § 2º do art. 3º, define serviço como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração...”, não especificando se o fornecedor precisa ser um profissional, bastando que esta atividade seja habitual e reiterada. (...).
Sem grandes controvérsias a respeito de fornecedor,
conclui-se o assunto com a definição dada por Filomeno84 que, ao que parece,
abarca todos os critérios caracterizadores de fornecedor.
Tem-se, por conseguinte, que fornecedor é qualquer pessoa
física, ou seja, qualquer um que a título singular, mediante
desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual,
ofereça no mercado produto ou serviços, e a jurídica, da mesma
forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma habitual.
Desta forma, restando abordada a relação de consumo, bem
como as partes que a integram, em especial o consumidores, passa-se a análise
83 BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 113. 84 FILOMENO, José Geraldo de Brito in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 43.
30
das ações coletivas empregadas na defesa destes.
1.3.2 AÇÕES COLETIVAS EMPREGADAS NA DEFESA DOS INTERESSES DO
CONSUMIDOR
No que concerne à tutela jurisdicional coletiva, duas são as
ações que comportam a defesa dos interesses transindividuais do consumidor: a
ação civil pública; e a ação coletiva. Procedimentos estes que ora serão
analisados separadamente.
1.3.2.1 Ação civil pública
Instituída pela Lei 7.347/85, a ação civil pública, representa
um grande avanço para a tutela jurisdicional coletiva no ordenamento jurídico
pátrio, conforme já visto no tópico “aspectos históricos da tutela jurisdicional
coletiva”.
Ao tratar desta modalidade de ação, Zavascki85 dá a
seguinte definição:
Compõe-se em conjunto de mecanismos destinados a instrumentar demandas preventivas, reparatórias e cautelares de quaisquer direitos e interesses difusos e coletivos nomeadamente “as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais” causados ao meio ambiente, o consumidor à ordem urbanística, a bens e direitos de valor artísticos, estético histórico turístico e paisagístico, à ordem e economia popular (art. 1º).
São defensíveis mediante ação civil pública os “interesses
difusos e coletivos relativos, ao meio-ambiente; ao consumidor; à ordem
urbanística; a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico; e à ordem econômica e da economia popular”.86
São partes legitimas para propositura da ação civil pública
em defesa do consumidor, o Ministério Público, sendo a propositura destas ações,
85 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dosTribunais, 2007, p. 66. 86 De acordo com o Art. 1º da Lei 7.347/85.
31
inclusive, sua função institucional nos moldes do art. 129, III, da CRFB/88; a
Defensoria Pública; a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; as
autarquias, empresas públicas, fundação ou sociedades de economia mista; as
associações que, concomitantemente estejam constituídas há pelo menos 1 (um)
ano nos termos da lei civil e inclua, entre suas finalidades institucionais, a
proteção ao consumidor.87
Uma das particularidades da qual se deve mencionar é a
destinação dos valores obtidos com uma eventual condenação pecuniária nesta
modalidade de ação. As indenizações obtidas mediante este tipo de ação serão
revertidas a fundos destinados à reconstituição de bens tidos como de interesses
transindividuais lesados. Este fundo deverá ser gerido por um Conselho Federal
ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério
Público e representantes da comunidade. 88
É por esta razão que ao tratar do assunto Almeida89 afirma
que “o benefício não é direto e sim reflexo”.
Por derradeiro, salientam-se as considerações de Zavascki90
quanto à confusão existente entre a distinção e o emprego da ação civil pública e
ação coletiva. Ressalta o doutrinador que com grande freqüência a jurisprudência
pátria não tem observado a distinção terminológica destas ações conferindo a
nomenclatura de ação civil pública a quase todas as ações coletivas, inclusive às
ações coletivas para defesa de interesses individuais homogêneos, o que seria
um equívoco.
1.3.2.2 Ação coletiva
Instituída pelo Código de Defesa do Consumidor, a Ação
Coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos, consiste, nas
87 Art. 5º da Lei 7.347/85. 88 Art. 13 da Lei 7.347/85. 89 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor, 4. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 148. 90 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2 ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 67-68.
32
palavras de Almeida, “na versão abrasileirada da conhecida class action
americana, diferindo basicamente no que toca à representatividade e à
legitimação para agir, mas perfeitamente adaptada ao sistema processual
nacional”.91
A ação coletiva tem por finalidade a defesa dos, já
esmiuçados, interesses individuais homogêneos, buscando-se, mediante esta,
“responsabilidade pelos danos individualmente sofridos”92.
São legítimas para a propositura desta modalidade de ação,
nos termos do art. 91 do CDC, “os legitimados de que trata o art. 82”, as quais
seriam: o Ministério Público; a União, os Estados, os Municípios e o Distrito
Federal; as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda
que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos
interesses do consumidor; e as associações legalmente constituídas há pelo
menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos
interesses do consumidor, sendo que neste caso o requisito de pré-constituição
pode ser dispensado pelo juiz quando haja manifesto interesse social evidenciado
pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser
protegido, nos termos do parágrafo 1º do art. 82 do CDC.
É válido ressaltar que divergências são extraídas da doutrina
e jurisprudência concernentes à legitimidade do Ministério Público na defesa dos
interesses individuais homogêneos, uma vez que a defesa de interesses
disponíveis e divisíveis seria incompatível com as funções institucional deste
órgão.93
Destaca-se que por pertencerem os interesses individuais
homogêneos a pessoas determinadas e serem individualmente divisíveis, a
91 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 4. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, p.148. 92 Art. 91 do CDC. 93 Segundo Almeida este tem sido um dos motivos sustentados pelo STJ em seus julgados para declarar a ilegitimidade do Ministério Público nas “ações civis públicas” em defesa dos interesses individuais homogêneos que versam sobre cobrança de taxa de iluminação pública. ALMEIDA, Renato Franco. O Parquet na defesa dos interesses individuais e homogêneos do consumidor. in Revista dos Tribunais. vol. 790. São Paulo, Revista dos Tribunais. 2001, p. 115.
33
condenação nas ações coletivas, via de regra, consistirá em indenização
condizente com a lesão individualmente sofrida a cada um dos interessados,
sendo estes, desta forma, ao contrário do que acontece com a ação civil pública,
beneficiados diretamente, não obstante a condenação obtida mediante a ação
coletiva ser revertida ao fundo previsto na Lei n. 7.347/85, nos termos do art. 100
do CDC.
Salienta-se que grande a peculiaridade da ação coletiva em
defesa dos interesses individuais homogêneos é, nas palavras de Zavascki94, a
“repartição da atividade cognitiva”, uma vez que, em um primeiro momento, a
ação coletiva se aterá à cognição da responsabilidade civil do demandado,
consistindo em verificar se este tem ou não tem obrigação de indenizar os
titulares dos interesses individuais homogêneos que ensejaram a ação coletiva.
Em um segundo momento, com a procedência da ação, será feita, mediante
liquidação de sentença nos moldes do art. 97 do CDC, uma cognição da quantia
devida a cada um dos interessados analisando-se, neste momento “os aspectos
pessoais e diferenciados dos titulares do direito individual”.
Registra-se ainda que a ação coletiva consiste no objeto
central do presente trabalho, sendo o capítulo terceiro destinado especificamente
a tratar desta modalidade de demanda, oportunidade na qual serão as
peculiaridades e controvérsias doutrinárias inerentes a esta modalidade
detalhadamente analisadas.
Salientados os pontos necessários para uma melhor
compreensão acerca dos interesses transidividuais e da tutela jurisdicional
coletiva do consumidor, passa-se ao segundo capítulo do presente trabalho, no
qual serão analisados pontos relevantes a respeito da uma das importantes
instituições com as quais o Estado brasileiro conta para dar efetividade à Política
Nacional de Relações de Consumo: o Ministério Público; bem como os aspectos
controvertidos da sua atuação na defesa dos interesses individuais homogêneos
do consumidor.
94 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 166-168.
34
CAPÍTULO 2
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
E SUA ATUAÇÃO NA DEFESA DOS INTERESSES
INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DO CONSUMIDOR
2.1 ASPECTOS GERAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO PÁTRIO
Tendo em vista tratar o presente trabalho da tutela
jurisdicional coletiva, importante se faz destinar parte dele ao órgão que tem por
função institucional, nas palavras de Bastos95, “o patrocínio desinteressado de
interesses públicos, assim como privados quando merecem um especial
tratamento jurídico especial”: o Ministério Público.
2.1.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
O artigo 127, caput, da Constituição da República Federativa
do Brasil96, traz uma definição do que seria o Ministério Público no ordenamento
jurídico pátrio. Vale transcrevê-lo:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
95 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 671. 96 Doravante também denominada de CRFB/88, Constituição, Carta Magna, Carta Política e Lei Maior.
35
A expressão “instituição permanente”, extraída do art. 127,
caput da CFRB/88 parte do pressuposto de que “o Ministério Público é um dos
órgãos pelos quais o Estado atual manifesta sua soberania” 97. Já a expressão
“essencial à função jurisdicional” está vinculada à “importância do Ministério
Público como agente provocador, desencadeando a atividade jurisdicional na
defesa dos interesses sociais”98, muito embora exista entendimento doutrinário
no sentido de que, em atenção a todas as atribuições do Ministério Público, esta
expressão não se enquadra perfeitamente ao perfil da instituição.99
Ressalta-se que a definição constante no referido artigo vem
repetida no artigo primeiro da Lei Complementar federal n. 75, de 20 de maio de
1993, (Lei Orgânica do Ministério Público da União) e na Lei federal n. 8.625, de
fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), sendo que dela
são extraídos, não só as características básicas deste órgão, como também seus
objetivos institucionais.
Entretanto, em virtude da complexidade da instituição
ministerial, muito vago seria definir o Ministério Público com base, tão-somente,
nos dispositivos legais acima apontados.
Assim, traz-se à baila a conceituação dada de por Mazzilli100,
que permite uma noção mais precisa do Ministério Público, uma vez que feita em
atenção às características e objetivos da instituição. Segue abaixo a transcrição:
97 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 107. 98 Ferraz e Guimarães Junior. A necessária elaboração de uma nova doutrina de Ministério Público, compatível com seu atual perfil constitucional. In FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo (coord), Ministério Público – instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999, p. 22. 99 Nesse sentido, Mazzilli, que entende ser a expressão “essencial à função jurisdicional” carreada de duas incorreções. “(...) diz menos do que deveria (o Ministério Público tem inúmeras funções independentemente da função jurisdicional como na a fiscalização de fundações e prisões, nas habilitações de casamento, na homologação de acordos extrajudiciais, na direção de inquérito civil, no atendimento ao público, nas funções de ombudsman), e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, diz mais do que deveria (pois o Ministério Público não oficia em todos os feitos submetidos à prestação jurisdicional, e sim, normalmente, naqueles em que haja algum interesse indisponível, difuso ou coletivo, ligado à qualidade de uma das partes ou à natureza da lide)”. In Regime jurídico do Ministério Público. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 109-110. 100 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 37.
36
O Ministério Público é um órgão do Estado (não do governo, nem do poder executivo), dotado de especiais garantias, ao qual a Constituição e as leis cometem algumas funções ativas interventivas, em juízo ou fora dele, para defesa de interesses da coletividade, principalmente os indisponíveis e os de larga abrangência social.
É válido destacar, que o Ministério Público, nos termos do
art. 127, parágrafo 2º, da CFRB/88101, é dotado de autonomia funcional e
administrativa, sendo, inclusive, por esta razão que Mazzilli102, ao definir a
instituição afirma que é um órgão do Estado, não do governo. No mesmo sentido,
os ensinamentos de Moraes103, que ao tratar da autonomia da instituição afirma,
com base na doutrina de Lavié, que o Ministério Público é “órgão extrapoder, ou
seja, não depende de nenhum dos poderes do Estado, não podendo nenhum de
seus membros receber instruções vinculantes de nenhuma autoridade”.
Registra-se que, nos termos do art. 128 da CFRB/88, a
instituição ministerial é estruturada da seguinte forma: o Ministério Público da
União, que é subdividido em Ministérios Públicos Federal, do Trabalho, Militar e
do Distrito Federal e Territórios; e os Ministérios Públicos dos Estados.
O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-
Geral da República, que será nomeado pelo Presidente da República, dentre os
integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu
nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de
dois anos, sendo permitida a recondução, não delimitando, nossa Carta Magna, o
número de vezes máximo em que poderá ser este reconduzido (art. 128, § 1º, da
CRFB/88).
101 Art. 127, § 2º da CFRB: Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento. 102 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 37. 103 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 582.
37
Já os Ministérios Públicos dos Estados, bem como o
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios têm por chefes seus respectivos
Procuradores-Gerais de Justiça, que serão nomeados pelo chefe do poder
executivo, dentre os integrantes de carreira constantes em lista tríplice formulada
pelos próprios Ministérios Públicos mediante voto plurinominal de todos os
integrantes da carreira, para mandato de dois anos permitido, neste caso, tão-
somente, uma recondução (art. 128, § 2º, da CRFB/88).
Assevera-se ainda que o atual regime jurídico de nosso
Ministério Público foi influenciado por dois Ministérios Públicos com
características muito distintas: o Ministério Público norte-americano e o europeu.
Por esta razão é possível encontrar em nosso Ministério Público peculiaridades
inerentes às instituições alienígenas citadas. Nesse sentido, preleciona Slaibi
Filho104:
O Ministério Público brasileiro, com a moldura e a consistência que lhe foi dada pela Constituição de 1988, bem representa a contradição decorrente de tais influências pois: (a) dos Estados Unidos, herdou a desvinculação com o Poder Judiciário, a denominação de sua chefia, o controle externo de determinadas atividades administrativas ligadas ao Poder Executivo, o resquício de poder participar da política partidária, ainda que em hipóteses restritas previstas em lei, a postura independente que aqui somente se subordina à consciência jurídica de seu membro, como, aliás, está na Lei Maior ao assegurar sua autonomia funcional e administrativa (art. 127); (b) da Europa continental, herdou a simetria da carreira com a magistratura, inclusive as prerrogativas similares, o direito de assento ao lodo dos juízes, as vestes próprias e até mesmo, o vezo de ser tratado como se magistrado fosse, embora devesse ter o ardor do advogado no patrocínio da causa.
104 SLAIBI FILHO, Nagib, 1994. apud MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.578.
38
Conclui o doutrinador asseverando que o Ministério Público
brasileiro “desenvolveu-se sob a influência do novo e do velho mundo”, sendo da
“simbiose que vem sua força”.105
Ressalta-se por fim, que diante complexidade do órgão em
questão, bem como a extensão de sua área de atuação, que “hoje abrange áreas
da mais alta relevância social”106, importante se faz, para que se tenha uma mais
precisa compreensão da instituição, uma análise de seus objetivos institucionais,
bem como dos princípios que norteiam a instituição.
2.1.2 OBJETIVOS INSTITUCIONAIS
Conforme já cogitado, os objetivos institucionais do
Ministério Público são extraídos do caput do artigo 127 da CRFB/88, mais
precisamente da parte final.
O Ministério Público tem por objetivos institucionais: o zelo
pela ordem jurídica; pelo regime democrático; e pelos interesses sociais e
individuais indisponíveis.
Em atenção à incumbência de defender a ordem jurídica, o
Ministério Público tem a obrigação de zelar pelo devido cumprimento da lei. É,
inclusive, em função desta incumbência que o Ministério Público ficou
consagradamente conhecido como “instituição fiscal da lei”.
Ressalta-se, no entanto, que embora deva o Ministério
Público zelar pelo estrito cumprimento da lei, em função de suas demais
atribuições constitucionais, não está a instituição obrigada a zelar pelo
105 SLAIBI FILHO, Nagib, 1994. apud MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.578. 106 Ferraz e Guimarães Junior. A necessária elaboração de uma nova doutrina de Ministério Público, compatível com seu atual perfil constitucional. in Ministério Público – instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999. p. 18.
39
cumprimento de toda e qualquer lei que esteja em vigor no País. Senão vejamos
o que ensina Mazzilli107:
O texto constitucional menciona a defesa da ordem jurídica como um dos objetivos da atuação do Ministério Público. Isso não significa, entretanto, que essa instituição deva zelar pelo cumprimento de cada uma das leis do País, mas sim daquelas que se insiram dentro das finalidades gerais da instituição.
Há muito consagrado como instituição fiscal da lei, a destinação constitucional do Ministério Público deve ser compreendida à luz dos demais dispositivos da lei maior que disciplinam sua atividade, e, em especial, à luz de sua finalidade de zelar pelos interesses sociais, pelos interesses individuais indisponíveis e pelo bem geral.
Com base nas lições do doutrinador constata-se que, em
atenção seus outros objetivos institucionais, em especial, a defesa do interesse
social, deve o Ministério Público zelar pelo cumprimento das leis que se mostrem
compatíveis com o bem geral da coletividade.
No que tange à defesa do regime democrático, ao tratar do
assunto Paes108, inicialmente faz algumas considerações acerca do regime
democrático, afirmando, com base nos ensinamentos de Bobbio, que “na teoria
da democracia correm três tradições históricas: a teoria aristotélica, a teoria
medieval e a teoria moderna” e que, independente da teoria em que se pautar um
Estado democrático, o certo é que este sempre estará voltado à soberania
popular. Desta forma, afirma o doutrinador que sempre que a soberania do povo
se ver ameaçada, competirá ao Ministério Público, “como verdadeiro defensor da
democracia” atuar para por fim a tal ameaça.
107 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 110-111.
108 PAES, José Eduardo Sabo. O Ministério Público na construção do Estado democrático de direito. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 278-280.
40
Ainda a respeito do assunto, é válido transcrever alguns
exemplos de medidas que Ministério Público deve adotar para tornar efetivo o seu
encargo de defender o regime democrático colhidos da obra de Mazzilli109.
(...) a iniciativa de propor mandado de injunção, quando a falta de norma reguladora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e cidadania, como a falta de regulamentação da participação popular nas decisões políticas, quer pelo plebiscito, quer pelo referendo, quer pela iniciativa do processo legislativo; necessário é que proponha ações diretas de inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva a norma constitucional; preciso é que intervenha fiscalização de todo o processo eleitoral, bem como nas hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos, e no zelo do livre funcionamento dos partidos políticos.
Por fim, ressalta-se que, segundo Mazzilli110, é um engano
acreditar que exista “uma relação necessária ou uma natureza íntima comum
entre Ministério Público e a democracia”. Pondera o autor que isto não é verdade,
haja vista o fato de que qualquer Estado, democrático ou não, pode se valer do
Ministério Público. Entretanto, para o doutrinador, há uma estreita ligação entre
democracia e “um Ministério Público forte e independente”, pois somente uma
instituição dotada destes atributos poderá se opor às arbitrariedades que por
ventura venha o governo adotar.
Concernente ao mister de defender os interesses sociais e
individuais indisponíveis, Mazzilli111 protesta que este está intimamente
relacionado à defesa do regime democrático, “pois é justamente nas questões
que digam respeito a interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como a
interesses difusos ou coletivos, que o Ministério Público comparece na defesa de
relevantes valores democráticos”.
109 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 113. 110 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 111. 111MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 113.
41
Segundo Sauwen Filho112, tendo em vista este último
objetivo institucional “o objeto da proteção do Ministério Público comporta três
hipóteses distintas”:
• impedir a disposição de um interesse considerado absolutamente indisponível pela lei;
• zelar para que, nos casos de interesses relativamente indisponíveis, a disposição sobre eles se opere conforme as exigências contidas na lei;
• zelar pela prevalência do bem comum, nas hipóteses onde, inexistindo qualquer indisponibilidade do interesse questionado, esteja manifesta a presença do interesse da coletividade na solução do problema.
Salienta ainda o doutrinador, que se identificam com a
primeira hipótese as atuações que visem ao “zelo pelo direito à vida humana, à
liberdade do cidadão, à sua saúde e integridade física”. Com a segunda hipótese,
“a defesa de interesses de incapazes, configurada na fiscalização da alienação de
bens a eles pertencentes para assegurar as cautelas previstas na lei para essas
alienações. Já com a terceira hipótese, embora mais difícil de auferir identificação,
haja vista que “implica a utilização de critério subjetivos do órgão do Ministério
Público”, encaixam-se com a terceira hipótese a “defesa de interesses individuais
homogêneos, frente à extraordinária dispersão dos lesados, ou a tomada de
medidas necessárias ao funcionamento de todo o sistema econômico, social ou
jurídico”.113
Por derradeiro, pontifica-se que ao tratar do Ministério
Público o constituinte previu princípios institucionais, sobre os quais a instituição
se pautará para que logre êxito em seus objetivos. É de tais princípios que o
tópico abaixo se ocupará.
112 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 206. 113 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 206-207.
42
2.1.3 PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS
De acordo com o parágrafo 1º do art. 127, da CRFB/88, o
Ministério Público possui por princípios institucionais a unidade; indivisibilidade; e
independência funcional.
A respeito do princípio da unidade, preleciona Moraes114:
A unidade é o princípio segundo o qual o Ministério Público, no ordenamento constitucional, se apresenta como um só órgão, com uma só chefia que significa que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção única de um só Procurador-geral, ressalvando-se, porém que só existe unidade dentro de cada Ministério Público, inexistindo entre o Ministério Público Federal e dos Estados, nem entre o de um Estado e o de outro, nem entre diversos ramos do Ministério Público da União.
Assim também entende Mazzilli115, e, em função disto,
afirma que na verdade a “unidade” do Ministério Público é “mais conceitual do que
efetiva”.
Quanto ao princípio da indivisibilidade, discorre Sauwen
Filho116:
No que respeita à indivisibilidade, podemos afirmar ser o princípio segundo o qual os membros do Ministério Público de qualquer de seus segmentos elencados no mencionado art. 128 da Carta Magna podem, observada a forma prescrita em lei, ser substituídos uns pelos outros, dentro das respectivas instituições, sem prejuízos para as funções.
Desta forma, afirmar que o Ministério Público é um órgão
indivisível significa dizer que quem figura nos processo é o Ministério Público e
não o Promotor de Justiça “A” ou o Promotor de justiça “B”, podendo muito bem,
114 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 581. 115 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 116. 116 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 210.
43
em função disto, o Promotor de Justiça “A” substituir em um processo o Promotor
de Justiça “B” sem qualquer alteração no pólo ativo da ação, quando o Ministério
Público estiver promovendo a ação, observadas as prescrições legais para tanto.
No tocante ao princípio da independência, este princípio
significa que “o órgão do Ministério Público é independente no exercício de suas
funções, não ficando sujeito às ordens de quem quer que seja somente devendo
prestar contas de seus atos à constituição às leis e à sua consciência”117.
Em função deste princípio pode-se afirmar que a hierarquia
existente dentro do Ministério Público possui cunho apenas administrativo, não
podendo um superior hierárquico interferir na atuação funcional de um agente do
Ministério Público. Nesse norte, as lições de Moraes118:
No direito constitucional pátrio, só se concebe no Ministério Público uma hierarquia no sentido administrativo, pela chefia do Procurador-Geral da instituição, nunca de índole funcional.
Destaca-se que, conforme já foi visto, em virtude do
princípio da indivisibilidade, o Promotor de Justiça “A”, pode substituir o Promotor
de Justiça “B”. Em função do princípio da independência ao substituir o Promotor
de Justiça “B”, o Promotor de Justiça “A” possui plena liberdade para atuar no
processo da forma que melhor compreender, não estando vinculado à atuação,
até então, procedida por aquele. Pode, por exemplo, “A” pleitear, pela
condenação no crime de lesão corporal, num processo cujo “B” ofereceu denuncia
por tentativa de homicídio. Assim entende Paes119, que afirma “o promotor que
substitui outro no transcorrer de um processo não fica vinculado ao parecer do
antecessor”.
117 RTJ 147/142 apud MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 582. 118 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 582. 119 PAES, José Eduardo Sabo. O Ministério Público na construção do Estado democrático de direito. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 272.
44
Ressalta-se ainda, que nos termos das lições de Mazzilli120,
a independência do Ministério Público não é absoluta, estando ela limitada pelo
próprio ordenamento constitucional. Salienta o doutrinador: “não fosse assim, sob
o manto da liberdade e da independência funcional, o Promotor ou Juiz poderiam
arbitrariamente negar cumprimento à própria Constituição Federal que é o
fundamento não só da ordem jurídica como até mesmo de suas investiduras”.
Salienta-se também que o princípio da independência,
conforme assevera Mazzilli121, é “uma das principais garantias da instituição”,
pois, como já registrado, somente um órgão dotado de independência funcional
pode zelar de forma satisfatória, opondo-se ao governo, se preciso, pelo bem
estar social.
Por fim, registra-se que de nada adiantaria assegurar a
independência institucional ao Ministério Público se não fosse dado aos seus
membros garantias que lhe assegurassem o livre exercício de suas funções.
Pergunta-se: como poderia atuar com liberdade em prol da
justiça e do bem estar social, se opondo, muitas vezes, a atos dos poderes do
Estado, ou, até mesmo, contrariando as orientações de seus próprios superiores
hierárquicos, se o indivíduo estivesse sujeito a exoneração ou remoção ou
redução em seus subsídios de forma arbitrária?
Atento a isso, o constituinte assegurou aos membros do
Ministério Público garantias para que possam trabalhar de forma independente,
livres de pressões externas.
2.1.4 GARANTIAS DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
As garantias dos membros do Ministério estão
constitucionalmente previstas nas alíneas do inciso I, do parágrafo 5º, do artigo
120 MAZZILLI, Hugo Nigro, 1995. apud PAES, José Eduardo Sabo. O Ministério Público na construção do Estado democrático de direito. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 274. 121 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 117.
45
128, e são as seguintes:a) vitaliciedade; b) inamovibilidade; c) irredutibilidade de
subsídios.
Como se pode observar, nossa atual Constituição assegurou
aos membros do Ministério Público as mesmas garantias que já eram inerentes
aos membros do poder Judiciário.
No tocante à garantia de vitaliciedade, destaca-se que o
membro do Ministério Público só adquire esta garantia após aprovação em
estágio probatório, no qual a conduta e a atividade funcional dos membros do
Ministério Público serão constantemente avaliadas pela Corregedoria-Geral, se
estendendo, regra geral, pelo período de dois anos.
Obtida a vitaliciedade o membro do Ministério Público só
perderá o cargo, mediante sentença judicial transitada em julgado.
Salienta-se que a sentença transitada em julgado, do qual a
constituição faz menção, deverá ser proferida em ação civil própria, nos termos do
art. 38, parágrafo 1º, da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público Nacional)
e do artigo 208, parágrafo único da Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica co
Ministério Público da União), muito embora existam doutrinadores que entendam
que a perda do cargo possa advir de sentença penal condenatória.122
Registra-se ainda, que, conforme lembra Mazzilli123, com
advento de nossa atual Constituição, “não mais se admite a perda do cargo de
membro vitalício em decorrência de mera decisão administrativa interna corporis”,
sendo que esta só será aplicável “aos membros da instituição que ainda não
tenham adquirido vitaliciedade, ou seja, para os que tenham menos de dois anos
de exercício.
122 Nesse sentido: Mazzilli, que afirma: “Não tem procedência o argumento de que, a perda de cargo de membro do Ministério Público ou do Poder Judiciário, somente poderia proceder por ação própria: também como efeito de sentença condenatória criminal, é possível decretar-se a perda de cargo”. In: MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público, 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 263. 123 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 261.
46
No que diz respeito à garantia de inamovibilidade, esta
garantia assegura ao membro do Ministério Público o direito de só ser removido
ou, até mesmo, promovido, por iniciativa própria, nunca por determinação de
ofício, excetuada a existência de motivado interesse público, hipótese em que a
remoção do membro do Ministério Público será auferida “mediante decisão do
órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta
de seus membros, assegurada ampla defesa”124.
Quanto à garantia de irredutibilidade de subsídios, esta tem
por finalidade assegurar ao Membro do Ministério Público o exercício livre e
efetivo de suas funções, não podendo ser sua remuneração reduzida como forma
de pressioná-lo.
Embora a irredutibilidade de subsídios seja um corolário do
princípio institucional da independência, conforme lembra Mazzilli125, tal garantia
“deixou de ser predicamento da Magistratura ou Ministério Público e agora a
irredutibilidade de vencimentos estende-se de forma indistinta a todos os
servidores civis ou militares”.
É válido lembrar que esta garantia tem sido alvo de
ferrenhas críticas pela doutrina. A crítica concerne o fato de que nossos Tribunais
Superiores têm compreendido que a norma constitucional diz respeito a
irredutibilidade jurídica e não a irredutibilidade real. Em outras palavras, têm os
Tribunais Superiores compreendido que para que a norma constitucional seja
respeitada, basta que não exista redução nominal do subsídio, não configurando
redução salarial e, desta forma, não afrontando o texto constitucional, a
concessão de aumentos do subsídios inferiores aos níveis inflacionários. 126
Em razão disto, ousa Mazzilli127 em asseverar:
124 CRFB/88: art. 128, § 5º, I, “b”, parte final. 125 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 321. 126 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 484. 127 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 275.
47
A garantia de irredutibilidade remuneratória tem sido, porém, pura falácia. Num país como o nosso, onde anos a fio veio predominando o total descontrole do governo sobre a inflação, este flagelo costumou reduzir a nada a suposta irredutibilidade, já que nossos tribunais, até o mais alto deles, erroneamente encampando tese da Suprema Corte norte-americana (em cujo país a inflação não desorganiza na mesma proporção a respectiva economia), têm-se recusado reconhecer que dita irredutibilidade seja real (isto é, com direito à atualização monetária).
Controvérsias à parte, a irredutibilidade de subsídios é uma
importante garantia constitucionalmente assegurada aos membros do Ministério
Público e essencial ao princípio institucional da independência, pois conforme
pondera Moraes128 ao relembrar os ensinamentos de Alexander Hamilton na obra
O federalista, “mexer na subsistência é mexer na vontade”.
2.1.5 FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Como é cediço, o Ministério público tem por objetivos
institucionais “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis”.
Não somente os objetivos institucionais, como também às
principais funções que o Ministério Público deve exercer na busca da efetividade
destes estão previstos em nossa Constituição, mais precisamente, nos incisos do
artigo 129. Segue a transcrição:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
128 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 485.
48
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
A respeito das funções institucionais do Ministério Público,
Moraes129 afirma que o rol elencado no art. 129 da CRFB/88 é apenas
exemplificativo, contendo nele apenas as funções ministeriais de maior
relevância, podendo o Ministério Público, exercer, nos termos do inciso “IX” do
dispositivo legal supracitado, outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com a sua finalidade institucional. Tanto é verdade que a própria Lei
8.9625/93, (Lei Orgânica do Ministério Público), nos incisos de seu art. 25,
estabelece outras funções ao Ministério Público, como por exemplo: a propositura
de ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou
municipais, em face à Constituição Estadual (inciso I); a promoção da
representação de inconstitucionalidade para efeito de intervenção do Estado nos
Municípios (inciso II); o exercício da fiscalização dos estabelecimentos prisionais
e dos que abriguem idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de
deficiência (inciso VI); o ingresso em juízo, de ofício, para responsabilizar os
gestores do dinheiro público condenados por tribunais e conselhos de contas
(inciso VIII); entre outras.
Ressalta ainda Moraes130, que outras funções podem ser
previstas em nível estadual, “seja pelas Constituições Estaduais, seja pelas
diversas leis complementares dos Estados-membros”, mas jamais pela esfera
municipal, sequer, no que diz respeito à participação da instituição em Conselhos
Municipais.
129 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 584-585 130 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 585
49
Registra-se que, de conformidade com o parágrafo 2º do
artigo 129 da CFRB/88131, as funções do Ministério Público só podem ser
exercidas, exclusivamente, por membros que integrem suas carreiras.
Considerando isso, Mazzilli132 lembra que, com advento da
Constituição atual, “fez-se derrogada” a legislação processual penal e a legislação
extravagante, no que tange à permissão que conferiam ao Juiz ou ao Delegado o
procedimento penal de ofício, tendo em vista que a promoção da ação penal é
função privativa do Ministério Público, bem como concernente à permissão ao
Juiz que designasse promotor ad hoc, na falta ou impedimento do membro do
Ministério Público.
É oportuno salientar também, que, em que pese a vedação
constante no parágrafo 2º, nem todas as funções atribuídas ao Ministério Público
no art. 129 são de titularidade exclusiva da instituição, podendo ser exercidas por
outros órgãos. Para exemplificar estas afirmações, cita-se a propositura da ação
civil pública (art. 129, inciso III, da CFRB/88) que pode ser promovida por todas as
pessoas previstas no art. 5º da Lei da ação civil pública.
Destaca-se por derradeiro que, embora não prevista de
forma expressa em nossa constituição como função, tendo em vista tratarem-se
as questões relativas ao direito do consumidor de “matérias ordem pública e
interesse social”, nos termos do art. 1º do CDC133, é também atribuição do
Ministério Público atuar em questões relativas à relação de consumo, seja na
defesa do consumidor, ou tão somente como um fiscal da lei. O tópico posterior
presta-se justamente a analisar esta atuação.
131 CRFB/88: Art. 129 (...) § 2º As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição. 132 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 310. 133 CDC: Art. 1º O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.
50
2.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A RELAÇÃO DE CONSUMO
Inicialmente, destaca-se que a Constituição de 1988, foi à
primeira da história brasileira a se ocupar, também, da proteção dos
consumidores.
Ressalta-se que a tutela do consumidor está
constitucionalmente prevista no artigo 5º, XXXII, que dispõe que “o Estado
promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, no art. 170, que prevê como
princípio a ser observado na manutenção da ordem econômica, dentre outros, “a
defesa do consumidor”, bem como a previsão constante no art. 48 dos atos das
disposições transitórias, que atribuiu o encargo ao Congresso Nacional de, em
cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborar uma codificação de
defesa do consumidor.
O desenvolvimento da sociedade de consumo, com seu
sistema de produção e de distribuição em massa, na qual a “ganância econômica”
deixa o consumidor cada vez mais a mercê das grandes empresas fornecedores
foi, segundo Oliveira134, fator que desencadeou, nas últimas décadas, o
desenvolvimento da política de proteção ao consumidor.
Visando à manutenção do equilíbrio que deve existir em
toda relação contratual, inclusive na relação de consumo, o Estado passa a
intervir cada vez mais nesta.
Intervenção essa que consiste, dentre outras medidas, na
fiscalização e controle de certos negócios, fixação de quotas e preços mínimos,
controle judicial e administrativo de cláusulas abusivas a concessão de
legitimidade para associações e outros órgãos ingressarem com ações coletivas
134 OLIVEIRA, Patrícia Pimentel, “A efetividade da tutela jurídica do consumidor através da atuação do Ministério Público” in Revista dos Tribunais. n. 779. São Paulo: Revista dos Tribunais. set/00, p.143.
51
e, notadamente, a expressa previsão de atuação do Ministério Público quando
esta se mostrar conveniente. 135
Conforme afirma a Doutrinadora supra, a atuação do
Ministério Público é uma das formas de intervenção estatal que visa assegurar o
equilíbrio entre as partes na relação de consumo.
Concernente a atuação do Ministério Público na defesa do
consumidor, de início destaca-se que o inciso II do art. 5º do CDC elenca o
Ministério Público como um dos instrumentos de execução da “Política Nacional
das Relações de Consumo”, prevendo “a instituição de Promotorias de Justiça de
Defesa do Consumidor”.
Já no artigo 51, parágrafo 4º, é possível encontrar a
possibilidade do Ministério Público, a requerimento do consumidor, ou entidade
que o represente, ajuizar ação para ser declarada a nulidade de cláusula
contratual abusiva.
Registram-se também os artigos 82, I, e 91 do CDC, que
prevêem a legitimidade do Ministério Público, dentre outras instituições, para a
promoção de procedimentos destinados a defesa dos interesses difusos, coletivos
e individuais homogêneos, muito embora exista controvérsia na doutrina e
jurisprudência quanto à legitimidade da instituição na defesa destes interesses.
Destaca-se ainda, o artigo 92, que dispõem que quando o
Ministério Público não ajuizar a ação coletiva em defesa dos interesses individuais
homogêneos, deverá atuar sempre, como fiscal da lei.
De conformidade com os ensinamentos de Filomeno136, a
atuação do Ministério Público na defesa do consumidor poderá alcançar tanto o
“plano individual” quanto o “coletivo”.
135 OLIVEIRA, Patrícia Pimentel, “A efetividade da tutela jurídica do consumidor através da atuação do Ministério Público” in Revista dos Tribunais. n. 779. São Paulo: Revista dos Tribunais. set/2000, p.143.
52
Segundo o Doutrinador, a atuação do Ministério Público no
“plano individual” será feita “nos locais onde não haja PROCONs ou outros órgãos
oficiais de proteção ou defesa do consumidor, ou então Juizados Especiais de
Conciliação ou de Pequenas Causas, ou ainda quando haja promotores de justiça
designados ao atendimento ao público. Essa atuação será predominantemente de
natureza administrativa e consistira em: tentativa de resolução de queixas,
encaminhamento de reclamações aos órgãos de fiscalização da Administração
Pública, orientação aos consumidores entre outras.137
Já no que tange a atuação no “plano coletivo”,
Filomeno138assevera que atuação do Ministério Público consiste na instauração
de inquéritos civis com vista à apuração de denuncias que possam exigir a
propositura de ações civis públicas ou ações coletivas, bem como o ajuizamento
destas ações. Salienta o doutrinador que a atuação dos Promotores de Justiça,
no plano coletivo, tem priorizado os seguintes temas:
saúde do consumidor em face de produtos e serviços nocivos ou perigosos, segurança igualmente contra riscos que possam oferecer bens de consumo duráveis à incolumidade física do consumidor ou terceiros (um automóvel com graves defeitos no sistema de freios, por exemplo), qualidade de produtos e serviços, no caso relativamente aos chamados ‘vícios redibitórios’, que tornam a coisa ou o serviço impróprios aos fins a que se destinam, publicidade enganosa ou abusiva, quantidade apregoada de produtos, por exemplo, mas não cumprida pelo fornecedor, e clausulas abusivas em contratos de adesão, já se tendo propostas diversas ações a respeito.
É válido lembrar ainda, que ao Ministério Público incumbe a
promoção da persecução penal pela prática dos crimes contra a relação de
consumo, previstos no título II do CDC. 136 FILOMENO, José Geraldo de Brito in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 96-97. 137 FILOMENO, José Geraldo de Brito in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 96 138 FILOMENO, José Geraldo de Brito in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 97
53
Pondera-se que, por força do art. 113, do CDC, que incluiu,
entre outros parágrafos, o parágrafo 5º ao artigo 5º da Lei 7.347/85 (Lei da ação
civil pública), pode existir um litisconsórcio facultativo entre o Ministério Público
Federal e outros Ministérios Públicos dos Estados e Distrito Federal e Territórios,
circunstância esta, que conforme lembra Filomeno139, ”já foi vivenciada na prática
em ação civil pública movida me face da antiga COBAL, INTERBRÁS e a própria
União Federal, com o fito de evitar-se a distribuição de partidas de leite importado
da Europa após o acidente nuclear de Chernobyl e que inspirou o referido
dispositivo”.
Por fim tendo em vista suas atribuições constitucionais, bem
como a qualificação profissional de seus membros, o Ministério Público, dentre os
demais legitimados, é a instituição mais bem estruturada para a promoção da
defesa do consumidor em nível judicial. Conforme afirma Almeida140, “há,
verdadeiramente, uma vocação natural para o mister, o que explica o grande
volume de ações propostas pelo parquet sobre a matéria”.
2.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS DO CONSUMIDOR
De conformidade com o artigo 91 do CDC, que dispõe que
têm legitimidade para a promoção da ação coletiva para a defesa dos interesses
individuais homogêneos do consumidor as pessoas constantes nos incisos do art.
82 do CDC, o Ministério Público é instituição legítima para a defesa destes
interesses.
Em que pese a clareza extraída de tal dispositivo legal, a
atuação ministerial na defesa dos interesses individuais homogêneos do
consumidor tem sido alvo de calorosas discussões, na doutrina e na
jurisprudência pátria ao longo dos anos.
139 FILOMENO, José Geraldo de Brito in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 100. 140 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 4. ed. São Paulo, Saraiva. 2003, p. 262.
54
Destaca-se que, tão logo foi promulgado o CDC, com suas
inovações no âmbito da tutela jurisdicional coletiva, e o disposto em seu artigo 91,
no que diz respeito à autorização do Ministério Público em defesa do consumidor,
foi atacado por vários juristas.
Sustentam aqueles que contrariamente à legitimação do
Ministério Público se posicionam, que a defesa dos interesses individuais
homogêneos é incompatível com os objetivos da instituição e contraria o texto
constitucional, tendo em vista que o artigo 127 da Lei Maior, dispõe que o
Ministério Público somente se prestará à defesa de interesses individuais quando
indisponíveis, o que não seria o caso dos interesses individuais homogêneos do
consumidor, que são individuais em sua essência e disponíveis. Também pelo
fato de que o artigo 129 da Constituição, que trata das funções institucionais do
Ministério Público, ao tratar da ação civil pública (inciso III), dispõe que, ao
Ministério Público, incumbe promover a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos, não fazendo qualquer menção à defesa de interesses individuais
homogêneos.
Estes argumentos foram defendidos com força na década de
noventa tendo sido, inclusive, encampados por diversos tribunais de nosso país.
Seguem abaixo alguns julgados para ilustrar tal afirmação:
Do Tribunal de Justiça de Santa Catarina 141 142:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DESENCADEADA PELO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ESTABELECIMENTO PARTICULAR DE ENSINO. AUMENTO DE MENSALIDADE ESCOLAR. DIREITO DISPONÍVEL. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM RECONHECIDA. PRELIMINAR ACATADA.
(...)
141 Doravante também chamado de TJSC. 142 TJSC: Apelação Cível N. 97.015515-8. Relator: Desembargador Carlos Prudêncio. Data do Julgamento 22/09/1998.
55
Como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, ao Ministério Público, nos termos da Constituição Federal, compete a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), conferindo-lhe o art. 129, agora acrescido pela dicção do art. 81, incisos I e III, da Lei n. 8.078/90 (Código do Consumidor), legitimidade para promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
(...)
Não se tratando de interesses difusos ou coletivos, mas sim de interesses individuais de um grupo específico de estudantes de entidades educacionais, o Ministério Público não tem legitimidade para promover ação civil pública. No caso de supostos aumentos abusivos de mensalidades escolares, não se está frente a interesses difusos e coletivos, mas de um grupo de alunos, de determinados colégios particulares, cujos interesses são homogêneos no que tange à sua origem comum, entretanto, nada têm de transindividuais e indivisíveis, o que afasta, por completo, a legitimidade do Ministério Público para propor a ação civil pública. (...)
Do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul143 144:
AÇÃO CIVIL PUBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SERVICO DE PROTEÇÃO AO CREDITO (SPC). DEMANDA AJUIZADA COM O PROPÓSITO DE CANCELAR INFORMAÇÕES NEGATIVAS (LEI N-8078/90, ART-43, PAR-1). INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DISPONÍVEIS. O MINISTÉRIO PÚBLICO E PARTE ATIVA ILEGITIMA PARA, MEDIANTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA, BUSCAR TUTELA JURÍDICA PARA INTERESSES INDIVIDUAIS DISPONÍVEIS, HOMOGÊNEOS OU NAO, NOS TERMOS DA CARTA POLITICA (CF-88, ART-127, CAPUT, E 129, INC-III). PRELIMINAR ACOLHIDA E PROCESSO EXTINTO
E o STJ145:
143 Doravante Também denominado TJRS. 144 TJRS: Apelação Cível N. 59300266-0, Primeira Câmara Cível, Relator: Desembargador Araken de Assis, Julgado em 16/03/1993. 145 STJ: Recurso Especial N. 1994/0025927-1. Primeira Turma. Relator: Ministro GARCIA VIEIRA. Data do Julgamento: 05/09/1994.
56
AÇÃO CIVIL PUBLICA - VALES TRANSPORTE - DEFESA DE UM GRUPO DE ALUNOS- ILEGITIMIDADE DO MINISTERIO PUBLICO. A DEFESA, A TITULO COLETIVO, SO SERA EXERCIDA QUANDO SE TRATAR DE DIREITOS DIFUSOS OU "INTERESSES OU DIREITOS COLETIVOS". NÃO SE TRATANDO DE DIREITO DIFUSO E SIM DE DEFESA DE UM GRUPO DE ALUNOS AFASTA-SE A LEGITIMIDADE DO MINISTERIO PUBLICO.
(...). A este compete a relevante missão de proteger o patrimônio público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos (CF, artigo 129, inciso III). Como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais e indisponíveis” (Lei n. 8.625/93, artigo 1º, caput). Na espécie não estão sendo defendidos o patrimônio público e social, a ordem jurídica, o regime democrático, ou qualquer direito difuso ou coletivo.
Em contrapartida, arrazoam aqueles que defendem a
atuação do Ministério público na defesa destes interesses que muito embora
disponha nossa Constituição, em seu artigo 127, que o Ministério Público
defenderá interesses individuais quando indisponíveis, segundo o próprio artigo, o
parquet deverá agir também em defesa dos interesses sociais, o que justificaria a
atuação ministerial na defesa destes interesses.
Quanto ao fato de não constar no art. 129, III, CRFB/88, a
defesa dos interesses individuais homogêneos, afirmam ser este insuficiente
tendo em vista que, de acordo com o art. 129, inciso IX, da CRFB/88, Ministério
Público pode/deve “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade”, tal argumento seria insuficiente para abster a
legitimidade ministerial para defesa destes interesses. Assim preleciona Nery
Junior146:
O art. 82 do CDC confere legitimidade ao Ministério Público para ajuizar ações coletivas na defesa de direitos difusos coletivos e individuais e homogêneos dos consumidores. Assim agindo, a lei
146 NERY JUNIOR, Nelson apud FERNANDES, Tycho Brahe; GUIMARÃES, Ângela Silva. A legitimidade do Ministério Público na tutela dos interesses ou direitos individuais e homogêneos. In: Novos estudos jurídicos. Ano II – N. 4. UNIVALI, 1996, p. 61.
57
infraconstitucional (CDC) agiu em conformidade com a Constituição Federal, porque a defesa do consumidor, além de garantia fundamental (artigo 5º inciso XXXII, CF), é matéria considerada de interesse social pelo artigo 1º do CDC.
Como é função institucional do Ministério Público a defesa dos interesses sociais (art. 127, caput da CF), essa atribuição dada pelo art. 82 do CDC, obedece ao disposto no art. 129, inciso IX, CF, pois a defesa coletiva do consumidor, no que tange a qualquer espécie de seus direitos (difusos, coletivos, ou individuais homogêneos) é ex vi legis, de interesse social.
(...)
O argumento de que ao Ministério Público não é dada a defesa dos direitos individuais e disponíveis não pode ser acolhida porque em desacordo com o sistema constitucional e do CDC, que dá tratamento de interesse social à defesa coletiva em juízo. O parquet não pode, isto sim, agir na defesa de direito individual puro, por meio de ação individual. Caso o interesse seja homogêneo, sendo defendido coletivamente (CDC art. 81, pár. único, III) essa defesa pode e deve ser feita pelo Ministério Público (CDC, art. 82, I, por autorização da CF, artigo 129, IX e 127 caput).
Também Grinover147:
Assim, foi exatamente a relevância social da tutela coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos que levou o legislador ordinário a conferir ao MP e a outros entes públicos a legitimação para agir nessa modalidade de demanda, mesmo em se tratando de interesses ou direitos disponíveis, em conformidade, aliás, com a própria Constituição, que permite a atribuição de outras funções ao MP, desde que compatíveis com a sua finalidade (art. 129, IX); e a dimensão comunitária das demandas coletivas, qualquer que seja seu objeto, insere-as sem dúvidas na tutela dos interesses sociais referidos no art. 127 da Constituição.
Ademais, lembra a doutrinadora ainda que “a constituição de
1988 é anterior ao CDC, evidentemente não poderia aludir no art. 129, III, à
147 GRINOVER, Ada Pellegrini. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 871.
58
categoria dos interesses individuais homogêneos, que só seria criada pelo
Código”.148
Salienta-se que atualmente o entendimento de que seria
inconstitucional a defesa do Ministério Público dos interesses individuais
homogêneos, resta praticamente superado. Conforme assevera Grinover149 ao
longo dos anos foi se firmando com preponderância, o entendimento de que a
defesa dos interesses individuais homogêneos do consumidor pelo parquet é
constitucional, em especial, após o Supremo Tribunal Federal, em Recurso
Extraordinário de n. 163.233-1/SP, publicado em 29/06/2001, ter acolhido por
unanimidade o voto do relator Ministro Maurício Corrêa, julgado este já citado na
presente obra na citação de n. 64.
Entretanto, um engano seria acreditar que as controvérsias
relativas à legitimidade do Ministério Público na defesa dos interesses individuais
homogêneos restaram extirpadas dos tribunais pátrios.
Salienta-se que embora atualmente prepondere o
entendimento de que o Ministério Público tem legitimidade para a defesa dos
interesses individuais homogêneos, a doutrina e a jurisprudência têm
controvertido sobre quando estaria a instituição legitimada para a defesa destes
interesses, tendo surgido, em virtude desta controvérsia, duas vertentes distintas.
Uma mais abrangente que entende que o Ministério Público sempre terá
legitimidade para defender os interesses individuais homogêneos do consumidor
e outra mais restritiva que entende que o Ministério Público só terá legitimidade
para a defesa destes interesses quando presente o requisito de relevância social
nestes.
Segundo a primeira vertente, o Ministério Público sempre
estará legitimado à defesa dos interesses individuais homogêneos do consumidor,
148 GRINOVER, Ada Pellegrini. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 870. 149 GRINOVER, Ada Pellegrini. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 872
59
pois, tendo em vista que, por se tratarem as questões afetas à relação de
consumo, matéria de ordem pública, o interesse social sempre estará presente na
defesa de todo e qualquer interesse individual homogêneo do consumidor.
Conforme-se se pode observar mediante as citações de n.
41 e 42, são partidários deste entendimento, Grinover e Nery Junior. Cita-se
também Araújo Filho150 que ao tratar do assunto afirma:
Dessa forma, o próprio CDC, amparado em disposições constitucionais peculiares, reconheceu a relevância social das normas de proteção e defesa do consumidor, bastando isso, em princípio, para assegurar a atuação do Ministério Público em prol dos interesses e direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneo do consumidor.
Já de acordo com a segunda vertente, nem todos os
interesses individuais homogêneos do consumidor possuem relevância social, de
sorte que nem todo interesse individual homogêneo será defensível pelo
Ministério Público. Esse é o magistério de Zavascki151:
Não cabe ao Ministério Público, portanto, bater-se em defesa de todos e quaisquer direitos ou interesses individuais, ainda que, por terem origem comum, possam ser classificados homogêneos. Interesses individuais homogêneos não são, necessariamente, interesses sociais. Todavia, quando tais interesses individuais homogêneos, mais que a soma de situações particulares, possam ser qualificados como de interesse comunitário, nos termos acima enunciados, não há dúvida de que o Ministério Público estará legitimado a atuar, porque nessas circunstâncias estará atuando em defesa de interesses sociais.
Também de Watanabe152:
150 ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Comentários ao código de defesa do consumidor- direito processual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 70. 151 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 246. 152 WATANABE, Kazuo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 818.
60
Como já ressaltado, somente a relevância social do bem jurídico
tutelando ou da própria tutela coletiva poderá justificar a
legitimação do Ministério Público para a propositura de ação
coletiva em defesa de interesses privados e individuais
homogêneos.
E de Mazzilli153:
Assim, se a defesa de interesse coletivo ou individual homogêneo convier à coletividade como um todo, deve o Ministério Público assumir sua tutela. Mas nos casos de interesses de pequenos grupos, sem características de indisponibilidade ou sem suficiente expressão ou abrangência social não se justificará a iniciativa ou a intervenção do Ministério Público.
Salienta-se que para os partidários desta vertente, deve
estar presente, em concreto, a efetiva relevância social na defesa dos interesses
individuais homogêneos para que se justifique a atuação ministerial. Relevância
esta que poderá ser auferida, segundo os ensinamentos de Mazzilli154, “a)
conforme a natureza do dano (saúde, segurança e educação públicas); b)
conforme dispersão dos lesados (a abrangência social do dano, sob o aspecto
dos sujeitos atingidos); c) conforme o interesse social no funcionamento de um
sistema econômico, social ou jurídico (previdência social, captação de poupança
popular, questões tributárias etc.)”.
Registra-se que, ao contrário das controvérsias relativas à
constitucionalidade da defesa dos interesses individuais homogêneos do
consumidor pelo Ministério Público, as controvérsias relativas ao Ministério
Público estar sempre ou nem sempre legitimado para defesa dos interesses
individuais homogêneos, está longe de ser extirpada, sendo possível, em função
disto, encontrar, atualmente, tribunais embasando seus julgados tanto em uma
quanto em outra vertente. Senão vejamos os julgados abaixo colacionados: 153 MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 96. 154 MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 97.
61
Aplicando a primeira vertente, segue o julgado do Tribunal
de Justiça de São Paulo155 156:
PROVA - Cerceamento de defesa - Inocorrência - Suficiência dos documentos colacionados aos autos - Julgamento antecipado - Admissibilidade - Preliminar afastada. ILEGITIMIDADE AD CAUSAM e IMPROFRIEDADE DA AÇÃO Inocorrência – Ação Civil Pública - Interesse individual homogêneo - Legitimidade do Ministério Público e cabimento da ação - Informação defeituosa - Ofensa às regras do CDC - Direito indisponível e de relevância social - Artigos 129, III da CF e 81, III do CDC - Preliminares afastadas. CONTRATO Plano de Capitalização "Bem mais fácil" - Oferta enganosa do produto - Ausência de comunicação prévia acerca das cláusulas contratuais - Violação do dever de informação clara e adequada - Artigos 6o, III e IV e 31 do CDC - Obrigação de fazer determinada - Opção de rescisão do contrato, com restituição integral dos valores pagos, mantida - Art. 35, III do CDC - Recurso não provido. (grifos acrescidos)
Também o do TJRS157:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COBRANÇA DE COTA DE PARTICIPAÇÃO VOLUNTÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1.- É legitimado ativo o Ministério Público para a defesa de interesses
individuais homogêneos relativos à relação de consumo, tendo em
vista o caráter social das normas de defesa do consumidor. A
cobrança de cota de participação voluntária para custeio da iluminação pública está sujeito à disciplina do Código de Defesa do Consumidor. 2. Não há falar em nulidade da sentença quando demonstradas as razões do convencimento do julgador. 4.- A instituição disfarçada de taxa de iluminação pública cobrada sob a forma de `cota de participação voluntária - junto com a tarifa de energia elétrica viola as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO. (grifos acrescidos)
E do STJ158:
155 Doravante também denominado TJSP. 156 TJSP: AC n. 7175886000. Relator: Desembargador Rubens Cury. Data do Julgamento: 30/06/2008. 157 TJRS: AC. Nº 70003290582, Relator: Desembargado Arno Werlang. Julgado em 08/10/2003
62
PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SEGURO OBRIGATÓRIO DE DANOS PESSOAIS -DPVAT. DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAIS CONFIGURADOS.
- O Ministério Público tem legitimidade processual extraordinária para, em substituição às vítimas de acidentes, pleitear o ressarcimento de indenizações devidas pelo sistema do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais – DPVAT, mas pagas a menor. - A alegada origem comum a violar direitos pertencentes a um número determinado de pessoas, ligadas por esta circunstância de fato, revela o caráter homogêneo dos interesses individuais em jogo. Inteligência do art. 81, CDC. - Os interesses individuais homogêneos são considerados relevantes por si mesmos, sendo desnecessária a comprovação desta relevância. Precedentes. - Pedido, ademais, cumulado com o de ressarcimento de danos morais coletivos, figura que, em cognição sumária não exauriente, revela a pretensão a tutela de direito difuso em relação à qual o Ministério Público tem notórios interesse e legitimidade processual. Recurso Especial conhecido e provido. (grifos acrescidos)
Aplicando a segunda vertente, colhe-se do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais159:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PARA APRECIAÇÃO DO MÉRITO. - Tratando-se de direitos individuais homogêneos de grande relevância social, possui legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública em defesa de tais direitos o Ministério Público. - O Ministério Público tem legitimidade para, na condição de substituto processual, interpor ação, no interesse de direitos individuais homogêneos, na hipótese em que tais direitos estejam inseridos em determinada relação de consumo. - Aplicação dos artigo 81 c/c o artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor. - Apelação provida. (grifos acrescidos)
158 STJ: Recurso Especial 797963/GO. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Data do Julgamento 07/02/2008. 159 TJMG:AC n. 2.0000.00.420204-2. Relator: Desembargador: Pereira da Silva Data do Julgamento: 08/11/2005.
63
Do Tribunal de Justiça de Santa Catarina160:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. OPTOMETRISTAS. EXAMES DE ACUIDADE VISUAL E ATIVIDADES CORRELATAS. ATOS EXCLUSIVOS DO ESPECIALISTA MÉDICO. 1. O Ministério Público desfruta de indiscutível legitimidade para propor ação civil pública voltada à proteção da saúde e integridade física dos consumidores. 2. Encontrando-se vigentes os Decretos nos 20.931/32 e 24.492/34, resulta certo que a prescrição, indicação ou aconselhamento de lentes de grau é ato exclusivamente médico. (grifos acrescidos)
Feitas as considerações necessárias acerca da instituição
que possui por finalidade primordial a defesa do melhor interesse da coletividade,
bem como dos pontos controvertidos de sua atuação na defesa dos interesses
individuais homogêneos do consumidor, passa-se ao terceiro capítulo, no qual
será analisada de forma ampla e detalhada a sistemática da ação coletiva em
defesa dos interesses individuais homogêneos do consumidor, o tema que intitula
o presente trabalho.
160 TJSC: Apelação Cível N. 2003.006214-9. Relator: Desembargador Newton Janke. Data da Decisão: 30/03/2006.
64
CAPÍTULO 3
DA AÇÃO COLETIVA PARA DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DO CONSUMIDOR
3.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
DAS AÇÕES COLETIVAS PARA DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS
Conforme já visto, a Ação Coletiva para defesa de
interesses individuais homogêneos é uma inovação introduzida pelo Código de
Defesa do Consumidor e é considerada, pela doutrina majoritária, um grande
avanço no campo da tutela jurisdicional coletiva.
Sendo o objeto de estudo do presente trabalho, ora a Ação
Coletiva será amplamente esmiuçada, o que se faz, de início, mediante o estudo
de questões relativas ao seu processo de conhecimento, o que é de suma
importância para que se melhor compreenda a singular sistemática desta
modalidade de ação.
3.1.1 DA LEGITIMIDADE ATIVA PARA DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS DO CONSUMIDOR
A legitimidade ativa para a defesa dos interesses individuais
homogêneos do consumidor é tratada pelo art. 91 do CDC, que prevê:
Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes.
65
Em assim sendo, analisando o referido artigo conjuntamente
com o art. 82 do CDC, constata-se que são legitimados, de forma concorrente,
para a defesa dos interesses individuais homogêneos do consumidor: a) o
Ministério Público; b) a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; c)
as entidades e órgãos da Administração Pública destinados à defesa do
consumidor; d) as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e
que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos
protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.
No que diz respeito ao assunto, ressalta-se que a
legitimidade para Ação Coletiva em comento é concorrente e disjuntiva. Ao tratar
do assunto, afirma Leonel161: “Sendo a legitimidade concedida a vários entes, é
concorrente. Disjuntiva porque qualquer um dos legitimados pode atuar em juízo
sem necessariamente contar com a participação do outro habilitado”.
Ressalta-se ainda que a legitimidade ativa concedida a
estas pessoas possui natureza extraordinária, não só pelo fato de estarem
litigando “em nome próprio no interesse alheio”, mas também porque, nas
palavras de Grinover162, “na hipótese, os legitimados à ação não vão a juízo em
defesa dos seus interesses institucionais, como pode ocorrer nas ações em
defesa dos interesses difusos ou coletivos, mas sim exatamente para a proteção
de direitos pessoais, individualizados nas vítimas dos danos”.
Feitas algumas considerações acerca da legitimidade ativa
para a propositura da ação coletiva em defesa dos interesses individuais
homogêneos do consumidor, passa-se algumas considerações acerca da atuação
de cada um dos legitimados na defesa dos interesses individuais homogêneos do
consumidor.
161 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 162. 162 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 869.
66
3.1.1.1 O Ministério Público
A legitimidade do Ministério Público em defesa dessa
modalidade de interesses, esta prevista no art. 82, I, do CDC.
No que tange à legitimidade deste órgão, conforme já visto
no título 2.3., do presente trabalho, algumas controvérsias cingem-se a respeito
de tal legitimidade, sendo possível inclusive, encontrar julgados nos tribunais
pátrios nos quais se adotam posicionamentos contrários à defesa destes
interesses pelo parquet, muito embora, diga-se de passagem, tal entendimento
reste praticamente superado.
Ainda assim, conforme já cogitado, alguns juristas
entendem que o Ministério Público só estaria legitimado para defender os
interesses individuais homogêneos do consumidor que demonstrasse socialmente
relevantes, seja pela extensão do dano causado (número de pessoas atingidas
pela lesão), seja pela natureza jurídica do bem lesado (saúde, educação),
enquanto outros entendem que por se tratarem as normas do direito do
consumidor matéria de ordem pública e interesse social, a relevância social
destes interesses é presumida, sendo o Ministério Público indiscutivelmente
legitimado para defesa dos interesses individuais homogêneos, estando, destarte,
as controvérsias a respeito do assunto, longe de serem extirpadas de nosso
ordenamento jurídico.
3.1.1.2 Os entes da federação
Do art. 82, II, do CDC extrai-se a legitimidade da União, dos
Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
A respeito dessa, é válido salientar, que embora trabalhados
de forma conjunta, temos aqui, quatro entes distintos que estarão, de acordo com
os ensinamentos Watanabe163, legitimados de forma concorrente e disjuntiva
163 WATANABE, Kazuou, In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 821.
67
sempre que os consumidores lesados possuam vinculação com eles. Segue a
transcrição das lições do doutrinador:
Se nenhum nexo mantêm, porque os consumidores pertencem a outro Município ou a Estado diverso, evidentemente a legitimação ad causam não lhes diz respeito. Todavia, se os interesses ameaçados ou lesados guardam ligação com vários Municípios,
qualquer deles poderá tomar a iniciativa da demanda. O Mesmo ocorre com os Estados, cuja atribuição mais significativa é relativa aos interesses regionais, estaduais e interestaduais. Em linha de princípio, União deverá se preocupar com os interesses de âmbito nacional, mas nada obsta a que adote a iniciativa da tutela de interesses locais ou regionais, mormente na omissão dos demais co-legitimados.
Por fim, como observa Silva164, a legitimação constante no
inciso II, do art. 82, do CDC é um corolário do art. 5º, XXXII, da CRFB/88, que
dispõe expressamente que é incumbência do Estado (sentido lato) promover, na
forma da lei, a defesa do consumidor.
3.1.1.3 Os órgãos da Administração Pública destinados à defesa do
consumidor
Com o art. 82, III, ambos do CDC, verifica-se que estão
também legitimados para a defesa dos interesses individuais homogêneos do
consumidor as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta,
ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos
interesses e direitos protegidos pelo CDC.
É com base neste dispositivo legal que se extrai a
legitimidade dos PROCON, tanto estaduais quanto municipais, do Departamento
de Proteção e Defesa do Consumidor (DPCD) do Ministério da Justiça, dentre
outras instituições pertencentes à Administração Pública destinados à defesa dos
interesses do consumidor.
164 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de defesa do consumidor anotado – e legislação complementar. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 334.
68
3.1.1.4 As associações civis
Da inteligência do art. 82, IV, do CDC, verifica-se que estão
legitimados para a defesa do consumidor, inclusive dos interesses individuais
homogêneos em juízo, “as associações legalmente constituídas há pelo menos
um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e
direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear”.
Conforme salienta Watanabe165, a legitimação dada às
associações é muito importante, haja vista que não podem os consumidores
“confiar apenas no paternalismo do Estado”, e está em consonância com o
objetivo constitucional de uma sociedade mais solidária, auferido do art. 3º, I, da
CRFB/88, uma vez que tal legitimação dá azo a uma sociedade melhor
estruturada e mais atuante na defesa dos interesses de seus membros torna-se
mais solidária.
Conforme se depreende do próprio artigo, desnecessária é a
autorização assemblear, para que uma associação esteja autorizada à promoção
da defesa dos interesses individuais homogêneos em juízo, sendo exigido,
entrementes, que a defesa dos interesses do consumidor seja uma das
finalidades da associação. De acordo com Benjamin166, a dispensa da autorização
assemblear é um grande avanço na atuação das associações, uma vez que a
remoção do óbice de que “a cada iniciativa da entidade no sentido da defesa dos
direitos por ela protegidos fosse exigida a reunião dos associados para a
respectiva autorização” e que tal previsão seria “um aspecto do esforço
legislativo, perceptível em diversas normas do Código, de estímulo à auto-
organização dos consumidores para defesa dos seus interesses”, o que também
está expressamente previsto no seu art. 5º, V do CDC.
165 WATANABE, Kazuou, In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 821 166 BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia de Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 988.
69
Entretanto, contrariamente a essa postura de incentivo ao
associativismo, cogita-se a Medida Provisória n. 2.180-35 de 24 de agosto de
2001, convertida na Lei n. 10.260 de 12 de julho de 2001, cujo art. 4º acrescentou
à Lei 9.494 de 10 de setembro de 1997, que disciplina a aplicação da tutela
antecipada contra a fazenda pública, o art. 2ºA, que prevê, em seu parágrafo
único, basicamente, que para que seja admitida uma ação de caráter coletivo,
promovida por uma associação civil, em face da União, dos Estados, do Distrito
Federal ou dos Municípios é necessária a autorização assemblear. Segue a
transcrição do dispositivo em comento:
2ºA (...).
Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços.
Concernente ao esse dispositivo legal, este não é bem visto
por muitos juristas, sendo possível encontrar na doutrina, críticas a ele.
Cita-se como exemplo Benjamin167, que entende que se
trata “de um retrocesso lamentável, nesta verdadeira atuação cívica das
associações na promoção dos direitos de seus associados e dos consumidores
em geral”.
Também Watanabe168:
A exigência de autorização assemblear, acompanhada da relação nominal dos associados e da indicação dos respectivos endereços, que representa um obstáculo para o acesso das associações à justiça e que limita às demandas intentadas contra o Estado e suas entidades autárquicas e fundacionais, é uma clara demonstração de privilégio que não coaduna com o princípio
167 BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia de Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 988 168WATANABE, Kazuou, In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 822.
70
da igualdade processual, decorrente da isonomia garantida pela constituição. (...)
Flagrante inconstitucional, por ferir a igualdade e obstaculizar o
acesso à justiça (...).
Conforme se pode observar, o doutrinador supra não
apenas critica o dispositivo em questão como também assevera ser este
inconstitucional.
Por fim, é válido ressaltar que, embora seja um dos
requisitos para legitimação à promoção de ações coletivas em defesa do
consumidor estar constituída há pelo menos um ano, o parágrafo 1º do art. 82,
prevê a possibilidade do Juiz dispensar, o requisito de pré-constituição quando
exista “manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do
dano ou pela relevância jurídica do bem a ser protegido”.
Feitas as pertinentes considerações acerca das instituições
cujo CDC atribuiu a legitimação para a promoção da ação coletiva em defesa dos
interesses individuais homogêneos do consumidor, passa-se à análise do foro
competente para a propositura desta ação, questão sobre a qual se cinge uma
das hipóteses do presente trabalho.
3.1.2 DA COMPETÊNCIA PARA O PROCESSAMENTO DA AÇÃO COLETIVA EM DEFESA
DOS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
A competência para processar e julgar a ação coletiva está
tratada no art. 93 do, CDC. Dispõe o referido artigo:
Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:
I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.
71
Conforme se verifica com o artigo acima transcrito, em um
primeiro momento o legislador se ocupou da competência em razão da matéria,
sendo claro ao dispor que poderão as demandas tramitar tanto na Justiça Comum
quanto na Justiça Federal, o que será determinado em razão do conteúdo da
demanda, nos termos do art. 109 da CRFB/88. Desta forma, sempre que a União,
entidade autárquica ou empresa pública federal tenham interesse direto na causa,
seja na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, será o Juízo Federal o
competente para julgar a demanda. Caso contrário, será a Justiça Comum a
Justiça que deverá tratar da demanda.
No que tange à competência territorial, esta, de acordo com
os incisos do art. 93 do CDC, será analisada em atenção à dispersão do dano que
enseja a ação coletiva.
Como se pode observar com o inciso I, do art. 93 do CDC,
quando o dano atingiu um número mais restrito de consumidores, concentrados
em uma determinada localidade, em razão da limitada circulação de produtos ou
da prestação de serviços circunscritos, a competência territorial será a do local
em que se efetivou o dano.
Quando o dano tiver, no entanto, dimensões mais latas,
atingindo pessoas dispersas por uma determinada região, ou, até mesmo, pelo
território nacional, o foro competente será o da Capital do Estado, ou o do Distrito
Federal, nos termos do art. 93, II, do CDC.
Chega-se aqui em um ponto controvertido por juristas
pátrios.
Salienta-se que a doutrina ainda não entrou em um
consenso de como deve ser interpretada o dispositivo legal em comento, em
especial, no tocante ao foro competente para processar demandas coletivas que
versem sobre dano de âmbito nacional, ponto sobre o qual se formaram dois
entendimentos doutrinários distintos: a) o de que a competência para julgar ações
coletivas que versem sobre danos de monta nacional seria somente o do Distrito
72
Federal; b) o de que o foro competente para este tipo de demanda seria
concorrente entre o foro da Capital do Estado e o Distrito Federal.
Como defensora do primeiro entendimento destacado, cita-
se Grinover169, que ao tratar do assunto assevera:
Sendo o dano de âmbito nacional, entendemos que a competência deveria ser sempre do Distrito Federal: isso para facilitar o acesso à justiça e o próprio exercício do direito de defesa por parte do réu, não tendo sentido que seja ele obrigado a litigar na capital de um Estado, longínquo talvez de sua sede, pela mera opção do autor coletivo. As regras de competência devem ser interpretadas de modo a não vulnerar a plenitude da defesa e o devido processo legal.
Ressalta-se que com base neste entendimento, já decidiu o
STJ170:
Campeonato Brasileiro de Clubes de Futebol Profissional. Ação cautelar e ação civil pública (intentadas nos foros das Capitais do Rio de Janeiro e São Paulo e no Distrito Federal). Dano (âmbito nacional). Entidade autárquica (interesse). Competência.
1. A ação civil pública há de ser proposta no foro do local onde ocorre o dano. É de natureza funcional (Lei nº 7.347/85, art. 2º).
2. Tratando-se de dano de âmbito nacional, caso em que o dano transcende a área geográfica de mais de um Estado, é competente para a causa o foro do Distrito Federal (Cód. de Def. do Consumidor, art. 93, II).
3. Entidade autárquica figurando no pólo passivo de uma das ações.
4. Conflito conhecido e declarada competente a Justiça Federal do Distrito Federal.
(grifos acrescidos)
Já de acordo com o segundo entendimento, a competência
para julgar de âmbito nacional é concorrente entre o foro da Capital do Estado e o
169 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 878. 170 STJ: CC 28003 / RJ. Rel. Ministro Nilson Naves. Órgão Julgador: Segunda Seção. J. 24/11/1999.
73
Distrito Federal, aplicando-se os ditames do Código de Processo Civil171 para a
resolução de conflitos.
Como adeptos deste entendimento, citam-se, Benjamin172,
que afirma que sendo o dano de âmbito nacional, ”surge a hipótese de
competência concorrente, cuja solução deve-se tomar diretamente do Código de
Processo Civil, em seus arts. 105 e 106”, Gonçalves173, e Mancuso174.
Registra-se com base nesse entendimento, já julgou STJ175
também, conforme se depreende dos dois de seus julgados colacionados abaixo:
Tratando-se de ação civil pública proposta com o objetivo de ver reparado possível prejuízo de âmbito nacional, a competência para o julgamento da lide deve observar o disposto no art. 93, II do Código de Defesa do Consumidor, que possibilita o ingresso no juízo estadual da Capital ou no Juízo Federal do Distrito Federal, competências territoriais concorrentes, colocadas em planos iguais.
COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE CONSUMIDORES. INTERPRETAÇÃO DO ART. 93, II, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO DE ÂMBITO NACIONAL.
Em se tratando de ação civil coletiva para o combate de dano de âmbito nacional, a competência não é exclusiva do foro do Distrito Federal.
Competência do Juízo de Direito da Vara Especializada na Defesa do Consumidor de Vitória/ES.
Também o Tribunal de Justiça de Santa Catarina176:
171 Doravante denominado CPC. 172 BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia de Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 988. 173 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Tutela dos interesses difusos e coletivos (Coleção sinopses jurídicas; v. 26). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 53. 174 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Manual do consumidor em juízo. 4 ed. Saraiva: São Paulo, 2007, p. 91. 175 primeira citação: STJ: REsp 218492 / ES. Órgão Julgador: Segunda Turma. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins. J. 02/10/2001; segunda citação: STJ: CC 26842 / DF. Órgão Julgador: Segunda Turma. Rel. Min. Waldemar Zveiter – Rel. p/ acórdão Min. Cesar Asfor Rocha. J. 10/10/2001. 176 TJSC: AC 2002.024833-4. Órgão Julgador: Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros. J. 29/09/2003.
74
Desse modo, sendo o dano de âmbito nacional, todas as capitais do país e o Distrito Federal, em princípio, serão competentes para o aforamento de ação civil pública, devendo ser ressaltado que deverá ser aplicado o critério da prevenção em caso de eventual conflito, ficando prevento aquele que primeiro despachar.
Atualmente esse último entendimento apresentado é o que
tem predominado nos tribunais pátrios, sendo tal fato, inclusive, reconhecido pela
própria Grinover177.
Não é para menos. A interpretação gramatical do art. 93, II,
do CDC, não permite a compreensão de que a competência para julgar os danos
de âmbito nacional é exclusiva do Distrito Federal, mas sim que a competência é
tanto deste ente da federação quanto do foro da Capital do Estado.
Ademais, respeitados os argumentos utilizados por Grinover,
destaca-se que um fornecedor que foi capaz de disseminar um dano de
proporções nacionais muito provavelmente deve ter melhores condições de litigar
na capital de um Estado longínquo de sua sede do que uma associação de
defesa do consumidor deste Estado teria em promover uma demanda no Distrito
Federal.
Por fim é válido pontificar que a competência territorial
tratada pelos incisos I e II do CDC é de cunho funcional, e, portanto, absoluta,
sendo iderrogável, improrrogável e identificável de ofício em qualquer tempo ou
grau de jurisdição178.
Sem mais questões a serem aventadas acerca da
competência, passa-se à análise das peculiaridades inerentes ao procedimento
adota nas ações coletivas.
177 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 878. 178 Nesse sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 879; e LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 216.
75
3.1.3 DO PROCEDIMENTO ADOTADO NAS AÇÕES COLETIVAS E SUAS PECULIARIDADES
Destaca-se, de início, que os artigos 91 ao 100 do CDC, que
regulamentam a Ação Coletiva para defesa dos interesses individuais
homogêneos, não trazem um procedimento autônomo a ser aplicado às ações
desta modalidade, mas apenas alguns aspectos processuais que deverão ser
observados. Aos demais aspectos, dos quais é omisso o CDC, aplicam-se as
disposições do CPC e da Lei da Ação Civil Pública, conforme o disposto no artigo
90 do CDC179.
Deve-se registrar que, em função de não possuir um
procedimento específico, aplicam-se às ações coletivas o procedimento ordinário,
disciplinado pelos artigos 282 e seguintes do CPC, observando-se, obviamente,
as peculiaridades procedimentais constantes no CDC180.
Assevera-se, desde já, que presente tópico não se presta a
um estudo exaustivo de todo o procedimento adotado na ação, mas sim das
peculiaridades e características inerentes às ações coletivas para defesa dos
interesses individuais homogêneos que as diferenciam das demais modalidades
de ações.
Inicialmente, ressalta-se o art. 94 do CDC, que determina
que o Juiz, ao receber a inicial, deverá ordenar a publicação de edital no Diário
Oficial a fim de possibilitar a intervenção dos interessados mediante litisconsórcio.
Segue sua transcrição:
Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.
179 CDC: Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições. 180 Nesse sentido: LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 225; e MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Manual do consumidor em juízo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 144.
76
Salienta-se que a jurisprudência tem entendido que a
inobservância do art. 94 do CDC não enseja a nulidade da ação, sob o
fundamento de se tratar de uma hipótese de litisconsórcio facultativo. Nesse
sentido, colhe-se do julgado do STJ181abaixo:
Não há nulidade na ausência de citação editalícia dos demais interessados (artigo 94 do CDC), pois trata-se, na verdade, de regra de litisconsórcio facultativo criada em benefício dos consumidores. Nada impede que aqueles que se sentirem prejudicados também.
E nesse também182:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 94 DO CDC. AUSÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DE EDITAL. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE.1. O descumprimento da exigência prevista no art. 94 do CPC, qual seja, a ausência de publicação de edital em órgão oficial que comunique aos supostos interessados a possibilidade de intervirem em ação civil pública como litisconsortes, não constitui nulidade hábil para ensejar a extinção de ação civil pública. Precedente. 2. Recurso especial provido.
É válido destacar, ainda, que muito embora o artigo em
comento conste expressamente o termo “litisconsortes”, a doutrina tem
controvertido quanto à natureza jurídica da intervenção facultada pelo artigo 94 do
CDC. Controvérsias estas que serão esmiuçadas no tópico posterior, destinado
especificamente aos institutos processuais do litisconsórcio e da assistência nas
ações coletivas.
Ainda no que concerne ao procedimento das ações
coletivas, é valido ressaltar o, já cogitado art. 92, do CDC, que prevê que nas
ações coletivas cujo Ministério Público não for o autor, deverá atuar como fiscal
da lei. Com base neste artigo constata-se que o parquet sempre atuará no
processo de conhecimento, sendo que nos casos em que esta instituição não for
autora, deverá ser notificado acerca dos atos processuais, sob pena de nulidade.
181 STJ: REsp 138411 / DF. Rel.: Min. Eliana Calmon. J. 13/02/2001. 182 STJ: REsp 205481 / MG. Rel.: Min. João Otávio de Noronha. J. 19/04/2005.
77
Outra peculiaridade que deve ser registrada ainda é no
tocante às sentenças de mérito. Destaca-se que as sentenças de procedência,
serão, obrigatoriamente, genéricas, se atendo a estabelecer o dever do réu de
indenizar, sem quantificar, no entanto o quantum a ser indenizado. Assim prevê o
artigo 95 do CDC, que dispõe:
Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados.
Tal dispositivo é reflexo de uma das características técnicas
inerentes à ação coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos do
consumidor: a “repartição da atividade cognitiva”.
Como já cogitado anteriormente (subtítulo 1.3.2.2), o
processo de conhecimento das ações coletivas se prestará apenas a um juízo de
certeza quanto à existência da lesão e o direito dos lesionados, que, até então,
não se sabe ao certo quem e quantos são estes, de serem ressarcidos. Em
função disto a sentença obrigatoriamente terá de ser genérica. A sentença
apenas confirmará a existência da lesão e o dever de indenizar, sem individuar os
lesionados ao qual a ordem judicial está assegurando o direito de ressarcimento
ou extensão dos danos acarretados a estes, o que será apenas apurado em fase
de liquidação, procedimento que será oportunamente análisado.
Destaca-se ainda, que a “repartição da atividade cognitiva”
se respalda nos princípios da, razoabilidade, da economia processual e da
celeridade. Ressalta-se que a apuração do quantun debeatur pode impor
dispêndios enormes, que serão completamente inúteis no caso de uma sentença
de improcedência. Conforme aduz Zavascki183, “não seria razoável investir tempo
e dinheiro na apuração minuciosa dos prejuízos causados (...) sem antes se
investigar se a responsabilidade foi da ré”.
183 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 164.
78
Abrangidos os pontos relevantes acerca do procedimento
das ações coletivas para defesa dos interesses individuais homogêneos do
consumidor, passa-se a analisar a possibilidade do litisconsórcio e d assistência
nas ações coletivas.
3.1.4 DO LITISCONSÓRCIO E DA ASSISTÊNCIA
Conforme se pode observar, as ações coletivas são
carreadas, para que alcance suas finalidades, de várias nuances com relação às
tradicionais ações de cunho individual. Tais nuances dão azo a situações
diferenciadas, o que acaba dando contornos diferenciados aos institutos
processuais do litisconsórcio e da assistência. Contornos estes que ora serão
esmiuçados.
Ressalta-se que, a respeito do assunto, três circunstâncias
distintas devem ser analisadas: a) a possibilidade destas figuras interventivas no
pólo ativo da demanda entre os co-legitimados para a propositura da ação
coletiva; b) a possibilidade destas figuras interventivas no pólo ativo entre o autor
coletivo e os detentores do interesses individuais homogêneos que dão ensejo à
demanda; e c) a possibilidade destas figuras interventivas no pólo passivo da
demanda.
No tocante à primeira circunstância abordada,
Gonçalves184, afirma que não há óbice algum. “A lei atribuiu legitimidade
concorrente e disjuntiva a vários entes, e cada um deles tem legitimidade para
propor a ação, mas nada impede que possam propô-la juntos”, pondera o
doutrinador.
No mesmo norte são os ensinamentos de Leonel185, que ao
tratar do assunto cogita, inclusive, a possibilidade do aditamento da inicial,
“respeitando-se os limites temporais que determinam a estabilização da
demanda”. 184 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Tutela dos interesses difusos e coletivos (Coleção sinopses jurídicas; v. 26). 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 75-76. 185 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 242-243.
79
Da mesma forma, no que concerne à assistência. “O art. 5º,
§ 2º, da Lei de Ação Civil Pública permite que, após o ajuizamento da demanda
por um deles os outros possam ingressar como litisconsortes. Mas não haverá
litisconsórcio, mas assistência litisconsorcial, fenômeno típico do campo da
substituição processual”, assevera Gonçalves186.
Exauridas as considerações acerca da possibilidade da
assistência e do litisconsórcio entre os autores co-legitimados para a demanda
coletiva, passa-se à análise da segunda circunstância aventada.
Ressalta-se, a princípio, o já cogitado, artigo 94 do CDC do
qual se extrai a possibilidade dos detentores do direito individual homogêneo
defendido na ação, participarem da demanda como litisconsortes do autor.
Segundo Benjamin187, o litisconsórcio facultado pelo artigo
94 do CDC possui natureza unitária, uma vez que a lide será decidida de forma
idêntica com relação a todos, no que tange a obrigação de indenizar ou não.
Entrementes, em que pese constar no artigo expressamente
o termo “litisconsortes”, encontra-se na doutrina certa resistência em aceitar que a
hipótese facultada pelo art. 94 do CDC consiste em um litisconsórcio.
O fato das vítimas individualmente consideradas não serem
dotadas de legitimidade ativa ad causam, corroborado pela resistência de parte
da doutrina em aceitar a formação do litisconsorte posterior188, bem como o fato
de não poderem os “litisconsortes” apresentar novas demandas, ampliando o
objeto do litígio à consideração de seus interesses pessoais189, têm levado
186 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Tutela dos interesses difusos e coletivos (Coleção sinopses jurídicas; v. 26). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 76. 187 BENJAMIN, Antônio Herman V. in BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia de Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 1075. 188 Segundo Venturi, estes seriam os motivos fundamentais para que parte da doutrina afastasse da hipótese do art. 94 do CDC a caracterização do litisconsórcio. VENTURI, Elton. “Sobre a intervenção individual nas ações coletivas”, in DIDIER JUNIOR, Fredie, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord). Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil – e assuntos afins. São Paulo: RT. 2004, p. 251. 189 Grinover aventa este como um dos motivos para que alguns doutrinadores entendam se tratar a intervenção facultada pelo art. 94 do CDC como uma “assistência litisconsorcial” . in
80
muitos juristas a afirmar que não se trata de uma intervenção litisconsorcial, mas
sim de uma “assistência litisconsorcial”190.
Destaca-se que, de acordo com Spadoni191, o entendimento
predominante na doutrina é a de que a intervenção ora analisada mais se
aproxima da “assistência litisconsorcial” prevista no art. 54 do CPC192.
No entanto, o doutrinador assevera, que a “assistência
litisconsorcial“ trazida pelo art. 54 do CPC não se identifica, plenamente, com a
figura interventiva ora analisada. Segundo Spadoni193, o art. 94 do CDC trouxe, a
rigor, uma nova figura de intervenção no processo que não pode ser equiparada a
nenhuma das figuras interventivas constantes no CPC que foi por ele denominada
de “assistência coletiva simples”.
É válido destacar, ainda, que a intervenção em comento não
se mostra muito conveniente aos interessados, em especial, em função dos
efeitos coisa julgada, que, conforme melhor será visto adiante, no caso de
procedência da ação beneficiará a todos os interessados, independente de terem
intervindo ou não na demanda e já no caso da improcedência da demanda não
prejudicará os interessados, com exceção daqueles que intervieram na demanda.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 882. 190 Nesse sentido: Marcelo Abelha Rodrigues apud VENTURI, Elton. Sobre a intervenção individual nas ações coletivas. DIDIER JUNIOR, Fredie, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord). Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil – e assuntos afins. São Paulo: RT. 2004, p. 252; e Arruda Alvim apud GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 882. 191 SPADONI, Joquim Felipe. Assistência coletiva simples: a intervenção dos substituídos nas ações coletivas para defesa de direitos individuais homogêneos. DIDIER JUNIOR, Fredie, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord). Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil – e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2004, p. 504. 192 CPC: Art. 54. Considera-se litisconsorte da parte principal o assistente, toda vez que a sentença houver de influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido. (...) 193 SPADONI, Joquim Felipe. Assistência coletiva simples: a intervenção dos substituídos nas ações coletivas para defesa de direitos individuais homogêneos in DIDIER JUNIOR, Fredie, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord). Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil – e assuntos afins. São Paulo: RT. 2004, p. 504 – 513.
81
Por fim, no que diz respeito à possibilidade da terceira
circunstância aventada, a qual seria, a possibilidade de assistência e litisconsórcio
no pólo passivo da demanda coletiva, não há razão para delongas.
Conforme pontifica Leonel194, “tanto uma quanto outra
modalidade de intervenção poderão ocorrer desde que presentes os fundamentos
do litisconsórcio passivo (necessário, facultativo, simples e unitário), ou a
assistência simples ou qualificada”.
Assim também compreende Gonçalves195, que ao tratar do
assunto se atém a afirmar que “no pólo passivo não há nenhuma peculiaridade”.
Abordados os pontos importantes a respeito das figuras
interventivas do litisconsórcio e da assistência, passa-se ao estudo da
possibilidade outras modalidades de intervenção: as intervenções de terceiros.
3.1.5 DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
Da mesma forma como ocorre com os institutos do
litisconsórcio e da assistência, as peculiaridades inerentes às demandas coletivas
dão contornos diversificados às intervenções de terceiros.
A exemplo do tópico anterior, não se destina, o presente, ao
estudo exaustivo das de cada uma das modalidades de intervenção de terceiros,
mas, somente, uma análise quanto à possibilidade de seu emprego e as
peculiaridades delas decorrentes nesta modalidade de ação.
No que diz respeito às modalidades da oposição (arts. 56 a
61 do CPC), “ação de natureza incidente, em que o interessado ingressa na
pendência judicial alheia (desenvolvida entre terceiros, autor e réu daação
principal), tencionando obter, em todo ou em parte a coisa ou o direito sobre o
194 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p 241-242. 195 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Tutela dos interesses difusos e coletivos (Coleção sinopses jurídicas; v. 26). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 78.
82
qual recai a controvérsia originária”196, e da nomeação à autoria (arts. 62 a 69 do
CPC), instituto processual empregado por aquele que detém coisa alheia,
demandada em nome próprio, “destinado à correção do pólo passivo da
demanda”197, pode-se afirmar que em virtude de sua natureza é praticamente
impossível sua incidência na ação coletiva para defesa dos interesses individuais
homogêneos.
Assim compreende Leonel198 que preleciona:
Pela própria natureza destes institutos e em razão da dicção legal, com referência à posse, à detenção, à propriedade, e à coisa, fica evidenciado que se destinam com maior probabilidade aos conflitos de natureza individual. Deste modo, embora, a princípio, não haja expressa vedação, não é factível a oposição em sede de tutela coletiva. Por outro lado, muito difícil, mas não impossível, a verificação da nomeação à autoria em sede coletiva -, pois destina-se somente já correção do pólo passivo da demanda.
No tocante ao instituto da denunciação da lide (arts. 70 a 76
do CPC), instituto processual cujo objetivo é “inserir num só procedimento duas
lides, interligadas”199a aplicação deste é controvertida pela doutrina.
Parte da doutrina entende ser incabível a denunciação da
lide nas ações coletivas, haja vista que afrontaria a economia processual
almejada pela processualística coletiva que diria respeito, apenas, ao
ressarcimento das lesões aos interesses transindividuais e não às relações
jurídicas de cunho individual que, obrigatoriamente, teriam de ser dirimidas na
demanda coletiva no caso acolhimento de eventual denunciação da lide.
Nesse sentido, às lições de Leonel200:
196 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 236. 197 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 236. 198 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 236-237. 199 ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo, WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo e processo de conhecimento Vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 249.
83
Em toda e qualquer hipótese, a denunciação da lide acabaria por militar contra a efetividade da tutela coletiva e a preservação dos interesses metaindividuais – finalidade última da respectiva demanda -, e em função disso, não poderia ser aceita. É a pacificação social, pelo equacionamento do conflito coletivo, o escopo perseguido na demanda coletiva. A discussão inerente à partilha de responsabilidade ou exercício de regresso, entre autores da lesão ao interesse metaindividual tutelado é questão secundária e deve ser dirimida nas vias próprias, sem tumultuar o andamento do processo coletivo.
Já parte da doutrina entende ser cabível às ações coletivas
a denunciação da lide, sob o fundamento de que seria mais um instrumento para
a obtenção de resultados eficazes com o processo coletivo considerados, aqui, de
forma global, e não restrito ao ponto de vista que consiste no célere atendimento
da pretensão do autor201.
É válido salientar, que de acordo com as lições de Leonel202,
o entendimento doutrinário prevalecente é o da inaplicabilidade da denunciação
da lide às ações coletivas.
Por derradeiro, quanto à possibilidade do chamamento ao
processo (arts. 77 a 80 do CPC), “instituto que consiste num meio de formação de
litisconsórcio passivo por iniciativa do réu”203, este é admissível nas demandas
coletivas.
Segundo Leonel204, dada a solidariedade entre os
responsáveis pela lesão aos interesses transindividuais, é “razoável a aceitação
do chamamento ao processo dos co-responsáveis, para que seja acertada a 200 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 239. 201 Nesse sentido: DINAMARCO, Candido Rangel. apud LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 238. 202 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 238. 203 ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo, WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil – teoria geral do processo e processo de conhecimento Vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 253. 204 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 238
84
respectiva responsabilidade, mormente considerando que prejuízo algum trará à
proteção do interesse coletivo, servindo, ao contrário, como reforço da
possibilidade concreta de reparação”.
Feitas as necessárias observações acerca da intervenção
de terceiros, passa-se ao próximo tópico no qual será estudada a relação entre as
ações coletivas e as ações para ressarcimento de danos sofridos.
3.2 DA RELAÇÃO ENTRE AS AÇÕES COLETIVAS PARA DEFESA DOS
INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DO CONSUMIDOR E AS
AÇÕES INDIVIDUAIS PARA O RESSARCIMENTO DE DANOS SOFRIDOS
Ressalta-se que a relação entre as ações coletivas para
defesa dos interesses individuais homogêneos do consumidor e as ações
individuais para o ressarcimento de danos sofridos é outro ponto peculiar sobre o
qual se encontram controvérsias doutrinárias.
O estudo da relação entre esses dois tipos de ação é
importante haja vista ser a intercorrência entre ações coletivas para defesa dos
interesses individuais homogêneos do consumidor e ações individuais para
ressarcimento de danos é uma típica situação.
3.2.1 DA LITISPENDÊNCIA, DA CONEXÃO E DA CONTINÊNCIA
Conforme lembra Leonel205, “as normas que tratam da
conexão, continência, e a coisa julgada têm por finalidade última evitar a
ocorrência do conflito lógico e prático de julgados”.
Destaca-se que, embora não existam grandes dificuldades
na identificação destas situações no processo individual, nas demandas coletivas,
em função das peculiaridades inerentes aos interesses, um pouco mais
complicado se mostra a constatação destes fenômenos, o que é refletido nas
controvérsias encontradas na doutrina e jurisprudência pátria. 205 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 249.
85
De início, ressalta-se que a única referência extraída do
CDC a respeito de um destes institutos jurídico frente às demandas coletivas é
observada no artigo 104 que fala da litispendência. Segue sua transcrição:
Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.
Segundo esse dispositivo, as ações coletivas movidas em
defesa dos interesses difusos e/ou coletivos (art. 81, parágrafo único, incisos I e
II, do CDC, respectivamente), não induzem a litispendência para ações individuais
de ressarcimento de danos que tenham por fundamento o mesmo evento danoso.
Como se pode observar, concernente à litispendência, este dispositivo não faz
menção alguma às ações coletivas para defesa dos interesses individuais
homogêneos do consumidor (art. 81, parágrafo único, III, do CDC). Entretanto, é
correta a afirmação de que não há a ocorrência da litispendência entre as ações
coletivas para defesa dos interesses individuais homogêneos do consumidor e a
ação individual.
Ressalta-se, a princípio, que, como é cediço, o fenômeno da
litispendência, nos termos dos parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 301 do CPC, é
caracterizado pela presença, cumulativa, de três elementos nas ações que ainda
estão em andamento: mesmas partes; mesma causa de pedir; e mesmo pedido.
Destarte, analisando os elementos da litispendência,
constata-se que não poderá a ação coletiva que verse sobre interesses
individuais homogêneos induzir a litispendência também. Conforme assevera
Gonçalves206, “nas ações individuais o lesado formula sua pretensão – em regra
reparatória – de forma específica, ao passo que nas ações coletivas a postulação
206 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Tutela dos interesses difusos e coletivos (Coleção sinopses jurídicas; v. 26). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 93.
86
versa sobre direitos de todo um grupo de lesados, unidos por uma origem comum,
com pedido de condenação genérico”, sendo que seus pedidos são diferentes.
Há para o doutrinador, no entanto, a ocorrência da
“conexão207, em especial, da continência208” o que demandaria a reunião dos
autos nos termos do art. 105 do CPC.
No mesmo diapasão, os ensinamentos de Grinover209, que
compreende a ocorrência da continência, uma vez que o objeto da ação coletiva,
mais amplo, abrangeria o das ações individuais e aponta a reunião dos processos
como medida possível.
Entrementes, mesmo defendendo em um primeiro momento
a reunião dos processos, Grinover210 reconhece que isto poderia inviabilizar a
ação coletiva. Assevera a doutrinadora que “a ação coletiva poderia ser
comprometida e embaraçada pelas ações individuais propostas, além da
circunstância da inviabilidade da reunião de processos que podem ser milhares”,
razão que a leva a asseverar que a melhor forma de resolver a questão da
continência seria pela suspensão nos moldes do art. 265, IV, “a”, do CPC211.
Deve-se destacar que há, ainda, quem compreenda que,
mesmo em se tratando de um caso de conexão ou continência, as ações
individuais não devem ser reunidas à coletiva, uma vez que, da inteligência da
parte final do art. 104 do CDC, se extrairia a constatação de que as ações
207 CPC: Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando Ihes for comum o objeto ou a causa de pedir. 208 CPC: Art. 104. Dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras. 209 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 944. 210 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 945. 211 CPC: Art. 265. Suspende-se o processo: (...) IV - quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente; (...)
87
coletivas são autônomas e podem ter curso independente das coletivas. Nesse
sentido, o julgado do STJ212 abaixo colacionado, no qual, a autonomia das ações
individuais em face das coletivas foi empregada como um dos fundamentos para
afastar a reunião dos autos por força da conexão:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO COLETIVA E AÇÃO INDIVIDUAL. AUTONOMIA. REUNIÃO DE PROCESSOS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. MODIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A ação individual pode ter curso independente da ação coletiva para defesa de direitos individuais homogêneos.
2. A competência absoluta não pode ser modificada por conexão ou continência (CPC, art. 102). 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de São José dos Pinhais/PR, o suscitado.
(grifos acrescidos)
Conforme se verifica, muito embora a doutrina e a
jurisprudência sejam harmônicas no sentido de que a ação coletiva para defesa
dos interesses individuais homogêneos do consumidor não induz litispendência
para as ações individuais, existe nelas discrepância quanto ao configurarem a
conexão ou a continência, bem como a melhor forma de evitar os conflitos lógicos
que podem advir desta situação.
Demonstradas as questões pertinentes a respeito da
litispendência, conexão e continência entre as ações coletivas e individuais,
passa-se à análise de um instituto que está diretamente relacionado com estes,
haja vista que possui também a finalidade de trazer a segurança jurídica: a coisa
julgada.
3.2.2 DOS EFEITOS DA COISA JULGADA
Salienta-se que o regime da coisa julgada nas ações
coletivas possui inúmeras peculiaridades em relação das ações individuais.
No que diz respeito ao efeito da coisa julgada das sentenças
proferidas nas ações coletivas para defesa dos interesses individuais
212 STJ: CC 41953 / PR. Rel.: Min. Teori Albino Zavascki. j. 25/08/2004.
88
homogêneos do consumidor, ressalta-se que este se encontra previsto no art.
103, do inciso III, do CDC, que prevê:
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
(...)
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
(...)
Com base no artigo acima, pode-se constatar, que, regra
geral, no caso de procedência da ação, a sentença beneficiará a todas as vítimas
do evento danoso e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação da
sentença e, posteriormente, à execução, nos termos do artigo 97 do CDC.
Entrementes, cita-se, como exceção à regra, a parte final do, já abordado, art. 104
do CDC, que dispõe, basicamente, que o benefício do efeito erga omnes
constante no art. 103, III, do CDC, não atingirá os autores das ações individuais,
que, no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da
ação, não requererem a suspensão de suas demandas.
Já para o caso de improcedência da ação, a coisa julgada
não atingirá as vítimas e seus sucessores, estando estes possibilitados de
ingressar com ação de indenização a título individual. Como exceção a esta regra,
cita-se o disposto no parágrafo 2º do art. 103, norma com a qual se verifica que a
coisa julgada, no caso de improcedência da ação, atingirá, no entanto, aqueles
que tiverem participado da ação coletiva como “litisconsortes”. Senão veja-se a
transcrição do referido dispositivo:
Art. 103. (...)
§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.
(...)
89
É de valia ressaltar que, conforme observa Zavascki213, do
conjunto de normas que tratam da coisa julgada nas ações coletivas para defesa
dos interesses individuais homogêneos do consumidor, percebe-se o nítido
desestímulo do legislador no ingresso dos interessados como litisconsortes e no
prosseguimento das ações individuais. Embora não desautorize estas hipóteses,
impôs um risco adicional àqueles que nelas incorrerem: “aos litisconsortes, o de
sofrer os efeitos da sentença da improcedência da ação coletiva; e aos
demandantes individuais, o risco de não se beneficiarem da sentença de
procedência”, assevera o doutrinador.
Por fim, traz-se à baila um ponto abordado com freqüência
pelos estudiosos da tutela jurisdicional coletiva: a abrangência do efeito erga
omnes frente ao art. 16 da Lei 7.347/85, com a redação dada pela Medida
Provisória nº 1.570-5, de 1997, posteriormente convertida na Lei 9.494/97.
É que de acordo com a redação deste artigo, o efeito erga
omnes característico de algumas sentenças de ações coletivas estaria restrito aos
limites da competência territorial do órgão prolator. Senão, veja-se a transcrição
do artigo em questão:
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites
da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for
julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em
que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico
fundamento, valendo-se de nova prova.
No que diz respeito à motivação da alteração do artigo 16 da
Lei 7.347/85, a doutrina não destoa em asseverar que o objetivo do Poder Público
não foi outro, senão, a restrição dos efeitos da coisa julgada nas demandas
coletivas214. Motivação esta que restaria evidenciada, também, pela inclusão do
213 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo – tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 194. 214 Nesse sentido: Benjamin, in BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia de Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 1129-1130; Grinover, in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo:
90
artigo 2º-A, à Lei 9.494/97215 pela Medida Provisória 2.180-35, de 2001, cuja
redação também prevê a restrição da coisa julgada das demandas coletivas aos
limites da competência territorial do órgão prolator.
Segundo Grinover216, foi, inclusive, o campo da tutela
jurisdicional dos interesses individuais homogêneos, no qual a jurisprudência
vinha se firmando com veemência, no sentido da abrangência em nível nacional
da coisa julgada erga omnes, que desencadeou a reação Poder Executivo que
culminou na Medida Provisória que alterou a redação do artigo em comento.
Entretanto, afirma a doutrinadora, e, neste ponto,
acompanhada por outros estudiosos da tutela jurisdicional coletiva, que não teria
o Poder Público logrado êxito com a sua manobra, uma vez que a Lei 7.347/85
diria respeito, tão-somente, aos interesses difusos e coletivos, lato senso, não
atingindo os interesses individuais homogêneos, cuja regulamentação se faz pelo
CDC217.
No mesmo norte, as lições de Benjamin218, que é claro ao
dispor que “ainda que a tentativa tenha sido de limitar a eficácia das normas do
Código, em relação, sobretudo, à tutela dos interesses e direitos individuais
homogêneos, não obteve êxito, uma vez que em relação a estes o CDC
estabelece regime próprio, não modificados pela nova redação do art. 16 da
LACP”; e de Leonel219, que assevera, ainda, a ocorrência de inconstitucionalidade
Forense Universitária, 2004, p. 919 – 923; e Leonel, in LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 282-285. 215 Lei 9.494/97: Art. 2o-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. 216 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 921. 217 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 921. 218 Benjamin, in BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia de Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1129. 219 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 283.
91
nas Medidas Provisórias cogitadas, uma vez que “desprovidas dos requisitos
essenciais e da urgência e relevância da matéria, que justificam sua impugnação”.
Desta forma, segundo boa parte da doutrina, em que pesem
as disposições do art. 16 da Lei 7.347/85, os limites da coisa julgada na tutela
jurisdicional dos interesses individuais homogêneos do consumidor constantes no
CDC permanecem intocados.
Sem mais considerações concernentes aos efeitos da coisa
julgada, passa-se a parte final do presente trabalho na qual serão analisados os
procedimentos de liquidação e execução das sentenças de procedência das
ações coletivas para defesa de interesses individuais homogêneos do
consumidor.
3.3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO DAS
SENTENÇAS PROFERIDAS NAS AÇÕES COLETIVAS PARA DEFESA DOS
INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DO CONSUMIDOR
Conforme já cogitado, em caso de procedência da ação
coletiva a sentença condenatória será sempre genérica, fixando apenas o dever
de indenizar do réu, de tal sorte que é curial para que se alcance a efetividade da
tutela dos interesses individuais homogêneos um procedimento de liquidação de
sentença.
Não só um procedimento de liquidação da sentença
genérica é necessário, mas também um eficiente procedimento executório que
coaja o réu a cumprir com sua obrigação de indenizar.
Com o fito de melhor compreender os institutos destinados a
garantir efetividade do provimento jurisdicional condenatório, ora os
procedimentos de liquidação e de execução das sentenças condenatórias das
ações coletivas serão detalhadamente observados.
3.3.1 DA LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA GENÉRICA
A liquidação de sentença é procedimento essencial para a
92
averiguação dos danos individualmente sofridos.
É mediante este procedimento que se apurará o valor a ser
pago pelo réu a título de ressarcimento, bem como se individualizará os
detentores do direito de obter o ressarcimento confirmado pela sentença
condenatória.
Conforme assevera Grinover220, “por intermédio dos
processos de liquidação ocorrerá uma verdadeira habilitação das vítimas e
sucessores, capaz de transformar a condenação dos prejuízos globalmente
causados no art. 95, em indenizações pelos danos individualmente sofridos”.
Salienta-se que, de acordo com Benjamin221, o
procedimento de liquidação das sentenças condenatórias genéricas muito se
assemelha com modalidade de liquidação por artigos, prevista no art. 475-E do
CPC222, haja vista que “aqueles que pretendam habilitar-se para o procedimento
de liquidação e execução deverão comprovar sua condição de titulares dos
direitos no que diz respeito a condenação, assim como os prejuízos sofridos”.
Destaca-se ainda, que não só as vítimas e sucessores
poderão promover a liquidação da sentença, como também os legitimados para a
propositura da ação coletiva poderão promover a liquidação da sentença, nos
termos do art. 97 do CDC223.
Entretanto, ao contrário do que ocorre no processo de
conhecimento, aqui não se trata de legitimidade extraordinária, mas sim de
legitimidade mediante representação, na qual as pessoas enumeradas no art. 82
do CDC agem em nome das vítimas e sucessores, haja vista o caráter
estritamente individual da liquidação.
220 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 869. 221 BENJAMIM, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia de Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 1087. 222 CPC: Art. 475-E. Far-se-á a liquidação por artigos, quando, para determinar o valor da condenação, houver necessidade de alegar e provar fato novo. 223 CDC: Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.
93
Assim compreende Grinover224, que em função disso afirma,
inclusive, que não teria o Ministério Público legitimidade para esta modalidade de
liquidação, por se tratarem de direitos individuais disponíveis.
Ainda no tocante ao procedimento de liquidação, são válidas
algumas considerações acerca do foro competente.
Pontifica-se que o vetado parágrafo único do artigo 97 do
CDC previa de forma expressa que a liquidação de sentença poderia “ser
promovida no foro do domicílio do liquidante”.
Em razão de compreender que tal dispositivo dissociaria, “de
forma arbitrária, o foro dos processos de conhecimento e de execução, rompendo
o princípio da vinculação quanto à competência entre esses processos”225 o
Poder Executivo procedeu o veto do referido dispositivo.
Entretanto, a medida adotada pelo Poder Executivo não
surtiu os efeitos pretendidos.
Assim leciona Grinover226, que ao tratar do assunto, pondera
que, embora tenha o veto extraído o dispositivo legal que previa expressamente o
domicílio do liquidante como um dos foros competentes para a promoção da
liquidação, o veto deixou intocado o inciso “I” do parágrafo 2º do art. 98 do CDC,
que, basicamente, prevê que o foro competente para a promoção da execução é
tanto o da liquidação da sentença quanto o da ação condenatória. Assim, ante ao
fato do art. 98, § 2º, I, do CDC, autorizar a constatação de que o foro da
liquidação pode ser distinto do da sentença condenatória, tendo em vista que a lei
não possui disposições inúteis, é aplicável, de forma analógica, o disposto no
224 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 887. 225 Mensagem de veto ao parágrafo único do artigo 97 do CDC. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_98/vep664-L8078-0.htm#art97p Acesso em: 26 de outubro de 2008. 226 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 888-889.
94
inciso I do art. 101 do CDC227, possibilitando a promoção da liquidação no foro de
seu domicílio.
Nesse sentido, as lições de Benjamin228:
Com o veto ao art. 97, é preciso interpretar o art. 98 em conformidade com o espírito do CDC, que, como insistimos repetidas vezes, tem por idéia força a promoção do direito de acesso do consumidor à justiça. Assim ao permitir ambos, e considerando que em matéria de ação coletiva, a habilitação do consumidor equivale, em termos práticos, ao exercício da pretensão coletiva, nada mais correto que interpretar-se este artigo em conformidade com o disposto no artigo 101, I, do CDC, que admite o foro da ação individual no domicílio do consumidor.
Desta forma, com base na doutrina predominante, constata-
se que a liquidação da sentença genérica pode ser promovida tanto no juízo em
que tramitou a ação de conhecimento, quanto no juízo do domicílio do liquidante.
Por fim, é válido fazer algumas considerações acerca das
disposições do artigo 100 do CDC.
Estabelece o aludido artigo:
Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.
Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985.
Como se pode observar, o artigo acima possibilita que os
legitimados à ação coletiva, promovam a liquidação da sentença genérica, caso,
decorrido o prazo de um ano e o número de habilitações para execução de 227 CDC: Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas:
I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor; (...) 228 BENJAMIN, Antônio Herman V. in BENJAMIM, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia de Lima, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1096.
95
sentença for incompatível que a gravidade do dano.
Segundo Grinover229, o objeto desta modalidade de
liquidação será o “prejuízo globalmente causado” e não os prejuízos sofridos,
como nas liquidações promovidas pelas vítimas da conduta danosa.
Deve-se registrar, ainda, que os valores adquiridos desta
forma serão revertidos para o fundo criado pelo artigo 13 da Lei 7.347/85.
Ressalta-se também, que o prazo de um ano trazido pelo
artigo em comento não se trata de prazo preclusivo.
Como lembra Grinover230, “o prazo para preclusão não
poderá ser inferior ao legalmente previsto para a prescrição do direito, ou da
pretensão material”.
Assim, tratando-se de ação embasada no regime de
responsabilidade civil determinado pelo CDC, para o fato do produto ou de
serviço, o prazo para que se ingresse com a liquidação será o de 5 (cinco) anos
contado da expedição de editais de divulgação do trânsito em julgado da
sentença condenatória genérica, nos termos do art. 27 do CDC.
Sem mais considerações acerca da liquidação da sentença
condenatória nas ações coletivas, passa-se a análise do procedimento de
execução.
3.3.2 DA EXECUÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA
Averiguado o nexo causal e quantificado o valor da lesão
mediante o procedimento de liquidação, a vítima está apta a ingressar com o
procedimento executório, a fim de obter o devido ressarcimento.
A respeito de tal procedimento, ressalta-se que o CDC
229 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 895. 230 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 886
96
contempla duas espécies de execução distintas: A execução individual, na qual a
vítima ou seu sucessor, por conta própria, promove o procedimento executório; e
a execução coletiva, na qual os legitimados para a propositura da ação
promoveram a execução em favor das vítimas cuja indenização já se tenha fixado
em liquidação de sentença, conforme previsto no caput do art. 98 do CDC231.
Quanto ao procedimento executório individual, pode-se
afirmar que não há muito a ser observado. O lesionado, munido de sua sentença
de liquidação promoverá o processo de execução nos ditames do CPC,
observando-se as poucas particularidades constantes no CDC, como por
exemplo, o foro competente que conforme já salientado poderá ser, “o foro da
liquidação da sentença ou da ação condenatória” (art. 98, § 2º, I, do CDC).
Situação completamente diferente se tem no que diz
respeito à execução coletiva, um procedimento singular introduzido no sistema
jurídico pátrio pelo CDC.
No que concerne à execução coletiva, salienta-se, a
princípio, que, segundo o magistério de Grinover232, “a execução coletiva é
necessariamente individualizada, abrangendo o grupo de vítimas cujas
indenizações já tiverem sido fixadas na(s) sentença(s) de liquidação”, ou seja,
embora se trate apenas de um processo de execução, os valores da condenação
são tomados individualmente para cada um dos interessados.
Ressalta-se, ainda, que nos termos do parágrafo 1º do artigo
98, “a execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de
liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado”.
Caso da certidão das sentenças não se vislumbre a
ocorrência do transito em julgado, a execução deverá ser procedida de forma
231 CDC: Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. 232 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 890.
97
provisória, conforme art. 587, do CPC233.
No tocante ao foro competente, ressalta-se que ao contrário
da execução individual, o foro competente, na execução coletiva, será,
obrigatoriamente, o “da ação condenatória” (art. 98, § 2º, II, do CDC).
Por derradeiro, deve-se registrar, também, que no caso de
concurso de créditos entre os decorrentes de condenação à reparação de danos
provocados a bens indivisíveis, nos termos da Lei n.° 7.347/85 e os decorrentes
de condenação ao ressarcimento de danos individualmente sofridos pelas vítimas
do mesmo evento danoso, este terá preferência sobre aquele. É o que dispõe o
art. 99 do CDC. Segue a transcrição:
Art. 99. Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação prevista na Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985 e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento.
Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância recolhida ao fundo criado pela Lei n°7.347 de 24 de julho de 1985, ficará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau as ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas.
Não só afirmou ter os créditos destinados ao ressarcimento
dos danos individualmente sofridos preferência, como também tratou de medidas
assecuratórias de tal privilégio.
É a constatação extraída do parágrafo único do artigo 99 do
CDC acima transcrito, que prevê a sustação da destinação da reparação de
danos à coletividade de natureza indivisível, enquanto pendentes de decisão de
segundo grau as ações de indenização pelos danos individuais, ressalvada a
hipótese de o patrimônio do devedor ser manifestamente suficiente para
responder pela integralidade das dívidas, ocasião em que o juiz não precisará
233 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 891.
98
determinar a sustação234.
Feitas as considerações pertinentes acerca da ação coletiva
para defesa de interesses individuais homogêneos passa-se às considerações
finais com as quais se encerrará o presente trabalho.
234 Segundo Grinover, a ressalva constante à sustação será determinada a critério do Juiz. In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante projeto. 8. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 892.
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao dia quatro do mês de novembro do ano de dois mil e oito,
concluiu-se o trabalho monográfico, Ação coletiva para defesa de interesses
individuais homogêneos do consumidor, tido como pré-requisito para a conclusão
do curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí.
Como se pôde observar, a presente monografia se dividiu
em três capítulos - Interesses transindividuais e a tutela jurisdicional coletiva do
consumidor; Considerações acerca do Ministério Público e sua atuação na defesa
dos interesses individuais homogêneos do consumidor; e, por fim, Ação coletiva
para defesa dos interesses individuais homogêneos do consumidor –, tendo por
fonte de pesquisa à legislação, a doutrina e a jurisprudência brasileira
concernentes ao tema.
A presente pesquisa teve por objeto central, a ação coletiva
para defesa de interesses individuais homogêneos.
Com o presente trabalho constatou-se que o Brasil, desde a
década de sessenta, vem se ocupando da tutela jurisdicional coletiva e da defesa
de interesses transindividuais, sendo que, atualmente, possui um avançado
sistema de processos coletivos se comparado com o de muitos outros países de
primeiro mundo, inclusive.
Verificou-se que o ordenamento jurídico pátrio subdivide os
interesses juridicamente tutelados de forma coletiva em três modalidades
distintas, as quais seriam: os interesses difusos; os interesses coletivos e os
interesses individuais homogêneos, sendo que, para as duas primeiras
modalidades de interesses transindividuais citadas, o instrumento hábil para sua
defesa é a ação civil pública regulamentada pela Lei 7.347/85 e para a última a
ação coletiva regulamentada pelo capítulo II, do título III, do CDC.
100
Constatou-se que a ação coletiva, assim como a modalidade
dos interesses individuais homogêneos do consumidor, é uma inovação no
ordenamento jurídico pátrio introduzida pelo CDC e, devido as varias
peculiaridades, diversas controvérsias a seu respeito são extraídas da doutrina e
da jurisprudência.
No mais, com base em todo o estudo realizado, retomam-se
as hipóteses levantadas para a presente pesquisa:
No que diz respeito à primeira hipótese restou parcialmente
confirmada, considerando que a doutrina controverte quanto à natureza
transindividual dos interesses individuais homogêneos do consumidor.
Concernente à segunda hipótese restou confirmada, uma
vez que a corrente doutrinária contrária a legitimidade do Ministério Público para a
propositura da ação coletiva para defesa dos interesses individuais homogêneos
do consumidor resta praticamente, senão completamente, extirpada do
ordenamento jurídico pátrio, residindo, entretanto, controvérsias a respeito de
estar o Ministério Público sempre legitimado ou somente quando for auferida a
relevância social dos interesses individuais homogêneos em questão, o que se
faz em atenção à matéria que esteja sendo tratada pela ação, ou pela notória
expressão numérica de interessados na demanda.
Por derradeiro, no tocante à terceira hipótese, esta restou
parcialmente confirmada, haja vista que se colhe da doutrina e da jurisprudência
dois entendimentos distintos quanto a competência para julgar as ações coletivas
para defesa de interesses individuais homogêneos do consumidor cujo dano
possui âmbito nacional: o entendimento de que o foro competente para este tipo
de demanda seria concorrente entre o foro da Capital do Estado e o Distrito
Federal, nos termos da hipótese em questão; e o de que a competência para
julgar demandas desta extensão seria exclusiva do Distrito Federal.
O método utilizado na fase de investigação foi o indutivo e
na fase do Relatório da Pesquisa também foi à base indutiva.
101
Foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, dos
conceitos operacionais, da pesquisa bibliográfica e do fichamento.
Finalmente, salienta-se que, embora amplamente
esmiuçada, a pesquisa não esgotou o objeto de pesquisa, existindo ainda
questões acerca da ação coletiva para defesa dos interesses individuais
homogêneos do consumidor que podem ser objeto de futuras pesquisas, como,
por exemplo, a natureza jurídica da sentença genérica de procedência, ou uma
análise comparativa com as class actions norte-americanas das quais deriva
nossa ação coletiva.
102
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103
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104
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Data do Julgamento: 13/02/2001.
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